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Thaumazein, Ano VII, v. 9, n. 17, Santa Maria, p. 3-14, 2016.
Recebido em: 10.06.2015. Aprovado em: 18.07.2016.
ISSN 1982-2103
O AUTOR EM QUESTÃO EM BARTHES E FOUCAULT
THE AUTHOR IN QUESTION IN BARTHES AND FOUCAULT
Marco Antônio Sousa Alves1
Resumo
O presente trabalho investiga a figura do autor a partir dos estudos elaborados por Roland Barthes e Michel
Foucault no final dos anos sessenta e no início dos anos setenta. Neles encontramos uma crítica à noção de
autor, que é associada à modernidade europeia e a uma visão individualista. Apesar de se aproximarem nessas considerações críticas, pretendemos mostrar que as análises de Barthes e Foucault se distanciam quanto
aos seus objetivos e alcances. Ao decretar a “morte do autor”, Barthes está tratando do fim de uma espécie
de instituição literária. Já Foucault chega à questão do autor por outra via e se volta não exatamente sobre
a figura do autor literário, mas sobre o autor de um discurso. O interesse de Foucault é mais propriamente
filosófico, pois se interroga pelas condições históricas de possibilidade dos discursos. O autor é, nessa perspectiva, uma especificação possível da função sujeito, entendido como um procedimento interno de controle
e delimitação do discurso.
Palavras-chave: Foucault; Barthes; Autor; Obra.
Abstract
This study investigates the figure of the author from the researches conduced by Roland Barthes and Michel
Foucault in the late sixties and early seventies. In them we find a critique of the notion of author, which is
associated with European modernity and its individualistic view. Although they were very close on these
critical considerations, we intend to show that the analysis of Barthes and Foucault have different goals and
achievements. By enacting the “death of the author”, Barthes is talking about the end of a kind of literary
institution. On the other hand, Foucault comes to the issue from another way and turns not just on the
author’s literary figure, but on the author of a discourse. Foucault’s interest is more properly philosophical,
because it raises the historical conditions of possibility of discourse. The author is, in this perspective, one
possible specification of the subject-function, understood as an internal procedure of control and delimitation
of discourse.
Keywords: Foucault; Barthes; Author; Work.
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Pesquisador-Bolsista de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES) em Filosofia na UFMG. E-mail: marcofilosofi
[email protected].
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho investiga a figura do autor a partir dos estudos elaborados por Roland Barthes
e Michel Foucault no final dos anos sessenta e no início dos anos setenta. Nesse momento, um dos
temas mais recorrentes nos debates intelectuais na França foi justamente o relativo ao autor: quem é,
como se constituiu e qual o seu papel? Confluíram sobre essa questão diferentes abordagens, vindas
de diferentes domínios de estudos, como a linguística, a semiologia, a estética, a hermenêutica e a
teoria literária. Não pretendemos, neste artigo, apresentar cada uma dessas abordagens em detalhe.
O objetivo concentra-se na apresentação das análises feitas por Barthes e Foucault e, em particular, nas
críticas feitas por ambos à consagração e naturalização do autor que ocorreu nos séculos XVIII e XIX sob
a influência de uma estética romântica, de uma hermenêutica subjetivista e de um biografismo literário.
Em Barthes e Foucault encontramos uma crítica ideológica similar, associando a importância
conferida à figura do autor na modernidade europeia a uma visão individualista e privatista, que transforma o indivíduo criador em um gênio solitário e a obra resultante do fruto do seu trabalho em sua
legítima propriedade. A chamada “tirania do autor” envolve, portanto, um privilégio hermenêutico, na
medida que é o autor quem determina o sentido último de sua criação, e também um direito de propriedade intelectual, fazendo do autor o dono de sua criação, tanto no aspecto moral quanto patrimonial.
Apesar de se aproximarem nessas considerações críticas, entendemos que as análises de Barthes
e Foucault se distanciam quanto aos seus objetivos e alcances. Pretendemos mostrar como, ao decretar
a “morte do autor”, Barthes está tratando do fim de uma espécie de instituição literária. O campo de
interesse primordial das análises de Barthes é a literatura e a figura do autor literário, embora suas considerações almejem uma amplitude maior. Já Foucault chega à questão da autoria por outra via e se volta
não exatamente sobre a figura do autor literário, mas sobre o enunciador de um discurso. O interesse de
Foucault é mais propriamente filosófico, pois se interroga pelas condições históricas de possibilidade dos
discursos. O autor é, nessa perspectiva, um procedimento interno de controle e delimitação do discurso.
Visando oferecer um tratamento mais claro e linear ao tema, propõe-se a divisão da exposição
em duas partes, a primeira voltada para os estudos de Roland Barthes e a segunda para os de Michel
Foucault. Cada uma dessas partes, por sua vez, será dividida em três itens. Na parte referente a
Barthes, será abordada em um primeiro momento a noção de autor, perguntando-se sobre sua natureza e função. No segundo item, o tema será a noção de texto, analisando como o mesmo deve
ser compreendido. E ao final dessa parte, o objeto será a figura do leitor e sua importância. Na segunda
parte, referente a Foucault, a análise se iniciará pelo estudo do autor na ordem do discurso. Em seguida,
será tratado o tema da natureza e do surgimento da função autor. Por fim, o estudo recairá sobre a
noção de obra e sua relação com a figura do autor, e também sobre como Foucault se relacionou com
sua própria criação.
BARTHES E A MORTE DO AUTOR
É bastante famosa a declaração da “morte do autor” feita por Roland Barthes no texto seminal
A morte do autor, publicado originalmente em língua inglesa em 1967. Nesse texto, Barthes rompe com
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o tradicional modelo biográfico e histórico de crítica literária e com a romântica e burguesa mitificação
do Autor, com letra maiúscula. Além de A morte do autor, recorrer-se-á também para a realização dos
apontamentos abaixo a outros textos escritos por Barthes mais ou menos no mesmo período, que
permitem iluminar e aprofundar os temas tratados. Os comentários que se seguem organizam-se
em torno de três tópicos, que são os pontos-chave da análise de Barthes: o autor, o texto e o leitor.
O AUTOR: QUEM ESCREVE E QUAL O SEU PAPEL?
É claro que todo texto tem quem o escreva. O que Barthes pretende, ao declarar a morte do autor,
não é negar este fato trivial, mas criticar a importância que a crítica literária desde a modernidade
concedeu à gênese e à pessoa do autor como determinantes na atribuição do sentido de uma obra. A partir
do renascimento e, sobretudo, do romantismo, passou a prevalecer na Europa uma mentalidade que
valorizava excessivamente o ato criador do artista, que perdeu sua natureza mais artesanal e tradicional, bem como a ideia de uma dívida e inspiração divina, concepções essas comuns à Antiguidade
e ao Medievo. Ao invés da tradição e de Deus, é o homem, agora senhor de si, quem é o gênio criador,
aquele que, rompendo com a tradição, cria algo absolutamente original, expressão máxima de sua singularidade. O receptor curva-se diante do gênio e limita-se ao esforço de penetrar em suas intenções e
em seu mundo social e/ou interior.
A crítica literária do século XIX é fortemente marcada pela ideia de que a plena compreensão
de uma obra literária exigiria uma penetração no autor. Sainte-Beuve, famoso crítico francês do
século XIX e expoente máximo do método biográfico, propunha, como desafio da crítica literária,
em texto originalmente publicado em 1829, “entrar no autor, instalar-se lá dentro, produzi-lo em
seus diversos aspectos; fazê-lo viver, mover e falar como ele devia fazer; segui-lo em seu interior e
em seus costumes domésticos o mais longe possível” (SAINTE-BEUVE, 2001, p. 142).2 O retrato biográfico pretendia-se científico, caracterizado pelo método rigoroso e pela coleta exaustiva de dados
sobre o autor. Mesmo Proust, apesar de criticar o biografismo de Sainte-Beuve e a pesquisa da vida
cotidiana e social dos autores como porta de entrada para a compreensão de suas obras, reforça a
importância, na crítica literária, de se penetrar no verdadeiro eu do autor, o eu profundo de sua vida
interior, que não se confunde com o eu social e superficial e constitui um “mundo único, fechado,
sem comunicação com o exterior, que é a alma do poeta” (PROUST, 1988, p. 54-55). Em suma, o autor
mitificado tinha um papel preponderante e o intérprete curvava-se à autoridade de seu ato criador
como determinante na compreensão da obra.
Criticando esta mentalidade que valorizava a origem da obra e a pessoa do autor na crítica
literária, Roland Barthes inicia A morte do autor problematizando o papel da pessoa do autor em seu
texto e declarando bombasticamente que “a escritura é destruição de toda voz, de toda origem. (...)
é esse neutro, esse composto, esse oblíquo aonde foge o nosso sujeito” (BARTHES, 1988, p. 65). Ele se
afasta da crítica microscópica, que se debruça pacientemente sobre pormenores biográficos e psicológicos, e também da crítica telescópica, que perscruta o espaço histórico que envolve o autor, e afirma
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Tradução nossa. No original: “entrer en son auteur, s’y installer, le produire sous ses aspects divers; le faire vivre, se mouvoir
et parler, comme il a dû faire; le suivre en son intérieur et dans ses moeurs domestiques aussi avant que l’on peut”.
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contundentemente que a figura do gênio, do “Autor-Deus”, é uma personagem moderna, fruto da ideia
de prestígio do indivíduo e da pessoa humana.
Barthes aproxima o império do autor à ideologia capitalista, pela sua coloração individualista,
autoritária e proprietária, uma vez que o autor torna-se o legítimo proprietário de sua criação, tomada
como um bem imaterial. Percebe-se assim o sentido romântico e burguês da mitificação do autor, desse
gênio que exerce uma autoridade sobre sua criação que é ao mesmo tempo hermenêutica, pois ele
determina o que sua obra quer dizer (seu sentido), e econômica, pois determina também o quanto se
deve pagar por ela (transformando-a em uma mercadoria da qual é o legítimo proprietário).
Em Escritores e escreventes, publicado originalmente em 1960, Barthes aprofunda sua crítica
ideológica ao autor, que nesse texto aparece como o escritor “homem de negócio” que é o proprietário
de sua criação e exerce o monopólio da linguagem, submetendo-se às regras de utilização, de gênero e
de composição. O escrever é descrito como uma “espécie de Bem nacional, mercadoria sagrada, produzida, ensinada, consumida e exportada no âmbito de uma economia sublime dos valores” (BARTHES,
1977, p. 210). A fala do escritor é vista assim como uma mercadoria, e a função social da fala literária
consistiria exatamente em transformar o pensamento em mercadoria.
Apesar da originalidade e do impacto das considerações feitas por Barthes, é preciso observar
que já havia no cenário da teoria literária alguns posicionamentos críticos que anteciparam, em certo
sentido, a retórica declaração da “morte do autor”. O próprio Barthes não esconde suas influências e
indica seus precursores, que configuram uma espécie de movimento de substituição ou desaparecimento do Autor (com ‘a’ maiúsculo). Barthes observa como a figura do Autor foi dessacralizada paulatinamente em favor de uma prevalência da linguagem e não do “eu”. Ainda no século XIX, Mallarmé
defendia a ideia de que o autor deveria omitir-se na obra, dizendo que “a obra pura implica no desaparecimento elocutório do poeta, que cede a iniciativa às palavras” (MALLARMÉ, 1945, p. 366).3 Nesse
mesmo movimento de crítica ao autor, Barthes inclui Valéry, para quem o recurso à interioridade do
escritor é visto como pura superstição, o próprio Proust, que questiona a relação entre o escritor e suas
personagens, e a experiência de uma escritura coletiva no surrealismo. Ainda segundo Barthes, essa
tendência de substituição do autor, como princípio produtor e explicativo do texto, pela linguagem,
que é impessoal e anônima, ganha mais sistematicidade e fôlego no início do século XX com o formalismo russo. A linguística teria fornecido um argumento analítico precioso para a destruição do Autor,
pois, linguisticamente, o autor é apenas aquele que escreve, e a linguagem conhece apenas um sujeito, e
não uma pessoa. Assim, percebe-se um desenvolvimento maior dessas concepções com Mikhail Bakhtin,
Maurice Blanchot, e, já na década de 60, com a semianálise de Julia Kristeva. Sucedendo ao Autor,
Barthes fala em um escriptor que, sem ser jamais original, nada mais faz do que mesclar as escrituras
retiradas não de algo interior e misterioso, mas de um imenso dicionário.
O TEXTO: COMO DEVE SER TOMADO O QUE É ESCRITO?
Barthes acentua que o afastamento do Autor transforma radicalmente o texto moderno, que deixa
de ser “nutrido” por um Autor que o antecede como um pai a um filho para ser “escrito eternamente
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Tradução nossa. No original: “l’oeuvre pure implique la disparition élocutoire du poète, qui cède l’iniciative aux mots”.
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aqui e agora” (BARTHES, 1988, p. 68). No lugar da “mensagem do Autor-Deus”, o texto passa a ser um
espaço de dimensões múltiplas das quais nenhuma é original, ele é tomado como um “tecido de citações” que não produz um sentido único. Sendo assim, a pretensão de decifrar um texto é vista como
algo totalmente inútil, pois não há um fundo a ser desvendado, um segredo a ser descoberto ou um
significado último, uma explicação final a ser buscada no Autor. Barthes chega a associar à escritura
múltipla, sem fundo para ser decifrado, um sentido revolucionário contra-teológico, pois “a recusa de
parar o sentido é finalmente a recusa de Deus” (BARTHES, 1988, p. 70). Na visão de Barthes, a ideia de
que não há um sentido último sobrenatural é a base mesma da morte de Deus pregada por Nietzsche
e o nascimento do sentido propriamente humano, demasiado humano.
Em Da obra ao texto, publicado originalmente em 1971, Roland Barthes desenvolve sua teoria
do texto e aprofunda a relação entre o Autor e a noção de obra, ressaltando que um objeto novo
se produz: o Texto. Ele é visto como algo sem qualquer materialidade, que pode atravessar diversas
obras e não pode ser abrangido numa hierarquia ou classificado em gêneros, algo que é estruturado
de maneira descentralizada, sem fechamento, como uma pluralidade de sentidos irredutível, um tecido
de citações, referências e ecos em uma vasta estereofonia. Barthes afirma que “buscar as ‘fontes’, as
‘influências’ de uma obra é satisfazer ao mito da filiação; as citações de que é feito um texto são anônimas, indiscerníveis” (BARTHES, 2004a, p. 71). Ao contrário da obra, que é a criação de um Autor que
sobre ela exerce sua autoridade, sendo reputado pai e proprietário, o texto é órfão e nenhum respeito
vital lhe é devido.
O LEITOR: QUAL A IMPORTÂNCIA DE QUEM LÊ?
Barthes termina A morte do autor sugerindo que se deve inverter o mito, ou seja, “a unidade do
texto não está em sua origem, mas no seu destino. (...) o nascimento do leitor deve pagar-se com a morte
do Autor” (BARTHES, 1988, p. 70). Obviamente, o leitor, como ressalta Barthes, não deve também ser
tomado como uma pessoa com história própria e psicologia definida, mas como um alguém, um lugar
onde a multiplicidade da escritura se reúne.
Defendendo os direitos do leitor, em oposição aos direitos dos autores, Barthes lamenta a
importância demasiada concedida ao autor em detrimento do leitor ao longo dos séculos. Em Escrever
a leitura, publicado originalmente em 1970, Barthes procura suscitar uma teoria da leitura no lugar das
tradicionais teorias biográficas, filológicas, psicológicas e históricas de crítica literária. Essas teorias
tendem a reproduzir um discurso tradicional de autoridade do Autor no qual os leitores são vistos
como simples usufrutuários de uma obra que é propriedade eterna do Autor. Barthes resume assim o
exercício dessa autoridade: “o autor tem, assim se pensa, direitos sobre o leitor, constrange-o determinado sentido da obra, e esse sentido é, evidentemente, o sentido certo, o verdadeiro” (BARTHES,
2004b, p. 27). Não importa o que o leitor entende, mas apenas o que o autor quis dizer. Contrariando
essa visão, Barthes acentua que “ao ler, nós também imprimimos certa postura ao texto, e é por isso
que ele é vivo” (BARTHES, 2004b, p. 29). Terminada a tirania do Autor, o leitor está livre para, dentro
de certas regras, abrir o texto e propor o sistema de sua leitura.
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FOUCAULT E A FUNÇÃO-AUTOR
Pouco tempo depois de Roland Barthes declarar a “morte do autor”, foi a vez de Michel Foucault
se perguntar sobre o que é um autor, em uma famosa comunicação apresentada à Sociedade Francesa
de Filosofia em 22 de fevereiro de 1969 e posteriormente publicada com o sugestivo título O que
é um autor?. Esses dois textos seminais circularam intensamente nos anos sessenta e setenta e
constituíam leitura obrigatória dos estudantes franceses nesse período, mesmo antes de serem publicados. Nas considerações que se seguem, pretendemos analisar a inclusão do problema do autor
no seio da reflexão de Foucault sobre a ordem do discurso, a identificação do autor a uma função
desempenhada em determinados discursos, em determinada época e cultura, e a relação entre autor
e obra, em particular a relação que Foucault estabeleceu com sua criação.
O AUTOR NA ORDEM DO DISCURSO
Em O que é um autor?, Michel Foucault conecta o problema da noção de autor com um quadro
mais amplo, que vai muito além do espaço literário e aborda as formas de criação e circulação de discursos em geral e as práticas de constituição da subjetividade. A crítica à noção de autor insere-se na
crítica mais geral à noção de sujeito, mais especificamente à função fundadora atribuída ao sujeito,
sobretudo pela filosofia moderna. Como ressalta Foucault (1992, p. 70): “O autor [...] é com certeza
apenas uma das especificações possíveis da função sujeito”.
Foucault mostra, em linhas gerais, a função que o autor desempenha na organização, hierarquização e circulação dos discursos. O interesse de Foucault não está voltado diretamente para as questões de teoria e crítica literárias, mas antes para os procedimentos internos de controle e delimitação
dos discursos. Foucault dirige sua atenção para o estudo das modalidades de existência dos discursos:
“os modos de circulação, de valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam com cada
cultura e modificam-se no interior de cada uma” (FOUCAULT, 1992, p. 68-69). Assim entra o autor em
sua investigação, como aquele que tem a função de criar e organizar certos discursos em determinada
época e cultura, exercendo também um papel coercitivo, como qualquer outro procedimento de controle. Como resume Foucault (1992, p. 45), “o nome de autor serve para caracterizar um certo modo de
ser do discurso”, que receberá então certo estatuto e será recebido de certa maneira.
Ressaltando o caráter histórico e cultural da noção de autor e de seu papel na produção e circulação dos discursos, Foucault é enfático ao rejeitar o caráter espontâneo e natural dessa figura.
Nem sempre e nem todos os discursos organizam-se em função do autor. Nesse ponto é preciso evitar
uma leitura apressada e equivocada, como ressalta Foucault em sua aula inaugural no Collège de France
em 2 de dezembro de 1970, publicada posteriormente com o título de A ordem do discurso: “seria absurdo
negar, é claro, a existência do indivíduo que escreve e inventa” (FOUCAULT, 1996, p. 28). Não devemos
confundir o mero fato de haver um criador ou escritor com a função desempenhada pelo autor na circulação e no funcionamento de certos discursos no interior de uma determinada sociedade, conferindo
um modo específico de ser aos discursos. Como observa Foucault, mesmo hoje são muitos os discursos
nos quais a função autor não é exercida, como os decretos e as fórmulas técnicas. E nos casos em que
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a função autor ocorre, como na literatura, na filosofia e na ciência, é preciso ter em mente que o autor
não reenvia pura e simplesmente a um indivíduo real. Resumindo esse ponto, ele diz:
A função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra, determina, articula
o universo dos discursos; não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos os
discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização; não se define pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas através de uma série de operações
específicas e complexas; não reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo
dar lugar a vários “eus” em simultâneo, a várias posições-sujeitos que classes diferentes de
indivíduos podem ocupar. (FOUCAULT, 1992, p. 56-57)
QUEM É O AUTOR: QUANDO ELE APARECE E/OU DESAPARECE?
Podemos associar a emergência do autor, seguindo algumas sugestões de Foucault, a um complexo conjunto de acontecimentos ocorridos entre os séculos XVI e XVIII na Europa, que incluem
mudanças filosóficas (a subjetividade moderna), político-econômicas (o capitalismo, o liberalismo e
o individualismo possessivo), tecnológicas (a imprensa de Gutemberg), jurídico-penais (o codex e o
direito autoral), estéticas (o mito romântico do gênio criador e da obra original), de teoria literária
(a hermenêutica subjetiva e o biografismo) e comerciais (o negócio das editoras).
É interessante levar em conta os estudos históricos que vêm sendo feitos sobre a leitura, o livro e
a autoria, em complemento às fragmentárias e ligeiras observações feitas por Foucault. A própria ideia
de uma “obra literária” pode ser pensada como sendo fruto de uma determinada forma de organização
textual, linear e autoral, difundida pela impressora e o formato do livro. Como ressalta o historiador
Roger Chartier, há uma íntima associação entre a emergência moderna da figura do autor e o advento
da publicação impressa. O Dictionnaire Universel de Furetière, de 1690, traz uma curiosa definição de
autor que corrobora essa tese: “Autor, em matéria de literatura, diz-se de todos aqueles que trouxeram
à luz algum livro. Atualmente, se diz daqueles que o fizeram editar. Ex: Este homem, finalmente, fez-se
erigir em autor, fez-se editar” (apud CHARTIER, 1994, p. 44).
Assim como surgiu em determinada época, cultura e em certos discursos, o autor pode também
desaparecer, “morrer”, como declarou Barthes, ou simplesmente mudar sua função, deixar de ser o que
foi e passar a exercer novas funções em diferentes discursos. Foucault demonstra, contudo, certa
resistência à tese já corrente do desaparecimento ou morte do autor, dizendo: “não estou, porém, muito
seguro de que se tenha extraído todas as consequências que a constatação exigiria, nem que se
tenha avaliado com exatidão o alcance do acontecimento” (FOUCAULT, 1992, p. 37). Como fica
claro, Foucault pretende levar a questão a outro nível, mais profundo que aquele proposto pela teoria
literária e pela linguística. Ele se nega a simplesmente “repetir a afirmação oca de que o autor desapareceu” e procura “localizar o espaço deixado vazio pelo desaparecimento do autor, seguir de perto a
repartição das lacunas e das fissuras e perscrutar os espaços, as funções livres que esse desaparecimento deixa a descoberto” (FOUCAULT, 1992, p. 41). É nesses termos que Foucault se questiona sobre
o caráter necessário ou não da função autor, respondendo que tal figura não lhe parece indispensável
e chegando a imaginar uma sociedade sem autores:
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Podemos imaginar uma cultura em que os discursos circulassem e fossem recebidos sem que a
função autor jamais aparecesse. Todos os discursos, qualquer que fosse o seu estatuto, a sua
forma, o seu valor, e qualquer que fosse o tratamento que se lhes desse, desenrolar-se-iam no
anonimato do murmúrio. (FOUCAULT, 1992, p. 70)
Essa passagem é hoje facilmente associada às questões levantadas pelo advento do meio digital e da rede mundial de computadores. Será que a internet e os meios interativos e colaborativos
de criação e circulação de textos não estariam concretizando o imaginado “anonimato do murmúrio”
sugerido por Foucault? Assim como surgiu em decorrência de certos discursos e práticas, o autor pode
desaparecer ou transformar-se profundamente. É claro que Foucault não tinha em mente a internet e o
meio digital, mas suas considerações contrárias à naturalização e ao caráter supostamente evidente da
figura do autor autorizam e inspiram interessantes estudos no sentido de uma transformação radical
na função-autor. Contudo, essa mudança radical deve ser bem compreendida e não se deve simplesmente achar que o autor não existe. Na apresentação feita em 1969 sobre o tema à Sociedade Francesa
de Filosofia, Foucault, em resposta a uma questão colocada, esclarece que “definir a maneira como se
exerce essa função [autor], em que condições, em que domínio, etc., não quer dizer, convenhamos, que
o autor não existe” (FOUCAULT, 1992, p. 81).
FOUCAULT E SUA “OBRA”
Intimamente associada à figura do autor está a de obra, que, portanto, é tão problemática quanto
aquela. Novamente não estamos diante de algo natural e espontâneo. Pelo contrário, Foucault (1996,
p. 37) observa que ela é uma “curiosa unidade”, que inclui certos textos, mas excluí outros. As coletâneas ou obras completas são mecanismos mais ou menos aleatórios, que ajuntam certa quantidade de
textos sob a pretensa unidade de uma obra. Em uma conferência pronunciada em Bruxelas em 1964,
intitulada Linguagem e literatura, Foucault distingue a obra da linguagem e da literatura, descrevendo-a nesses termos:
Há uma coisa estranha, no interior da linguagem, essa configuração da linguagem que se detém em si própria, se imobiliza e constrói um espaço que lhe é próprio, retendo nesse espaço
o fluxo do murmúrio que dá espessura à transparência dos signos e das palavras. Erige-se,
desse modo, o volume opaco, provavelmente enigmático, que constitui a obra (FOUCAULT,
2005, p. 140).
A relação que Foucault estabelece com sua própria “obra” ilustra bem seu desconforto em relação a essa noção e ao papel que deveria ser exercido por ele, tomado como o autor. Ele parece pedir
aos seus leitores e ouvintes que assumam uma outra posição diante de seus textos e de suas palavras.
Mas qual a razão desse desconforto? Em suma, Foucault não queria assumir uma posição de autoridade, de alguém que possui certo privilégio hermenêutico que faz com que possa explicar os limites e
indicar como sua obra deve ser compreendida. O fato de Foucault ficar geralmente incomodado ao ter
de elaborar prefácios para suas obras ilustra bem esse ponto. O incômodo vinha, em grande medida,
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do fato de Foucault entender que no prefácio o autor se colocava em uma curiosa posição diante de
sua obra, cabendo a ele dar a “última palavra” e proferir o “verdadeiro sentido” de seu discurso.
Por exemplo, no prefácio escrito para a segunda edição de História da loucura na idade clássica
(Histoire de la folie à l’âge classique), publicada em 1972, Foucault expressa esse desconforto em um
curto texto de apenas duas páginas. Logo no início, Foucault confessa repugnar a obrigação que tem
diante de si: prefaciar sua obra escrita há mais de dez anos para uma nova edição. Ao final, Foucault
tenta justificar o novo prefácio dizendo que ao menos ele suprimiu o anterior e escreveu algo bem
curto. Ao longo do breve prefácio, Foucault apresenta a ideia da monarquia ou tirania do autor, que se vê
no direito de determinar a maneira como sua obra deve ser lida e compreendida, e diz querer evitar essa
tentação de assumir a posição do Autor-Deus, da fonte originária do significado último da obra, que o
leitor deve esforçar-se por decifrar. Segue abaixo o trecho em que essas considerações são feitas:
A tentação é grande para quem escreve o livro de fazer a lei de todo esse lampejo de simulacros, de lhe prescrever uma forma, de lhe atribuir uma identidade, de lhe impor uma marca
que lhe dê certo valor constante. “Eu sou o autor: olhem meu rosto ou meu perfil. Aqui está
aquilo a que deverão parecer todas essas figuras redobradas que vão circular sob meu nome,
as que se distanciarem disso não valerão nada, e é em razão de seu grau de semelhança que
vocês poderão julgar acerca do valor dos outros. Eu sou o nome, a lei, a alma, o segredo, a
balança de todos esses duplos.” Assim se escreve o prefácio, ato primeiro pelo qual começa
a se estabelecer a monarquia do autor, declaração de tirania: minha intenção deve ser seu
preceito, vocês curvarão suas leituras, análises e críticas àquilo que eu quis fazer. Entendam
bem minha modéstia: quando eu falo dos limites de minha empresa, eu pretendo limitar sua
liberdade, e se eu proclamo meu sentimento de ter sido imperfeita minha tarefa, é que eu não
quero deixar a vocês o privilégio de objetar ao meu livro o fantasma de um outro, bem próximo
dele, mas mais belo que aquilo que ele é. Eu sou o monarca das coisas que eu disse e eu tenho
sobre elas uma eminente soberania: a da minha intenção e do sentido que eu quis lhe dar.
(FOUCAULT, 1972, p. 9-10).4
Trata-se de um texto bastante irônico e contundente, que deixa clara a intenção de Foucault de
renunciar ao seu trono, de não exercer o poder monárquico que se espera que o autor desempenhe.
Na seqüência desse mesmo prefácio, Foucault indica como gostaria que sua obra fosse tomada, deixando clara sua vontade de ver seus discursos serem apropriados de uma forma distinta, diferente da
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Tradução nossa. No original: “La tentation est grande pour qui écrit le livre de faire la loi à tout ce papillotement de
simulacres, à leur prescrire une forme, à les lester d’une identité, à leur imposer une marque qui leur donnerait à tous une
certaine valeur constante. “Je suis l’auteur: regardez mon visage ou mon profil; voici à quoi devront ressembler toutes
ces figures redoublées qui vont circuler sous mon nom; celles qui s’en éloignent ne vaudront rien; et c’est à leur degré de
ressemblance que vous pourrez juger de la valeur des autres. Je suis le nom, la loi, l’âme, le secret, la balance de tous ces
doubles.” Ainsi s’écrit la Préface, acte premier par lequel commence à s’établir la monarchie de l’auteur, déclaration de
tyrannie: mon intention doit être votre précepte; vous plierez votre lecture, vos analyses, vos critiques, à ce que j’ai voulu
faire, entendez bien ma modestie: quand je parle des limites de mon entreprise, j’entends borner votre liberté; et si je
proclame mon sentiment d’avoir été inégal à ma tâche, c’est que je ne veux pas vous laisser le privilège d’objecter à mon livre
le fantasme d’un autre, tout proche de lui, mais plus beau que ce qu’il est. Je suis le monarque des choses que j’ai dites et je
garde sur elles une éminente souveraineté: celle de mon intention et du sens que j’ai voulu leur donner”.
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apropriação realizada pela crítica e pelo nosso sistema educacional. Ele pede para que suas palavras
não sejam unificadas através da função autoritária do autor, mas que sejam acolhidas como discursos
fragmentados e abertos. Não cabe fazer de Foucault um guru, um mestre espiritual. Ele renunciou ao
posto de autor, de fonte última do significado, de elemento organizador e controlador que unifica e
confere coerência a uma obra. Ao invés de respeito à integridade de sua obra e de reverência à sua
intenção originária, Foucault pede para ser traído, deformado, maltratado e esquecido.
Encontramos uma sugestão nesse sentido também na introdução da Arqueologia do Saber.
Ao final da introdução, Foucault diz ironicamente aos seus leitores e críticos: “eu não estou ali onde
vocês me encurralaram, mas aqui de onde eu os vejo rindo” (Foucault, 1969, p. 28)5. Ele explicita seu
desejo de não assumir a posição do autor, de não dar um rosto definido ou uma cara própria aos seus
escritos, dizendo:
Mais de um, como eu sem dúvida, escrevem para não ter mais um rosto. Não me perguntem
quem sou eu e não me digam para permanecer o mesmo: essa é uma moral do estado civil, ela
rege nossos documentos. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever. (FOUCAULT,
1969, p. 28)6.
O mesmo tipo de consideração fez Foucault quando do início de sua carreira como professor no
Collège de France. Em sua aula inaugural de 2 de dezembro de 1970, Foucault inicia sua fala indicando
como gostaria que a mesma fosse tomada pelo público, sem o exercício tirânico e unificador da função
autor e negando a si mesmo a condição de origem do discurso e fonte privilegiada de sua compreensibilidade. Assim inicia Foucault:
Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível. Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia
há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, sem
ser percebido, em seus interstícios, como se ela me houvesse dado um sinal, mantendo-me,
por um instante, suspensa. Não haveria, portanto, começo; e em vez de ser aquele de quem
parte o discurso, eu seria, antes, ao acaso de seu desenrolar, uma estreita lacuna, o ponto de
seu desaparecimento possível. (FOUCAULT, 1996, p. 5-6).
Em suma, percebemos assim como Foucault recusa sua condição de autor, uma vez que não
pretende realizar essa função diante de seus discursos. Da mesma maneira, também não pretende
que sua “obra” seja unificada segundo a função autor, o que faz de suas palavras e textos algo sem
início determinado e sem limites precisos, sem qualquer restrição imposta de antemão por parte de
seu escritor.
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Tradução minha. No original: “je ne suis pas là où vous me gueez, mais ici d’où je vous regarde en riant”.
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Tradução minha. No original: “Plus d’un, comme moi sans doute, écrivent pour n’avoir plus de visage. Ne me demandez pas
qui je suis et ne me dites pas de rester le même: c’est une morale d’état-civil; elle régit nos papiers. Qu’elle nos laisse libres
quand il s’agit d’écrire”.
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CONCLUSÃO
Neste artigo, apresentamos em linhas gerais os estudos e as críticas feitas por Roland Barthes
e Michel Foucault à noção de autor. O primeiro, como mostramos, atém sua reflexão mais ao nível do
espaço literário, embora associe a esse problema uma crítica ideológica contundente e uma revisão
mais ampla de nossa relação com os escritos, distinguindo a obra do texto e atribuindo um papel de
destaque ao leitor. Já Foucault levou, como se pretendeu mostrar, a questão a um nível mais filosófico, questionando-se sobre a função no interior da qual qualquer coisa como um autor pode existir.
Ou seja, trata-se de um problema em certo sentido transcendental, pois diz respeito às condições de
possibilidade de certos discursos constituídos em uma dada época e por certa cultura. O autor aparece
assim como uma especificação possível da função sujeito, que exerce um papel também específico de
controle e delimitação do discurso.
A crítica à noção de autor é um tema que hoje em dia cresce em importância, haja vista a
acelerada mudança ocorrida nas práticas de criação, circulação e recepção de discursos na contemporaneidade. As formas existentes desde a modernidade, marcadas pelo suporte físico (como o
livro impresso), estão em profunda alteração em razão do novo meio digital. E as formas artesanais
ou industriais de difusão e circulação transformam-se profundamente diante da rede mundial de
computadores. Assim, a volta aos estudos realizados por Roland Barthes e Michel Foucault acerca
da noção de autor nos anos sessenta e setenta recobram hoje uma nova significação, muito além
da imaginada inicialmente. Apropriar-se desses estudos para pensar as mudanças em curso é não
apenas uma frutífera aposta, mas também constitui um respeito àquilo que Barthes e Foucault se
propuseram a fazer, cada um a seu modo. Eles pedem para ser usados, deformados, distorcidos,
empregados como um instrumento, uma ferramenta para os mais diversos e imprevisíveis fins.
Curiosamente, ao retirar de Barthes e Foucault a posição autoritária do autor, é justamente assim
que os respeitamos e, paradoxalmente, eles parecem assim indicar como devem ser lidos e compreendidos, exercendo às avessas a função que eles mesmos se recusaram a assumir.
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