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SETE TESES EQUIVOCADAS DESTACADO DO LIVRO

MINISTÉRIO PÚBLICO Em Defesa do Estado Laico Coletânea de Artigos Volume 1 Candido Portinari Paz 1952-1956 FCO: 3798 CR: 3720 Painel a óleo / madeira compensada 1400 x 953 cm Capa: Paz – tema social cultura brasileira. Imagem gentilmente cedida pelo Projeto Portinari. Obra datada de 1952, o painel Paz possui 14 x 9,53 m. A obra foi executada para decorar a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, EUA. O tema essencial da obra de Candido Portinari é o Homem. Seu aspecto mais conhecido do grande público é a força de sua temática social. Embora menos conhecido, há também o Portinari lírico. Essa outra vertente é povoada por elementos das reminiscências de infância na sua terra natal: os meninos de Brodowski com suas brincadeiras, suas danças, seus cantos; o circo; os namorados; os camponeses... o ser humano em situações de ternura, solidariedade, paz. Fonte: Projeto Portinari, disponível em www.portinari.org.br Reprodução autorizada por João Candido Portinari. Imagem do acervo do Projeto Portinari. MINISTÉRIO PÚBLICO Em Defesa do Estado Laico Coletânea de Artigos Volume 1 Brasília, 2014 © 2014, Conselho Nacional do Ministério Público Permitida a reprodução mediante citação da fonte Composição do CNMP: Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais: Rodrigo Janot Monteiro de Barros (Presidente) Jarbas Soares Júnior (Presidente) Alessandro Tramujas Assad (Corregedor Nacional) Luiz Moreira Gomes Júnior (Conselheiro) Luiz Moreira Gomes Júnior Jeferson Luiz Pereira Coelho (Conselheiro) Jeferson Luiz Pereira Coelho Cláudio Henrique Portela do Rego (Conselheiro) Jarbas Soares Júnior Fábio George Cruz da Nóbrega (Conselheiro) Antônio Pereira Duarte Leonardo de Farias Duarte (Conselheiro) Marcelo Ferra de Carvalho Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho (Conselheiro) Cláudio Henrique Portela do Rego Alexandre Berzosa Saliba Comissão Organizadora: Fabiana Costa Oliveira Barreto (Membro Colaboradora) Esdras Dantas de Souza Jefferson Aparecido Dias (Membro Colaborador) Leonardo de Farias Duarte Juliano Napoleão Barros (Assessor-chefe/Coordenador executivo da CDDF) Walter de Agra Júnior Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho Fábio George Cruz da Nóbrega Luciano Coelho Ávila (Membro auxiliar/Coordenador geral da CDDF) Márcia Regina Ribeiro Teixeira (Membro Colaboradora) Myrian Lago Rocha (Membro Colaboradora) Secretaria-Geral: Equipe Técnica: Blal Yassine Dalloul Lília Milhomem Januário (Analista de Direito da CDDF) Wilson Rocha de Almeida Neto (Adjunto) Meiry Andrea Borges David (Assessora Especial da CDDF) Supervisão Editorial: Assessoria de Comunicação Social do CNMP Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CDIJ - MPF) Conselho Nacional do Ministério Público Ministério Público em Defesa do Estado Laico / Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília : CNMP, 2014. 300 p. il. v. 1 ISBN 978-85-67311-22-7 1. Ministério Público Federal. Atuação. 2. Ação Civil Pública. 3. Direitos Humanos. 4. Estado Laico. I. Brasil. Conselho Nacional do Ministério Público. CDD – 340 Sumário A liberdade religiosa do professor de religião na Espanha: análise da empresa de tendência..............................................................................9 A Defesa do Estado Laico pelo Ministério Público: uma respectiva comparada a partir do direito estadunidense.........................................31 Os sabatistas e os concursos públicos: a liberdade religiosa em face da igualdade.........................................................................................65 O uso de símbolos religioso em repartições públicas: uma análise histórica sobre o alcance da laicidade...................................................103 Escola x religião: exclusão e preconceitos na rede pública do Rio de Janeiro....................................................................................................137 O princípio da laicidade do Estado e a manutenção de símbolos religiosos em espaços públicos: análise da decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul............161 Sobre as relações entre Igreja e Estado: conceituando a Laiciade........................................................................................................177 Sete teses equivocadas sobre o Estado Laico.......................................205 Estudo de Caso: Datena x Ateus..............................................................227 Anexo: Sentença da Ação Civil Pública - Caso Datena x Ateus...........257 Sete Teses Equivocadas sobre o Estado Laico Luiz Antônio Cunha108 Carlos Eduardo Oliva109 1. Introdução A discussão pública sobre a laicidade do Estado é, no Brasil, rarefeita ! "#$%&"'$()! *(+,! -&%%".! $! /0"-123"! 4&4(&"5067#$! %"40 ! "! 8 ,$! $/ '$%! recentemente vem ocupando a dimensão que sua relevância exige. Para se 8 0!1,$!&- &$!- %% !-0$,68&#"!-+7#&8!4&4(&"5067#".!4$%8$!'"%!( ,40$0,"%!- ! que só na primeira década do século XXI foi publicado o primeiro livro com a expressão Estado Laico no título (BATISTA e MAIA, 2006). Proposições110! 91&:"#$-$%! -&7#1(8$,! %"40 ,$' &0$! $! #",/0 '%3"! dessa questão candente, na exata medida em que instituições religiosas assumem protagonismo político inédito, no Brasil como em todo o mundo. ;- '8&7#$0.! <"#$(&=$0! ! #", '8$0! 8$&%! /0"/"%&2> %! <"&! '"%%"! /0"/?%&8"! $"! redigir este texto. Nessa empreitada, tivemos uma inspiração formal que vai desde logo explicitada: o texto clássico Sete Teses Equivocadas sobre a América Latina do sociólogo mexicano Rodolfo Stavenhagen, publicado pela primeira vez em seu país em 1965, e reproduzido em vários outros países, inclusive no Brasil, quatro anos depois. O autor discutiu teses em voga no início dos anos 1960, que procuravam explicar o subdesenvolvimento latino-americano, a seu ver equivocadas. Nosso objetivo é fazer o mesmo com respeito à laicidade do Estado no Brasil de hoje. 108 Sociólogo, doutor em Educação e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 109 Sociólogo, mestre em Ciência Política e professor do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. 110 As proposições, objeto de nossa análise, podem assumir diversos status epistemológicos. Algumas são teses, pelo caráter abrangente e sintético das formulações, ainda que errôneas. Outras são slogans vinculados a conjunturas particulares, com claros propósitos de intervenção nas disputas políticas, sem preocupação alguma com a adequação aos fatos. A distinção entre teses e slogans, bem como entre equívocos lógicos e propósitos enganosos é meramente analítica, e não deve prejudicar o entendimento de que prevalece a imbricação entre umas e outras. A despeito disso, optamos por tratar todas as proposições focalizadas neste texto como teses e seu valor lógico como equívocos. Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 207 Para a análise das teses, valemo-nos, sobretudo, do material conceitual e de análise conjuntural disponibilizado na internet pela página do Observatório da Laicidade na Educação111. 2. Aproximações Conceituais Na redação deste texto adotamos um ponto de vista sociológico, que '3"! @#(1&! "180"%.! ,$%! /"- ! #",/( , '86A("%.! % B$,! 7("%?7#"%.! B10C-&#"%! e outros. Partimos da teoria dos campos sociais de Pierre Bourdieu (1974). Para o sociólogo francês, campo é o espaço social em que agentes e instituições disputam o monopólio para seu capital cultural, seja político, religioso, econômico, pedagógico, artístico, etc. O campo religioso é o espaço em que agentes e instituições disputam o monopólio nas relações com o %$50$-")!D.!/"08$'8".!1,!#$,/"!- !(18$.!- !#"'E&8"%.!'"!91$(!#$-$!0 (&5&3"! se apresenta como verdadeira, autêntica, até mesmo como tendo sido criada por alguma divindade. As demais, em consequência, são consideradas frutos da ignorância ou do desvio do caminho julgado verdadeiro ou até , %,"!80$2$-"!/"0!&'8 0 %% %!'3"!/0"/0&$, '8 !0 (&5&"%"%)!F%% %!#"'E&8"%! aparecem claramente quando a militância religiosa é mais ostensiva. Quando não, são dissimulados por discursos que enfatizam as semelhanças entre os diversos valores e práticas religiosas, bem como a presumida busca -"%!, %,"%!7'%!80$'%# '- '8 %.!$&'-$!91 !/"0!#$,&'G"%!-&< 0 '8 %) Embora o campo religioso busque autonomizar-se dos demais campos, ele tem entradas em outros. No campo político, ele pretende impor a toda a sociedade, por meio da legislação e das políticas públicas, as orientações de ordem moral da religião ou do grupo de religiões dominantes ou hegemônicas,112 assim como assegurar privilégios, em especial os #"'H,&#"A7'$'# &0"%.!"%!/"(C8&#"%.!"%! -1#$#&"'$&%! !"%!-$!#",1'&#$23"! social. No campo econômico, umas instituições religiosas, mais do que "180$%.! $#1,1($,! "%! 0 #10%"%! 7'$'# &0"%! 91 ! (G %! /0"/&#&$,! %1%8 '8$0! suas atividades, tanto as propriamente religiosas quanto as de outro tipo. No campo educacional, difundem suas crenças em escolas próprias e em escolas públicas, mediante disciplinas do currículo nas quais desenvolvem atividades que afrontam os conteúdos das demais. E formam elites dirigentes em universidades e faculdades confessionais, com diplomas reconhecidos pelo Estado e pelo mercado. 111 Ver www.edulaica.net.br. 112 Os conceitos de hegemonia e dominação são os de Gramsci (2000), de amplo emprego nas Ciências Sociais. 208 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico Referida a perspectiva sociológica que nos orienta, convém fazer $&'-$!$(51,$%!$/0"@&,$2> %!#"'# &81$&%!$'8 %!- !7'$(, '8 !/$%%$0,"%!I%! proposições em foco. Laico é o Estado imparcial diante das disputas do campo religioso, que se priva de interferir nele, seja pelo apoio, seja pelo bloqueio a alguma #"'7%%3"!0 (&5&"%$)!F,!#"'80$/$08&-$.!"!/"- 0! %8$8$(!'3"!+! ,/0 5$-"!/ ($%! instituições religiosas para o exercício de suas atividades (BLANCARTE, 2008; FISCHMANN, 2008). Leigo não concerne ao Estado nem a uma instituição, mas a um indivíduo ou grupo de indivíduos que não dispõem de determinada formação tomada como referência. Por exemplo, professor leigo é o que, lecionando na educação básica, não fez curso normal ou licenciatura. Outro exemplo é o do movimento católico leigo, nos anos 1920/30, que mobilizou adeptos dessa religião, integrado por intelectuais que não haviam passado / ("%!/0"# %%"%!- !<"0,$23"! !# 08&7#$23"!91 !%1$!;50 B$!- 8 0,&'$:$!/$0$! o clero. Em ambos os casos não importa o desempenho dos indivíduos, se %3"!-"# '8 %!91$(&7#$-"%!"1!#0 '8 %!/& -"%"%.!,$%.!%&,.!$!# 08&7#$23"!-$! burocracia que exerce seu poder em cada campo – o Ministério da Educação num caso e a Santa Sé noutro (CUNHA, 2013). Toda a luta pela laicidade, no Brasil, durante a segunda metade do século XIX, que consistia basicamente na separação entre a Igreja Católica e o Estado, foi feita, porém, com o conceito de Estado Leigo. Rui Barbosa o empregou largamente, assim como a Constituição de 1891, que, no artigo 72, parágrafo 6º determinou: “Será leigo o ensino nas escolas públicas.” Embora menos comum no Brasil, o Estado Laico também é chamado de secular, expressão corrente na língua inglesa. Mais adiante mostraremos a importância da distinção do processo de laicização, relativo ao Estado, e o de secularização, relativo à cultura.113 De posse de tais observações, passemos às teses! TESE 1 – O ESTADO LAICO É SINÔMINO DE ESTADO ATEU J0"/"%&23"! #",1,.! ,$%! 91&:"#$-$.! +! %8$! 91 ! /0"#10$! &- '8&7#$0! Estado Laico a Estado ateu. Ora, o Estado Laico difere completamente do 113 Cientes da relevância dessa distinção conceitual, autores anglofônicos passam a empregar, de modo crescente, a expressão de origem francesa Laïc State, assim como o advérbio concernente, laïcity. Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 209 F%8$-"!$8 1)!F%8 !+!"!91 !% !"/> !$!8"-$! !91$(91 0!0 (&5&3".!- %91$(&7#$-$! como alienada ou alienante, em termos individuais ou sociais. O caso típico de Estado ateu foi a Albânia do período Enver Hodja (1946-1985). Em 1967, o governo desse país de população majoritariamente muçulmana fechou todos os templos, as manifestações religiosas foram proibidas e as escolas passaram a ensinar que as religiões (todas elas e sempre) eram alienadas e alienantes. Hodja morreu em 1985, e seu sucessor Ramiz Alia restabeleceu a liberdade religiosa, ao lado de outros direitos antes reprimidos. As instituições religiosas reabriram os templos e recuperaram o lugar anteriormente ocupado na Albânia, especialmente o islamismo. Podemos nos apoiar em outro exemplo internacional para explicitar a diferença entre um Estado Laico e um Estado ateu: Cuba, onde o movimento revolucionário vitorioso, em 1959, nada tinha contra a Igreja Católica enquanto instituição religiosa, embora a estreita ligação do clero com o regime ditatorial de Fulgêncio Batista não lhe granjeasse simpatias dos rebeldes de Sierra Maestra. A situação foi agravada em 1961, quando a invasão da Praia Girón, apoiada pelo governo norte-americano, foi comandada por um dirigente católico leigo, acompanhado por quatro sacerdotes espanhóis. Além disso, escolas privadas católicas haviam sido utilizadas como bases de preparação da sublevação popular que os invasores pretendiam desencadear. Derrotada a invasão, a reação foi rápida e profunda. Além de assumir o socialismo como ideologia e o partido único de orientação comunista, o governo cubano estatizou todas as escolas privadas, inclusive as católicas, expulsou padres e freiras estrangeiros. *! &- "("5&$! "7#&$(! /$%%"1! $! % 0! ,$'&< %8$, '8 ! $'8&00 (&5&"%$.! "! 91 ! '3"! corresponde à posição de um Estado Laico, mas antirreligioso. A Constituição cubana de 1976 expressava esta rejeição. Apesar de reconhecer a liberdade de consciência e prática religiosa, dizia que o Estado %"#&$(&%8$! -1#$! "! /":"! '$! #"'# /23"! #& '8C7#$! ,$8 0&$(&%8$! -"! 1'&: 0%".! além do que declarava ilegal e punível opor a fé ou a crença religiosa à revolução, à educação ou ao cumprimento dos deveres de trabalhar, defender a pátria com armas, reverenciar seus símbolos e aos demais deveres nela estabelecidos. Não havia dúvida de qual era a religião visada – a católica – pois os cultos afro-cubanos, muito populares na ilha, não opuseram resistência ao regime. Faltou pouco para a caracterização de um Estado ateu em Cuba. Contudo, o informe de 1983 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (organismo do qual K14$!G$:&$!%&-"! @/1(%$! ,!LMNO.!("5"!$/?%!$!&'E @3"!%"#&$(&%8$!-"!0 5&, P.! 210 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico concluiu não haver perseguição religiosa no país. Embora existissem -&7#1(-$- %!/068&#$%!/$0$!$%!&50 B$%!- % ':"(: 0 ,!%1$%!$8&:&-$- %.! %8$%! seriam devidas mais às posições pessoais de certos ocupantes de cargos públicos do que a posições políticas do governo ou do partido. Desde então, a abertura do governo cubano à atividade religiosa cresceu bastante. A visita do Papa João Paulo II a Havana, em 1998, levou a importantes mudanças na orientação ideológica do Partido Comunista Cubano, que, no seu IV Congresso, em 1991, decidiu que a crença religiosa não seria mais "4%86#1("! /$0$! $! 7(&$23"! - ! 1,! &'-&:C-1")! *! /$08&0! -$C.! :60&"%! -&0&5 '8 %! #$8?(&#"%!7(&$0$,A% !$"!/$08&-"! !<"0$,! ( &8"%!/$0$!$!*%% ,4( &$!Q$#&"'$()! A própria Constituição do país, reformada e aprovada em plebiscito, em 2002, prescreve no artigo 55: “O Estado reconhece, respeita e garante a liberdade de consciência e de religião, reconhece, respeita e garante, também, a liberdade de cada cidadão de mudar de crenças religiosas e o de não ter nenhuma, e a professar, dentro do respeito da lei, o culto religioso de sua preferência. A lei regula as relações do Estado com as instituições religiosas.” Dessa maneira, Cuba revela a transição de uma situação de rejeição da religião, especialmente da católica, para uma convivência Estado-Igreja, com delimitação de atividades próprias a cada um deles. Assim, em Cuba vemos a diferença, na prática, entre um Estado que teve um posicionamento antirreligioso, próximo do ateísmo, e um Estado Laico. Entender bem a diferença entre a laicidade e o ateísmo é de grande importância, porque os partidários da (con)fusão política-religião sempre proclamam, em tom de ameaça: “Estado Laico não é Estado ateu”. Essa é 1,$!$70,$23"!?4:&$.!,$%!91 !80$=!&,/(C#&8$!$!&- &$!- !91 !$!"/"%&23"!+! '80 ! o Estado ateu, de um lado, e o Estado religioso, de outro. Há quem até diga aceitar a laicidade do Estado, desde que ela seja “autêntica” ou “positiva”, nos termos que a propuseram o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy e o Papa Bento XVI. Equívoco similar contém outra advertência: “laicidade não é laicismo!” Embora este termo seja amplamente empregado no lugar daquele, principalmente na Espanha e na Itália,114! "! -&%#10%"! "7#&$(! -"! R$8&#$'"! &'%&%8 ! ,!91$(&7#$0!- !($&#&%8$%!$%!/"(C8&#$%!/S4(&#$%!91 !'3"!% !#"$-1'$,! com seus interesses materiais e/ou simbólicos. Embora menos enfáticos do que no passado, dirigentes evangélicos 114 A propósito, o verbete redigido por Valerio Zanone (1995) para o Dicionário de Política organizado por Bobbio, Matteucci e Pasquino foi intitulado “Laicismo”, sem tal conotação negativa. Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 211 presbiterianos, metodistas, batistas, luteranos e espíritas kardecistas têm se manifestado pela laicidade do Estado sem os condicionantes dos seus homólogos católicos, em especial por ocasião da tramitação da Concordata Brasil-Vaticano/Santa Sé. Mas, cumpre destacar a clareza e coragem das manifestações das Católicas pelo Direito de Decidir em defesa do Estado Laico115. Para os afro-brasileiros, a liberdade religiosa garantida pelo Estado Laico é condição mesma de sobrevivência, embora muitas vezes possa parecer mais fácil para eles aceitarem a sedução da bandeira do Estado multirreligioso, do que trataremos a seguir. TESE 2 – O ESTADO LAICO É SINÔNIMO DE ESTADO MULTIRRELIGIOSO Muito repetida por agentes políticos e religiosos, esta é a saída mais fácil -&$'8 !-$!G 5 ,"'&$T! ,!: =!- !1,$!%?!"1!$(51,$%!&50 B$%!% !4 ' 7#&$0 ,! dos favores do Estado, essa tese defende que todas as instituições religiosas sejam igualmente amparadas, em termos políticos e econômicos. No entanto, dizer que o Estado Laico é ou pode ser um Estado multirreligioso ou pluriconfessional corresponde a um sério equívoco. Se, como dissemos ao tratar do propósito deste texto, o Estado Laico é imparcial em matéria de religião, este deve respeitar todas as crenças religiosas, mas também a não #0 '2$)!F,4"0$!'3"!-&7#1(8 !$!-&<1%3"!-$%!&- &$%!0 (&5&"%$%!"1!#"'8060&$%!I! religião, o Estado Laico não apoia nenhuma delas, nem sequer um conjunto delas, nem mesmo todas as religiões, caso isso fosse possível. Ora, o campo religioso não é harmônico. Falar de religião, no Brasil, #","! ,!91$(91 0!(15$0!-"!,1'-".!+!<$($0!- !#"'E&8".!- !-&%/18$! !$8+!- ! violência – ontem e hoje. O campo religioso nasceu, no Brasil, com a conquista portuguesa do território e da gente que nele habitava. A conquista lusitana se deu no bojo do movimento da Contra-Reforma. Decidida a retomar a hegemonia perdida com a Reforma Protestante, no século XVI, a Igreja Católica criou novas organizações (das quais a mais importante foi a Companhia de Jesus) e aumentou o empenho na conversão dos povos recém-incorporados aos seus -",C'&"%)!U"&!$%%&,!91 !"!#$,/"!0 (&5&"%"!'$%# 1.!'"!V0$%&(.!#","!#"'E&8".! ou melhor, como combate dos “Soldados de Cristo” contra a “ignorância” dos indígenas e a dimensão religiosa de sua vida. A violência simbólica foi a 115 Ver www.catolicasonline.org.br. 212 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 8H'&#$!-$! :$'5 (&=$23"!40$%&( &0$.!91 !18&(&="1!<"0,$%!%"7%8&#$-$%.!#","!"! 8 $80"!-"%!,&%%&"'60&"%.! !7510$%!- !$(8$! 7#6#&$!%&,4?(&#$.!#","!$!&': '23"! - ! W1/3.! /$0$! <$#&(&8$0! $! $%%&,&($23"! -$! 7510$! -"! X 1%! #0&%83")! K"'80$! "%! africanos escravizados, a violência material que marcava sua condição dispensou maiores esforços com a violência simbólica. Quando comparado a outros países, o campo religioso é, no Brasil, especialmente complexo, pois abrange religiões com diferentes graus de institucionalização e de distintas tradições culturais. Encontramos no país desde o monoteísmo judaico-cristão até o politeísmo indígena ou de origem africana e as mais recentes incorporações de tradições orientais, inclusive de religiões que não possuem a noção de deus. Os sincretismos são muitos e variados: o Catolicismo popular e as religiões afro-brasileiras, são todas fórmulas sincréticas. Não bastasse isso, as mudanças de religião que os indivíduos experimentam durante sua vida são elementos adicionais na complexidade desse campo. As religiões têm graus muito diferentes de institucionalização, com a burocracia da Igreja Católica ocupando o grau máximo. No extremo oposto estão as religiões indígenas e as afro-brasileiras, desprovidas de organização formal, sem uma burocracia, no sentido sociológico do termo. No meio do caminho, estão as Igrejas Evangélicas Pentecostais, algumas com maior grau de institucionalização, outras menor, pois a criação de nova igreja depende da iniciativa e da liderança do pastor ou do ministro dissidente, inaugurando sua própria denominação. J"0! &%%".! +! 91&:"#$-$! $! /0"/"%&23"! 91 ! &- '8&7#$! "! F%8$-"! Y$&#"! $! um Estado multirreligioso, pela impossibilidade de harmonia nesse campo. Alianças provisórias e pactos de não agressão fazem parte da luta pela hegemonia, quando uns contendores estão em declínio, outros em ascensão, "180"%!$&'-$! ,!(18$!/"0!1,!(15$0!$"!%"()!Z%!-&%#10%"%!91 !41%#$,!B1%8&7#$0! tais acordos, para os “de dentro” e para os “de fora” não eliminam a natureza dos interesses em disputa. Questões teológicas são outra coisa. Delas este 8 @8"!'3"!80$8$.! ,4"0$!0 #"'G 2$!%1$! %/ #&7#&-$- ) TESE 3 – O ESTADO É LAICO, MAS O POVO É RELIGIOSO Para apontarmos o equívoco encerrado nesta tese bastante repetida, retornemos a algumas aproximações conceituais: foi o termo “secular” que deu origem à “secularização”, expressão que designa o processo de mudança pelo qual a cultura perde seu antigo caráter sagrado, baseado no Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 213 ritualismo e na tradição, tornando-se cada vez mais profana (ou secular), 4$% $-$! '$! &'-&:&-1$(&-$- .! '$! 0$#&"'$(&-$- ! ! '$! %/ #&7#&-$- )! J$0$! certos sociólogos, o processo de secularização é mais abrangente do que a laicização do Estado. Para outros, todavia, há uma relativa independência entre esses processos, de modo que a laicização do Estado pode ir mais longe do que a secularização da cultura – ou o contrário. Há países que mantêm estreita relação com uma instituição religiosa, havendo mesmo religião de Estado, mas onde a cultura é bastante secularizada, como a Grã-Bretanha e a Dinamarca. Outros, por sua vez, têm Estado Laico numa sociedade com instituições permeadas pelo sagrado, como os Estados Unidos e a Índia. Outros, ainda, ocupam posições intermediárias e transitivas. Na Argélia e na Turquia, o Estado Laico sofre fortes pressões para fundir-se com o Islamismo dominante na sociedade e assumir as prescrições corânicas para o campo político, inclusive no Direito. No Brasil e na Itália, a secularização da cultura avança enquanto a laicidade do Estado está freada. Quais são, portanto, os interesses políticos que estão por trás desta proposição equivocada? Passemos a alguns deles. Um dos interesses centrais ao se defender que “o Estado é Laico, mas o povo é religioso”, é o de manter a tutela religiosa sobre o povo. Busca-se usar este argumento para assegurar que o Estado seja usado por instituições religiosas para exercício desta tutela. Ela foi reduzida quando % !&'%8&81&1!"!#$%$, '8"!#&:&(! .!/"0!#"'% 51&'8 .!$!( 5$(&=$23"!-"%!7(G"%!- ! 1'&> %!0 $(&=$-$%!<"0$!-"![,4&8"!-$!0 (&5&3"!"7#&$(.! .!,$&%!0 # '8 , '8 .! se legalizou o divórcio. E continua pela busca o reconhecimento legal da união homossexual ou a retirada da tutela religiosa sobre a moral coletiva em outras questões que dizem respeito ao direito dos cidadãos, como a interrupção voluntária da gravidez. O que o Estado Laico garante é que essas questões sejam debatidas por toda a sociedade, para que a legislação seja mantida ou alterada, sem interdições que convêm a apenas parte dos cidadãos, os adeptos de certas religiões. Outro interesse defendido pela tese em foco é a de que a autoridade religiosa de padres, bispos e pastores seja mantida, com aval do Estado, e que votos possam ser canalizados para os candidatos apoiados pelas instituições religiosas, prática comum nos meios católico e evangélicos. \,! -"%! @ ,/("%! ,$&%! %&5'&7#$8&:"%! -$! @&%8]'#&$! - %% ! &'8 0 %% .! %"4! "! pretexto de se defender a religiosidade popular, tem sido a explícita atuação de líderes religiosos em períodos de eleições, em que abertamente declaram 214 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico apoio a candidatos mais sintonizados com os interesses dessas instituições (sintonia traduzida em slogans como “católico vota em católico” e “irmão vota em irmão”). É o reforço da tutela religiosa da moral coletiva, como vimos acima, em uma espécie de reedição do chamado “voto de cabresto”, mas % ,/0 !%"4!$!B1%8&7#$8&:$!- !91 !^"!F%8$-"!+!($&#".!,$%!"!/":"!+!0 (&5&"%"_` Ainda de acordo com esse interesse, os parlamentares agentes religiosos formam um bloco antilaico no Congresso Nacional, cujo efeito se espraia para todos os campos: ética pública, currículo escolar, meios de #",1'&#$23".! / %91&%$! #& '8C7#$.! 8#)! Z! 0 %1(8$-"! -$! ,&%810$! - ! 0 (&5&3"! e política, como se vê em países onde isso acontece, é o pior possível – preconceito, intolerância, discriminação, massacres e ditadura. TESE 4 – O ESTADO LAICO É UM ESTRANGEIRISMO QUE NÃO CONVÉM AO BRASIL Para os partidários dessa tese, o Brasil é um país de tolerância religiosa ímpar no mundo. Essa proposição não resiste ao menor confronto com os fatos. Os afro-brasileiros, que já sofreram séculos de perseguição pela Igreja Católica, hoje padecem a perseguição pelos evangélicos, que -&%/18$,!% 1%!7+&%! !$8+!, %,"!% 1%!-&0&5 '8 %!0 (&5&"%"%)!Z%!$- /8"%!-"! Catolicismo, por sua vez, reduzem seu contingente aceleradamente, desde o K '%"!X ,"5067#"!- !LMNaT!/$%%$0$,!- !/"1#"!,$&%!- !Mbc!-$!/"/1($23"! $!/"1#"!, '"%!- !Ndc!'"!- !OaLa)!W , 0"%$!- !8 0!% 1!#"'8&'5 '8 !- !7+&%! empatado em número com os evangélicos, a Igreja Católica desenvolve estratégias agressivas de retomada da antiga predominância na sociedade e no Estado, do que a Concordata Brasil-Vaticano/Santa Sé, promulgada em 2010, foi a culminância. Nem mesmo no período imperial, quando "! K$8"(&#&%,"! 0$! 0 (&5&3"! "7#&$(.! G"1: ! 8$(! 8&/"! - ! 80$8$-".! 91 ! /0 :]! privilégios políticos, econômicos, educacionais e outros a uma religião, em ostensivo confronto com a Constituição brasileira, que, aliás, proíbe alianças do Estado com instituições religiosas. Os cínicos dizem que o Vaticano é um Estado com o qual o Brasil mantém relações diplomáticas, mas omitem o fato de que há uma verdadeira simbiose dele com a Santa Sé, a direção mundial da Igreja Católica. Os cínicos prosseguem, dizendo 91 !80$8$-"%!% , (G$'8 %!/"- 0&$,!% 0!70,$-"%!#",!"180"%!#0 -"%.!,$%! omitem o fato de que a ambiguidade Estado/instituição religiosa existe apenas para o Catolicismo. Nenhuma outra religião, nem mesmo as outras monoteístas oriundas do Oriente Médio, dispõem dessa “dupla natureza”, por não poderem se representar como um Estado. Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 215 E é justamente para evitar que o Estado brasileiro seja usado para a disputa interna ao campo religioso, que a laicidade é imperiosa. Não se trata de importar um modelo de Estado Laico, até porque não há tal modelo, a laicidade não está pronta e acabada em lugar nenhum do mundo. Ela é um processo, como, aliás, o conceito correlato de democracia. Ou seja: qualquer - 7'&23"!- !F%8$-"!Y$&#"!% 06!% ,/0 !8 '8$8&:$.!$/0"@&,$8&:$.!/"091 ! ( !+! uma construção histórica. Como a democracia, o processo de construção da laicidade do Estado não se dá da mesma forma em todos os países (CUNHA, 2013). No Brasil, tal processo começou com a luta pela liberdade religiosa num Estado confessional católico, durante o Império; continuou pela separação entre a Igreja Católica e o Estado, de modo a eliminar os privilégios dessa instituição e a retirada das limitações que pesavam sobre as demais; e prossegue com reivindicação da imparcialidade estatal diante do campo religioso. Aliás, esse padrão é semelhante, em linhas gerais ao dos países europeus, cujos Estados foram formados sobre a base da herança medieval da estrita ligação entre poder político e poder eclesiástico cristão. No século XVI, os países ibéricos transferiram o padroado para suas colônias na América, que, independentes, o reproduziram. Esse processo não é uma linha contínua, pois há contradições que 7#$,! $8 '1$-$%! "1! %3"! $#&00$-$%)! J"08$'8".! @&%8 ,! 0 #1"%! ! $:$'2"%! no processo de construção da laicidade do Estado. A laicidade pode até avançar nuns setores e recuar noutros. É o caso do Brasil de hoje: enquanto a discussão da legislação sobre os direitos sexuais e reprodutivos se faz em termos cada vez mais laicos, na educação pública ela segue permeada pela presença religiosa. Quando, porém, a proposição em foco é enunciada, muitas vezes o que se busca é a “naturalização” da presença religiosa no Estado, como a entrada do campo religioso no campo educacional, cuja autonomia tem diminuído por conta da ofensiva de certas sociedades religiosas para exercerem o controle do currículo da educação básica no setor público. Esse controle vai do ensino religioso nas escolas públicas até o conteúdo das aulas de Ciências e de Biologia, passando pela formação dos quadros do magistério. Isso porque, lamentavelmente, as instituições religiosas hegemônicas em nosso país lograram a mobilização de apoio político de toda a ordem, e conseguiram inscrever na Constituição de 1988 o dispositivo da oferta do ensino religioso no ensino fundamental das redes públicas, na forma de disciplina facultativa para os alunos, a ser ministrada dentro do horário de aulas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, endossou 216 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico o dispositivo constitucional do ensino religioso nas escolas públicas. Com "! $#&00$, '8"! -$! #0&% ! #"'H,&#$.! '"%! $'"%! LMea.! ! -"%! #"'E&8"%! %"#&$&%! urbanos, a religião tornou-se um tipo de panaceia, que se pretende ministrar em doses amplas nas escolas públicas, como um mecanismo de controle individual e social supostamente capaz de acalmar os indisciplinados, de conter o uso de drogas, de evitar a gravidez precoce e as doenças sexualmente transmissíveis, capaz até mesmo de fornecer a presumida única base válida para a ética e a cidadania, como se fosse uma espécie de educação moral e cívica (CAVALIERE, 2006). E sempre, sob a argumentação de que o povo é religioso ou de que a laicidade do Estado, como a defendemos no presente texto, se trata de uma peculiaridade de outros países, como a França, o Uruguai ou os “países comunistas”... Busca-se, com essa tese, a manutenção da presença da religião em espaços e no calendário públicos, vista por muitos como “natural”, como se o povo fosse “naturalmente” religioso e a laicidade fosse uma ideia ^$08&7#&$(`! '80 !'?%)!K","! @ ,/("%!- %%$!/0 % '2$!0 (&5&"%$!91 !% !41%#$! manter, podemos mencionar a própria Constituição da República, que traz em seu preâmbulo a evocação da “proteção de Deus”, ou as notas da nossa moeda corrente, que trazem a inscrição “Deus seja louvado”, mantida mesmo diante de contestações como as do Ministério Público. Isso em um país onde há cidadãos que não creem em Deus ou que creem em várias -&:&'-$- %.! ! $8+! , %,"! /0"< %%$,! 0 (&5&> %! 91 ! '3"! /"%%1 ,! $! 7510$! de Deus! Sem mencionarmos um dos exemplos mais manifestos dessa /0 % '2$T!&,$5 '%!0 (&5&"%$%!f#","!"!#01#&7@"P! ,!80&41'$&%.!K[,$0$%!- ! Vereadores, Assembleias Legislativas ou repartições públicas de qualquer 8&/".!B1%8&7#$-$%!#","!^80$-&23"`!- !'"%%"!/$C%_ TESE 5 – O ESTADO LAICO É INSTRUMENTO DE LUTA DE GRUPOS RELIGIOSOS EM ASCENSÃO Como vimos, em termos sociológicos, o campo religioso é um campo - ! #"'E&8"%.! - ! (18$! / ($! G 5 ,"'&$)! F%%$! #$0$#8 0C%8&#$! 7#$! ,$&%! :&%C: (! quando se trata das religiões abraâmicas, isto é, o judaísmo e seus derivados, o Cristianismo e o Islamismo – e até mesmo no interior de cada uma delas. A G&%8?0&$! ( '#$!1,$!%+0& !&'7'-6: (!- !/ 0% 51&2> %!#0&%83%!$"%!B1- 1%! !$"%! muçulmanos; de hinduístas contra muçulmanos; e destes contra cristãos. As lutas políticas com aderência religiosa na Palestina/Israel, bem como a de católicos e protestantes na Irlanda do Sul representam a versão mais "%8 '%&:$!-"!#$068 0!&'80&'% #$, '8 !!#"'E&8&:"!-"!#$,/"!0 (&5&"%") Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 217 No âmbito do Cristianismo, a ortodoxia foi mantida a ferro e a fogo, no sentido estrito da palavra. As lutas religiosas na Europa, logo após a Reforma Protestante, duraram décadas, e só foram reprimidas pelos chefes de Estado, pelo Tratado de Vestfália, em 1648.116 Além das visíveis lutas fratricidas, a discriminação jurídico-política que a(s) religião(ões) dominante(s) exercem mediante o poder que detém(êm) no Estado, não - : ,!% 0! %91 #&-$%.!/ ($!%1$! 7#6#&$!,$8 0&$(! !%&,4?(&#$)!J"0! @ ,/(".! a hegemonia que a Igreja Cristã Ortodoxa granjeou na Grécia propiciou aos seus adeptos o monopólio do exercício de cargos públicos. E mais: que todos os cidadãos gregos tivessem inscritos nos seus documentos de identidade $! 0 (&5&3"! 91 ! % 51&$,.! $! "7#&$(! "1! $(51,$! "180$)! Z! &'50 %%"! - %% ! /$C%! '$! \'&3"! F10"/ &$! 7#"1! #"'-&#&"'$-$! I! %1/0 %%3"! - %% ! %8&5,$! '"%! documentos pessoais. *!8 % ! ,!<"#"!0 < 0 A% .!&,/(&#&8$, '8 .!$!1,!8&/"!- !#"'E&8"!-&< 0 '8 ! dos mencionados acima. Esses tendem à conquista do monopólio, no limite, à transformação da religião hegemônica em dominante, a partir do seu 0 #"'G #&, '8"! @/(C#&8"!"1!86#&8"!#","!0 (&5&3"!"7#&$()!Z1!% B$.!'$-$!$!: 0! #",! "! F%8$-"! Y$&#")! g$%.! G6! #"'E&8"%! 0 (&5&"%"%! 8 '- '8 %! I! ($&#&-$- ! -"! Estado, que é a luta dos dominados pelo direito de prática de seu credo sem restrições. A luta que os afro-brasileiros travam durante séculos pelo pleno direito ao culto não tem paralelo no país. Nem mesmo sabemos quantos %3"! ( %)!*%!0 %/"%8$%!$"%!K '%"%!X ,"5067#"%.! ,!91 !'3"!% !&- '8&7#$,! como tais os seguidores de religiões de matriz afro-brasileira, não revelam a dimensão quantitativa dos seus adeptos. O Censo de 2010 revelou a existência de apenas meio milhão de adeptos de cultos afro-brasileiros, em todo o país, a despeito da propaganda de grupos vinculados a estes cultos, que proclamavam “quem é de axé, diz que é”. Os evangélicos, que no século XIX já sofreram violências policiais, movidas pelo clero católico, hoje crescem a ponto de haver quem projete para a próxima década seu número igualar o dos católicos reais e presumidos (afro-brasileiros inclusive). Até a proclamação da República, em 1889, os evangélicos sequer tinham o direito de erguer templos com essas características, nada de sinos nem de símbolos religiosos na fachada das casas particulares onde se reuniam. A existência do Catolicismo como 0 (&5&3"!"7#&$(!- % %8&,1("1!$8+!, %,"!$!:&'-$!/$0$!"!V0$%&(!- !&,&50$'8 %! protestantes, principalmente da Alemanha, pois aqui não poderiam ter LLN!F,!5 0$(.!"%!80$8$-"%!&'8 0'$#&"'$&%!8],!"!'", !-$!#&-$- !"'- !%3"!70,$-"%)!Q %% !#$%".!"!'", ! <"&!-$!0 5&3"!-$!*( ,$'G$.!/"&%!#$8?(&#"%! !/0"8 %8$'8 %!'3"!/"- 0&$,!7#$0!'$!, %,$!#&-$- T!"%!/0&meiros foram para Münster e os outros para Osnabrück. 218 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico <$,C(&$! ( 5$(, '8 ! #"'%8&81C-$.! % 1%! 7(G"%! 0$,! 8&-"%! #","! &( 5C8&,"%.! quando morriam não podiam ser enterrados nos cemitérios públicos. Portanto, os presbiterianos, metodistas e congregacionais desenvolveram uma longa e silenciosa luta contra o monopólio religioso da Igreja Católica, até que a laicidade republicana (plataforma de liberais, maçons e positivistas) os liberou dos entraves jurídico-políticos existentes no Estado confessional da monarquia. Para mais um exemplo de como a laicidade do Estado pode ser do interesse de grupos religiosos sem que isto represente seu uso como instrumento de algumas religiões contra outras, mas apenas a favor de sua liberdade religiosa, recorramos aos valdenses. Se no Brasil a discriminação atingiu a todos os protestantes, a situação foi particularmente difícil para os movimentos religiosos que anteciparam o cisma cristão do século XVI. Três séculos antes, a secessão havia começado no norte da Itália com o movimento liderado por Pedro Valdo, que não reconhecia a supremacia papal, promovia a leitura individual da Bíblia na língua vernácula e rejeitava as imagens nos templos e nos cultos. Os valdenses, como vieram a ser conhecidos os adeptos desse movimento, foram excomungados pela Santa Sé e perseguidos pelo Estado confessional. Em 1848 eles passaram a usufruir de liberdade religiosa, pelo menos no Piemonte. A migração de italianos para a América, nas últimas três décadas do século XIX, trouxe valdenses para o Uruguai, onde formaram importante colônia, que mantinha escolas próprias. Em 1909, quando foi aprovada lei que vedava o ensino e a prática religiosa nas escolas públicas uruguaias, duas posições opostas foram marcantes. A Igreja Católica manifestouse contrária a essa lei por representar a institucionalização da “escola sem Deus”. Para os evangélicos, no entanto, a lei foi favorável à liberdade religiosa e a suas próprias iniciativas educacionais. Como as escolas públicas tornaram-se laicas, os valdenses foram mais longe do que seus confrades de outras denominações e solicitaram a incorporação de suas escolas à 0 - ! "7#&$()! F,! #"'% 91]'#&$.! $%! $'8&5$%! %#"($%! #"'< %%&"'$&%! :$(- '% %! transformaram-se em escolas e laicas, mantidas e geridas pelo governo uruguaio. Na Itália, atualmente, a Igreja Valdense tem uma ligação institucional com a Igreja Metodista, e apoia materialmente, o movimento Itália Laica.117 A luta pela liberdade religiosa, contra as tendências intrinsecamente 117 Ver www.italialaica.it. Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 219 #"'E&81"%$%! ! -&%#0&,&'$8?0&$%! -"! #$,/"! 0 (&5&"%".! +! "! /0&, &0"! /$8$,$0! da luta pela laicidade do Estado, embora a ela não se reduza, uma vez que pode haver tal liberdade mesmo em uma sociedade cujo Estado privilegie certas religiões. É compreensível, embora não admissível, que os detentores do monopólio ou da hegemonia religiosa imaginem que essa luta seja contra eles: uma distorção de percepção explicada pelos interesses ameaçados. TESE 6 – O ESTADO LAICO É DESTITUÍDO DE MORAL OU DE ÉTICA g"0$(! !+8&#$!%3"!8 0,"%!#"'80": 0%"%)!h6!91 ,!"%!&- '8&791 ! !91 ,! os distinga. Para a redação deste texto, decidimos tomá-los como sinônimos. !"#$% &'% ()!*+'% $% ,(-(.*+% /+0,(% $% 1"2$% 3,4!"#$'% $!,$1(//$2$% 3+,% 56(/!7(/% (% dilemas relativos aos juízos acerca do bem e do mal. A questão central é a seguinte: o Estado pode ser neutro, assumindo uma ética independente de uma ou de várias religiões? Dito de outro modo: o Estado pode assumir e impor uma pauta de valores éticos sem base religiosa? Com efeito, ninguém pode ser neutro em relação a valores, tampouco os valores que dizem respeito a todos têm uma religião ou várias delas como fundamento. O Estado não é neutro em relação à democracia, por exemplo. 89&:%2(%$;,:$,%$%2(:+#,$#"$'%1$9+,%56(%)(:%!+2$/%$/%,(9"<"7(/%,(#+)=(#(:% >+6% )(:% /(:3,(% +% ,(#+)=(#(,$:?% 6:$% &!"#$% 9$"#$% $;,:$% $% 9"0(,2$2(% 2(% crença, que não coincide com os valores de autorreferência da maioria das religiões. Têm razão os que chamam a atenção para a existência de um vazio ético no ensino público. Mas, ao contrário do que se pretende, a religião não é conteúdo adequado a preenchê-lo. A ética laica é o que faz falta, como, aliás, apontam, implicitamente, os temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, de 1997, e a Resolução CNE/CP nº 1/2012 do Conselho Nacional de Educação, sobre as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Num texto tão oportuno quanto correto, o Conselho Pleno daquele órgão colegiado elencou os sete princípios fundamentais da Educação em Direitos Humanos, não só em termos laicos, como, também, explicitando a laicidade do Estado como um deles. Os outros seis são os seguintes: dignidade humana; igualdade de direitos; reconhecimento e valorização das diferenças e diversidades; democracia na educação; transversalidade, vivência e globalidade; e 220 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico sustentabilidade socioambiental. A não ser o primeiro, nenhum desses princípios pode ser creditado a religião alguma. A dignidade humana sim, teve, na sua gênese histórica, protagonismo seminal do Cristianismo, que, todavia, veio a contribuir fortemente para o seu contrário, mediante o apoio e a prática da escravidão, da dominação sexual e de gênero, da sujeição de povos e de religiões concorrentes, sem falar na repressão aos dissidentes internos. E não são favas contadas! Não há como desconhecer que a dignidade humana é, na atualidade, valor assumido e potencializado por outras correntes de pensamento e ação, inclusive antirreligiosas, como as libertárias, por exemplo. Pretender que a dignidade humana seja um valor propriamente religioso é uma redução teórico-prática que não tem fundamento teórico nem prático. Concentremos nossa atenção na questão da ética tal como aparece formulada como um dos Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental. O desenvolvimento desse tema deve /(% 3$6!$,% 3(9$% $6!+)+:"$% ")2"1"26$9'% #+)2"@*+% 3$,$% $% ,(-(.*+% &!"#$A% B$,$% isso, foram eleitos como eixos do trabalho quatro blocos de conteúdo: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade (Brasil, 2000, p.32). Os valores escolhidos e a intenção de ensiná-los devem ser explicitados para todos, principalmente para os alunos. O trabalho pedagógico deve incluir a possibilidade de discussão e questionamento, assim como a não ocultação !" #$%&'( )*+!,-" #$%.)&$," !" #$%/'$%&$,A% C"!+% 2(% +6!,+% :+2+'% +/% #+)-"!+/% devem ser apresentados como inerentes aos processos democráticos, pois são eles que fazem avançar, não sendo algo negativo que deva ser evitado (Brasil, 2000, p.46-47). Em lugar algum dos Parâmetros os valores éticos estão baseados em textos sagrados ou em obras abstratas, mas encontram sua base num texto político concreto, resultado da negociação de diversas forças políticas: a Constituição Federal. Do art. 1º, os parâmetros destacam, como fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Do art. 3º, apontam os objetivos da República: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Do art. 5º, extraem diversas consignas: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; é inviolável o direito de consciência e de crença; e outras (Brasil, 2000, p.70-71). Em suma, a ética neste documento é concebida como imanente à vida social, sendo a Constituição Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 221 a expressão dos valores acordados pelas diversas forças políticas em aliança e confronto. A tentativa de inserir a ética laica no ensino público merece o apoio de todos os que rejeitam a pretensão de certos grupos de monopolizarem o controle da consciência coletiva, seja o clero de alguma instituição religiosa, o comissariado de algum partido político, a censura de algum governo ou de grupo de interesse. Os grupos empenhados em utilizar a escola pública para controlar a consciência coletiva ou para resolver disputas próprias do campo religioso estão na ofensiva, de modo que não cabe adiar essa explicitação. No momento em que vivemos, quando as tenebrosas consequências dos fundamentalismos, especialmente do ramo judaico-cristão-muçulmano, são visíveis em todo o mundo, a defesa do ensino público laico – e de um Estado Laico, antes de tudo – impõe-se como um item prioritário no ideal democrático (CUNHA, 2009). TESE 7 – O ESTADO LAICO É ANTÍDOTO CONTRA FUNDAMENTALISMOS RELIGIOSOS Chegamos à última das teses equivocadas, que tem sido amplamente defendida inclusive por quem deseja defender a laicidade do Estado. A presença de atores religiosos na política brasileira é tão antiga quanto o próprio Estado nacional. O clero católico atuou nas diversas instâncias dos Poderes Legislativo e do Executivo desde a Independência, e até mesmo nos movimentos pela separação de Portugal e nas rebeliões que pontuaram a história do Império. Segundo a fórmula antiga, a Igreja Católica era parte 2+% D/!$2+'% #+:+% ,(9"<"*+% +;#"$9'% :$)!"2$% !+2$% (% #+)!,+9$2$% (:% 3$,!(% 3+,% ele. A República interrompeu essa simbiose tão íntima, mas não impediu a participação política do clero. Padres e bispos reduziram sua participação )+/%#$,<+/%3E09"#+/'%:$/%:$)!"1(,$:%F+,!(%")-6G)#"$%:(2"$)!(%#,(/#()!(% participação política do movimento católico leigo, fosse via política partidária, fosse via contato direto do clero com prefeitos e vereadores, com governadores e presidentes, deputados e senadores. Já com os evangélicos, a situação foi diferente. Ao contrário do clero católico, que sempre esteve dentro dos palácios do poder, os evangélicos tiveram de abrir caminhos para entrar num espaço já ocupado. A criação de colégios de melhor qualidade do que os católicos foi uma estratégia vitoriosa, nas últimas décadas do Império e nas primeiras da República – um aceno 222 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico ao qual a elite cultural brasileira respondeu positivamente. Mesmo assim, os nada ameaçadores líderes evangélicos das igrejas tradicionais tiveram de compor com o Catolicismo à medida que aumentavam sua base política. A atuação de Guaraci Silveira nas Assembleias Constituintes de 1933/34 e de HIJK%&%6:%0+:%(.(:39+%2"//+L%2(%2(/$;$2+,'%3$//+6%$%$9"$2+%2+/%2(36!$2+/% apoiados pela Liga Eleitoral Católica. M% 2(/$;+% :$"+,% /6,<"6% )$% 2&#$2$% 2(% HIKN'% 56$)2+% 2(/9$)#=+6% $% expansão das Igrejas Evangélicas pentecostais, com base nas camadas populares, caminhando para empatar com o contingente de adeptos 2$% #+);//*+% =(<(:O)"#$% 2(/2(% +/% !(:3+/% #+9+)"$"/A% P+:+% &% !Q3"#+% 2+/% parvenus118, sua irrupção na cena política emprega procedimentos que acabam por atrair sobre si tanto atenções antes indiferentes quanto rejeições desnecessárias. R6"!$/% 2$/% !4!"#$/% 2(% ")-6G)#"$% /+0,(% +% D/!$2+% (:3,(<$2$/% =+S(% pelas Igrejas Evangélicas são as mesmas da Igreja Católica no passado: de 0$)#$2$%3$,9$:()!$,%T%<(/!*+%2+/%,(#6,/+/%;)$)#(",+/%3E09"#+/A%D:%!+2+/% eles, os evangélicos são meros aprendizes quando comparados com os rivais, veteranos nos campos religioso e político. O impulso de crescimento e ação conjunta das Igrejas Evangélicas tem limites. Não é sensato supor que ele seja permanente e que elas substituirão o lugar da Igreja Católica na sociedade brasileira. Não se deve esquecer que esta tem uma estrutura dotada de alto grau de centralização, a despeito das dissensões internas, enquanto que aquelas têm nas cizânias teológicas e políticas práticas a condição mesma de seu dinamismo. Por outro lado, depois da eleição do papa Francisco quem mais duvida da capacidade de aggiornamento da Igreja Católica em termos políticos e ideológicos? Sem dúvida, há espaço para o crescimento da presença de líderes evangélicos no campo político, mas, tampouco há dúvida de que esse crescimento levará a sensíveis mudanças de suas plataformas e ideologias, como aconteceu com Guaraci Silveira. Aliás, não se pode esquecer do prognóstico de Reginaldo Prandi (2013), de que “em vez do Brasil virar culturalmente evangélico, a religião evangélica pode bem se converter ao Brasil”. 118 Expressão francesa que designa pessoas que chegam a situação social superior à de sua origem, sem ter adquirido a cultura considerada apropriada à nova condição. O termo equivalente em português é arrivista (também ele derivado do verbo francês arriver = chegar, alcançar). Arrivista foi dicionarizado no Brasil de modo preconceituoso: pessoa inescrupulosa que quer vencer na vida a todo custo. Assim aparece no Novo Aurélio Século XXI e no Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. Por isso, preferimos manter o termo francês. Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 223 O protagonismo político de líderes evangélicos nas diversas instâncias do Poder Legislativo tem apavorado os setores laicos menos experientes na análise política. Diante do que sentem como perigo evangélico – ou pentecostal ou fundamentalista119 –, tais setores apressam-se a aliarem-se aos católicos, em busca de um inter ou supra ou pluri ou multi-confessionalismo, que dilua esse protagonismo. Assim fazendo, esses setores laicos acabam por se transformar em novos atores do campo religioso, reforçando uns contra outros – portanto, entram no jogo desse campo. O Estado laico não é, por princípio, contra nem a favor de movimentos fundamentalistas, já que não é ator do campo religioso. Nem quando entram em acordo, como na mobilização de seus adeptos contra as políticas públicas no tratamento do aborto como questão de saúde coletiva. Nem quando estão em desacordo, como no caso da maior, menor ou nenhuma tolerância diante das políticas públicas de combate à homofobia. O Estado Laico tampouco está a favor dos aggiornati contra os fundamentalistas, ou dos “bons” contra os “maus” religiosos, porque ele é imparcial nas disputas internas ao campo religioso. O que o Estado Laico deve garantir, efetivamente, é um antídoto às consequências deletérias da ação política dos religiosos fundamentalistas e de seus opositores no campo religioso, em especial quando avançam sobre +/% #+F,(/% 3E09"#+/% 3$,$% +% ;)$)#"$:()!+% 2(% /6$/% 3,4!"#$/% 3$,!"#69$,(/U% (% quando constrangem as políticas públicas que dizem respeito à cidadania e $+%2(/()1+91":()!+%#"()!Q;#+A 3. Em Defesa Do Estado Laico Defender o Estado laico implica combater a disseminação de teses equivocadas como as apresentadas e comentadas acima. A despeito das superposições entre elas, como vimos, três são especialmente danosas para a correta compreensão do que seja ou possa ser a laicidade do Estado no Brasil de hoje: a suposição de que o Estado Laico seja sinônimo de Estado ateu ou ao seu oposto lógico, o Estado multirreligioso, bem como venha a ser o Estado laico o instrumento para combater os fundamentalismos. P+:% (F("!+'% "2()!";#$,% 2+% D/!$2+% V$"#+% $+% D/!$2+% $!(6'% 3,(!()2GW9+% expressar o condomínio das instituições religiosas, tanto quanto atribuir9=(%+%3$3(9%2(%#+:0$!(,%+/%F6)2$:()!$9"/:+/'%/"<)";#$%,(26X",%+%D/!$2+%$% agente do campo religioso, exatamente o contrário da correta compreensão 119 Fundamentalista é entendido, aqui como o movimento ou a instituição que segue estritamente os princípios e/ou as práticas do fundador, rejeitando como desvios ou heresias as mudanças realizadas nos ritos, nos valores, assim como na interpretação dos textos sagrados. 224 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico do seu status, isto é, agente por excelência do campo político. Aliás, a Constituição brasileira de 1988 determina, apropriadamente, no art. 19, que é vedado a todas as instâncias do Estado estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, mantendo a ressalva da colaboração de interesse público, na forma da lei. A defesa do Estado Laico depende, sobretudo, do próprio Estado para o esclarecimento das teses equivocadas e a difusão do correto entendimento do que ele seja. Para isso, é indispensável a atuação sintonizada, tanto quanto possível, de várias e diferentes instituições sociais e políticas: - Das diversas instâncias do Sistema Judiciário, com a correta interpretação da legislação brasileira e a ágil contribuição para seu aperfeiçoamento, mediante interpretação adequada, bem como da iniciativa do Ministério Público. E evitar decisões judiciais nas quais, como tem acontecido, juízes prescrevam práticas religiosas a pessoas condenadas por crimes, como condição para a liberdade condicional; ou pretendam decidir sobre o que é e o que não é religião. - Da atuação coerente e consistente das instâncias governamentais, de modo a evitar que os recursos públicos sejam empregados em detrimento da implementação de suas próprias políticas, como acontece nos hospitais ;9$)!,Y3"#+/%#+)F(//"+)$"/%")!(<,$)!(/%2+%Z"/!(:$%[)"#+%2(%Z$E2(A%83(/$,% 2(% 0()(;#"$2+/% 3+,% <()(,+/$/% "/()@7(/% ;/#$"/% (% /60/Q2"+/% ;)$)#(",+/'% =4% hospitais que se recusam a executar atos médicos, como o aborto nos casos legalmente permitidos. - Da reorientação política das instâncias legislativas, onde o oportunismo e a leniência de senadores, deputados e vereadores facilitam a atuação de devotos parlamentares como despachantes de suas agremiações religiosas na elaboração das leis e nos próprios ritos inerentes a esse Poder. - Dos meios de comunicação de massa, atualmente os educadores políticos de facto%2+%3+1+%0,$/"9(",+A%D9(/%/(%0()(;#"$:%2(%6:$%#+)#(//*+% do Estado, mas, na disputa pela audiência, seus programas, locutores e animadores lançam mão de expedientes de sedução religiosa de ouvintes e telespectadores, em detrimento de políticas públicas pautadas pela laicidade do Estado, a exemplo do combate à homofobia. - Dos sistemas públicos de ensino em todos os níveis e modalidades, 2(%:+2+%56(%+/%#+)!(E2+/%(%+/%3,+#(2":()!+/%/(S$:%2(;)"2+/%3+,%#,"!&,"+/% pedagogicamente laicos. Para que isso ocorra, é indispensável que os Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico 225 conselhos nacional, estaduais e municipais de educação deixem de ter vagas cativas para instituições religiosas, ainda que de modo informal. A primeira consequência objetiva dessa reorientação é eliminar a prática corrente nos sistemas públicos de ensino, onde muitas escolas fazem do ensino religioso disciplina obrigatória, a despeito de a Constituição determiná-la facultativa. Nada disso impedirá a atuação de religiosos no campo político, mas 2(/2(%56(%/(S$%)$%2(F(/$%2(%39$!$F+,:$/%56(%0()(;#"(:%!+2$%$%3+369$@*+'% S6/!";#$2$/% 3+,% 2"/#6,/+/% 56(% 2"<$:% ,(/3("!+% $% !+2+/% +/% #"2$2*+/'% ")2(3()2()!(:()!(% 2(% ;9"$@*+% ,(9"<"+/$% +6% :(/:+% $)!",,(9"<"+/$A% \$:$"/% usando a força do Estado para impor a todos o que pretendem adequado a seus próprios adeptos e com base nos textos e nos preceitos que lhe são sagrados. 4. Referências BATISTA, Carla e MAIA, Mônica (orgs.). 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