júnior, a. p. m.; carvalho, r. p. b.; facury, d. m.; camilo, g. a.; oliveira, b. j.; ramanery,g.s.
minerodutos
implicações
panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
ariel eferreira.
atésocioambientais:
aqui, 2019.
douglas assis
instalação site specific, pintura com tinta de terra e rochas,
memorial minas gerais vale, praça da liberdade, belo horizonte.
fotografia: ariel ferreira.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
MINERODUTOS E
IMPLICAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS:
PANORAMA LEGAL E REFLEXÕES
PARA O CENÁRIO DE MINAS
GERAIS
antônio pereira magalhães júnior*
regina paula benedetto de carvalho*
daniel machado facury*
Gabriel Andrade Camilo*
Bernardo Jefferson de Oliveira*
Giovanna Soares Ramanery*
resumo Minerodutos são considerados modais de transporte dentre os mais eficientes em termos de logística, mas
a sua instalação e funcionamento podem trazer impactos, conflitos e desastres socioambientais como os riscos de
escassez hídrica, por exemplo. No Brasil, a maior parte dos minerodutos está em Minas Gerais, estado com tradicional
atividade minerária. Este artigo busca apresentar um panorama dos minerodutos em Minas Gerais e de suas implicações
socioambientais, particularmente nos recursos hídricos. Foi realizada análise documental dos minerodutos instalados e
projetados, a legislação, a repercussão na mídia e potenciais conflitos gerados por essas estruturas. São destacadas maiores
incongruências durante as negociações de terras e licenciamento; durante a instalação dos minerodutos, sobre alterações
na paisagem; e durante a operação, quanto ao uso da água; além de implicações políticas e econômicas de escala regional.
palavras-chave Mineração. Transporte de rejeitos. Segurança hídrica.
ORE SLURRY PIPELINES AND SOCIO-ENVIRONMENTAL
ASPECTS IN MINAS GERAIS STATE: LEGAL OVERVIEW AND
REFLECTIONS ABOUT THE MINAS GERAIS’ SCENARIO
abstract Ore slurry pipelines are considered transport modes among the most efficient in terms of logistics, but their
installation and operation can bring socio-environmental impacts, conflicts and disasters as, for example, the risks of water
scarcity. In Brazil, most of the pipelines are in Minas Gerais, a state with traditional mining activity. This article seeks to present
an overview of the pipelines in Minas Gerais and their socio-environmental implications, particularly on water resources.
Documentary analysis of the installed and projected pipelines, legislation, repercussions in the media and potential conflicts
were carried out. Major inconsistencies are highlighted during land and licensing negotiations, during the installation of
the pipelines, about changes in the landscape, and during the operation, regarding the use of water, as well as political and
economic implications on a regional scale.
keywords Mining. Ore transport modes. Water security.
* Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Introdução
E
m um país de dimensão continental como o Brasil os modais de transporte são
estruturas essenciais e estratégicas para a integração de seu território. Tendo em
vista que grande parte da economia brasileira gira em torno da exportação de com-
modities através das zonas portuárias, as dutovias respondem por boa parte do escoamento de recursos como óleo, gás e minérios. Os dutos que transportam minérios são
construídos e geridos por empresas privadas para atender aos interesses logísticos das
atividades de mineração. Apesar do alto custo inicial de implantação, a capacidade de
carga transportada e o custo de manutenção garantem o retorno do valor investido nas
dutovias (PESSOA, 2016; MTPA, 2018).
No Brasil, a maior parte dos complexos minerários de grande porte está distante
das zonas portuárias, como é o caso de Minas Gerais, fazendo com que os minerodutos sejam, em geral, a melhor opção em termos econômicos para empreendimentos de
grande porte. Além disso, autores como Pessoa (2016) apontam que os minerodutos
geram impactos menos significativos em relação a outros modais e apresentam outras
vantagens, que se estendem a questões estratégicas relativas à produção, logística e
geração de empregos.
No entanto, apesar das vantagens supracitadas, não se pode menosprezar a prer1 Desastres são o
resultado da ocorrência de
eventos adversos de origem
natural ou humana em
cenários de vulnerabilidade,
acarretando, portanto,
prejuízos e danos sociais,
ambientais, econômicos e/
ou materiais ao patrimônio
público e privado (CEPED/
RS-UFRGS, 2016).
rogativa das conexões entre os impactos causados por minerodutos e o aumento das
ameaças de desastres 1 socioambientais, principalmente em decorrência da degradação
de recursos hídricos e risco de desabastecimento de municípios, gerando tensões territoriais. Os traçados dos dutos e a utilização de água no escoamento de minério podem
gerar processos de supressão de nascentes e alteração da dinâmica fluvial, reduzindo
a quantidade e, muitas vezes, a qualidade das águas apropriadas por outros usuários.
Outros impactos relativos à segurança hídrica estão associados às alterações no relevo,
à supressão de vegetação nativa e à intensificação de processos erosivos. Já no meio
social, as obras podem levar ao aumento de contingente populacional e serviços nos
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
municípios envolvidos, pressionando os sistemas hídricos (BRANDT, 2006). Essas
questões não são consensuais e geram conflitos de interesses entre o poder público, o
setor privado e a sociedade civil, nas esferas federal, estadual e municipal.
Este trabalho insere-se nesse contexto de estudos sobre os riscos de desastres das
atividades minerarias à qualidade do patrimônio socioambiental do país, ainda que
não nos esqueçamos dos inegáveis benefícios que o setor proporciona. O objetivo é
apresentar um panorama dos minerodutos em Minas Gerais e de suas implicações
socioambientais, particularmente no que tange aos recursos hídricos. Para isso, foi realizada a sistematização e análise dos principais aspectos legais envolvidos no processo
de licenciamento de grandes projetos minerários em Minas Gerais, junto aos impactos
e principais conflitos derivados.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi embasada pelo levantamento, sistematização e análise de dados
e informações oficiais e de livre acesso sobre o arcabouço legislativo, licenciamento,
estudos e relatórios de impactos ambientais (EIA/RIMAs) relativos aos minerodutos
(instalados ou em perspectiva) em Minas Gerais. As consultas também envolveram
artigos, relatórios técnicos e notícias relativas ao poder público e ao setor mineral como
um todo.
Em termos federais, as informações foram obtidas principalmente dos sites das
seguintes instituições: Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional
de Mineração (ANM), Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e
catálogo online do Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal de Minas Gerais.
No âmbito estadual, destacaram-se os sites do Sistema Estadual do Meio Ambiente e
Recursos Hídricos (SISEMA), do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) e da
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG).
Em uma perspectiva dialética, a análise buscou elencar: (i) elementos históricos,
econômicos e políticos, que estimularam (e estimulam) a instalação de minerodutos
em MG; (ii) procedimentos legais para concessão das licenças (prévia, instalação e
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
operação), pelas quais são deliberados os estudos ambientais necessários a essas concessões; (iii) a identificação dos impactos ambientais e sociais, a partir dos estudos
ambientais legalmente exigidos, relacionados principalmente à degradação dos recursos hídricos; e (iv) casos de práticas políticas e de negociação abusiva entre empresas
e proprietários de terra que causaram (ou ainda causam) tensões territoriais. As informações permitiram o confronto das ideias e a concepção de reflexões com base em
diferentes elementos naturais e sociais interligados. Esse enredamento busca instigar
a percepção do leitor sobre as relações de causa-efeito que se processam como consequência de projetos de minerodutos, as quais tendem a tornar-se mais complexas
ao longo dos processos de instalação e operação dos empreendimentos. São gerados,
portanto, diferentes cenários de impactos e conflitos territoriais, principalmente em
função da ameaça à segurança hídrica.
Além da análise documental, foram executados procedimentos de análise espacial
para gerar um mapa síntese com a origem, rota e local de escoamento dos minerodutos estudados. Os dados georreferenciados, com os traçados dos minerodutos, foram
adquiridos pelo banco de dados do site da ANTT (2019) e de outras bases geográficas
utilizadas para criar referências espaciais, como limites administrativos de estados e
municípios O mapa foi elaborado com o uso do software de geoprocessamento ArcGIS
(versão 10.5.1). Outra análise espacial foi realizada por meio de imagens de satélite do
software Google Earth, visando identificar e ilustrar possíveis alterações morfológicas
causadas pela instalação de minerodutos, o que foi exemplificado pelo mineroduto
Minas-Rio (empresa Anglo American), na região da Zona da Mata mineira.
Aspectos legais e atual contexto das políticas
de regulamentação de minerodutos em Minas
Gerais
O processo de licenciamento de minerodutos compete a órgãos federais, estaduais
e municipais, de acordo com a dimensão territorial do projeto, junto aos processos de
concessão de lavra e beneficiamento. Os trâmites envolvem diferenças de competências em função de sua abrangência territorial. Assim, ainda que um empreendimento
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
minerário situado em Minas Gerais esteja atrelado a um mineroduto que abranja mais
de um estado, a atividade da mina é licenciada pela Secretaria de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (SEMAD). No entanto, a atividade do mineroduto em si
deve ser licenciada pelo IBAMA (órgão federal) já que, conforme o artigo 10 da Lei Nº
6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente
– PNMA (BRASIL, 1981), compete ao IBAMA o licenciamento de minerodutos em
caráter supletivo à atuação do órgão ambiental estadual, pelo fato de seus impactos e
atividades serem de âmbito interestadual.
De acordo com a Lei nº 6.938/81 e outros documentos normativos específicos, os
minerodutos podem gerar considerável impacto ambiental por sua natureza e porte,
sendo, portanto, passíveis de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de
Impacto Ambiental – EIA/RIMA, condicionados à aprovação do IBAMA (BRASIL,
1981). Cabe ao poder público estadual e municipal a complementação dos estudos
técnicos solicitados pelo IBAMA, assim como a determinação de outras eventuais exigências legais adicionais no âmbito de suas competências territoriais (BRASIL, 1981).
O processo de Licenciamento Ambiental para instalação de minerodutos decorre, inicialmente, da obtenção da Licença Prévia, quando são realizadas negociações e
arrendamentos das terras que serão ocupadas pelo traçado das estruturas e faixa de
servidão de 30 m. Posteriormente, a empresa precisa obter a Licença de Instalação
para iniciar as obras de implementação e, então, é necessário que o empreendimento obtenha a Licença de Operação para dar início às atividades (PASINI; OLIVEIRA;
FONSECA, 2013).
Para a efetivação do licenciamento das atividades de minerodutos, também deve
ser realizada a análise da concessão de uso das águas através das outorgas. No caso de
cursos d´água federais, a outorga é realizada pela ANA, e, no caso dos estaduais, o processo fica a cargo dos respectivos órgãos ambientais. Em Minas Gerais as outorgas são
deliberadas pelo IGAM (MINAS GERAIS, 1999). Atendendo aos princípios da Política
Nacional de Recursos Hídricos (BRASIL, 1997), a cobrança pelo uso da água é definida
de acordo com o tipo de captação (superfície ou subterrânea), vazão, finalidade, tipo de
efluentes e tratamento, aproveitamentos potenciais em outros setores, dentre outros
aspectos definidos pelo comitê gestor da respectiva bacia hidrográfica.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Outros dois aspectos legais importantes no planejamento dos minerodutos no
Brasil são relativos à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais
(CFEM) e ao papel da Agência Nacional de Transportes Terrestres. A CFEM, criada
pela Lei Nº 7.990, de 28 de dezembro de 1980, é uma taxa de arrecadação municipal
advinda do aproveitamento econômico gerado pela exploração mineral. Segundo o Decreto nº 9.407, de 12 de junho de 2018, uma parcela da CFEM deve ser direcionada aos
municípios não produtores de minério, mas que são afetados por empreendimentos
como minerodutos. Sobre esse aspecto, a ANM (2018) pondera que muitos municípios acabam priorizando o retorno financeiro promovido pela CFEM em detrimento
dos impactos das estruturas (ANM, 2018). A ANTT foi criada pela Lei nº 10.233, de 05
de junho de 2001, tendo como função regulamentar, cadastrar e integrar informações
sobre os modais de transporte brasileiros, disponibilizando dados sobre as dutovias
em meio virtual e de livre acesso ao público. Essa base é relevante para o processo de licenciamento dos minerodutos, pois integra diferentes tipos de dados e possibilita uma
melhor compreensão das dimensões ambientais e sociais dos territórios envolvidos.
O estado de Minas Gerais passou por recente dinamismo em seu aparato legal
relativo à estruturação e operação de minerodutos, fato incentivado pelo contexto de
baixos índices pluviométricos entre os anos de 2013 e 2015. Esse cenário acarretou
uma sensível redução dos níveis dos reservatórios e os órgãos gestores, com destaque
para a Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA, não foram capazes
de atender as demandas hídricas da população em vários municípios, gerando uma
crise de abastecimento na maior parte do estado. Tal quadro foi definido pelos órgãos
gestores como uma suposta “crise hídrica”, ainda que as causas sejam naturais e apresentem caráter cíclico. A redução da disponibilidade hídrica veio na contramão dos
argumentos tradicionais, por parte do Estado e do setor minerário, que defendem os
minerodutos como melhor opção de modal para escoamento do minério com menores
implicações ambientais. Essa questão foi pauta de discussão acirrada entre políticos,
técnicos e ambientalistas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Os debates e
questionamentos se concentraram, principalmente, nos volumes de água outorgados
para os minerodutos com o complicador das diversas esferas legislativas envolvidas no
processo de licenciamento.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
No contexto mencionado, dois Projetos de Lei (PL) foram apresentados na ALMG:
o PL 1221/2015 e o PL 263/2015 (ALMG, 2015). O primeiro defende que haja a implementação de um sistema de tratamento da água utilizada pelos minerodutos, para que
a mesma retorne, com qualidade, ao seu local de origem por meio de bombeamentos,
como mostra o artigo primeiro: “Ficam obrigadas todas as mineradoras do Estado que
utilizem o sistema de minerodutos a retornar toda a água utilizada no sistema de mineroduto ao local de que foi retirada, devidamente tratada” (ALMG, 2015). Essa proposta
buscou minimizar os impactos da extração de grandes volumes de água de cabeceiras
de drenagem de mananciais mineiros, os quais, após utilizados exclusivamente para
transporte de minério, acabariam sendo “perdidos” no oceano. Após poucos dias de
tramitação, o PL 1221/2015 foi anexado ao PL 263/2015 que, mais maleável, defendia
que apenas metade do volume da água captada deveria ser tratada e devolvida à bacia
de origem, em Minas Gerais. Passados oito meses de sua criação, o PL 263/2015 foi
retirado de pauta, o que pôde indicar a pressão e força política do setor minerário, sobrepondo, até mesmo, os interesses do próprio governo do estado relativos ao aumento
da disponibilidade hídrica (ALMG, 2015).
Entretanto, no dia 28 de maio de 2019, o PL 1.221/15 voltou à pauta na
Comissão de Constituição e Justiça da ALMG por meio do parecer do deputado Charles
Santos (PRB). O deputado Guilherme da Cunha (Partido Novo) pediu adiamento para
nova análise, alegando que seus termos contrariam a legislação referente às águas,
afirmando que tais termos são de responsabilidade da União (BRASIL, 1981). Em
04/06/2019, o parecer teve legalidade e seguiu para análise na Comissão de Minas e
Energia (ALMG, 2019).
Contexto territorial dos minerodutos em Minas
Gerais
Atualmente, três linhas de minerodutos ativos se originam em Minas Gerais, transportando polpa de minério de ferro e de fosfato. Além desses, há duas linhas previstas
e uma que foi proposta recentemente e cancelada, conforme observa-se na Figura 1.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Figura 1 -Minerodutos em Minas Gerais
Dentre os três minerodutos ativos, a linha menos extensa é a que liga o Complexo
de Mineração de Tapira (MG) ao Complexo Industrial de Uberaba (MG), ambos cons2 Empresa de capital
aberto com sede nos
Estados Unidos da
América, especializada na
produção de fertilizantes.
Possui minas em diversos
estados do Brasil. É a maior
mineradora do combinado
fosfato-potássio do mundo
(MOSAIC, 2019).
truídos em 1978 pela empresa estatal Fosfértil, que viria a ser privatizada em 1992.
A Fosfertil foi comprada pela Vale Fertilizantes em 2010, e em 2017 o empreendimento foi novamente vendido, dessa vez para a mineradora norte-americana Mosaic 2
(VALE..., 2018). A linha conta com tubulação única, com cerca de 120 km de extensão,
sendo a maior parte enterrada e atravessando cinco municípios do Triângulo Mineiro:
Tapira, Conquista, Delta, Sacramento e Uberaba (ANM, 2019). Esse duto transporta
polpa de minério de fosfato com 61% de sólidos e 39% de água (SANTOS et al., 2002).
A quantidade de minério transportado nos últimos anos pode ser observada na Tabela
1.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Tabela 1- Mineroduto (rocha fosfática) no Complexo de Mineração Tapira (2010-2017)
Ano
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
Milhões de
Toneladas
2,07
2,01
2,07
1,87
2,01
1,97
1,63
-
Fonte: MTPA, 2018.
A linha esteve inutilizada entre 2017 e grande parte de 2019 por conta de irregularidades encontradas na barragem de rejeitos BL1, em Tapira. Isso causou diversos
transtornos ao município, principalmente pela queda de arrecadação gerada pela mineração. Em setembro de 2019 a empresa declarou que as operações retornariam integralmente devido à Declaração de Condição de Estabilidade das barragens de rejeito,
concedida pela ANM (MOSAIC..., 2019). Esse mineroduto apresenta a peculiaridade
de ser o único, no contexto de Minas Gerais, a escoar o minério para o interior do
país, especificamente para o Complexo Industrial de Uberaba. Todos os demais escoam para portos no litoral. O município de Tapira situa-se na bacia do rio Paranaíba, da
qual é retirada a água utilizada no mineroduto, enquanto Uberaba se localiza na bacia
do rio Grande, onde a água do mineroduto é despejada. Esse cenário caracteriza uma
transposição de águas interbacias, que se configura como uma das pautas de discussão
do PL 1.221/15.
As outras duas linhas de minerodutos construídas transportam minério de ferro.
Uma pertence à empresa Samarco 3 e conta com três dutos paralelos e próximos, construídos em períodos distintos, com origem entre os municípios de Mariana e Ouro
Preto e que seguem para o litoral capixaba (SAMARCO, 2015). A outra linha pertence
à Anglo American 4, e possui apenas um duto que se inicia em Conceição do Mato
Dentro e segue em direção ao litoral fluminense – vide Figura 1.
O processo de mineração do minério de ferro, resumidamente, passa pela extração, beneficiamento, transporte, produção de pelotas ou filtragem e exportação. Minas
Gerais é o primeiro estado em produção de minério de ferro do país, o que se dá, principalmente, pela grande quantidade de jazidas no Quadrilátero Ferrífero 5, as quais são
exploradas por grandes empresas como Vale e Samarco (DNPM, 2018). Essa faz uso
de três minerodutos paralelos (Samarco 1, 2 e 3) para o escoamento de sua produção.
A mineração no Complexo do Germano, na divisa entre Mariana e Ouro Preto, teve
a lavra concedida em 1967 para a Samitri – S.A. Mineração Trindade, mineradora de
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3 Empresa de capital
fechado formada por jointventure entre a Vale S.A. e
a BHP Billiton (SAMARCO,
2015). É responsável pela
Barragem de Fundão que
se rompeu em Mariana em
2015.
4 Empresa de capital
aberto com sede em
Londres que produz carvão,
cobre, ferro, platina, níquel
e diamante. Em 2018, o
fluxo global de caixa livre
foi de cerca de US$3,2
Bi (ANGLO AMERICAN,
2019).
5 O Quadrilátero Ferrífero
é uma unidade geológica
localizada ao sul de Belo
Horizonte e que abrange
a bacia do Alto Rio das
Velhas (afluente do São
Francisco). O Quadrilátero
vem sendo intensamente
explorado durante os
últimos três séculos para
a retirada de ouro e ferro.
As grandes jazidas de
ferro ocorrem associadas
a rochas itabiríticas, com
diversas minas ainda ativas
(CAXITO; DIAS, 2018). O
Quadrilátero compreende,
também, importantes áreas
de recarga dos principais
mananciais que abastecem
a capital mineira, gerando
constantes tensões
ambientais entre a
atividade minerária e o
setor de abastecimento de
água.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Luxemburgo (ANM, 2019). Em 1975, a Samitri e a Marcona Corporation iniciaram as
obras do chamado “Projeto Samarco”, que continha a extração e transporte do minério
via mineroduto. Em 1977, fundou-se a Samarco, em uma parceria das duas empresas.
Nesse mesmo ano teve início a lavra e transporte de minério de ferro pelo mineroduto
(AMPLO, 2017). No ano 2000, a Samitri e a Samarco foram compradas pela VALE,
em um joint-venture entre a empresa brasileira e a australiana BHP Billiton (VALE,
2000). A construção dos minerodutos Samarco 2 e 3 ocorreu já no século XXI, e foi
condicionada pela variação do preço do minério de ferro no mercado internacional,
principalmente a partir de 2004 (Figura 2). Esse foi o mesmo cenário da construção do
mineroduto da Anglo American. Portanto, a construção de minerodutos no Brasil, no
século XXI, esteve fortemente relacionada à cotação internacional do minério de ferro.
Figura 2 -Variação do Preço do Minério de Ferro (1989-2019)
Fonte: IndexMundi, 2019.
Os minerodutos 2 e 3 da Samarco foram concluídos em 2008 e 2014, respectivamente. Assim como o Samarco 1, percorrem 400 km de extensão territorial ao longo
de 25 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. A capacidade de transporte total
dos três minerodutos é de 36 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, o
qual é transportado em forma de polpa com cerca de 70% de sólidos e 30% de água
(SAMPAIO; BRANDÃO, 2002). A polpa passa pelo processo de pelotização na Unida-
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
de Ubu, no município de Anchieta (ES). Segundo a empresa, a água utilizada provém
do beneficiamento do minério, sendo, posteriormente, reaproveitada nos processos de
pelotização (SAMARCO, 2015). As operações da Samarco em Mariana foram paralisadas após o rompimento da Barragem de Fundão (novembro de 2015) e somente em
outubro de 2019 a empresa obteve a licença para voltar a operar (CANOFRE, 2019).
O mais recente mineroduto construído em Minas Gerais pertence à Anglo American e faz parte do Projeto Minas-Rio (ANGLO AMERICAN, 2015). Apresenta um único duto com 529 km de extensão que atravessa 33 municípios, partindo de Conceição
do Mato Dentro (MG) até o Porto de Açu, em São João da Barra (RJ), com uma duração
do percurso total de quatro dias. Em março de 2018 ocorreram dois vazamentos no
mineroduto Minas-Rio, no município de Santo Antônio do Grama (MG), despejando
cerca de 470 toneladas de polpa de minério de ferro no ribeirão Santo Antônio do Grama, curso d’água tributário do Rio Santo Antônio, importante afluente do Rio Doce
(IPT, 2018). A Tabela 2 mostra a evolução temporal do transporte de minério de ferro
via minerodutos pela Samarco e pela Anglo American entre os anos de 2010 e 2017.
Pode-se verificar que as quantidades da primeira são bem mais elevadas em relação à
segunda.
Tabela 2- Transporte de minério de ferro (milhões de ton.) via minerodutos pelas empresas
Samarco e Anglo American
Mineroprodutos
Empresa
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
Mariana (MG)
- Ponta do Ubu
(ES)
Samarco
23,33
22,44
22,07
21,74
26,29
25,36
0,00
-
Conceição do
Mato Dentro
(MG) - São João
da Barra (RJ)
Anglo
American
0,00
0,00
0,00
0,00
0,70
9,20
16,10
16,80
Fonte: MTPA, 2018.
Outros minerodutos para transporte de minério de ferro foram cogitados ou
ainda estão em licenciamento em Minas Gerais (vide Figura 1). O duto da empresa
Ferrous Resources, que ligaria a mina Viga, em Congonhas (MG), ao porto de Presidente
Kennedy (ES), foi cancelado em 2016 devido a pressões populares e à queda do preço
do minério. A proposta do modal dutoviário foi substituída pela alternativa ferroviária (PIZARRO, 2016). Dois outros minerodutos ainda estão sendo discutidos. O da
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
6 Empresa brasileira
fundada em 2006
e controlada pela
Honbridge Holdings
Ltd. Essa companhia
chinesa não tem outros
empreendimentos no
Brasil, sendo o de Grão
Mogol a sua principal
aposta (SAM, 2019).
7 A MLog é uma
empresa de capital aberto
especializada em logística e
navegação. Recentemente,
adquiriu os direitos de
exploração de ferro em
Morro do Pilar, a ser feita
por sua subsidiária MOPI
(MLOG, 2019).
empresa Sul Americana de Metais
6
ligaria Grão Mogol (MG) à Ilhéus (BA) e teve o
licenciamento rejeitado pelo IBAMA em 2016. Porém, a empresa voltou a licenciar o
empreendimento, que já obteve outorga para uso da água e busca a Licença Prévia. O
mineroduto da empresa MLog 7 (antiga Manabi) tem sido proposto e teria origem em
Morro do Pilar (MG), município limítrofe a Conceição do Mato Dentro, onde se origina
também o mineroduto da Anglo American. O novo empreendimento teria como destino o porto de Linhares (ES), mas a sua construção está atrelada ao processo de licenciamento da mina, que já obteve a Licença Prévia e agora visa a Licença de Instalação
junto à SEMAD/MG (SUPRAM JEQUITINHONHA, 2018).
Impactos e conflitos do processo de
licenciamento dos minerodutos em Minas
Gerais
Os impactos causados por minerodutos podem limitar usos da terra e da água de
diferentes atores sociais, criando situações de conflitos associadas às três etapas do
processo de licenciamento: (1) na licença prévia, durante a negociação para desapropriação das terras; (2) na licença de instalação, quando as obras são implantadas; e
(3) na licença de operação, fase em que a estrutura entra em atividade. Neste tópico é
apresentado um panorama dos impactos reais/potenciais e tensões associadas a essas
três etapas considerando minerodutos já em funcionamento ou licenciamento. Essas
implicações envolvem, particularmente, certas incompatibilidades de interesses referentes aos usos da água. Vale apontar que as situações relacionadas aos minerodutos
da Ferrous Resources, MLog e Sul Americana de Metais tratam, principalmente, do
licenciamento, da desapropriação e de negociações pela terra, tendo em vista que as
obras não foram implementadas. As informações sobre essas empresas citadas nos tópicos “instalação” e “operação” provêm dos EIA/RIMAs e de suas respectivas outorgas
pelo uso da água.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Etapa de desapropriação e negociações pela terra
Os trâmites legais para obtenção das licenças ambientais dos minerodutos geralmente são feitos por empresas de logística que realizam a operação/gestão das estruturas, como é o caso da MMX para o mineroduto da Anglo American (BRANDT, 2006).
Dessa forma, o complexo minerário se estende em duas ou três frentes de licenciamento: a primeira para a área da mina (feito pela empresa de mineração), a segunda
para o mineroduto (feito pela empresa de logística), e uma possível terceira, para as
estruturas atreladas ao local de escoamento e destino do minério como as estruturas
portuárias, construídas no litoral brasileiro.
Como já mencionado, o processo de regularização de minerodutos em Minas
Gerais envolve mais de um órgão licenciador por conta da extensão dos projetos. Por
isso, é comum que os minerodutos sejam licenciados de forma autônoma em relação
às minas (licenciadas no âmbito estadual), e aos portos (licenciados pela federação ou
estados litorâneos). Essa situação dificulta a análise integrada das alterações que podem ser causadas pelo complexo mina-mineroduto-portos, desconsiderando impactos
cumulativos. Além disso, há uma distribuição do licenciamento de estruturas complementares ao complexo, que envolve vários órgãos públicos e empresas, fato que
pode resultar em brechas legais que atenuam a relevância de impactos e a proposição
de medidas de mitigação e compensação atreladas às atividades, caso os órgãos não
alinhem suas análises.
Os minerodutos, mesmo sendo estruturas majoritariamente subterrâneas, exigem
uma área de servidão superficial para possíveis reparos com, geralmente, mais de 30
metros de largura (PASINI; OLIVEIRA; FONSECA, 2013). Para isso, a aquisição dessas áreas pelas empresas necessita ser negociada com todos os proprietários de terras
envolvidas. Em Minas Gerais, há relatos de diversos casos de abusos de empresas e diferenças na condução dos diálogos de acordo com o nível de escolaridade e de conhecimento de proprietários durante a negociação de terras. Isso ocorreu, por exemplo, em
Viçosa-MG, município que seria atravessado pelo mineroduto da Ferrous Resources
(SOUSA; OLIVEIRA, 2015). A empresa chegou a negociar terras e realizar audiências
públicas durante o processo de elaboração do EIA/RIMA, consultando a população.
Porém, a instalação do mineroduto não foi concluída devido a pressões populares e
quedas no preço do minério de ferro naquele período (PIZARRO, 2016). Em outro
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caso, Ribeiro (2017) identificou diversas ações da Manabi (atual MLog) para impedir
uma maior articulação entre proprietários quanto à valorização de terras no município
de Ferros (MG). Dentre elas, o autor cita a prática de se negociar as terras antes de
concluir o processo de licenciamento. Tal fato aumenta a pressão política pela rápida
aprovação da atividade no órgão ambiental responsável (que geralmente é o IBAMA),
fazendo com que, muitas vezes, não haja tempo hábil para uma análise completa e
cautelosa a respeito dos impactos e de seus desdobramentos, assim como para o levantamento de medidas de prevenção ou mitigação.
Etapa de instalação das estruturas
Uma vez adquirida a Licença de Instalação, iniciam-se as obras de construção, fase
em que os impactos socioambientais são sentidos de forma mais significativa. Dentre
eles, destacam-se os que alteram a morfodinâmica do meio natural (relevo, drenagem,
solos, biota) e do meio social, com a modificação de vias, limitações de uso das terras
e dificuldades de acesso a serviços básicos pela população devido às obras (RIBEIRO,
2017).
A implantação de um mineroduto requer a supressão da cobertura vegetal e o
revolvimento do solo em sua área de servidão, deixando-o exposto e suscetível aos processos de erosão acelerada. A remoção de partículas pelos fluxos pluviais nas encostas
tende a resultar em uma maior carga sedimentar para os cursos d’água, comprometendo a dinâmica hídrica e ecológica. Por consequência, aumenta-se a turbidez das águas,
com gradual redução de sua qualidade e aumento dos riscos de assoreamento de cursos d’água (BRANDT, 2006). A supressão da vegetação também reverbera na fauna
local. Segundo o RIMA do mineroduto Minas-Rio (BRANDT, 2006), o desmatamento
ao longo do traçado do mineroduto descaracterizou o habitat de algumas espécies de
mastofauna, herpetofauna e fauna aquática, comprometendo a biodiversidade, a permanência e a reprodução por extensas áreas (BRANDT, 2006). Em alguns casos, os
dutos impactam diretamente Áreas de Preservação Permanente (APPs), atravessando
margens fluviais e zonas de entorno de nascentes, causando instabilidades a processos
erosivos e comprometendo as funções ecológicas amparadas por lei. Na alocação de
um mineroduto, também podem ocorrer impactos relativos à intensa movimentação
de maquinário, como possíveis vazamentos de óleo dos veículos, que podem degradar
ainda mais os solos e os sistemas fluviais.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Em situações de travessias de cursos d’água, o mencionado RIMA do mineroduto
Minas-Rio sugere e especifica a aplicação de duas técnicas para proceder à instalação
do duto: escavação do leito fluvial e instalação de tubulação transversalmente ao curso
d’água, posteriormente recoberta com o material retirado; técnica do “cavalote”, na
qual o duto é atravessado no substrato sob o curso d’água, sem alterar as características do leito, implicando em maiores custos (BRANDT, 2006). A escolha depende das
dimensões e características do curso d´água. Porém, ao observarmos a travessia do
mineroduto Minas-Rio, construída no Córrego do Galo (bacia do rio Paraíba do Sul),
verifica-se que nenhuma das duas técnicas propostas foi aplicada. Ao examinarmos as
imagens dos anos 2011 e 2019, verifica-se que o duto sobrepôs o leito fluvial, causando
grandes alterações na sinuosidade do canal (Figura 3). Impactos como esse podem
modificar sensivelmente o comportamento do canal e as características de vales e planícies adjacentes, reduzindo a capacidade de retenção de água entre os trechos fluviais
e, portanto, a abrangência das inundações dos terrenos. Por consequência, a menor
acumulação de água induz à perda de áreas úmidas e da biota que se estabelece por
meio de tais condições físicas.
Figura 3 -Morfologia fluvial do Córrego do Galo, em Pedra Dourada (MG), antes (2011) e após (2019) as obras
do mineroduto Minas-Rio
Fonte: Adaptado de
SISEMA (2020); Google
Earth Pro (2011; 2019).
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Em termos sociais, as comunidades no entorno de minerodutos são as primeiras
a sentir seus efeitos negativos, seja por modificações em sua rotina, interferência na
alocação de recursos para as comunidades e/ou limitação dos usos da terra a partir da
efetivação de sua faixa de servidão. Alguns exemplos ilustram as tensões geradas na
população, direta e indiretamente atingida, como o potencial caso da construção do
mineroduto da MLog, Morro do Pilar/Linhares. De acordo com o parecer do empreendimento, houve negligência na especificação das dimensões de recobrimento da faixa
de servidão, principalmente em relação às áreas adicionais, chamadas nas etapas de
licenciamento de Áreas de Material Excedente (ADMEs). A localização precisa destas
áreas não foi especificada no projeto, sendo realizada apenas uma perspectiva generalizada, fazendo com que os moradores do local não tivessem a devida compreensão
sobre os impactos que seriam causados em suas propriedades (GESTA, 2014). Outro
exemplo é o caso do mineroduto da Ferrous Resources, que foi planejado para ocupar
áreas onde se situam cerca de 30 nascentes na bacia do ribeirão São Bartolomeu, região leste de Minas Gerais, o qual é responsável pelo fornecimento de água para 50%
da população da cidade de Viçosa (PASINI; OLIVEIRA; FONSECA, 2013). Caso tivesse
sido implantado, o município possivelmente teria que realizar a captação de água para
abastecimento público em outros mananciais mais distantes.
A atração populacional associada à geração de empregos também pode se refletir
em impacto durante a instalação dos minerodutos. Apesar do apelo positivo para os
contratados, o processo pode ser sentido de forma negativa pelos municípios, já que
podem ocorrer fluxos migratórios desproporcionais à capacidade de atendimento em
termos de recursos, serviços e infraestrutura básica. Esse contexto foi previsto no estudo ambiental do projeto do mineroduto da MLog em Morro do Pilar, que aponta que o
aumento do contingente populacional tende a dificultar o acesso aos serviços de saúde
e educação, além do perigo de aumento da violência urbana. Ademais, não há previsão
de que a população residente antes da obra seja beneficiada pelos empregos, ou seja,
a cidade pode receber um importante fluxo migratório que pressione a infraestrutura
municipal (GESTA, 2014).
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Etapa de operação dos minerodutos
Após a instalação do empreendimento e a concessão da Licença de Operação
(LO), os minerodutos iniciam suas atividades e começam a captar grandes volumes
de água dos mananciais para o transporte do minério. O uso depende da outorga por
parte do IGAM, no caso de águas mineiras, ou da ANA, no caso de águas federais
(BRASIL, 1997; MINAS GERAIS, 1999). As captações destinadas aos minerodutos
podem impactar significativamente a disponibilidade hídrica local e/ou regional. A
polpa na qual o minério é transportado pode possuir até 30% de água (SAMPAIO;
BRANDÃO, 2002). A tubulação do mineroduto Minas-Rio tem capacidade de transportar mais de 25 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, com uma vazão
de 2.105 m³/h de polpa, que resulta no uso de 631,5 m³ de água/hora ou 15156 m³ de
água/dia (BRANDT, 2006). Esse valor seria suficiente para atender à média brasileira
de consumo diário de água para cerca de 140 mil pessoas 8 (IBGE, 2015). Considerando a média de água distribuída para Conceição do Mato Dentro, município de origem
do mineroduto, no ano de 2015, a quantidade de água utilizada pelo mineroduto seria
suficiente para abastecer 72 mil cidadãos, contando com as perdas de água na distribuição e tratamento (SNIS, 2019) 9. Além da água utilizada para o transporte do minério, as pressões também decorrem do aumento das demandas hídricas municipais
em termos de abastecimento público, já que há um aumento populacional associado
aos trabalhadores das obras. Paralelamente, há pressões relacionadas ao aumento dos
efluentes gerados, ou seja, pressões no sistema de tratamento de esgotos para que tais
efluentes não sejam despejados in natura nos corpos d´água.
Estudos ambientais relativos ao processo de licenciamento do mineroduto da Sul
Americana de Metais, em Grão-Mogol, indicam que a empresa já obteve a outorga
da ANA para captação de água do rio Jequitinhonha, na Usina Hidrelétrica de Irapé
(ANA, 2012; SAM, 2019). Essa se refere a uma vazão média de quase 6000 m³/h
durante 24 horas por dia, sendo a água destinada a todo o complexo minerário. O projeto conta ainda com a construção de uma barragem de água no rio Vacaria (afluente
do Jequitinhonha), em Grão Mogol, que, junto à outorga da esfera estadual, destina
mais 6000 m³/h para a mineradora (BRANDT, 2019). Esse grande volume de água
poderia abastecer quase três milhões de cidadãos com o padrão anual de consumo do
8 Esse valor é hipotético.
A média nacional de
consumo de água é de
1.08l/dia, mas as médias
podem esconder diferenças
importantes em termos
espaciais e podem
camuflar as perdas nos
sistemas de distribuição.
No entanto, a comparação
é válida para dar uma ideia
da quantidade de água
utilizada no mineroduto em
relação ao consumo médio
de um brasileiro.
9 Informações referentes
ao ano de 2015 para a
produção de água pela
COPASA e população
atendida no referido
município. A taxa
produção/população
atendida obtida foi de 210
litros/habitante/dia.
10 Informações referentes
ao ano de 2017 para
o consumo de água e
população atendida no
município de Grão Mogol.
A taxa consumo/população
atendida é de 98 litros/
habitante/dia. O uso de
água da mineradora foi
calculado pelo produto da
vazão média (12.000 m³/h)
pelo regime de operação
em horas discriminado na
outorga da ANA (24 horas).
morador médio de Grão-Mogol (SNIS, 2019) 10. As mesorregiões mineiras do Vale do
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Jequitinhonha e Mucuri, Norte e Noroeste de Minas têm, em conjunto, pouco mais
de 2,8 milhões de habitantes e convivem com constante situação de escassez hídrica
(MINAS GERAIS, 2019).
Os minerodutos da Samarco, da Anglo American e do projeto da MLog se localizam na bacia do rio Doce, que há séculos vem sendo impactada pelo histórico de uso
da terra, inclusive por atividades minerárias e desastres decorrentes, como o caso do
rompimento da Barragem de Fundão em 2015. Mesmo antes desse desastre, a bacia
era apontada como uma das mais impactadas pela erosão acelerada e turbidez elevada
das águas fluviais no estado (ECOPLAN; LUME, 2010). O Quadrilátero Ferrífero, que
tem a sua borda leste inserida na bacia do Alto Rio Doce, ainda é uma área de forte
interesse minerário, o que gera um quadro potencial de constante atração para construção de novos minerodutos e consumo de água. No entanto, adjacente ao sistema rio
Doce, a bacia do Alto Rio das Velhas atravessa o Quadrilátero Ferrífero e concentra a
maior parte das atividades minerais do estado. Concomitantemente, a bacia concentra
importantes mananciais responsáveis pelo abastecimento de água de quase metade da
população da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A sobreposição de interesses de
uso da água nessa região configura diversas situações de tensões entre o setor minerário e a sociedade civil (RIBEIRO et al., 2018). Fato é que a quantidade de minério transportado varia de acordo com os preços no mercado internacional, com os estoques nos
portos e com situações políticas ou eventos de rompimentos, fazendo com que a água
utilizada não leve em consideração a conjuntura ambiental na bacia de origem, como
situações emergenciais relacionadas à escassez e à segurança hídrica de um grande
contingente populacional.
Pontos de reflexão
Em realidades de economia fortemente atreladas ao setor da mineração, os minerodutos tornam-se modais de transporte bastante atrativos para o escoamento da produção por sua praticidade, rapidez e custos. Contudo, há implicações socioambientais
que se manifestam em tensões e conflitos de interesses, de caráter intra e interterritoriais. Os conflitos são muitas vezes desencadeados pela insegurança jurídica gerada
pela sobreposição de regimentos legais e ineficiência burocrática entre as entidades
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
federativas para a normatização dos minerodutos e outorga de uso de recursos hídricos. Os trâmites políticos e econômicos, a morosidade dos processos, a constatação
por parte da população de impactos muitas vezes irreversíveis nos sistemas fluviais e
a verificação de negociações abusivas entre as partes interessadas no funcionamento
da atividade acirram ainda mais as discussões entre os diferentes usuários (públicos,
privados e entidades civis). Esse conjunto de fatos comprova a prerrogativa inicial de
que a instalação e operação de minerodutos pode potencializar ameaças de desastres
socioambientais relativos à escassez hídrica.
Tratando-se de interesses distintos entre o setor de abastecimento público e as mineradoras, não há soluções fáceis. A elevada demanda hídrica, um dos principais pontos de questionamentos e tensões derivadas dos minerodutos, ilustra a necessidade de
ponderação nos processos de licenciamento. É importante levar em conta se os benefícios econômicos são compensadores à luz dos impactos nos mananciais, no ambiente
como um todo e principalmente no setor de abastecimento público. Por um lado, a
água é um elemento vital e essencial para as atividades humanas, sendo um direito
legal que deve ser atendido pelos municípios (BRASIL, 1997). Por outro, a mineração
garante recursos financeiros e torna-se, comumente, a maior fonte de divisas para os
municípios mineradores. Nesse contexto, há choques de interesses que perpassam
diferentes setores, inclusive dentro do próprio âmbito político, e que podem acabar
privilegiando as dimensões mais fortes do capital em detrimento do interesse público.
Algumas vezes os impactos podem não ser sentidos de imediato pelos usuários
das águas de mananciais captados para os minerodutos. No entanto, quando esses
impactos são avaliados sob o aspecto temporal e magnitude de sua ação no sistema
ambiental, aliados ao gradual aumento da demanda por água e a eventuais fatores
naturais (por exemplo, a variação e distribuição irregular da pluviosidade ao longo
dos meses e anos), constata-se que os mesmos podem ser responsáveis por reduções
abruptas na oferta e qualidade das águas e por intensificação de períodos de seca. Assim, os minerodutos se mostram como indutores de situações de desastres relacionadas à indisponibilidade hídrica em uma bacia.
Portanto, o aumento dos riscos de geração de quadros de insegurança hídrica em
um estado com fortes desigualdades territoriais em termos de acesso a água deve
ser considerado na aprovação de propostas de minerodutos. Os Projetos de Lei N°
1221/2015 e N° 263/2015 defendem a implementação de sistemas de tratamento e
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
reuso das águas captadas para os minerodutos, de forma a reduzir as demandas por
abastecimento, as pressões sobre os mananciais e, consequentemente, os riscos de
escassez hídrica. Entretanto, o cumprimento de tais normas ainda não é exigido uma
vez que permanecem em tramitação na Assembleia do Estado. Assim, até o momento,
as águas utilizadas nos minerodutos não são tratadas e não retornam para os cursos
d’água, para que possam ser reutilizadas à montante. O recurso, ainda que em cenários de ameaças de escassez, tem sido totalmente inutilizado e descartado no litoral
brasileiro após o transporte do minério.
Outra pauta que acirra a discussão sobre os minerodutos é o fato de que apenas
um único usuário da água venha a ter a concessão de uso de grande parte do volume
disponível. Isso fere o direito de acesso a usos múltiplos dos recursos hídricos superficiais, o que é agravado devido à mineração não se enquadrar como um tipo de uso
prioritário, como é o caso do uso doméstico e da dessedentação de animais (BRASIL,
1997).
O mineroduto é considerado um modal seguro e de baixo risco de acidentes. No
entanto, alguns eventos marcaram o cenário ambiental recente de Minas Gerais, causando contaminação de cursos d’água e consequentes impactos na biota e nos sistemas municipais de abastecimento. Dois vazamentos foram noticiados pela mídia no
mineroduto da Samarco. Em 2008, vazaram 1.890 m³ de polpa de minério em Anchieta (ES), enquanto em 2010, um vazamento em Espera Feliz (MG) liberou um volume de 433 m³, causando mortandade de peixes e interrompendo a captação de água
do município por três dias (BERTONI; AMÂNCIO, 2015). Nesses casos, a Samarco foi
multada pelo IBAMA.
Outros dois rompimentos ocorreram no mineroduto da Anglo American em Santo
Antônio do Grama (MG), nos dias 12 e 29 de março de 2018. No total, 480 toneladas
de polpa de minério atingiram o ribeirão Santo Antônio, afluente do rio Doce, interrompendo a captação de água para abastecimento doméstico e causando impactos no
ecossistema fluvial. A Anglo American passou por seis meses de paralisação e concedeu férias coletivas aos funcionários de todo o Complexo Minero-Portuário (ANGLO
AMERICAN, 2018). Esses eventos denotam que existe certa imprevisibilidade nos
minerodutos em termos de riscos ambientais, trazendo insegurança hídrica e acirramento de disputas pelo uso da água nos municípios e bacias em que os modais se
localizam.
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minerodutos e implicações socioambientais: panorama legal e reflexões para o cenário de minas gerais
Considerações finais
As escolhas envolvendo os minerodutos perpassam por processos decisórios que
devem valorizar o caráter complexo, multidisciplinar e sinérgico em termos socioambientais. Os interesses do poder público, do setor minerário e da sociedade civil não
são sempre convergentes e as tensões e conflitos têm mais chances de serem lapidados
a partir de processos decisórios participativos.
A análise das implicações socioambientais dos minerodutos deve envolver a logística, a engenharia e a apuração técnica da conformidade e da mitigação de impactos
ambientais, bem como a compatibilização dos múltiplos interesses de usos da água e
da terra. Também cabe ressaltar a necessidade de que a análise dos impactos ambientais seja realizada considerando os efeitos sinérgicos e cumulativos nos sistemas físicos e sociais durante os processos de licenciamento, tendo em vista o complexo minerário como um todo. As elevadas demandas hídricas intrínsecas ao funcionamento dos
minerodutos em Minas Gerais implicam a necessidade de disponibilização e outorgas
de volumes de água que podem impactar outros usos e a qualidade ambiental nas
bacias hidrográficas. Como consequências, tensões, conflitos e até mesmo desastres
ambientais associados à segurança hídrica podem ocorrer, seja envolvendo aspectos de
qualidade ou de quantidade de recursos hídricos. Esse contexto explicita a importância
da participação informada da sociedade, que deve opinar nos processos de planejamento dos minerodutos, dado os riscos de comprometimento do seu patrimônio natural e, particularmente, de geração de cenários de insegurança hídrica. Representantes
da sociedade civil, devidamente informados e empoderados, podem contribuir com os
debates e tomada de decisões.
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Referências
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mineroduto. 29 maio 2019. Disponível em: https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/
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ALMG. Projeto de Lei n° 1.221, de 28 de abril de 2015. Obriga as mineradoras do Estado que possuem
sistema de mineroduto a retornar toda a água utilizada ao local de que foi retirada, devidamente
tratada. Minas Gerais, Disponível em: https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/tramitacao_
projetos/texto.html?a=2015&n=1221&t=PL. Acesso em: 14 nov. 2019.
AMPLO Consultoria. RIMA – EIA Integrado do Complexo do Germano. Belo Horizonte, [s. n.], 2017.
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