O PECADO DE DAVI
Um estudo bíblico de (Sl 51)
DAVID’S SIN
A Bible study of (Psalm 51)
José Ancelmo Santos Dantas1
Rafael Rocha dos Santos2
RESUMO
Os Salmos – parte integrante da “Biblioteca Nacional de Israel”3 – forjados ao longo da
tradição e formação do povo de Deus – constituem um patrimônio único, singular, orgânico e
dinâmico na história. Por meio deles, o ser humano, ora vai até Deus, ora trás o Senhor Deus de
Israel até o chão da vida ao contemplar a natureza, ora, enfim, alcança a antropologia humana,
ao tocar seus anseios mais profundos.
PALAVRAS-CHAVE
Salmo 51; Perdão; Deus; Davi; Poesia Lírica; Sagradas Escrituras.
ABSTRACT
The Psalms – an integral part of the “National Library of Israel” – forged throughout the
tradition and formation of the People of God – constitute a unique, singular, organic, and dynamic heritage in history. Through them, the human being sometimes goes to God, sometimes
brings the Lord God of Israel to the ground of life when contemplating nature, sometimes,
finally, reaches human anthropology, when touching his deepest desires.
KEYWORDS
Psalm 51; Forgiveness; God; David; Lyrical Poetry; Holy Scriptures.
1
2
3
Doutorando e Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é Diretor do
Curso de Teologia do Instituto São Boaventura e professor titular, membro do Grupo de Pesquisa TIAT – Tradução e Interpretação de Textos do Antigo Testamento, sob a orientação do Professor Dr. Matthias Grenzer.
Graduando em Teologia pelo Instituto São Boaventura.
SKA, Jean-Louis. O Antigo Testamento explicado aos que conhecem pouco ou nada a respeito dele. São Paulo:
Paulus, 2015. p. 163
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REFLEXUS - Ano XVII, n. 1, 2023
Introdução
O Saltério, composto pelos cento e cinquenta Salmos, são divididos em cinco partes4, fazendo o ouvinte / leitor imaginar que, para cada parte do livro de salmos, há um livro da Torá
que lhe seja correspondente. As cinco partes dos cento e cinquenta salmos traz para o leitor e
para o ouvinte, a verdade e a lembrança da Torá, a modo de poesia lírica. A Torá, será, portanto,
na “Cidade dos Salmos”5 cantada, tendo por auxílio, a “harpa e/ou a cítara”6 como instrumento
musical, a fim de dar ritmo e charme aos poemas, em questão.
O Salmo 51, muito provavelmente, faz parte da família temática dos Salmos considerados
por “penitenciais”7. Estes últimos são classificados em um número de sete: 6, 32, 38, 51, 102,
130 e 143. E ainda, existem os Salmos classificados como aqueles que apresentam “súplicas individuais” e os de “súplicas coletivas”8. Estes, no qual está incluso Salmo 51, em geral, trazem
lamentações que constantemente invocam o “nome de Deus” e a “descrição do sofrimento”,
chegando à “formulação da prece”9. Muito provável que os salmos: 5, 6, 7, 13, 17, 22, 25, 26,
28, 31, 35, 38, 39, 41, 42, 43, 51, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 61, 63, 64, 69, 70, 71, 86, 88, 109,
120, 130, 140, 141, 142, 143 sejam classificados como súplicas individuais. De outra parte, os
salmos: 9, 12, 44, 53, 60, 68, 74, 79, 80, 82, 83, 85, 90, 94, 106, 108, 123, 125, 126, 129 e 137,
pensados como lamentações ou súplicas coletivas.
Salmo 51 – objeto literário de nosso estudo – é um poema lírico, portanto, o ouvinte/leitor
poderá encontrar nele estilo, beleza, e, sobretudo, reflexões que versam sobre doze jaculatórias
de caráter confessional presentes na primeira estrofe (vv. 3-11) de um lado, e de outro, mais
doze sentenças que o poeta atribui ao Senhor, Deus de Israel, no sentido de ele fazer pelo ser
humano. Quer dizer: em Salmo 51 ora é o orante quem canta ou reza seu sufoco interior ao
dizer para o Senhor, Deus de Israel, sobre sua falta (v. 4a). Ora, é o próprio Deus quem fala,
devolvendo ao homem arrependido, o seu perdão (v. 12a). Acredita-se, inclusive, que Salmo
51 possui uma relação demasiada forte com Sl 32. Este último, é considerado poesia lírica cuja
teologia volta-se para o “pecado”. Enquanto, àquele, trata de um hino que visa o “pecador”10.
Com este estudo, deseja-se que, o (a) nobre leitor (a) seja bem-vindo (a). A hermenêutica
que se segue tem base sincrônica, pois aqui, vê-se a Bíblia Hebraica, em específico, os Salmos,
na condição de terreno literário capaz de falar sobre Deus. Mas, não só, fala-se também sobre:
“animais, ar, água, solo, calor”11. Mais ainda, neste caso: é um ensaio antropológico, enquanto o
Em geral os estudiosos dividem as cinco partes do Saltério em: I Livro: (Sl 1-41); II Livro: (Sl 42-72); III Livro:
(Sl 73-89); IV Livro: (Sl 90-106); V Livro: (Sl 107-150).
5
DANTAS, José A.S. Dimensões cósmicas e ambientais da voz do SENHOR (Sl 29). No prelo: https://revistas.
javeriana.edu.co/index.php/teoxaveriana/submissions
6
FUTATO Mark D.; Jr. David M. Howard. Interpreting the Psalms: an exegetical handbook. Grand Rapids, MI:
Kregel Publications, 2007. p. 37.
7
STADELMANN, Luís I. J. Os Salmos da Bíblia. São Paulo: Loyola & Paulinas, 2015. p. 157.
8
BALLARINI, Teodorico, REALI, Venanzio. A Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis-RJ: Vozes, 1985. p. 84-85.
9
A Bíblia – Salmos. (Edição comentada). Capa comum, Edição Português: São Paulo: Paulinas, 2017. p. 9.
10
RAVASI, Gianfranco. Il libro dei Salmi: Commento e attualizzazione. Itália. Editora EDB, 1984. p. 6.
11
Em relação à água, às árvores e aos pássaros nos Salmos, cf. as seguintes pesquisas: GRENZER, Matthias; RAMOS, Marivan Soares. Águas nos Salmos: Elementos para uma ecoespiritualidade. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 80, n. 317, p. 750-763, 2020; GRENZER, Matthias; AGOSTINHO, Leonardo Henrique Silva. Árvores nos
Salmos: Elementos para uma educação espiritual e ambiental. Encontros Teológicos, v. 36, n. 2, p. 439-456, 2021;
GRENZER, Matthias; BARROS, Paulo Freitas; DANTAS, José Ancelmo Santos. Pássaros nos Salmos: Elementos
para uma ecoespiritualidade. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 82, n. 321. p. 115-129, 2022.
4
REFLEXUS - Revista Semestral de Teologia e Ciências das Religiões
237
poeta ao cantar ou rezar ecoa um grito que se alastra em várias vertentes, eis uma delas: “Lavame totalmente de minha culpa e limpa-me de meu pecado” (Salmo 51,4). Salmo 51 constitui um
“espelho vívido, porém dilacerado”12, de modo que frente a ele todo e qualquer pecador, recebe
do Senhor, Deus de Israel, a possibilidade de se ver, se conceituar e se denominar. Avante, nesta
simples, porém delicada aventura!
ESTRUTURA DO POEMA13
(v. 1a) Para o dirigente. Um salmo. De Davi.
(v. 2a) Quando o profeta Natã veio até ele
(v. 2b) porque se achegara a Betsabeia.
(v. 3a) Ó Deus, tem misericórdia de mim, conforme tua lealdade!
(v. 3b) Conforme a abundância de tua compaixão, apaga minhas rebeldias!
(v. 4a) Lava-me totalmente de minha culpa
(v. 4b) e limpa-me de meu pecado!
(v. 5a) Porque eu reconheço minhas rebeldias,
(v. 5b) meu pecado está constantemente diante de mim.
(v. 6a) Pequei contra ti, somente contra ti;
(v. 6b) fiz o que é mal a teus olhos,
(v. 6c) para que seja justo ao falares
(v. 6d) e puro ao julgares!
(v. 7a) Eis que fui trazido à luz em meio a culpa,
(v. 7b) minha mãe me concebeu em pecado.
(v. 8a) Eis que aprecias a verdade no íntimo;
(v. 8b) secretamente me fazes conhecer a sabedoria.
(v. 9a) Que retires de mim o pecado com hissopo, e serei limpo!
(v. 9b) Que me laves e ficarei mais branco que a neve!
(v. 10a) Que me faças escutar festim e alegria!
(v. 10b) Que se regozijem os ossos que esmagaste!
(v. 11a) Esconde tua face de meus pecados!
(v. 11b) Apaga todas as minhas culpas!
(v. 12a)
(v. 12b)
(v. 13a)
(v. 13b)
(v. 14a)
(v. 14b)
(v. 15a)
(v. 15b)
12
13
Ó Deus, cria-me um coração puro
e renova dentro de mim um espírito firme!
Não me arremesses para longe de tua face
e não retires de mim o espírito de tua santidade!
Faze-me voltar ao festim de tua salvação!
E um espírito de nobreza me apoie!
Quero ensinar teus caminhos aos que se rebelam,
a fim de que os pecadores voltem a ti.
Cf. RAVASI, 1984, p. 3.
O presente estudo utilizou a seguinte tradução: A BÍBLIA, Salmos, p.120-121.
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REFLEXUS - Ano XVII, n. 1, 2023
(v. 16a)
(v. 16b)
(v. 17a)
(v. 17b)
(v. 18a)
(v. 18b)
(v. 19a)
(v. 19b)
Ó Deus, Deus de minha salvação, libertai-me dos crimes de sangue,
para que minha língua jubile com tua justiça!
Senhor, que abras meus lábios,
a fim de que minha boca anuncie teu louvor!
Porque não aprecias um sacrifício – todavia, o daria –;
não és favorável a um holocausto.
Os sacrifícios para Deus são um espírito quebrantado;
um coração quebrantado e abatido, Ó Deus, não irás desprezar.
(v. 20a)
(v. 20b)
(v. 21a)
(v. 21b)
Faze o bem a Sião por meio de teu favor!
Que reconstruas as muralhas de Jerusalém!
Então apreciarás sacrifícios de justiça e um holocausto completo;
então farão subir novilhos sobre o teu altar.
Salmo 51 é um poema lírico. Sua simetria e estilo exalam arte, portanto, é fonte de conhecimento. Composto no antigo Israel, em tempos memoráveis, pode ser dividido em prováveis,
quatro partes: introdução (vv. 1-2), seguida por duas estrofes (vv. 3-11); (vv. 12-19), e conclusão (vv. 20-21). Além disso, todo o poema, em seus vinte e um versículos, acompanha o ritmo
de um cólon + um bicólon, dando a música cantada ritmo14. Com exceção de (v. 6). Este último,
é composto por: um “cólon + um bicólon + um tricólon + um tretacólon”15. Quer dizer: de per
si os vinte e um versículos, pensados na esfera da numerologia bíblica, apontam para uma conclusão relevante, pois, é múltiplo de sete vezes três.
Com exceção da introdução (vv. 1-2) e da conclusão (vv. 20-21), há em Salmo 51 duas
estrofes constituídas sob a pena artística do poeta. Observem que tanto na estrofe de (vv. 3-11),
quanto em (vv. 12-19), existem diversas expressões que podem ser trabalhadas quer no patamar
de sua literalidade, quer em seu âmbito hermenêutico-teológico. Por exemplo, em (vv. 3-11) o
ouvinte / leitor ao confessar sua – culpa, máxima culpa16 – diz ao Senhor, Deus de Israel, diversas jaculatórias confessionais. Ei-las: “apaga minhas rebeldias” (v. 3b), “lava-me de minha
culpa” (v. 4a), “limpa-me de meu pecado” (v. 4b), “reconheço minhas rebeldias” (v. 5a), “meu
pecado diante de mim” (v. 5b), “pequei contra ti” (v. 6a), “fiz o que é mau” (v. 6b), “fui trazido à luz em meio a culpa” (v. 7a), “minha mãe me concebeu em pecado” (v. 7b), “ossos que
esmagastes” (v. 10b), “esconde tua face de meus pecados” (v. 11a) e “apaga as minhas culpas”
(v. 11b). Trata-se de doze confissões artisticamente preparadas, com o propósito de informar ao
leitor que: o pecado cometido por este ser humano, atingiu tamanha involução antropológica,
social e espiritual, que deixou nele a ideia de completude e/ou totalidade, mas em sentido inverso. O pecador – aqui nas vestes do famoso rei Davi – torna-se apenas uma imagem capaz de
revelar o interior de cada ser humano. Ao cantar, com o auxílio da harpa e/ou da cítara, o poeta
14
15
16
CARVALHO, Adriano da Silva. Poesia hebraica bíblica: um estudo sobre esticometria, sonoridade e gramática.
Revista Teologia Brasileira, n. 80, p. 10-28, 2020, p. 30.
Cf. CARVALHO, Adriano da Silva. Poesia hebraica bíblica: um estudo sobre esticometria, sonoridade e gramática. Revista Teologia Brasileira, n. 80, p. 10-28, 2020.
Salmo 51 é conhecido na tradição da Igreja Católica por Miserere, cantado e/ou rezado, em geral, todas às
sextas-feiras na Oração de Laudes. Na Missa, ao rezar o Ato Penitencial, uma das fórmulas apresentadas pelo
Missal Romano é o Confiteor e nesta oração há a expressão que se encontra em nosso texto.
REFLEXUS - Revista Semestral de Teologia e Ciências das Religiões
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israelita já pressuponha que: o pecado, quando é, em nada causa evolução, serve somente para
involuir! Salmo 51 é um espelho onde todos e todas, ao acorrer a ele, podem se ler. Certeiramente, quem aqui reza ou canta, clama: “Ó Deus” (v. 3a) no sentido de invocá-lo, em primeiro
lugar para somente depois, declarar sua confissão pessoal.
“Tem misericórdia de mim, ó meu Deus, segundo a tua grande misericórdia”.
Figura 1 – fonte: Fundação Georges Rouault. https://rouault.org/.
Ilustração disponível em https://rouault.org/oeuvre/miserere-1/ Acesso em 07/04/2023.
De outro lado, tem-se a segunda estrofe (vv. 12-19) e neste caso, quem fala é o próprio
Senhor, Deus de Israel...! Se na primeira estrofe (vv. 3-11) percebeu-se a temática do pecado / arrependimento, agora, imagina-se o perdão concedido pelo próprio Senhor. Também
aqui é possível recolher doze sentenças positivas, capazes de reintegrar o pecador, que
na primeira estrofe (vv. 3-11) havia sido considerado objeto de perdição. Seja observado:
“cria-me um coração puro” (v. 12a), “renova um espírito firme” (v. 12b), “não me arremesses para longe de tua face” (v. 13a), “não retires de mim o teu espírito” (v. 13b), “faze-me
voltar a tua salvação” (v. 14a), “um espírito de nobreza me apoie” (v. 14b), “liberta-me
dos crimes de sangue” (v. 16a), “abras meus lábios” (v. 17a), “minha boca anuncie teu
louvor” (v. 17b), “não aprecias um sacrifício” (v. 18a), “não és favorável a um holocausto”
(v. 18b), “não irás desprezar um coração abatido e quebrantado” (v. 19b). Mais uma vez,
doze sentenças que demarcam a simbologia da completude e da totalidade. E diferentemente do que ocorreu na primeira estrofe (vv. 3-11), aqui trata-se do caminho que conduz a
verdadeira realização do ser humano. Quer dizer, ao sistematizar as duas estrofes (vv. 3-11;
12-19) pertencentes a Salmo 51, imagina-se que para a primeira estrofe há uma espécie de
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REFLEXUS - Ano XVII, n. 1, 2023
“solicitude de limpeza pessoal”, já para a segunda estrofe (vv. 12-19) faz-se necessário a
“solicitude de renovação pessoal”17.
Os (vv. 1-2) tratarão do delito de Davi, enquanto os (vv. 20-21) artisticamente apontarão
para a reestruturação da cidade, sobretudo numa perspectiva litúrgica e cúltica. Salmo 51 possui
uma estrutura quadripartida. Contudo, será possível mesmo à concessão do perdão a quem, ao
que parece, se propõe a pecar, semelhante acontece em Salmo 51? Vale seguir, metodologicamente, o caminho junto a cada estrutura: (vv. 1-2); (3-11); (12-19); (20-21), e em meio a esta
‘novela lírica’ onde: Natã acusa Davi, Deus se sente traído por Davi e Davi pede perdão a Deus,
o leitor verá ou não, qual o clímax desta luminosa poesia.
Davi em delito (vv. 1-2)
Inicialmente o ouvinte / leitor é surpreendido por uma afirmação introdutória que faz
alusão a um dado histórico: “Para o dirigente. Um salmo de Davi. Quando o profeta Natã
veio até ele porque se achegara a Betsabeia” (vv. 1-2). É fato: o Israel pós exílico mantinha
saudade da dinastia davídida. Sob o seu comando, o Antigo Israel viveu uma boa primavera.
Por vontade do Senhor, “Davi foi escolhido e eleito” (1Sm 16,10-13), “justo e piedoso, frente
aos seus inimigos” (1Sm 24,1-23), mas “pecou e foi pego em delito com a mulher de Urias”
(2Sm 11,1-27), embora tenha se “humilhado diante das práticas cometidas e denunciadas
pelo profeta Natã” (2Sm 12,1-14). O nome de Davi foi por diversas vezes cantado na poesia
lírica de Israel, atribuindo-lhe grandeza e majestade, não apenas real, mas, como é o caso,
literária, e, sapiencial. 73 salmos lembram Davi, ao atribuir a ele sua autoria e/ou a ele serem
dedicados. São eles: 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 11; 12; 13; 14; 15; 16; 17; 18; 19; 20; 21; 22; 23; 24;
25; 26; 27; 28; 29; 30; 31; 32; 34; 35; 36; 37; 38; 39; 40; 41; 51; 52; 53; 54; 55; 56; 57; 58;
59; 60; 61; 62; 63; 64; 65; 68; 69; 70; 86; 101; 103; 108; 109; 110; 122; 124; 131; 133; 138;
139; 140; 141; 142; 143; 144; 145. Mais até: Salmo 51 ganha um pormenor charmoso, pelo
fato de estar no início da “segunda coleção de Davi”18 que compreendem os poemas líricos
de número 51 a 72.
Em (v. 2a-b) se diz que: “Quando o profeta Natã veio até ele porque se achegara a Betsabeia”. Seja observado: Tal premissa versicular constitui um paralelo forte, com o que é dito em
(2Sm 12,1ab) “O SENHOR, mandou o profeta Natã falar com Davi. Ele entrou e lhe disse...”.
Os verbos em hebraico são os mesmos, aqui transliterados por (bo’). Quer dizer, ao que parece,
a expressão “foi ter com ele” ou “chegar, vir, entrar” por parte do profeta Natã, possui um significado literal. Isto é, o profeta esteve junto a Davi, a fim de expor-lhe seu delito. No entanto,
o uso do verbo aplicado ao mundo relacional entre Davi e Betsabeia muda. Este último, aponta
para “ir deitar-se com”. Muito provável que, quem aqui canta ou reza, tenha necessidade de
utilizar-se de um eufemismo, a fim de explicar o ato delituoso, cometido, por parte de Davi.
Hermeneuticamente é possível teologizar frente a estas duas pequenas cenas, entrecortadas pelo
verbo (bo’) do seguinte modo: “o ir pecaminoso de Davi é substituído pela entrada da Palavra
17
18
Cf. SCHAEFER , Konrad; Cotter, David W. (Ed.); Walsh, Jerome T. (Ed.); Franke, Chris (Ed.) Psalms. Collegeville, MN: The Liturgical Press, 2001. p. 128-130.
SIQUEIRA, Tércio Machado. Salmos I – Comentário Bíblico Latino-americano- Antigo Testamento. São Paulo:
Fonte Editorial, 2020, p. 434.
REFLEXUS - Revista Semestral de Teologia e Ciências das Religiões
241
de Deus que, no silêncio cúmplice dos cortesãos e súditos, entra para julgar e revelar impiedosamente os abusos de poder”19.
Davi culpado (vv. 3-11)
Os (vv. 3-11) dizem respeito a primeira estrofe da estrutura quadripartida de Salmo 51
e constitui uma linha divisória precisa e bem delimitada. Dentro dela o poeta lembra ao seu
ouvinte / leitor, doze manifestações predicamentais de caráter confessional (ver introdução de
nosso estudo, p. 5). Mas, é possível também perceber outro detalhe que gera estilo e charme.
No início dessa estrutura estrófica (vv. 3-11) a primeira palavra cantada e/ou rezada pelo poeta,
trata do nome de Deus “Elohim” (v. 3a). Em seguida, lança sua primeira prece: “tem misericórdia de mim, conforme tua lealdade” (3a); e continua: “Conforme a abundância de tua compaixão” (3b). Ao que parece, duas expressões constituem, neste primeiro enunciado, colunas
literárias de grande envergadura, capazes de sustentar o discurso do pecador, aqui acomodado
e personificado em Davi. Refiro-me as palavras: “misericórdia” “hesed” (v. 3a) e “compaixão”
“rahamim” (v. 3b). Ou seja, parece que o poeta nomeia todas as suas faltas tendo como base
estas duas palavras. Acredita-se, pois, que elas revelem, no caso, a essência de Deus, “Elohim”.
Mais ainda: o termo “pecado” (‘avon) ou “pecar” (‘avar) marca seis presenças em (vv. 3-11).
Indicando para a lógica da matemática bíblica que: o pecado e com ele suas consequências devastadoras, serão sempre imperfeitos e incompletos.
Segue uma pequena, mas objetiva tabela 1. Ao acessá-la, o leitor logo identificará o esquema:
Hebraico
שלי מהחטא אותי תנקה
לפני הזמן כל נמצא שלי החטא.
לך חטאתי, אהת רק
בחטא אותי הרתה אמי.
בזעתר חטאתי את הסר, !נקי אהיה ואני
מחטאי פניך את הסתר
(Tabela 1)
Citação
Português
(v. 4b)
limpa-me de meu pecado
(v. 5b)
meu pecado está constantemente diante
de mim.
(v. 6a)
Pequei contra ti, somente contra ti
(v. 7b)
minha mãe me concebeu em pecado.
(v. 9a)
Que retires de mim o pecado com hissopo,
e serei limpo!
(v. 11a)
Esconde tua face de meus pecados
Vejam: ora, quem aqui canta ou reza, pede a Deus que o limpe do pecado. Sendo que, este
último, vive em frente àquele que o pratica. O pecado é imaginado, portanto, semelhante a um
espelho. Quando o pecador, no caso, Davi se vê, enxerga sua própria iniquidade. De modo que,
ao gritar para o Senhor, o leitor familiarizado com as escrituras, logo pode fazer memória de
(Gn 6,5-6). Tamanho é o pecado, aqui atribuído a Davi e nele, todos os herdeiros de Adão, que
se imagina um “arrependimento da parte de Deus em seu ato criador”. Ademais, o poeta ou salmista que geralmente se declara justo e inocente, aqui, realisticamente bate no peito e confessa
sua culpa. Pois, não tem a intenção de “se declarar inocente”20.
19
20
RAVASI, 1984, p. 7.
SIQUEIRA, 2020, p. 436.
242
REFLEXUS - Ano XVII, n. 1, 2023
Entretanto, a beleza literária de Salmo 51 não para por aqui. O poema em questão, nasceu
para ensinar, e isso, ele o fará seja por meio do “ritmo”, da “sintaxe”21, da “repetição das palavras” e/ou, pelo modo como as “estruturas fixas” estão organizadas em seu corpo vocabular.
Segue, mais um pequeno exercício a modo de ilustração.
(v. 4a)
(v. 4b)
(v. 5a)
(v. 5b)
Lava-me de minha culpa
limpa-me de meu pecado
reconheço minhas rebeldias
meu pecado diante de mim
(v. 6)
Pequei contra ti, somente contra ti
fiz o que é mau a teus olhos
para que sejas justo ao falares
e puro ao julgares
(v. 7b)
(v. 8b)
(v. 11a)
(v. 11b)
minha mãe me concebeu em pecado
me fazes conhecer sabedoria
esconde tua face de meus pecados
apaga minhas culpas
Na estrofe acima, Salmo 51, apresenta mais um paralelismo e desta vez, trata-se, muito
provavelmente, de uma estrutura concêntrica22. Em outras palavras: (v. 4a) está para (v. 11b),
já (v. 4b) para (v. 11a), enquanto (v. 5a) volta-se para (v. 8b) e (v. 5b) prolonga (v. 7b). Sendo
que (v. 6) constitui o centro ou o núcleo desta estrutura. Isto significa que: o poeta pensou neste
hino, em suas palavras, frases e períodos. Portanto, mais uma vez, o leitor ou o ouvinte, pode
tranquilamente exclamar: Salmo 51 é literatura poética de caráter lírico!
21
22
GRENZER, Matthias. As dimensões temporais do verbo hebraico: desafio ao traduzir o Antigo Testamento.
Revista Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral, vol. 8, núm. 1, p. 15-32, janeiro-abril, 2016.
GONZAGA Waldecir (Org.). Salmos na perspectiva da análise retórica bíblica semítica [recurso eletrônico].
Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2022. p.161
REFLEXUS - Revista Semestral de Teologia e Ciências das Religiões
243
Por fim, em exatas três vezes, o poeta cunha a expressão: minha culpa (v. 4a) / em meio à
culpa (v. 7a) e minhas culpas (v. 11b). Demarcando o tom dessa primeira estrutura (vv. 3-11).
Ao que parece, pecado é o que define a condição antropológica do ser que, aqui se acusa. Mesmo tendo detectado o delito (vv. 1-2) e confessado-o (vv. 3-11), o lamento individual continua
de pé e a esta altura nem Davi, tampouco, Etã23 saberão se a outrora promessa – “Firmei uma
aliança com meu eleito; jurei a Davi, meu servo: estabelecerei tua descendência para sempre e
construirei teu trono de geração em geração” (Sl 89,4-5) – se realizará, de fato.
Davi perdoado (vv. 12-19)
A segunda estrofe (vv. 12-19) em Salmo 51 começa de modo semelhante que a primeira
(vv. 3-11): “Ó Deus” (Elohim). Mais uma vez, este último, é pensado como razão primeira ou
ainda, como norte definidor, capaz de harmonizar o que o pecado involuiu e confundiu. Em
Salmo 51 esta expressão aparece em (vv. 3a.12a.16a2x.. 17a.19a.b). Marcando, portanto, sete
presenças. No fundo, quem aqui reza ou canta expõe a “súplica por um coração puro” (v. 12a),
mas em “contraste com o pedido de não se separar de Deus”24. Mostrando, assim a necessidade
da ação de Deus, pois a temática trata da parte mais importante da pessoa humana, ou seja, do
23
24
Cf. A Bíblia. Salmos, p. 206. Etã trata de uma personagem contemporânea a Davi e a Salomão, à época conhecida como Sábia, conforme (1Rs 5,11) e cantor, de acordo (1Cr 6,29; 15,17.19).
BARENTSEN, Jack. Restoration and its blessings: A theological analysis of Psalms 51 and 32. Grace Theological Journal, 5.2, p. 247-269, 1984.
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coração25. Mais ainda: se este “coração for criado novamente e ficar puro” (v. 12a), significa
que, será um bom coração, portanto, um “coração quebrantado, contrito” (v. 19b). Mas, este
paralelo só se realiza, se Deus fizer a parte dele. Haja vista que somente ele tem credenciais para
criar! Em seguida, o leitor ou o ouvinte poderá ver diante de si, mais uma vez, doze sentenças
positivas (veja introdução de nosso estudo, p. 5). Todas, ao que parece, serão executadas pelo
próprio Deus, no sentido de que, as ações contempladas em (v. 12-19) serão exclusivas dele.
Nota-se também a presença de duas palavras que ganham centralidade em Salmo 51. Refiro-me a: “alegria” e “espírito”. Elas aparecem no montante de 3 + 4. Porém, este esquema
literário ganha em qualidade e exatidão, se, se leva em conta que (v. 10) “prepara a passagem
para a segunda parte do poema”26. Em outras palavras: “que me faças escutar festim e alegria”
(v. 10a), “faze-me voltar o festim de tua salvação” (v. 14a), “que minha língua jubile com tua
justiça” (v. 16b) + “renova dentro de mim um espírito firme” (v. 12b), “não retires de mim o
espírito de tua santidade” (v. 13b), “um espírito de nobreza me apoie” (v. 14b), “os sacrifícios
para Deus são um espírito quebrantado” (v. 19a). Imagina-se que, do ponto de vista da literalidade, o centro dessa segunda estrutura estrófica (vv. 12-19) encontre-se em (v. 16), pois trata
da “justiça de Deus”27. Porém, vale ressaltar que, mesmo pedindo perdão “pelos crimes de sangue” (v. 16a) e celebrando o culto, Deus, de acordo com Salmo 51, “não aprecia um sacrifício”
(v. 18a) ainda que bem presidido liturgicamente. Antes, a condição – sine qua non – para o
pecador ser reintroduzido e perdoado é “a contrição que o leva a pedir-lhe perdão”28. Pois, a celebração do culto, pressupõe o retorno do homem, no caso, Davi, já perdoado e não o contrário.
Deus, não quer apenas “dons e atos materiais”, antes exige “o homem todo”29.
Soa, no ouvido do leitor, uma espécie de aceno a história, quando o poeta, ao imaginar
Davi sendo perdoado, canta: “Quero ensinar teus caminhos aos que se rebelam, a fim de que
os pecadores voltem a ti. Ó Deus, Deus de minha salvação, liberta-me dos crimes de sangue,
para que minha língua jubile com tua justiça! Senhor, que abras meus lábios, a fim de que
minha boca anuncie teu louvor! Porque não aprecias um sacrifício – todavia, o daria –; não
és favorável a um holocausto. Os sacrifícios para Deus são um espírito quebrantado; um
coração quebrantado e abatido, ó Deus, não irás desprezar” (vv. 15-19). Esta temática lírica,
parte da segunda estrutura (vv. 12-19) em Salmo 51 lembra, por exemplo, o grito do profeta
Amós: “Eu odeio, eu desprezo as vossas festas e não gosto de vossas reuniões. Porque, se
me ofereceis holocaustos..., não me agradam vossas oferendas e não olho para o sacrifício de
vossos animais cevados. Afasta de mim o ruído de teus cantos, eu não posso ouvir o som de
tuas harpas” (Am 5,22-23). Não menos importante é o enunciado em (v. 15): “Quero ensinar
teus caminhos aos que se rebelam, a fim de que os pecadores voltem a ti” – oxalá este refrão
fosse um mantra: (Lamad pexa’ derek; hata’im xub)! Em Sl 119 – o maior em todo o saltério –
voltará com ênfase e bastante tônica esta esperança, a saber: “Que todos sejam reintroduzidos
no ensino da Torá”30.
25
26
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28
29
30
Coração aponta para o espaço vital do ser humano, diz respeito à sua totalidade. Cf. estudo sobre essa temática
em: WOLFF, Walter Hans. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 29-30.
RAVASI, 1984, p. 13.
ROSS, William A. David’s spiritual walls and conceptual blending in Psalm 51. Journal for the Study of the Old
Testament, vol. 43 (4), p. 6-7-626, 2019.
STADELMANN, 2015, p. 328.
WEISER, Artur. Os Salmos: Grande Comentário Bíblico. São Paulo. Editora Paulus, 1997. p. 303.
SIQUEIRA, 2020, p. 441.
REFLEXUS - Revista Semestral de Teologia e Ciências das Religiões
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Enfim, é dívida do poeta, para com um leitor ou ouvinte atento, a resposta para a pergunta:
Davi, na condição de rei de Deus, foi perdoado? Observem a tabela 2 a seguir, nela poderão
encontrar a presença de sete verbos que marcam o ritmo e devolvem beleza e charme ao longo
de toda a segunda estrofe (vv. 12-19) em Salmo 51!
Hebraico
יצר
לזרוק לא
גב
לימד
חינם
פתוח
מעריך לא
(Tabela 2)
Versículo
(v. 12a)
(v. 13a)
(v. 14a)
(v. 15a)
(v. 16a)
(v. 17a)
(v. 18a)
Português
criar
não arremessar
fazer voltar
ensinar
libertar
abrir
não apreciar
Quer dizer, Deus perdoou o pecado de Davi. Conforme fora dito acima, sete verbos escolhidos e trabalhados de modo singular na cultura israelita, no intuito de provocar reflexões.
Todos eles (veja tabela 2) tem força semântica tal, que para o homem religioso e antigo, são
atributos divinos. Portanto, a nosso ver, Deus perdoou a Davi e nele, todos os filhos de Adão
que “pecaram” (Rm 3,23-24), mas ao reconhecerem sua culpa, foram perdoados. Enfim, tendo
sido perdoado, Davi e em suas vestes, o pecador, sabe que precisa voltar, ou seja, ser reintroduzido. Uma vez, tendo se reconciliado com Deus “marca seu retorno à comunidade litúrgica
com a oferta do sacrifício de ação de graças em reconhecimento ao perdão divino, servindo de
testemunho a todos os fiéis de que esse sacrifício é agradável a Deus”31.
Deus cultuado (vv. 20-21)
A quarta e última parte de Salmo 51 encontra-se em (vv. 20-21). De um lado, visa-se a
reconstrução da cidade de Jerusalém, e, de outro, o restauro por completo do culto. Ou seja, ao
que parece, a reconstrução da Cidade de Davi seria trampolim para a firmeza e solidez do culto
litúrgico no Templo. O profeta Jeremias por três vezes toca, de algum modo, neste tema: “Mas
assim diz o SENHOR: Agora vou mudar a sorte das tendas de Jacó, terei compaixão de suas
moradas. A cidade será reconstruída sobre suas ruínas e o palácio se erguerá de novo em seu
lugar” (Jr 30,18). Em outro verso se diz que: “Eu vou reconstrui-la, e você ficará construída.
Virgem de Israel. Você será novamente enfeitada com pandeiros” (Jr 31,4). Por fim: “Mudarei
a sorte de Judá e Israel e vou reconstruí-la como antigamente” (Jr 33,70).
Salmo 51 em seus versos finais (vv. 20-21) ganha em coletividade. De uma prece pessoal
com caráter impar de individualidade (vv. 3-11), passa-se a um arrependimento, tendo Deus
como princípio e causa do perdão (vv. 12-19) à um ideal “coletivo e cultual”32. A respeito de
31
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STADELMANN, 2015, p. 328.
BARENTSEN, Jack. Restoration and its blessings: A theological analysis of Psalms 51 and 32. Grace Theological Journal, 5.2, p. 247-269, 1984.
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Salmo 51 em (vv. 20-21), alguns exegetas cogitam que, as expressões ou atributos aqui usados, como: “que reconstruas as muralhas de Jerusalém”, “sacrifícios de justiça”, “holocausto
completo” e “novilhos sobre o altar”, representa o desejo pela renovação e garantia do culto
sacrifical, uma vez que Jerusalém foi tomada, roubada e destruída. E usam como base bíblica
(2Rs 14,13; 2Cr 25,23). Outros estudiosos acreditam que não. As expressões, acima citadas,
surgiram mais tarde, muito provável, que sejam contemporâneas a Esdras e Neemias e, neste
caso, têm como base (Ne 2,17-18; 9,5). Em todo caso, mais latente mesmo, é afirmar o que
quem canta ou reza neste poema expressa: o eu do salmista, sempre acomodado nas vestes de
Davi, exprime fielmente o núcleo da nação, não só com “valor representativo”, mas mais precisamente com “valor coletivo”33.
Em suma, reconstruir a cidade é preciso e isto se dará “pela reconstrução das muralhas” (v.
20b), junto a isso, também no ver do poeta, são necessários “sacrifícios de justiça e holocausto
completo” (v. 21a). A cidade refeita será sinal da “Eleição divina do Povo de Deus”34 e lugar
essencial para preservação e manutenção do culto litúrgico, tal qual ocorrerá à época do grande
e dadivoso rei Davi.
Considerações finais
Salmo 51 composto por seus vinte e um versículos, tornou-se na história religiosa, tanto do
Antigo Israel, quanto do Cristianismo uma moldura perfeita, quando a temática trata de pecado,
penitência, contrição, arrependimento e perdão. Com ritmo próprio, ganha em estilo e leveza.
Ora quem fala é o profeta, no caso, Natã quando acusa Davi de um delito (vv. 1-2), em seguida,
falará o próprio delinquente, já que seu pecado fora descoberto (vv. 3-11) e somente após isso,
empresta na literatura sua voz à Deus, doador e causador do perdão (vv. 12-19) que por meio de
sete verbos (veja tabela 2) cumpre aquilo a que se propôs.
A denúncia inicial atribuída a Davi (vv. 1-2) em literatura não retroage o poema para os
dias históricos do rei, ao qual se propõe falar. Fato é que: como tornar-se insensível, frente a
uma dor tão pessoal, capaz de ferir diretamente a Deus? Um lamento tão “pessoal”, “intenso” e
“direto” não poderia deixar de “pertencer a Davi”35! Se a atmosfera dos Salmos é marcada pela
religiosidade toda e qualquer prece, uma vez, cantada e ou rezada se tornará prece, e, portanto,
oração em todo Israel.
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2017.
BALLARINI, Teodorico, REALI, Venanzio. A Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis-RJ:
Vozes, 1985.
33
34
35
BALLARINI; REALI, 1985, p. 66.
STADELMANN, 2015, p. 328.
RAVASI, 1984, p. 8.
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Figura 1: ROUAULT Georges, Miserere, 1948, disponível em https://rouault.org/oeuvre/miserere-1/. Acesso em
07/04/2023
Submetido em: 17/04/2023
Aprovado em: 21/06/2023