ARTIGO
“FOI UM RIO QUE PASSOU EM MINHA VIDA”1:
ILHÉUS E A BUSCA DA MODERNIDADE (1921 – 1930)
BRUNA DANTAS DA SILVA
Graduanda de Licenciatura em História
no Departamento de Filosofia e Ciência Humanas (DFCH)
da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)
Email:
[email protected]
ORCID: https://www.orcid.org/0000-0003-3623-3650
MARCIAL COTES
Profº. Titular do Departamento de Ciências da Saúde (DCS)
da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)
Email:
[email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6345-3715
RESUMO: O objeto deste artigo foi expor as mudanças ocasionadas pela busca da
modernidade e o estro motivado pelo Rio de Janeiro em Ilhéus no recorte temporal
de 1921 a 1930. Estas transformações foram vistas como necessárias à conquista da
sociedade civilizada e idealizada por uma parte diminuta da população e são
empreendidas na urbe, intentando deixar hábitos e costumes do período imperial no
passado, adotando o exterior como modelo e mirando as transformações urbanas e
sociais da então capital do país. A investigação traduz-se como uma Pesquisa
Documental, tendo como fonte principal o periódico “Correio de Ilhéos”, disponível no
acervo do Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade Estadual
de Santa Cruz (CEDOC/UESC).
PALAVRAS-CHAVE: Ilhéus. Modernidade. Rio de Janeiro.
1
Trata-se de uma analogia com a composição de Paulinho da Viola, ao insinuar que a elite
ilheense, ao visualizar as transformações urbanas da reforma de Pereira Passos no Rio de
Janeiro, percebe “um caso diferente”, onde “foi um Rio que passou” na vida das transformações
urbanísticas de Ilhéus.
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“IT WAS A RIO THAT PASSED IN MY LIFE”2:
ILHÉUS AND THE SEARCH FOR MODERNITY (1921 – 1930)
ABSTRACT: The object of this article was to expose the changes caused by the search
for modernity and the estrus motivated by Rio de Janeiro in Ilhéus, in the time frame
from 1921 to 1930. These transformations were seen as necessary for the conquest of
civilized society and idealized by a small part of the population and are undertaken in
the city trying to leave habits and customs of the imperial period in the past, adopting
the outside as a model and aiming at the urban and social transformations of the then
capital of the country. The investigation is translated as a Documentary Research,
having as main source the periodical “Correio de Ilhéos”, available in the collection of
Center for Documentation and Regional Memory of the State University of Santa Cruz
(CEDOC/UESC).
KEYWORDS: Ilhéus. Modernity. Rio de Janeiro.
Recebido em: 09/12/2023
Aprovado em: 28/02/2023
DOI: https://doi.org/10.23925/2176-2767.2023v78p392-425
Agradecemos o apoio financeiro de bolsas de Iniciação Científica (IC) da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), do CNPq e de ICB da UESC, dos
graduandos Emanuel Ramiro Silva Soares e Thiago Santos de Santana pela pesquisa
no acervo do Centro de Documentação e Memória Regional (CEDOC) da Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC) e a atenção e presteza dos funcionários do CEDOC.
2
It is an analogy with the composition of Paulinho da Viola, insinuating that the Ilheense elite,
when visualizing the urban transformations of Pereira Passos' reform in Rio de Janeiro,
perceives "a different case", where "it was a Rio that passed" in the life of urban transformations
in Ilhéus.
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Em roça de cacau, nessas terras, meu filho,
nasce até Bispo.
Nasce estrada de ferro, nasce assassino,
caxixe, palacete, cabaré, colégio,
nasce teatro, nasce até bispo ... Essa terra
dá tudo enquanto der cacau […]. 3
Na epígrafe, extraída do romance Terras do Sem Fim (1943), Jorge
Amado cita elementos que sinalizam a subordinação ao fruto do ouro – o
cacau –, que propiciou fortuna e luxo para uma minoria, que ansiava pelo
progresso e civilidade numa terra de coronéis e jagunços. Segundo Menezes
(2012, p. 75), o autor “faz mais do que uma descrição fotográfica, faz, sim, uma
radiografia da cidade de Ilhéus e de seu entorno, fazendas e matas”.
Os romances amadianos Cacau (1933), Terras do Sem Fim (1943), São
Jorge dos Ilhéus (1944) e Gabriela, Cravo e Canela (1958) retratam desde a
disputa sangrenta por terras, sinônimo de poder e status na formação da zona
cacaueira na Bahia, a construção da identidade da região e a chegada do
progresso, além da vida de atores sociais diversos, caracterizando mudanças
e permanências sociais e culturais em Ilhéus nos dois quartéis iniciais do
século XX.
A implementação da monocultura do cacau no final do século XIX e
primeiras décadas do século XX, período em que o Brasil se tornava o segundo
produtor da amêndoa no mundo, com sua maior produção no Sul da Bahia
(Mahony, 2007; 1996), elevou, entre 1890 e 1920, a região a uma posição de
destaque (Freitas; Paraíso, 2001). A partir deste período, a percepção de “que a
lavoura cacaueira era o esteio do progresso numa Bahia decadente,
distinguia-a da enfraquecida elite açucareira” (Ribeiro, 2001, p. 123) e fez fluir a
engrenagem na direção de mudanças com vista à modernidade. Nessa
perspectiva, assim como num monumento de exaltação à cacauicultura, em
dois de julho de 1921, dois cacaueiros, apesar de não se adequarem às
finalidades ornamentais do período, são plantados na Praça Dr. Seabra (Figura
01), iniciativa do então intendente Eustáquio de Souza Bastos (Marques, 2019).
3
Frase do personagem Dr. Rui do livro Terras do Sem Fim, Jorge Amado, p. 213, 1972.
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Figura 01 - Plantio de dois cacaueiros na Praça Dr.
Seabra, em dois de julho de 1921.
Fonte: Foto autor desconhecido. Site Instituto Nossa
Ilhéus.
De acordo com Carvalho (2015), na década de 1920, a fama dos “frutos
de ouro”, presentes nas narrativas difundidas em várias cidades do nordeste
do país e as expectativas de uma vida melhor disseminadas por “agentes
aliciadores financiados por fazendeiros’’ (p. 35), traziam muitas pessoas para a
região, buscando viabilizar a mão de obra, uma reclamação constante dos
proprietários de terras.
Neste momento, ideais modernizadores se espraiavam por todo o Brasil
(Rocha Junior, 2013), não sendo diferente em cidades com urbanização
incipiente como Ilhéus (Dias; Cotes, 2022) que, no período de 1921 a 1930,
apresentava características rurais com baixa densidade demográfica quando
comparada a Salvador com 308.451 habitantes e densidade populacional de
560,8 habitantes por Km2, contra 26,4 habitantes por Km2 em Ilhéus (cf. Bahia,
1926, p. XII, 6, 290, 291, 409 e 410; Santos, 1957; Dias; Cotes, 2022).
Assim, a urbe situava-se dentro do conceito de hinterlândia explorado
por Russel-Wood (1998). São embrionárias, ou pelo menos eram, as pesquisas
que se debruçaram sobre territórios considerados periféricos, devido sua
distância de centros decisórios político, econômico e cultural. Mas, para
Russel-Wood (1998, p. 2), “Aquilo que se constitui como um ‘centro’ e uma
‘periferia’ é algo subjetivo, dependendo da perspectiva daquele que realiza tal
aferição”.
Transformações vistas como necessárias à conquista da sociedade
civilizada e idealizada por uma parte diminuta da população são
empreendidas na urbe (Santana et al., 2022; Norte et al., 2022; Dias; Cotes,
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2022), intentando deixar hábitos e costumes do período imperial no passado,
por considerá-los atrasados, e para “estabelecer um controle social sobre os
diferentes sujeitos que usavam das ruas, avenidas e praças” (Carvalho et al.
2014, p. 18), adotando o exterior como modelo e mirando as transformações
urbanas e sociais do Rio de Janeiro, então capital do país.
Nesta perspectiva, Minayo (2002) adverte para a necessidade de se fazer
uma reflexão sobre a importância do sistema social na historiografia. Para a
autora o contexto comunitário se desenvolve com base nas marcas do
passado, num ciclo contínuo. Deste modo, existe um “embate constante entre
o que está dado e o que está sendo construído” (Minayo, p. 13), e conforme
Pesavento (2003, p. 66) “ter um volume de conhecimento disponíveis para
serem aplicados e usados” poderá dar “margem a uma maior possibilidade de
conexões e inter-relações”, permitindo, por consequência, entender melhor o
desenvolvimento da urbe.
Portanto o presente estudo utilizou material catalogado em projeto de
Iniciação Científica sobre a história do esporte, do lazer e dos hábitos sociais
em Ilhéus (BA), um recorte de 1921 a 1930, período que compreende as
administrações de Eustáquio de Souza Bastos (1920-1923), Mário Pessoa da
Costa e Silva (1924-1928) e Durval Olivieri (1928-1930), para “recolher os traços e
registros do passado” com o propósito de “realizar com eles um trabalho de
construção, verdadeiro quebra-cabeça ou puzzle de peças, capaz de produzir
[novos] sentidos” (Pesavento, 2003, p. 64) do desenvolvimento urbanístico de
Ilhéus.
A investigação se traduz como uma Pesquisa Documental, tendo como
principal fonte o periódico “Correio de Ilhéos” (1921/1930), disponível no acervo
do Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade Estadual
de Santa Cruz (CEDOC/UESC), fundado em 24 de setembro de 1921, sob a
direção do Coronel Antônio Pessoa da Costa e Silva, líder político dos novosricos da região (Mahony, 2007), representante do Partido Republicano
Democrata local, e patriarca da família Pessoa, uma das principais oligarquias
de Ilhéus que estava no poder desde 1912 com o advento do Seabrismo na
Bahia (Ribeiro, 2001) e tinha como editores seus filhos, Astor e Mário Pessoa.
A sua parcialidade era declarada e, segundo Albuquerque (2010), o
mesmo ocorria com outros jornais na região sul da Bahia nesse período, ao
passo que foram criados para a defesa dos interesses políticos dos
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cacauicultores, sendo comum que cada grupo político tivesse seu jornal,
resultando em uma escrita explicitamente passional. Isto pode ser notado em
matéria de setembro de 1921, do “Correio de Ilhéos”, para divulgar uma
reportagem feita pelo periódico local ‘‘O Monitor’’, que o congratulava em
razão do seu lançamento: “Circulou sabbado nesta cidade o primeiro número
do “Correio de Ilhéos”, folha diaria e orgam politico e noticioso, que obedece à
orientação do partido cujo chefe, desde 1889, é o coronel Antônio Pessoa da
Costa e Silva” (Correio de Ilhéos..., 1921, p. 1).
À vista disso, salientamos que o jornal mencionado circulava na
comunidade no momento de notório crescimento dos setores econômico,
político e social (cf. Campos, 2006; Santana et al. 2022; Norte et al. 2022; Dias;
Cotes, 2022). Sendo assim, este estudo se propõe a identificar as mudanças
ocasionadas pela busca da modernidade e o estro motivado pelo Rio de
Janeiro no processo de urbanização de Ilhéus, no recorte temporal de 1921 a
1930.
A busca pela modernidade
O arquétipo de moderno era a Europa (Amaral, 2022), fonte principal de
inspiração, em especial a França. Na concepção de Roncayolo (1999), Paris,
desde o século XIX, por meio do projeto de reformas urbanas de Georges
Haussmann – chamado de haussmanização –, não idealizava ser um espaço
de produção, mas sim uma vitrine da modernização ao mundo na busca do
embelezamento, e inaugurando um novo olhar sobre a cidade, e novas
percepções sobre a organização, o uso e valorização do espaço urbano.
Desta forma, na visualização dos filmes, nas viagens, nas experiências
trazidas pelos filhos desta nata cacaueira, que eram enviados ao velho
continente para estudar e de lá traziam a mobília das residências e as
indumentárias, recebiam e incorporavam as novidades (Mahony, 2007; 1996;
Ribeiro, 2001). A distância com o novo era diminuída, dando espaço à
experimentação de sensações e idealizações de comportamentos para
“alcançar a modernidade característica dos países europeus com quem o
Brasil passou a estabelecer trocas materiais e simbólicas para além das até
então realizadas” (Machado; Rocha Junior, 2020, p. 2).
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Dentre
as
atividades
identificadas
como
modernas,
Norte
e
colaboradores (2022, p. 7) apontam as “partidas de futebol [...], além das
sessões de cinema, teatro e bares que ofereciam bilhar, boliche e, como
bebida principal, champagne francês ao som do jazz (Jazz..., 1926, p. 2)”, bailes,
passeios de recreio e saraus literários organizados por associações, clubes e
grêmios, parque de diversão e companhias itinerantes de circo (Dias; Cotes,
2022). No material analisado e no estudo de Dias e Cotes (2022), observa-se a
participação nos eventos de funcionários públicos, trabalhadores urbanos
especializados, profissionais liberais, empregados do comércio e da empresa
inglesa “The State of Bahia South Western Railway Limited Company”,
proprietários agrícolas e grandes comerciantes.
Na pesquisa de Dias e Cotes (2022), os clubes carnavalescos já eram
realidade em 1889, e, a partir do decênio de 1910, os “cinemas se tornaram um
dos principais e mais regulares locais de lazer da cidade, ao menos para alguns
estratos sociais” (p. 367). No decênio seguinte, a cidade teve seis cinemas em
atividade ao mesmo tempo, a saber, “o Central, o Pery e o Vesúvio, no centro
da cidade; o São João, no arraial do Pontal; o Unahyp, no arraial de Água Preta,
atual município de Uruçuca; e o Cine-Theatro Laroca, no arraial de Pirangi,
atual município de Itajuípe (Campos, 2006; Em Pirangy, 1924, p. 2; Notícias De
Água Preta, 1926, p. 2)” (Dias; Cotes, 2022, p. 367). Ainda em 1929, matéria do
“Correio de Ilhéos” aponta a existência de um sétimo cinema denominado
Alliança, localizado no bairro Alto da Conquista, considerado na época uma
área suburbana da urbe (Cinemas…, 1929, p. 2).
Neste momento, o Jornal “Correio de Ilhéos” tinha o desígnio de ser o
porta-voz dos novos-ricos, os pessoístas, o grupo político que administrava a
cidade. Em suas páginas, exibia as conquistas tidas como civilizadas,
destacando e exaltando as intervenções na urbe pela Intendência Municipal
como símbolos de modernidade e requinte, além das críticas aos costumes
considerados arcaicos ou as intimações aos proprietários de imóveis
considerados ruínas para serem demolidos (Pela Moralidade..., 1926, p. 2;
Intendencia Municipal..., 1926, p. 2). Como parte dessa publicidade, o periódico
estabelece em 1926 uma coluna denominada “A cidade civiliza-se”, que trazia
críticas às condutas inadequadas e enaltecia os costumes considerados
propícios ao modelo de civilidade que se buscava almejar pela burguesia da
citadina (cf. A Cidade Civiliza-Se…, 1926, p. 2).
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Em 1929, a revista “Vida doméstica”, editada no Rio de Janeiro,
caracteriza Ilhéus como o principal centro de exportação do cacau do Brasil e
faz comparação da urbe do início do século com a de 1929, dizendo que “Quem
a conheceu ha vinte annos hoje, não a reconhece”, descrevendo-a como uma
cidade de vida saudável e moderna, na qual edifícios esplêndidos são
construídos por toda parte, elogios estendidos às suas largas avenidas e
praças com “apparelhos para recreio das creanças” (A Belleza..., 1929, s.n.).
Estas transformações são citadas no romance amadiano, Gabriela Cravo e
Canela: “Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se
automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se
jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente porém
evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontece sempre, em
todas as sociedades” (Amado, 1973, p. 75).
Da mesma forma que Ilhéus, no século XX, vários centros urbanos do
Brasil coabitaram com alterações que visavam a modernização. Para Marshall
Berman (1986), a modernidade não se resume a um período, a um fato
histórico, momento ou movimento de uma determinada sociedade,
referindo-se a um conjunto de experiências contraditórias, de tempo e
espaço, compartilhadas e ambicionadas pela humanidade:
[...] ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente
desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e
angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse
Marx, “tudo o que é sólido desmancha no ar”. [...] No século XX, os
processos sociais que dão vida a esse turbilhão, mantendo-o num
perpétuo estado de vir-a-ser, vêm a chamar-se “modernização” (p. 1516).
A urbe, chamada de “A Princeza do Sul” nas páginas do “Correio de
Ilhéos” – alcunha que representava o ideal civilizatório e de progresso
almejados, “resultado de um discurso que estava intimamente ligada à
expressão de poder e de legitimação de suas classes dominantes” (Carvalho,
2015, p. 44) –, vivia na ambiguidade citada por Berman (1986), uma vez que a
diminuta elite cacaueira projetava ser moderna, mas tinha que lidar com
muitos problemas sociais (Freitas; Paraíso, 2001; Dias; Cotes, 2022).
Nas palavras do deputado baiano Berbert de Castro, em cartão enviado
em 1928 à Revista “Vida Domestica”, Ilhéus é descrita como “o maior porto de
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exportação de cacau do Brasil, em communicação directa com os paizes
estrangeiros [...] a mais formosa, a mais prospera cidade do interior bahiano e,
incontestavelmente, uma das mais activas colmeias de trabalho do norte do
paiz” (Um Illustre..., 1928, p. 3).
A cidade, apresentada como próspera, em que os chefes políticos
incorporaram valores de civilização e de progresso não dispunha de
oportunidades para todos os imigrantes que chegavam. No “cotidiano, os
sinais de riqueza eram acompanhados pelos de pobreza, não só nas ruas de
Ilhéus, como também nas rotas e caminhos da região [...] as contradições
sociais surgidas com a exploração cacaueira eram ignoradas ou não
reconhecidas” (Freitas; Paraíso, 2001, p. 136-139). Mas a escol ilheense buscava
ostentar seu status, ainda que em uma urbanização incipiente, desfrutando
de luxos em seus bangalôs – edificações construídas para o embelezamento
da urbe, e contemplação do mar, assim como para o descanso –, contrastando
com a pobreza da grande maioria da população (Garcez; Freitas, 1975;
Carvalho, 2015; 1996; Freitas; Paraíso, 2001; Mahony, 2007).
Jorge Amado (1978) exemplifica a desigualdade existente em Ilhéus
neste período, quando um dos personagens do livro Cacau, romance em que
denuncia as condições de trabalho nas fazendas de cacau, denominado “98”,
dialoga com o imigrante sergipano protagonista do texto, após conseguir um
emprego com o Coronel Manuel Misael de Sousa Teles, leia-se Manoel Misael
da Silva Tavares, apelidado na obra de Mané Frajelo, verbaliza:
Está você alugado do Coronel.
Estranhei o termo: A gente aluga máquina, burro, tudo, mas gente não.
Pois nessas terras do Sul, gente também se aluga. O têrmo me
humilhava.
Alugado ...
Eu estava reduzido a muito menos que homem ... (p. 138).
Em outro trecho do livro, no diálogo entre os trabalhadores Honório e
Colodino, ao contemplarem a casa grande da fazenda do mesmo coronel,
fazem um paralelo com suas moradias: “Como era grande a casa do coronel
[...]. E olharam as suas casas, [...] casas de barro, cobertas de palha, alagadas
pela chuva” (Amado, 1933, p. 12). Segundo Ribeiro (2017), nesse período, a
pobreza e a riqueza podiam ser medidas pelas casas que as pessoas possuíam:
“Aos poucos os coronéis trocaram as sedes das fazendas pelos palacetes
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urbanos, símbolo de maior status na região” (p. 69). Esta imagem social
relatada por Ribeiro (2017), encontra respaldo em Peixoto, Tomelin e Miranda
(2019, p. 30) quando afirmam que a “[...] reflexão sobre dimensões sociais de
processos que impõem a invisibilidade a trabalhadores e trabalhadoras [...]”, à
literatura amadiana retrata personagens, proletários da urbe, que podem ser
objeto de análise, e, estabelece um rico acervo para podermos refletir a
respeito da cidade e dos hábitos culturais de uma sociedade em processo de
desenvolvimento urbano.
Foi nesse ambiente de contradições que se identificaram ingredientes
que apontam para a influência do que vinha acontecendo no Rio de Janeiro
nas ações do poder público em Ilhéus, com iniciativas que buscavam atingir o
ideal de modernidade. Isto posto, nos próximos tópicos estas obras serão
contextualizadas com fontes da pesquisa.
Ilhéus e o estro motivado pelo Rio De Janeiro
De acordo com Melo (2006), corroborado por Conde e Shaw (2022), as
intervenções urbanas identificadas no Rio de Janeiro, na administração de
Pereira Passos nos primeiros anos do século XX, foram influenciadas pelas
transformações ocorridas na capital da França, na centúria anterior, em
virtude do ambiente caótico em que vivia, após a Revolução Industrial. O autor
afirma que: “A partir disso, e da necessidade de aperfeiçoar e manter a
máquina do capitalismo em funcionamento, muitas foram as saídas
entabuladas, destacadamente relacionadas à reordenação do ambiente
urbano” (Melo, 2006, p. 1).
Para Conde e Shaw (2022), a Europa, nesta ocasião, buscava as
hinterlândias para aumentar “suas exportações de matérias-primas para
produtos manufaturados que incluíam novas tecnologias e itens de
consumo”, e as mudanças que ocorreram no Rio de Janeiro a partir de Paris
foram decorrentes “desse novo cenário econômico que resultou do
desenvolvimento capitalista não apenas como um fenômeno europeu, mas
também uma manifestação especificamente brasileira” (p. 100).
O presidente Rodrigues Alves conduzido pelo prefeito Francisco Pereira
Passos, engenheiro que observou de perto estas alterações nos anos de 1857
e 1860 quando atuou como adido brasileiro na capital francesa, foram os
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responsáveis pelas transformações no Rio de Janeiro. A então capital do país
“incorporava plenamente o papel da metrópole, sede do governo, centro
cultural, foco do desenvolvimento, irradiadora dos novos hábitos e costumes’’
(Melo, 2008, p. 191), e, na análise de Conde e Shaw (2022), “foi alvo de uma
transformação radical destinada a dotá-la de uma topografia moderna” (p. 99).
Desse modo, é concebível que o Rio de Janeiro tenha servido de
modelo para as modificações buscadas em Ilhéus, à medida que,
influenciados por essas iniciativas e pelo crescimento econômico propiciado
pelo cacau, os administradores ilheenses, os agentes do poder, os aristocratas
Coronéis do Cacau, os novos-ricos e os grandes comerciantes empreendem
sua reforma urbana na tentativa de reproduzir na cidade os estilos
arquitetônicos e urbanísticos contemplados na capital federal, e com
aderência a novos hábitos (Ribeiro, 2017).
No "Correio de Ilhéos”, são recorrentes matérias referentes à
urbanização da cidade, especificamente o centro, local para moradia e
vivência das famílias abastadas. No que se refere aos espaços onde viviam as
camadas populares, Ribeiro (2017, p. 117) descreve que: “Em volta desse centro
estão situadas as residências mais modestas e o pequeno comércio, zona de
transição para a periferia mais afastada. Nesse espaço habitam as camadas
mais pobres, à margem da cidade ideal, escondido e esquecido do poder pela
municipalidade”.
É recomendado observar, nas páginas do periódico “Correio de Ilhéos”,
os destaques dados à inauguração de avenidas, obelisco, praças ajardinadas,
estátuas, calçamento de ruas, demolição de chalé, além de construções de
prédios públicos e particulares. Em 1924, o intendente Mário Pessoa da Costa
e Silva (1924-1928) criou o Código de Posturas pela Lei Municipal de 1º de
outubro daquele ano, em um esforço no processo de revitalização da cidade.
Segundo
Ribeiro
(2017),
empenhando-se
“nas
chamadas
obras
de
embelezamento e lançou as bases do planejamento urbano” e “seguindo
modelos e denominações urbanas cariocas como a Avenida Beira-Mar,
também conhecida como Avenida Copacabana” (p. 71).
Demolições para a construção de novos prédios, assim como o
calçamento das ruas, são vistos como uma magnitude ao “[...] bem da hygiene
e da esthetica da cidade, que dia a dia a mais se engrandece e prospera [...]”
(Pela Esthetica..., 1925, p. 1), e cada planta aprovada pela prefeitura era vista
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como uma conquista (Figura 02). Em conteúdo de 1923, com o título de
“Pardieiro immundo”, o Coronel Misael Tavares – “a maior fortuna do sul
baiano em seu tempo” (Ribeiro, 2001, p. 114), intendente de 1912 a 1914 (Interino)
e 1916 a 1920, o mesmo que recebeu a alcunha de “Mané Frajelo” na obra
amadiana Cacau –, é chamado de retrógrado e ignorante por não demolir o
seu prédio, localizado na praça Firmino Amaral (Figura 03), sendo convocado
a construir no lugar um “que honre a cidade e corresponda á sua grande
fortuna” (Pardieiro Immundo..., 1923, p. 1).
Figura 02 - Plantas das construções da Av. Álvares Cabral.
Fonte: AS BELLAS..., n.º 775, 1926, p. 1.
Figura 03 - A esquerda o Pardieiro imundo que foi demolido para a
construção do Ilhéus Hotel.
Fonte: Foto Alexander Fâmula. Site IBGE.
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Assim, sugere-se que, no local do pardieiro imundo, o Coronel Misael
Tavares não se deu por rogado e iniciou a edificação do “Ilhéos Hotel” (Figura
04),
tendo
contratado
a
firma
Emílio
Odebrecht
e
Cia
para
o
empreendimento. A obra importou de tudo um pouco da Europa e conta com
o primeiro elevador do interior da Bahia da marca OTIS, importado da
Inglaterra – ainda em funcionamento –, com espaço para bagagens dos
passageiros na parte inferior da cabine. Dados da época insinuam um custo
insultante à obra, ao considerar o dispêndio de 700.000:000 réis por uma só
pessoa, o maior produtor de cacau do mundo naquele momento.
Figura 04 - Antigo cais do porto e o “Ilhéos Hotel” do Coronel Misael Tavares
erguido no lugar do “pardieiro imundo”.
Fonte: Foto J. Dias. Acervo Leda Hora.
Além da substituição de casas antigas por estruturas consideradas
belas e condizentes com o projeto de modernidade, a intendência buscava
regulamentar as ruas, utilizando o Código de Posturas, como por exemplo, o
Art. 25, em que os proprietários das casas são intimados a construir passeios
em frente às suas residências no prazo de oito dias, “sob pena de multas e
demais penas do referido Codigo’’ (Edital..., 1926, p. 3). Ainda de acordo com o
Código, a intendência comunica a colocação de placas numéricas nos prédios,
serviço considerado necessário e útil à população (Emplacamento Da
Cidade..., 1926, p. 1).
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As transformações não ficaram restritas ao Código de Posturas
implantado para ordenar as ruas. É possível identificar similaridades que se
entendem como influência do Rio de Janeiro a partir da urbanização de
Copacabana no início de 1906, onde a abertura do Túnel do Leme, que faz a
conexão entre Botafogo e a atual Avenida Princesa Isabel por meio de bondes,
contribuiu para o início das obras de pavimentação urbana da Avenida
Atlântica, que tal como a sua homônima em Ilhéus, neste período, era o fundo
de quintal das casas, utilizado muitas das vezes para despejar os dejetos
produzidos, o que influenciou o processo de urbanização de Ilhéus.
Os postes de iluminação elétrica da Avenida Beira-Mar em Ilhéus, na
época conhecida como Copacabana, nome de um dos bairros mais
conhecidos do Rio de Janeiro, atual avenida Soares Lopes (Figura 05), eram
iguais e estavam dispostos como os do referido bairro na então capital do
Brasil (Figura 06).
Figura 05 - Avenida Soares Lopes, seus postes e moto estacionada, década
1930-1950.
Fonte: Foto J. DIAS. Acervo José Rezende Mendonça.
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Figura 06 - Avenida Atlântica, localizada na orla de Copacabana, c. 1920.
Fonte: Foto Augusto Malta. Acervo Instituto Moreira Salles.
As analogias entre as duas cidades não se restringem somente a
Copacabana. No ano de 1925, é divulgado que a intendência planeja construir
um obelisco de seis metros de altura na Avenida 2 de julho, “uma grande
homenagem aos vultos de 1823” (Ilhéos..., 1925, p. 1). Em dois de julho do ano
de 1927, é inaugurado o monumento (Figura 07) – em conjunto com o
Belvedere, que se trata de um pequeno mirante –, semelhante ao Obelisco
inaugurado em 1906, no Rio de Janeiro, localizado na Avenida Central, atual
Rio Branco (Figura 08 e 09).
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Figura 07 - Inauguração do Obelisco e Belvedere ao 2 de Julho, 1927.
Fonte: Foto Alexander Fâmula. Site IBGE.
Figura 08 e 09 - Da esquerda para direita: o obelisco ao 2 de Julho
em Ilhéus e o comemorativo da construção da Avenida Central,
atual Rio Branco com Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro.
Fonte: Friduxa, 2021; Oliveira, 2009. Repositório Wikimedia.
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407
A capital federal, ao erguer o obelisco, teve como intenção, por parte
dos seus administradores, memorar a construção da Avenida Rio Branco que
“fazia parte da política de transformação da fisionomia da cidade, iniciada na
gestão do prefeito Pereira Passos” (Pereira, 2021, p. 258). Em Ilhéus, o poder
público, da mesma forma, intencionava, além da data comemorativa da
independência da Bahia e a urbanização da sua avenida principal aos moldes
de Copacabana da capital federal, ressignificar e marcar a gestão dos
pessoístas que pretendiam modernizar a citadina. E, tal como o obelisco da
avenida Rio Branco, marcar a urbanização da avenida Dois de Julho, que
ligava o porto à avenida, cognominada de Copacabana na urbe, pela orla da
baía do Pontal. Ou seja, os obeliscos tinham como desígnios “ser integrados a
discursos que acionam a ideia de modernização urbana e progresso social,
isto é, que enfatizam uma marcação temporal a partir do presente para o
conhecimento das gerações futuras” (Pereira, 2021, p. 257).
Outro monumento que demonstrava um projeto de uma urbe análoga
à capital do país, é o Cristo Redentor de Ilhéus (Figura 10), construído em 1942,
na Avenida Dois de Julho, que dá acesso ao Obelisco, no segundo mandato
de Mário Pessoa. De acordo com Giumbelli, (2008), o monumento do Rio de
Janeiro, pode ser concebido como um símbolo de uma “modernidade
religiosa”, sendo “proposto exatamente para expressar o reconhecimento de
que o Brasil era essencialmente um país católico” (p. 84), e inaugurado em 1931
com a benção de bispos católicos ‘‘proclamando Cristo como rei e solicitando
que ele salvasse o Brasil” (p. 85), sendo reproduzido durante todo o século XX,
com motivações que vão além do turismo, por diversas cidades no Brasil e no
mundo.
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Figura 10 - Inauguração do Cristo Redentor, 1942.
Fonte: Foto Francino. Acervo POPOFF.
Na
perspectiva
de
Conde e
Shaw
(2022),
as transformações
empreendidas no Rio de Janeiro consistiam em “transplantar” a topografia
vista como moderna da Europa, buscando ser uma “cópia cega de París”. Para
as autoras, o ideal buscado evidencia a continuidade de uma mentalidade
colonial: “Dominada por uma elite social e política cujos interesses eram
manter relações economicamente dependentes com a Europa, a cidade não
parece se encaixar na narrativa temporal banal da modernidade como
significando uma ruptura com a tradição e com o passado” (Conde; Shaw,
2022, p. 99). Esta visão das autoras é a mesma análise que se empreende no
processo de urbanização de Ilhéus, pois as oligarquias da urbe tinham como
intenção transmutar a cidade para uma cópia similar em dimensões menores
do Rio de Janeiro (Ribeiro, 2017), e, assim, aproximar-se da elite social e política
da então capital federal no seu imaginário urbanístico.
A haussmanização utilizava a flora e a fauna na paisagem de Paris,
modificações incorporadas pelo Rio de Janeiro (Sevcenko, 1983) e Ilhéus, em
proporção inferior, buscou reproduzi-las. O jardim da Praça Rui Barbosa
(Figura 11) com seus enormes pinheiros, em uma estética que não dialogava
com a arquitetura de toda a cidade e com a diversidade da flora local, deixa
evidente a pretensão de parecer moderna, e por que não dizer europeia a
partir da flora. Na urbe civilizada que se projetava os jardins, assim como as
casas, deveriam embelezar a paisagem (Embellezamento..., 1924, p. 2). A
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Intendência chegou a trazer um técnico do Rio de Janeiro para tratar dos
jardins de Ilhéus (Barreto, 2001).
Figura 11 - Jardim da Praça Rui Barbosa. Destaque aos pinheiros, 1930-1940.
Fonte: Foto autor desconhecido. Acervo Leda Hora.
Em 1927, em conteúdo de título “Cultivae os vossos jardins”, o “Correio
de Ilhéos”, apresentado como sugestões direcionadas às mulheres, questiona
a ausência de flores na urbe, com o argumento de que, em toda a cidade
civilizada que atinge os triunfos do progresso, não é possível desculpar a falta
de determinadas coisas e encontrar justificativas para o desprezo com as
imposições do bom gosto e da civilização. A matéria cita os novos prédios que
contam com “excellentes casas, providas de todos os requisitos hygienicos” e
o aumento no número de carros, para sustentar a tese de que existe uma
tendência, uma “inclinação natural” a busca do conforto na cidade, porém
reitera que, apesar disso, falta “sensibilidade artistica”, que deveria ser “mais
refinada”, algo a ser desejado no meio “adeantado” como Ilhéus (Cultivae…,
1927, p. 1).
Essas questões são compulsórias para criticar a ausência de flores que
deveriam ser naturais nas mesas das casas, nos jantares, nos banquetes –
como o realizado em 23 de maio de 1929, no salão do “Satellite Sport Club”,
que, além de cristais e flores à mesa, ofereceu um cardápio todo em francês
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410
(Figura 12) (Espanha …, 1929, p. 1) –, e nos quintais abandonados, “viveiro de
mosquitos e insetos perigosos” (Cultivae…, 1927, p. 1).
Figura 12 - Cardápio do
banquete realizado no salão
do clube “Satellite Sport Club”.
Fonte: ESPANHA..., n. 1195, p. 1, 1929.
As senhoras e senhorinhas deveriam cuidar de forma delicada das
flores, mesmo nas casas mais modestas, ainda que em um espaço pequeno,
dado que, além da beleza ornamental, o tamanho do terreno a ser cuidado
proporcionaria ao “ bello sexo [...] horas de agradavel exercicio, que se pratica
nas sociedades elegantes como um dos desportos mais delicados” (Cultivae…,
1927, p. 1). Ademais, menciona as iniciativas da administração:
Emquanto a administração municipal procura aumentar os jardins da
cidade, aumentando a arborização, o que vale pela hygienisação
urbana, mandando buscar, fora daqui, plantas raras e custosas, que lhes
enfeitam os canteiros bem cuidados, rara é a casa particular de Ilhéos
que ostenta um jardim, pequeno que seja. Perdem por isso, na sua
belleza architectonica, de que devia ser complemento o jardim [...]
(Cultivae…, 1927, p. 1).
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411
As medidas adotadas pela intendência em prol de uma cidade com
belos jardins parecem ter obtido êxito. O jornal soteropolitano “O Imparcial”,
em 16 de outubro de 1935, critica a ausência de árvores, importantes para a
qualidade do ar, em Salvador, e compara as ruas da capital baiana com as da
Princesinha do Sul e previne ao afirmar que “teremos de procurar
compensação nas chácaras e nos quintaes [...] porque, sem estes, a nossa
arborização é medíocre” (Notas…, 1935, p. 4).
Seguindo no “projeto de embelezamento” de Ilhéus, são destacados
alguns alvitres como a solenidade de inauguração de um chafariz (Figura 13)
em 8 de fevereiro de 1925 e início da obra da Avenida Beira-Mar – atual Avenida
Soares Lopes, antiga Copacabana, que já havia sido denominada de Avenida
Álvares Cabral. Segundo uma das matérias, o chafariz foi encomendado na
Europa, em 1900, e aproveitado pela “intendência para irrigação do jardim da
Praça Coronel Pessoa”, mandando construir um aquário ao redor da peça e
encomendando peixes em Salvador para embelezá-la (A Inauguração..., 1925,
p. 1).
Figura 13 - Chafariz da Praça Coronel Pessoa, 1940.
Fonte: Foto autor desconhecido. Site IBGE.
Conforme Campos (2006), a iluminação da praça era proveniente de
luminárias fabricadas pela empresa francesa Val D’Osne. É destacado em
matéria, após a solenidade, que além da função de irrigação o aquário era
destinado ao “divertimento público”, e que à “[...] noite a Praça Pessoa esteve
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412
grandemente concorrida, sendo muito elogiada a profusa illuminação
distribuída á roda do bello chafariz’’ (As Festas..., 1925, p. 1). Com discursos,
assinaturas de atas e participação da filarmônica Euterpe 3 de Maio – que foi
possível notar sua atuação na maioria dos eventos públicos, esportivos e de
muitos acontecimentos particulares na época –, foi lançada a pedra
fundamental da Avenida Beira-Mar e inaugurado o chafariz.
Neste
momento
de
um
esforço
de modernidade urbanística
engendrado pela Intendência da citadina, as reformas e ações implantadas já
chamavam a atenção na capital e nas demais cidades ditas progressistas do
interior da Bahia. O “Correio de Ilhéos” tinha como prática editorial trazer, em
suas páginas, matérias de interesse dos pessoístas – reproduzindo
reportagens publicadas em jornais de Salvador (cf. Santana et al., 2022; Norte
et al., 2022; Dias; Cotes, 2022). Nesta perspectiva, em matéria de abril de 1926,
o periódico ostenta em evidência, na primeira página, textos publicados no
Diário da Bahia e Diário de Notícias, enaltecendo duas novidades instituídas
pela Intendência em Ilhéus.
Do Diário da Bahia, o registro da lei municipal nº. 282, que cria o Serviço
de Estatística financeira, econômica, demográfica, escolar, administrativa e
jurídica. Iniciativa elogiada por entender as necessidades de tal serviço para
tirar proveito das informações provenientes que poderiam direcionar as ações
do poder público “para os altos destinos que lhe reservam as riquezas,
operosidade e sentimento de progresso de sua população” (Ilhéos Cria..., 1926,
p. 1). Conclui convocando os demais municípios do estado para seguir o
exemplo da citadina.
Na mesma edição da matéria anterior, o “Correio de Ilhéos” reproduz
reportagem do jornal Diário de Notícias (Figura 14) e Diário da Bahia de cinco
e seis de abril de 1926, respectivamente, onde o último apresenta o seguinte
título: “O progresso da Princeza do Sul: foi inaugurado o serviço de autoomnibus”. O editorial destaca a importância do serviço de transporte no
perímetro urbano da cidade, além das principais avenidas, informando os
locais que seriam atendidos como:
[...] Copacabana, pela avenida Alvarez Cabral ou pela praia; Avenida 2 de
Julho, contornado o morro de São Sebastião; cais do Porto, até as
oficinas da estrada de ferro; Alto da Conquista, com ramal para Escola
Normal Nossa Senhora da Piedade, Estação da Estrada de Ferro, de
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413
accordo com os horarios de partidas e chegadas de trem (O Ramal
Attingido..., 10 abr., 1926, p. 1).
Figura 14 - Anúncio de
inauguração de serviço de autoônibus em Ilhéus.
Fonte: SIRVA-NOS..., nº 733, 1926, p. 1.
Além de o serviço de auto-ônibus atender praticamente toda a cidade
de Ilhéus, tem como destaque, no editorial, a crítica do Diário de Notícias em
relação a Salvador já ter tido este tipo de transporte e existir a demanda do
retorno, pois “pela manhã e à tarde grandes lucros daria um serviço de ônibus
entre o bairro comercial e o resto da cidade, Barra e Itapagipe principalmente”
(Sirva-Nos..., 1926, p. 1), cobrando o seu regresso. Estas comparações entre
Salvador e Ilhéus parecem ter sido recorrentes durante algum tempo.
A experiência da velocidade na vida cotidiana das cidades modernas,
abordada por Berman (1986), começa a se fazer presente em Ilhéus. Em 1928,
o jornal “Correio de Ilhéos” aborda o número de veículos nas ruas que
ultrapassa mais de cem automóveis, considerando os caminhões, carros de
praça e particulares (Automobilismo…, 1928, p. 1). A cidade possuía uma
agência da Ford que anunciava frequentemente a venda de carros,
caminhões e tratores a pronta entrega (Agencia …, 1926, p. 3), e seus agentes
divulgavam as novidades dos novos modelos modificados para atender “as
exigentes condições modernas” (O Novo …, 1928, s.n.).
Segundo a matéria, marcas variadas de veículos chegavam de Salvador
e do Rio de Janeiro e o número de carros iria aumentar e até mesmo duplicar
em virtude do desenvolvimento do automobilismo. A troca de carroças por
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414
automóveis é ligada ao progresso e ao entendimento das desvantagens do
seu uso, sendo necessária sua retirada do tráfego pelos “grandes prejuízos que
dão ao calçamento e aos meios fios, alem do emporcalhamento em que
deixam as ruas, os animaes” (Automobilismo…, 1928, p. 1).
Outra preocupação no periódico era a organização do trânsito com a
velocidade dos veículos e o uso das bombas de gasolina. Com o título
“Automoveis em disparada”, uma matéria de 1927 faz uma crítica à velocidade
dos chauffeurs, por não respeitarem as leis de trânsito ao dirigir os carros de
seus patrões, causando tumulto e deixando os transeuntes pasmos, ao que
pedem a repressão policial (Automoveis…, 1927, s.n.)
Em conteúdo de 1928, a imprudência dos motoristas, o aumento de
veículos e carroças nas ruas, as brigas entre carroceiros e chauffeurs e o fato
das vias serem estreitas, sem um raio adequado para as curvas, são citados
para justificar a iniciativa de amadores que sugerem que as disposições do
‘‘Regulamento da Inspectoria de Vehiculos da Capital” sejam adotadas em
Ilhéus. Informa que, para evitar abusos e acidentes, o regulamento irá
estipular a mão e a contramão, de acordo com as medidas práticas da polícia
e da fiscalização municipal que deveriam trabalhar juntas (Automobilismo…,
1928, p. 1).
Na perspectiva de Nicolau Sevcenko (1992), a modernidade e com ela a
velocidade são proposições usuais nas discussões dos cronistas no decênio de
1920, pois se tornou uma adversidade com a irresponsabilidade dos
motoristas. Burity (2022) aponta que os problemas advindos da modernidade
na vida dos paraibanos ocorrem a partir das “cidades, em particular da capital,
a aceleração dos automóveis e navios, as mudanças de comportamento, os
problemas políticos do estado republicano” (p. 242).
Ainda em 1928, as bombas de gasolina localizadas na praça Firmino
Amaral são chamadas de “trambolho”, ao asseverar que estas não são
“objectos ornamentaes” para serem deixadas ao desprezo, devendo ser bem
utilizadas pelos representantes das empresas “Standard” e “Texaco”, além dos
consumidores. De acordo com o cronista, o periódico foi um dos que mais
incentivaram sua instalação e tece críticas à desorganização dos carros de
praça ao abastecer e à falta de combustível nos depósitos, que estão sempre
vazios ou abandonados pelo encarregado “cuja casa commercial está sempre
fechada à hora do almoço e das 18 horas em deante” (As Bombas…,1928, p. 2).
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Ribeiro (2017) ressalta que dois aspectos primordiais traduzem a
modernidade no Sul da Bahia. O primeiro seria o melhoramento da
infraestrutura material das principais cidades da região cacaueira, destacando
a estrada de ferro “Ilhéus-Conquista”, e o segundo, a consolidação de
determinados ícones do progresso regional, citando a catedral de São
Sebastião “construída para sediar o bispado ilheense e simbolizar a
importância econômica e social dos coronéis do cacau perante outros
segmentos que encarnavam o poder no estado, como os plantadores de
cana-de-açúcar e fumo do Recôncavo e os grandes comerciantes de Salvador”
(Ribeiro, 2017, p. 15-16).
A estrada de ferro Ilhéus a Vitória da Conquista, que nunca chegou a
este último destino (Falcon, 1995), tinha a particularidade de atender “[...]
somente ao seu entorno, num raio aproximado de 70 km, em linha reta, do
oceano Atlântico nas direções oeste e norte, a produção cacaueira” (Norte et
al., 2022, p. 7-8), uma realidade díspar da dinâmica das estradas de ferro
implantadas no país. No Anuário estatístico de 1936 (p. 114), consta que, até
aquela data, encontravam-se em funcionamento 129,73 km, mas há de se
considerar sua “importância no cenário social, haja vista que os funcionários e
engenheiros eram ingleses, o que oportunizou o contato da sociedade
ilheense com os hábitos de outro país (Campos, 2006) e sua expansão local”
(Santana et al., 2022, p. 5).
Quanto à antiga capela seiscentista de São Sebastião (Figura 15), de
acordo com Ribeiro (2017), existia um preconceito com o estilo colonial,
observado no discurso de memorialistas e cronistas, sendo um dos fatores
para sua demolição em maio de 1927, durante a administração de Mário
Pessoa, e a construção da nova catedral diocesana de São Sebastião (Figura
16), iniciada em 1931 e concluída em 1967 “em estilo eclético, com planta de
Salomão da Silveira, templo da modernidade e do fausto” (p. 83-84),
representando “mais que um símbolo religioso, era um registro da memória
e da identidade de determinado grupo social” (p. 81).
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Figura 15 - Capela de São Sebastião, década de 1920.
Fonte: Foto autor desconhecido. Site IBGE.
Figura 16 - Catedral de São Sebastião,
década de 60-70.
Fonte: Foto autor desconhecido. Site IBGE.
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À vista disso, a capela de São Sebastião, erguida na virada da centúria
do século XVI para o XVII, era vista por alguns como resquício de um passado
de atraso, sem a fortuna do cacau, não levando em consideração seu papel
histórico (Dias; Oliveira; Andrade, 2019; Ribeiro, 2017), denominada de velharia
nas páginas do “Correio de Ilhéos” (A Catedral…, 1927, p. 1). A nova catedral
simbolizava o progresso material, com o argumento de que representava “o
espírito modernizante, a riqueza da terra sede de um bispado” (Ribeiro, 2017,
p. 81). O que reflete a obstinação incessante das oligarquias da dita “Civilização
do Cacau”4 pela modernidade e civilidade.
Considerações finais
A expectativa motivada pela busca da modernidade e o estro incitado
pelo Rio de Janeiro no processo de urbanização de Ilhéus, no recorte temporal
de 1921 a 1930, teve suas nuances. O Rio de Janeiro era a capital do país,
Salvador convivia com a decadência das lavouras de cana-de-açúcar do norte
do estado e do recôncavo, e, nesta última região, do algodão. Os comerciantes
de Salvador, ao observarem os números da economia cacaueira, viram-se na
obrigação de expandir sua atuação para a denominada “Civilização do Cacau”,
o que pode ter contribuído, de alguma forma, para dinamizar a urbe. Ilhéus,
que tinha um porto e uma estrada de ferro, e esta última prometia, naquele
instante, sua expansão na direção ao oeste, até Vitória da Conquista, era vista
como oportunidade e exemplo de modernidade para as cidades do interior
da Bahia.
Neste período, os administradores de Ilhéus, comandados pelo Coronel
Antônio Pessoa da Costa e Silva, representante do Partido Republicano
Democrata local e correligionário de J. J. Seabra, perceberam esta
possibilidade e empreenderam obras que tinham como desígnio transformar
a citadina em uma síntese da capital federal. Para tanto, não pouparam
esforços no processo de remodelagem urbana ilheense, utilizando de
imediato a principal praia e avenida homônima em uma fac-símile de
Copacabana no Rio de Janeiro. Não obstante, toda a urbanização da principal
avenida da cidade retratava seu modelo inspirador com postes dispostos e
4
Terminologia romantizada por Adonias Filho (1976) para designar as terras do sul da Bahia,
onde se cultivava “o fruto de ouro”.
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idênticos aos da genuína Copacabana.
Entre
as
obras
que
supostamente
pretendiam
reproduzir
a
modernidade admirada do Rio de Janeiro para Ilhéus, podemos citar o
Obelisco, o Cristo, os bem cuidados jardins da cidade por um especialista
trazido da capital federal, o Código de Posturas, a construção de novos prédios
e a demolição de edifícios que não retratavam o ideal de moderno. Além
destes aspectos, o processo de urbanização e modernidade da urbe se deu
com a derrubada da capela seiscentista de São Sebastião, uma edificação em
estilo barroco que datava da virada do século XVI para o XVII, para ver erguida
em seu lugar a catedral, uma obra que retrata o clímax da valorização do
cacau no mercado internacional e a procura ferrenha das oligarquias locais
por influência, ou seja, pelo poder. Tudo que trazia as lembranças do Império
era tido como anacrônico.
Ilhéus passou a ser falada e idealizada como centro de modernismo e
exemplo aos demais municípios baianos, segundo jornal soteropolitano, no
momento seguinte às reformas urbanísticas incorporadas no governo
seabrista em Salvador, igualmente espelhada no Rio de Janeiro. A capital do
cacau não obteve o mesmo desenvolvimento e tão pouco o crescimento
observado nas duas cidades que foram sedes das duas primeiras capitais do
país, mas, no recorte histórico sugerido nesta investigação, obteve o êxito
esperado ao que se propunha na transição do primeiro ao segundo quartel do
século XX. Esta intenção das oligarquias de Ilhéus tinha como sustentação a
produção e demanda do cacau no mercado internacional, haja vista que o
fruto de ouro, que anuiu o esforço no processo de urbanização da cidade, foi
o principal produto de exportação da Bahia e o mais distinto que permitiu o
êxito da arrecadação, desde o último decênio do XIX até a década de 70 do
século XX, como o primeiro produto da balança comercial do estado.
Ilhéus foi o espelho das cidades menores da Bahia e uma preocupação
em termos político, econômico, cultural e administrativo para a elite
hegemônica da capital do estado, Salvador. Mas essa é uma outra história.
Entretanto, retomando a epígrafe do início do texto: “Foi um Rio que passou”
na vida social, política, cultural e urbanística de Ilhéus; e os seus
administradores se deixaram levar…
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419
Referências
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