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Nova gramática do português contemporâneo

Lexikon CELSO C U N H A & LINDLEY CINTRA nova gramática do português contemporâneo 7a edição de acordo com a nova ortografia obras de referência nova gramática do português contemporâneo Lexikon obras de referência CELSO C U N H A & LINDLEY CINTRA nova gramática do português contemporâneo 7a edição - 2a im pressão Texto atualizado com a nova ortografia, determ inada pelo DECRETO N° 6.583, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008 que promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, com início de sua vigência em Io de janeiro de 2009. © 2017 by titulares dos direitos de Celso Ferreira da Cunha e Luis Filipe Lindley Cintra Direitos de edição da obra em língua portuguesa em todo o mundo adquiridos pela Lexikon Editora D igital Ltda. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copirraite. Lexikon Editora Digital Rua Luís Câmara, 280 - Ramos - 21031 -175 Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel.: (21)2221-8740 http://www.lexikon.com.br [email protected] Veja também www.aulete.com.br - seu dicionário na internet 7“ edição - 2016 Editor Paulo Geiger Revisào Ana Lúcia Kronemberger D iagramação Ilustrarte Design e Produção Editorial P rodução Sônia Hey Capa Luis Saguar I magem de capa Serigrafia de Gonçalo Ivo - Rio São Francisco (vista de Ibotirania, BA), 7993, prova do autor. impressão Oceano Indústria Gráfica e Editora C1P-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. C977n 7.ed. Cunha, Celso Nova gramática do português contemporâneo [recurso eletrônico) / Celso Cunha, Lindley Cintra. - 7. ed., reimpr. — Rio de Janeiro : Lexikon, 2017. 800 p., recurso digital Formato: epdf Requisitos do sistema: adobe acrobat reader Modo de acesso: world wide web Inclui índice ISBN: 978-85-8300-031-0 (recurso eletrônico) 1. Língua portuguesa - Gramática. 2. Livros eletrôni­ cos. I, Cintra, Luís F. Lindley (Luis Filipe Lindley), 1925-1991. II. Titulo. 17-41723 C DD: CDU: 469.5 81 LI 34.3 >36 À memória de Serafim da Silva Neto, amigo comum e mestre da Filologia Portuguesa. A Joseph M. Piei, Jacinto do Prado Coelho, José V. de Pina Martins, companheiros e amigos. Sumário PREFÁCIO, xxiii ADVERTÊNCIA, xxvii NOTA DO EDITOR, xxix Introdução - CONCEITOS GERAIS, 1 Linguagem, língua, discurso, estilo, 1 Língua e sociedade: variação e conservação linguística, 2 Diversidade geográfica da língua: dialeto e falar, 4 A noção de correto, 5 Capítulo 1 - DO LATIM AO PORTUGUÊS ATUAL, 9 O latim e a expansão romana, 9 Latim literário e latim vulgar, 10 As línguas românicas, 11 A romanização da península, 13 O domínio visigótico, 16 O domínio árabe, 17 O português primitivo, 18 Períodos evolutivos da língua portuguesa, 18 Capítulo 2 - DOMÍNIO ATUAL DA LÍNGUA PORTUGUESA,23 Unidade e diversidade, 23 VIII N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O As variedades do português, 24 Os dialetos do português europeu, 25 Os dialetos das ilhas atlânticas, 31 Os dialetos brasileiros, 31 O português de África, da Ásia e da Oceânia, 34 Capítulo 3 - FONÉTICA E FONOLOGIA,37 Os sons da fala, 37 O aparelho fonador, 37 Funcionamento do aparelho fonador, 38 Som e fonema, 40 Descrição fonética e tbnológica, 41 Transcrição fonética e fonológica, 42 Alfabeto fonético utilizado, 42 Classificação dos sons linguísticos, 4 Vogais e consoantes, 45 Semivogais, 45 Classificação das vogais, 45 Articulação, 47 Timbre, 47 Intensidade e acento, 48 Vogais orais e vogais nasais, 48 Vogais tônicas orais, 49 Vogais tônicas nasais, 49 Vogais átonas orais, 50 Classificação das consoantes, 53 Modo de articulação, 54 O ponto ou zona de articulação, 55 O papel das cordas vocais, 56 O papel das cavidades bucal e nasal, 57 Quadro das consoantes, 57 A posição das consoantes, 59 Encontros vocálicos, 60 Ditongos, 60 Ditongos decrescentes e crescentes, 60 Ditongos orais e nasais, 61 Tritongos, 62 Hiatos, 63 Encontros intraverbais e interverbais, 63 Encontros consonantais, 64 Dígrafos, 65 Sílaba, 66 Sílabas abertas e sílabas fechadas, 66 Classificação das palavras quanto ao número de sílabas, 67 SUM ÁRIO Acento tônico, 67 Classificação das palavras quanto ao acento tônico, 69 Observações sobre a pronúncia culta, 70 Valor distintivo do acento tônico, 71 Acento principal e acento secundário, 71 Grupo acentuai (ou de intensidade), 72 Ênclise e próclise, 73 Acento de insistência, 73 Acento afetivo, 74 Acento intelectual, 74 Distinções fundamentais, 75 Capítulo 4 - ORTOGRAFIA, 77 Letra e alfabeto, 77 Notações léxicas, 78 O acento, 78 O til, 79 O trema, 79 O apóstrofo, 79 A cedilha, 79 O hífen, 79 Emprego do hífen nos compostos, 80 Emprego do hífen nas formações por prefixação, recomposição e sufixação, 81 Emprego do hífen na ênclise, na mesóclise e com as formas do verbo haver, 82 Partição das palavras no fim da linha, 82 Regras de acentuação, 84 Divergências entre as ortografias oficialmente adotadas em Portugal e no Brasil, 88 Capítulo 5 - CLASSE, ESTRUTURA E FORMAÇÃO DE PALAVRAS, 89 Palavra e morfema, 89 Tipos de morfemas, 90 Classes de palavras, 91 Estrutura das palavras, 92 Radical, 92 Desinência, 92 Afixo, 93 Vogal temática, 94 Vogal e consoante de ligação, 95 Formação de palavras, 96 Palavras primitivas e derivadas, 96 Palavras simples e compostas, 96 Famílias de palavras, 96 IX X N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Capítulo 6 - DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO, 97 Formação de palavras, 97 Derivação prefixai, 97 Prefixos de origem latina, 98 Prefixos de origem grega, 101 Derivação sufixai, 102 Sufixos nominais, 102 Sufixos verbais, 114 Sufixo adverbial, 115 Derivação parassintética, 116 Derivação regressiva, 117 Derivação imprópria, 118 Formação de palavras por composição, 119 Tipos de composição, 119 Compostos eruditos, 122 Radicais latinos, 122 Radicais gregos, 123 Recomposição, 127 Pseudoprefixos, 127 Hibridismo, 129 Onomatopéia, 230 Abreviação vocabular, 130 Siglas, 130 Capítulo 7 - FRASE, ORAÇÃO, PERÍODO, 133 A frase e sua constituição, 133 Frase e oração, 134 Oração e período, 135 A oração e os seus termos essenciais, 136 Sujeito e predicado, 136 Sintagma nominal e verbal, 137 O sujeito, 138 Representação do sujeito, 138 Sujeito simples e sujeito composto, 140 Sujeito oculto (determinado), 141 Sujeito indeterminado, 142 Oração sem sujeito, 143 Da atitude do sujeito, 145 Com os verbos de ação, 145 Com os verbos de estado, 146 O predicado, 146 Predicado nominal, 146 Predicado verbal, 149 Verbos intransitivos, 149 Verbos transitivos, 150 Predicado verbo-nominal, 151 Variabilidade da predicação verbal, 152 SUM ÁRIO A oração e os seus termos integrantes, 152 Complemento nominal, 153 Complementos verbais, 154 Objeto direto, 154 Objeto direto preposicionado, 156 Objeto direto pleonástico, 156 Objeto indireto, 157 Objeto indireto pleonástico, 159 Predicativo do objeto, 160 Agente da passiva, 161 Transformação da oração ativa em passiva, 162 A oração e os seus termos acessórios, 163 Adjunto adnominal, 164 Adjunto adverbial, 165 Classificação dos adjuntos adverbiais, 166 Aposto, 169 Valor sintático do aposto, 171 Aposto predicativo, 173 Vocativo, 174 Colocação dos termos na oração, 176 Ordem direta e ordem inversa, 176 Inversões de natureza estilística, 176 Inversões de natureza gramatical, 177 Inversão verbo + sujeito, 177 Inversão predicativo + verbo, 1S1 Entoação oracional, 181 Grupo acentuai e grupo fônico, 182 O grupo fônico, unidade melódica, 182 O grupo fônico e a oração, 183 Oração declarativa, 183 Oração interrogativa, 184 Oração exclamativa, 187 Conclusão, 189 Capítulo 8 - SUBSTANTIVO, 191 Classificação dos substantivos, 192 Substantivos concretos e abstratos, 192 Substantivos próprios e comuns, 192 Substantivos coletivos, 192 Flexões dos substantivos, 194 Número, 194 Formação do plural, 195 Gênero, 202 Quanto à significação, 203 Quanto à terminação, 204 Formação do feminino, 204 XI XII N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Substantivos uniformes, 209 Mudança de sentido na mudança de gênero, 210 Substantivos masculinos terminados em -a, 211 Substantivos de gênero vacilante, 211 Grau, 212 Valor das formas aumentativas e diminutivas, 212 Especialização de formas, 213 Emprego do substantivo, 213 Funções sintáticas do substantivo, 213 Substantivo como adjunto adnominal, 215 Substantivo caracterizador de adjetivo, 216 Substantivo caracterizado por um nome, 217 O substantivo como núcleo das frases sem verbo, 217 Capítulo 9 - ARTIGO, 219 Artigo definido e indefinido, 219 Formas do artigo, 220 Formas simples, 220 Formas combinadas do artigo definido, 221 Formas combinadas do artigo indefinido, 223 Valores do artigo, 224 A determinação, 224 Emprego do artigo definido, 226 Com os substantivos comuns, 226 Empregos particulares, 226 Emprego genérico, 230 Emprego em expressões de tempo, 231 Emprego com expressões de peso e medida, 234 Com a palavra casa, 234 Com a palavra palácio, 235 Emprego com o superlativo relativo, 236 Com os nomes próprios, 237 Com os nomes de pessoas, 238 Com os nomes geográficos, 240 Com os nomes de obras literárias e artísticas, 243 Casos especiais, 243 Antes da palavra outro, 243 Depois das palavras ambos e todo, 244 Repetição do artigo definido, 247 Com substantivos, 247 Com adjetivos, 248 Omissão do artigo definido, 249 Emprego do artigo indefinido, 251 Com os substantivos comuns, 251 Com os nomes próprios, 253 Omissão do artigo indefinido, 254 Em expressões de identidade, 255 SUM ÁRIO Em expressões comparativas, 256 Em expressões de quantidade, 256 Com substantivo denotador da espécie, 257 Outros casos de omissão do artigo indefinido, 257 Capítulo 10 - ADJETIVO,259 Nome substantivo e nome adjetivo, 260 Substantivação do adjetivo, 260 Substitutos do adjetivo, 261 Morfologia dos adjetivos, 262 Adjetivos pátrios, 262 Pátrios brasileiros, 262 Pátrios portugueses, 263 Pátrios africanos, 263 Adjetivos pátrios compostos, 263 Flexões dos adjetivos, 264 Número, 264 Plural dos adjetivos simples, 265 Plural dos adjetivos compostos, 265 Gênero, 265 Formação do feminino, 266 Adjetivos uniformes, 267 Feminino dos adjetivos compostos, 267 Graus do adjetivo, 268 Comparativo e superlativo, 268 Formação do grau comparativo, 269 Formação do grau superlativo, 269 Comparativos e superlativos anômalos, 274 Adjetivos que não se flexionam em grau, 275 Emprego do adjetivo, 275 Funções sintáticas do adjetivo, 275 Valor estilístico do adjetivo, 279 Concordância do adjetivo com o substantivo, 284 Adjetivo referido a um substantivo, 284 Adjetivo referido a mais de um substantivo, 285 Adjetivo adjunto adnominal, 285 Adjetivo predicativo de sujeito composto, 287 Capítuloll - PRONOMES,289 Pronomes substantivos e pronomes adjetivos, 289 Pronomes pessoais, 290 Formas dos pronomes pessoais, 291 Formas o, lo e no do pronome oblíquo, 291 Pronomes reflexivos e recíprocos, 293 Emprego dos pronomes retos, 295 Funções dos pronomes retos, 295 XIII XIV N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Omissão do pronome sujeito, 296 Presença do pronome sujeito, 296 Extensão de emprego dos pronomes retos, 297 Realce do pronome sujeito, 300 Precedência dos pronomes sujeitos, 301 Equívocos e incorreções, 301 Contração das preposições de e em com o pronome reto da 3.a pessoa, 303 Pronomes de tratamento, 303 Emprego dos pronomes de tratamento da 2.a pessoa, 305 Fórmulas de representação da 1.* pessoa, 310 Emprego dos pronomes oblíquos, 310 Formas tônicas, 310 Emprego enfático do pronome oblíquo tônico, 312 Pronomes precedidos de preposição, 312 Formas átonas, 314 O pronome oblíquo átono sujeito de um infinitivo, 316 Emprego enfático do pronome oblíquo átono, 316 O pronome de interesse, 317 Pronome átono com valor possessivo, 317 Pronomes complementos de verbos de regência distinta, 318 Valores e empregos do pronome se, 319 Combinações e contrações dos pronomes átonos, 322 Colocação dos pronomes átonos, 323 Pronomes possessivos, 332 Pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos, 332 Formas dos pronomes possessivos, 333 Valores e empregos dos possessivos, 333 Concordância do pronome possessivo, 333 Posição do pronome adjetivo possessivo, 334 Emprego ambíguo do possessivo de 3.“ pessoa, 335 Reforço dos possessivos, 336 Valores dos possessivos, 337 Valores afetivos, 338 Nosso de modéstia e de majestade, 340 Vosso de cerimônia, 340 Substantivação dos possessivos, 341 Emprego do possessivo pelo pronome oblíquo tônico, 341 Pronomes demonstrativos, 342 Formas dos pronomes demonstrativos, 343 Valores gerais, 343 Diversidade de emprego, 345 Empregos particulares, 346 Posição do pronome adjetivo demonstrativo, 347 Alusão a termos precedentes, 348 Reforço dos demonstrativos, 350 Valores afetivos, 350 O(s), a(s) como demonstrativos, 354 SUM ÁRIO Substitutos dos pronomes demonstrativos, 355 Pronomes relativos, 356 Formas dos pronomes relativos, 356 Natureza do antecedente, 357 Função sintática dos pronomes relativos, 355 Pronomes relativos sem antecedente, 360 Valores e empregos dos relativos, 360 Que, 360 Qual, o qual, 361 Quem, 364 Cujo, 364 Quanto, 365 Onde, 365 Pronomes interrogativos, 366 Flexão dos interrogativos, 367 Valor e emprego dos interrogativos, 367 Que, 367 Quem, 368 Qual, 369 Quanto, 369 Emprego exclamativo dos interrogativos, 370 Pronomes indefinidos, 370 Formas dos pronomes indefinidos, 371 Locuções pronominais indefinidas, 371 Pronomes indefinidos substantivos e adjetivos, 371 Oposições sistemáticas entre os indefinidos, 373 Valores de alguns indefinidos, 374 Algum e nenhum, 374 Cada, 375 Certo, 376 Nada, 377 Outro, 378 Qualquer, 379 Todo, 380 Tudo, 381 Capítulo 12- NUMERAIS , 383 Espécies de numerais, 383 Numerais coletivos, 384 Flexão dos numerais, 384 Cardinais, 384 Ordinais, 385 Multiplicativos, 3S5 Fracionários, 385 Numerais coletivos, 386 Valores e empregos dos cardinais, 3S6 XV XVI N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Cardinal como indefinido, 387 Emprego da conjunção e com os cardinais, 387 Valores e empregos dos ordinais, 387 Emprego dos cardinais pelos ordinais, 388 Emprego dos multiplicativos, 389 Emprego dos fracionários, 389 Quadro dos numerais, 390 Numerais cardinais e ordinais, 390 Numerais multiplicativos e fracionários, 391 Capítulo 13-VERBO , 391 Noções preliminares, 391 Flexões do verbo, 394 Números, 394 Pessoas, 394 Modos, 394 Tempos, 395 Aspectos, 396 Vozes, 398 Formas rizotônicas e arrizotônicas, 400 Classificação do verbo, 400 Conjugações, 401 Tempos simples, 402 Estrutura do verbo, 403 Formação dos tempos simples, 403 Verbos auxiliares e o seu emprego, 408 Distinção importante, 410 Conjugação dos verbos ter, haver., ser e estar, 413 Modo indicativo, 413 Modo subjuntivo, 414 Modo imperativo, 415 Formas nominais, 415 Formação dos tempos compostos, 416 Modo indicativo, 416 Modo subjuntivo, 417 Formas nominais, 418 Conjugação dos verbos regulares, 419 Conjugação da voz passiva, 419 Modo indicativo, 419 Modo subjuntivo, 420 Formas nominais, 421 Voz reflexiva, 421 Verbo reflexivo e verbo pronominal, 422 Conjugação de um verbo reflexivo, 422 Modo indicativo, 422 SUM ÁRIO Modo subjuntivo, 424 Modo imperativo, 426 Formas nominais, 426 Conjugação dos verbos irregulares, 427 Irregularidade verbal, 427 Irregularidade verbal e discordância gráfica, 428 Verbos com alternância vocálica, 429 Outros tipos de irregularidade, 436 Verbos de particípio irregular, 455 Verbos abundantes, 456 Verbos impessoais, unipessoais e defectivos, 457 Sintaxe dos modos e dos tempos, 462 Modo indicativo, 462 Emprego dos tempos do indicativo, 462 Modo subjuntivo, 479 Indicativo e subjuntivo, 479 Emprego do subjuntivo, 480 Subjuntivo independente, 480 Subjuntivo subordinado, 482 Substitutos do subjuntivo, 486 Tempos do subjuntivo, 487 Modo imperativo, 490 Formas do imperativo, 490 Emprego do modo imperativo, 491 Substitutos do imperativo, 493 Reforço ou atenuação da ordem, 495 Emprego das formas nominais, 496 Características gerais, 496 Emprego do infinitivo, 498 Emprego do gerúndio, 504 Emprego do particípio, 508 Concordância verbal, 510 Regras gerais, 511 Com um só sujeito, 511 Com mais de um sujeito, 511 Casos particulares, 513 Com um só sujeito, 513 Com mais de um sujeito, 523 Regência verbal, 530 Regência, 530 Regência verbal, 531 Diversidade e igualdade de regência, 531 Regência de alguns verbos, 533 Sintaxe do verbo haver, 551 Capítulo 14 - ADVÉRBIO,555 Classificação dos advérbios, 556 Advérbios interrogativos, 557 XVII XVIII N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Advérbio relativo, 558 Locução adverbial, 558 Colocação dos advérbios, 559 Repetição de advérbios em -m ente, 561 Gradação dos advérbios, 562 Grau comparativo, 562 Grau superlativo, 562 Outras formas de comparativo e superlativo, 563 Repetição do advérbio, 565 Diminutivo com valor superlativo, 565 Advérbios que não se flexionam em grau, 565 Palavras denotativas, 566 Capítulo 15 - PREPOSIÇÃO, 569 Função das preposições, 569 Forma das preposições, 569 Preposições simples, 596 Locuções prepositivas, 570 Significação das preposições, 570 Conteúdo significativo e função relacional, 572 Relações fixas, 574 Relações necessárias, 574 Relações livres, 575 Valores das preposições, 576 A, 576 Ante, 578 Após, 579 Até, 579 Com, 580 Contra, 581 De, 582 Desde, 583 Em, 584 Entre, 585 Para, 587 Perante, 588 Por (per), 588 Sem, 590 Sob, 590 Sobre, 591 Trás, 592 Capítulo 16 - CONJ U NÇÃO, 593 Conjunção coordenativa e subordinativa, 593 Conjunções coordenativas, 594 SUM ÁRIO Posição das conjunções coordenativas, 595 Valores particulares, 596 Conjunções subordinativas, 600 Conjunções conformativas e proporcionais, 603 Polissemia conjuncional, 604 Locução conjuntiva, 604 Capítulo 1 7 - INTERJEIÇÃO,605 Classificação das interjeições, 605 Locução interjectiva, 605 Capítulo 18 - O PERÍODO E SUA CONSTRUÇÃO,607 Período simples e período composto, 607 Composição do período, 607 Características da oração principal, 609 Conclusão, 610 Coordenação, 610 Orações coordenadas sindéticas e assindéticas, 610 Orações coordenadas sindéticas, 610 Subordinação, 612 A oração subordinada como termo de outra oração, 612 Classificação das orações subordinadas, 614 Orações subordinadas substantivas, 614 Orações subordinadas adjetivas, 615 Orações subordinadas adverbiais, 618 Orações reduzidas, 623 Capítulo 1 9 - FIGURAS DE SINTAXE,633 Elipse, 633 A elipse como processo gramatical, 634 A elipse como processo estilístico, 636 Zeugma, 638 Pleonasmo, 639 Pleonasmo vicioso, 639 Pleonasmo e epíteto de natureza, 639 Objeto pleonástico, 640 Hipérbato, 641 Anástrofe, 641 Prolepse, 642 Sínquise, 642 Assíndeto, 642 Polissíndeto, 643 Anacoluto, 644 XIX XX N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Silepse, 645 Silepse de número, 645 Silepse de gênero, 646 Silepse de pessoa, 647 Capítulo20-DISCURSO DIRETO, DISCURSO INDIRETO E DISCURSO INDIRETO LIVRE, 649 Estruturas de reprodução de enunciações, 649 Discurso direto, 649 Características do discurso direto, 650 Discurso indireto, 651 Características do discurso indireto, 652 Transposição do discurso direto para o indireto, 653 Discurso indireto livre, 655 Características do discurso indireto livre, 656 Capítulo 21 - PONTUAÇÃO, 657 Sinais pausais e sinais melódicos, 657 Sinais que marcam sobretudo a pausa, 658 A vírgula, 658 O ponto, 664 O ponto e virgula, 666 Valor melódico dos sinais pausais, 668 Sinais que marcam sobretudo a melodia, 669 Os dois pontos, 669 O ponto de interrogação, 670 O ponto de exclamação, 671 As reticências, 673 As aspas, 676 Os parênteses, 679 Os colchetes, 681 O travessão, 682 Capítulo 22 - NOÇÕES DE VERSIFICAÇÃO, 685 Estrutura do verso, 685 Ritmo e verso, 685 Os limites do verso, 686 As ligações rítmicas, 687 Sinalefa, elisão e crase, 687 Ectlipse, 688 O hiato intervocabular, 689 A medida das palavras, 690 Sinérese, 690 Diérese, 691 Crase, aférese, síncope e apócope, 692 A cesura e a pausa final, 693 Cavalgamento (enjambement), 694 O cavalgamento e a pausa final, 681 SUM ÁRIO Tipos de verso, 696 Os versos tradicionais, 696 Monossílabos, 696 Dissílabos, 697 Trissílabos, 697 Tetrassílabos, 698 Pentassílabos, 698 Hexassílabos, 699 Heptassílabos, 700 Octossílabos, 701 Eneassilabos, 702 Decassílabos, 703 Hendecassílabos, 705 Dodecassílabos, 706 Isossilabismo e versificação flutuante, 708 O verso livre, 709 A rima, 711 A rima e o acento, 711 Rima perfeita e rima imperfeita, 712 Rima pobre e rima rica, 714 Combinações de rimas, 715 Rima interior, 716 Indicação esquemática das rimas, 717 Versos sem rima, 717 Estrofação, 719 O dístico, 719 O terceto, 720 A quadra, 720 A quintilha, 720 A sextilha, 721 A estrofe de sete versos, 722 A oitava, 723 A estrofe de nove versos, 725 A décima, 725 Estrofe simples e composta, 727 Estrofe livre, 727 Poemas de forma fixa, 727 O soneto, 727 ELENCO E DESENVOLVIMENTO DAS ABREVIATURAS USADAS, 731 ÍNDICE ONOMÁSTICO, 745 ÍNDICE DE ASSUNTOS, 753 XXI Prefácio Esta gramática foi idealizada há muito tempo, quando, unida a forte amizade, já nos ligava uma convergência de formação, interesses e objetivos. Sentíamo-la como uma urgente necessidade para o ensino da língua portuguesa não só em Portugal, no Brasil e nas nações lusófonas da África, mas em todos os países em que se estuda o nosso idioma. Parecia-nos faltar uma descrição do português contemporâneo que levasse em conta, simultaneamente, as diversas normas vigentes dentro do seu vasto domínio geográfico (principalmente as admitidas como padrão em Portugal e no Brasil) e servisse, assim, fosse de fonte de informação, tanto quanto possível completa e atualizada, sobre elas, fosse de guia orientador de uma expressão oral e, sobretudo, escrita que, para o presente momento da evolução da língua, se pudesse considerar “correta”, de acordo com o conceito de “correção” que adotamos no capítulo 1. De então para cá várias descrições importantes do português se foram publicando, entre as quais é justo destacar a Estrutura da língua portuguesa, de Joaquim Matoso Câmara Júnior (1969); a Gramática simbólica do portu­ guês, de Óscar Lopes (1971); a Gramática portuguesa, de Pilar Vázquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, mormente a partir da 3.a edição refundida (1971), sobre a qual se fez a tradução portuguesa (1980); e a Gramática da língua portuguesa, de Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Inês Silva Duarte e Isabel Hub Faria (1983). Nenhuma no entanto, e por diversas ra­ zões, correspondia ao nosso objetivo inicial. A de Pilar Vázquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, apesar do seu rigor e qualidade, considera­ va as características do português do ponto de vista de um falante da língua espanhola, com todos os inconvenientes (e também as vantagens) que isso implica. A de Matoso Câmara Júnior baseava-se no padrão do português do XXIV N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Brasil1; as outras duas levavam em conta fundamentalmente a norma de Portu­ gal e tinham como objetivo, não propriamente o ensino da língua portuguesa, mas análises e reflexões, do maior interesse, sobre a sua estrutura e funciona­ mento interno, expostas numa linguagem técnica de difícil acesso para os não iniciados. Digno também de particular menção pelo seu alto nível é o Manuel de la langue portugaise (Portugal — Brésil)2, de Paul Teyssier, obra em que pela pri­ meira vez se apresentam sistematicamente em confronto as normas europeia e americana do português. Por outro lado, um de nós, Celso Cunha, elaborou e publicou em sucessivas edições a sua Gramática do português contemporâneo (l.a ed., 1970 — 10.a ed., 1983) e a sua Gramática da língua portuguesa (l.a ed., 1972 — 10.a ed., 1983), que, embora amplamente baseadas, quanto à linguagem escrita, tanto em auto­ res portugueses como brasileiros, tinham principalmente em conta a variedade americana e ainda não correspondiam, portanto, ao projeto primitivo. Foi esse projeto que há pouco mais de três anos resolvemos retomar, e o resultado do esforço conjunto é a obra que agora apresentamos ao público. As características gerais desta Nova gramática do português contemporâneo são fáceis de definir. Trata-se de uma tentativa de descrição do português atual na sua forma culta, isto é, da língua como a têm utilizado os escritores portugueses, brasi­ leiros e africanos do Romantismo para cá, dando naturalmente uma situação privilegiada aos autores dos nossos dias. Não descuramos, porém, dos fatos da linguagem coloquial, especialmente ao analisarmos os empregos e os valores afetivos das formas idiomáticas. Não desejamos discorrer sobre o plano da obra, mas não podemos deixar de fazer uma breve referência a alguns aspectos metodológicos. Como esta gramática pretende mostrar a superior unidade da língua por­ tuguesa dentro da sua natural diversidade, particularmente do ponto de vista diatópico, uma acurada atenção se deu às diferenças no uso entre as modali­ dades nacionais e regionais do idioma, sobretudo às que se observam entre a variedade nacional europeia e a americana. No estudo da fonética e da fonologia, procurou-se estabelecer, sempre que possível, a equivalência entre os conceitos e a terminologia tradicionais e os da fonética acústica e da fonologia moderna; no estudo das classes de palavras, 1 Duas gramáticas de inegáveis méritos e de larga difusão no Brasil - a Gramática da língua portuguesa, de Rocha Lima (23.aed., 1983), e a Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara (27.“ ed., 1982) - são bem anteriores ao nosso projeto. 2 Paris, Klincksieck, 1976. PREFÁCIO examinou-se a palavra em sua forma e, a seguir, em sua função, de acordo com os princípios da morfossintaxe. Notar-se-á, por outro lado, uma permanente preocupação de salientar e valorizar os meios expressivos do idioma, o que torna este livro não apenas uma gramática, mas, de certo modo, uma introdução à estilística do português contemporâneo. Embora, a rigor, o estudo da versificação não faça parte de uma descrição gramatical, incluiu-se um capítulo final sobre o enunciado em verso, comple­ mentar, a nosso ver, do estudo da entoação da prosa, a que se deu atenção no capítulo 7. Toda a obra foi objeto de exame conjunto e de troca de sugestões entre os seus autores. Cumpre-nos, no entanto, dizer, para resguardar as responsabilidades de autoria, que a Lindley Cintra se deve a redação do capítulo 2, da maior parte do capítulo 3 e do tratamento contrastivo do capítulo 13. A Celso Cunha cabe a redação dos demais capítulos, bem como a exemplificação aduzida. Queremos, por fim, expressar a nossa gratidão a todos os que contribuíram para que esta obra saísse com menos imperfeições, em particular os nossos co­ legas Joram Pinto de Lima, Maria do Carmo P. Machado, Edila Viana da Silva, Sílvia Figueiredo Brandão e Cilene da Cunha Pereira. Um agradecimento especial endereçamos a Cinira, permanente animadora da obra, pelo penoso trabalho de ajuda na revisão das provas tipográficas e de confronto textual da versão brasileira com a portuguesa, assim como pela elaboração do índice Onomástico; a Maurício Marchevsky, por algumas das ilustrações; a Sérgio e Sebastião Lacerda, pela confiança e interesse demonstrados desde o início na execução do projeto. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1985. C elso C u n h a Luís F. Lindley C intra XXV Advertência Esta edição da Nova Gramática do Português Contemporâneo vem acrescida do capítulo “Do Latim ao Português”, de autoria de Celso Cunha, publicado originalmente sob o título “Noções históricas”, na Gramática da Língua Portu­ guesa, editada pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), do Ministério da Educação, na década de 1970. Ao incorporar ao estudo da gramática o relato do processo de formação e difusão do nosso idioma, espera-se propiciar, além da compreensão da estrutura, da funcionalidade e do uso, a percepção de seu papel no contexto linguístico universal e de como o processo histórico influenciou seus aspectos internos. Num mundo cada vez mais partilhado e em interação, a visão histórica da Língua Portuguesa - hoje a língua oficial de cerca de 200 milhões de pessoas em oito países - é fundamental para compreender sua atual importância geopolítica, social e cultural. A presente edição está atualizada segundo as mudanças na ortografia implementadas pelo Acordo Ortográfico de 1990, em vigor no Brasil a partir de janeiro de 2009. Rio de Janeiro, dezembro de 2008 Cilene da Cunha Pereira Nota do Editor O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 é um tratado inter­ nacional cujo objetivo é unificar a ortografia do português, para uso de todos os países que têm o português como língua oficial. O acordo foi assinado por representantes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe em Lisboa, em 16 de Dezembro de 1990, ao fim de uma negociação iniciada em 1980 entre a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras. Depois de obter a sua independência, Timor-Leste aderiu ao Acordo em 2004. O acordo teve ainda a presença de uma delegação de observadores da Galícia. O Acordo Ortográfico de 1990 institui uma ortografia oficial única da língua portuguesa e com isso interrompe a existência de duas normas or­ tográficas oficiais diferentes: uma no Brasil e outra nos restantes países de língua portuguesa. Os proponentes do Acordo dão como exemplo motivador a língua espanhola (o castelhano), que apresenta grande variação, quer na pronúncia quer no vocabulário, entre a Espanha e a América hispânica, mas sujeita a uma só forma de escrita, regulada pela Associação de Academias da Língua Espanhola. A adoção da nova ortografia, de acordo com os dados da Nota Explica­ tiva do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (que se baseiam exclusivamente numa lista de 110.000 palavras da Academia das Ciências de Lisboa), irá acarretar alterações na grafia de cerca de 1,6% do total de palavras na norm a euro-afro-asiático-oceânica (em Portugal, PALOP, Timor-Leste e Região Administrativa Especial de Macau) e de cerca de 0,5% na brasileira. XXX N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A NOVA ORTOGRAFIA GUIA RÁPIDO E SIMPLIFICADO Este é um resumo, em linguagem e organização simples, das disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pelos oito países lusófonos (que falam o português como sua língua nacional) em 16 de dezembro de 1990. O texto completo do Acordo está disponível no site www.filologia.org.br/acordo_ortografico.pdf. Este resumo trata apenas das mudanças inequívocas, e refere-se somente àquelas que dizem respeito à ortografia adotada no Brasil (em parte, serão outras as mudanças em relação à ortografia até então adotada em Portugal e outros países lusófonos). AS MUDANÇAS ALFABETO Ao alfabeto da língua portuguesa acrescem-se as letras K , W e Y , e ele passa a ter 26 letras*: A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z USO DE VOGAIS ÁTONAS E E / Em palavras com sufixos -ano e -ense que se combinam com um i que per­ tence ao tema (havaiano [de Havaí], italiano [de Itália], etc.) ou derivadas de palavras que têm na última sílaba um e átono (Acre, Açores), escreve-se antes da sílaba tônica -iano e não -eano: acriano, açoriano, sofocliano, torriense. Mas escreve-se -eano se a última sílaba da palavra de origem tiver e tônico: daomeano, guineano ou guineense, etc. MUDANÇAS NA ACENTUAÇÃO E NO USO DO TREMA Os ditongos abertos tônicos éi e ói perdem o acento agudo quando caem na penúltima sílaba (portanto, de palavras paroxítonas): * Na prática, essas letras já se usavam como símbolos de medidas (km, kg, W) e em pala­ vras estrangeiras e suas derivadas em português: know-how, Kant, kantiano, yin-yang, walkman. A C O R D O O R T O G R Á F I C O D E 1990 idéia(s) jóia(s) geléia(s) tramóia (s) epopéia (s) apóia diarréico(s) heróico(s) hebréia(s) debilóide(s) passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser ideia(s) joia(s) geleia(s) tramoia(s) epopeia(s) apoia diarreico(s) heroico (s) hebreia(s) debiloide(s) ♦ Cuidado: o acento não cai se incide nesses ditongos em sílabas tônicas de palavras oxítonas (com acento tônico na última sílaba) ou proparoxítonas (com acento tônico na antepenúltima sílaba): anéis continua anéis continua herói(s) herói(s) fiéis continua fiéis anzóis continua anzóis axóideo(s) continua axóideo(s) Cai o acento circunflexo de palavras paroxítonas terminadas em ôo êem: vôo dêem enjôo vêem acôo crêem abençôo lêem passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser voo deem enjoo veem acoo creem abençoo leem ♦ Cuidado: As flexões dos verbos ter e vir na 3a pess. pl. do pres. do indic. man­ têm o acento: têm-, vêm, diferençando das flexões de 3a pess. sing. tem, vem, bem como os derivados desses verbos, como mantém e mantêm, provém e provêm, retêm e retêm, convém e convêm, etc. Não se usa acento gráfico (agudo ou circunflexo) em palavras paroxítonas para diferençá-las de outras palavras delas homógrafas (com a mesma grafia). São estas as palavras afetadas: XXXI XXXII N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O pára (flexão de parar) e para (preposição) passam a ser péla(s) (subst. fem.), pelas (flexão de pelar) e pela(s) contração por + a(s) passam a ser pélo (fexão de pelar), pêlo (subst. masc.) e pelo (contração por + o) passam a ser péra(s) (subst, fem.= pedra), pêra(s) (subst. fem.) e pera (prep. = para) passam a ser pólo(s) (subst. masc.) e polo(s) (comb. de por + lo(s) passam a ser para pela(s) pelo(s) pera(s) polo(s) ♦ Lembre-se: o v.pôr (infinitivo) e pôde (flexão na 3a pes. sing. pret. perf. do v. poder) mantêm o acento, diferençando respectivamente da preposição por e da flexão de 3a pess. sing. do pres. indic. pode. É facultativo usar ou não circunflexo em fôrma (com o fechado) para diferençar deforma (com o aberto). Perdem o acento agudo as vogais tônicas i e u de palavras paroxítonas, quando antecedidas de ditongo: boiúno feiura baiúca alauíta passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser boiuno feiura baiuca alauita ♦ Cuidado: mantém-se o acento quando a palavra é proparoxítona (feiíssimo, bauínia) ou oxítona ( tuiuiú, teiú, teiús). Nos verbos arguir e redarguir deixa-se de usar o acento agudo no u tônico nas flexões rizotônicas (ou seja, nas quais o acento tônico cai em sílaba do radi­ cal), no caso argu e redargu: arguo redargúo argúis redargúis argúi redargúi argúem passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser arguo redarguo arguis redarguis argui redargui argúem A C O R D O O R T O G R Á F I C O D E 1990 redargúem argúa redargua reargúas reargúam passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser redargúem argua redargua redarguas redarguam Nos verbos terminados em -guar, -quar, e -quir (aguar, apaziguar, enxaguar, obliquar, delinquir, etc.), as flexões podem ser pronunciadas com acento tônico na sílaba do u ou, como no Brasil, na sílaba anterior. No primeiro caso cai o acento agudo do ií, no segundo, a vogal tônica da sílaba anterior recebe acento agudo: agúo averiguo apropinqúo delinqúo passa a ser aguo ou águo passa a ser averiguo ou averíguo passa a ser apropinquo ou apropínquo passa a ser delinquo ou delínquo O trema deixa de ser usado para assinalar a pronúncia do u* em sílabas como güe, giii, qüe e qüi. Permanece em palavras estrangeiras e suas derivadas: agüentar sagüi freqüência tranqüilo mülleriano passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser continua aguentar sagui frequência tranquilo mülleriano MUDANÇAS NO USO DO HÍFEN EM PALAVRAS COMPOSTAS Usa-se o hífen em palavras compostas cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal compõem uma unidade sintagmática e de signifi­ cado e mantêm cada um sua acentuação própria (o primeiro elemento pode estar em forma reduzida): ano-luz, arco-íris, decreto-lei, médico-ortopedista, segundo-tenente, guarda-noturno, mato-grossense, afro-brasileiro, quarta-feira, vermelho-claro, primeira-dama, conta-gotas, marca-passo, tira-teima, bota-fora, etc. ♦ Atenção: o Acordo menciona explicitamente as exceções (em compostos nos quais se perdeu em certa medida a noção de composição) que se grafam aglutinadamente: *mesmo sem o trema, o u continua a ser pronunciado XXXIII XXXIV N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc. ♦ Comentário: a definição do conceito da exceção ('em certa medida’, ‘noção de recomposição’) e o ‘etc.’ final tornam a aplicação desta regra um tanto vaga. A nova edição do Vocabulário Ortográfico define as dúvidas porventura sub­ sistentes. A posição da ABL, no processo de edição do V.O., portanto antes de sua publicação, era de que o etc. deve ser desconsiderado valendo como exceção apenas as explicitamente mencionadas (acima). Todas as outras, portanto, manteriam o hífen: para-lama, para-brisa, lero-lero, marca-passo, tira-teima, cata-vento, etc. Outra exceção (ABL): passatempo. Já vigentes na prática, são agora definidos como regras: a) Nos topônimos (nomes de lugares geográficos) usa-se hífen com os prefixos Grão- e Grã-, em nomes cujo primeiro elemento é verbal e quando os ele­ mentos estão ligados por artigos: Grão-Pará, Grã-Bretanha, Passa-Quatro, Trás-os-Montes, Todos-os-Santos b) Têm hífen palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas: couve-flor, erva-doce, andorinha-do-mar, bem-te-vi, leão-marinho Usa-se hífen (e não travessão) entre elementos que formam não uma palavra, mas um encadeamento vocabular: ponte Rio-Niterói, Alsácia-Lorena, Liberdade-Igualdade-Fraternidade Não se usa hífen em locuções (alguns exemplos): substantivas: café da manhã, fim de semana, cão de guarda adjetivas: cor de açafrão, cor de vinho pronominais: cada um, ele mesmo, quem quer que seja adverbiais: à vontade, à parte, depois de amanhã prepositivas: a fim de, acerca de, por meio de, a par de conjuncionais: contanto que, no entanto, logo que ♦ Exceções consagradas pelo uso: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa ♦ Comentário: Também é um tanto vaga a noção de ‘consagrada pelo uso’, o que implica que só com a publicação do V.O. foram definidas todas as locuções A C O R D O O R T O G R Á F I C O D E 1 990 em que se usa (ou não) hífen, como, p.ex., água que passarinho não bebe, arco da aliança, água de cheiro, etc. Pressupõe-se que, na lógica de só serem válidas as exceções explicitamente mencionadas no Acordo, todas perderam o hífen. Mantêm os hifens locuções que formam nomes de plantas e animais. MUDANÇAS NO USO DO HÍFEN EM PALAVRAS COMPOSTAS POR PREFIXAÇÃO E RECOMPOSIÇÃO Geralmente, a não ser nas exceções que serão estabelecidas na regras seguintes, em palavras compostas com prefixos ou falsos prefixos (radicais gregos ou lati­ nos que ganharam o significado das palavras das quais faziam parte, como aero, radio, tele, etc.) usa-se hífen se o segundo elemento começa por h: anti-histórico, super-homem, multi-horário, mini-habitação ♦ Atenção: quando se usam os prefixos des- e in- caem o he o hífen: desumano, wabitável, desonra, inábil Também com os prefixos co- e re- caem o h e o hífen: coerdar, coabitar, reabilitar, reabitar Passa a se usar hífen entre o prefixo e o segundo elemento quando o prefixo termina na mesma vogal pela qual começa o segundo elemento: antiinflacionário teleeducação neoortodoxia passa a ser passa a ser passa a ser anti-inflacionário tele-educação neo-ortodoxia Obs .: nos prefixos terminados em a, já era o uso vigente, agora consolidado pela regra: contra-almirante, extra-articular, ultra-alto. ♦ Exceção: o prefixo co- se aglutina com segundo elemento começado por o: cooptar, coobrigação. re- se aglutina com palavras começadas por e: reeleição, reestudar, reerguer. Usa-se hífen com circum- e pan- quando seguidos de elemento que começa por vogal, m e «, além do já citado /?: circunavegaçao circumediterrâneo circumeridiano passa a ser passa a ser passa a ser circum-navegaçao circ um-mediterrâneo circum-meridiano XXXV XXXVI N O V A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Obs.: já era uso vigente para pan- e alguns usos de circum-, agora ratificados como regra, como por exemplo: pan-africano, circum-adjacente. Quando o prefixo ou falso prefixo termina em consoante usa-se hífen quando o segundo elemento começa com a mesma consoante, ou começa por r ou h. Obs.: São casos desta regra, e também de regra específica do Acordo, o uso de hífen com os prefixos hiper-, inter-, super, ciber- e nuper- quando o segundo elemento começa por r ou h (hiper-requintado, inter-resistente, super-radical, inter-hospitalar); não se usa hífen em outros casos nos quais o prefixo termina em consoante e o segundo elemento começa por vogal ou consoante diferente de h ou r. subsequência, sublinear, interativo, hiperativo, superabundante, hiperacidez, interlocução. Quando o prefixo ou falso prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s não se usa mais o hífen e a consoante r o u s é duplicada: ultra-som anti-semita eco-sistema mini-saia maxi-resultado contra-regra co-seno semi-reta passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser ultrassom antissemita ecossistema minissaia maxirresultado contrarregra cosseno semirreta Não se usa hífen quando o prefixo ou falso prefixo termina em vogal e segundo elemento começa por vogal diferente ou consoante (se esta for r ou como visto acima, se duplica): auto-escola extra-escolar co-piloto supra-estrutura auto-imune contra-ordem passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser passa a ser autoescola extraescolar copiloto supraestrutura autoimune contraordem Obs.: Alguns desses usos (antiaéreo, plurianual, prefixo seguido de consoante, etc.) já eram vigentes, outros não (exemplos acima), agora todos estão sub­ metidos à regra. A C O R D O O R T O G R Á F I C O D E 1990 Alguns casos que não mudam, mas convém lembrar: Com os prefixos ou falsos prefixos ex-, sota-, soto-, vice-, vizo-, pré-, pró- e pós- sempre se usa hífen. Usa-se hífen antes dos sufixos de função adjetiva de origem tupi-guarani -açu, -guaçu e -mirim, quando o primeiro elemento acaba em vogal tônicafcajá-mirim, cipó-guaçu) ou quando se necessita separar a pronúncia da vogal final da do sufixo (anda-açu). Usa-se hífen nas formas verbais com pronomes átonos (diga-me, vestir-se, vingá-lo, dizer-lhes). Se a quebra de linha ocorre onde há um hífen gramatical, recomenda-se repetir o hífen no início da linha seguinte. LOCUÇÕES Como já foi apontado na página XXXIV, não se usa hífen em locuções de qualquer tipo (nominais, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas, conjuncionais), com as seguintes exceções: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-derosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa. Assim: nominais: água-de-coco, café-da-manhã passam a ser água de coco, café da manhã, etc. adjetivas: cor-de-abóbora, cor-de-açafrão passam a ser cor de abóbora, cor de açafrão, etc. passam a ser à vontade, antes de ontem pronominais: nós mesmos, ela própria adverbiais: à-vontade, antes-de-ontem prepositivas: por cima de, a fim de conjuncionais ao passo que, logo que XXXVII Introdução Conceitos gerais LINGUAGEM, LÍNGUA, DISCURSO, ESTILO 1. L in g u a g e m é “um conjunto complexo de processos — resultado de uma certa atividade psíquica profundamente determinada pela vida social — que torna possível a aquisição e o emprego concreto de uma l ín g u a qualquer”'. Usa-se também o termo para designar todo sistema de sinais que serve de meio de comunicação entre os indivíduos. Desde que se atribua valor convencional a determinado sinal, existe uma l in g u a g e m . À linguística interessa parti­ cularmente uma espécie de l in g u a g e m , ou seja, a l in g u a g e m f a l a d a ou ARTICULADA. 2. L íngua é um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos. Expressão da consciência de uma coletividade, a língua é o meio por que ela concebe o mundo que a cerca e sobre ele age. Utilização social da faculdade da linguagem, criação da sociedade, não pode ser imutável; ao contrário, tem de viver em perpétua evolução, paralela à do organismo social que a criou. 3. D iscurso é a língua no ato, na execução individual. E, como cada indivíduo tem em si um ideal linguístico, procura ele extrair do sistema idiomáti­ co de que se serve as formas de enunciado que melhor lhe exprimam o gosto e o pensamento. Essa escolha entre os diversos meios de expressão l Tatiana Slama-Casacu. Langage et contexte. Haia, Mouton, 1961, p. 20. 2 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O q u e lh e oferece o ric o re p e rtó rio de p o ssib ilid ad es, q u e é a lín g u a , d e n o m i­ n a-se ESTILO.2 4. A distinção entre linguagem, língua e discurso, indispensável do ponto de vista metodológico, não deixa de ser em parte artificial. Em verdade, as três denominações aplicam-se a aspectos diferentes, mas não opostos, do fenô­ meno extremamente complexo que é a comunicação humana. A interdependência desses aspectos, salienta-a Tatiana Slama-Casacu, ao escrever: “A língua é a criação, mas também o fundamento da linguagem — que não poderia funcionar sem ela —; é, simultaneamente, o instrumento e o resultado da atividade de comunicação. Por outro lado, a linguagem não pode existir, manifestar-se e desenvolver-se a não ser pelo aprendizado e pela utilização de uma língua qualquer. A mais frequente forma de manifestação da linguagem — constituída de uma complexidade de processos, de mecanismos, de meios expressivos — é a linguagem falada, concretizada no discurso, ou seja, a realização verbal do processo de comunicação. O discurso é um dos aspectos da linguagem — o mais importante — e, ao mesmo tempo (...), a forma concreta sob a qual se manifesta a língua. O discurso define-se, pois, como o ato de utilização individual e concreto da língua no quadro do processo complexo da linguagem . O s três termos estudados — linguagem , língua , discurso — designam no fundo três aspectos, diferentes mas estritamente ligados, do mesmo processo unitário e complexo.”3 LÍNGUA E SOCIEDADE: VARIAÇÃO E CONSERVAÇÃO LINGUÍSTICA Embora desde princípios deste século linguistas como Antoine Meillet e Ferdinand de Saussure tenham chegado a configurar a língua como um fato social, rigorosamente enquadrado na definição dada por Emile Durkheim4, só nos últimos vinte anos, com o desenvolvimento da sociolinguística , as relações entre a língua e a sociedade passaram a ser caracterizadas com maior precisão. 2 Aceitando a distinção de Jules Marouzeau, podemos dizer que a língua é “a soma dos meios de expressão de que dispomos para formar o enunciado” e o estilo “o aspecto e a qualidade que resultam da escolha entre esses meios de expressão” (Précis de stylistique française, 2.a ed. Paris, Masson, 1946, p. 10). 3 Obra cit., p. 20. A Vejam-se Antoine Meillet. Linguistique historique et linguistique générale, 2.a ed. Paris, Champion, 1926, p. 16,230passim; Ferdinand de Saussure. Cours de linguistiquegénéraley édition critique préparée par Ttillio de Mauro. Paris, Payot, 1973, p. 31. CONCEITOS GERAIS A sociolinguística, ramo da linguística que estuda a língua como fenômeno social e cultural, veio mostrar que estas inter-relações são muito complexas e podem assumir diferentes formas. Na maioria das vezes, comprova-se uma covariação do fenômeno linguístico e social. Em alguns casos, no entanto, faz mais sentido admitir uma relação direcional: a influência da sociedade na língua, ou da língua na sociedade. É, pois, recente a concepção de língua como instrumento de comunicação social, maleável e diversificado em todos os seus aspectos, meio de expressão de indivíduos que vivem em sociedades também diversificadas social, cultural e geograficamente. Nesse sentido, uma língua histórica não é um sistema linguís­ tico unitário, mas um conjunto de sistemas linguísticos, isto é, um diassistema, no qual se inter-relacionam diversos sistemas e subsistemas. Daí o estudo de uma língua revestir-se de extrema complexidade, não podendo prescindir de uma delimitação precisa dos fatos analisados para controle das variáveis que atuam, em todos os níveis, nos diversos eixos de diferenciação. A variação sistemática está, hoje, incorporada à teoria e à descrição da língua. Em princípio, uma língua apresenta, pelo menos, três tipos de diferenças internas, que podem ser mais ou menos profundas: Io) diferenças no espaço geográfico, ou variações diatópicas (falares locais, va­ riantes regionais e, até, intercontinentais); 2o) d iferen ças e n tre as c a m a d a s so c io c u ltu ra is, o u variações diastráticas (nível c u lto , lín g u a p a d rã o , nível p o p u la r, etc.); 3o) diferenças entre os tipos de modalidade expressiva, ou variações diafásicas5 (língua falada, língua escrita, língua literária, linguagens especiais, linguagem dos homens, linguagem das mulheres, etc.). A p a r tir d a n o v a co n cep ção d a lín g u a c o m o diassistema, to m o u - s e possível o escla re c im e n to d e n u m e ro so s casos d e p o lim o rfism o , d e p lu ra lid a d e de n o rm a s e d e to d a a in ter-re la ç ã o d o s fato res geográficos, h istó ric o s, sociais e p sicológicos q u e a tu a m n o co m p le x o o p e ra r d e u m a lín g u a e o rie n ta m a su a deriva. Condicionada de forma consistente dentro de cada grupo social e parte integrante da competência linguística dos seus membros, a variação é, pois, inerente ao sistema da língua e ocorre em todos os níveis: fonético, fonológico, morfológico, sintático, etc. E essa multiplicidade de realizações do sistema em nada prejudica as suas condições funcionais. Veja-se Eugenio Coseriu. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In Actes du premier Colloque International de Linguistique Appliquée. Nancy, Université de Nancy, 1966, p. 199. 3 4 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Todas as variedades linguísticas são estruturadas, e correspondem a sis­ temas e subsistemas adequados às necessidades de seus usuários. Mas o fato de estar a língua fortemente ligada à estrutura social e aos sistemas de valores da sociedade conduz a uma avaliação distinta das características das suas diversas modalidades diatópicas, diastráticas e diafásicas. A língua padrão, por exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades de um idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atua como modelo, como norma, como ideal linguístico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua fun­ ção coercitiva sobre as outras variedades, com o que se torna uma ponderável força contrária à variação. Numa língua existe, pois, ao lado da força centrífuga da inovação, a força centrípeta da conservação, que, contrarregrando a primeira, garante a superior unidade de um idioma como o português, falado por povos que se distribuem pelos cinco continentes. DIVERSIDADE GEOGRÁFICA DA LÍNGUA: DIALETO E FALAR As formas características que uma língua assume regionalmente denominam-se dialetos. Alguns linguistas, porém, distinguem, entre as variedades diatópicas, o falar DO DIALETO. D ialeto seria “um sistema de sinais desgarrado de uma língua comum, viva ou desaparecida; normalmente, com uma concreta delimitação geográfica, mas sem uma forte diferenciação diante dos outros da mesma origem”. De modo secundário, poder-se-iam também chamar dialetos “as estruturas linguísticas, simultâneas de outra, que não alcançam a categoria de língua”6. F alar seria a peculiaridade expressiva própria de uma região e que não apre­ senta o grau de coerência alcançado pelo dialeto. Caracterizar-se-ia, do ponto de vista diacrônico, segundo Manuel Alvar, por ser um dialeto empobrecido, que, tendo abandonado a língua escrita, convive apenas com as manifestações orais. Poder-se-iam ainda distinguir, dentro dos falares regionais, os falares locais, que, para o mesmo linguista, corresponderiam a subsistemas idiomáticos “de traços pouco diferenciados, mas com matizes próprios dentro da estrutura regional a que pertencem e cujos usos estão limitados a pequenas circunscrições geográficas, normalmente com caráter administrativo”7. 6 Manuel Alvar. Hacia los conceptos de lengua, dialecto y hablas. Nueva Revista de Filologia Hispânica, 15:57,1961. 7 Id., ibid., p. 60. CONCEITOS GERAIS No entanto, à vista da dificuldade de caracterizar na prática as duas modali­ dades diatópicas, empregaremos neste livro — e particularmente no capítulo seguinte — o termo d i a l e t o no sentido de variedade regional da língua, não importando o seu maior ou menor distanciamento com referência à língua padrão. A NOÇÃO DE CORRETO Uma gramática que pretenda registrar e analisar os fatos da língua culta deve fundar-se num claro conceito de norma e de correção idiomática. Permitimo-nos, por isso, uma ligeira digressão a respeito deste controvertido tema. Os progressos dos estudos linguísticos vieram mostrar a falsidade dos pos­ tulados em que a gramática logicista e a latinizante esteavam a correção idio­ mática e, com isso, deixaram o preceptismo gramatical inerme diante da reação anticorretista que se iniciou no século passado e que vem assumindo, em nossos dias, atitudes violentas, não raro contaminadas de radicalismo ideológico.8 Por outro lado, à ideia, sempre renovada, de que o povo tem o poder criador e a soberania em matéria de linguagem associa-se, naturalmente, outra — a de considerar elemento perturbador ou estéril a interferência da força conservadora ou repressiva dos setores cultos. Contra essa concepção demolidora do edifício gramatical, pacientemente construído desde a época alexandrina com base na analogia, levantam-se al­ guns linguistas modernos, procurando fundamentar a correção idiomática em fatores mais objetivos. Dessa nova linha de preocupações foi precursor Adolf Noreen, o linguista sueco a cujas ideias geniais hoje se começa a fazer justiça.9 Para Noreen há três critérios principais de correção, por ele denominados histórico-literário, histórico-natural e racional, o último, obviamente, o seu preferido. De acordo com o critério histórico-literário, “a correção estriba-se essencial­ mente em conformar-se com o uso encontrado nos escritores de uma época 8 Veja-se, a propósito, Angel Rosenblat. El critério de corrección lingiiística: unidad y pluralidad de normas en el espanol de Espana y América. Separata de P.I.L.E.I. El Simposio de Indiana. Bogotá, Instituto Caro y Cuervo, 1967, p. 27. Consulte-se também Celso Cunha. Língua portuguesa e realidade brasileira, 8.a ed. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1981, p. 35-39, texto em parte aqui reproduzido. Leiam-se Björn Collinder, Les origines du structuralisme, Stockholm - Göteborg - Up­ sala, Almqvist 8t Wiksell, 1962, p. 6 e ss.; Bertil Malmberg. Les nouvelles tendances de la linguistique, trad. por Jacques Gengoux. Paris, P.U.F., 1966, p. 42, 52-55, 130, 184-186, 197, 279. 5 6 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O pretérita”, em geral escolhida arbitrariamente. É o critério tradicional de correção, fundado no exemplo dos clássicos, O segundo critério, o histórico-natural de Noreen e que Jespersen prefere chamar anárquico, baseia-se na doutrina, a que nos referimos, de que a linguagem é um organismo que se desenvolve muito melhor em estado de completa liber­ dade, sem entraves. Dentro desse ponto de vista não pode haver, em princípio, nada correto ou incorreto na língua. Depois de deixar patente o caráter arbitrário do primeiro critério e o absurdo do segundo, se levado a suas naturais consequências, Noreen tenta justificar o único que resta, o dele Noreen, expresso na fórmula: “o melhor é o que pode ser apreendido mais exata e rapidamente pela audiência presente e pode ser produzido mais facilmente por aquele que fala”; ou no enunciado mais sintéti­ co de Flodstrõm: “o melhor é a forma de falar que reúne a maior simplicidade possível com a necessária inteligibilidade.”10 Jespersen considera a fórmula de Noreen oportunista, individualista, atomística, “pois que divide demasiado a comunidade linguística em indivíduos particulares e olvida excessivamente o conjunto”11. Em nome de que princípio se corrige, então, o falar de uma pessoa? Por que uma criança aprende de seus pais que não deve dizer sube por soube, fazerei por farei e, à medida que vai crescendo em anos, continua a ter o seu comportamento linguístico ora corrigido por outros, ora por esforço próprio? Para Jespersen nenhum dos critérios anteriormente lembrados — e enumera sete: o da autoridade, o geográfico, o literário, o aristocrático, o democrático, o lógico e o estético — o explica. É evidente, no entanto, que existe algo que justifica a correção, “algo comum para o que fala e para o que ouve”, e que lhes facilita a compreensão. Este elemento comum é “a norma linguística que ambos aceitaram de fora, da comunidade, da sociedade, da nação”12. Todo o nosso comportamento social está regulado por normas a que deve­ mos obedecer, se quisermos ser corretos. O mesmo sucede com a linguagem, apenas com a diferença de que as suas normas, de um modo geral, são mais complexas e mais coercitivas. Por isso, e para simplificar as coisas, Jespersen define o “linguisticamente correto” como aquilo que é exigido pela comunidade linguística a que se pertence. O que difere é o “linguisticamente incorreto”. Ou, com suas palavras: “falar correto significa o falar que a comunidade espera, e eno em linguagem equivale a desvios desta norma, sem relação alguma com o Citados por Otto Jespersen. Humanidad, nación, individuo, desde el punto de vista lingüístico, trad. por Fernando Vela. Buenos Aires, Revista de Occidente, 1947,p. 113 e 114. 11 Obra cit., p. 120. 13 Ibid., p. 120 e ss. CONCEITOS GERAIS valor interno das palavras ou formas.” Reconhece, porém, que, independente­ mente disso, “existe uma valorização da linguagem na qual o seu valor se mede com referência a um ideal linguístico”, para cuja formação colabora eficazmente a “fórmula energética de que o mais facilmente enunciado é o que se recebe mais facilmente”13. Entre as atitudes extremadas — dos que advogam o rompimento radical com as tradições clássicas da língua e dos que aspiram a sujeitar-se a velhas normas gramaticais — , há sempre lugar para uma posição moderada, termo médio que represente o aproveitamento harmônico da energia dessas forças contrárias e que, a nosso ver, melhor consubstancia os ideais de uma sã e eficaz política educacional e cultural dos países de língua portuguesa. “Na linguagem é importante o polo da variedade, que corresponde à expres­ são individual, mas também o é ò da unidade, que corresponde à comunicação interindividual e é garantia de intercompreensão. A linguagem expressa o indivíduo por seu caráter de criação, mas expressa também o ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição, de aceitação de uma norma, que é ao mesmo tempo histórica e sincrônica: existe o falar porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem ‘línguas’ como entidades históricas e como sistemas e normas ideais, porque a linguagem não é só expressão, finalidade em si mesma, senão também comunicação, finalidade instrumental, expressão para outro, cultura objetivada historicamente e que transcende ao indivíduo.”14 A hipótese da “linguagem monolítica” não se assenta numa realidade, e a sua corporificação nas gramáticas não tem sido benéfica ao ensino dos diversos idiomas. “Sem nenhuma dúvida”, escreve Roman Jakobson, “para qualquer co­ munidade linguística, para todo indivíduo falante existe uma unidade de língua, mas esse código global representa um sistema de subcódigos em comunicação recíproca; cada língua abarca vários sistemas simultâneos, cada um dos quais se caracteriza por uma função diferente”.15 Se uma língua pode abarcar vários sistemas, ou seja, as formas ideais de sua realização, a sua dinamicidade, o seu modo de fazer-se, pode também admitir várias normas, que representam modelos, escolhas que se consagraram dentro das possibilidades de realizações de um sistema linguístico. Mas — pondera ,s Ibid., p. 178. " Eugênio Coseriu. La geografia linguística. Montevideo. Universidad de la República, 1956, p. 44-45. A propósito, consultem-se também os magistrais estudos do autor: Sistema, normay habla e Determinación y entorno, agora enfeixados no volume Teoria dei lenguaje y lingiiística general. Madrid, Gredos, 1962, p. 11-113 e 282-323. 15 Closing Statement: Linguistics and Poetics. In Style in Language. Edited by Thomas A. Sebeok. New York-London, M.I.T. & John Wiley, 1960, p. 352. 7 8 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Eugênio Coseriu, o lúcido mestre de Tübingen — se“é um sistema de realizações obrigatórias, consagradas social e culturalmente” a norma não corresponde, como pensam certos gramáticos, ao que se pode ou se deve dizer, mas “ao que já se disse e tradicionalmente se diz na comunidade considerada”16. A norma pode variar no seio de uma mesma comunidade linguística, seja de um ponto de vista diatópico (português de Portugal / português do Brasil / português de Angola), seja de um ponto de vista diastrático (linguagem culta / linguagem média / linguagem popular), seja, finalmente, de um ponto de vista diafásico (linguagem poética / linguagem da prosa).17 Este conceito linguístico de norma, que implica um maior liberalismo gra­ matical, é o que, em nosso entender, convém adotarmos para a comunidade de fala portuguesa, formada hoje por sete nações soberanas, todas movidas pela legítima aspiração de enriquecer o patrimônio comum com formas e construções novas, a patentearem o dinamismo do nosso idioma, o meio de comunicação e expressão, nos dias que correm, de mais de cento e cinquenta milhões de indivíduos. “Não se repreende de leve num povo o que geralmente agrada a todos”, disse com singeleza o poeta Gonçalves Dias. Com efeito, por cima de todos os critérios de correção — aplicáveis nuns casos, inaplicáveis noutros — paira o da aceitabilidade social, a consiietudo de Varrão, o único válido em qualquer circunstância. É justamente para chegarem a um conceito mais preciso de “correção” em cada idioma que os linguistas atuais vêm tentando estabelecer métodos que possibilitem a descrição minuciosa de suas variedades cultas, seja na forma falada, seja na escrita. Sem investigações pacientes, sem métodos descritivos aperfeiçoados nunca alcançaremos determinar o que, no domínio da nossa língua ou de uma área dela, é de emprego obrigatório, o que é facultativo, o que é tolerável, o que é grosseiro, o que é inadmissível; ou, em termos radicais, o que é e o que não é correto. 16 Sincronia, diacronía e historia: elproblema dei cambio linguístico, 2.“ ed. Madrid, Credos, 1973, p. 55. 17 Veja-se Celso Cunha. Língua, nação, alienação. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, p. 73-74 ess. Capítulo 1 Do latim ao português atual 0 LATIM E A EXPANSÃO ROMANA A língua portuguesa provém do latim, que se entronca, por sua vez, na grande família das línguas indo-europeias, representada hoje em todos os continentes. De início, simples falar de um povo de cultura rústica, que vivia no centro da Península Itálica (o Lácio), a língua latina veio, com o tempo, a desempenhar um extraordinário papel na história da civilização ocidental, “menos por suas virtudes intrínsecas do que pelo êxito político do povo que dela se servia”.1 Foram as vitórias de seus soldados e o espírito de organização de seus homens de governo que estenderam e, em parte, consolidaram o enorme império, que, no auge de sua expansão, ia da Lusitânia à Mesopotâmia, e do Norte da África à Grã-Bretanha. Enumeremos, cronologicamente, as conquistas que dilataram de tal forma os domínios do Império Romano. Até meados do IV século antes de Cristo, os romanos pouco haviam ampliado as fronteiras do antigo Lácio. Foi com a guerra contra os samnitas, iniciada em 326 a.C. e terminada com a decisiva batalha de Sentino (295 a.C.), que come­ çou a irresistível penetração romana na parte meridional da Península Itálica, concluída em 272 a.C., com a anexação de Tarento. Principia, então, o longo período das conquistas externas. Sucessivamente, vão sendo subjugados os territórios da Sicília (241 a.C.), da Sardenha e da 1 Edouard Bourciez. Éléments de Linguistique romane. 4e éd. Paris: Klincksieck, 1946, p. 26. Com razão, afirma Antoine Meillet: “A história política de Roma e a história da civilização romana explicam a história da língua latina.” (Esquisse d’une histoire de la langue latine. 3e éd. Paris: Hachette, 1933, p. 5.) 10 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Córsega (238 a.C.)> da Ilíria (229 a.C), da costa este e sul da Península Ibérica (218-197 a.C.), dos reinos helenísticos do Oriente (200-168 a.C.), da Gália Cisalpina (191 a.C.), da Ligúria (154 a.C.), de Cartago e Norte da África (146 a.C.), da Macedônia e da Grécia (146 a.C.), da Gália Narbonense (118 a.C.), da Gália do Norte (50 a.C.), da Mésia (29 a.C.), do Noroeste da África (25 a.C.), do resto da Península Ibérica (19 a.C.), da Nórica (16 a.C.), da Récia (15 a.C.), da Panônia (10 d.C), do resto da Mauritânia (42 d.C), da Bretanha (43 d.G), da Trácia (46 d.C.), da Dácia (107 d.C.), da Arábia Petreia, da Armênia e da Mesopotâmia (107 d.C.). Com a anexação da Dácia (Romênia) e, sem caráter permanente, dessas regiões da Ásia Menor, o Império atingia, sob o governo de Trajano, o máximo de sua expansão geográfica. Ao mesmo tempo que estendiam os seus domínios, os romanos levavam para as regiões conquistadas os seus hábitos de vida, as suas instituições, os padrões de sua cultura. Em contato com outras terras, outras gentes e outras civilizações, ensinavam, mas também aprendiam. Aprenderam, por exemplo, muito com os gregos, e isso desde épocas antigas, através dos etruscos e, principalmente, das colônias helénicas do Sul da Itália, que formavam a Magna Grécia. Lívio Andrônico, o primeiro que tentou elevar à altura de língua poética aquele rude idioma de agricultores e pastores, que era então o latim, procurou diretamente em Homero e nos trágicos gregos os modelos para suas experiências de tra­ dução e adaptação literárias. Ele próprio era um grego de Tarento. E, na sua trilha, Plauto, Ênio, Névio e todos os que, pioneiramente, se impuseram a árdua tarefa de criar obras de arte na língua nacional não deixaram de inspirar-se nos estimulantes exemplos da Hélade, cuja influência vai ampliar-se mais ainda, a partir de 146 a.G, quando, vencida pelas armas, acabou dominando pelo espírito o cruel vencedor. “Graecia capta ferwn victorem cepit et artes Intulit agresti Latio”,2 LATIM LITERÁRIO E LATIM VULGAR Desde o século III a.C., pois, sob a benéfica influência grega, o latim es­ crito com intenções artísticas foi sendo progressivamente apurado até atingir, no século I a.C., a alta perfeição da prosa de Cícero e César, ou da poesia de Vergílio e Horácio. Em consequência, acentuou-se com o tempo a separação entre essa língua literária, praticada por uma pequena elite, e o latim corrente, : Entenda-se: “A Grécia subjugada subjugou o cruel vencedor e introduziu as artes no agreste Lácio.” DO L A T I M AO P O R T U G U Ê S A T U A L a língua usada no colóquio diário pelos mais variados grupos sociais da Itália e das províncias. Tal diferença era já sentida pelos romanos que opunham ao conservador latim literário ou clássico (sermo litterarius) o inovador latim vulgar (sermo vulgaris), compreendidas nesta denominação as inúmeras variedades da língua falada,3 que vão do colóquio polido às linguagens profissionais, e até às gírias (sermo quotidianus, urbanus, plebeius, rusticus, ruralis, pedestris, castrensis, etc.). Foi esse matizado latim vulgar que os soldados, colonos e funcionários roma­ nos levaram para as regiões conquistadas e, sob o influxo de múltiplos fatores, diversificou-se com o tempo nas chamadas línguas românicas. AS LÍNGUAS ROMÂNICAS Se dos gregos os romanos foram discípulos atentos, dos outros povos ven­ cidos souberam ser eles os mestres imitados. Não só na Itália, mas também na Gália, na Hispânia, na Récia e na Dácia, as tribos mais diversas cedo assimi­ laram os seus costumes e instituições, adotaram como própria a língua latina, romanizaram-se. É fácil concluir que, falado em tamanha área geográfica, por povos de raças tão diversas, o latim vulgar não poderia conservar a sua relativa unidade, já precária como a de toda língua que serve de meio de comunicação a vastas e variadas comunidades de analfabetos. Nos centros urbanos mais importantes, o ensino do latim difundia o padrão literário e, com isso, retardava até certo ponto os efeitos das forças de diferen­ ciação. Mas no campo ou nas vilas e aldeias a língua, sem nenhum controle normativo, ia voando com suas próprias asas. A partir do século III da nossa era, podemos dizer que a unidade linguística do Império não mais existia, embora continuassem os contatos políticos entre as suas diversas partes, interligadas por uma certa comunidade de civilização.4É o que se entende por Romania, em contraste com Barbaria, as regiões habitadas por outros povos. 3 A denominação latim vulgar, embora um tanto imprópria, tornou-se termo técnico da linguística. Por ela devemos entender, de acordo com B. E. Vidos, “a língua falada por todas as camadas da população e em todos os períodos da latinidade”. (Memuale de linguística romanza. Traduzione dallblandese di G. Francescato. Firenze: Olschki, 1959, p. 201.) ■l Vj. Georges Straka. Observations sur la chronologie et les dates de quelques modifica­ tions phonétiques en roman et en français prélittéraire. In: Revue des Langues Romanes. Montpellier, 1953, p. 307; Idem, La dislocation linguistique de la Romania et la formation des langues romanes à la lumière de la chronologie relative des changements phonétiques. In: Revue de Linguistique Romane, XX, 1956, p. 249-267. 11 12 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Alguns fatos históricos vieram contribuir para ativar o processo de dialetalização. Enumeremos os principais. Desde 212, o edito de Caracala estendera o direito de cidadania a todos os indivíduos livres do Império, com o que Roma e a Itália perderam a situação privilegiada que desfrutavam. Diocleciano, que governou de 284 a 305, instituiu a obrigatoriedade do latim como língua da administração. Mas, contraditoriamente, anulou os efeitos dessa medida unificadora ao descentralizar política e administrativamente o Império em doze dioceses, caminho aberto para o aguçamento de nacionalismos regionais e locais.5Não sendo mais capital, Roma deixou, consequentemente, de exercer a função reitora da norma linguística. Em 330, Constantino, que se tornara defensor do Cristianismo, transferiu a sede do Império para Bizâncio, a nova Constantinopla. Com a morte de Teodósio em 395, o vasto domínio foi dividido entre os seus dois filhos, cabendo a Honório o Ocidente, e a Arcádio o Oriente. O Império do Oriente teve vida longa. Conservou-se até 1453. O do Ocidente, porém, depois de sucessivas invasões de hunos, visigodos, ostrogodos, burguinhões, suevos, alanos e vândalos, sucumbe em 476, quando Odoacro des­ trona o imperador fantoche Romulus Augustus, apelidado com o diminutivo Augustulus, “Augustinho”. As forças linguísticas desagregadoras puderam então agir livremente, e de tal forma que, em fins do século V, os falares regionais já estariam mais próxi­ mos dos idiomas românicos do que do próprio latim. Começa então o período do romance ou romanço, denominação que se dá à língua vulgar nessa fase de transição que termina com o aparecimento de textos redigidos em cada uma das línguas românicas: francês (séc. IX), espanhol (séc. X), italiano (séc. X),6 sardo (séc. XI), provençal (séc. XII), rético (séc. XII), catalão (séc. XII, ou princípios* “O Império foi então dividido em doze dioceses, e é uma coisa surpreendente ver nascer nesse momento as nacionalidades modernas: houve uma África, uma Espanha, uma GrãBretanha, duas Franças (a de Trèves e a de Viena), duas Itálias (a de Milão e a de Roma).” (André Piganiol. Histoire de Rome. Paris, 1939, p. 446.) * O primeiro texto em que o vulgar italiano aparece conscientemente contraposto ao latim é uma carta capuana de 960 (vj. Bruno Migliorini. Storia delia lingua italiana. Firenze: Sansoni, 1960, p. 93). Em 1924, porém, Luigi Schiaparelli descobriu o texto de uma adi­ vinha popular (o chamado “Indovinello Veronese”), de fins do séc. VIII ou princípios do séc. IX, que pode ser considerado o mais antigo monumento redigido em um dialeto românico. Sobre os numerosos problemas que encerra o precioso códice da Biblioteca Capitolare di Verona, leia-se o informativo estudo de Matilde Matarazzo Gargiulo, O “Indovinello Veronese”. Estudos em homenagem a Cândido Jucá (filho). Rio de Janeiro [s. d.], p. 147-158. DO L A T I M AO P O R T U G U Ê S A T U A L do séc. XIII), português (séc. XIII), franco-provençal (séc. XIII), dálmata (séc. XIV) e romeno (séc. XVI). A ROMANIZAÇÃO DA PENÍNSULA Os romanos chegaram à Península Ibérica no século III a.C, por ocasião da 2a Guerra Púnica, mas só conseguiram dominá-la por completo, ao fim de longas e cruentas lutas, em 19 a.C., quando Augusto venceu a resistência dos altivos povos das Astúrias e da Cantábria. Muito pouco se sabe das antigas populações ibéricas. No início da romanização habitava a Península uma complexa mistura racial: celtas, iberos, púnico-fenícios, lígures, gregos e outros grupos mal identificados. Das línguas desses povos quase nada conservaram os idiomas hispânicos. Com relativa segurança, atribui-se origem pré-romana apenas a uns quantos sufixos — como -arra (bocarra), -orro (beatorro), -asco (penhasco) e -ego ( borre­ go) — e algumas palavras de significação concreta: arroio, balsa, barro, braga(s), carrasco, gordo, lama, lança, lousa, manteiga, tamuge, tojo, veiga, etc. A romanização da Península não se processou uniformemente. Das três províncias em que Agripa (27 a.C.) dividiu a Hispânia — a Tarraconense, cor­ respondente à antiga Hispânia Citerior, a Bética e a Lusitânia, desmembradas da Hispânia Ulterior — foi a Bética a que mais cedo assimilou a civilização romana. No alvorecer da nossa era, o geógrafo grego Estrabão testemunhava que “os turdetanos, especialmente os que habitavam as margens do Bétis, haviam adotado os costumes romanos, e até já nem se lembravam da própria língua”. E acrescentava: “Não falta muito para que todos se convertam em romanos.”7 Por esse tempo, nas outras províncias a romanização estava atrasada. Nas regiões do Norte, em terras da Galiza, das Astúrias e da Cantábria, ainda não se fazia sentir a presença de Roma: os seus habitantes conservavam intactos os rudes costumes transmitidos através de gerações que se perdiam na noite dos séculos. Em 216, a Gallaecia et Asturia, que desde a época de Antonino Pio era uma subdivisão militar e financeira da antiga Hispânia Citerior, tornou-se uma pro­ víncia à parte, com o nome de Nova Hispania Citerior Antoniniana. Compreendia então o Noroeste peninsular até a Cantábria. Com a reforma de Diocleciano, todas essas províncias — e mais a Baleárica, a Tingitana e a Cartaginense, destacada da Tarraconense — passaram a constituir a diocese da Hispânia, que dependia da prefeitura das Gálias. Cf. Rafael Lapesa. Historia de la lengua espanola. 5. ed. Madrid: Escelicer, 1962, p. 41. 13 NOVA G RA MAT I CA DO P O R T U G U Ê 5 C O N T E M P O R  N E O LÍNGUAS ROMÂNICAS ITALIANO 14 »! DO L A T I M AO P O R T U G U Ê S A T U A L 16 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O DOMÍNIO VISIGÓTiCO Tal a organização administrativa da Península, quando, em 409, foi invadida por um grupo heterogêneo de povos germânicos — vândalos, suevos e alanos. Os alanos desapareceram rapidamente; os vândalos, depois de se haverem fbcado na Bética, transportaram-se, em 429, para a África, onde fundaram um reino, que durou cem anos; os suevos estabeleceram-se na Galécia e na Lusitânia, mas no século VI foram absorvidos pelos visigodos. Estes, que eram os mais civilizados dos povos germânicos, já mantinham antigos contatos com os romanos. Desde 425 estavam sediados na Aquitânia, ao sudoeste da Gália. Daí atravessaram os Pirineus e se estenderam por toda a Península, que iriam dominar durante dois séculos e meio. Os visigodos cedo se fundiram com a população românica. Três fatos con­ correram poderosamente para isso: a) a abolição da lei que proibia o casamento de godos com hispanos, ato de Leovegildo; b) a conversão, em 586, de Recaredo ao Cristianismo; c) o código, promulgado por Recesvindo em 654, que não mais distinguia os direitos das comunidades goda e hispana. Assim, quando Rodrigo, o último rei godo, não pôde deter, em 711, a invasão árabe, com ele ruía não apenas o império visigótico, mas o império romano-visigótico, que tinha como religião o Cristianismo e como língua o hispano-românico, legítimo continuador do latim vulgar. Excluindo os nomes próprios de pessoas e de lugares, a contribuição goda para a formação do léxico português não ascende a mais de quarenta termos,8 dos quais cerca de trinta se encontram em outras línguas românicas. Seguindo o exemplo de Gamillscheg, o professor Joseph M. Piei distribui por quatro grupos as palavras godas que se conservaram em português: Io) palavras de origem gótica que já pertenciam ao latim vulgar ou medieval: albergue, arrear, bramar, bando, elmo, espora, guarda, guerra, rapar, trégua; 2o) palavras comuns a todas as regiões primitivamente ocupadas pelos godos: aspa, espeto, espia, estala, garbo, mofo, mofino, roca, taco, ufanar-se; 3o) palavras peculiares à Península Ibérica e à França, ou à Península e à Itália: agasalhar, brotar, estaca, fato, roupa, sítio, triscar; 4o) palavras privativas dos idiomas ibero-românicos: aio, aia, aleive, enguiçar, escanção, ganso, guarecer, íngreme, luva, malado (arc.), tascar.9 s Cf. Joseph M. Piei. Opatrimônio visigodo da língua portuguesa. Coimbra, Coimbra Editora, 1942, p. 18. 1J Ibidem, p. 13-17. DO L A T I M AO P O R T U G U Ê S A T U A L O DOMÍNIO ÁRABE Movidas pela guerra santa, as tribos árabes conquistam o Norte da África e, em 711, desembarcam na Península. Sete anos depois, com exclusão do pe­ queno reino do Duque Teodomiro, que por meio século ainda conservou sua autonomia, e de alguns focos de resistência nas montanhas das Astúrias, de onde partiria o movimento de Reconquista, o domínio muçulmano cobria toda a anterior Espanha visigótica. “Os árabes, sírios e berberes que invadem a Península não trazem mulheres: casam com hispano-godas, têm escravas galegas e bascas. Entre os muçulmanos permanecem muitos hispano-godos, os moçárabes, conservadores do saber isidoriano: uns conseguem certa autonomia; os mais exaltados sofrem perseguições e martírio; outros se islamizam; mas todos influem na Espanha moura, onde se fala romance ao lado do árabe.”10 Com os árabes floresceram na Península as ciências e as artes: houve grande incremento da agricultura, da indústria e do comércio; introduziram-se inú­ meras palavras para designar novos e variados conhecimentos. Calcula-se em quatro mil o número de vocábulos espanhóis de origem árabe, excluídos os topônimos. Em português o léxico de proveniência árabe tem sido estimado entre quatrocentos e mil termos. As palavras portuguesas de origem árabe, quase todas substantivos, referem-se, em geral: a) à organização guerreira: acicate, adail, adarga, alcaide, alfange, alferes, algarada, aljava, ameia, arrebatar, atalaia, ronda, zaga, entre outras; b) à agricultura e à jardinagem: açafrão, açúcar, açucena, alcachofra, alecrim, alface, alfafa, alfazema, algodão, almécega, benjoim, berinjela, etc.; c) ao comércio, a pesos e medidas: aduana, armazém, arroba, quilate, quintal, etc.; d) a ofícios, cargos: adail, alfageme, alfaiate, algibebe, almocreve, almotacel, almoxarife, arrais, califa, emir, etc.; e) a instrumentos musicais: adufe, alaúde, anafil, arrabil, tambor, etc.; f) às ciências: álgebra, algoritmo, cifra, zénite, nadir, álcool, álcali, etc. Em alguns casos os árabes foram apenas os intermediários de palavras que haviam tomado a outras línguas. São, por exemplo, de origem grega: alambique, alcaparra, alfândega, alquimia, acelga e arroz; de origem sânscrita: alcanfor e xadrez; de origem persa: azul, escarlate, jasmim e laranja. Do próprio latim há uma série de palavras introduzidas sob forma arabizada: abricó, alcácer, albornoz, almude, alporão. 10 Rafael Lapesa. Op. cit., p. 95-96. 17 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O PORTUGUÊS PRIMITIVO Foi durante o domínio árabe que se acentuaram as características distintivas dos romances peninsulares. Na região que compreendia a Galiza e a faixa lusitana entre o Douro e o Minho constituiu-se uma unidade linguística particular que conservaria relativa homogeneidade até meados do século XIV — o galego-português. O galego-português, provavelmente, teria contornos definidos desde o século VI, mas é só a partir do século IX que podemos atestar a sua existência através de palavras que se colhem em textos de latim bárbaro.11 PERÍODOS EVOLUTIVOS DA LÍNGUA PORTUGUESA Datam do século XIII os primeiros documentos que chegaram até nós inte­ gralmente redigidos em galego-português. Inicia-se então a fase propriamente histórica de nossa língua, que, como todo idioma dotado de vitalidade, não se tem mantido uniforme nem no tempo, nem no espaço. Baseando-nos em parte numa conhecida periodização proposta pelo sábio linguista José Leite de Vasconcelos,12 distinguiremos as seguintes etapas na evolução do latim ao português atual: a) latim lusitânico, língua falada na Lusitânia, desde a implantação do latim até o século V; b) romance lusitânico, língua falada na Lusitânia, do século VI ao século IX, da qual, como da fase anterior, não temos nenhum documento escrito; c) português proto-histórico, língua falada na Lusitânia, do século IX até fins do século XII, e da qual podemos vislumbrar algumas características nas palavras intercaladas em textos do latim bárbaro; 11 Chama-se latim bárbaro a língua dos documentos forenses da Idade Média, em que, no texto latino, se inserem vocábulos do romance regional. 12 Cf. Lições de Filologia Portuguesa. 2. ed. Lisboa, Biblioteca Nacional, 1926, p. 16-17. Advirtase que Leite de Vasconcelos situava o começo da fase histórica da língua portuguesa em fins do século XII com fundamento em dois textos, originários do Mosteiro de Vairão, datados respectivamente de 1192 e 1193: o primeiro, um Auto de Partilhas dos bens herdados de seus pais pelos irmãos Sánchez; o segundo, o Testamento pelo qual Elvira Sánchez deixava todos os seus bens ao Mosteiro de Vairão. Estudo posterior do ilustre filólogo português Luís Filipe Lindley Cintra (Cf. Les anciens textes portugais non littéraires — dassement et bibliographie. In: Les anciens textes romans non littéraires. Paris, Klincksieck, 1963, p. 169-187), para o qual solicitou a ajuda de dois eminentes paleógrafos, Rui de Azevedo e o Padre Avelino Costa, veio provar que os textos em causa não passam de falsificações de fins do século XIII, ou mesmo do século XIV. DO L A T I M AO P O R T U G U Ê S A T U A L P 1 ✓ *4 . S Flavtobrkp f ____ °U\/tTTfRr Lucus (Oviedo)**- Pr.de Anebros ^ (^ntíaqo/;Lugo) ^ o Iria J . O a •BRAOr - (8Ä) -7 « /, Victotiacum íprla) <v : > ~ ....V..«C.... ü o Kl ' J— *. _ $00 ^ V.E& / 7&%9Ü^' \ D ertosop/ • Pr.Sacrum O VT OTurbala (Jèruel). s VALÊNCI/ * t>V C^_M^òdca + 0 T " G//v^ (Sevllha) Corduba (Córdova) <5 _ Gbuses- ^ „„.lasterio 5.ManJnl o< 0 rlÍ!»pàlís T xtfAHflMn àO Pax Julia Mirtilis Emporiaèp wOilerda \i cS E c ^emêríta (Mérida) ^ ^ -----^ (Saragoça) \ 0 ^ (l^ r'H ^(B A R C T O N /J ** ) /'riarraco ^ P —Seguntia (Toledo) UI & P Narbon«? eoS |v O Segobia (Segovia)/ / * ** ^fèl»hnra)005r3(HuKca) /? p «». Vj / .. * r __ "CT^RAUGUSTXq ° S r ,S ; TolosaJ 0 e' npvpat* - o ° (Leon);: (M// Aosturica 61^ c / Rr.Avarum (Bilbao) J (Alicante) Pr.Scofíibriaria ^V^y^ARTHAGp / (Cartagena) ^ VANDALlC'* ’i.Cbarídemi 6(G AD ÉSO , -^^M(M alàcâ aclU rrC_alpg^' âtagã) otóM^deü M a § ^ V ^ o \|°A b yla (Septa) A Península Ibérica no século V, depois de consolidado o domínio político dos invasores germânicos com a formação do Reino dos Suevos e dos Visigodos. A Península Ibérica no século X, no auge do domínio árabe através do Califado de Córdoba, com os cristãos confinados ao norte no Reino de Leão, Castela, Navarra, Urgelo e Condado de Barcelona. 19 20 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A Península Ibérica em meados do século X II, com os progressos da Reconquista Cristã. Portugal já ocupa uma faixa do Minho ao Tejo, depois da Tomada de Lisboa aos árabes por D. Afonso Henriques (1147). A Península Ibérica em meados do século XV. 0 domínio árabe reduzido ao Reino de Granada, que ruiria em 1492. Portugal depois da conquista do Algarve (1249) por D. Afonso I I I , havia atingido praticamente o território atual. DO L A T I M AO P O R T U G U Ê S A T U A L d) português arcaico, que vai de princípios do século XIII até a primeira metade do século XVI, quando a língua começa a ser codificada gramaticalmente;13 e) português moderno, que se estende da segunda metade do século XVI até os dias que correm. Os períodos arcaico e moderno da língua portuguesa comportam subdivi­ sões, como reconhecia o próprio Leite de Vasconcelos. Parece-nos particularmente aconselhável distinguir duas épocas no período compreendido entre o século XIII e a primeira metade do século XVI; uma, a do português arcaico propriamente dito, que abarcaria a língua dos séculos XIII e XIV; outra, a do português médio, que iria do século XV a fins da primeira metade do século XVI e representaria a fase de transição entre a antiga e a moderna do idioma. Com os descobrimentos marítimos dos séculos XV e XVI, os portugueses ampliaram enormemente o império de sua língua, levada que foi para os vastos territórios por eles conquistados na África, na América, na Ásia e na Oceânia. Ainda hoje, apesar das consideráveis perdas sofridas, o seu domínio político abarca mais de dez milhões de quilômetros quadrados, aproximadamente a sétima parte da Terra. É o português a língua oficial do Brasil, de Portugal, de Angola, de Cabo Verde, de Guiné-Bissau, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe, e de Timor Leste. Fora das regiões pertencentes ao domínio político de Portugal, do Brasil, das Repúblicas africanas e de Timor Leste, o português é falado em povoações espanholas da zona raiana, tal o caso de Ermisende, na província de Zamora; em Alamedilla, na província de Salamanca; em San Martin de Trevejo, Eljas, Valverde dei Fresno, Herrera de Alcântara e Cedillo, na província de Cáceres; em Olivenza e arredores, na província de Badajoz. Também nas áreas fronteiriças do Brasil a língua portuguesa tem penetrado em território de língua espanhola, formando não raro um dialeto misto, como o falado nos departamentos uru­ guaios de Artigas, Rivera, Cerro Largo, Salto e Tacuarembó.14 Não levando em linha de conta os usuários desses falares fronteiriços, nem os do crioulo de Surinam e do papiamento de Curaçau, que o têm por base, nem os do galego, sua covariante; abstraindo-nos também dos núcleos de imigrantes, por vezes consideráveis, como acontece nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, ainda assim o português é o meio natural de comunicação de mais 13 A primeira gramática de nossalíngua — a Graminatica da lingpagem portuguesa, de Fernão de Oliveira — foi impressa em Lisboa, 1536. 14 Este dialeto foi descoberto pelo sábio linguista José Pedro Rona, que dele nos deu uma excelente descrição em El dialecto “fronterizo”dei norte del Uruguay. Montevideo, Adolfo Linardi, 1965. 21 22 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O de duzentos milhões de pessoas, o que vale dizer situar-se entre as dez línguas mais faladas do mundo. A língua portuguesa no mundo -f . . , y ^ u • * * * * * o . *J—f*v *-*—, AfíÇ -V - A > * - e* ............... x: ^ F h ” V V V$- t*C\I.J.W iís. ./ t. x\ 1 }■& ' f \h yL ^ *•&* - ' 'f f > y d ly ^ } X Portugal _ r> ****' Madeira • Cabo Verde \ f I *VrCuiná Bissau / v vj •\À J t / S. Tomé Príncipe Brasil V,fVS > yV Macau ) I. > í:> V c , X.\\ Tc ■ / </ Moçambique V F " ’a i V*'C >Ùr> s X ^ v*f. U Cr'-»“ p - : - Ki* ^ Timorv -7 « \ r * ! ■'4 / V <>* /* X /•» Capítulo 2 Domínio atual da língua portuguesa UNIDADE E DIVERSIDADE Na área vastíssima e descontínua em que é falado, o português apresenta-se, como qualquer língua viva, internamente diferenciado em variedades que di­ vergem de maneira mais ou menos acentuada quanto à pronúncia, à gramática e ao vocabulário. Embora seja inegável a existência de tal diferenciação, não é ela suficiente para impedir a superior unidade de nosso idioma, fato, aliás, salientado até pelos dialectólogos. Com relação a Portugal, observa o professor Manuel de Paiva Boléo: “Uma pessoa, mesmo alheia a assuntos filológicos, que haja percorrido Portugal de norte a sul e conversado com gente do povo, não pode deixar de ficar impres­ sionada com a excepcional homogeneidade linguística do País e a sua escassa diferenciação dialectal — ao contrário do que sucede noutros países, quer de língua românica, quer germânica.”' Com referência à situação linguística do Brasil, escreve Serafim da Silva Neto: “Ê preciso ter na devida conta que unidade não é igualdade; no tecido linguístico brasileiro, há, decerto, gradações de cores. Minucioso estudo de campo deter­ minaria, com segurança, várias áreas. O que é certo, porém, é que o conjunto dos falares brasileiros se coaduna com o princípio da unidade na diversidade e da diversidade na unidade.”12 1 Manuel de Paiva Boléo e Maria Helena Santos Silva. O “Mapa dos dialectos e falares de Portugal Continental”. Boletim de Filologia, 20:85,1961. 2 Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil, 2.a ed. Rio de laneiro, MEC/INL, 1963, p. 271. 24 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O AS VARIEDADES DO PORTUGUÊS Excetuando-se o caso especial dos crioulos, que estudaremos adiante, temos, pois, de reconhecer esta verdade: apesar da acidentada história que foi a sua expansão na Europa e, principalmente, fora dela, nos distantes e extensíssimos territórios de outros continentes, a língua portuguesa conseguiu manter até hoje apreciável coesão entre as suas variedades por mais afastadas que se encontrem no espaço. A diversidade interna, contudo, existe e dela importa dar uma visão tanto quanto possível ordenada.3 OS DIALETOS DO PORTUGUÊS EUROPEU A faixa ocidental da Península Ibérica ocupada pelo galego-português apresenta-nos um conjunto de dialetos que, de acordo com certas características diferenciais de tipo fonético, podem ser classificados em três grandes grupos: a) DIALETOS galegos; b ) DIALETOS PORTUGUESES SETENTRIONAIS; C) DIALETOS PORTUGUESES CENTRO-MERIDIONAIS.J Esta classificação parece ser apoiada pelo sentimento dos falantes comuns do português-padrão europeu, isto é, dos que seguem a norma ou conjunto dos usos linguísticos das classes cultas da região Lisboa-Coimbra, e que distinguirão pela fala um galego, um homem do Norte e um homem do Sul. A distinção funda-se principalmente no sistema das sibilantes. 3 Veja-se, sobre o conjunto das variedades do português, a Bibliografia dialectal galegoportuguesa. Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1974. Sobre o português do Brasil, em particular, possuímos hoje uma bibliografia muito completa: Wolf Dietrich. Bibliografia da língua portuguesa do Brasil. Tübingen, Gunter Narr, 1980. 11 Quanto à classificação dialetal aqui adotada, veja-se Luís Filipe Lindley Cintra. Nova pro­ posta de classificação dos dialectos galego-portugueses. Boletim de Filologia, 22: 81-116, Lisboa, 1971. Entre as classificações anteriores, duas merecem realce particular: a de José Leite de Vasconcelos e a de Manuel de Paiva Boléo e Maria Helena Santos Silva. A de Leite de Vasconcelos, baseada na divisão de Portugal em províncias, é mais geográfica do que linguística. Foi publicada, inicialmente, no seu Mappa dialectologico do continente portu­ guês (Lisboa, Guillard, Aillaud, 1897), depois reproduzida na Esquisse d’une dialectologie portugaise (Paris-Lisboa, Aillaud, 1901; 2.a ed., com aditamentos e correções do autor, preparada por Maria Adelaide Valle Cintra, Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1970) e, com alterações, nos Opúsculos, IV, Filologia, parte II (Coimbra, 1929, p. 791-796). A de Manuel de Paiva Boléo e Maria Helena Santos Silva, exposta em: O “Mapa dos dialectos e falares de Portugal Continental” (Boletim de Filologia, 20:85-112, Lisboa, 1961), assenta-se em fatos linguísticos, principalmente fonéticos, que se fossem apresentados numa certa e possível hierarquização permitiriam talvez um mais claro agrupamento das variedades. D O M Í N I O A T U A L DA L Í N G U A P O R T U G U E S A Assim: 1. Nos dialetos galegos não existe a sibilante sonora /z/: rosa articula-se com a mesma sibilante [?] ou [s] (surda) de passo; fazer, com a mesma sibilante [0] ou [s] (surda) de caça. Inexiste também a fricativa palatal sonora [j] grafada em português; ou g (antes de e ou i). Em galego, hoxe tem a mesma fricativa [)) de enxada. 2. Nos dialetos portugueses setentrionais existe a sibilante ápico-alveolar [?], idêntica à do castelhano setentrional e padrão, em palavras como seis,passo. A ela corresponde a sonora [?] de rosa. Em alguns dialetos mais conservadores coexistem com estas sibilantes as prédorsodentais [s] (em cinco, caça) e [z] (em fazer), que, noutros dialetos, com elas se fundiram, provocando a igualdade da sibilante de cinco e caça com a que aparece em seis e passo, ou seja [?], bem como a da de fazer com a que se ouve em rosa, isto é [?]. 3. Nos dialetos portugueses centro-meridionais só aparecem as sibilantes prédorsodentais que caracterizam a língua padrão: a) a surda [s], tanto em seis epasso como em cinco e caça;5 b) a sonora [z], tanto em rosa como em fazer. As fronteiras entre as três zonas mencionadas atravessam a faixa galego-portuguesa de oeste a leste, ou, mais precisamente, no caso da fronteira entre dialetos portugueses setentrionais e centro-meridionais, de noroeste a sueste. Mas há outros traços importantes em que a referida distinção se fundamenta, sem que, no entanto, as suas fronteiras coincidam perfeitamente com as das características já indicadas. São eles: a) a pronúncia como [b] ou [|3] do v gráfico (emitido como labiodental na pronúncia padrão e na centro-meridional) na maior parte dos dialetos portugueses setentrionais e na totalidade dos dialetos galegos: binho, abó por vinho, avó; b) a pronúncia como africada palatal [tj] do ch da grafia (emitido como fricativa [J] na pronúncia padrão e em quase todos os dialetos centro-meridionais) na maior parte dos dialetos portugueses setentrionais e na totalidade dos dialetos galegos: tchave, atchar por chave, achar; D Pronúncia semelhante à do francês ou do italiano padrão, do castelhano meridional edo hispano-americano. 25 26 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Alguns traços fonéticos diferenciados dos dialetos galego-portugueses D O M Í N I O A T U A L DA L Í N G U A P O R T U G U E S A Classificação dos dialetos galego-portugueses 28 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 1. Entre moger (e outras formas em -er) e mugir, mojar e afins; 2. Entre úbere e amojo; 3. Entre anho e cordeiro; 4. Entre espiga e maçaroca; A primeira das formas citadas fica sempre ao Norte e a Oeste da segunda; 5. Área de recobrimento das formas mais arcaicas; 6. Área de almece; no resto do pais diz-se soro, exceto no Minho onde não se usa nenhuma designação. « . . . . . . '.W V .W * • 1 2 3 4 5 6 Alguns limites lexicais .-7 . -......... .... D O M Í N I O A T U A L DA L Í N G U A P O R T U G U E S A c) a monotongação ou não monotongação dos ditongos [ow] e [ej]: a pronúncia [o] e [e] desses ditongos (por exemplo: ôru por ouro, ferrêro por ferreiro) caracteriza os dialetos portugueses centro-meridionais e, no caso de [o], a pronúncia padrão perante os dialetos portugueses setentrionais e os dialetos galegos.6 Merecem menção especial — mesmo numa apresentação panorâmica dos dialetos portugueses — três regiões em que, a par dos traços gerais que acabamos de apontar, aparecem características fonéticas peculiares que afastam muito vincadamente os dialetos nelas falados de todos os outros do mesmo grupo. Trata-se, em primeiro lugar, de uma região (dentro da zona dos dialetos seten­ trionais) em que se observa regularmente a ditongação de [e] e [o] acentuados: pjeso por peso,pworto por porto. Abrange uma grande parte do Minho e do Douro Litoral, incluindo o falar popular da cidade do Porto e de seus arredores. Em segundo lugar, temos uma extensa área da Beira Baixa e do Alto Alentejo (compreendendo uma faixa pertencente aos dialetos setentrionais, mas, princi­ palmente, uma vasta zona dos dialetos centro-meridionais) em que se registra uma profunda alteração do timbre das vogais. Os traços mais salientes são: a) a articulação do u tônico como [ü] (próximo do u francês), por exemplo: [tü], ['müla], por tu, mula; b) a representação do antigo ditongo grafado ou por [õ] (também semelhante ao som correspondente do francês), por exemplo: [põka] por pouca; c) a queda da vogal átona final grafada -o ou sua redução ao som [d], por exemplo: cop {d), cop (d)s, por copo, copos; tüd (d) por tudo. Por fim, no ocidente do Algarve situa-se outra região em que se observam coincidências com a anteriormente mencionada, no que se refere às vogais. Em lugar de u, encontramos [ü]: [tü], ['müla] (mas o ou está representado por [o]). Por outro lado, o a tônico evolveu para um som semelhante ao o aberto: bata é pronunciado quase bota, alteração de timbre que não é estranha a alguns lugares da mencionada zona da Beira Baixa e Alto Alentejo, embora seja aí mais frequente a passagem, em determinados contextos fonéticos, de a a um som [á] semelhante a e aberto [e], por exemplo: afilhédo por afilhado, fumér por fumar. A vogal átona grafada o também cai ou se reduz a [d]: cop(d), cop(d)s,por copo, copos; tiid(d) por tudo. Com referência ao ditongo [ej], a pronúncia padrão e a de Lisboa (nestecaso uma ilhota de conservação ao sul) coincidem com os dialetos setentrionais na sua manutenção. Note-se contudo que, devido a um fenômeno de diferenciação entre os dois elementos do ditongo, este se transformou na referida pronúncia em [otj ]. 29 30 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Não são, porém, apenas traços fonéticos que permitem opor os diversos grupos de dialetos galego-portugueses. Se, no que diz respeito a particularidades morfológicas e sintáticas, a grande variedade e irregularidade na distribuição parece impedir um delineamento de áreas que as tome como base7, já no que se refere à distribuição do léxico podemos observar, ainda que num restrito número de setores e casos, certas regularidades. Não é raro, por exemplo, que os dialetos centro-meridionais se oponham aos setentrionais e aos galegos por neles se designar um objeto ou noção com um termo de origem árabe enquanto nos últimos permanece o descendente da palavra latina ou visigótica. É o caso da oposição altnece / soro (do queijo), ceifar / segar. Talvez ainda mais frequente seja a oposição lexical entre os dialetos do sul e leste de Portugal, caracterizados por inovações vocabulares de vários tipos, e os dialetos do noroeste e centro-norte, que, como os galegos, se distinguem pelo conservadorismo, pela manutenção de termos mais antigos na língua. É o caso da oposição de ordenhar a moger, mugir e arnojar, de amojo a úbere; de borrego a cordeiro e a anho; de chibo a cabrito; de maçaroca a espiga (de milho), etc. Advirta-se, por fim, que em relação a muitas outras noções é grande a va­ riedade terminológica na faixa galego-portuguesa, sem que se observe este ou qualquer outro esquema regular de distribuição. É que a distribuição dos tipos lexicais depende de numerosíssimos fatores, não só linguísticos, mas sobretudo histórico-culturais e sociais, que variam de caso para caso. A regularidade atrás observada parece depender, em alguns casos, da ação de um mesmo fator his­ tórico: a Reconquista aos mouros do Centro e do Sul do território português, movimento que teria criado o contraste entre uma Galiza e um Portugal do Noroeste para Oeste mais conservadores, porque de povoamento antigo, e um Portugal do Nordeste, Este e Sul mais inovador, justamente o que foi repovoado em consequência daquele acontecimento histórico.8Trata-se, aliás, de um con­ traste que tem o seu paralelo na história da arte. Ao Norte, resistência do estilo romântico, enquanto ao Sul, a partir do século XIII, se acentua progressiva mente a penetração e a expansão do estilo gótico.* Quando muito, poder-se-á dizer, por exemplo, que certos traços, como os perfeitos em -i da 1.“ conjugação (lavi por lavei, canti por cantei), são exclusivamente centro-meridionais. * Veja-se, a este respeito, principalmente, Luís F. Lindley Cintra. Áreas lexicais no território português. Boletim de Filologia, 20: 273-307, 1961; e Orlando Ribeiro. A propósito de áreas lexicais no território português. Boletim de Filologia, 21:177-205,1962-1963 (artigos reproduzidos em Luís F. Lindley Cintra. Estudos de dialectologia portuguesa. Lisboa, Sá da Costa, 1983, p. 55-94 e 165-202). D O M Í N I O A T U A I DA L Í N G U A P O R T U G U E S A OS DIALETOS DAS ILHAS ATLÂNTICAS Os dialetos falados nos arquipélagos atlânticos dos Açores e da Madeira representam — como era de esperar da história do povoamento destas ilhas, desertas no momento em que os portugueses as descobriram — um prolonga­ mento dos dialetos portugueses continentais. Considerando a maior parte das características fonéticas que neles se obser­ vam, pode-se afirmar, com maior precisão, que prolongam o grupo dos dialetos centro-meridionais. Com efeito, não se encontram nos dialetos açorianos e madeirenses nem o [?] ápico-alveolar, nem a neutralização da oposição entre [v] e [b], nem a africada [tj] dos dialetos setentrionais do continente. Quanto à monotongação dos ditongos decrescentes [ow] e [ej], observam-se as mesmas tendências da língua padrão: o ditongo [ow] reduz-se normalmente a [o], mas a redução de [ej] a [e] é fenômeno esporádico; só ocorre como norma na ilha de São Miguel. Esta ilha, assim como a da Madeira, constituem casos excepcionais dentro do português insular. Independentemente uma da outra, ambas se afastam do que se pode chamar a norma centro-meridional por acrescentar-lhe um certo número de traços muito peculiares. No que se refere à ilha de São Miguel, os mais característicos dentre os traços que afastam os seus dialetos dos das outras ilhas coincidem, curiosamente, com os traços que, na Península, distinguem a região da Beira Baixa e do Alto Alentejo (e também, parcialmente, com os que se observam no ocidente do Algarve): a) o u tônico é articulado como [ü]: tii, mula-, b) o antigo ditongo ou pronuncia-se como [õ]: põca, lõra; c) o a tônico tende para o o aberto [o]: quase bota por bata; d) a vogal final grafada -o cai ou reduz-se a [a]: cop(o), cop(o)s, tüd(o),põk(<?), por copo, copos, tudo, pouco. Quanto à ilha da Madeira, os seus dialetos apresentam características foné­ ticas singulares, que só esporadicamente (e não todas) aparecem em dialetos continentais. Assim, o u tônico apresenta-se ditongado em [aw], por exemplo: ['law a] por lua\ o i tônico em [aj], por exemplo: ['fajXa] por filha. Por outro lado, a consoante /, precedida de i, palatiza-se: [VocjÀa] por vila, ['fajXa] por fila (confundindo-se, portanto, desse modo fila com filha). OS DIALETOS BRASILEIROS Com relação ao extensíssimo território brasileiro da língua portuguesa, a insuficiência de informações rigorosamente científicas sobre as diferenças de na­ tureza fonética, morfossintática e lexical que separam as variedades regionais nele existentes não permite classificá-las em bases semelhantes às que foram adotadas 31 32 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O na classificação dos dialetos do português europeu. Deve-se reconhecer, contudo, que a publicação de dois atlas prévios regionais — o do Estado da Bahia9 e o do Estado de Minas Gerais101— e a anunciada impressão do já concluído Atlas dos falares de Sergipen, bem como a elaboração de algumas monografias dialetais, são passos importantes no sentido de suprir a lacuna apontada. Entre as classificações de conjunto, propostas em caráter provisório, sobreleva, pela indiscutível autoridade de quem a fez, a de Antenor Nascentes, fundada em observações pessoais colhidas em suas viagens por todos os estados do país. A base desta proposta reside — como no caso do português europeu — em diferenças de pronúncia. De acordo com Antenor Nascentes, é possível distinguir dois grupos de dialetos12 brasileiros — o do Norte e o do Sul — , tendo em conta dois traços fundamentais: a) a abertura das vogais pretônicas, nos dialetos do Norte, em palavras que não sejam diminutivos nem advérbios em -mente: pègar por pegar, correr por correr; b) o que ele chama um tanto impressionisticamente a “cadência” da fala: fala “cantada” no Norte, fala “descansada” no Sul. A fronteira entre os dois grupos de dialetos passa por “uma zona que ocupa uma posição mais ou menos equidistante dos extremos setentrional e meridional do país. Esta zona se estende, mais ou menos, da foz do rio Mucuri, entre Espírito Santo e Bahia, até a cidade de Mato Grosso, no estado do mesmo nome”13. Em cada grupo, distingue Antenor Nascentes diversas variedades a que chama subfalares. E enumera dois no grupo Norte: a) o amazônico ; b ) o nordestino ; “ Nelson Rossi. Atlas prévio dos falares baianos. Rio de Janeiro, MHC/INL, 1963. Iu José Ribeiro et alii. Esboço de um atlas linguístico de Minas Gerais. V.l. Rio de Janeiro, MEC/Casa de Rui Barbosa/UFJF, 1977. 11 Elaborado por Nelson Rossi, com a colaboração de um grupo de professores da Univer­ sidade Federal da Bahia. 12 Empregamos o termo dialeto pelas razões aduzidas no capítulo 1 e para mantermos o paralelismo com a designação adotada para as variedades regionais portuguesas. Ao que chamamos aqui dialeto Nascentes denomina subi-ai.ak. 13 Antenor Nascentes. O linguajar carioca, 2.a ed. completamente refundida. Rio de Janeiro, Simões, 1953, p. 25. Por ser quase despovoada, considerava ele incaracterística a área compreendida entre a parte da fronteira boliviana e a fronteira de Mato Grosso com Amazonas e Pará. D O M Í N I O A T U A L DA L Í N G U A P O R T U G U E S A Areas linguísticas do Brasil (divisão proposta por Antenor Nascentes) 33 34 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O e quatro no grupo Sul: a) o baiano ; b ) o fluminense; c) o mineiro ; d ) O SULISTA. Assinale-se, por fim, que as condições peculiares da formação linguística do Brasil revelam uma dialectalização que não parece tão variada e tão intensa como a portuguesa. Revelam, também, estas condições que a referida dialectalização é muito mais instável que a europeia. O PORTUGUÊS DE ÁFRICA, DA ÁSIA E DA OCEÂNIA No estudo das formas que veio a assumir a língua portuguesa em África, na dades: as crioulas e as não crioulas. As variedades crioulas resultam do contacto que o sistema linguístico por­ tuguês estabeleceu, a partir do século XV, com sistemas linguísticos indígenas. Talvez todas elas derivem do mesmo protocrioulo o u língua franca que, durante os primeiros séculos da expansão portuguesa, serviu de meio de comunicação entre as populações locais e os navegadores, comerciantes e missionários ao longo das costas da África Ocidental e Oriental, da Arábia, da Pérsia, da índia, da Malásia, da China e do Japão. Aparecem-nos, atualmente, como resultados muito diversificados, mas com algumas características comuns — ou, pelo me­ nos, paralelas — , que se manifestam numa profunda transformação da fonologia e da morfossintaxe do português que lhes deu origem. O grau de afastamento em relação à língua-mãe é hoje de tal ordem que, mais do que como dialetos, os crioulos devem ser considerados como línguas derivadas do português. Os crioulos de origem portuguesa na África, que são os de maior vitalidade, podem ser distribuídos espacialmente em três grupos: 1. Crioulos das ilhas do Golfo da Guiné: a) de São Tomé; b) do Príncipe; c) de Ano Bom (ilha que pertence à Guiné Equatorial). 2. Crioulos do arquipélago de Cabo Verde, com as duas variedades: a) de Barlavento, ao norte, usada nas ilhas de Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Sal e Boa Vista; b) de Sotavento, ao sul, utilizada nas ilhas de Santiago, Maio, Fogo e Brava. D O M Í N I O A T U A L DA L Í N G U A P O R T U G U E S A 3. Crioulos continentais: a) da Guiné-Bissau; b) de Casamance (no Senegal). a) b) c) d) Dos crioulos da Ásia subsistem apenas: o de Malaca, conhecido pelas denominações de papiâ cristão, malaqueiro, malaquês, malaquenho, malaquense, serani, bahasa geragau e português basu; o de Macau, macaísta ou macauenho, ainda falado por algumas famílias de Hong-Kong; o de Sri-Lanka, falado por famílias de Vaipim e Batticaloa; os de Chaul, Korlai, Tellicherry, Cananor e Cochim, no território da União Indiana. Na Oceânia, sobrevive ainda o crioulo de Tugu, localidade perto de Jacarta, na ilha de Java. 14 Quanto às variedades não crioulas, há que considerar não só a presença do português, que é a língua oficial das repúblicas de Angola, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe, mas as variedades faladas por uma parte da poprilação destes Estados e, também, de Goa, Damão, Diu e Macau, na Ásia, e Timor, na Oceânia. Trata-se de um português com base na variedade europeia, porém mais ou menos modificado, sobretudo pelo emprego de um vocabulário proveniente das línguas nativas, e a que não faltam algumas características próprias no aspecto fonológico e gramatical. Estas características, no entanto, que divergem de região para região, ainda não foram suficientemente observadas e descritas, embora muitas delas— prin­ cipalmente no que se refere a Angola, Cabo Verde e Moçambique — transpare­ çam na obra de alguns dos modernos escritores desses países. 15 N Sobre o estado atual dos crioulos portugueses, veja-se Celso Cunha. Língua, nação, alienação. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, p. 37-106, onde se remete à bibliografia especializada; veja-se, também, José Gonçalo Herculano de Carvalho. Deux langues créoles: le criôl du Cap Vert et 1e forro de S. Tomé. Biblos, 57:1-15, Coimbra, 1981. 15 Sobre a linguagem de um deles, do maior significado, o angolano Luandino Vieira, leiam-se: Michel Laban. L'œuvre littéraire de Luandino Vieira, tese de 3.° ciclo, apresentada em 1979 à Universidade de Paris-Sorbonne; eSalvato Trigo. Luandino Vieira, o logoteta. Porto, Brasília Editora, 1981. 35 Capítulo 3 Fonética e fonologia OS SONS DA FALA O s so n s d e n o ssa fala re su lta m q u a se to d o s d a ação d e c e rto s ó rg ã o s so b re a c o rre n te de a r v in d a d o s p u lm õ e s. P ara a su a p ro d u ç ã o , trê s co n d iç õ e s se fazem necessárias: a) a c o rre n te d e ar; b ) u m o b stá c u lo e n c o n tra d o p o r essa c o rre n te de ar; c) u m a caixa d e resso n ân cia. E stas c o n d iç õ e s são c ria d a s p elo s órgàos da fala, d e n o m in a d o s , e m seu c o n ju n to , aparelho fonador . O APARELHO FONADOR É c o n s titu íd o das seg u in tes p arte s: a) o s pulmões, os brônquios e a traqueia - ó rg ão s re sp ira tó rio s q u e fo rn e c e m a c o rre n te d e ar, m a té ria - p r im a da fo n ação ; b ) a laringe, o n d e se lo calizam as cordas vocais, q u e p ro d u z e m a e n erg ia s o n o ra u tiliz a d a n a fala; c) a s CAVIDADES SUPRA LARÍNGEAS (FARINGE, BOCA e FOSSAS NASAIS), q u e fu n c io n a m c o m o caixas de resso n ân cia, se n d o q u e a cav id ad e b u c a l p o d e v a ria r p ro fu n d a m e n te de fo rm a e de v o lu m e, graças aos m o v im e n to s do s ó rg ão s ativos, s o b re tu d o d a língua, que, d e tã o im p o rta n te n a fo n ação , se to r n o u s in ô n im o de “id io m a ”. 38 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Observação: Quase todos os sons de nossa fala são produzidos na expiração. A inspiração normalmente funciona para nós como um instante de silêncio, um momento de pausa na elocução. Línguas há, porém, como o hotentote, o zulo, o boximane e outros idiomas africanos, que apresentam uma série de consoantes articuladas na inspiração, os ruídos que se denominam c l i q u e s . Em português praticamos alguns c l i q u e s , mas sem valor fonético: o beijo, que é uma bilabial inspiratória; o muxoxo, um clique linguoalveolar; o estalido linguodental com que animamos o andar das cavalgadu­ ras; e uns poucos mais. Sobre o assunto consulte-se Rodrigo de Sá Nogueira. Temas de linguística banta: dos cliques em geral. Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1957. FUNCIONAMENTO DO APARELHO FONADOR O ar expelido dos pulmões, por via dos brônquios, penetra na traqueia e chega à laringe, onde, ao atravessar a glote, costuma encontrar o primeiro obstáculo à sua passagem. A glote, que fica na altura do chamado pomo de adão ou gogó, é a abertura entre duas pregas musculares das paredes superiores da laringe, conhecidas pelo nome de cordas vocais. O fluxo de ar pode encontrá-la fechada ou aberta, em virtude de estarem aproximados ou afastados os bordos das cordas vocais. N o primeiro caso, o ar força a passagem através das cordas vocais retesadas, fazendoas vibrar e produzir o som musical característico das articulações sonoras. N o segundo caso, relaxadas as cordas vocais, o ar se escapa sem vibrações laríngeas. As articulações produzidas denominam-se, então, surdas. A distinção entre sonora e surda pode ser claramente percebida na pronúncia de duas consoantes que no mais se identificam. Assim: /b/ [= sonoro ] /p/ [= surdo ] Ao sair da laringe, a corrente expiratória entra na cavidade faríngea, uma encruzilhada, que lhe oferece duas vias de acesso ao exterior: o canal bucal e o nasal. Suspenso no entrecruzar desses dois canais fica o véu palatino, órgão do­ tado de mobilidade capaz de obstruir ou não o ingresso do ar na cavidade nasal e, consequentemente, de determinar a natureza oral ou nasal de um som. Quando levantado, o véu palatino cola-se à parede posterior da faringe, deixando livre apenas o conduto bucal. A s articulações assim obtidas denomi­ nam-se orais (adjetivo derivado do latim os, oris, “a boca”). Quando abaixado, o véu palatino deixa ambas as passagens livres. A corrente expiratória então divide-se, e uma parte dela escoa-se pelas fossas nasais, onde adquire a resso­ nância característica das articulações, por este motivo, também chamadas nasais. FONÉTICA E FONOLOGIA (A LARINGE E AS CAVIDADES SUPRALARÍNGEAS) produção da fala co fã co TO c CO • T O t— uc c «TO o co co Ç L> (TO O «->• JS 3 U '€ TO 1. Cavidade nasal 2. Palato duro 3. Véu palatino 4. Lábios 5. Cavidade bucal 6. Língua »O TO O* 7. .O TO C Faringe oral 8. Epiglote 9. Abóbada palatina 10. Rinofaringe 11. Traqueia 12. Esôfago — »O TO O » e 13. Vértebras 14. Laringe 15. Pomo de adão '5 l co a; 16. Maxilar superior 17. Maxilar inferior 0 APARELHO FONADOR 39 40 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Compare-se, por exemplo, a pronúncia das vogais: /a/ [= oral] /ã/ [= nasalJ em palavras como: lá / lã mato / manto É, porém, na cavidade bucal que se produzem os movimentos fonadores mais variados, graças à maior ou menor separação dos maxilares, das bochechas e, sobretudo, à mobilidade da língua e dos lábios. CORDAS VOCAIS SOM E FONEMA Nem todos os sons que pronunciamos em português têm o mesmo valor no funcionamento de nossa língua. Alguns servem para diferenciar palavras que no mais se identificam. Por exemplo, em: erro a diversidade de timbre (fechado ou aberto) da vogal tônica é suficiente para estabelecer uma oposição entre substantivo e verbo. FO N ÉTICA E FONOLOGIA Na série: dia tia via fia mia pia temos seis palavras que se distinguem apenas pelo elemento consonântico inicial. Toda distinção significativa entre duas palavras de uma língua estabelecida pela oposição ou contraste entre dois sons revela que cada um desses sons re­ presenta uma unidade mental sonora diferente. Essa unidade de que o som é representação (ou realização) física recebe o nome de fonema . Correspondem, pois, a fonemas diversos os sons vocálicos e consonânticos diferenciadores das palavras atrás mencionadas. A disciplina que estuda minuciosamente os sons da fala, as múltiplas reali­ zações dos fonemas, chama-se fonética. A p a rte d a g ra m á tic a q u e e stu d a o c o m p o rta m e n to d o s fonemas n u m a lín g u a d e n o m in a -s e fonologia , fonemática ou fonémica . DESCRIÇÃO FONÉTICA E FONOLÓGICA A descrição dos sons da fala ( descrição fonética ), para ser completa, deveria considerar sempre: a) como eles são produzidos; b) como são transmitidos; c) como são percebidos. Sobre a impressão auditiva deveria concentrar-se o interesse maior da descri­ ção, pois é ela que nos deixa perceber a variedade dos sons e o seu funcionamento em representação dos fonemas. A descrição fonolOgica mal se compreende que não seja de base acústica. Acontece, porém, que a descrição do efeito acústico de um fonema não se faz com termos precisos, semelhantes aos que se usam para descrever os movi­ mentos dos órgãos que participam da produção de um som. Os progressos da fonética acústica são, aliás, relativamente recentes. 1 1 Data de 1952, com o trabalho Preliminaries to Speech Analysis, de R. Jakobson, C. G. M. Fant e M. Halle, a primeira tentativa convincente de uma classificação acústica dos fonemas. De então para cá, a utilização de uma nova aparelhagem e, principalmente, o esforço coordenado de foneticistas e engenheiros do som têm permitido progressos sensíveis no particular, de que nos dão mostras as penetrantes análises acústicas de Pierre Delattre, enfeixadas em Studies in French and Comparative Phonetics (London - The Ha­ gue - Paris, Mouton, 1966), e os estudos recentes sobre a fonética portuguesa de Maria 41 42 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A fonética fisiológica, de base articulatória, é uma especialidade antiga e muito desenvolvida, porque bem conhecidos são os órgãos fonadores e o seu funcionamento. Daí serem os fonemas frequentemente descritos e classificados em função das suas características articulatórias, embora se note, modemamente, uma tendência de associar a descrição acústica à fisiológica, ou de realizá-las paralelamente. TRANSCRIÇÃO FONÉTICA E FONOLÓGICA Para simbolizar na escrita a pronúncia real de um som usa-se um alfabeto especial, o alfabeto fonético . Os sinais fonéticos são colocados entre colchetes: [ ]. Por exemplo: ['kaw], pronúncia popular carioca, [ 'kal], pronúncia portuguesa normal e brasileira do Rio Grande do Sul, para a palavra sempre escrita cal. Os fonemas transcrevem-se entre barras oblíquas: / /. Por exemplo: o fonema /s/ pode ser representado ortograficamente por s, como em saco; por ss, como em osso; por c, como em cera; por ç, como em poço; por x, como em próximo; e pode ser realizado como [s], no português normal de Portugal e do Brasil, ou como [?], em regiões do Norte de Portugal e da Galiza, conforme se disse no capítulo 2 . ALFABETO FONÉTICO UTILIZADO Empregamos nas nossas transcrições fonéticas, sempre que possível, o Alfabeto Fonético Internacional. Tivemos, no entanto, de fazer certas adap­ tações e acrescentar alguns sinais necessários para a transcrição de sons de variedades da língua portuguesa para os quais não existe sinal próprio naquele Alfabeto.*2 Raquel Delgado Martins, principalmente Aspects de /’accent en portugais. Voyelles toniques et atones (Thèse de doctorat de troisième cycle, Strasbourg, 1977), publicada em Ham­ burger Phonetische Beiträge (Hamburg, Buske Verlag, 1982), e Sept études sur la perception. Accent et intonation du portugais (2.a ed., Lisboa, Laboratório de Fonética da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1983) e de Mirian Therezinha da Matta Machado, Étude articulatoire et acoustique des voyelles nasales du portugais de Rio de Janeiro (Thèse de doctorat de troisième cycle, Strasbourg, 1981 ). Os dois últimos trabalhos são dissertações policopiadas. 2 Nessas adaptações e acréscimos seguimos, em geral, o alfabeto fonético utilizado pelo grupo do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, encarregado da elaboração do Atlas linguístico-etnográfico de Portugal e da Galiza. FO N ÉTICA E FONOLOGIA Eis o elenco dos sinais aqui adotados: 1. Vogais: [ a ] português normal de Portugal e do Brasil: pá, gato português normal do Brasil: pedra, fazer [ a ] português normal de Portugal: cama, cana, pedra, fazer; português de Lisboa: lei, lenha português normal do Brasil: cama, cana [ e ] português normal de Portugal e do Brasil: pé, ferro [ e ] português normal de Portugal e do Brasil: medo, saber português normal do Brasil: regar, sedento [ 9 ] português normal de Portugal: sede, corre, regar, sedento [ o ] português normal de Portugal e do Brasil: pó, cola [ o ] português normal de Portugal e do Brasil: morro, força português normal do Brasil: correr, morar [ i ] português normal de Portugal e do Brasil: vir, bico português normal do Brasil: sede, corre [ u ] português normal de Portugal e do Brasil: bambu, sul, caro português normal de Portugal: correr, morar 2. Semivogais: [ j ] português normal de Portugal e do Brasil: pai, feito, vário [ w ] português normal de Portugal e do Brasil: pau, água 3. Consoantes: [ b ] português normal de Portugal e do Brasil: bravo (!), ambos português normal do Brasil: boi, aba, barba, abrir [ J3 ] português normal de Portugal: boi, aba, barba, abrir [ d ] português normal de Portugal e do Brasil: dar (!), andar português normal do Brasil: ida, espada [ ò ] português normal de Portugal: dar, ida, espada [ d’ ] português do Rio de Janeiro, de São Paulo e de extensas zonas do Brasil: dia, sede [d3 ] português popular do Rio de Janeiro e de algumas zonas próximas: dia, sede português dialectal europeu de zonas fronteiriças muito restritas: Jesus, jaqueta [ g ] português normal de Portugal e do Brasil: guarda (!), frango português normal do Brasil: guarda, agora, agrado 43 44 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O [y ] [p ] [t ] [ t’ ] [tj] [k ] [m] [n ] [ji ] [ 1] [1] [ X] [r ] [f ] [ R] [f ] [V ] [s] [z ] [s ] [ %] [0 ] [J ] [3 ] português normal de Portugal: guarda, agora, agrado português normal de Portugal e do Brasil: pai, caprino português normal de Portugal e do Brasil: tu, canto português do Rio de Janeiro, de São Paulo e de extensas zonas do Brasil: tio, sete português de extensas zonas do Norte de Portugal e de áreas não bem delimitadas de Mato Grosso e regiões circunvizinhas, no Brasil: chave, encher português popular do Rio de Janeiro e de algumas zonas próximas: tio, sete português normal de Portugal e do Brasil: casa, porco, que português normal de Portugal e do Brasil: mar, amigo português normal de Portugal e do Brasil: nada, cano português normal de Portugal e do Brasil: vinha, caminho português normal de Portugal e do Brasil: lama, calo português normal de Portugal e de certas zonas do Sul do Brasil: alto, Brasil português normal de Portugal e do Brasil: filho, lhe português normal de Portugal e do Brasil: caro, cores, dar português normal de várias regiões de Portugal, do Rio Grande do Sul e outras regiões do Brasil: roda, carro português normal de Portugal (principalmente de Lisboa), do Rio de Janeiro e de várias zonas costeiras do Brasil: roda, carro português normal de Portugal e do Brasil: filho, afiar português normal de Portugal e do Brasil: vinho, uva português normal de Portugal e do Brasil: saber, posso, céu, caça português normal de Portugal e do Brasil: azar, casa português de certas zonas do Norte de Portugal: saber, posso; e, noutras zonas, também: céu, caça português de certas zonas do Norte de Portugal: casa; e, noutras zonas, também: azar galego normal: céu, facer (port, fazer), caza (port, caça), azar português normal de Portugal e do Brasil: chave, xarope português normal de Portugal, do Rio de Janeiro e de algumas zonas costeiras do Brasil: este português normal de Portugal e do Brasil: já, genro português normal de Portugal, do Rio de Janeiro e de algumas zonas costeiras do Brasil: mesmo FONÉTICA E FONOLOGIA CLASSIFICAÇÃO DOS SONS LINGUÍSTICOS Os sons linguísticos classificam-se em vogais, consoantes e semivogais. VOGAIS E CONSOANTES 1. Do ponto de vista articulatório, as vogais podem ser consideradas sons for­ mados pela vibração das cordas vocais e modificados segundo a forma das cavidades supralaríngeas, que devem estar sempre abertas ou entreabertas à passagem do ar. Na pronúncia das consoantes, ao contrário, há sempre na cavidade bucal obstáculo à passagem da corrente expiratória. 2. Quanto à função silábica - outro critério de distinção - cabe salientar que, na nossa língua, as vogais são sempre centro de sílaba, ao passo que as con­ soantes são fonemas marginais: só aparecem na sílaba junto a uma vogal. SEMIVOGAIS Entre as vogais e as consoantes situam-se as semivogais, que são os fonemas /il e /u/ quando, juntos a uma vogal, com ela formam sílaba. Foneticamente estas vogais assilábicas transcrevem-se [j] e [w]. Exemplificando: Em riso ['rizu] e viu ['viw] o /i/ é vogal, mas em rei ['rej] e vário ['varju] é semivogal. Também é vogal o /u/ em muro ['muru] e rua ['rua], mas semivogal em meu ['mew] e quatro ['kwatru]. CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS 1. Segundo a classificação tradicional, de base fundamentalmente articulatória, as vogais da língua portuguesa podem ser: a) quanto à região de articulação anteriores ou palatais centrais ou médias posteriores ou velares abertas b) quanto ao grau de abertura semiabertas semifechadas fechadas orais c) quanto ao papel das cavidades bucal e nasal nasais 45 46 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O É de base acústica a classificação em: [ tônicas átonas 2. Tem-se difundido recentemente uma classificação das vogais com base em certo número de traços que são “distintivos” numa perspectiva fonológica ou fonemática, isto é, que apresentam características capazes por si só de opor um segmento fônico a outro segmento fônico. Por exemplo: o traço distintivo abertura, ligado, do ponto de vista fisiológico, à maior ou menor elevação ou altura da língua no momento da articulação, opõe só por si peso (substantivo) a peso (forma verbal) e a piso (substantivo ou verbo). A presença ou a ausência de cada traço é, neste tipo de classificação, assinalada pelos sinais matemáticos (+) e (-). Assim: /e/ de peso (verbo) será [+ baixo], e /e/ de peso (substantivo) será [- alto], mas também [- baixo], ao passo que li / de piso será [+ alto]. Por vezes, torna-se necessário mais do que um traço para descrever a opo­ sição entre duas vogais. Por exemplo, a oposição entre /a/ de carro e /o/ de corro implica a presença em /a/ de um traço distintivo — a maior abertura e correlativa menor altura da língua [+ baixo] — e a ausência de outro traço, o arredondamento dos lábios durante a articulação [- arredondado]. Os traços distintivos que devem ser considerados na classificação dos fonemas vocálicos portugueses dependem: a) da maior ou menor elevação da língua; b) do recuo ou avanço da região de articulação; c) do arredondamento ou não arredondamento dos lábios. De acordo com esta classificação, as vogais da língua portuguesa po­ dem ser: + altas a) quanto à maior ou menor elevação da língua - altas - baixas + baixas b) quanto ao recuo ou avanço da articulação + recuadas - recuadas c) quanto ao arredondamento ou não arredondamen­ + arredondadas to dos lábios - arredondadas FO N ÉTICA E FONOLOGIA ARTICULAÇÃO Dissemos que as vogais são sons que se pronunciam com a via bucal livre. Mas, como acabamos de ver ao apresentar os vários critérios de classificação, isto não significa que seja irrelevante para distingui-las o movimento dos diversos órgãos articulatórios. Pelo contrário. Esses critérios baseiam-se na diversidade de tal movimento. Assim: Ao elevarmos a língua na parte anterior da cavidade bucal, aproximando-a do palato duro, produzimos a série das vogais anteriores o u palatais, o u seja [ - recuadas]: [e]> [e], [i]. Ao elevarmos a língua na parte posterior da cavidade bucal, aproximando-a do véu palatino, produzimos a série das vogais posteriores o u velares, isto é, [+ recuadas]: [o], [o], [u]. Dentro da classificação tradicional, que considera a boca dividida em duas regiões (anterior e posterior), as vogais [a] e [a], articuladas com a língua baixa, em posição de repouso, são denominadas médias o u centrais. De acordo com a classificação mais recente, devem ser incluídas entre as [+ recuadas]. Também importante como elemento distintivo na articulação das vogais é a posição assumida pelos lábios durante a passagem da corrente de ar expirada. Podem eles dispor-se de modo tal que formem uma saída arredondada para essa corrente, e teremos a série das vogais [+ arredondadas]: [o ], [ o ] , [ u ], ou permanecer numa posição quase de repouso, e teremos a série das vogais [ - arredondadas]: [a], [e],[e],[i]. TIM BRE Para a distinção do timbre das vogais - qualidade acústica que resulta de uma composição do tom fundamental com os harmônicos - é ainda determinante, do ponto de vista articulatório, a forma tomada pela cavidade faríngea e, sobretudo, pela cavidade bucal, que funcionam como tubo de ressonância. 47 48 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A maior largura do tubo de ressonância, provocada principalmente pela menor elevação do dorso da língua em direção ao palato (quer duro, quer mole), produz as vogais chamadas abertas e semiabertas [+ baixas]: ABERTA fa] SEMIABERTAS [ g ] , [ o ]. O estreitamento do tubo de ressonância, causado principalmente pela maior elevação do dorso da língua, produz as vogais chamadas semifechadas [ - altas, - BAIXAS] e FECHADAS [+ ALTAS] I SEMIFECHADAS [e], [a], [o]. FECHADAS [iU u ]. INTENSIDADE E ACENTO A intensidade é a qualidade física da vogal que depende da força expiratória e, portanto, da amplitude da vibração das cordas vocais. As vogais que se en­ contram nas sílabas pronunciadas com maior intensidade chamam-se tónicas, porque sobre elas recai o acento tó n ico , que se caracteriza em português prin­ cipalmente por um reforço da energia expiratória. As vogais que se encontram em sílabas não acentuadas denominam-se átonas. VOGAIS ORAIS E VOGAIS NASAIS Finalmente, é de grande importância na produção e caracterização das vogais, do ponto de vista articulatório, a posição do véu palatino durante a passagem da corrente expiratória. Se, durante essa passagem, o véu palatino estiver levantado contra a parede posterior da faringe, as vogais produzidas serão orais: [i], [e], [e], [a], [o], [o], [u]. Se, pelo contrário, essa passagem se der com o véu palatino abaixado, uma parte da corrente expiratória ressoará na cavidade nasal e as vogais produzidas serão nasais: [i],[e],[a],[o],[u]. FONÉTICA E FONOLOGIA VOGAIS TÔNICAS ORAIS Para o português normal de Portugal e do Brasil é o seguinte o quadro das vogais orais em posição tônica: A n t e r io r e s ou P a l a t a is Fechadas Semifechadas Semiabertas M ou é d ia s C e n t r a is P o s t e r io r e s ou V ela r es + altas [u] [i] - altas [a] fe] [e] Aberta to] - baixas + baixas [0] ta] - recuadas + recuadas + recuadas - arredondadas - arrendondadas + arredondadas L. — Exemplos: l i / lê, peso (s.) /peso (v.), p é / pá, saco/soco, poça/possa, to d o / tudo. Observação: No português normal do Brasil a vogal [a] só aparece em posição tônica antes de consoante nasal. Por exemplo: cama ['kam a], cana [ 'k an a], sanha [ 's qjia]. Não ocorre nunca em oposição a [a] para distinguir segmentos fônicos de significado diverso. Do ponto de vista fonológico, funciona, pois, como variante do mesmo fonema, e não como fonema autônomo. No português europeu normal, [a], quando tônico, também aparece, na maioria dos casos, antes de consoante nasal, a exemplo de cama, cana e sanha. Mas nessa mesma situação tônica existe uma oposição de pequeno rendimento entre [a] e (a]. É a que se observa, nos verbos da l.a conjugação, entre as primeiras pessoas do plural do presente (ex.: amamos [a m am uj] e do pretérito perfeito do indicativo (ex.: amamos [a'm am uj]). Neste caso, temos, pois, de considerar a existência de fonemas diferentes. Além disso, no falar de Lisboa e de outras zonas de Portugal encontra-se [a] em sílaba tônica antes de semivogal ou de consoante palatal: rei 1'raj], tenho ['tajiu], telha ['taX a]. Advirta-se, por fim, que no português de Portugal, como veremos adiante, o fonema /a/em posição átona é normalmente realizado como [a]. VOGAIS TÔNICAS NASAIS Além das vogais orais que acabamos de examinar - correspondentes a oito fonemas no português normal de Portugal, e a sete no do Brasil-, possui o nosso 49 50 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O id io m a , ta n to n a su a v a ria n te p o rtu g u e s a c o m o n a b rasile ira , cin co vogais nasais, q u e p o d e m ser assim classificadas: A n t e r io r e s o u P a la t a is Fechadas Semifechadas M é d ia ou C en tr a l P o s t e r io r e s ou V ela r es [Û] [□ ] + altas -altas m [«1 [Õ] - recuadas + recuada + recuadas - arredondadas - arrendondada + arredondadas - baixas Exemplos: rim, senda, canta, lã, bomba, atum. Como se vê no quadro acima, as vogais nasais da língua portuguesa são sempre fechadas ou semifechadas. Só em variedades regionais aparecem vogais abertas ou semiabertas como as francesas. Observação: Do ponto de vista fonológico ou fonemático, as vogais nasais do português têm sido interpretadas como realizações dos fonemas orais correspondentes em contacto com um fonema consonântico nasal, que, acusticamente, é imperceptível ou quase imperceptível. Vejam-se J. Mattoso Câmara Jr. Para o estudo da fonêmica portuguesa, 2.a ed. Rio de Janeiro, Padrão, 1977, p. 67-72; Jorge Morais Barbosa. Les Voyelles nasales portugaises: interpretation phonologique. In Proceedings of the Fourth International Congress of Phonetic Sciences. The Hague, Mouton, 1962, p. 691-708; -------. Études de phonologie portugaise. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1965, p. 91-104; Maria Helena Mira Mateus. Aspectos da fonologia portuguesa, 2.a ed. Lisboa, INIC, 1982, p. 44-71 e 87-95. VOGAIS ÁTONAS ORAIS Em posição átona, o quadro das vogais orais do português apresenta di­ ferenças consideráveis em relação à posição tônica, diferenças que, por nem sempre coincidirem nas duas normas principais da língua, serão estudadas separadamente. 1. No português normal do Brasil, em posição átona não final, anulou-se a distinção entre [e] e [e], tendo-se mantido apenas [e] e [ij, na série das vogais anteriores ou palatais; paralelamente, anulou-se a distinção entre [d] FONÉTICA E FONOLOGIA e [o], com o que ficou reduzida a [o] e [u] a série das vogais posteriores ou velares. É , p o is , o s e g u in te o q u a d r o d a s v o g a is á to n a s e m p o s iç ã o n ã o fin a l a b s o lu ta , p a r ti c u la r m e n te e m p o s iç ã o A pretônica : n t e r io r e s o u P a la ta is Fechadas M é d ia o u C en t r a l P o s t e r io r e s ou V ela r es [i] Semifechadas [U] [e] Aberta [0 ] ta] Exemplos: ligar [li'gar], legar [le'gar], lagar [la'gar], lograr [lo'grar], lugar [lu'gar]; álamo ['alctmu], véspera ['vespera], cíclotron ['siklotron], diálogo [di'alugu]. 2. Em posição final absoluta, a série anterior ou palatal apresenta-se reduzida a uma única vogal [i], grafada e; e a série posterior ou velar também a uma só vogal [u], escrita o. Temos, assim, três vogais em situação postôn ica final absoluta : A n t e r io r ou P a la ta l Fechadas Aberta M é d ia ou C e n t r a l P o s t e r io r ou V e l a r tu] [i] ta ] Exemplos: tarde [Tardi], povo ['povu], casa ['kaza]. 3. No português normal de Portugal, em posição átona não final, também se anulou a distinção entre [e] e [e], mas, em lugar de qualquer destas vogais da série das anteriores ou palatais, aparece geralmente a vogal [d], média ou central, fechada [+ alta + recuada - arredondada], realização que não ocorre em posição tônica e é completamente estranha ao português do Brasil. A série fica, assim, representada apenas pela vogal [i]. Por outro lado, tendo desaparecido a distinção entre [o], [o] e [u], toda a série das vogais posteriores ou velares está hoje reduzida a [u], grafado o ou u. Finalmente, à vogal média 51 52 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O ou central [a], aberta, corresponde a vogal também média ou central, mas semifechada [a]3, grafada naturalmente a. O que foi dito pode ser expresso no seguinte quadro: A M n t e r io r o u P a la t a l Fechadas [i] P o s t e r io r éd ia s ou C e n t r a is oü [U] [3] Semifechada V êla r [a ] Exemplos: ligar [li'gar], legar [la'gar], lagar [la'gar], lugar [lu'gar], lograr [lu'grar]; álamo ['alam u ], véspera ['vejpera], diálogo [di'alugu]. 4. Em posição final absoluta, a série anterior ou palatal desaparece e em seu lugar surge a vogal já descrita [5], grafada e; e a série posterior ou velar reduz-se à vogal [u], escrita o. Donde o quadro: M P o s t e r io r é d ia o u P a la t a is Fechadas [e] Semifechada [a] — 1 -------- * Exemplos: tarde ['ta rd ô ],p o v o f'p o v L i], ou V ela r [u] 1 casa ['kaza]. Observação: Cumpre advertir que o fenômeno de redução, ou elevação, ou centralização das vogais átonas, que afastou o português europeu do português do Brasil, é um fato que seguramente só se generalizou em Portugal no decurso do século XVIII, embora dele haja claros indícios em séculos anteriores. Necessário é ainda ressaltar que algumas vogais átonas, por razões em geral rela­ cionadas com a história dos sons ou com a sua posição na palavra, não sofreram esta redução no português de Portugal. Assim aconteceu com as vogais que provêm: a) da crase entre duas vogais idênticas do português antigo; é o caso do [a] de padeiro (< paadeiro), do [e] de esquecer (< esqueecer), do [o] de corar (< coorar); 3 Veja-se o que dissemos sobre vogais tônicas. FO N ÉTICA E FONOLOGIA b) da monotongação de um antigo ditongo, como o [o] que se ouve na pronúncia normal de dourar, doutrina. Também não se reduziram as vogais átonas de cultismos, como o [a ] de actor, o le ] de director; o [o| de adopção, e bem assim o [o] inicial absoluto de ovelha, obter, opinião; o [e] inicial absoluto de enorme, erguer, que se pronuncia geralmente [i], e as vogais [a], [e], [o] protegidas por / implosivo de altar, delgado, soldado, colchão, Setúbal e amável. Finalmente, também não sofreram, em geral, redução as vogais tônicas de palavras simples nos vocábulos delas derivados, particularmente com os sufixos -mente ou -inho (-zinho): avaramente, brevemente, docilmente, docemente, pezinho, avezinha, amorzinho. Comparem-se, no entanto, casinha, mesinha, folhinha, com la ), [a] e (u). CLASSIFICAÇÃO DAS CONSOANTES 1. As consoantes da língua portuguesa, em número de dezenove, sâo tradicio­ nalmente classificadas em função de quatro critérios, de base essencialmente articulatória: oclusivas a) quanto ao modo de articulação, em fricativas constritivas laterais vibrantes bilabiais labiodentais b) quanto ao ponto de articulação, em linguodentais alveolares palatais velares c) quanto ao papel das cordas vocais, em surdas sonoras d) quanto ao papel das cavidades bucal e nasal, em orais nasais 53 54 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2. Recentemente, porém, difundiu-se, como para as vogais, outro sistema de classificação, com base em certos traços distintivos. Os traços que se têm em conta neste sistema relacionam-se também com características da articulação, mas nem sempre coincidem com os que estão na base da classificação anterior. Segundo o novo sistema classificatório, as consoantes podem ser: [+ contínuas] a) quanto ao modo de articulação [- contínuas] [+ laterais] [- laterais] [+ anteriores] b) quanto à zona de articulação [- anteriores] [+ coronais] [- coronais] c) quanto ao papel das cordas vocais [+ sonoras] [- sonoras] d) quanto ao papel das cavidades bucal e nasal [+ nasais] [- nasais] É de base mais acústica do que articulatória a classificação: e) quanto ao efeito acústico mais ou menos próximo ao de uma vogal [+ soante] [- soante] MODO DE ARTICULAÇÃO A articulação das consoantes não se faz, como a das vogais, com a passagem livre do ar através da cavidade bucal. Na sua pronúncia, a corrente expiratória encontra sempre, em alguma parte da boca, ou um obstáculo total, que a in­ terrompe momentaneamente, ou um obstáculo parcial, que a comprime sem, contudo, interceptá-la. No primeiro caso, as consoantes dizem-se oclusivas o u [ - continuas ]; no segundo, constritivas o u [+ contínuas ]. São oclusivas as consoantes [p], [b], [t], [d], [k], [g]: pala, bala, tala, dá-la, cala, gala. FO N ÉTICA E FONOLOGIA Entre as constritivas , distinguem-se as: 1. F ricativas, c a ra c te riz a d a s p ela p assag em d o a r atrav és d e u m a e stre ita fen d a fo rm a d a n o m e io da v ia b u c a l, o q u e p r o d u z u m r u íd o c o m p a rá v e l ao de u m a fricção. São fricativas as consoantes [f], [v], [s], [z], [J], [3]: fala, vala, selo {passo, céu, caça,próximo), zelo {rosa, exame), xarope {encher), já {gelo).4 2. L aterais, caracterizadas pela passagem da corrente expiratória pelos dois lados da cavidade bucal, em virtude de um obstáculo formado no centro desta pelo contacto da língua com os alvéolos dos dentes ou com o palato. São laterais as consoantes [1] e [X]: fila, filha. 3. V ibrantes, cara c te riz a d a s p elo m o v im e n to v ib ra tó rio rá p id o d e u m ó rg ão ativ o elástico (a lín g u a o u o v éu p a la tin o ), q u e p ro v o c a u m a o u v árias b r e ­ v íssim as in te rru p ç õ e s d a p assag em d a c o rre n te e x p ira tó ria . São vibrantes as consoantes [r] e [f] ou [r]: caro, carro. O bservação: Do ponto de vista acústico, as consoantes laterais e vibrantes têm em comum um traço que as opõe a todas as outras consoantes: a sua maior proximidade dos sons vocálicos, o que, em certas línguas, chega a ponto de poderem servir de centro de sílaba. Esta qualidade, reconhecida desde tempos antigos, trouxe-lhes as denominações de líquidas ou soantes. A fonética moderna atribui-lhes o traço distintivo [+ soan­ tes ]. Acresce salientar que, pelo caráter lateral de sua articulação, [1] e [A] opõem-se às vibrantes [r], [f] ou [ r]. Esta diferença explicita-se pela indicação [+ lateral] para [1] e [A], que contrasta com a de [ - lateral] para as vibrantes [r], [f ] ou [ r ]. O PONTO OU ZONA DE ARTICULAÇÃO O obstáculo (total ou parcial) necessário à articulação das consoantes pode produzir-se em diversos lugares da cavidade bucal. Daí o conceito de pon to de articulação , s e g u n d o o q u a l as c o n so a n te s se classificam em : 1. B ilabiais, formadas pelo contacto dos lábios. São as consoantes [p], [b], [m]: pato, bato, mato. 2. L abiodentais, formadas pela constrição do ar entre o lábio inferior e os dentes incisivos superiores. São as consoantes ff], [v]:faca, vaca. Como dissemos, na pronúncia normal de Portugal, do Rio de janeiro e de alguns pontos da costa do Brasil, a fricativa palatal surda [J] aparece em formas como três e dez, e a sonora [3 ] em formas como desde e mesmo. 55 56 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 3. L inguodentais ( o u dorsodentais), formadas pela aproximação do pré-dorso da língua à face interna dos dentes incisivos superiores, ou pelo contacto desses órgãos. São as consoantes [s], [z], [t], [d]: cinco, zinco, tardo, dardo. 4. formadas pelo contacto da ponta da língua com os alvéolos dos dentes incisivos superiores. São as consoantes [n], [1], [r], [f ]: nada, cala, cara, carro (na pronúncia de certas regiões de Portugal e do Brasil). A lveolares ( o u á pic o - alveolares), 5. P alatais, formadas pelo contacto do dorso da língua com o palato duro, ou céu da boca. São as consoantes [J], [3 ], [À], [ji]: acho, ajo, alho, anho. 6 . V elares, formadas pelo contacto da parte posterior da língua com o palato mole, ou véu palatino. São as consoantes [k], [g], [r ]: calo,galo, ralo. Se considerarmos a zona em que se situam o contacto ou a constrição que caracterizam a consoante, a classificação com base nos traços distintivos será a seguinte: 1 . C onsoantes [+ anteriores], formadas na zona anterior da cavidade bucal: fp], [b], [f], [v], [m], [t], [d], [s], [z], [n], [1], [r] e [f]; 2. C onsoantes [ - anteriores], fo rm a d a s n a z o n a p o s te rio r da cav id ad e bu cal: m . [3], tp], m , w s 3. C onsoantes [+ coronais ], formadas com a intervenção da “coroa”, ou seja, do dorso (pré-dorso, médio dorso) da língua: [t], [d], [s], [z], [J], [3 ], [n], Ui], 11], Í K [r]; 4. C onsoantes [- coronais ], fo rm a d a s sem a in te rv e n ç ã o d o d o rso d a lín g u a: [ p ] ,[ b ] ,[ m ] , [k], [g], [f], [v], [ r ]. O PAPEL DAS CORDAS VOCAIS Enquanto as vogais são normalmente sonoras (só excepcionalmente apare­ cem ensurdecidas), as consoantes podem ser ou não produzidas com vibração das cordas vocais. São surdas ( - sonoras] as consoantes: [p], (t], [k], [f], [s], [J]. São sonoras [+ sonoras] as consoantes: [b], [d], [g], [v], [z], [3 ], [1], [X], [r], [f], M, [m], [n], t|l]. FONÉTICA E FONOLOGIA O PAPEL DAS CAVIDADES BUCAL E NASAL Como as vogais, as consoantes podem ser orais [ - nasais] o u nasais [+ nasais]. Por outras palavras: na sua emissão, a corrente expiratória pode passar apenas pela cavidade bucal, ou ressoar na cavidade nasal, caso encontre abaixado o véu palatino. São nasais as consoantes [m], [n], [ji]: amo, ano, anho. Todas as outras são orais . Observação: Quanto ao modo de articulação (bucal), as consoantes nasais são oclusivas [ continuas]. Atendendo, no entanto, à forte individualidade que lhes confere o seu traço nasal, costuma-se isolá-las das outras oclusivas, tratando-as como classe à parte. QUADRO DAS CONSOANTES Resumindo, podemos dizer que o conjunto das consoantes da língua por­ tuguesa é constituído por dezenove unidades, cuja classificação se expõe esque­ maticamente no quadro seguinte: Pa p r O rais das cavidades BUCAL E NASAL [- N asais [+ nasais] nasais ] C o n s t r it iv a s M odo de ARTICULAÇÃO P a pel das CORDAS VOCAIS [+contínuas] O c lu s iv a s [- contínuas] S u rd a s S o noras F r ic a t iv a s [- soantes] [- laterais] S o noras S u rd a s Ponto ou zona de articulação [+soantes] [+soantes] [+laterais] [- laterais] S o n o ras S o n o ras [-contínuas] S onoras [+sonoras] r [m] [b] [pi [- coronais] Labiodentais ' [+ anteriores] [f] [v] [s] [z] [- coronais] Linguodentais [+ anteriores] V ibrantes Laterais [-sonoras] [+sonoras] [-sonoras] [+sonoras] [+sonoras] [+sonoras] Bilabiais [+ anteriores] O c lu s iv a s it] [d ] [+ coronais] ■ 57 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 1—-— P apel das cavidades —• Jt O rais -- -------------------------- N asais [+nasais] [-nasais] BUCAL E NASAL C o n stritivas M odo Pa pel [+ contínuas] O c lu s iv a s de [- contínuas] ARTICULAÇÃO S u rd as das Sonoras F r ic a t iv a s [- soantes] [- laterais] Surdas Sonoras La ter a is O c lu s iv a s V ibran tes [+soantes] [+soantes] [+laterais] [-laterais] Sonoras Sonoras Sonoras [- sonoras] [+sonoras] [-sonoras] [+sonoras] [+sonoras] [+sonoras] uc '■5 ! i CORDAS VOCAIS Alveolares [+ anteriores] Ponto ou zona de articulação 58 [1] [r] [n] [+ coronais] Palatais [- anteriores] LSI W (3] [+ coronais] Velares [- anteriores] [kl „ [g] [R] [- coronais] Observações: l.a) Neste quadro, procuramos integrar a classificação por traços distintivos e a classificação tradicional de base articulatória. Para se fazer a análise em traços dis­ tintivos de qualquer som consonântico do português, bastará juntar os vários traços associados no quadro à sua classificação articulatória corrente. Por exemplo: as consoantes fp] e [b] serão analisadas deste modo: ~- continu a- sonora . -nasal + anterior - coronal [b] contínuá+ sonora - nasal + anterior - coronal [X] + contínua + soante + lateral - nasal - anterior + coronal e as consoantes [1] e [X], do seguinte: -I- contínua + soante + lateral -nasal + anterior + coronal FONÉTICA E FONOLOGIA 2. a) Classificamos a vibrante forte ou múltipla [R] como velar ou [ - anterior, - coronal], por ser esta a sua pronúncia mais corrente no português de Lisboa5e do Rio de Janeiro6. A antiga vibrante alveolar múltipla [f ] mantém-se, no entanto, viva na maior parte de Portugal e em extensas zonas do Brasil, como, por exemplo, o Rio Grande do Sul. Uma realização dorso- uvúlar múitipia ocorre também por vezes em Lisboa e no português popular do Rio de Janeiro. Aponte-se, por fim, a realização ungúopalatal velarizada, que se observa na região Norte de São Paulo, Sul de Minas e outras áreas do Brasil7 e é conhecida por r-caipira. Em Portugal é característica da fala popular de Setúbal, não só a realização vibrante uvuijvr do r múltiplo de rua, carro, como a do r simples de caro, andar. 3. a) Na pronúncia normal do português europeu, a consoante /, quando final de sílaba, é velarizada; a sua articulação aproxima-se, pelo recuo da língua, à de um [u] ou [w]. Na transcrição fonética, é costume distinguir este / do / inicial de sílaba, representando-se o último por [1] e a consoante velarizada por [t]: lado ['laõu],alto [alitu ], mal [m a i]. Na pronúncia normal do Rio de Janeiro e de vastas zonas do Brasil, por perder-se o contacto entre os órgãos da articulação, o / final de sílaba vocaliza-se, ou seja, transforma-se na semivogal [w]: alto ['awtu], mal ['maw]. Anulam-se, deste modo, as oposições entre alto / auto, mal / mau. 4. a) No português do Brasil, as consoantes t e d, antes de i vogal ou semivogal, sofrem a sua influência e palatalizam-se em grau maior ou menor, conforme as re­ giões e até as pessoas de cada região. Podem ser pronunciadas [t’], [d’], ou realizar-se como africadas palatais [tj] e [d3]: noite f'nojt’i] ou ['nojtji], tio [Yiju] ou ['tjijuj, dia ['d’ija] ou f'd3ija],ódio ['od’ju| ou f'od3ju], sede ['sed’i] ou ['sed3ij. A POSIÇÃO DAS CONSOANTES Só em posição intervocálica é possível encontrar as dezenove consoantes portuguesas que acabamos de descrever e classificar. Noutras posições, o número de consoantes possíveis reduz-se sensivelmente. Pode-se dizer mesmo que é a pronúncia mais corrente no português normal contemporâ­ neo, ao contrário do que sucedia há poucos anos, segundo a descrição dos foneticistas. 6 É a pronúncia normal do Rio de Janeiro e de extensas áreas do país. Sobre o assunto, leiase a importante contribuição de Dinah Maria Isensee Callou: Variação e distribuição da vibrante na fala urbana culta do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1979 (Tese de doutorado policopiada). O professor Brian F. Head vem estudando, ultimamente, a vitalidade do r-caipira em várias regiões do Brasil. Leiam-se, a propósito, os seus trabalhos: O estudo do “r-caipira” no contexto social. Revista de Cultura Vozes: 67(8): 43-49, ano 67,1973; Subsídios do Atlas prévio dos falares baianos para o estudo de uma variante dialetal controvertida (texto policopiado). 59 60 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Assim, em posição inicial de palavra, além das consoantes oclusivas e frica tivas, só aparecem: das laterais, o [1]; das vibrantes , o [ r ] o u o[f]; das nasais, o [m ]eo [n ]. São casos isolados os de empréstimos, principalmente do espanhol, em que ocorrem [X] ou [)i]: lhano, lhama, nhato. Em posição final de sílaba ou de palavra, só se encontram normalmente as consoantes: a) /, a que correspondem as pronúncias atrás mencionadas [i] ou [w]; b) r, a qUe corresponde, nas pronúncias normais de Portugal e do Brasil, o [r] simples apical, algumas vezes perdido na pronúncia popular brasileira, quando em final absoluta; c) s ou z {esta só em final de palavra), a que correspondem, na pronúncia normal de Portugal, na do Rio de Janeiro e de outras zonas costeiras do Brasil, as realizações [J], em posição final absoluta ou se se lhes segue uma consoante surda, e [3 ], se antepostas a uma consoante sonora. As grafias m e n nesta posição representam normalmente apenas a nasalidade da vogal anterior. Outras consoantes podem ainda aparecer em final de sílaba ou de palavra, principalmente em formas cultas ou estrangeiras (por exemplo: ritmo, apto, club, chic). Manifesta-se, então, particularmente no português do Brasil, uma tendência para apoiar a sua articulação numa breve vogal epentética ou paragógica (por exemplo: ['ritimu], ['apitu], ['klubi], ['jikij. Paralelamente, é possível encontrar, em final absoluta de palavras cultas, a articulação ápico-alveolar da consoante n: abdômen, dólmen, regímen. ENCONTROS VOCÁLICOS D ITO N GO S O encontro de uma vogal + uma vogal recebe o nome de d it o n g o . Os ditongos podem ser: semivogal , o u de uma semivogal + uma a ) DECRESCENTES e CRESCENTES; b ) ORAIS e NASAIS. D ito n g o s d e c re s c e n te s e c re s c e n te s Quando a vogal vem em primeiro lugar, o cen te . Assim: pai céu d ito n g o m u ito se denomina decres ­ FO N ÉTICA E FONOLOGIA Quando a semivogal antecede a vogal, o qual linguiça d ito n g o diz-se crescente . Assim: frequente Em português apenas os decrescentes são ditongos estáveis. Os ditongos crescen ­ tes aparecem com frequência no verso. Mas na linguagem do colóquio normal só apresentam estabilidade aqueles que têm a semivogal [w] precedida de [k] (grafado q) ou de [g]. Assim: quase equestre quota igual goela quiproquó quando lingueta tranquilo enxaguando quinquênio saguiguaçu D ito n g o s o ra is e n a s a is Como as vogais, os d ito n g o s podem ser orais e oral ou nasal dos seus elementos. nasais , segundo a natureza 1. São os seguintes os ditong os orais decrescentes : [ aj ] pai [ aj ] sei, no português normal de Portugal [aw] mau [ ej ] sei, no português normal do Brasil [ ej ] papéis [ew] meu [ew] céu [iw] viu [ oj ] boi [ oj ] herói [ uj ] azuis Observações: 1. a) Nem na pronúncia normal de Portugal nem na do Brasil se conserva o antigo ditongo [ow], que ainda se mantém vivo em falares regionais do Norte de Portugal e no galego. Na pronúncia normal reduziu-se a [o|, desaparecendo assim a distinção de formas como poupa / popa, bouba / boba. 2. a) No português do Rio de Janeiro e de algumas outras regiões do Brasil, devido à vocalização do l em final absoluta ou em final de sílaba, ouvem-se os di­ tongos [ow] e [owj em palavras como gol ['gow], soltar [sow'tar],sol ['sowj, molde 1'môwdi]. 61 62 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 3.«) Normalmente, se representam por i e u as semivogais dos ditongos orais. Observe-se, porém, que: a) as l.a, 2.a e 3.a pessoas do singular do presente do subjuntivo, bem como a 3.a pessoa do singular do imperativo dos verbos terminados em -oar escrevem-se com -oe, e não -oi: abençoe amaldiçoes perdoe b) as mesmas pessoas dos verbos terminados em -uar escrevem-se com -ue, e não -ui: cultue habitues preceitue 2. Existem os seguintes ditong os nasais decrescentes : [ aj ] correspondente às grafias ãe, ãi e, no português normal de Portugal, em (em posição final absoluta) e en (no interior de palavras derivadas): mãe, cãibra; no português normal de Portugal: vem, levem, benzinho. [ cew ] correspondente às grafias ão e am: mão, vejam. [ èj 1 correspondente, no português do Brasil e em falares meridionais de Portugal, às grafias em (em posição final de palavra) e en (no interior de palavras derivadas): vem, levem, benzinho. [ õj ] correspondente à grafia õe: põe, sermões. [ üj ] correspondente à grafia ui: muito. TR ITO N G O S Denomina-se t r it o n g o o encontro formado de semivogal + vogai. + semivo gal . De acordo com a natureza (oral ou nasal) dos seus componentes, classifi­ cam-se também os trito n g o s em orais e nasais. 1. São TRITONGOS ORAIS: [ waj ] Uruguai [ waj ] enxaguei, no português normal de Portugal [ wej ] enxaguei, no português normal do Brasil e em falares meridionais de Portugal. [ wiw ] delinquiu 2. São TRITONGOS NASAIS: [ wõw ] correspondente às grafias uão, uam: saguão, enxáguam. [ wõcj ] correspondente, no português normal de Portugal, à grafia nem (em posição final de palavra): delinquem. FONÉTICA E FONOLOGIA [ wêj ] correspondente, no português normal do Brasil e em falares meridionais de Portugal, à grafia uem (em posição final de palavra): delinquem. [ wòj ] correspondente à grafia uõe: saguões. HIATOS Dá-se o nome de h ia t o ao encontro de duas vogais. Assim, comparando-se as palavras pais (plural de pai) epaís (região), verificamos que: a) na primeira, o encontro ai soa numa só sílaba: ['pajJJ. b) na segunda, o a pertence a uma sílaba e o i a outra: [pa'ij]. O bservação: Quando átonos finais, os encontros escritos - ia , - ie , - io , - oa , - ua , -u e e -ao são normalmente d it o n g o s c r e s c e n t e s : gló - ria , cá - rie , vá - rio , niá - goa , á - g u a , tê- m ie , ár - duo . Podem, no entanto, ser emitidos com separação dos dois elementos, forman­ do assim um h ia t o : gló - rí - a , cá - ri- e, vá - ri - o, etc. Ressalte-se, porém, que na escrita, em hipótese alguma, os elementos desses encontros vocálicos se separam no fim da linha, como salientamos no capítulo 4. EN CO N TRO S IN T R A V E R B A IS E IN T E R V E R B A IS Os e n c o n t r o s vocAucos podem ocorrer no interior do vocábulo ou entre dois vocábulos, isto é , podem ser in t r a v e r b a is (= in t r a v o c a b u l a r e s ) o u i n t e r v e r b a i s ( = in t e r v o c a b u l a r e s ) . Há e n c o n t r o s absolutamente estáveis. Assim, quer no verso, quer na prosa, a palavra lua possuirá sempre duas sílabas, ao passo que as palavras mau e quais terão invariavelmente uma. O hiato [ua], da primeira, bem como o ditongo [aw], da segunda, e o tritongo [wajj, da terceira, são, pois, as únicas pronúncias que a língua admite para tais e n c o n t r o s nessas palavras. Muitos, porém, são instáveis. Por exemplo: numa pronúncia normal, as palavras luare reais são dissílabos: [lu'ar], [Ri'ajJ]. Emitidas rapidamente, po­ dem elas, no entanto, passar a monossílabos pela transformação do hiato [ua] no ditongo [wa] e pela criação do tritongo [jaj]. Por outro lado, palavras como vaidade e saudade, trissílabos na língua viva atual, costumam aparecer no verso com quatro sílabas métricas. À passagem de um hiato a ditongo no interior da palavra dá-se o nome de siN ÉR ES E. E chama-se d ié r e s e o fenômeno contrário, ou seja, a transformação de um ditongo normal em hiato. Quando a ditongação do hiato se verifica entre vocábulos, diz-se que há SINALEFA. 63 64 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Esses fenômenos têm importância particular no verso, e deles tratamos com o necessário desenvolvimento no capítulo 22. ENCONTROS CONSONANTAIS Dá-se o nome de encontro consonantal ao agrupamento de consoantes num vocábulo. Entre os encontros consonantais, merecem realce, pela frequência com que se apresentam, aqueles inseparáveis cuja segunda consoante é / ou r. Assim: E n c o n tro E x e m p l if ic a ç ã o CONSONANTAL E x e m p l if ic a ç ã o E n c o n tro CONSONAN1AL bl bloco, abluir gi glutão, aglutinar br branco, rubro gr grande, regra cl claro, tecla pi plano, triplo cr cravo, Acre pr prato, sopro dr dragão, vidro tl t atlas fl flor, rufiar tr tribo, atrás fr francês, refrão vr » E nco ntros consonantais palavra como gn, rnn, pn, ps, pt, tm e outros não apare­ cem em muitos vocábulos. Quando iniciais, são naturalmente inseparáveis: gno-mo mne-mô-ni-co pneu-má-ti-co psi-có-lo-go pti-a-li-na tme-se Quando mediais, em pronúncia tensa, podem ser articulados numa só süaba, ou em sílabas distintas: a-pto ap-to di-gno dig-no ri-tmo rit-mo Na linguagem coloquial brasileira há, porém, como dissemos, uma acentuada tendência de destruir estes encontros de difícil pronúncia pela intercalação da vogal i (ou e): dí-gui-no pe-neu rí-ti-mo FO N ÉTICA E FONOLOGIA Não raro, temos de admitir a existência desta vogal epentética, embora não escrita, para que versos de poetas brasileiros conservem a regularidade. Por exemplo, nestes setissílabos: Deixa-me ouvir teus cantores, Admirar teus verdores. (Gonçalves Dias, PCPE, 376.) A tua carne não fremia A ideia da dança inerte Que teu corpo dançaria No pélago submerso? (V. de Moraes, PCP, 342.) as palavras admirar e submerso devem ser emitidas em quatro sílabas (a-dimi-rar e su-bi-mer-so) para que os versos a que pertencem mantenham aquela medida. DÍGRAFOS Não é demais recordar ainda uma vez que não se devem confundir c o n so ­ antes e vocais com letras , que são sinais representativos daqueles sons. Assim, nas palavras carro, pêssego, chave, malho e canhoto não há e n ­ c o n t r o c o n so n a n ta l , pois as letras r r , ss, ch, lh e nh representam uma só consoante. Também não se pode afirmar que exista e n c o n t r o c o n so n a n ta l em palavras como campo e ponto, embora a análise de palavras como estas, em fonética experimental, revele a existência de um resíduo de consoante nasal imperceptível ao ouvido; o m e o n funcionam portanto nelas essen­ cialmente como sinal de nasalidade da vogal anterior, equivalendo, no caso, a um til (cãpo, põto). A esses grupos de letras que simbolizam apenas um som dá-se o nome de DÍGRAFOS. São DÍGRAFOS, pois: a) ch, que simboliza a palatal [J] também representada por x: ficha (compare-se com lixa); b) lh e nh, únicas formas de representar na língua a lateral [A] e a nasal palatal [)i]: velho, tenho; c) rr e ss, que só se empregam entre letras-vogais para representar os mes­ mos sons ( [ r ] ou [r] e [s]) que se escrevem com r e s simples no início de palavra: prorrogar (compare-se com rogar), assimetria (comparece-se com simetria). 65 66 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Entre os dígrafos devem ainda ser incluídas as combinações de letras: a) gu e qu antes de e e i, quando representam os mesmos sons oclusivos que se escrevem, respectivamente, ge c antes de a, o e u: guerra, seguir (comparar a: galo, gole, gula); querer, quilo (comparar a: calar, cobre, cubro); b) sc, sç e xc, que, entre letras-vogais, podem representar, no português normal do Brasil e no de algumas regiões de Portugal, o mesmo som que se transcreve também por c ou ç: florescer (comparar a: amanhecer), desça (comparar a: pareça), exceder (comparar a: preceder); c) am, an, em, en, im, in, om, on, um, un, que servem para representar as vogais nasais: tampo, tanto, tempo, tento, limbo, lindo,pombo, tonto, comum, mundo. SÍLABA Quando pronunciamos lentamente uma palavra, sentimos que não o fazemos separando um som de outro, mas dividindo a palavra em pequenos segmentos fônicos que serão tantos quantos forem as vogais. Assim, uma palavra como alegrou, não será por nós emitida a-l-e-g-r-o-u mas sim: a-le-grou A cada vogal ou grupo de sons pronunciados numa só expiração damos o nome de sílaba . A sílaba pode ser formada: a) por uma vogal, um ditongo ou um tritongo: é eu uai! b) por uma vogal, um ditongo ou um tritongo acompanhados de consoantes: a-plau-dir trans-por U-ru-guai SÍLABAS ABERTAS E SÍLABAS FECHADAS 1. Chama-se aberta a-pa-ga-do a sílaba que termina por uma vogal: FONÉTICA E FONOLOGIA 2. Diz-se fechada a sílaba que termina por uma consoante: al-tar op-tar CLASSIFICAÇÃO DAS PALAVRAS QUANTO AO NÚMERO DE SÍLABAS Quanto ao número de sílabas, classificam-se as palavras em monossílabas , DISSÍLABAS, TRISSÍLABAS e POL1SSÍLABAS. M onossílabas, q u a n d o c o n s titu íd a s de u m a só sílaba: a ti eu g ro u m ão q u ais D issílabas, q u a n d o c o n stitu íd a s de d u a s sílabas: ru -a á -g u a h e -ró i li-v ro sa-g u ão s o -n h a r T rissílabas, q u a n d o c o n stitu íd a s d e trê s sílabas: a-lu-no cri-an-ça P o L issíL A B A S , Eu-ro-pa por-tu-guês ban-dei-ra en-xa-guou quando constituídas de mais de três sílabas: e s -tu -d a n -te li-b e r-d a -d e u -n i-v e r-s i-d a -d e e m -p re -e n -d i-m e n -to O bservação: Embora a sua unidade seja normalmente percebida pela competência linguística dos usuários de um idioma, a sílaba não é uma noção caracterizada de modo pacífico pelos foneticistas. Uma breve introdução à problemática da sílaba pode ler-se em Bohuslav Hála. La sílaba: su naturaleza, su origen y sus transformaciones. Trad. de E. R. Palavecino y A. Quilis. Madrid, C.S.I.C., 1966. ACENTO TÔNICO Examinemos este período de Raul Bopp: Dias e noites os horizontes se repetem. 67 68 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O N ele d istin g u im o s , n u m a an álise fo n é tic a e le m e n ta r, as sílabas acentuadas (em n e g rito ) das inacentuadas (e m ro m a n o ). A p e rc e p ç ã o d is tin ta das sílab as a c e n tu a d a s (tô n ic a s ) d a s in a c e n tu a d a s (á to n a s) p ro v é m d a d o sag em m a io r o u m e n o r de certas q u a lid a d e s físicas que, v im o s, c a ra c te riz a m os so n s d a fala h u m a n a : a) a intensidade, isto é, a fo rça e x p ira tó ria c o m q u e são p ro n u n c ia d o s; b ) o tom (o u a ltu ra m u sic a l), isto é, a fre q u ê n c ia c o m q u e v ib ra m as co rd as vocais em su a em issão; c) o timbre (o u m e ta l d e voz), isto é, o c o n ju n to s o n o ro d o to m fu n d a m e n ta l e d o s to n s se c u n d á rio s p ro d u z id o s pela re sso n â n c ia d a q u e le n a s cavidades p o r o n d e passa o ar; d ) a quantidade, isto é, a d u ra ç ã o c o m q u e são em itid o s. A ssim , p e la intensidade , o s so n s p o d e m s e r fortes (tô n ic o s ) o u fracos ( á to n o s ) ; p e lo to m , s e rã o agudos (a lto s ) o u graves (b a ix o s); p e lo timbre , ABERTOS OU FECHADOS; pela QUANTIDADE, LONGOS OU BREVES. Em geral, p o ré m , esses e lem en to s estão in tim a m e n te associados, e o c o n ju n to deles, c o m p re d o m in â n c ia da in te n sid a d e , d o to m e da q u a n tid a d e , é q u e se c h a m a acento tônico . Observações: 1. a) Tanto a Nomenclatura Gramatical Brasileira como a Nomenclatura Gramatical Portuguesa classificam as sílabas, quanto à intensidade, em t Onicas, subtõnicas e Atonas ( pretònicas e postOnicas). Pela nomenclatura aconselhada nos dois países, tom é, pois, o mesmo que acento de intensidade. Cabe advertir, no entanto, que, se na maioria dos casos os dois elementos vêm unidos, por vezes eles não coincidem. “Na linguagem, como na música, qualquer som, seja agudo ou grave, pode tornar-se forte ou débil, segundo convenha” (Navarro Tomás. Manual deprominciación espanola, 14.a ed., Madrid, C.S.I.C., 1968, p. 25, nota 1). 2. a) A quantidade longa ou breve das vogais, fundamental em latim, não tem valor distintivo em português. Os contrastes que nos oferecem, numa pronúncia tensa, pares de formas como caatinga / catinga, coorte / corte explicam-se não pela oposição de quantidade vocálica, mas pela de duas vogais em face de uma vogal. Sobre fenômeno semelhante em espanhol, veja-se A. Quilis. Phonologie de la quantité en espagnol. Phonetica, 13:82-85,1965. Em nosso idioma, como nas demais línguas românicas, a duração maior de uma vogal é recurso de ênfase, e está condicionada pelo acento, pelo contexto fonético ou por múltiplas razões de ordem afetiva. FONÉTICA E FONOLOGIA CLASSIFICAÇÃO DAS PALAVRAS QUANTO AO ACENTO TÔNICO 1. Quanto ao acento, as palavras de mais de uma sílaba classificam-se em oxtTONAS, PAROXÍTONAS e PROPAROXÍTONAS. O xítonas, q u a n d o o a c e n to recai n a ú ltim a sílaba: café funil Niterói P aroxítonas, q u a n d o o a c e n to recai n a p e n ú ltim a sílaba: b a ía escola r e to m o P roparoxítonas, q u a n d o o a c en to recai n a a n te p e n ú ltim a sílaba: e x é rc ito p ê n d u lo q u ilô m e tro 2. Quando se combinam certas formas verbais com pronomes átonos, formando um só vocábulo fonético, é possível o acento recuar mais uma sílaba. Diz-se bisesdrüxula a acentuação dessas combinações: a m á v a m o -lo faç a -se -lh e 3. O s monossílabos p o d e m ser átonos ou tônicos . são aqueles pronunciados tão fracamente que, na frase, precisam apoiar-se no acento tônico de um vocábulo vizinho, formando, por assim dizer, uma sílaba deste. Por exemplo: Á tonos Diga-me / o preço / do livro. São monossílabos átonos: as) e o in d e fin id o (um, uns); os pronomes pessoais oblíquos me, te, se, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes e suas combinações: mo, to, lho, etc.; o pronome relativo que; as p rep o siçõ es a, com, de, em, por, sem, sob; as combinações de preposição e artigo: à, ao, da, do, na, no, num, etc.; as conjunções e, mas, nem, ou, que, se; as formas de tratamento dom, frei, são, seu (= senhor). a) o a rtig o d e fin id o (o, a , os, b) c) d) e) f) g) T ônicos são aqueles emitidos fortemente. Por terem acento próprio, não necessitam apoiar-se noutro vocábulo. Exemplos: cá, flor, mau, mão, mês, mim, pôr, vou, etc. 69 70 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O OBSERVAÇÕES SOBRE A PRONÚNCIA CULTA 1. A ten te-se n a ex a ta p r o n ú n c ia das seg u in tes p alav ras, p a ra e v ita r u m a silabada, q u e é a d e n o m in a ç ã o q u e se dá ao e rro d e p ro só d ia : a) sãooxíTONAs: aloés G ib ra lta r N o b el novel recém refém su til u re te r efebo e ru d ito esta lid o êx u l fila n tro p o gólfão grácil g ra tu ito (ú i) hosana H u n g ria ib e ro in a u d ito leu cem ia m a q u in a ria m a tu la m is a n tro p o m e rc a n c ia m e n ú fa r N o rm a n d ia o n a g ro o p im o pegada p le to ra p o lic ro m o p u d ic o q u iro m a n c ia refrega ru b ric a S alo n ica tá ctil têx til T ib u lo tu lip a a re ó p a g o a ríe te a rq u é tip o a u tó c to n e azáfam a az ê m o la b áteg a b áv aro b íg a m o b ím a n o b ó lid o (-e) b râ m a n e cáfila cânham o C é rb e ro c o tilé d o n e é d ito (o rd e m ju d ic ia l) égide e tío p e êx o d o fac-sím ile fagócito fa râ n d u la féru la g á rru lo h é jira h ip ó d ro m o id ó la tra ím p ro b o ín c lito ín te rim in v ó lu c ro leu có cito N iá g a ra n ú m id a ôm ega p á ra m o P égaso p é rip lo p lê ia d e p rís tin o p ró fu g o p ro tó tip o q u a d rú m a n o re v é rb e ro sá tra p a T â m isa trâ n sfu g a végeto zéfiro zén ite b ) são paroxítonas: alan o s av aro avito aziago b a rb a ria b atav o c a rto m a n c ia ciclo p e decano d ia trib e e d ito (lei) c) são proparoxítonas: ád v en a a e ró d ro m o a e ró lito ág ap e álacre álcali alcío n e alc o ó la tra âm a g o a m á lg a m a a n á te m a a n d ró g in o aném ona a n ó d in o a n tífo n a an tíffa se a n tístro fe FO N ÉTICA E FONOLOGIA Prefiram-se ainda as pronúncias: barbárie boêmia estratégia sinonímia 2. Para alguns vocábulos há, mesmo na língua culta, oscilação de pronúncia. É o caso de: ambrosia ou ambrósia anidrido ou anídrido crisântemo ou crisântemo hieróglifo ou hieróglifo Oceania ou Oceânia ortoepia ou ortoépia projétil ou projétil reptil ou réptil soror ou sóror zangão ou zângão Observação: Há por vezes discordância na pronúncia mais corrente entre Portugal e o Brasil. Os portugueses dizem comumente pudico e rúbrica; os brasileiros, apegados à acen­ tuação que a etimologia recomenda, pronunciam pudico e rubrica. VALOR DISTINTIVO DO ACENTO TÔNICO Pela variabilidade de sua posição, o acento pode ter em português valor distintivo, fonológico. Comparando, por exemplo, os vocábulos: dúvida / duvida percebemos que a posição do acento tônico é suficiente para estabelecer uma oposição, uma distinção significativa. Observação: Este fato ocorre com mais frequência no português do Brasil, pois, no de Portugal, a mudança de posição do acento se faz acompanhar normalmente de uma alteração no timbre das vogais tônicas que passam a átonas. Assim sendo, a distinção significativa assenta também nessa variação. Por exemplo, no português do Brasil correram opõe-se a correrão, válido a valido, apenas pela posição do acento; no português de Portugal, porém, a oposição se dá entre [ku'Rerãw] e [kuR3'rãw], ['validu] e [voflidu). ACENTO PRINCIPAL E ACENTO SECUNDÁRIO Normalmente os vocábulos de pequeno corpo só possuem uma sílaba acentu­ ada em que se apoiam as demais, átonas. Os vocábulos longos, principalmente os derivados, costumam no entanto apresentar, além da sílaba tônica fundamental, uma ou mais subtônicas. 71 72 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Dizemos, por exemplo, que as palavras d ecid id a m en te e inacreditavelm ente são paroxítonas, porque sentimos que em ambas o acento básico recai na penúl­ tima sílaba ( m e n ). Mas percebemos também que, nas duas palavras, as sílabas restantes não são igualmente átonas. Em d ecid id a m en te , a sílaba -d i-, mais fraca do que a sílaba -m e n -, é sem dúvida mais forte do que as outras. Em inacredi­ tavelm ente, as sílabas -cre- e -ta -, embora mais débeis do que a sílaba -m e n -, são sensivelmente mais fortes do que as demais. Daí considerarmos prjncipal o acento que recai sobre a sílaba -m e n - (nos dois exemplos) e secundários os que incidem sobre a sílaba -d i- (em d ecididam ente) ou sobre as sílabas -cre- e -ta - (em inacreditavelm ente). GRUPO ACENTUAL (OU DE INTENSIDADE) As palavras não costumam vir isoladas. Geralmente se unem, articulando-se umas com as outras, pai a formar frases, que são as verdadeiras unidades da fala. Materialmente, a frase constitui uma cadeia sonora com seus acentos prin­ cipais e secundários a que pode estar subordinado mais de um vocábulo. Cada segmento de frase dependente de um acento tônico chama-se grupo acentual OU DE INTENSIDADE. Por exemplo, no período atrás mencionado: Dias e noites os horizontes se repetem. há sete vocábulos que, de acordo com a rapidez ou lentidão da pronúncia, podem agrupar-se debaixo de três ou quatro acentos principais. Numa emissão pausada, que ressalte os elementos significativos, o período em exame terá quatro grupos acentuais: / Dias / e noites / os horizontes / se repetem./ Se imprimirmos, porém, ritmo acelerado à pronúncia dos dois primeiros grupos: — / Dias / e noites/ —, verificamos que a sílaba tônica da palavra dias se enfraquece, e esse enfraqueci­ mento impede que ela continue a servir de suporte fônico de um grupo acentual. O acento que nela recai de principal torna-se secundário e, consequentemente, o grupo que o tinha por centro de apoio passa a integrar o seguinte, subordinado ao acento da palavra noites: / Dias e noites / FO N ÉTICA E FONOLOGIA ÊNCLISE E PRÓCLISE Denomina-se ênclise a situação de uma palavra que depende do acento tônico da palavra anterior, com a qual forma, assim, um todo fonético. P róclise é a situação contrária: a vinculação de uma palavra átona à palavra seguinte, a cujo acento tônico se subordina. São proclíticos , por exemplo, o artigo, as preposições e as conjunções monossilábicas. São geralmente e n c lític o s os pronomes pessoais átonos. A ênclise e, sobretudo, a próclise são responsáveis por frequentes altera­ ções vocabulares. Perdendo o seu acento tônico (a “alma da palavra”, no dizer de Diomedes), um vocábulo perde o seu centro de resistência e fica sujeito a reduções violentas.8Vejam-se, por exemplo, estes versos de Raul Bopp: — Vamos p r á s índias! — Olha! Melhor mesmo é buscar vento mais p r o fundo. em que aparecem as formas prás e pro, abreviações de para as e para o provo­ cadas pela próclise . Também a forma seu (por senhor), que ocorre neste passo de Marques Rebelo: Segura esta, seu Fagundes!... é um caso de redução proclítica. Se disséssemos, por exemplo: Fagundes, o senhor segura esta!... não seria mais possível a substituição de senhor por seu, já que a autonomia acentuai da palavra a resguardaria de qualquer mutilação. ACENTO DE INSISTÊNCIA Além dos acentos normais ( principal e secundário ), uma palavra pode receber outro, chamado de insistência , que serve para realçá-la em determinado con­ texto, quer impregnando-a de afetividade (emoção), quer dando ênfase à ideia que expressa. Daí distinguirmos dois tipos de acento de insistência : o acento afetivo e O ACENTO INTELECTUAL. 8 Explicam-se também como consequência da p r ó c l i s e as formas cem (por cento),grão (por grande), quão (por quanto),são (por santo), tão (por tanto) e frequentes elisões, sinalefas e sinéreses, que se observam no enunciado versificado ou na linguagem popular. Veja-se, a propósito, Sousa da Silveira. Fonética sintática. Rio de Janeiro, Simões, 1952, especialmente p. 86-125. 73 74 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A c e n to a fe t iv o Se enunciarmos calmamente, sem intenção particular, a frase: É um homem miserável, a pronúncia da palavra m iserável caracteriza-se por apresentar acentuada apenas a sílaba -rá-. É ela emitida com maior intensidade, com maior altura e, às vezes, com maior duração que as demais. Mas a mesma frase pode ser enunciada num momento em que nos acha­ mos presos de certa emoção. Podemos, por exemplo, estar possuídos de um sentimento de cólera ou de desprezo em relação ao indivíduo que conside­ ramos m iserável. Esse nosso sentimento exprime-se então foneticamente por um realce particular dado à sílaba inicial m i -, que passa a competir na palavra com a tônica -rá-. Chega a igualá-la, quanto à intensidade e à altura, e até a superá-la, quanto à duração da vogal e, principalmente, da consoante que a antecede. No primeiro caso, a palavra recebe apenas um acento; no segundo, ela possui dois, quase equivalentes. A esse novo acento, de caráter emocional, chamamos ACENTO AFETIVO. A c e n to in te le c tu a l Com o acento afetivo impressionamos determinada palavra de emoção particular. É ele uma espécie de comentário sentimental que fazemos a um elemento do enunciado. Mas nem sempre o realce sonoro de uma sílaba diversa da tônica normal põe em jogo a nossa sensibilidade aguçada. É por vezes um recurso eficaz de que dispomos para valorizar uma noção, para defini-la, para caracterizá-la, geralmente contrastando-a com outra. Por sua função, denominamos acento intelectual a esse tipo de acento de insistência . Exemplifiquemos com os seguintes dizeres: Esta medida é arbitrária. Fez uso exclusivo e abusivo do carro. Não se trata de um ato imoral, mas amoral. Quero razões objetivas e não subjetivas. Se quisermos dar relevo significativo às palavras arbitrária, exclusivo, abusivo, im oral, am oral, objetivas e subjetivas, imprimimos à sílaba inicial de cada uma delas maior duração, maior altura e, sobretudo, maior intensidade. FO N ÉTICA E FONOLOGIA Tal como o acento afetivo, o acento intelectual é inesperado, brusco, violen­ to, características que os estremam do acento tônico normal, suporte do grupo rítmico e, portanto, esperado, regular. São justamente essas peculiaridades dos dois tipos de acento de insistência que fazem ressaltar vivamente num contexto as palavras sobre as quais eles incidem. D is tin ç õ e s fu n d a m e n ta is O acento intelectual d istin g u e -se d o acento afetivo n ão só p ela fu n ç ã o , m as ta m b é m p o r p a rtic u la rid a d e s fo n éticas. Assim: a) O acento intelectual recai sempre na primeira sílaba da palavra, seja ela iniciada por consoante, seja por vogal. O acento afetivo incide na primeira sílaba da palavra quando esta se inicia por consoante, mas pode recair na sílaba seguinte, se ela começar por vogal. Nas palavras de pequeno corpo o acento afetivo costuma coincidir com o acento tônico normal. Comparem-se: A cento intelectual São razões subjetivas! Foi uma ação arbitrária! Trata-se de ato ilegal! A cento afetivo É um homem miserável! É uma pessoa abominável! Esta criança é um amor! b) Ambos reforçam a consoante inicial da sílaba sobre que recaem, mas o realce que dão à vogal seguinte é de natureza diversa. O acento intelectual aumen­ ta-a em duração, em altura e, sobretudo, em intensidade. O acento afetivo aumenta-a em intensidade, mas principalmente em duração e altura. 75 Capítulo 4 Ortografia (segundo o Acordo Ortográfico de 1990) LETRA E ALFABETO 1. Para reproduzirmos, na escrita, as palavras de nossa língua, empregamos certo número de sinais gráficos chamados letras. O conjunto ordenado das letras de que nos servimos para transcrever os sons da linguagem falada denomina-se alfabeto. 2. O alfabeto da língua portuguesa consta fundamentalmente das seguintes letras: abcdefghijklmnopqrstuvwxyz As letras k, w, e y, só se empregam em dois casos: a) na transcrição de nomes próprios estrangeiros e de seus derivados portu­ gueses: Franklin frankliniano Wagner wagneriano Byron byroniano b) nas abreviaturas e nos símbolos de uso internacional: K (= potássio) W. (= oeste) Observações: O h usa-se apenas: kg (= quilograma) w (= watt) km (= quilômetro) yd. (= jarda) 78 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O a) no início de certas palavras: haver hoje homem b) no fim de algumas interjeições: ah! oh! uh! c) no interior de palavras compostas, em que o segundo elemento, iniciado por h, se une ao primeiro por meio de hífen: anti-higiênico pré-histórico super-homem talho banho d) nos dígrafos ch, lh e nh: chave NOTAÇÕES LÉXICAS Além das letras do alfabeto, servimo-nos, na língua escrita, de certo número de sinais auxiliares, destinados a indicar a pronúncia exata da palavra. Esses sinais acessórios da escrita, chamados notações léxicas, são os seguintes: O ACENTO O 1. O acento p o d e ser ag udo ('), grave (' )e circunflexo ( A ). é empregado para assinalar: a) as vogais tônicas fechadas i e u: acento ag udo aí baú h o r r ív e l açúcar b ) as v o g a is tô n ic a s a b e r ta s e s e m ia b e r ta s há pé am ável tiv é sse is pó h e ró i físic o lú g u b r e a, e e o: p á lid o e x é rc ito in ó s p it o é empregado para indicar a crase da preposição a com a forma feminina do artigo (a, as) e com os pronomes demonstrativos a(s), aquele(s), aquela(s), aquilo: 2. O acento grave à às àquele(s) àquela(s) à q u ilo ORTOGRAFIA 3. O acento circunflexo é empregado para indicar o timbre semifechado das vogais tônicas a, e e o: câmara mês avô cânhamo têxtil pôs hispânico fêmea cômoro O TIL O til ( ~ ) emprega-se sobre o a e o para indicar a nasalidade dessas vogais: maçã caixões mãe põe pão sermões O TREMA Não se usa trema ( " ) na ortografia da língua portuguesa, a não ser em no­ mes e palavras estrangeiras e suas derivadas em português. Assim: aguentar tranquilo Mülller e mülleriano mas frequente Günter sanguíneo, stürmer O APÓSTROFO O apóstrofo ( ’ ) serve para assinalar a supressão de um fonema — geralmen­ te a de uma vogal — no verso, em certas pronúncias populares e em palavras compostas ligadas pela preposição de: c’roa pau-d’alho esp’rança pau-d’arco ’tá bem! (popular) galinha-d’água A CEDILHA A cedilha ( , ) coloca-se debaixo do c, antes de a, o e u, para representar a fricativa linguodental surda [s]: caçar praça maciço poço açúcarmuçulmano O HÍFEN O hífen (-) u sa -se : a ) p a r a lig a r o s e le m e n to s d e p a la v ra s c o m p o s ta s o u d e riv a d a s p o r p re fix a ç ã o : 79 80 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O couve-flor pré-escolar guarda-marinha super-homem beija-flor ex-diretor b) para unir pronomes átonos a verbos: ofereceram-me retive-o levá-la-ei c) para, no fim da linha, separar uma palavra em duas partes, ou sej a, translinear uma sílaba: estudan- / te estu- / dante es- / tudante E m p re g o d o h ífe n n o s c o m p o s to s O emprego do hífen é uma convenção. Estabeleceu-se que “só se ligam por hífen os elementos das palavras compostas em que se mantém a noção da com­ posição, isto é, os elementos das palavras compostas que guardam a sua inde­ pendência fonética, conservando cada um a sua própria acentuação, porém formando o conjunto perfeita unidade de sentido”. Dentro desse princípio, deve-se empregar o h ífen : 1. °) nos compostos cujos elementos, reduzidos ou não, perderam a sua sig­ nificação própria: água-marinha, arco-íris, para-choque, bel-prazer, és-sueste, monta-carga, marca-passo, lero-lero, mata-mata etc.; Nos seguintes casos os elementos se aglutinam, sem hífen portanto: giras­ sol, madressilva, mandachuva, passatempo, pontapé, paraquedas, paraquedismo, paraquedista; 2. °) nos compostos com o primeiro elemento de forma adjetiva, reduzida ou não: afro-asiático, dólico-louro, galego-português, greco-romano, histórico-geográ­ fico, ínfero-anterior, latino-americano, luso-brasileiro, lusitano-castelhano; 3. °) nos topônimos compostos iniciados pelos adjetivos Grã, Grão, ou por forma verbal, ou quando os elementos estão ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará, Passa-Quatro, Todos-os-Santos, mas Belo Horizonte, Cabo Verde, Santa Catarina (estes sem hífen porque não se enquadram na regra) etc.; 4. °) em palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas estejam ou não ligadas por preposição ou por qualquer outro elemento: bem-me-quer, ervilha-de-cheiro, formiga-branca, bem-te-vi etc. Obs.: malmequer já se escrevia aglutinadamente, e essa exceção é mantida; 5. °) nos compostos com os advérbios bem- e mal-, quando o elemento se­ guinte começa por vogal ou h: bem-educado, bem-humorado, mal-agradecido, mal-habituado; O advérbio bem, ao contrário de maL, pode não se aglutinar com o segundo elemento quando ele começa por consoante: bem-nascido, malnascido, bem-falante, ORTOGRAFIA malfalante, bem -m andado, m alm andado etc.; mas, em muitos compostos, bem aglu­ tina-se com o segundo elemento; benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença etc.; 6. °) nos compostos com sem , além , a q u ém e recém: sem -cerim ônia, a lém -m ar, aquém -fronteiras, recém -casado; 7. °) não se usa hífen em locuções de qualquer tipo, sejam, substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, salvo as se­ guintes exceções: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, m a is-q u e-p erfeito, p é -d e -m e ia (pecúlio), ao deus-dará, à q u eim a -ro u p a . Portanto: fim de se m a ­ na, sala de ja n ta r, cor de café, cada u m , q u em quer q u e seja, à vontade, depois de a m a n h ã , a fim de, acerca de, contanto que, visto que etc. E m p re g o d o h ífe n n a s fo rm a ç õ e s p o r p re fix a ç ã o , re c o m p o s iç ã o e s u fix a ç ã o l.°) Nas formações com prefixos, como ante-, a n ti-, circum -, co-, contra-, entre- extra-, hiper-, infra-, in tra -, pós-, pré-, sobre-, su b -, super-, ultra- etc., e em formações por recomposição com falsos prefixos ou pseudoprefixos (de origem grega ou latina) como aero-, agro-, arqui-, a u to -, hio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, m acro-, m a x i-, m icro-, m in i-, m u lti-, neo-, p a n -, p lu rí-, p ro to -, p seudo-, retro-, sem i-, tele- etc, só se usa hífen ; a) nas formações em que o segundo elemento começa por h: a n ti-h ista m ín ico , pan-helênico, sobre-h u m a n o , sub-hepático, su p e r-h o m e m etc.; Obs.: como exceção a essa regra, co-, des-, dis-, in - e re se aglutinam com o segundo elemento, eliminando o h: coabitar, coerdeiro, desum ano, disidria, inábil, reabilitar, reospitalizar etc.; b) nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina na mesma vogal pela qual começa o segundo elemento: anti-inflacionário, neo-ortodoxo, sem iinterno, supra-auricular, arqui-inim igo, sobre-edificar, ante-estreia’, Obs.: são exceções a essa regra co- e re-: coordenar, coobrigação, reeleição, reerguer etc; c) nas formações com o prefixo circum- e o pseudoprefixo pan- quando o segundo elemento começa por vogal, m o u n (além do h já mencionado na regra geral): circum -navegação, circum -m editerrâneo, circum -oceânico, p a n oftálm ico, p a n -n a c io n a lism o ’, d) nas formações com os prefixos hiper-, inter- e super-, quando o segundo elemento começa por r: hiper-religioso, inter-relacionado, super-resistente; e) nas formações com os prefixos ex- (estado anterior, cessamento), sota-, soto-, vice- (ou vizo): ex-aluno, ex-presidente, sota-piloto, soto-m estre, vice-alm irante, vice-governador, vizo-rei f) nas formações com os prefixos tônicos pós-, pré- e p ró - (as formas átonas se aglutinam com o segundo elemento): pós-graduação (mas pospor), p réuniversitário (mas p red izer),p ró -a frica n o (mas p ro a tiv o ); 81 82 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O g) com ab-, ad-, ob-, sob-, e sub-, quando seguidos de radical iniciado por r ou pela mesma consoante em que termina o prefixo: ab-rogar, ad-rogação, obreptício, sob-roda sub-reino, a d -digital, sub-bibliotecário; 2.°) Não se u s a h ífen : a) nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal, e o segundo elemento começa por r ou s, que devem ser duplicados: contrarregra, suprarrenal, pseudorreação, antisséptico, ultrassom , m inissaia; b) nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal, e o segundo elemento começa por vogal diferente ou consoante (com exceção dos casos particulares já mencionados de h, r e s : extraescolar, antiaéreo, a u toeducação, a u to d id a ta , extracurricular, supram encionado, hidroeletricidade, m icrocâm era, intracelular etc. c) em locuções, de qualquer tipo, com exceção de água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa e em nomes de plantas ou animais. 3.°) Nas formações por sufixação, só se emprega o hífen em vocábulos termi­ nados em sufixos de origem tupi-guarani que representam formas adjetivas (como -açu, -g u a ç u ,-m ir im ) quando o primeiro elemento termina em vogal acentuada graficamente ou quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois elementos: am oré-guaçu, andá-açu, C ea rá -M irim , capim -açu. E m p re g o d o h ífe n n a ê n c lis e , n a m e s ó c lis e e co m a s fo r m a s d o v e rb o h a v e r 1. °) Emprega-se o hífen na ênclise e na mesóclise (ou tmese): am á-lo, faz-se, dizer-lhe, am á -lo -em o s, enviar-lhe-ei. 2. °) Usa-se hífen nas ligações de formas pronominais enclíticas ao advérbio eis e nas combinações de formas pronominais quando em próclise: eis-m e, ei-lo, eis-nos; no-lo, vo-las. 3. °) Não se usa hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábi­ cas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, há de, hão de. P a r t iç ã o d a s p a la v ra s n o fim d a lin h a Quando não há espaço no fim da linha para escrevermos uma palavra inteira, podemos dividi-la em duas partes. Essa separação, que se indica por meio de um h ífen , obedece às regras de silabação. São inseparáveis os elementos cons­ tituintes de cada sílaba. Convém, portanto, serem respeitadas as seguintes normas: l.a) Não se separam as letras com que representamos: a) os ditongos e os tritongos, bem como os grupos ia, ie, io, oa, ua, ue e uo, que, quando átonos finais, soam normalmente numa sílaba ( d it o n g o crescente ), mas podem ser pronunciados em duas ( hiato ): ORTOGRAFIA au-ro-ra mui-to par-tiu a-guen-tar Pa-ra-guai gló-ria cá-rie Má-rio má-goa ré-gua tê-nue con-tí-guo b) os encontros consonantais que iniciam sílaba e os dígrafos ch, lh e nh: pneu-má-ti-co psi-có-lo-go mne-mô-ni-co a-bro-lhos es-cla-re-cer re-gre-dir ra-char fi-lho ma-nhã 2.a) Separam-se as letras com que representamos: a) as vogais de hiatos: co-or-de-nar ca-í-eis fi-el mi-ú-do ra-i-nha sa-ú-de b) as consoantes seguidas que pertencem a sílabas diferentes: ab-di-car abs-tra-ir bis-ne-to oc-ci-pi-tal sub-ju-gar subs-cre-ver 3.a) Separam-se também as letras dos dígrafos rr, ss, sc, sç e xc: ter-ra pro-fes-sor des-cer abs-ces-so cres-ça ex-ce-der Observações: l .a) Quando a palavra já se escreve com - quer por ser composta, quer por ser uma forma verbal seguida de pronome átono e coincidir o fim da linha com o lugar onde está o hífen, recomenda-se repeti-lo, por clareza, no início da linha seguinte. Assim: hífen couve-flor = couve- / -flor unamo-nos - unamo- / -nos Observe-se a diferença de significado que ocorre em separação do pronome sem a indicação do hífen: Prazer de ver-me e não Prazer de verme 83 84 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2.“) Embora o sistema ortográfico vigente o permita, não se deve escrever no princípio ou no fim da linha uma só vogal. Evite-se, por conseguinte, a partição de vocábulos como água, aí, aqui, baú, rua, etc. Melhor será também que se dividam vocábulos como abrasar, aguentar, agradar, equidade, ortografia, pavio e outros apenas nos lugares indicados pelo hífen : abra-sar equi-da-de aguen-tar or-to-gra-fia agra-dar pa-vio REGRAS DE ACENTUAÇÃO A acentuação gráfica obedece às seguintes regras: l.a) Assinalam-se com acento agudo os vocábulos oxítonos que terminam em a aberto,e e o semiabertos,e com acento circunflexo os que acabam em e e o semifechados, seguidos, ou não, de s: cajá, hás, jacaré, pés, seridó, sós; dendê, lês, trisavô; etc. Observação: Nesta regra se incluem as formas verbais em que, depois de a, e, o, se assimilaram o r, o s e o z ao l dos pronomes lo, la, los, las, caindo depois o primeiro /: dá-lo, contá-la, fá-lo-á, fê-los, movê-las-ia, pô-los, qué-los, sabê-lo-emos, trá-lo-ás, etc. 2. a) Todas as palavras proparoxítonas devem ser acentuadas graficamente: recebem acento agudo as que têm na antepenúltima sílaba as vogais a aberta, e ou o semiabertas, i ou u; e levam acento circunflexo aquelas em que figuram na sílaba predominante as vogais a, e ou o semifechadas: árabe, exército, gótico, lím pido, louvaríam os, público, úm brico; lâ m in a , lâm pada, devêssemos, lêm ures, p êndula, fôlego, recôndito, etc. Observações: 1. a) Incluem-se neste preceito os vocábulos terminados em encontros vocálicos que costumam ser pronunciados como ditongos crescentes: área, espontâneo, igno­ rância, imundície, lírio, mágoa, régua, vácuo, etc. 2. a) Nas palavras proparoxítonas que têm, na antepenúltima sílaba, as vogais ct.ee o seguidas de m ou n, estas são, no português-padrão do Brasil, sempre semifechadas (em geral nasalizadas), razão por que levam acento circunflexo. No português-padrão de Portugal, podem ser semifechadas ou semiabertas, pelo que a ortografia em vigor faculta que se lhes ponha acento circunflexo, se forem semifechadas, e acento agudo, se semiabertas. Por isso, de acordo com a pronúncia-padrão, escrevem-se no Brasil: âmago, ânimo, fêmea, sêmola, cômoro e, da mesma forma, acadêtnico, anémona, cêni­ co, Amazônia, Antônio, fenômeno, quilômetro; ao passo que em Portugal, também de acordo com a pronúncia-padrão, se adotam as grafias âmago, ânimo, fêmea, sêmola, cômoro, mas académico, anémona, cénico, Amazónia, António, fenómeno, quilómetro. 3. a) Os vocábulos paroxítonos finalizados em i ou w, seguidos, ou não, de s, marcam-se com acento agudo quando na sílaba tônica figuram a aberto, e ou ORTOGRAFIA o semiabertos, i ou u fechados; e com circunflexo quando nela figuram a, e e o semifechados: lápis, beribéri, miosótis, íris, júri, dândi, tênis, bônus. Observações: 1. a) Paralelamente ao que ocorre com as palavras proparoxítonas, nas paroxítonas, que têm na penúltima sílaba as vogais a, e e o seguidas de m ou n, estas são, no português-padrão do Brasil, sempre semifechadas (em geral nasalizadas), pelo que levam acento circunflexo. No português-padrão de Portugal podem ser ou semife­ chadas ou semiabertas, pelo que recebem acento circunflexo, se são semifechadas, e acento agudo, se semiabertas - essas as razões por que se adotam, no Brasil, as grafias ânus, certâmen, e também fêmur, Fênix, tênis, ônus, bônus; ao passo que, em Portugal, se escrevem ânus, certâmen (como no Brasil), mas fémur, Fénix, ténis, ónus, bónus. 2. a) Entre as palavras paroxítonas, cumpre ressaltar o caso da l.a pessoa do plu­ ral dos verbos da I a conjugação, que, no presente e no pretérito perfeito do indi­ cativo, apresentam a tônico seguido de m. No português-padrão do Brasil (e em vários dialetos portugueses meridionais) a vogal é igualmente semifechada nos dois tempos, enquanto no português-padrão de Portugal ela é semifechada no presente e aberta no pretérito perfeito do indicativo.1Assim sendo, nenhuma das formas é acentuada no Brasil, mas admite-se, facultativa mente, o acento agudo na Ia pessoa do plural do pretérito perfeito: amamos (presente), amámos (pretérito perfeito). 3. a) Também no português-padrão do Brasil, a forma demos pronuncia-se com e semifechado [e], seja ela l.a pessoa do presente do subjuntivo ou do pretérito perfeito do indicativo, razão por que não recebe nenhum acento gráfico. É facultativa a forma dêmos no presente do subjuntivo. Já no português-padrão europeu, a vogal é semifechada no presente do subjuntivo [e] e semiaberta no pretérito perfeito do indicativo [£], pelo que a ortografia portuguesa admite apor-lhe um acento agudo no segundo caso. Daí as grafias demos (presente do subjuntivo) e dêmos (pretérito perfeito do indicativo). 4. “) No português-padrão do Brasil, não há mais acento gráfico nas vogais e t o semiabertas dos ditongos ei e oi quando em sílaba tônica de palavras paroxítonas: as­ sembleia, hebreia, ideia, epopeico, joia, tipoia, heroico, apoio; as mesmas vogais, quando semifechadas, tampouco recebem acento: meia, cheia, maneira, apoio, joio, açoite. No português-padrão de Portugal, não se diferenciam fonicamente éi e ei, razão por que o e nunca foi acentuado. O ditongo é no caso sempre pronunciado [aj]. Os ditongos semiabertos éi, éu, ói, quando tônicos em palavras oxítonas, pro­ paroxítonas e paroxítonas terminadas em ditongos crescentes, recebem o acento: bacharéis, chapéu, rouxinóis, herói, aracnóideo, etc. 5. a) As palavras paroxítonas terminadas em -oo, que têm a mesma pronúncia (fe­ chada) em todo o domínio do idioma, não são acentuadas graficamente: enjoo, voo. 6. a) Emprega-se o acento circunflexo sobre a vogal tônica semifechada da forma pôde, do pretérito perfeito do indicativo, para distingui-la de pode, do presente do indicativo, com vogal tônica semiaberta. Também recebe acento o verbo pôr para distingui-lo da preposição por. É facultativo o acento circunflexo em fôrma(s), para distinguir do substantivo formas e das flexões formas e forma, do verbo formar. 1 Em certos dialetos portugueses setentrionais, a vogal a é, em geral, aberta nos dois tempos. 85 86 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 7.a) As palavras paroxítonas terminadas em -um, -uns recebem acento agudo na sílaba tônica: álbum, álbuns, etc. 8.1') Não se acentuam os pseudoprefixos paroxítonos terminados em -i: semioficial, etc. 4. a) P õ e-se a c e n to a g u d o n o i e n o u tô n ic o s q u e n ã o fo rm a m d ito n g o c o m a vogal a n te rio r: aí, balaústre, cafeína, caís, contraí-la, distribuí-lo, egoísta, faís­ ca, heroína, juízo, país, peúga, saía, saúde, timboúva, viúvo, etc. Observações: 1. a) Não se coloca o acento agudo no i e no u quando, precedidos de vogal que, com eles, não forma ditongo, e são seguidos de l, m, n, r ou z que não iniciam sílabas e, ain­ da, nlr. adail, contribuinte, demiurgo, juiz, paul, retribuirdes, ruim, tainha, ventoinha, etc. 2. a) Quando as vogais i e u ocorrem na sílaba tônica de palavras paroxítonas, não recebem acento gráfico se são precedidas de ditongo: baiuca, boiuno, feiura. Atenção: essa regra não incide em palavras oxitonas e proparoxítonas, como aiúbida, bauínia, teiú, tuiuiús. 3. “) Também não se assinala com acento agudo a base dos ditongos tônicos iu e ui quando precedidos de vogal: atraiu, contribuiu, pauis, etc. 5. a) N ã o receb e a c e n to a g u d o o u tô n ic o p re c e d id o de g o u q e se g u id o d e o u i n a s flexões riz o tô n ic a s d o s v e rb o s arguir, redarguir, aguar, apaniguar, apa­ e ziguar, apropinquar, averiguar, obliquar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir e afins: argui, arguis, redargui, redargúem etc. N os v erb o s aguar, apaniguar, apaziguar, apropinquar, averiguar, obliquar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir, as fo rm a s riz o tô n ic a s o u são a c e n tu a d a s n o u , m a s se m a c e n to gráfico (c o m o e m arguir e redarguir) o u tê m as fo rm a s averíguo, averigues, enxáguo, eivxágues, delínquo, delínquem etc. 6. a) M arca-se c o m o a c e n to a g u d o o e d a te rm in a ç ã o em o u ens d as p alav ras o x ito n as: alguém, armazém, convém, convéns, detém-no, mantém-na, parabéns, retém-no, também, etc. O bservação: 1. a) Não se acentuam graficamente os vocábulos paroxítonos finalizados por em ou ens: ontem, origem, imagens, jovens, nuvens, etc. 2. a) A terceira pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos ter, vir e seus compostos recebe acento circunflexo no e da sílaba tônica: (eles) contêm, (elas) convêm, (eles) têm, (elas) vêm, etc. 3. a) Não recebem acento circunflexo oriundo do singular crê, dê, lê, vê as formas plurais desses verbos e de seus compostos: creem, deem, leem, veem, descreem, desdeem, releem, reveem, etc. ORTOGRAFIA 7. a) Sobrepõe-se o acento agudo ao a aberto, ao e ou o semiabertos e ao i ou u da penúltima sílaba dos vocábulos paroxítonos que acabam em /, n, r, e x; e o acento circunflexo ao a, e e o semifechados: açúcar, afável, a lú m e n , córtex, éter, h ífen , aljôfar, â m b a r, cânon, êxu l, etc. Observações: Não se acentuam graficamente os prefixos paroxítonos terminados em r. inter-humano, super-homem, etc. 8. a) Marca-se com o competente acento, agudo ou circunflexo, a vogal da sílaba tônica dos vocábulos paroxítonos acabados em ditongo oral: ágeis, devê­ reis, escrevêsseis, faríeis, férteis, fósseis, fôsseis, im óveis, jó q u ei, pênseis, pusésseis, quisésseis, tínheis, túneis, úteis, variáveis, etc. 9. a) Usa-se o til para indicar a nasalização, e vale como acento tônico se ou­ tro acento não figura no vocábulo: afã, capitães, coração, devoções, p õ e m , etc. Observação: Se é átona a sílaba onde figura o til, acentua-se graficamente a predominante: acórdão, bênção, órfã, etc. 10. a) Como já mencionado, não se usa trema para indicar a pronúncia do u quando precedido deg e de q, a não ser em palavras e nomes estrangeiros e suas derivadas em português; mantém-se a pronúncia do u mas grafa-se: aguentar, arguição, eloquente, tranquilo, fre q u e n te etc. 1l.a) Não têm acento diferencial as palavras homógrafas paroxítonas p ara (flexão de p arar), para (preposição) p ela (s) (s.fi), p ela (s) (flexão de pelar), pela(s) [è] (por+a[s]) pelo (flexão d e p e la r), pelo(s)[ê] (s.m.), p elo(s)[ê] (por+o[s]) pera(s)[é] (s.f.), pera(s)[ê] (s.f), pera [é] (prep. para) polo(s)[ó] (s.m.), polo(s)[ô] (p o v+ \o [s]),p o lo (s)[ô ] (s.m .) (‘falcão’, ‘gavião*) Em Portugal, a ortografia oficialmente adotada é a do Acordo ortográfico de 1945, assinado em Lisboa, a 10 de agosto de 1945, por uma Comissão composta de membros da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras. Esse Acordo não entrou em vigor no Brasil por não ter sido ratificado pelo Congresso Nacional. i No Brasil vigoram oficialmente as normas do Formulário ortográfico de 1943, consubstan­ ciadas no Vocabulário ortográfico, publicado no mesmo ano, com as leves alterações determinadas pela Lei n.° 5.765, de 18 de dezembro de 1971. 4 Há, porém, no portugués-padrão de Portugal, vogais pretônicas, provenientes de antiga crase, que conservam o timbre aberto ([a]) ou semiaberto ([e], [o]), sem que o fato seja assinalado na escrita. Assim: padeiro, pegada, corar. 87 88 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 12.a) O acento grave assinala as contrações da preposição a com o artigo a e com os pronomes demonstrativos a, aquele-, aqueloutro, aquilo, as quais se escreverão assim: à, às, àquele, àqueles, àquelas, àquilo, àqueloutro, àqueloutra, àqueloutros, àqueloutras. DIVERGÊNCIAS ENTRE AS ORTOGRAFIAS OFICIALMENTE ADOTADAS EM PORTUGAL E NO BRASIL Além das divergências atrás mencionadas que dizem respeito à diversidade de pronúncia de certas vogais tônicas - em virtude da qual admite-se a dupla grafia — , persiste ainda uma importante diferença entre os sistemas ortográfi­ cos oficialmente adotados em Portugal e no Brasil': o tratamento das chamadas “consoantes mudas” No Brasil, por disposição do Form ulário ortográfico de 1943, as consoantes eti­ mológicas finais de sílaba (implosivas), quando não articuladas — ou seja, quan­ do “mudas” — deixaram de se escrever. Em Portugal, no entanto, em conformi­ dade com o texto do Acordo de 1945, continuaram a ser grafadas sempre que se seguem às vogais átonas a (aberta), e ou o (semiabertas), como forma de indicar a abertura dessas vogais. Por uma razão de coerência, mantêm-se tais consoantes em sílaba tônica nas palavras pertencentes à mesma família ou flexão. Essa forma de distinguir, no português europeu, as pretônicas abertas ou se­ miabertas das reduzidas não se justifica no Português do Brasil, em cuja pronún­ cia-padrão não há pretônicas reduzidas, tendo-se as vogais nesta posição neutrali­ zado num a aberto e num e ou num o semifechados. Daí escrever-se em Portugal: acto, acção, accionar, accionista, baptism o, baptizar, director, conecto, correcção, óptim o, optim ism o, adaptar, adopção; e no Brasil: ato, ação, acionar, acionista, ba­ tismo, batizar, diretor, correto, correção, ótim o, otim ism o, adotar, adoção. Existe, no entanto, certo número de palavras em que a consoante final de sílaba é articulada tanto em Portugal como no Brasil e, nesse caso, a ortografia dos dois países é uniforme. Assim: autóctone, com pacto, apto, inepto, etc. Raríssimos são os exemplos que se apontam em que esta consoante é efeti­ vamente pronunciada em Portugal e não no Brasil, como fa c to (em Portugal) e fa to (no Brasil). Finalmente, há casos em que se verifica uma oscilação em ambas as varian­ tes do português e nos quais a ortografia brasileira (e não a portuguesa) admite grafias duplas: aspecto / aspeto, dactilografia / datilografia, infecção / infeção, etc. (em Portugal as únicas grafias admitidas são aspecto, dactilografia, infecção etc.) 5 As regras ortográficas para o Brasil, Portugal e todos os países lusófonos foram modificadas pelo Acordo Ortográfico de 1990, que entrou em vigor no Brasil a partir de 2009, e que admite esses casos de dupla grafia. Capítulo 5 Classe, estrutura e formação de palavras PALAVRA E MORFEMA 1. Uma língua é constituída de um conjunto infinito de frases. Cada uma delas possui uma face sonora, ou seja a cadeia falada, e uma face significativa, que corresponde ao seu conteúdo. Uma frase, por sua vez, pode ser dividida em unidades menores de som e significado — as p a l a v r a s — e em unidades ainda menores, que apresentam apenas a face significante — os f o n e m a s . As palavras são, pois, unidades menores que a frase e maiores que o fonema. Assim, na frase Évora! Ruas ermas sob os céus Cor de violetas roxas... (F. Espanca, S, 149) distinguimos dez palavras, todas com independência ortográfica. E em cada uma dessas palavras identificamos um certo número de fonemas. Por exemplo, cinco em Évora: fel M foi Irl /a/, e quatro em ruas: /r/ /u/ /a/ /s/ 2. Existem, no entanto, unidades de som e conteúdo menores que as palavras. Assim, em ruas temos de reconhecer a existência de duas unidades significati­ 90 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O vas: rua e -5.0 primeiro elemento - rua - também se emprega como palavra isolada ou serve para formar outras palavras isoladas: arruaça, arruamento, etc. Já a forma plural -s, que vai aparecer no final de muitas outras palavras (ermas, céus, violetas, roxas, etc.), nunca poderá realizar-se como palavra individual, autônoma. A essas u n id a d e s s ig n ific a tiv a s m ín im a s d á - s e o n o m e d e m o rfem a . 3. Os morfemas podem apresentar variação, por vezes acentuada, em suas rea­ lizações fonéticas. É o caso do morfema plural do português, cuja pronúncia está sempre condicionada à natureza do som seguinte. Nos falares de Lisboa e do Rio de Janeiro, por exemplo, o -s plural de casas assume forma fonética diferente em cada um dos três enunciados: Casas amarelas. Casas bonitas. Casas pequenas. Realiza-se: a) como [z], ao ligar-se à vogal inicial da palavra amarelas; b) como [3 ], antes da palavra bonitas, iniciada por consoante sonora; c) como [J], antes da palavra pequenas, iniciada por consoante surda. A última realização [J] é também a que apresenta o morfema de plural diante de pausa, como podemos observar nas formas amarelas, bonitas e pequenas dos exemplos citados. A essas manifestações fonéticas diferentes de um único morfema dá-se o nome de variante de morfema o u alom orfe . T IP O S D E M O RFEM A S 1. Quando, na análise da palavra ruas, distinguimos dois morfemas, observamos que um deles - rua - forma por si só um vocábulo, enquanto o morfema -s não tem existência autônoma, aparecendo sempre ligado a um morfema an­ terior. Os linguistas costumam chamar morfemas livres os que podem figurar sozinhos como vocábulos, e morfemas presos aqueles que não se encontram nunca isolados, com autonomia vocabular. 2. Quanto à natureza da significação, os morfemas classificam-se em lexicais e GRAMATICAIS. Os morfemas lexicais têm significação externa, porque referente a fatos do mundo extralinguístico, aos símbolos básicos de tudo o que os falantes dis­ tinguem na realidade objetiva ou subjetiva. C L A S S E , E S T R U T U R A E F O R M A Ç Ã O DE P A L A V R A S Assim: Évora erma céu cor roxa rua tristeza violeta Já a significação dos morfemas gramaticais é interna, pois deriva das relações e categorias levadas em conta pela língua. Assim, em nossa frase-exemplo, o artigo o, as preposições de e sob, a marca de feminino -a (rox-a, erm-a) e a de plural -s ( rua-s, erma-s, o-s, céu-s, violeta-s, roxa-s). 3. Outras características, não semânticas, opõem os morfemas lexicais aos gramaticais. Aqueles são de número elevado, indefinido, em virtude de constituírem uma classe aberta, sempre passível de ser acrescida de novos elementos; estes pertencem a uma série fechada, de número definido e restrito no idioma. Em decorrência, se os examinarmos num dado texto, verifica­ remos que os primeiros apresentam frequência média baixa, em contraste com a frequência média alta dos últimos. Observações: 1. a) O s m o rfe m a s le x ic a is são ta m b é m c h a m a d o s lf.xf.mas ou semantemas. A os m o rfe m a s g ra m a tic a is lin g u is ta s m o d e rn o s c o s tu m a m d a r o n o m e de gramemas OU de EORMANTES. 2. a) Não se deve confundir o conceito de significação linguística interna, aplicável aos morfemas gramaticais, com a ideia de morfema vazio, desprovido de conteúdo, infelizmente muito vulgarizada. Basta atentarmos nos efeitos que a autora do texto abaixo obtém da oposição entre as preposições em, com, para e por para nos certifi­ carmos de que os morfemas gramaticais têm a sua significação própria: Hoje eu queria andar lá em cima, nas nuvens, com as nuvens, pelas nuvens, p a ra as n u v e n s . (C. Meireles, Q, 1,119.) C LA SSES D E PA LA VRAS 1. Estabelecida a distinção entre morfema lexical e morfema gramatical, po­ demos agora relacionar cada um deles com as c l a s s e s d e p a l a v r a s . São morfemas lexicais os substantivos, os adjetivos, os verbos e os advérbios de modo. São morfemas gramaticais os artigos, os pronomes, os numerais, 91 92 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O as preposições, as conjunções e os demais advérbios, bem como as formas indicadoras de número, gênero, tempo, modo ou aspecto verbal. 2. As dasses de palavras podem ser também agrupadas em v a r iá v e is e in v a r iá v e is , de acordo com a possibilidade ou a impossibilidade de se combinarem com os morfemas flexionais ou desinências. São variáveis os substantivos, os adjetivos, os artigos e certos numerais e pronomes, que se combinam com morfemas gramaticais que expressam o gênero e o número; o verbo, que se liga a morfemas gramaticais denotadores do tempo, do modo, do aspecto, do número e da pessoa. São invariáveis os advérbios, as preposições, as conjunções e certos pronomes, classes que não admitem se lhes agregue uma desinência. A interçeição, vocábulo-frase, fica excluída de qualquer das classificações. ESTRUTURA DAS PALAVRAS R A D IC A L Ao que chamamos até agora m o r f e m a l e x i c a l dá-se tradicionalmente o nome de r a d i c a l . É o radical que irmana as palavras da mesma família e lhes transmite uma base comum de significação. A ele se agregam, como vimos, os morfemas gramaticais , que podem ser uma d e s in ê n c ia ( o u m o r fe m a fl e x io n a l ), um afixo ( o u m o r fe m a d e r iv a cio n a l ) o u uma vogal tem ática . D ESIN ÊN C IA As desinências , o u morfemas flexionais, servem para indicar: a) o gênero e o número dos substantivos, dos adjetivos e de certos pronomes; b) o número e a pessoa dos verbos. Assim, no adjetivo ermas e numa forma verbal como renovamos, temos as seguintes desinências: -a, -s, -mos, para caracterizar o feminino (em ermas)', para denotar o plural (em ermas)-, para expressar a l.a pessoa do plural (em renovamos). Há, por conseguinte, em português verbais . desinências n o m in a is e desinências C L A S S E , E S T R U T U R A E F O R M A Ç A O DE P A L A V R A S D esinências n o m in a is . G São: N ú m ero ên ero M asculino Fem inino -0 -a Singular Plural -s — O singular caracteriza-se pela ausência de qualquer desinência, ou melhor, pela desinência - zero , pois a falta, no caso, é um sinal particularizante. de pessoa e número são expressas nos verbos por desinências especiais, que podemos distribuir por três grupos: desinências do presente do indicativo, do pretérito perfeito do indicativo e do infinitivo pessoal (= futuro do subjuntivo): D esinências verbais . As flexões P P r e t é r it o P e r f e it o resen te I n f in it iv o P e s s o a l Fur. o o S u b j u n t iv o Pessoa Singular Plural Singular Plural Singular Plural 1.a -0 -m o s -i -m o s — -m o s 2.a -s -is (-d e s) -ste -ste s -e s -d e s 3.a — -m -u -ra m — -e m Nas outras formas finitas, as desinências são as mesmas do presente do indi­ cativo, salvo na primeira pessoa do singular, que, como a terceira, se caracteriza pela falta de qualquer desinência. Observação: Para facilitar a aprendizagem, dissemos que a desinência da 3.a pessoa do plu­ ral é -m (ou -ram, -em). Mas, em verdade, o -m que aí aparece é um mero símbolo gráfico, pois nestas formas verbais as terminações -am e -em são apenas modos de representar, na escrita, os ditongos nasais átonos [ãw] e [ej ]. A FIX O Os a fix o s , ou m o r fe m a s DERivAciONAis, são elementos que modificam geralmente de maneira precisa o sentido do radical a que se agregam. Os a fi­ xos que se antepõem ao radical chamam-se prefixos ; os que a ele se pospõem denominam-se sufixos . 93 94 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Assim, em desterrar e renovamos aparecem os prefixos: des-, re-, que empresta ao primeiro verbo a ideia de separação; que ao segundo acrescenta o sentido de repetição de um fato. Os sufixos , como as desinências, unem-se à parte final do radical. Mas, en­ quanto estas caracterizam apenas o gênero, o número ou a pessoa da palavra, sem lhe alterar o sentido lexical ou a classe, os sufixos transformam substancialmente o radical a que se juntam. Assim, em terroso, terreiro, novinho e novamente, encontramos os sufixos: -oso, que do substantivo terra forma um adjetivo (terroso); -eiro, que do substantivo terra forma outro substantivo (terreiro); -inho, que do adjetivo novo forma um diminutivo (novinho); -mente, que do feminino do adjetivo novo forma um advérbio (novamente). O bservação: Esta distinção entre sufixo e desinência, nem sempre observada pelos linguistas modernos, pertence à análise mórfica tradicional. Poderíamos simplificar a classificação desses morfemas gramaticais: 1. °) considerando-os apenas sob o aspecto formal, caso em que a denominação de sufixo, com abarcá-la, dispensaria a de desinência; 2. °) distinguindo-os pelo aspecto funcional: as desinências identificar-se-iam com os morfemas flexionais, e os sufixos seriam somente morfemas derivacionais. Nesta última hipótese, as características de tempo e modo e, por extensão, as das formas nominais do verbo ficariam incluídas nas desinências. VO G AL T E M Á T IC A Na análise da forma verbal renovamos, distinguimos três elementos forma­ tivos: a) o radical : novb) a desinência n ú m er o - pessoal: -mos c) o prefixo : reFalta identificarmos apenas a vogal a, que aparece entre o radical nov- e a desinência -mos, vogal que encontramos também na forma de infinitivo fumar, entre o radical fum- e a desinência -r. Nos dois casos, vemos, ela está indicando que os verbos em causa pertencem à 1 .a conjugação. A essas vogais que caracterizam a conjugação dos verbos dá-se o nome de vogais tem áticas . São elas: C L A S S E , E S T R U T U R A E F O R M A Ç Ã O DE P A L A V R A S -a -, -e -, -i-, para os verbos da l.a conjugação (fum-a-r, renov-a-mos); para os da 2.a (dev-e-r, faz-e-mos); para os da 3.® (part-i-r, constru-í-mos). O radical acrescido de uma vogal tem At ic a , isto é, pronto para receber uma desinência (ou um sufixo), denomina-se tem a . O bservação: Não há acordo entre os linguistas quanto à inclusão das vogais temáticas entre os morfemas. Parece-nos que, assim como as desinências, elas fazem parte dos morfemas gramaticais categóricos, pois também distribuem os radicais em classes. Por si mesmas nada significam, mas poder-se-ia talvez dizer que, no caso, a função é a significação. V O G A L E CO N SO AN TE DE LIGAÇÃO Os elementos mórficos até aqui estudados entram sempre na estrutura do vocábulo com determinado valor significativo externo ou interno. Há, porém, outros que são insignificativos, e servem apenas para evitar dissonâncias (hiatos, encontros consonantais) na juntura daqueles elementos. Se examinarmos, por exemplo, os vocábulos gasómetro e cafeteira, verifica­ remos que: a) o primeiro é formado de dois radicais gás- + -metro, ligados pela vogal -o-, sem valor significativo; b) o segundo é constituído do radical café- + o sufixo -eira, entre os quais aparece a consoante insignificativa -t- para evitar o desagradável hiato -éê-, A esses sons, empregados para tornar a pronúncia das palavras mais fácil ou eufônica, dá-se o nome de vogais e consoantes de ligaçào . O bservação: Observa-se na linguística moderna a tendência generalizada de não isolar tais elementos na análise mórfica, preferindo-se considerá-los como parte do radical ou do afixo, que, então, se apresentariam sob a forma de variantes (ou alomorfes) relativamente a outras ocorrências suas em contextos diversos. Com efeito, à se­ melhança dos fonemas, os morfemas podem apresentar variantes em sua forma, embora se mantenham semântica e funcionalmente inalterados. Assim, do prefixo in- (im-) há uma variante i-, fonologicamente condicionada, porquanto ocorre tão somente antes de consoante nasal, lateral e vibrante: infeliz, imbatível, mas imoral, ilegal, irregular. 95 96 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O FORMAÇÃO DE PALAVRAS PA LA VRAS P R IM IT IV A S E D ER IV A D A S Chamam-se p r im it iv a s as palavras que não se formam de nenhuma outra e que, pelo contrário, permitem que delas se originem novas palavras no idioma. Assim: fumo mar novo pedra Denominam-se d e r iv a d a s as que se formam de outras palavras da língua mediante o acréscimo ao seu radical de um prefixo ou um sufixo. Assim: fumoso defumar marinha marear novinho renovar pedreiro empedrar PA LA VRAS S IM P LE S E COM POSTAS As palavras que possuem apenas um radical, sejam primitivas, sejam deri­ vadas, denominam-se s i m p l e s . Assim: mar marinha pedra pedreiro São c o m p o s t a s as que contêm mais de um radical: quebra-mar aguardente guarda-marinha pernalta pedra-sabão pontapé pedreiro-livre vaivém O bservação: Note-se que, na língua atual, muitas formas compostas não são mais sentidas como tais pelos falantes. É o caso de aguardente, de pontapé, etc. FAMÍLIAS DE PALAVRAS Denomina-se f a m í l i a d e p a l a v r a s o conjunto de todas as palavras que se agrupam em torno de um radical comum, do qual se formaram pelos proces­ sos de derivação ou de composição que estudaremos desenvolvidamente no capítulo seguinte. Capítulo 6 Derivação e composição FORMAÇÃO DE PALAVRAS Deixando de lado a viva controvérsia entre linguistas contemporâneos sobre a área a que efetivamente pertence a f o r m a ç ã o d e p a l a v r a s - se à morfologia, o seu domínio tradicional, se ao léxico ou à semântica, ou, mesmo, se à sintaxe - , procuraremos tratar a matéria deste capítulo interligada com a do anterior e com respaldo na seguinte conceituação: “Chama-se f o r m a ç ã o d e p a l a v r a s o conjunto de processos morfossintáticos que permitem a criação de unidades novas com base em morfemas lexicais. Utilizam-se assim, para formar as palavras, os afixos de derivação ou os proce­ dimentos de composição” 1. Observação: Cumpre advertir que a d e r iv a ç ã o e a c o m p o s iç ã o não são os únicos processos de formação de palavras. Como bem salienta um estudioso do assunto, além destes dois processos mais comuns, há outros de uso restrito, sendo particularmente curiosos os ONiôNiM os, os a c r ô n im o s e as a m á l g a m a s . (Veja-se a respeito J. R. Fontenele Bessa. Por uma conceituação do termo “opacidade”. Educação, 3 1 :17-22, Brasília, julho/ setembro, 1979.) DERIVAÇÃO PREFIXAL Os p r e f ix o s são mais independentes que os s u f ix o s , pois se originam, em geral, de advérbios ou de preposições que têm ou tiveram vida autônoma na língua. I Jean Dubois et alii. Dictiomire de linguistique. Paris, Larousse, 1973, s. v. 98 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A rigor, poderíamos até discernir as formações em que entram prefixos que são meras partículas, sem existência própria no idioma (como d e s - em d e s fa z e r , ou re - em r e p o r ) , daquelas de que participam elementos prefixais que costumam funcionar também como palavras independentes (assim: c o n tr a - em c o n tr a d iz e r , e n t r e - em e n t r e a b r i r ). No primeiro caso haveria derivação ; no segundo, seria justo falar-se em c o m po siç ã o . Mas nem sempre é fácil estabelecer tal diferença, razão por que preferimos considerar a formação de palavras mediante o emprego de prefixos um tipo de derivação — a derivação prefixal . Tanto os sufixos como os prefixos formam novas palavras que conservam de regra uma relação de sentido com o radical derivante; processo distinto da composição, que forma palavras não raro dis­ sociadas pelo sentido dos radicais componentes. Feitas estas considerações, passemos ao exame dos prefixos que aparecem em palavras portuguesas .2 São eles de origem latina ou grega, embora normalmente não sejam senti­ dos como tais. Alguns sofrem apreciáveis alterações em contacto com a vogal e, principalmente, com a consoante inicial da palavra derivante. Assim, o prefixo grego a n - , que indica “privação” (a n - ô n i m o ), assume a forma a - antes de con­ soante: a -p a t i a ; i n - , o seu correspondente latino, toma a forma i - antes delem : i n -f e l i z , i n - a t i v o ; mas i - le g a l , i - m o r a l . Não se devem confundir tais alterações com as formas vernáculas, oriundas de evolução normal de certos prefixos latinos. Assim: a -, de a d - ( a - d o ç a r ); e m ou e n - , de i n - ( e m - b a r c a r , e n - te r r a r ). Na lista abaixo, colocaremos em chave as formas que pode assumir o mesmo prefixo: em primeiro lugar, daremos a forma originária; em último, a vernácula, quando houver. P r e fix o s d e o rig e m la tin a P r e f ix o ab- S e n t id o a fa s ta m e n t o , s e p a r a ç ã o E x e m p l if ic a ç ã o a b d ic a r , a b ju r a r ab s- a b ste r, a b s t r a ir a- a m o v ív e l, a v e rs ã o ada- (ar-, a s-) a p r o x im a ç ã o , d ir e ç ã o a d ju n t o , a d v e n t íc io a b e ir a r , a r r ib a r , a s s e n t ir ■ Quanto à vitalidade dos prefixos utilizados na língua contemporânea, leia-se Li Ching. Sobre a formação de palavras com prefixos no português atual. Boletim de Filologia, 22: 117-176 e 197-234, Lisboa, 1971-1973. A exemplo de alguns linguistas, os autores observam a distinção entre prefixos e pseudoprefixos, como se verá adiante. DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO P r e f ix o S e n t id o E x e m p l if ic a ç ã o a n te - a n t e r io r id a d e a n te - a n t e r io r id a d e c ir c u m - m o v im e n t o e m t o r n o c irc u m -a d ja c e n te , c irc u n v a g a r c is - p o s iç ã o a q u é m c is a lp in o , c is p la t in o c o m - (c o n -) c o n t ig u id a d e , c o m p a n h ia c o m p o r, c o n t e r a n te b ra ço , a n te p o r ( c ir c u n - ) c o - (co r-) c o o p e ra r, c o r r o b o r a r co n tra - o p o s iç ã o , a ç ã o c o n ju n t a c o n t r a d iz e r , c o n t r a s s e la r de- m o v im e n to de c im a para baixo d e c a ir , d e c r e s c e r d es- s e p a r a ç ã o , a ç ã o c o n t r á r ia d e s v ia r, d e s fa z e r d is - s e p a r a ç ã o , m o v im e n t o p a ra d is s id e n t e , d is t e n d e r d i- (d ir-) d iv e r s o s la d o s , n e g a ç ã o d ila c e r a r , d ir im ir e n tre - p o s iç ã o in t e r m e d iá r ia e n t r e a b r ir , e n t r e lin h a ex- m o v im e n t o p a ra fo ra , e x p o rta r, e x t r a ir e s- e s ta d o a n t e r io r e s c o rr e r , e s t e n d e r e- e m ig r a r , e v a d ir e x tra - p o s iç ã o e x t e r io r (fo ra d e ) e x t r a o fic ia l, e x tra v ia r in-1 (im -) m o v im e n t o p a ra d e n tr o in g e r ir , im p e d ir i- ( i r ) im ig ra r , ir r o m p e r e m - (e n -) e m b a rca r, e n te rra r in-2 (im -) n e g a ç ã o , p r iv a ç ã o i- ( ir - ) in a t iv o , im p e r m e á v e l ile g a l, ir r e s t r it o in t r a - p o s iç ã o in t e r io r in tr a d o r s o , in tr a v e n o s o in t r o - m o v im e n t o p a ra d e n tr o in t r o v e r s ã o , in t r o m e t e r ju s t a - p o s iç ã o a o lad o ju s t a p o r , ju s t a lin e a r ob- p o s iç ã o e m f r e n t e , o p o s iç ã o o b je t o , o b s t á c u lo o- o c o rre r, o p o r p e r- m o v im e n t o a tra v é s p e rc o rre r, p e r fu r a r p o s- p o s t e r io r id a d e p o sp o r, p o s t ô n ic o p re - a n t e r io r id a d e p re fá c io , p re tô n ic o 99 DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO P r e fix o s d e o rig e m g re g a Eis os principais prefixos de origem grega com as formas que assumem em português: S e n t id o P r e f ix o E x e m p l if ic a ç ã o a n - (a-) p riv a ç ã o , n e g a ç ã o a n a r q u ia , a te u aná- a ç ã o o u m o v im e n t o in v e rs o , a n a g r a m a , a n á fo ra r e p e t iç ã o a n fi- d e u m e o u tr o lad o, e m to rn o a n f íb io , a n fit e a t r o a n ti- o p o s iç ã o , a ç ã o c o n t r á r ia a n t ia é r e o , a n t íp o d a a pó- a fa s ta m e n t o , s e p a r a ç ã o a p o g e u , a p ó s ta ta a r q u i- (a rc-, s u p e r io r id a d e a r q u id u q u e , a r c a n jo a r q u e - , a rc e -) c a tá - a r q u é t ip o , a r c e b is p o m o v im e n to de c im a para baixo, c a t a d u p a , c a t a c re s e o p o s iç ã o d iá - ( d i- ) m o v im e n t o a tr a v é s d e, d ia g n ó s t ic o , d io c e s e a fa s ta m e n t o d is- d if ic u ld a d e , m a u e s ta d o d is p n e ia , d is e n t e r ia ec- (ex -) m o v im e n t o p a ra fo ra e c lip s e , ê x o d o e n - (e m -, e-) p o s iç ã o in t e r io r e n c é f a lo , e m p la s t r o , e lip s e e n d o - (e n d -) p o s iç ã o in te r io r, e n d o t é r m ic o , e n d o s m o s e m o v im e n t o p a ra d e n tr o e p i- p o s iç ã o s u p e r io r , e p id e r m e , e p ílo g o m o v im e n t o p a ra , p o s t e r io r id a d e eu- (ev-) b em , bom e u f o n ia , e v a n g e lh o h ip e r - p o s iç ã o s u p e r io r , e x c e ss o h ip é r b o le , h ip e r t e n s ã o h ip ó - p o s iç ã o in fe r io r, e s c a s s e z h ip o d é r m ic o , h ip o t e n s ã o m e t á - (m e t-) p o s t e r io r id a d e , m u d a n ç a m e t a c a r p o , m e tá te s e p a r á - (p a r-) p r o x im id a d e , a o la d o d e p a r a lo g is m o , p a r a m n é s ia p e r i- p o s iç ã o o u m o v im e n t o p e r ím e t r o , p e r íf r a s e e m to rn o p ró - p o s iç ã o e m f r e n t e , a n t e r io r p ró lo g o , p ro g n ó s tic o s in - ( s im - ,s i - ) s im u lt a n e id a d e , c o m p a n h ia s in f o n ia , s im p a t ia , s íla b a 100 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O P r e f ix o S e n t id o E x e m p l if ic a ç ã o p ro - m o v im e n t o p a ra a fre n te p ro g re s s o , p r o s s e g u ir re- m o v im e n to para trás, re p e tiçã o re flu ir, r e fa z e r re tr o - m o v im e n t o m a is p a ra trá s re tro c e d e r, r e t r o s p e c t iv o s o to - p o s iç ã o in fe r io r s o to - m e s tre , s o t o p o r so ta - so ta -v e n to , so ta -v o g a su b - m o v im e n t o d e b a ix o p a ra s u b ir , s u b a lt e r n o SUS- c im a , in f e r io r id a d e su sp e n d e r, su ste r su - s u c e d e r, s u p o r so b - s o b e s t a r ,s o b p o r so - s o e rg u e r, s o t e r r a r su p er- p o s iç ã o e m c im a , e x c e s s o so b re - su p e rp o r, su p e rp o v o a d o s o b re p o r, so b re c a rg a su p ra - p o s iç ã o a c im a , e x c e s s o s u p r a d it o , s u p r a s s u m o tra n s- m o v im e n t o p a ra a lé m d e , t r a n s p o r , t r a n s a lp in o tra s- p o s iç ã o a lé m de t r a s la d a r , t r a s p a s s a r trè s - t r e s v a r ia r , t r e s m a lh a r u ltr a - p o s iç ã o a lé m d o lim it e u ltr a p a s s a r, u ltr a s s o m v ic e - s u b s t it u iç ã o , e m lu g a r d e v ic e -re ito r, v ic e - c ô n s u l v is - (v iz o - ) v is c o n d e , v iz o -re i Observações: 1. a) As alterações sofridas pelos prefixos são provocadas quase sempre pelo fenômeno chamado a s s i m i l a ç ã o , que consiste em absorver um fonema as caracte­ rísticas de outro que lhe está contíguo. Como, em geral, a a s s i m i l a ç ã o identifica os dois fonemas, é comum o desaparecimento de um deles: in -leg a l > il-legal > ilegal . Advirta-se, em tempo, que a a s s i m i l a ç ã o é um fato fonético, e não deve ser con­ fundida com as acomodações que, na escrita, sofrem certos prefixos por exigência do nosso sistema ortográfico. Assim, in -fie l , mas im - p r o d u tiv o ; i-m ig ra r , mas ir - ro m p e r , etc. São essas variantes puramente gráficas que colocamos entre parênteses. 2. a) Cumpre não confundir os dois prefixos que aparecem sob a mesma forma in - (ou í-). Um indica “movimento para dentro” ( ingerir , im ig ra r )-, o outro denota “privação, negação” ( in a tivo , ilegal ). 3. a) As formas numerais u n i - ( u n ip e sso a l ), bis - ou b i - ( bisneto , b im e stra l ) e seme­ lhantes são, pela maioria dos gramáticos, tidas por prefixos. Como, pelo emprego, não se diferenciam substancialmente dos elementos numerais que ocorrem em compostos aritméticos e geométricos— a exemplo de deci - , c e n ti - (latinos), d eca -, q u ilo - (gregos) — julgamos mais acertado considerá-los verdadeiros r a d i c a i s , e o processo formativo de que participam um caso de c o m p o s i ç ã o . 102 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Para um estudo do prefixo cmti- em relação com os seus concorrentes no âmbito do francês, mas com possibilidade de aplicação ao português, consulte-se A. Rey. Un champ préfixal: les mots ffançais en anti. Cahiers de Lexicologie, 12:37-57, Paris, 1968. DERIVAÇÃO SUFIXAL Pela derivação suFixAL3 formaram-se, e ainda se formam, novos substantivos, adjetivos, verbos e, até, advérbios (os advérbios em -mente). Daí classificar-se o sufixo em: a) no m ina l , q u a n d o se a g lu tin a a u m r a d ic a l p a r a d a r o r ig e m a u m s u b s ta n tiv o o u a u m a d je tiv o : b) verbal , pont-eira, pont-inha,pont-udo; q u a n d o , lig a d o a u m ra d ic a l, d á o r ig e m a u m v e rb o : bord-ejar, suav­ izar, amanh-ecer; c) a d v e r b ia l , que é o sufixo -mente, acrescentado à forma feminina de um adjetivo: bondosa-mente, fraca-mente, perigosa-mente. S u fix o s n o m in a is Entre os aumentativos mencionaremos em primeiro lugar os e dim inutivos , cujo valor é mais afetivo do que lógico. sufixos n o m in a is , sufixos Sufixos aumentativos Eis os principais sufixos aumentativos usados em português: S u fix o E x e m p l if ic a ç ã o S u fix o E x e m p l if ic a ç ã o -ã o c a ld e ir ã o , p a re d ã o - a n z il c o r p a n z il - a lh ã o g r a n d a lh ã o , v a g a lh ã o -a ré u fo g a r é u , p o v a ré u - (z )a rrã o g a t a r rã o , h o m e n z a r r ã o -a rra b o c a r ra , n a v ia r r a - e ir ã o a s n e ir ã o , t o le ir ã o -o rr a b e iç o r r a , c a b e ç o r ra -a ça b a r b a ç a , b a rc a ç a -a stro m e d ic a s t ro , p o e ta s tro -a ç o a n im a la ç o , r ic a ç o -a z lo b a z , ro a z - á z io c o p á z io , g a tá z io - a lh a z fa c a lh a z -u ç a d e n tu ça , ca rd u ça -a rra z p ra ta r r a z 3 Sobre a origem e a vitalidade dos sufixos empregados em português, veja-se especialmente Joseph H. D. Allen Jr. Portuguese Word-Formation with Suffixes. Supplement to Language, vol. 17, n.° 2. Baltimore, 1941. DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO Observação: Nem sempre o sufixo aumentativo se junta ao radical de um substantivo. Há derivações feitas sobre adjetivos (ricaço, de rico; sabichão, de sábio) e também sobre radicais verbais (chorão, de chorar; mandão, de mandar). Valor e emprego dos sufixos aum entativos 1. -ão. É, por excelência, o formador dos aumentativos em português. Pode juntar-se a radicais de substantivos (papel-ão), de adjetivos (solteir-ão) e de verbos (chor-ão), quer diretamente, como nos exemplos citados, quer por intermédio de consoantes de ligação ( chape-l-ão) ou de outros sufixos {-alho, -arro, -eiro, -il), donde os sufixos compostos -alhão (grand-alhão), -arrão {gat-arrão), -eirão ( voz-eirão), -ilão {com-ilão). Advirta-se também que, nos aumentativos em -ão, o gênero normal é o masculino, mesmo quando a palavra derivante é feminina. Assim: a parede - o paredão uma mulher - um mulherão Só os adjetivos fazem diferença entre o masculino e o feminino, diferença que, naturalmente, conservam quando substantivados: solteirão - solteirona chorão - chorona 2. -aça, -aço, -uça e -ázio. Formam substantivos com força aumentativa e pejorativa. Prendem-se a radicais de outros substantivos e, mais raramente, a de adjetivos, sendo de notar que -uça apresenta acentuado valor coletivo. Saliente-se ainda que -ázio parece ser adaptação do espanhol -azo.4 3. -anzil. Este sufixo, que ocorre em corpanzil, deve ser composto de -ão + -il, com a consoante de ligação -z-. Quanto ao valor, é nitidamente pejorativo. 4. -aréu. De origem obscura, este sufixo nem sempre é aumentativo. Em mastaréu {= pequeno mastro suplementar), por exemplo, é antes diminutivo. Em fogaréu, fumaréu, mundaréu e povaréu sente-se que o valor aumentativo está associado ao coletivo. Sobre o assunto, veja-se o fundamental estudo de Y. Malkiel. The Two Sources of the Hispanic Suffix -azo, -aço. Language, 35: p. 193-258,1959. 103 104 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 5. -arra e -orra. Formas femininas dos sufixos -arro e -orro, ligam-se a radicais de substantivos de qualquer gênero: bocarra naviarra beiçorra cabeçorra Nas formações de adjetivos, com base em radicais de verbos ou de outros adjetivos, há, segundo a regra geral, oposição de gênero: bebarro - bebarra beatorro - beatorra Em épocas mais antigas, estes sufixos não tinham o forte valor depreciativo de hoje. A forma - orro, por exemplo, aparece em cachorro, palavra que, na acepção primitiva de “filhote de cão e de algumas feras”, deveria ter sido um diminutivo. 6. -astro. Neste sufixo, que aparece em poucas palavras portuguesas, o valor pejorativo é o mais saliente: medicastro “médico ruim, charlatão”; poetastro “mau poeta, versejador ordinário”. O sufixo assume a forma -asto, -asta, em padrasto e madrasta. 7. -az. Como o sufixo -ão, pode juntar-se diretamente ao radical (lob-az), ou admitir a inserção de uma consoante eufônica ( ladra-v-az), ou de outros sufixos {-alho, -arro), com os quais passa a formar os compostos: -alhaz {fac-alhaz), -arraz {prat-arraz). Sufixos diminutivos São estes os principais S ufixo sufixos dim inutivos empregados em português5: E xemplificação SüFÍXÕ E xemplificação - in h o , -a t o q u in h o , v o z in h a - e lh o , -a f o lh e lh o , r a p a z e lh o - z in h o , -a c ã o z in h o , r u a z in h a -e jo a n im a le jo , lu g a r e jo - in o , -a p e q u e n in o , c r a v in a - ilh o , -a p e c a d ilh o , t r o p ilh a -im e s p a d im , fo rt im 5 Sobre a formação dos diminutivos nas línguas românicas em geral, leiam-se: Reino Hakamies. Étude sur l’origine et l’évolution du diminutif latin et sa survie dans les langues romanes. Helsinki, Academiae Scientiarum Fennicae, 1951; Bengt Hasserlot. Études sur la formation diminutive dans les langues romanes. Upsala, Acta Universitatis Upsaliensis, 1957. Quanto ao seu valor e emprego na língua portuguesa, consultem-se especialmente: Silvia Skorge. Os sufixos diminutivos em português. Boletim de Filologia, 16:50-90 e 222305,1956-1957; 17:20-53,1958; Max Léopold Wagner. Das Diminutivin Portugiesischen. DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO S u fix o E x em p lific a ç ã o -acho, -a -icho, a -ucho,-a f o g a c h o , r ia c h o g o v e r n ic h o , b a r b ic h a p a p e lu c h o , c a s u c h a -ebre ca se b re -eco, -a -ico, -a liv r e c o , s o n e c a -ela iS u f ix o* E x em p lific a ç ã o -ete -eto, -a -ito, -a -zito, -a -ote, -a a r t ig u e t e , le m b r e t e e s b o c e t o , s a le t a r a p a z it o , c a s it a j a r d in z it o , f lo r z it a v e lh o t e , v e lh o t a c h u v is c o , t a l is c a b u r r ic o , m a r ic a ( s ) -isco, -a -usco, -a r u e la , v ie la -ola f a z e n d o la , r a p a z o la c h a m u s c o , v e lh u s c o Valor e emprego dos sufixos dim inutivos 1. -(z)inho, -ino, -im. Os sufixos -inho e -mo provêm do latim -inus. A forma tipicamente portuguesa é - inho; -ino, variante erudita, só aparece com valor diminutivo em um restrito número de palavras; -im é importação do francês - in, ou do italiano -ino, através da forma francesa. Compare-se: tamborim, do francês tambourin; festim, do francês festin, por sua vez derivado do italiano festino. O sufixo -inho (-zinho) é de enorme vitalidade na língua6, desde tempos antigos. Junta-se não só a substantivos e adjetivos, mas também a advérbios e outras palavras invariáveis: agorinha devagarinho sozinho adeusinho! OrbiSy 1: 460-476, 1952; Delmira Maçãs. O sufixo -inho junto a adjetivos na linguagem familiar portuguesa. Boletín de Filologia de la Universidad de Chile, 8:219-232,1954-1955; Th. Henrique Maurer Jr. Um sufixo de comportamento original: o diminutivo em -zinho. In Estudos em homenagem a Cândido Jucá (filho). Rio de Janeiro, Simões, s./d., p. 233-246. De importante leitura, à vista da relação com o português, são os seguintes estudos sobre os diminutivos espanhóis: Amado Alonso. Noción, emoción, acción y fantasia en los diminutivos. In Estúdios linguísticos: temas espanoles. Madrid, Gredos, 1951, p. 195-229; Fernando González Ollé. Los sufijos diminutivos en castellano medieval. Madrid, C.S.I.C., 1962; Emilio Nánez Fernández. El diminutivo: historia y fimciones en el espafwl clásico y moderno. Madrid, Gredos, 1973. (As duas últimas obras trazem extensa bibliografia.) n J. G. Herculano de Carvalho propõe a designação de sufjxoide para o sufixo -(z)inho pelas razões que o levaram a adotar a de prefixoide para certos elementos formativos que não se comportam como prefixos (vj. adiante nossas considerações sobre os pseudoprefixos). Lembra o ilustre linguista o caráter sintagmático deste sufixo, evidenciado morfologicamente pelas variações de gênero e número, que se manifestam duplamente nos derivados: corpozinho - corpozinhos, cãozinho - cãezinhos, bonzinho - boazinha (cf. Teoria da linguagem, t. II, Coimbra, Atlântida, 1974, p. 551-552). 105 106 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Excetuando-se o caso das palavras terminadas em -s e -z, que naturalmente exigem a forma -inho (pires-inho, rapaz-inho), não é fácil indicar as razões que comandam a escolha entre - inho e -zinho. Sente-se que muitas vezes a seleção está ligada ao ritmo da frase. Por outro lado, verifica-se uma prefe­ rência na linguagem culta pelas formações com -zinho, no evidente intuito de manter íntegra a pronúncia da palavra derivante; a linguagem popular, no entanto, simplificadora por excelência, tende para as formações com -inho. Camparem-se, por exemplo, as formas alternantes baldezinho - baldinho, xicarazinha - xicrinha, etc. Do ponto de vista morfológico, acentue-se que, ao contrário dos aumen­ tativos em -ão, os diminutivos em -inho (e também em -ito) não sofrem mudança de gênero. O diminutivo conserva o gênero da palavra derivante: casa - casinha - casita cão - cãozinho - canito Em formações com outros sufixos, não é, porém, estranha tal mudança: ilha - ilhote - ilhéu chuva - chuvisco Convém notar ainda que nas formações em que o sufixo -inho se junta a particípios, caso estes sejam irregulares, tornam-se regulares. Exemplo: Esse dinheiro foi bem ganhadinho e bem gastadinho por mim. 2. -acho, -icho, ucho. Originam-se da acumulação dos sufixos latinos -asm (-iscu e -usai) + -ulus, e têm geralmente valor pejorativo. As variantes -echo e -ocho são de emprego raro. Ocorrem em formas dialetais portuguesas, como ventrecha “posta de peixe imediata à cabeça”, bagocho “novelo pequeno” e realocho “moeda antiga”. A última provavelmente entra no brasileirismo cabrocha “moça mestiça escura”. 3. -ebre. O sufixo -ebre, de origem desconhecida, aparece apenas em casebre, onde tem caráter pejorativo. 4. -eco, -ico. Também não está suficientemente esclarecida a origem dos sufixos -eco e -ico. O primeiro tem acentuado valor pejorativo: folheca, jomaleco, Jivreco, etc. Não possui, no entanto, a mesma conotação em guatemalteco, provavelmente empréstimo do espanhol. O segundo aparece como diminu­ tivo afetivo não só de substantivos comuns (abanico, amorico, burrico), mas também de nomes próprios: Anica, Joanico, etc. DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO 5. -ela. Continua o latim -ella, que tinha força diminutiva e largo emprego na língua vulgar (assim: dominicella “senhorita” > port. donzela). No português moderno é pouco produtivo; só nas formas nominais em -dela apresenta vitalidade: entaladela, mordidela, etc. 6. -elho, -ilho. Os sufixos -elho e -ilho representam, em português, a evolução normal dos sufixos diminutivos latinos -ículus e -leulus, respectivamente. A forma -ejo é o desenvolvimento de -ículus para o espanhol. Importada dessa língua, tornou-se, em certos casos, autônoma em português. Assim: lugarejo, quintalejo, etc. 7. -ete, -eto, -(z)ito, -ote. É um tanto obscura a origem destes sufixos. Deles o mais usado, principalmente em Portugal e no Sul do Brasil, é -ito, com a variante -zito. O sufixo -eto, como diminutivo, não apresenta vitalidade em português; as palavras que o possuem são, em geral, empréstimos do italiano: poemeto, verseto, etc. Já as formas -ete e -ote, provavelmente originárias do francês, aparecem hoje em derivações genuinamente portuguesas: artiguete, lembrete, malandrete, meninote, serrote, velhote, etc. As formas -ato e -oto são de emprego raro e, hoje, praticamente improdutivas. Ocorrem nuns poucos substantivos que, de regra, designam crias de animais. Assim: chibato, loba­ to, lebroto e perdigoto são nomes que se dão, respectivamente, ao filhote da chiba (= cabra nova), do lobo, da lebre e da perdiz (masculino = perdigão). Perdigoto emprega-se também na acepção de “salpico de saliva que se lança ao falar”. 8. -isco, -usco. O sufixo -isco é forma erudita do latim -iscus, provavelmente originado da fusão do grego -iskós com o germânico -isk. O descendente popular é -esco, que forma adjetivos denotadores de “referência ou seme­ lhança” (burlesco, principesco), sentido que também possui -isco em palavras como levantisco, mourisco. Por analogia com -isco, a língua criou -usco: chamusco. 9. -ola. Este sufixo não deve ser em português o representante direto do latim -ola. Chegou-nos provavelmente por intermédio do italiano -ola, ou do francês -ole. Comparem-se, por exemplo, as palavras portuguesas bandeirola e camisola às italianas banderuola e camiciuola, ou às francesas banderole e camisole. Hoje, porém, generalizou-se o emprego de -ola no idioma, prin­ cipalmente na formação de substantivos sobrecomuns de caráter irônico-pejorativo: gabarola, mariola, etc. 108 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O D im inutivos eruditos Na língua literária e culta, especialmente na terminologia científica, apa­ recem formações modeladas no latim em que entram os sufixos -ulo {-ida) e -culo {-cuia), com as variantes -áculo (-ácida), -ículo {-ícida), -úsculo {-úscula) e -únculo (- úncula): corpo febre globo gota grão homem modo monte nó — corpúsculo febrícula glóbulo gotícula grânulo homúnculo módulo montículo nódulo nota obra parte pele questão raiz rei verme verso — — nótula opúsculo partícula película questiúncula radícula régulo vermículo versículo Observações: 1. a) Como vemos, nestas formações latinas, ou feitas em idênticos moldes, o sufixo -culo{-a) e sua variante-únculo{-a) podem juntar-se ao radical diretamente (mús-culo, hom-únculo), ou por intermédio da vogal de ligação -i- {vers-í-culo, quest-i-úncula). 2. a) A forma primitiva deste sufixo latino, derivado do indo-europeu *-lo *olo, era -ulo, que encontramos empregado com substantivos (ancillula) e adjetivos (acutulus). O acréscimo do -c ao sufixo é geralmente explicado como “um reforço da expressividade, fenômeno comum nos diminutivos”. Ernout, porém, acha que foi a existência de muitas palavras de radical em -c que provocou uma falsa análise do sufixo diminutivo, dando origem a -culus (Veja-se Fernando González Ollé. Obra cit, p. 177-179). Outros sufixos nominais 1. Que formam substantivos de outros substantivos: S u f ix o -ada S e n t id o E x e m p l if ic a ç Ao a ) m u lt id ã o , c o le ç ã o b o ia d a , p a p e la d a b ) p o rç ã o c o n t id a n u m o b je to b o c a d a , c o lh e r a d a c) m a rc a fe ita c o m u m in s tr u m e n t o p e n a d a , p in c e la d a d ) f e r im e n t o o u g o lp e d e n t a d a , fa c a d a e ) p ro d u t o a lim e n t a r , b e b id a b a n a n a d a , la r a n ja d a 0 d u r a ç ã o p ro lo n g a d a in v e r n a d a , t e m p o r a d a g ) a to o u m o v im e n t o e n é r g ic o c a r t a d a , s a ra iv a d a DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO S u fix o •a d o S e n t id o E x e m p l if ic a ç ã o a ) t e r r it ó r io s u b o r d in a d o a t it u la r b is p a d o , c o n d a d o b ) in s t it u iç ã o , t it u la t u r a a lm ir a n t a d o , d o u to r a d o a ) in s t it u iç ã o , t it u la t u r a b a r o n a t o , c a r d in a la t o b ) n a n o m e n c la t u r a q u ím ic a = sa l c a r b o n a t o , s u lfe to a ) n o ç ã o c o le tiv a f o lh a g e m , p lu m a g e m b ) a to o u e s ta d o a p r e n d iz a g e m , la d ro a g e m a ) id e ia d e r e la ç ã o , p e r t in ê n c ia d e d a l, p o rta l b ) c u lt u r a d e v e g e ta is a r r o z a l, ca fe z a l c ) n o ç ã o c o le tiv a ou d e q u a n t id a d e a r e a l, p o m b a l - a lh a c o le tiv o - p e jo ra t iv o c a n a lh a , g e n ta lh a -am a n o ç ã o c o le tiv a e d e q u a n t id a d e d in h e ir a m a , m o u ra m a -am e n o ç ã o c o le tiv a e d e q u a n t id a d e — v a s ilh a m e , v e la m e - a r ia a ) a t iv id a d e , r a m o d e n e g ó c io c a r p in t a r ia , liv r a r ia b ) n o ç ã o c o le tiv a g r it a r ia , p e d r a ria c ) a çã o p ró p ria d e ce rto s in d iv íd u o s p a t if a r ia , p ir a t a ria a ) o c u p a ç ã o , o fíc io , p ro fiss ã o o p e r á r io , s e c r e t á r io b ) lu g a r o n d e se g u a r d a a lg o h e r b á r io , v e s t iá r io a ) lu g a r o n d e c r e s c e m v e g e ta is o liv e d o , v in h e d o b ) n o ç ã o c o le tiv a la je d o , p a s s a re d o a ) o c u p a ç ã o , o fíc io , p ro fiss ã o b a r b e ir o , c o p e ir a b ) lu g a r o n d e se g u a r d a a lg o g a lin h e ir o , t in t e ir o c ) á r v o r e e a rb u s to la r a n je ir a , c r a v e ir o d ) id e ia d e in t e n s id a d e , a u m e n t o n e v o e iro , p o e ira e ) o b je to d e u so c in z e ir o , p u ls e ir a f ) n o ç ã o c o le tiv a b e r r e ir o , f o r m ig u e ir o a ) p ro fis s ã o , t it u la t u r a a d v o c a c ia , b a r o n ia b) lu g a r o n d e se exerce u m a a tiv id a d e d e le g a c ia , r e it o r ia c ) n o ç ã o c o le tiv a c a v a la r ia , c le r e z ia -io n o ç ã o c o le tiv a , r e u n iã o g e n tio , m u lh e r io -ite in f la m a ç ã o b ro n q u ite , g a s t rite -u g e m s e m e lh a n ç a ( p e jo r a t iv o ) fe rru g e m , p e n u g e m -a to -ag e m -al - á r io -e d o - e ir o ( a ) -ia -u m e ■ - n o ç ã o c o le tiv a e d e q u a n t id a d e A — — — — --- ca rd u m e , n e g ru m e 109 110 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Na terminologia científica empregam-se sufixos com valor particular. Na química, por exemplo, usam-se: a) -a to , -eto , -ito - na formação dos nomes de sais: clorato , cloreto , clorito ; b) -m a - na dos alcaloides e álcalis artificiais: cafeína , a n ilin a ; c) -io - na dos corpos simples: potássio , só d io -, d) -o l - na dos derivados de hidrocarbonetos: fe n o l , n a fto l . A nomenclatura da mineralogia e da geologia adota os sufixos: a) -ita - para os nomes das espécies minerais: p ir ita ; b) -ito - para os das rochas: g ra n ito ; c) -ite - para os dos fósseis: a m o n ite . A linguística moderna faz largo uso do sufixo -e m a com o sentido de “menor unidade distintiva” ou “significativa”: fo n e m a , “menor segmento distintivo numa enunciação”; m o rfe m a , “menor unidade gramatical de forma”. 2. Que formam substantivos de adjetivos: Os substantivos derivados, geralmente nomes abstratos, indicam qualidade, propriedade, estado ou modo de ser: E x e m p l if ic a ç ã o S u fix o S u f ix o E x e m p l if ic a ç ã o -d a d e c r u e ld a d e , d ig n id a d e -ic e to lic e , v e lh ic e -(i)dão g r a tid ã o , m a n s id ã o - íc ie c a lv íc ie , im u n d íc ie -e z a lt iv e z , h o n r a d e z -or a lv o r, a m a r g o r -e z a b e le z a , r iq u e z a - ( i) t u d e a lt itu d e , m a g n it u d e -ia a le g r ia , v a le n t ia -ura a lv u ra , d o ç u r a Observações: 1. ") Antes de receberem o sufixo - d a d e , os adjetivos terminados em - a z , - iz , -o z e -vel retomam a forma latina em - a c ( i ), - ic ( i ), - oc ( i ) e - b il ( i ): sagaz > sagacidade feliz > felicidade 2. atroz > atrocidade amável > amabilidade a) O sufixo -ície só aparece em palavras modeladas sobre o latim: calvície (latim calvities),p la n íc ie (latim p la n ifie s ), e tc . Também ju stiç a não apresenta propriamente o sufixo - iça , porque a palavra é continuação do latim ju s titia . Da mesma forma cobiça (do baixo-latim c u p id itia ), preguiça (do latim p ig r itia ), etc. DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO 3. Que formam substantivos de substantivos e de adjetivos: S u fix o S e n t id o a ) d o utrin as ou sistem as - is rn o E x e m p l if ic a ç ã o artístico s realism o , sim bolism o filosóficos kantism o, positivism o políticos fed eralism o , fascism o religiosos budism o, calvinism o b ) modo de proceder ou pensar heroísm o, servilism o c) form a p ecu liar da língua g alicism o , neologism o d ) na term ino lo g ia cie n tífica daltonism o, reum atism o 4. Que formam substantivos e adjetivos de outros substantivos e adjetivos: S ufixo - is t a E x em plific a ç ã o S en tid o a ) p artid ário s ou artístico s realista, sim bolista sectários de filosóficos kantista, p o sitivista d o u trin as ou políticos federa lista , fascista sistem as (em - is m o ) religiosos budista, calvinista b ) ocupação, ofício d en tista, pianista c) nom es p átrio s e gentílicos no rtista, paulista Observação: Nem todos os designativos de sectários ou partidários de doutrinas ou sistemas em - isrno se formam com o sufixo - ista . Por exemplo: a p ro te sta n tism o corresponde p ro te sta n te ; a m a o m e tis m o , m a o m e ta n o -, a isla m ism o , isla m ita . 5. Que formam substantivos de verbos: S u fix o S e n t id o -an ça E x e m p l if ic a ç ã o le m b r a n ç a , v in g a n ç a - â n c ia o b s e r v â n c ia , t o le r â n c ia a ç ã o o u o r e s u lta d o d e la , e s ta d o -en ça d e s c r e n ç a , d if e r e n ç a - ê n c ia a n u ê n c ia , c o n c o r r ê n c ia -a n te e stu d a n te , n a v e g a n te - e n te - in te a g e n te a flu e n t e , c o m b a t e n t e o u v in t e , p e d in te NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O S e n t id o S u f ix o -(d )o r E x e m p l if ic a ç ã o jo g a d o r , r e g a d o r < t)o r a g e n te , in s t r u m e n t o d a a ç ã o -(s)o r in s p e to r, in t e r r u p t o r a g re s s o r, a s c e n s o r ■ -çã o a ç ã o o u o r e s u lta d o d e la -sã o -d o u ro n o m e a ç ã o , t r a iç ã o a g r e s s ã o , e x te n s ã o lu g a r o u in s t r u m e n t o d a a ç ã o -tó rio b eb ed o u ro , su a d o u ro la v a tó rio , v o m it ó r io -(d )u ra r e s u lta d o o u in s t r u m e n t o d a a ç ã o , p in t u r a , a ta d u ra -<t)ura n o ç ã o c o le tiv a fo r m a t u r a , m a g is t r a t u r a - (s )u ra -m e n to c la u s u r a , t o n s u r a a ) a ç ã o o u r e s u lt a d o d e la a c o lh im e n t o , f e r im e n t o b ) in s t r u m e n t o d a a ç ã o o r n a m e n t o , in s t r u m e n t o c ) n o ç ã o c o le tiv a a rm a m e n to , fa rd a m e n to Observações: 1. *) Os sufixos -ância e -ência são semieruditos. Aparecem em palavras de criação recente e modeladas sobre o latim. 2. a) Os sufixos -ante, -ente e -inte procedem das terminações do particípio presente latino, com aglutinação da vogal temática da conjugação correspondente. 3. a) Em -dor, -tore -sor, bem como em -dura,-tura e -sura, os sufixos são propria­ mente -or e -ura. As consoantes d,tes pertencem ao tema do particípio latino. Apenas as formas -dor e -dura são evolutivas; as demais são eruditas: só ocorrem em palavras latinas ou formadas sobre o seu modelo. 4. a) Os sufixos -ção e -são depreendem-se de substantivos deverbais, quase todos formados no próprio latim. 6. Que formam adjetivos de substantivos: S u fix o S e n t id o E x e m p l if ic a ç ã o -a c o e s ta d o ín t im o , p e r t in ê n c ia , o rig e m m a n ía c o , a u s t r ía c o -a d o a ) p ro v id o o u c h e io d e b a rb a d o , d e n te a d o b) q u e t e m o c a r á t e r d e a d a m a d o , a m a r e la d o - a ic o r e f e r ê n c ia , p e r t in ê n c ia ju d a ic o , p ro s a ic o -al r e la ç ã o , p e r t in ê n c ia c a m p a l, c o n ju g a l -a r e s c o la r, fa m i lia r DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO S ufixo -a n o -ão S en tid o E xem plific a ç ã o a ) p r o v e n iê n c ia , o r ig e m , p e r te n ç a ro m a n o , se rra n o b) s e c t á r io o u p a r t id á r io d e lu te r a n o , p a r n a s ia n o c ) s e m e lh a n t e o u c o m p a r á v e l a b ila q u ia n o , c a m o n ia n o p r o v e n iê n c ia , o rig e m a le m ã o , b e irã o -ário d iá r io , f r a c io n á r io re la ç ã o , p o s s e , o rig e m -e iro c a s e ir o , m in e ir o -e n g o re la ç ã o , p e r t in ê n c ia , p o sse m u lh e r e n g o , s o la re n g o -e n h o s e m e lh a n ç a , p r o c e d ê n c ia , o r ig e m fe r r e n h o , e s t r e m e n h o -e n o r e fe r ê n c ia , o rig e m t e r r e n o , c h ile n o -e n se re la ç ã o , p r o c e d ê n c ia , o rig e m -ês -(l)e n to -eo -esco fo re n s e , p a r is ie n s e co rtê s, n o ru e g u ê s a ) p ro v id o o u c h e io d e c iu m e n t o , c o r p u le n t o b) q u e te m o c a r á t e r d e b a r r e n t o , v id r e n t o re la ç ã o , s e m e lh a n ç a , m a t é r ia ró se o , fé rr e o r e fe r ê n c ia , s e m e lh a n ç a -isco b u rle s c o , d a n te sc o le v a n t is c o , m o u r is c o -este re la ç ã o a g r e s t e , c e le s te -e stre re la ç ã o ca m p e stre , te rre stre -eu re la ç ã o , p r o c e d ê n c ia , o rig e m e u r o p e u , h e b re u -ício re fe rê n c ia a lim e n t íc io , n a t a líc io -ico p a r t ic ip a ç ã o , r e fe r ê n c ia g e o m é t r ic o , m e la n c ó lic o -H r e f e r ê n c ia , s e m e lh a n ç a f e b r il, s e n h o r il -ino r e la ç ã o , o r ig e m , n a tu re z a lo n d r in o , c r is t a lin o -ita p e r t in ê n c ia , o rig e m is m a e lit a , is ra e lita -o n h o p r o p r ie d a d e , h á b ito c o n s t a n t e e n fa d o n h o , r is o n h o -o so p ro v id o o u c h e io de b rio s o , v e n e n o s o -tico re la ç ã o a r o m á t ic o , r ú s t ic o -udo p ro v id o o u c h e io de p o n t u d o , b a rb u d o Observações: 1. a) Alguns desses sufixos servem também para formar adjetivos de outros adje­ tivos. Por exemplo: -al junta-se a angélico, formando angelical; -ento liga-se a cinza, originando cinzento; -onho acrescenta-se a triste, produzindo tristonho. 2. ®) São peculiares aos adjetivos os sufixos eruditos -imo e -íssimo, que se ligam a radicais latinos: humtt-imo,fidel-íssimo. Do seu valor e emprego tratamos no capítulo 10, em GRAUS do adjetivo. 114 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 7. Que formam adjetivos de verbos: S u fix o E x e m p l if ic a ç ã o S e n t id o -a n te - e n te s e m e lh a n t e , to le r a n t e d o e n t e , r e s is te n te a ç ã o , q u a lid a d e , e s ta d o - in te c o n s t i tu i n te , s e g u i n te - (á )v e l p o s s ib ilid a d e d e p r a t ic a r o u d u r á v e l, lo u v á v e l - (í)v e l s o fr e r u m a a ç ã o p e r e c ív e l, p u n ív e l -io a ç ã o , r e f e r ê n c ia , m o d o d e s e r fu g id io , t a r d io -(t)iv o a fir m a t iv o , p e n s a tiv o -(d )iç o p o s s ib ilid a d e d e p r a t ic a r o u s o f r e r u m a m o v e d iç o , q u e b r a d iç o -(t)fc io a ç ã o , r e fe r ê n c ia a c o m o d a t íc io , fa c t íc io - (d )o u ro a ç ã o , p e r t in ê n c ia d u ra d o u ro , casad o u ro - ( t ) ó r io p r e p a r a t ó r io , e m ig r a t ó r io O bservação: Os sufixos -ante, -ente e -inte provêm, como dissemos, das terminações do particípio presente latino com aglutinação da vogal temática de cada uma das con­ jugações. Servem para formar substantivos e, com mais frequência, adjetivos, que se substantivam facilmente. S u fix o s v e r b a is Os verbos novos da língua formam-se em geral pelo acréscimo da terminação -ar a substantivos e adjetivos. Assim: esqui-ar nivel-ar radiograf-ar telefon-ar (a)doç-ar (a)fin-ar (a)frances-ar (a)portugues-ar A terminação -ar, já o sabemos, é constituída da vogal temática -a-, caracte­ rística dos verbos da l.a conjugação, e do sufixo -r, do infinitivo impessoal. Por vezes, a vogal temática -a- liga-se não ao radical propriamente dito, mas a uma forma dele derivada, ou, melhor dizendo, ao radical com a adição de um sufixo. É o caso, por exemplo, dos verbos: afug-ent-ar bord-ej-ar lamb-isc-ar cusp-inh-ar ded-ilh-ar depen-ic-ar salt-it-ar amen-iz-ar, DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO em que encontramos alguns sufixos anteriormente estudados: -ent(o), -ej(o), -isc(o), -inh(o), -ic(o), e -it(o). São tais sufixos que transmitem a esses verbos matizes significativos espe­ ciais: FREQUENTATivo (ação repetida), factitivo (atribuição de uma qualidade ou modo de ser), d im inutivo e pejorativo . Mas, como neles a combinação de sufixo + vogal tem ática ( - a - ) + sufixo d o infinitivo (-r) vale por um todo, costuma-se considerar não o sufixo em si, mas o conjunto daqueles elementos mórficos, o verdadeiro sufixo verbal. Esta conceituação, por simplificadora, apresenta evidentes vantagens didáticas, razão por que a adotamos aqui. Eis os principais sufixos verbais, com a indicação dos matizes significativos que denotam: S u fix o S e n t id o E x e m p l if ic a ç ã o -e a r fr e q u e n t a t iv o , d u r a t iv o c a b e c e a r, f o lh e a r - e ja r fr e q u e n t a t iv o , d u r a t iv o g o te ja r, v e le ja r -e n ta r f a c t it iv o a fo rm o s e n t a r , a m o le n t a r -< i)ficar f a c t it iv o c la rif ic a r , d ig n if ic a r - ic a r fr e q u e n t a ti v o -d i m i n u tiv o b e b e ric a r, d e p e n ic a r - ilh a r f r e q u e n t a t iv o - d im in u t iv o d e d ilh a r , f e r v ilh a r - in h a r fr e q u e n t a t i v o -d i m i n u t iv o - p e jo r a t iv o e s c r e v in h a r , c u s p in h a r - is c a r f r e q u e n t a t iv o - d im in u t iv o c h u v is c a r , la m b is c a r - it a r f r e q u e n t a t iv o - d im in u t iv o d o r m it a r , s a lt it a r - iz a r f a c t it iv o c iv iliz a r , u t iliz a r Das outras conjugações apenas a 2.a possui um sufixo capaz de formar ver­ bos novos em português. É o sufixo -ecer (ou - escer), característico dos verbos chamados incoativos , o u seja, dos verbos que indicam o começo de um estado e, às vezes, o seu desenvolvimento: alvor-ecer anoit-ecer amadur-ecer embranqu-ecer envelh-ecer escur-ecer flor-escer rejuven-escer Em verdade, também -ecer não é sufixo. Decompõe-se esta terminação em: SUFIXO (-e[s]c-) + VOGAL TEMÁTICA (-C-) + SUFIXO (-r). S u fix o a d v e r b ia l O único sufixo adverbial que existe em português é -mente, oriundo do substantivo latino mens, mentis “a mente, o espírito, o intento”. Com o sentido 116 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O de “intenção” e, depois, com o de “maneira”, passou a aglutinar-se a adjetivos para indicar circunstâncias, especialmente a de modo. Assim: boamente = com boa intenção, de maneira boa. Como o substantivo latino mens era feminino (compare-se o português a mente), junta-se o sufixo à forma feminina do adjetivo: bondosa-mente fraca-mente nervosa-mente pia-mente Desta norma excetuam-se os advérbios que se derivam de adjetivos termi­ nados em - ês: burguês-mente, português-mente, etc. Mas o fato tem explicação histórica: tais adjetivos eram outrora uniformes, uniformidade que alguns deles, como pedrês e montês, ainda hoje conservam. Assim: um galo pedrês, uma galinha pedrês; um cabrito montês, uma cabra montês. A formação adverbial continua a seguir o antigo modelo. D ERIV A Çà O P A R A S S IN T ÉTIC A Numa análise morfológica do adjetivo desalmado e do verbo repatriar, ve­ rificamos imediatamente que: a) o primeiro é constituído do prefixo des- + o radical alm{a) + o sufixo -ado. b) o segundo é formado do prefixo re- + o radical pátri(a) + o sufixo -ar. Um exame mais cuidadoso mostra-nos, porém, que, nos dois casos, o prefixo e o sufixo se aglutinaram a um só tempo aos radicais alm(a) e pátri(a), pois que não existem - e não existiram nunca - os substantivos desalma e repatria, nem tampouco o adjetivo almado e o verbo patriar. Os vocábulos formados pela agregação simultânea de prefixo e sufixo a determinado radical chamam-se parassintéticos , palavra derivada do grego pará- (= justaposição, posição ao lado de) e synthetikós (= que compõe, que junta, que combina). A parassíntese é p a r t i c u la r m e n te p r o d u tiv a n o s v e rb o s , e a p r in c ip a l f u n ç ã o d o s p re fix o s v e r n á c u lo s a- e em- (en-) é a d e p a r t i c i p a r d e s s e tip o e s p e c ia l d e d e riv a ç ã o : abotoar embainhar amanhecer ensurdecer DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO D ERIV A Çà O R EG R E S S IV A Nos tipos de derivação até aqui estudados a palavra nova resulta sempre do acréscimo de a f ix o s ( p r e f ix o s o u s u f ix o s ) a determinado r a d i c a l . Neles h á , pois, uma constante: a palavra derivada amplia a primitiva. Existe, porém, um processo de criação vocabular exatamente contrário. É a chamada d e r iv a ç ã o r e g r e s s iv a , que consiste na redução da palavra dérivante por uma falsa análise da sua estrutura. Um exemplo: proveniente da linguagem dos ciganos espanhóis, entrou na gíria portuguesa o termo gajão com o significado de “indivíduo finório, velhaco”. Por causa deste sentido pejorativo e da presença da final -ão, passou ele, com o tempo, a ser considerado simples aumentativo de um suposto substantivo gajo, que é hoje a forma corrente. A d e r iv a ç ã o r e g r e s s iv a tem importância maior na criação dos s u b s t a n t iv o s d e v e r b a is ou Pós-V ERBA is, formados pela junção de uma das vogais -o, -a ou -e ao radical do verbo. Exemplos: V erbo D V erbo everba l D ev erba l V erbo D ev erba l abalar abalo am ostrar am ostra alcançar alcance adejar adejo ap arar apara atacar ataque afagar afago buscar busca co rtar corte am parar am paro caçar caça debater debate apelar apelo censurar censura en laçar enlace a rrim a r arrim o ajudar ajuda levantar levante chorar choro com prar com pra rebater rebate errar erro perder perda resgatar resgate recuar recuo pescar pesca to car toque sustentar sustento vender venda sa car saque Alguns deverbais possuem forma masculina e feminina: V D ev erba l erbo D V erbo ev erba l am eaçar am eaço am eaça g ritar grito grita custar custo custa trocar troco troca NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Nem sempre é fácil saber se o substantivo se deriva do verbo ou se este se origina do substantivo. Há um critério prático para a distinção, sugerido pelo filólogo Mário Barreto: “Se o substantivo denota ação, será palavra derivada, e o verbo palavra pri­ mitiva; mas, se o nome denota algum objeto ou substância, verificar-se-á o contrário”. (De Gramática e de linguagem, II, Rio de Janeiro, 1922, p. 247.) Assim: dança, ataque e amparo, denotadores, respectivamente, das ações de dançar, atacar e amparar, são formas derivadas; âncora, azeite e escudo, ao contrário, são as formas primitivas, que dão origem aos verbos ancorar, azeitar e escudar. Há, no entanto, quem não considere relevante a origem da base, mas a relação geral verbo / nome, que obedeceria, em princípio, a um padrão derivacional, segundo o qual,“dada a existência de um verbo no léxico do Português, é previsível uma relação lexical entre este verbo e um nome X’”. Este padrão pode ser assim formalizado: [X]v-------- [X]v--------- [X’]N Acrescente-se ainda que esse padrão derivacional “pode abarcar o fato de que os verbos muitas vezes se relacionam a nomes morfologicamente básicos, e não apenas a nomes deverbais” (cf. Margarida Basílio. Padrões derivacionais gerais — o fenômeno da nominalização em português. Revista Brasileira de Linguística, 5(l):80-8l, 1978). D ERIV A Çà O IM P R Ó P R IA As palavras podem mudar de classe gramatical sem sofrer modificação na forma. Basta, por exemplo, antepor-se o artigo a qualquer vocábulo da língua para que ele se torne um substantivo. Assim: Ele examinou os prós e os contras da proposta. Esperava um sim e recebeu um não. A este processo de enriquecimento vocabular pela mudança de classe das palavras dá-se o nome de derivação im pró pria , e por ele se explica a passagem: a) de substantivos próprios a comuns: damasco, macadame (de MacAdam), quixote; b) c) d) e) f) g) de substantivos comuns a próprios: Coelho, Leão, Pereira; de adjetivos a substantivos: capital\ circular, veneziana; de substantivos a adjetivos: burro, (café)-concerto, (colégio)-modelo; de substantivos, adjetivos e verbos a interjeições: silêncio! bravo! viva! de verbos a substantivos: afazer, jantar, prazer; de verbos e advérbios a conjunções: quer... quer, já... já; DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO h) de particípios (presentes e passados) a preposições: mediante, salvo; i) de particípios (passados) a substantivos e adjetivos: conteúdo, resoluto. Observação: A rigor, a derivação imprópria (também denominada conversão, habilita­ ção ou HiPôsTASE por linguistas modernos) não deve ser incluída entre os processos de formação de palavras que estamos examinando, pois pertence à área da semântica, e não à da morfologia. FO RM AÇÃO D E PA LA VRAS PO R CO M PO SIÇÃO A c o m po siç ã o , já o sabemos, consiste em formar uma nova palavra pela união de dois ou mais radicais. A palavra composta representa sempre uma ideia única e autônoma, muitas vezes dissociada das noções expressas pelos seus componentes. Assim, criado-mudo é o nome de um móvel; mil-folhas, o de um doce; vitória-régia, o de uma planta. T ip o s d e c o m p o s iç ã o 1. Quanto à form a , os elementos de uma palavra composta podem estar: a) simplesmente justapostos, conservando cada qual a sua integridade: beija-flor segunda-feira bem-me-quer pé-de-meia madrepérola tira-teima b) intimamente unidos, por se ter perdido a ideia da composição, caso em que se subordinam a um único acento tônico e sofrem perda de sua integridade silábica: aguardente (água + ardente) embora (em + boa + hora) pernalta (perna + alta) viandante (via + andante) Daí distinguir-se a com po sição por justaposição da com posição por agluti­ nação , diferença que a escrita procura refletir, pois que na justaposição os elementos componentes vêm em geral ligados por hífen, ao passo que na aglutinação eles se juntam num só vocábulo gráfico. O bservação: Reitere-se que o emprego do hífen é uma simples convenção ortográfica. Nem sempre os elementos justapostos vêm ligados por ele. Há os que se escrevem unidos: 119 120 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O passatempo, varapau, etc.; como há outros que conservam a sua autonomia gráfica: pai defamília, fim de semana, Idade Média, etc. 2. Quanto ao distingue-se numa palavra composta o elemento d e ­ t e r m i n a d o , que contém a ideia geral, do d e t e r m i n a n t e , que encerra a noção particular. Assim, em escola-modelo, o termo escola é o d e t e r m i n a d o , e modelo o d e t e r m i n a n t e . Em mãe-pátria, ao inverso, mãe é o d e t e r m i n a n t e , e pátria o s e n t id o d e t e r m in a d o , . Nos compostos tipicamente portugueses, o d e t e r m i n a d o de regra precede o d e t e r m i n a n t e , mas naqueles que entraram por via erudita, ou se formaram pelo modelo da composição latina, observa-se exatamente o contrário - o primeiro elemento é o que exprime a noção específica, e o segundo a geral. Assim: agricultura = cultivo do campo, suaviloquência = linguagem suave, mundividência = visão do mundo, etc. O bservação: Como o determinante encerra a noção mais característica, muitas vezes por si só designa o objeto. Assim: capital (por cidade capital), vapor (por barco a vapor). 3. Quanto à c l a s s e g r a m a t i c a l dos seus elementos, uma palavra composta pode ser constituída de: l . ° ) s u b s t a n t iv o + s u b s t a n t iv o : manga-rosa 2. arco-da-velha cor-de-rosa °) s u b s t a n t iv o + a d j e t i v o : com o adjetivo posposto ao substantivo: aguardente b) tamanduá-bandeira ° ) s u b s t a n t iv o + p r e p o s iç ã o + s u b s t a n t iv o : pé-de-meia 3. a) porco-espinho amor-perfeito criado-mudo com o adjetivo anteposto ao substantivo: alto-forno belas-artes gentil-homem DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO 4.°) a d je t iv o + a d je t iv o : azul-marinho 5.°) luso-brasileiro tragicômico segunda-feira trigêmeo NUMERAL + SUBSTANTIVO: mil-folhas 6 . ° ) PRONOME + s u b s t a n t iv o : meu-bem 7.°) guarda-roupa cata-vento perde-ganha vaivém mal-educado sempre-viva VERBO + v e r b o : corre-corre 9.°) Nosso Senhor VERBO + s u b s t a n t iv o : beija-flor 8 .° ) nossa-amizade ADVÉRBIO + AD IETIVO : bem-bom 10.°) ADVÉRBIO (O U ADJETIVO EM FUNÇÀO A D VER BIA L) + VERBO: bem-aventurar maldizer vangloriar-se Observações: °) No último grupo poderíamos incluir os numerosos compostos de bem e mal + substantivo ou ADiETivo, porque, neles, tanto o substantivo como o adjetivo são quase sempre derivados de verbos, cuja significação ainda conservam. Assim: bem1. -aventurança, bem-aventurado, benquerença, bem-vindo, maldizente, mal-encarado, malfeitor, malsoante, etc. 2. °) Nem todos os compostos da língua se distribuem pelos tipos que enume­ ramos. Há, ainda, uma infinidade de combinações, por vezes curiosas, como as se­ guintes: bem-te-vi, bem-te-vi-do-bico-chato, louva-a-deus, malmequer, não-me-deixes, não-me-toques, não-te-esqueças-de-mim (miosótis), etc. 3. °) Empregamos muitas palavras compostas que não são, propriamente, forma­ ções portuguesas. Assim, couve-flor é tradução do francês chou-fleur, café-concerto 122 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O é também de origem francesa; bancarrota provém do italiano bancarotta; vinagre chegou-nos, provavelmente, por intermédio do espanhol vinagre, originário, por sua vez, de uma forma catalã idêntica. 4.°) Algumas palavras de importação que aparentam forma simples são com­ postas nas línguas de origem. É o caso, por exemplo, de oxalá, derivado do árabe wa sa llàh (= e queira Deus); e de aleluia, proveniente do hebraico hallelu Yah (= louvai ao Senhor). COM POSTOS ER U D ITO S A nomenclatura científica, técnica e literária é fundamentalmente constituída de palavras formadas pelo modelo da composição greco-latina, que consistia em associar dois termos, o primeiro dos quais servia de determinante do se­ gundo. Examinaremos, a seguir, os principais radicais latinos e gregos que par­ ticipam dessas formações, distribuindo-os por dois grupos, de acordo com a posição que ocupam no composto. R a d ic a is la tin o s 1. Entre outros, funcionam como primeiro elemento da composição os seguin­ tes radicais latinos, em geral terminados em -i: F orm a O r ig e m la t in a S en t id o E x e m p lo a m b i- am bo am bos a m b id e s t r o a r b o r i- a rb o r, - o ris á rv o re a rb o ríc o la a v i- a v is ,- is ave a v ifa u n a d u a s vezes b isa v ô b is- b is bi- b íp e d e c a lo r i- ca lo r, -o ris c a lo r c a lo r ífe ro c r u c i- c r u x ,- u c is cru z c r u c ifix o c u r v i- c u r v u s , -a ,-u rn cu rv o c u r v ilín e o e q u i- a e q u u s , - a ,- u m ig u a l e q u ilá t e r o fe rro fe rrífe ro f e r r if e r r u m ,- i fe rro - fe rro v ia ig n i- ig n is ,- is fo g o ig n ív o m o lo c o - lo c u s , -i lu g a r lo c o m o tiv a m o r ti- m o rs , m o r t is m o rte m o r tífe r o DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO v* O r ig e m Fo r m a o le i- o le u m ,-i E x em plo S e n t id o la tin a o le íg e n o a z e it e , ó le o o le o - o le o d u to o n i- o m n is ,- e to d o o n ip o t e n t e p e d i- p e s, p e d is pé p e d ilú v io p ise i- p is e is ,- is p e ix e p is c ic u lt o r q u a t tu o r q u a tro q u a d r i- q u a d r i m o to r q u a d ru - q u a d rú p e d e re ti- r e c t u s ,- a ,- u m reto r e t ilín e o s e s q u i- s e s q u i- u m e m e io s e s q u ic e n t e n á r io t r i- tre s , t r ia trê s t r ic o lo r u n i- u n u s ,- a ,- u m um u n ís s o n o v e r m i- v e r m i s ,-is v e rm e v e r m ífu g o 2. Como segundo elemento da composição, empregam-se: F orm a S e n t id o E x EMPIjOS - c id a q u e m a ta r e g ic id a , f r a t r ic id a -c o la q u e c u lt iv a , o u h a b ita v it íc o la , a r b o r íc o la - c u lt u r a a to d e c u lt iv a r a p ic u lt u r a , p is c ic u lt u r a -fe ro q u e c o n té m , ou p ro d u z a u r ífe r o , fia m ífero -fico q u e f a z , o u p ro d u z b e n é fic o , fr ig o r íf ic o -fo rm e q u e t e m fo rm a d e c u n é if o r m e , u n if o r m e -fu g o q u e fo g e , o u f a z f u g ir c e n tr íf u g o , fe b r ífu g o - g e ro q u e c o n t é m , o u p ro d u z a r m íg e r o , b e líg e ro -p a ro q u e p ro d u z m u lt íp a r o , o v íp a r o -p e d e pé p a lm íp e d e , v e lo c íp e d e -so n o q u e so a h o r r ís s o n o , u n ís s o n o -v o m o q u e e x p e le f u m ív o m o , ig n ív o m o - v o ro que com e c a r n ív o r o , h e rb ív o ro R a d ic a is g re g o s 1. Mais numerosos são os compostos eruditos formados de elementos gregos, fonte de quase todos os neologismos filosóficos, literários, técnicos e cientí­ ficos. 123 124 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Entre os mais usados, podemos indicar os seguintes, que servem geralmente de primeiro elemento da composição: F orm a S e n t id o E xem plo s anem o- v e n to a n e m ó g ra fo , a n e m ó m e t r o a n tro p o - hom em a n tr o p ó fa g o , a n tr o p o lo g ia a rq u e o - a n t ig o a r q u e o g r a fia , a rq u e o lo g ia b ib lio - liv ro b ib lio g r a fia , b ib lio te c a caco - m au c a c o f o n ia , c a c o g ra fia c a li- b e lo c a lifa s ia , c a lig r a fia co sm o - m undo c o s m ó g ra fo , c o s m o lo g ia cro m o - co r c r o m o lit o g r a f ia , c r o m o s s o m o cro n o - te m p o c r o n o lo g ia , c r o n ô m e t r o d a ( c ) t ilo - dedo d a ( c ) t ilo g r a f ia , d a (c )t ilo s c o p ia d eca- dez d e c a e d r o .d e c a lit r o di- d o is d ip é t a lo , d is s fla b o enea- nove e n e á g o n o , e n e a s s íla b o e tn o - ra ç a e t n o g r a f ia , e t n o lo g ia fa rm a co - m e d ic a m e n t o f a r m a c o lo g ia , f a r m a c o p e ia f is io - n a tu re z a f is io lo g ia , f is io n o m ia h e lio - so l h e lio g r a f ia , h e lio s c ó p io h e m i- m e ta d e h e m is f é r io , h e m is t íq u io san g u e h e m o g lo b in a , h e m a t ó c r it o h e p ta - s e te h e p tá g o n o , h e p t a s s íla b o hexa- s e is h e x á g e n o , h exâ m e tro h ip o - c a v a lo h ip ó d r o m o , h ip o p ó t a m o h o m (e )o - s e m e lh a n t e h o m e o p a t ia , h o m ó g ra fo ic tio - p e ix e ic tió fa g o , ic t io lo g ia iso - ig u a l is ó c r o n o , is ó s c e le (s ) lito - p e d ra lito g r a fia , lito g r a v u r a m e g a (lo )- g ra n d e m e g a t é r io , m e g a lo m a n ía c o m e lo - c a n to m e lo d ia , m e lo p e ia m eso - m e io m e s ó c lis e , M e s o p o t â m ia hem oh e m a to - DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO F orm a S e n t jp q E xem plo s m ir ia - d e z m il m ir iâ m e t r o , m ir ía d e m is o - q u e o d e ia m is ó g in o , m is a n t r o p o m it o - fá b u la m it o lo g ia , m it ô m a n o n e cro - m o rto n e c r ó p o le , n e c r o t é r io neo- n o vo n e o la t in o , n e o lo g is m o n e rv o n e u r o lo g ia , n e v r a lg ia o cto - o ito o c t o s s íla b o , o c t a e d r o o d o n to - d e n te o d o n to lo g ia , o d o n ta lg ia o f t a lm o - o lh o o ft a lm o lo g ia , o fta lm o s c ó p io o n o m a to - nom e o n o m a t o lo g ia , o n o m a t o p é ia o ro - m o n ta n h a o r o g e n ia , o ro g ra fia o rto - reto , ju s t o o r t o g r a f ia , o rto d o x o o x i- ag u d o , p e n e tra n te o x íg o n o , o x íto n o p a le o - a n tig o p a le o g r a fia , p a le o n to lo g ia pan- to d o s , tu d o p a n t e ís m o , p a n - a m e r ic a n o p a to - ( s e n t im e n t o ) d o e n ç a p a to g e n é tic o , p a to lo g ia pedo- c r ia n ç a p e d ia t r ia , p e d o lo g ia p o ta m o - rio p o t a m o g r a f ia , p o t a m o lo g ia p s ic o - a lm a , e s p ír it o p s ic o lo g ia , p s ic a n á lis e q u ilo - m il q u ilo g r a m a , q u ilô m e t r o q u ir o - m ão q u ir o m a n c ia , q u ir ó p t e r o r in o - n a riz r in o c e r o n t e , r in o p la s t ia r iz o - r a iz r iz ó filo , r iz o t ô n ic o s id e r o - fe rro s id e r ó lit a , s id e r u r g ia t a q u i- rá p id o t a q u ic a r d ia , t a q u ig ra fia te o - deus t e o c r a c ia , te ó lo g o te tra - q u a tro te tra rc a , te tra e d ro t ip o - f ig u r a , m a r c a t ip o g r a f ia , t ip o lo g ia to p o - lu g a r t o p o g r a fia , t o p o n ím ia xeno- e s t r a n g e ir o x e n o fo b ia , x e n o m a n ia x ilo - m a d e ir a x iló g ra fo , x ilo g r a v u r a zo o- a n im a l z o ó g ra fo , z o o lo g ia n e u ro n e vro - 125 126 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Como vemos, a maioria destes radicais assume na composição uma forma termi­ nada em -o. Alguns empregam-se também como segundo elemento do composto. É ocaso, por exemplo, de -antropo (filantropo),-crono (isócrono), -dáctilo (pterodáctilo), -filo (germanófilo), -lilo (aerólito), -pótamo (hipopótamo) e outros. 2. Funcionam, preferentemente, como segundo elemento da composição, entre outros, estes radicais gregos: Form a S e n t id o E xem plo s -a g o g o que cond uz dem ag og o, pedagogo - a lg ia dor c e f a la lg ia , n e v r a lg ia -a rc a que co m an d a h e r e s ia r c a , m o n a r c a - a r q u ia c o m a n d o , g o v e rn o a u t a r q u ia , m o n a r q u ia - a s t e n ia d e b ilid a d e n e u r a s t e n ia , p s ic a s t e n ia - c é f a lo cab eça d o lic o c é fa lo , m ic r o c é fa lo - c r a c ia poder d e m o c r a c ia , p lu t o c r a c ia -d o x o q u e o p in a h e te ro d o x o , o rto d o x o -d ro m o lu g a r p a r a c o r r e r h ip ó d r o m o , v e ló d r o m o -e d ro b a s e , fa ce p e n t a e d r o , p o lie d ro -fa g ia a to d e c o m e r a e r o fa g ia , a n tr o p o fa g ia -fa g o qu e com e a n tro p ó fa g o , n e c ró fa g o - f ilia a m iz a d e b ib lio filia , lu s o filia -fo b ia in im iz a d e , ó d io , te m o r fo to fo b ia , h id ro fo b ia -fo b o q u e o d e ia , in im ig o x e n ó fo b o , z o ó fo b o -fo ro q u e leva o u c o n d u z e le c tró fo ro , fó sfo ro - g a m ia ca sa m e n to m o n o g a m ia , p o lig a m ia -g a m o q u e ca sa b íg a m o , p o líg a m o -g ê n eo q u e g e ra h e te ro g ê n e o , h o m o g ê n e o - g lo ta ,- g lo s s a lín g u a p o lig lo ta , is o g lo s s a -g o n o â n g u lo p e n tá g o n o , p o líg o n o - g r a f ia e s c r it a , d e s c r iç ã o o rt o g ra fia , g e o g ra fia -g ra fo q u e e s c re v e c a líg ra fo , p o líg ra fo -g ra m a e s c r it o , p e s o t e le g r a m a , q u ilo g r a m a -lo g ia d is c u r s o , tra ta d o , c iê n c ia a r q u e o lo g ia ,f ilo lo g ia DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO F orm a S e n t id o E xem plo s -lo g o que fala ou trata diálogo, teólogo - m a n e ia adivinhação n ecro m an cia, q uiro m an cia - m a n ia loucura, tendência m egalom ania, m onom ania -m an o louco, inclinad o bibliôm ano, m itôm ano - m a q u ia com bate lo g o m aq u ia,tau ro m aq u ia - m e t r ia m edida an tro p o m etria, biom etria -m e tro que mede hidrôm etro, pentâm etro -m o rfo que tem a form a antropom orfo, polim orfo - n o m ia lei, regra agronom ia, astronom ia -n o m o que regula autônom o, m etrônom o - p e ia ato de fazer m elopeia, onom atopéia - p ó lis , - p o le cidade Petrópolis, m etrópole -p te ro asa díptero, helicóptero - s c o p ia ato de ver m acroscopia, m icroscopia - s c ó p io instrum ento para ve r m icroscópio, telescópio •so fia sabedoria filosofia, teosofia - s t ic o verso d ístico, m onóstico -te ca lugar onde se guarda biblioteca, discoteca - t e r a p ia cura fisio terap ia, hidroterapia - to m ia corte, divisão dicotom ia, nevrotom ia -to n o tensão, tom barítono, monótono RECOMPOSIÇÃO P s e u d o p re fíx o s Certos radicais latinos e gregos adquiriram sentido especial nas línguas modernas. Assim auto- (do grego autós = próprio, de si mesmo), que ainda se emprega com o valor originário em numerosos compostos (por exemplo: autodidata = que estudou por si mesmo; autógrafo = escrito do próprio autor), passou, com a vulgarização de auto, forma abreviada de automóvel (= veículo movido por si mesmo), a ter este significado em uma série de novos compos­ tos: autoestrada, autódromo, etc. Também o radical electro- (do grego eléctron = âmbar), pela propriedade que apresenta o âmbar de atrair os corpos leves, 128 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O veio a aplicar-se a tudo o que se relaciona com a “eletricidade”: electrodinâmica, electroscópio, electroterapia, etc. Estes radicais que assumem o sentido global dos vocábulos de que antes eram elementos componentes denominam-se pseudoprefixos o u prefixoides J Os pseudoprefixos caracterizam-se: a) por apresentarem um acentuado grau de independência; b) por possuírem “uma significação mais ou menos delimitada e presente à consciência dos falantes, de tal modo que o significado do todo a que perten­ cem se aproxima de um conceito complexo, e portanto de um sintagma”;78 c) por terem, de um modo geral, menor rendimento do que os prefixos pro­ priamente ditos. Cumpre-nos, pois, fazer distinção entre os pseudoprefixos e os radicais eruditos que não apresentam esse comportamento especial. O critério básico para tal distinção é a deriva semântica que se evidencia quando, processada a “decomposição”, os elementos ingressam noutras formações com sentido diverso do etimológico. A deriva semântica desses elementos decorre, portanto, de um procedi­ mento especial, denominado recom posição por André Martinet, termo que lhe pareceu necessário para batizar “uma situação linguística particular que não se identifica nem com a composição propriamente dita, nem tampouco, de um modo geral, com a derivação, que supõe a combinação de elementos de estatuto diferente”.9 Eis uma lista de pseudoprefixos , ilustrada com exemplos: PSEUDOPREFIXO E x em p lo s a e ro - aeroclube, aerom oça ag ro - ag ro in d u strial, agropecuária a r q u i- arquibanco, arq u im ilio n á rio a stro - astronauta, astronave a u to - autoestrada, autopeça bio- b io ciência, biodegradável 7 Leiam-se, a propósito, as considerações de Iorgu Jordan e Maria Manoliu. Manual dc lin­ guística românica. Revision, reelaboración parcial y notas por Manuel Alvar, t. II, Madrid, Gredos, 1972, p. 44-49; J. G. Herculano de Carvalho. Teoria da linguagem, t. II, Coimbra, Atlântida, 1974, p. 547-554; Li Ching. Boletim de Filologia, 22:213-225. 8 j. G. Herculano de Carvalho. Obra cit., p. 554. 9 Eléments de linguistique générale. Paris, Armand Colin, 1967, p. 135. OERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO PSEUDOPREFIXO E x em plo ? c in e - c in e c lu b e , c in e r a m a dem o- d e m o f ilia ,d e m o lo g ia e le c t r o - e le c t r o d o m é s t ic o , e le c t r o m a g n é t ic o fo n o - f o n o e s t ilís t ic a , fo n o v is ã o fo to - fo to m o n t a g e m , fo to n o v e la geo- g e o e c o n ô m ic o , g e o p o lít ic o h e te ro - h e te ro a g r e s s ã o , h e te ro r re la ç ã o h id r o - h id r o e lé c t r ic a , h id r o g e n iz a ç ã o in te r- in t e r e s t a d u a l, in te r-ra c ia l m a cro - m a c r o e c o n o m ia , m a c r o b ió t ic a m a x i- m a x id e s v a lo r iz a ç ã o , m a x is s a ia m ic r o - m ic r o f ilm e , m ic r o - o n d a m in i- m in if ú n d io , m in is s a ia m ono- m o n o b lo c o , m o n o m o t o r m o to - m o t o m e c a n iz a ç ã o , m o to n a v e m u lt i- m u lt ifa c e ta d o , m u lt in a c io n a l p lu r i- p lu r i p a r t id a r is m o , p lu r is s e r ia d o p o li- p o lic lín ic a , p o lim o r fis m o p ro to - p r o to -h is tó ria , p r o t o m á r t ir p seu d o - p s e u d o in t e le c t u a l, p s e u d o r r e a lis m o r a d io - r a d io jo r n a l, ra d io te a t ro re tro - r e t r o c o n t a g e m , r e t r o v is o r s e m i- s e m io f ic ia l, s e m iv o g a l t e le - t e le g u ia d o , t e le v is ã o te rm o - t e r m o d in â m ic a , t e r m o n u c le a r HIBRIDISMO São palavras híbridas, ou hibridismos, aquelas que se formam de elementos tirados de línguas diferentes. Assim, em automóvel o primeiro radical é grego e o se­ gundo latino, em sociologia, ao contrário, o primeiro é latino e o segundo grego. As formações híbridas são em geral condenadas pelos gramáticos, mas exis­ tem algumas tão enraizadas no idioma que seria pueril pretender eliminá-las. É o caso das palavras mencionadas e de outras, como bicicleta bígamo endovenoso monóculo neolatino oleograíia 129 130 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Com razão, observa Matoso Câmara Jr.: “Esses compostos decorrem, em princí­ pio, da circunstância de os elementos se terem integrado no mecanismo da língua que faz a composição, e a sua origem diversa só ter um sentido diacrônico” (Dicionário de filologia e gramática, 2* ed., Rio de Janeiro, J. Ozon, 1964, p. 180). ONOMATOPÉIA As onom atopéias são palavras imitativas, isto é, palavras que procuram re­ produzir aproximadamente certos sons ou certos ruídos: tique-taque zás-trás zum-zum Em geral, os verbos e os substantivos denotadores de vozes de animais têm origem onomatopeica. Assim: ciciar coaxar cicio (da cigarra) coaxo (da rã, do sapo) ABREVIAÇÃO VOCABULAR O ritmo acelerado da vida intensa de nossos dias obriga-nos, necessariamente, a uma elocução mais rápida. Economizar tempo e palavras é uma tendência geral do mundo de hoje. Observamos, a todo momento, a redução de frases e palavras até limites que não prejudiquem a compreensão. É o que sucede, por exemplo, com os vocábu­ los longos, e em particular com os compostos greco-latinos de criação recente: auto (por automóvel), foto (por fotografia), moto (por motocicleta), ônibus (por auto-ônibus), pneu (por pneumático), quilo (por quilograma), etc. Em todos eles a forma abreviada assumiu o sentido da forma plena. S ig la s Também moderno - e cada vez mais generalizado - é o processo de criação vocabular que consiste em reduzir longos títulos a meras siglas, constituídas das letras iniciais das palavras que os compõem. Atualmente, instituições de natureza vária - como organizações internacio­ nais, partidos políticos, serviços públicos, sociedades comerciais, associações operárias, patronais, estudantis, culturais, recreativas, etc. - são, em geral, mais conhecidas pelas siglas do que pelas denominações completas. Assim: DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO AD APU CD CGT DEM DVD Enem EU (EU) FIFA FRELIMO Inep MPLA OEA ONU OUA PAIGC PC PCP PDS PDT PMDB PP PPM PPS PS PSB PSD PSDB PT PTB PV STF TAP UNE UNESCO — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — Aliança Democrática Aliança Povo Unido Compact Disc Confédération Générale du Travail Democratas Digital Video Disc Exame Nacional de Ensino Médio European Union (União Europeia) Fédération Internationale de Football Association Frente de Libertação de Moçambique Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Movimento Popular de Libertação de Angola Organização dos Estados Americanos Organização das Nações Unidas Organização de Unidade Africana Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde Personal Computer Partido Comunista Português Partido Democrático Social Partido Democrático Trabalhista Partido do Movimento Democrático Brasileiro Partido Progressista Partido Popular Monárquico Partido Popular Socialista Partido Socialista Partido Socialista Brasileiro Partido Social Democrático Partido da Social Democracia Brasileira Partido dos Trabalhadores Partido Trabalhista Brasileiro Partido Verde Supremo Tribunal Federal Transportes Aéreos Portugueses União Nacional dos Estudantes United Nations Educational, Scientific and Cultural Orga­ nization E não é só . Uma vez criada e vulgarizada, a sigla passa a ser sentida como uma palavra primitiva, capaz, portanto, de formar derivados: cegetista, petebista, etc. 131 O bservação: Nem sempre uma instituição é conhecida pela mesma sigla em Portugal e no Brasil. No Brasil, por exemplo, denomina-se OTAN (= Organização do Tratado do Atlântico Norte) o organismo que em Portugal se chama NATO (= North Atlantic Treaty Organization), por ter-se aí vulgarizado a sigla inglesa. Por vezes há diferença de acentuação da sigla nos dois países. Diz-se, por exemplo, ONÚ em Portugal e ÔNU no Brasil. Capítulo 7 Frase, oração, período A FRASE E SUA CONSTITUIÇÃO 1. F rase é u m e n u n c ia d o d e se n tid o c o m p le to , a u n id a d e m ín im a de c o m u n i­ cação. A parte da gramática que descreve as regras segundo as quais as palavras se combinam para formar frases denomina-se sintaxe . 2. A frase pode ser constituída: 1. °) de uma só palavra: Fogo! Atenção! Silêncio! 2. °) de v árias p alav ras, e n tre as q u ais se in clu i o u n ã o u m v erb o : a) c o m v erb o : Alguns anos vivi em Itabira. (C. Drummond de Andrade, R, 45.) b) sem verbo: Que inocência! Que aurora! Que alegria! (Teixeira de Pascoaes, OC, III, 140.) 3. A frase é sempre acompanhada de uma melodia, de uma entoação. Nas frases organizadas com verbo, a entoação caracteriza o fim do enunciado, geralmente seguido de forte pausa. É o caso destes exemplos: 134 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Bate o vento no postigo... / Cai a chuva lentamente... (Da Costa e Silva, PC, 307.) Se a frase não possui verbo, a melodia é a única marca por que podemos reconhecê-la. Sem ela, frases como Atenção! Que inocência! Que alegria! seriam simples vocábulos, unidades léxicas sem função, sem valor gramatical. O bservação: O estudo da frase e o da organização dos elementos que a constituem pressupõem o conhecimento de alguns conceitos nem sempre taceis de definir. Essa dificuldade resulta não só da própria natureza do assunto, mas também das diferenças dos métodos e técnicas de análise adotados pela linguística clássica e pelas principais correntes da linguística contemporânea. Neste capítulo, evitar-se-ão discussões teóricas que não tragam esclarecimentos ao estudo descritivo-normativo da sintaxe portuguesa, que é o nosso objetivo principal. FRASE E ORAÇÃO A frase p o d e c o n te r u m a o u m ais orações. 1. °) Contém apenas uma oração, quando apresenta: a) u m a só fo rm a verb al, clara o u o cu lta: O dia decorreu sem sobressalto. (J. Paço d’Arcos, CVL, 491.) Na cabeça, aquela bonita coroa. (J. Montello, A, 32.) b) duas ou mais formas verbais, integrantes de uma locuçào verbal: — Podem vir os dois... (V. Nemésio, MTC, 446.) Tudo de repente entrou a viver uma vida secreta de luz. (Autran Dourado, TA, 13.) 2. °) Contém mais de uma oração, quando há nela mais de um verbo (seja na forma simples, seja na locução verbal), claro ou oculto: FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Fechei os olhos, / meu coração doía. (Luandino Vieira, NANV, 75.) Busco, / volto, / abandono, / e chamo de novo. (A. Bessa Luís, AM, 38.) O Negrinho começou a chorar, / enquanto os cavalos iam pastando. (Simões Lopes Neto, CGLS, 332.) Os anos são degraus; / a vida, a escada. (F. de Castro, ANE, 73.) O bservação: A é o conjunto formado de um verbo principal . Enquanto o últim o vem sempre numa forma gerúndio , particípio), o primeiro pode vir: a) locução verbal num a auxiliar + um nominal forma finita ( indicativo, imperativo, subjuntivo): A viticultura foi-se alargando talvez a partir do terceiro século. (A. Sérgio, E, VIII, 65.) — Vá deitar-se, / vá coçar as pulgas / e descansar. (G. Ramos, AOH, 117.) — Você crê deveras que / venhamos a ser grandes homens? (Machado de Assis, OC, 1, 984.) b) num a forma nominal ( infinitivo ou gerúndio ): Ah, não poder subir na sombra Como um ladrão que escala um muro! (Ribeiro Couto, PR, 333.) Doente, quase não podendo andar, fiii ter com o Evaristo. (A. Nobre, Cl, 156.) ORAÇÃO E PERÍODO 1. a) a frase organizada em oração ou orações. Pode ser: simples , quando constituído de uma só oração: P eríodo é Cai o crepúsculo. (Da Costa e Silva, PC, 281.) verbo ( infinitivo , 135 136 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Nunca mais recobrou por inteiro a saúde. (A. Bessa Luís, S, 186.) b ) composto , q u a n d o fo rm a d o de d u a s o u m ais oraçõ es: Não bulia uma folha, / não cintilava um luzeiro. (A. Ribeiro, ES, 21L) O se n h o r tiro u o cigarro, / b a te u -o n a ta m p a d a cigarreira, / lev o u -o ao c a n to d o s láb io s, / p re m iu a m o la d o isq u eiro . (J. Montello, SC, 173.) 2. O período te rm in a se m p re p o r u m a p a u sa b e m d efin id a , q u e se m a rc a n a escrita c o m p o n to , p o n to d e ex clam ação , p o n to d e in te rro g a ç ã o , reticên cias e, alg u m as vezes, c o m d o is p o n to s . A ORAÇÃO E OS SEUS TERMOS ESSENCIAIS SUJEITO E PREDICADO 1. São termos essenciais da oração o sujeito e o predicado . O suiEiTO é o ser sobre o qual se faz uma declaração; o predicado é tudo aquilo que se diz do sujeito. Assim, na oração Este aluno obteve ontem uma boa nota, temos: oração Este aluno obteve ontem uma boa nota 2. Nem sempre o sujeito e o predicado vêm materialmente expressos. Assim, em Andei léguas de sombra Dentro em meu pensamento. (F. Pessoa, OP, 59.) o sujeito de andei é eu, indicado apenas pela desinência verbal. FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Já em Boa cidade, Santa Rita. (M. Palmério, VC, 298.) é a forma verbal è que está subentendida. Chamam-se elípticas as orações a que falta um termo essencial. E, conforme o caso, diz-se que o suieito o u o predicado estão elípticos. SINTAGMA NOMINAL E VERBAL 1. Na oração: Este aluno obteve ontem uma boa nota, distinguimos duas unidades maiores: a) o suieito : este aluno; b ) o predicado : obteve ontem uma boa nota. Examinando, porém, o sujeito, vemos que ele é formado de duas palavras: este aluno O demonstrativo este é um determinante (DET) do substantivo (N) aluno, palavra que constitui o nücleo da unidade. Toda unidade que tem por núcleo um substantivo recebe o nome de sin ­ tagma NOMINAL (SN). A o ração q u e esta m o s e stu d a n d o ap resen ta, assim , dois sintagmas nominais: a) SN' = este aluno; b) SN2 = uma boa nota. 2. Podem ocorrer muitos (SN) na oração, mas somente um deles será o suieito. E, como veremos adiante, a sua posição, na ordem direta e lógica do enunciado, é à esquerda do verbo. Os demais sintagmas nominais encaixam-se no predicado .3 sintagmas nominais 3. O su b sta n tiv o , n ú c le o de u m sin ta g m a n o m in a l, a d m ite a p resen ça de deter­ minantes (DET) — q u e são os artig o s, os n u m e ra is e os p ro n o m e s adjetivos — e de modificadores (MOD), q u e, n o caso, são os ad jetiv o s o u expressões adjetivas. 138 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Os dois sintagmas nominais da oração em exame podem ser assim esque­ matizados: SN2 DET N 1 1 Este aluno DET N 1 1 1 1 uma nota MOD I 1 boa 4. O sintagma verbal (SV) constitui o predicado. Nele há sempre um verbo, que, quando significativo, é o seu núcleo. O sintagma verbal pode ser complementado por sintagmas nominais e modificado por advérbios ou expressões adverbiais (MOD). A oração que nos serve de exemplo obedece, pois, ao seguinte esquema: O DET N Este aluno O SUJEITO REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO Os sufEiTOS da 1.® e da 2.® pessoa são, respectivamente, os pronomes pes­ soais eu e tu, no singular; nós e vós (ou combinações equivalentes: eu e tu, tu e ele, etc.), no plural. Os sujeitos da 3.a pessoa podem ter como núcleo: a) um substantivo: Matilde entendia disso. (A. Bessa Luís, OM, 170.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Os olhos dela estavam secos. (Machado de Assis, OC, 1,495.) b) os pronomes pessoais ele, ela (singular); eles, elas (plural): Estavam de braços dados, ele arrumava a gravata, ela ajeitava o chapéu. (É. Veríssimo, LS, 128.) — Esperam que eles as tomem?... (Alves Redol, BC, 333.) c) um pronome demonstrativo, relativo, interrogativo, ou indefinido: Isto não lhe arrefece o ânimo? (A. Abelaira, NC, 35.) Achava consolo nos livros, que o afastavam cada vez mais da vida. (É. Veríssimo, LS, 131.) Quem disse isso? (F. Botelho, X, 150.) Tudo parara ao redor de nós. (C. Lispector, BF, 81.) d) um numeral: Os dois riram-se satisfeitos. (L. B. Honwana, NMCT, 65.) Ambos alteraram os roteiros originais. (N. Pinon, FD, 8 6 .) e) uma palavra ou uma expressão substantivada: Infanta, no exílio amargo, só o existirdes me consola. (T. da Silveira, PC, 367.) O por fazer é só com Deus. (F. Pessoa, OP, 16.) 139 140 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O f) uma oração substantiva subjetiva: Era forçoso / que fosse assim. (A. Sérgio, E, IV, 245.) Valeria a pena / discutir com o Benício? (J. Montello, SC, 16.) SUJEITO SIM PLES E SUJEITO COMPOSTO Sujeito simples. Quando o sujeito tem um só núcleo, isto é, quando o verbo se refere a um só substantivo, ou a um só pronome, ou a um só numeral, ou a uma só palavra substantivada, ou a uma só oração substantiva, o sujeito é s im p les . Esse o caso do sujeito de todos os exemplos atrás mencionados. Sujeito composto . É composto o su je ito q u e te m m a is de u m n ú c le o , o u seja, o su jeito c o n s titu íd o de: a) m ais de u m su b stan tiv o : As vozes e os passos aproximam-se. (M. da Fonseca, SV , 248.) Pai jovem, mãe jovem não deixam menino solto. (G. Amado, HMI, 49.) b) mais de um pronome: Ele e eu somos da mesma raça. (D. Mourão-Ferreira, 1,98.) Não vivo sem a sua sombra, você e eu sabemos. (N. Pinon, CC, 12.) c) mais de uma palavra ou expressão substantivada: Falam por mim os abandonados de justiça, os simples de coração. (C. Drummond de Andrade, R, 148.) Quantos mortos e feridos não me precederam ali. (N. Pinon, CC, 16.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO d) mais de uma oração substantiva: Era melhor esquecer o nó e pensar numa cama igual à de seu Tomás da bolandeira. (G. Ramos, VS, 83.) Dir-se-ia que o pano do palco se havia levantado e que iam surgir, pelas entradas laterais, as demais figuras da peça. (J. Montello, LE, 108.) Observação: Outras combinações podem entrar na formação do suinrro composto, sendo particularmente comum a de pronome + substantivo, ou vice-versa: Éramos, meu pai e eu E um negro, negro cavalo. (V. de Morais, PCP, 286.) SUJEITO OCULTO (DETERMINADO) É aquele que não está materialmente expresso na oração, mas pode ser iden­ tificado. A identificação faz-se: a) pela desinência verbal: Ficamos um bocado sem falar. (L. B. Honwana, NMCT, 10.) [O sujeito de ficamos, indicado pela desinência -mos, é nds.] b) pela presença do sujeito em outra oração do mesmo período ou de período contíguo: Soropita ali viera, na véspera, lá dormira; e agora retornava a casa. (Guimarães Rosa, CB, II, 467.) [O sujeito de viera, dormira e retornava é Soropita, mencionado na primeira oração, antes de viera.] Guilhermina bocejou. Iria adormecer? Pôs-se a calcular as horas. (C. de Oliveira, CD, 115.) 141 142 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O [O sujeito de bocejou, iria adormecer e pôs-se a calcular é Guilhermina, mencio­ nado no primeiro período, antes de bocejou.] Observação: Pode ocorrer que o verbo não tenha desinência pessoal e que o sujeito venha sugerido pela desinência de outro verbo. Por exemplo, neste período: Antes de comunicai--vos uma descoberta que considero de algum interesse para o nosso país, deixai que vos agradeça. o sujeito de considero, indicado pela desinência -o, é eu, também sujeito de comunicar, verbo na forma infinitiva sem desinência pessoal. Vejamos um caso similar, com o verbo na forma finita: Hoje, à tardinha, acabado o jantar, enquanto esperava a chegada de João, estirei-me no sofá e adormeci. Eu, sujeito de estirei-me e adormeci, é também o sujeito de esperava, forma verbal finita sem desinência pessoal. SUJEITO INDETERMINADO Algumas vezes, o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu conheci­ mento. Dizemos então, que o sujeito é indeterminado . Nestes casos em que o sujeito não vem expresso na oração nem pode ser identificado, põe-se o verbo: a) ou na 3.a pessoa do plural: — Contaram-me, quando eu era pequenina, a história duns náufra­ gos, como nós. (A. Ribeiro, SBAM, 265.) Reputavam-no o maior comilão da cidade. (C. dos Anjos, MS, 44.) b) ou na 3.a pessoa do singular, com o pronome se: Ainda se vivia num mundo de certezas. (A. Bessa Luís, OM, 296.) Precisa-se do carvalho; não se precisa do caniço. (C. dos Anjos, MS, 381.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Comia-se com a boca, com os olhos, com o nariz. (Machado de Assis, OC, 1,520 P.) Os dois processos de indeterminação podem concorrer num mesmo período: Na Casa pisavam sem sapatos, e falava-se baixo. (A. M. Machado, JT, 13.) ORAÇÃO SEM SUJEITO Não deve ser confundido o sujeito indeterminado , que existe, mas não se pode ou não se deseja identificar, com a inexistência do sujeito. Em orações como as seguintes Chove. Anoitece. Faz frio. interessa-nos o processo verbal em si, pois não o atribuímos a nenhum ser. Diz-se, então, que o verbo é impessoal; e o sujeito, inexistente. Eis os principais casos de inexistência do sujeito: a) com verbos ou expressões que denotam fenômenos da natureza: Anoitecia e tinham acabado de jantar. (É. Veríssimo, IS, 147.) De volta, com a garrafa na mão, apenas chuviscava. (L. Jardim, MP, 49.) Amanheceu a chover. (A. Botto, AO, 235.) Era março e ainda fazia frio. (M. Torga, NCM, 120.) b) com o verbo haver na acepção de “existir”: Ainda há jasmins, ainda há rosas, Ainda há violões e modinhas Em certas ruas saudosas. (Ribeiro Couto, PR, 315.) 144 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Na sala havia ainda três quadros do pintor. (R Namora, DT, 206.) c) com os verbos haver, fazer e ir, quando indicam tempo decorrido: Morava no Rio havia muitos anos, desligado das coisas de Minas. (C. dos Anjos, MS, 327.) Faz hoje oito dias que comecei. (A. Abelaira, B, 133.) Vai para uns quinze anos escrevi uma crônica do Curvelo. (M. Bandeira, PP, II, 338.) d) com o verbo ser, na indicação do tempo em geral: Era inverno na certa no alto sertão. (J. Lins do Rego, ME, 57.) Era por altura das lavouras. (A. Bessa Luís, S, 187.) Observações: 1. a) Nas orações impessoais, o verbo ser concorda em número e pessoa com o predicativo. Veja-se, a propósito, o capítulo 13. 2. “) Também ocorre a impessoalidade nas locuções verbais: Como podia haver tantas casas e tanta gente? (G. Ramos, VS, 114.) Devo estar esfacelada, deve haver pedaços de mim por todos os cantos. (M. J. de Carvalho, AV, 56.) 3. a) Na linguagem coloquial do Brasil é corrente o emprego do verbo ter como impessoal, à semelhança de haver. Escritores modernos — e alguns dos maiores — não têm duvidado em alçar a construção à língua literária. Comparem-se estes passos: Hoje tem festa no brejo! (C. Drummond de Andrade, R, 16.) Em Pasárgada tem tudo, É outra civilização... (M. Bandeira, PP, 222.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO O uso de ter impessoal deve estender-se ao português das nações africanas. De sua vitalidade em Angola há abundante documentação na obra de Luandino Vieira. Comparem-se, por exemplo, estes passos: Não tem morte para o riso, não tem morte. (NM, 74.) — Aqui tem galinha, tem quintal... (1,63.) Verdes amores não tem mais, nunca mais. (NM, 62.) 4.a) Em sentido figurado, os verbos que exprimem fenómenos da natureza podem ser empregados com sujeito: Dormiu mal, mas amanheceu alegre. (É. Veríssimo, LS, 146.) Choviam os ditos ao passo que ela seguia pelas mesas. (Almada Negreiros, NG, 92.) DA ATITUDE DO SUJEITO C o m o s v e rb o s d e a ç ã o Quando o verbo exprime uma ação, a atitude do sujeito com referência ao processo verbal pode ser de atividade, de passividade, ou de atividade e passi­ vidade ao mesmo tempo. Neste exemplo, Maria le v a n to u o m e n in o , o su je ito Maria ex ecu ta a ação expressa p e la fo rm a v erb al é, pOÍS, O AGENTE. levantou. O su je ito a ação n ã o é p ra tic a d a pelo sujeito o menino, m as p elo ag en te da passiva — O sujeito, n o caso, sofre a ação; é d ela o paciente. Maria. Neste exemplo, O menino foi levantado por Maria, 146 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Neste exemplo, Maria levantou-se, a ação é s im u lta n e a m e n te exercida e so frid a p elo su jeito a u m te m p o , o agente e o paciente dela. Maria. O su jeito é en tã o , Observação: Como vemos, na voz ativa, o termo que representa o agente é o sujeito do verbo; o que representa o paciente é o obieto direto. Na voz passiva, o obieto (paciente) torna-se o sujeito do verbo. C o m o s v e rb o s d e e s ta d o Quando o verbo evoca um estado, a atitude da pessoa ou da coisa que dele participa é de neutralidade. O sujeito, no caso, não é o agente nem o paciente, mas a sede do processo verbal, o lugar onde ele se desenvolve; Pedro é magro. Antônio permanece doente. O porteiro fico u pálido. O bservação: Incluem-se naturalmente entre os verbos que evocam um estado, ou melhor, uma mudança de estado, os incoativos como adoecer, emagrecer, empalidecer, equivalentes a ficar doente, ficar magro, ficar pálido. O PREDICADO O predicado p o d e ser nominal , verbal ou verbo- nominal . PREDICADO NOMINAL O predicado nominal é formado por um verbo de ligação + O verbo de ligação pode expressar: a) estado permanente: 1. Hilário era o herdeiro da quinta. (C. de Oliveira, CD, 90.) Eu sou a tua sombra. (N. Pinon, FD, 38.) predicativo. FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO b) estado transitório: O velho esteve entre a vida e a morte durante uma semana. (Castro Soromenho, TM, 236.) — Você não anda um pouco fatigado pelo excesso de trabalho? (C. Drummond de Andrade, CA, 139.) c) mudança de estado: Receava que eu me tornasse ingrato. (A. Abelaira, NC, 14.) Amaro ficou muito perturbado. (É. Veríssimo, LS, 137.) d) continuidade de estado: Calada estava, calada permaneceu. (J. Condé, C,4.) O Barbaças continuava alheado e sorridente. (F. Namora, TJ, 177.) e) aparência de estado: Ela parecia uma figura de retrato. (Autran Dourado, TA, 14.) Os ventos pareciam quietos naquela noite. (Alves Redol, BC, 62.) O bservação: Os verbos de UGAÇÀO (ou cõPULATivos) servem para estabelecer a união entre duas palavras ou expressões de caráter nominal. Não trazem propriamente ideia nova ao sujeito; funcionam apenas como elo entre este e o seu predicativo. Como há verbos que se empregam ora como copulativos, ora como significativos, convém atentar sempre no valor que apresentam em determinado texto a fim de classificá-los com acerto. Comparem-se, por exemplo, estas frases: Estavas triste. Andei muito preocupado. Fiquei pesaroso. Continuamos silenciosos. Estavas em casa. Andei muito hoje. Fiquei no meu posto. Continuamos a marcha. NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Nas primeiras, os verbos estar, andar, ficar e continuar são verbos de ligação; nas segundas, verbos significativos. 2. O predicativo pode ser representado: a) por substantivo ou expressão substantivada: — O boato é um vício detestável. (C. de Oliveira, AC, 183.) Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. (C. Lispector, PSGH, 12.) b) por adjetivo ou locução adjetiva: A praia estava deserta. (Branquinho da Fonseca, MS, 11.) — Esta linha é de morte. (C. Drummond de Andrade, CB, 93.) c) por pronome: Vou calar-me e fingir que eu sou eu... (A. Renault, LSL, XVIII.) O mito é o nada que é tudo. (F. Pessoa, OP, 8 .) d) por numeral: Nós éramos cinco e brigávamos muito, recordou Augusto, olhos perdidos num ponto X, quase sorrindo. (C. Drummond de Andrade, CA, 5.) Tua alma o um que são dois quando dois são um... (F. Pessoa, OP, 298.) e) por oração substantiva predicativa: A verdade é / que eu nunca me ralara muito com isso. (M. J. de Carvalho, AV, 107.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Uma tarefa fundamental é / preservar a história humana. (N. Pinon, PD, 73.) Observações: 1. a) O pronome o, quando funciona como predicativo, é demonstrativo: Cada coisa é o que é. (F. Pessoa, OP, 175.) Eu era o que eles me designassem. (N. Pinon, CC, 13.) 2. a) O predicativo pode referir-se ao obieto, aplicação esta que estudaremos adiante. 3. a) Quando se deseja dar ênfase ao predicativo, costuma-se repeti-lo: — Arquiteto do Mosteiro de Santa Maria, já o não sou. (A. Herculano, LN, I, 282.) Tive depois motivo para crer que o perverso e a peste fora-o ele próprio, na intenção de fazer valer um bom serviço. (R. Pompeia, A , 50.) É o q u e se ch am a predicativo pleonástico. PREDICADO VERBAL O predicado verbal te m c o m o n ú cleo , isto é, c o m o e le m e n to p rin c ip a l d a d eclaração q u e se faz d o su jeito , u m verbo significativo. V erbos significativos são aqueles que trazem uma ideia nova ao sujeito. Podem ser intransitivos e transitivos. V e rb o s in t r a n s it iv o s Nestas orações de Da Costa e Silva, Sobe a névoa... A sombra desce... (PC, 281.) verificamos que a ação está integralmente contida nas formas verbais sobe e desce. Tais verbos são, pois, intransitivos, ou seja, não transitivos: a ação não vai além do verbo. 149 150 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O V e rb o s t r a n s it iv o s Nestas orações de Fernanda Botelho, Ele não me agradece, / nem eu lhe dou tempo. {X, 41.) vemos que as formas verbais agradece e dou exigem certos termos para comple­ tar-lhes o significado. Como o processo verbal não está integralmente contido nelas, mas se transmite a outros elementos (o pronome me na primeira oração, o pronome lhe e o substantivo tempo na segunda), estes verbos chamam-se TRANSITIVOS. Os verbos transitivos podem ser diretos ao mesmo tempo. diretos , indiretos , ou diretos e in ­ 1. V erbos transitivos diretos Nestas orações de Agustina Bessa Luís, Vou ver o doente. (OM, 206.) Ela invejava os homens. (OM, 207.) a ação expressa por vou ver e invejava transmite-se a outros elementos (o doente e os homens) diretamente, ou seja, sem o auxílio de preposição. São, por isso, chamados verbos transitivos diretos, e o termo da oração que lhes integra o sentido recebe o nome de objeto direto . 2. V erbos transitivos indiretos Nestes exemplos, Da janela da cozinha, as mulheres assistiam à cena. (R. de Queirós, TR, 15.) Perdoem ao pobre tolo. (C. dos Anjos, DR, 235.) a ação expressa por assistiam e perdoem transita para outros elementos da oração (a cena e o pobre tolo) indiretamente, isto é, por meio da preposição a. Tais verbos são, por conseguinte, transitivos indiretos. O termo da oração que completa o sentido de um verbo transitivo indireto denomina-se objeto indireto . FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO 3. V erbos simultaneamente transitivos diretos e indiretos Nestes exemplos, O sucesso do seu gesto não deu paz ao Lomba. (M. Torga, NCM, 51.) Apenas lhe aconselho prudência. (C. de Oliveira, CD, 94.) a ação expressa por deu e aconselho transita para outros elementos da oração, a um tempo, direta e indiretamente. Por outras palavras: estes verbos requerem simultaneamente objeto direto e indireto para completar-lhes o sentido. O bservação: Seguimos aqui a distinção estabelecida pela Nomenclatura Gramatical Brasileira. Não é pacífica, ainda hoje, a conceituação de objeto indireto, embora desde o século XV11I gramáticos, filólogos e linguistas tenham procurado precisá-la. Leia-se, a propósito, o que escreve André Chervel, na Histoire de la grammaire scolaire. Paris, Payot, 1981, p. 76,120, 121,172-176,178-184,245,268. PREDICADO VERBO-NOMINAL Não são apenas os verbos de ligação que se constroem com predicativo do sujeito. Também verbos significativos podem ser empregados com ele. Nestes exemplos, Paulo riu despreocupado. (A. Peixoto, RC, 191.) Amélia saiu da igreja, muito fatigada, muito pálida. (Eça de Queirós, OC, 1,421.) os verbos rir e sair são significativos. Na primeira oração, despreocupado referese ao sujeito Paulo, qualificando-o. Também muito fatigada e muito pálida são qualificações de Amélia, o sujeito da segunda oração. A este predicado misto, que possui dois núcleos significativos (um verbo e um predicado), dá-se o nome de verbo - n o m in a l . O bservação: No predicado verbo- nominal, o predicativo anexo ao sujeito pode vir ante­ cedido de preposição, ou do conectivo como\ O ato foi acusado de ilegal. Carlos saiu estudante e voltou como doutor. 152 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O VARIABILIDADE DA PREDICAÇÃO VERBAL A análise da transitividade verbal é feita de acordo com o texto e não iso­ ladamente. O mesmo verbo pode estar empregado ora intransitivamente, ora transitivamente, ora com objeto direto, ora com objeto indireto. Comparem-se estes exemplos: Perdoai sempre. Perdoai as ofensas. Perdoai aos inimigos. Perdoai as ofensas aos inimigos. Por que sonhas, ó jovem poeta? Sonhei um sonho guinholesco. [= intransitivo ] [ = TRANSITIVO DIRETO] [= TRANSITIVO INDIRETO] [= TRANSITIVO DIRETO E INDIRETO] [= intransitivo ] [= TRANSITIVO DIRETO] A ORAÇÃO E OS SEUS TERMOS INTEGRANTES Examinemos as partes assinaladas nas orações abaixo: Alguns colegas mostravam interesse por ele. (R. Pompeia, A , 234.) Tinha os olhos rasos de lágrimas. (A. Bessa Luís, QR, 272.) Tenho escrito bastantes poemas. (F. Pessoa, OP, 175.) Não sei que diga do marido relativamente ao baile da ilha. (Machado de Assis, OC, 1,935.) No primeiro exemplo, o pronome ele está relacionado com o substantivo interesse por meio da preposição por; no segundo, o substantivo lágrimas rela­ ciona-se com o adjetivo rasos através da preposição de\ no terceiro, o substantivo poemas, modificado pelo adjetivo bastantes, integra o sentido da forma verbal tenho escrito; no quarto, o baile da ilha prende-se ao advérbio relativamente por intermédio da preposição a. Vemos, pois, que há palavras que completam o sentido de substantivos, de adjetivos, de verbos e de advérbios. As que se ligam por preposição a substan­ tivo, adjetivo ou advérbio chamam-se com plem entos n o m in a is . Denominam-se com plem entos verbais as que integram o sentido do verbo. FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO COMPLEMENTO NOMINAL O c o m plem en to no m ina l vem, como dissemos, ligado por preposição ao substantivo, ao adjetivo ou ao advérbio cujo sentido integra ou limita. A palavra que tem o seu sentido completado ou integrado encerra “uma ideia de relação e o complemento é o objeto desta relação” 1. O com plem en to nom inal p o d e s e r r e p r e s e n ta d o p o r : a ) s u b s ta n tiv o ( a c o m p a n h a d o o u n ã o d o s se u s m o d if ic a d o r e s ) : O pior é a demora do vapor. (V. Nemésio, MTC, 361.) Só Joana parecia alheia a toda essa atividade. (F. Namora, T/, 231.) b) pronome: Tinha nojo de si mesma. (Machado de Assis, OC, 1,487.) Ninguém teve notícia dele. (J. Condé, TC, 101.) c) numeral: A vida dele era necessária a ambas. (Machado de Assis, OC, 1,393.) Era um repasto de lágrimas de ambos. (C. Castelo Branco, OS, 1,563.) d) palavra ou expressão substantivada: Passo, fantasma do meu ser presente, Ébrio, por intervalos, de um Além. (F. Pessoa, OP, 392) Os dois adversários na luta do sim e do não trataram do que então lhes interessava, numa conversa breve. (A. F. Schmidt, AP, 105.) I Jean Dubois et alii. Dictionnaire de linguistique. Paris, Larousse, 1973, p. 103. 153 154 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O e) oração completiva nominal: Comprei a consciência de que sou Homem de trocas com a natureza. (M. Torga, CH, 11.) Estou com vontade de suprimir este capítulo. (Machado de Assis, OC, 1,509.) Observações: 1. a) O complemento nominal pode estar integrando o sujeito, o predicativo, o objeto direto, o objeto indireto, o agente da passiva, o adjunto adverbial, o aposto e o vocativo. 2. a) Convém ter presente que o nome cujo sentido o complemento nominal integra corresponde, geralmente, a um verbo transitivo de radical semelhante: amor da pátria ódio aos injustos amar a pátria odiar os injustos COMPLEMENTOS VERBAIS OBJETO DIRETO 1. O bjeto direto é o c o m p le m e n to de u m v e rb o tra n s itiv o d ire to , o u seja, o c o m p le m e n to q u e n o rm a lm e n te v em lig ad o ao v e rb o sem p re p o siç ã o e in d ica o ser p a ra o q u a l se d irig e a ação v erb al. Pode ser representado por: a) su b stan tiv o : Vou descobrir mundos, quero glória e fama!... (Guerra Junqueiro, S, 12.) Não recebo dinheiro nenhum. (C. Drummond de Andrade, CB, 82.) b) pronome (substantivo): O s jo rn a is nada p u b lic a ra m . (C. Drummond de Andrade, CA, 135.) Nunca o interrompi. (Alves Redol, BSL, 68.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO — Visto-me num instante e vou te levar de carro. (Vianna Moog, T, 80.) c) numeral: — Já tenho seis lá em casa, que mal faz inteirar sete? (C. Drummond de Andrade, CB, 31.) Nunca achou dois ou três? (A. Abelaira, NC, 62.) d) palavra ou expressão substantivada: Tem um quê de inexplicável. (Gonçalves Dias, PCPE, 230.) Como quem compõe roupas O outrora compúnhamos. (F. Pessoa, OP, 206) Perscrutava na quietude o inútil de sua vida. (Autran Dourado, IA, 36.) e) oração substantiva (objetiva direta): Não quero que fiques triste. (J. Régio, SM, 295.) Veja se consegue o mapa dos caminhos. (A. M. Machado, C/, 244.) 2. Saliente-se, ainda, que na constituição do objeto direto podem entrar mais de um substantivo ou mais de um dos seus equivalentes: Tomara-lhe a mulher e a terra, mas mandara-lhe entregar o milho e as abóboras que nela encontrara. (Castro Soromenho, C, 3.) Discreto e cauteloso, raramente diz “sim” ou “não”categóricos; prefere o vamos ver protelatório e reflexivo. (A. M. Machado, /T, LI.) 155 156 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O OBJETO DIRETO PREPOSICIONADO 2 costuma vir regido da preposição a: a) com os verbos que exprimem sentimentos: 1. O objeto direto Não amo a ninguém, Pedro. (C. dos Anjos, M, 196.) Só não amava a Jorge como amava ao filho. (J. Paço d’Arcos, CVL, 156.) b) para evitar ambiguidade: Sabeis, que ao Mestre vai matá-lo. (M. Mesquita, LT, 66.) c) quando vem antecipado, como nos provérbios seguintes: A homem pobre ninguém roube. A médico, confessor e letrado nunca enganes. 2. O objeto direto é o b rig a to ria m e n te p re p o s ic io n a d o q u a n d o ex p resso p o r p ro n o m e p esso al o b líq u o tô n ic o : Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero. (F. Pessoa, OP, 218.) Rubião viu em duas rosas vulgares uma festa imperial, e esqueceu a sala, a mulher e a si. (Machado de Assis, OC, 1,679.) OBJETO DIRETO PLEONÁSTICO 1. Quando se quer chamar atenção para o objeto direto que precede o verbo, costuma-se repeti-lo. É o que se chama obieto direto pleonástico, em cuja constituição entra sempre um pronome pessoal átono: : Sobre o emprego do ouieto direto preposicionado em português, veja-se a excelente monografia de Karl Heinz Delille. Die geschichtliche Entwicklung des präpositionalen Akkusativs im Portugiesischen. Bonn, Romanisches Seminar der Universität, 1970. FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Palavras cria-as o tempo e o tempo as mata. (J. Cardoso Pires, D, 300.) Árvore, filho e livro, queria-os perfeitos. (Vianna Moog, T, 330.) 2. O objeto direto PLEONÁSTico pode também ser constituído de um pro­ nome átono e de uma forma pronominal tônica preposicionada: A mim, ninguém me espera em casa. (J. Régio, CL, 52.) Quantas vezes, viandante, esta incolor paisagem Não te mirou a ti, a ti também sem cor! (A. de Guimaraens, OC, 194.) Mas não encontrou Marcelo nenhum. Encontrou-nos a nós. (D. Mourão-Ferreira, 1,23.) OBJETO INDIRETO 1. O bjeto indireto é o c o m p le m e n to de u m v e rb o tra n sitiv o in d ire to , isto é, o c o m p le m e n to q u e se liga ao v e rb o p o r m e io d e p rep o siç ã o . Pode ser representado por: a) substantivo: Duvidava da riqueza da terra. (N. Pinon, CC, 190.) Necessitamos de uma cabeça bem firme na terra, bem fincada na terra! (A. Abelaira, NC, 74.) b ) p r o n o m e (su b sta n tiv o ): Que ela afaste de ti aquelas dores Que fizeram de mim isto que sou! (F. Espanca, S, 24.) Inserir-se em Roma é mais difícil do que incorporar a si o sentimento de Roma. (A. A. de Melo Franco, AR , 25.) 158 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O c) numeral: Os domingos, porém, pertenciam aos dois. (E Namora, GS, 113.) Se o meu barbeiro é, como creio, verdadeiro, a viúva do defunto com­ pôs-se com o matador, e o ministério público com ambos, de modo que o homicida granjeou pacificamente suas terras. (C. Castelo Branco, OS, 1,93.) d) palavra ou expressão substantivada: Mas — quem daria dinheiro aos pobres? (C. Lispector, BF, 138.) Seu formidável vulto solitário Enche de estar presente o mar e o céu. (E Pessoa, OP, 14.) e) oração substantiva (objetiva indireta): — Não te esqueças de que a obediência é o primeiro voto das noviças. (J. Montello, DP, 236.) A mãe contava e recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. (C. Lispector, LF, 90.) 2. Como o o b j e t o d i r e t o , o o b j e t o i n d i r e t o pode ser constituído de mais de um substantivo ou mais de um dos seus equivalentes: Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo. (Machado de Assis, OC, II, 288.) Embora, não perceba grande coisa do que ouve, está sempre a precisar disto e daquilo. (M. J. de Carvalho, AV, 54.) O bservação: Não vem precedido de preposição o o b j e t o i n d i r e t o representado pelos pro­ nomes pessoais oblíquos me, te, lhe, nos, vos, lhes, e pelo reflexivo se. Note-se que o pronome oblíquo lhe (lhes) é essencialmente o b i e t o i n d i r e t o : FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO — Você não me está insinuando que não vai aceitar? (Vianna Moog, T, 390.) As noites não lhe trouxeram repouso, mas deram-lhe, em contrapartida, tempo para a meditação. (J. Paço d’Arcos, CVL, 1177.) Luís Garcia dera-se pressa em visitar o filho de Valéria. (Machado de Assis, OC, 1,336.) A propósito do emprego dos pronomes oblíquos (tônicos e átonos), bem como do modo por que se podem combinar, leia-se o que dizemos no capítulo 11. OBJETO INDIRETO PLEONÁSTICO Com a finalidade de realçá-lo, costuma-se repetir o objeto indireto . Neste caso, uma das formas é obrigatoriamente um pronome pessoal átono. A outra pode ser um substantivo ou um pronome oblíquo tônico antecedido de pre­ posição: A mim ensinou-me tudo. (F. Pessoa, OP, 145.) — Quem lhe disse a você que estavam no palheiro? (C. de Oliveira, AC, 119.) Aos meus escritos, não lhes dava importância nenhuma. (G. Amado, HMI, 190.) O bservação: Enquanto a preposição que encabeça um a d j u n t o a d v e r b i a l possui claro valor significativo, a que introduz um o b i e t o i n d i r e t o apresenta acentuado esvaziamento de sentido. Comparem-se estes exemplos: Cantava para os amigos. Viajou para São Paulo. Não duvides de mim. Não saias de casa. Nas duas primeiras orações, em que introduzem o b j e t o i n d i r e t o , as preposi­ ções para e de são simples elos sintáticos. Nas duas últimas, introduzindo a d i u n t o s a d v e r b i a i s , servem para indicar, respectivamente, o lugar para onde e o lugar donde. A propósito, leia-se o que escrevemos no capítulo 15. 159 160 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O PREDICATIVO DO OBJETO 1. Tanto o objeto direto como o O predicativo - nominal , e é expresso: a) por substantivo: predicativo . podem ser modificados por só aparece no predicado verbo - indireto do obieto Uns a nomeiam primavera. Eu lhe chamo estado de espírito. (C. Drummond de Andrade, FA, 125.) Chamo-me Aldemiro. (I. Lisboa, MCN, 94.) b) por adjetivo: Os trabalhadores da Gamboa julgam-no assombrado. (O. Mendes, P, 140.) Naquele ano Ismael achou o avô mais macambúzio. (Autran Dourado, TA, 41.) 2. Como o predicativo do sujEiTO, o preposição, ou do conectivo como: do obieto pode vir antecedido de Quaresma então explicou porque o tratavam por major. (Lima Barreto, TFPQ, 215.) Considero-o como o primeiro dos precursores do espírito moderno. (A. de Quental, C, 313.) Observação: Somente com o verbo chamar pode ocorrer o p r e d i c a t i v o d o o b je t o in d ir e t o : A gente só ouvia o Pancário chamar-lhe ladrão e mentiroso. (Castro Soromenho, V. 220.) Chamam-lhe fascista por toda a parte. (C. dos Anjos, M, 277.) Com os demais verbos que admitem esse predicativo (por exemplo: crer, eleger, encontrar, estimar, fazer, julgar, nomear, proclamar e sinônimos), ele é sempre um FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO modificador do o b j e t o d i r e t o . Baseados nesse fato, filólogos como Epifânio da Silva Dias e Martinz de Aguiar preferem considerar o complemento no caso — seja expresso pelo pronome lhe, seja por um substantivo antecedido de preposição — c o m o OBJETO DIRETO. AGENTE DA PASSIVA 1. o complemento que, na voz passiva com auxiliar, designa o ser que pratica a ação sofrida ou recebida pelo sujeito. Este complemento verbal — normalmente introduzido pela preposição por (ou per) e, algumas vezes, por de — pode ser representado: a) por substantivo ou palavra substantivada: A gente da passiva é — Esta carta foi escrita p o r um m a r i n h e i r o americano. (F. Namora, DT, 120.) Um jornal é lido p o r muita g e n te . (C. Drummond de Andrade, CB, 30.) b) por pronome: Ele d e la é ignorado. Ela para ele é ninguém. (F. Pessoa, OP, 117.) A mesma oração foi p o r m i m proferida em São José dos Campos, minha cidade natal. (Cassiano Ricardo, VTE, 26.) c) por numeral: Tudo quanto os leitores sabem de um e de outro foi ali exposto a m b o s , e p o r a m b o s ouvido entre abatimento e cólera. (Machado de Assis, OC, II, 212-213.) Não devem ser escutadas por todos; têm de ser ouvidas p o r (J. Paço d’Arcos, CVT, 350.) por um . d) por oração substantiva: E se a primeira pode não encontrar partidários incondicionais, a segunda é certamente subscrita p o r q u a n t o s t e n h a m u m a e x p e r i ê n ­ NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O cia análoga, e não pensam a América, mas se incorporam nela, sem deixarem de ser Europeus. (M. Torga, TU, 48.) Mariana era apreciada por todos quantos iam a nossa casa, homens e senhoras. (Machado de Assis, OC, II, 746.) TRANSFORMAÇÃO DA ORAÇÃO ATIVA EM PASSIVA 1. Quando uma oração contém um verbo construído com objeto direto, ela pode assumir a forma passiva, mediante as seguintes transformações: a) o objeto direto passa a ser sujeito da passiva; b) o verbo passa à forma passiva analítica do mesmo tempo e modo; c) o sujeito converte-se em agente da passiva. Tomando-se como exemplo a seguinte oração ativa, A inflação corrói os salários, poderíamos colocá-la no esquema: oração a inflação corrói Convertida na oração passiva, teríamos: Os salários são corroídos pela inflação. os salários FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO O seu esquema seria então: oração os salários 2. verbo agente da passiva são corroídos pela inflação Se numa oração da voz ativa o verbo estiver na 3.a pessoa do plural para indicar a indeterminação do sujeito, na transformação passiva cala-se o agente. Assim: VOZ ATIVA Aumentaram os salários. Contiveram a inflação. VOZ PASSIVA Os salários foram aumentados. A inflação foi contida. Observações: 1. a) Cumpre não esquecer que, na passagem de uma oração da voz ativa para a passiva, ou vice-versa, o agente e o paciente continuam os mesmos; apenas desem­ penham função sintática diferente. 2. a) Na voz passiva pronominal, a língua moderna omite sempre o agente: Aumentou-se o salário dos gráficos. Conteve-se a inflação em níveis razoáveis. A ORAÇÃO E OS SEUS TERMOS ACESSÓRIOS Chamam-se acessórios os term os que se juntam a um nome ou a um verbo para precisar-lhes o significado. Embora tragam um dado novo à oração, não são eles indispensáveis ao entendimento do enunciado. Daí a sua denominação. São term os acessórios : a) o a d ju n to a d nom inal ; b) o a d jun to adverbial ; c) O APOSTO. 163 164 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O ADJUNTO ADNOMINAL Adjunto adnominal é o te rm o d e v a lo r ad jetiv o q u e serve p a ra esp ecificar o u d e lim ita r o significad o de u m su b sta n tiv o , q u a lq u e r q u e seja a fu n ç ã o deste. O adjunto a) adjetivo: a d nom inal pode vir expresso por: Na areia podemos fazer até castelos s o b e r b o s , onde abrigar o nosso í n t i m o sonho. (R. Braga, CCE, 251.) — Tenho pensado que toda esta geringonça g r a n d e volta. (C. de Oliveira, CD, 93.) s o c ia l precisa de uma b) locução adjetiva: Tinha uma memória d e p r o d í g i o . (J. Lins do Rego, ME, 104.) Era um homem d e c o n s c iê n c ia . (A. Abelaira, NC, 15.) O homem já estava acamado Dentro da noite s e m c o r. (M. Bandeira, PP, I, 339.) c) artigo (definido ou indefinido): O ovo é a cruz que a galinha carrega n a vida. (C. Lispector, FC, 51.) As ondas rebentavam com estrondo, formando u m a muralha de espuma, para lá da qual o mar era u m lago sereno e azul. (Branquinho da Fonseca, MS, 10.) d ) p ro n o m e adjetivo: Deposito a m i n h a dona no limiar da s u a moradia. (F. Botelho, X, 118.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Vários vendedores de artesanato expunham suas mercadorias. (R. Fonseca, C, 76-77.) e) numeral: Casara-se havia duas semanas. (C. Drummond de Andrade, CB, 29.) Tinha uns seis a oito meses e eu, proporcionalmente, devia orçar pela sua idade. (A. Ribeiro, CRG, 17.) f) oração adjetiva: Os cabelos, que tinha fartos e lisos, caíram-lhe todos. (M. J. de Carvalho, AV, 116.) Venho cumprir uma missão do sacerdócio que abracei. (Machado de Assis, OC, II, 155.) O bservação: O m e s m o su b sta n tiv o p o d e estar a c o m p a n h a d o p o r m ais de u m a d iu n to a d n o m in a l: Ante o meu embezerramento, o paizinho sorria um sorriso benévolo e desenfadado. (A. Ribeiro, CRG, 11.) Um Cristo barroco pendia da cruz, num altar lateral. (Vianna Moog, T, 8 6 .) ADJUNTO ADVERBIAL A d iu n to adverbial é, c o m o o n o m e in d ic a , o t e r m o d e v a lo r a d v e rb ia l q u e d e n o ta a lg u m a c irc u n s tâ n c ia d o fa to e x p re s s o p e lo v e rb o , o u in te n s ific a o s e n tid o d e s te , d e u m a d je tiv o , o u d e u m a d v é rb io . O a d iu n to adverbial p o d e v ir r e p r e s e n ta d o p o r: a ) a d v é rb io : Aqui não p a s s a n in g u é m . (F. Namora, TJ, 205.) 165 166 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Amou-a perdidamente. (L Fagundes Telles, DA, 118.) b) por locução ou expressão adverbial: De súbito, eu, o Barão e a criada começamos a dançar no meio da sala. (Branquinho da Fonseca, B, 61.) Lá embaixo aparece Jacarecanga sob o sol do meio-dia. (É. Veríssimo, ML, 13.) c) por oração adverbial: Fechemos os olhos até que o sol comece a declinar. (A. M. Machado, C/, 82.) Quando acordou, já Lisa ali estava. (M. J. de Carvalho, AV, 141.) C la s s ific a ç ã o d o s a d ju n to s a d v e r b ia is É difícil enumerar todos os tipos de adjuntos adverbiais . Muitas vezes, só em face do texto se pode propor uma classificação exata. Não obstante, convém conhecer os seguintes: a) de causa : Por que lhes dais tanta dor?! (A. Gil, I /, 25.) Não havia de perder o esforço daqueles anos todos, por causa de um exame só, o derradeiro. (C. dos Anjos, MS, 343.) b) de co m pa n h ia : Lanchas, ide com Deus! Ide e voltai com ele Por esse mar de Cristo... (A. Nobre, S, 32.) Vivi com Daniel perto de dois anos. (C. Lispector, BF, 79.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO c) DE dü v id a : Talvez Nina tivesse razão... (V. Nemésio, MTC, 105.) Acaso meu pai entenderia mesmo de poemas? (L. Jardim, MPM, 89.) d) de f im : Há homens para nada, muitos para pouco, alguns para muito, ne­ nhum para tudo. (Marquês de Maricá, M, 87.) Viaja então para se contrafazer, por penitência? (A. Abelaira, NC, 19.) e) de in stru m en to : Anastácio estava no alto, na orla do mato, juntando, a ancinho, as folhas caídas. (Lima Barreto, TFPQ, 156.) Dou-te com o chicote, ouviste! (Luandino Vieira, L, 41.) f) DE intensidade : Gosto muito de ti. (M. Torga, NCM , 32.) — Ou ele estuda demais, ou não come bastante de manhã, disse a mãe. (C. Lispector, LF, 104.) g) DE LUGAR AONDE ': Cheguei à taberna do velho ao fim da tarde. (Alves Redol, BSL, 330.) Sobre o emprego indiscriminado de onde e aonde, veja-se p. 355-6. NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Veja aonde vai. (A. M. Machado, CJ, 243.) h) DE LUGAR ONDE: No mês passado estive algumas horas em Cartago. (A. Abelaira, NC, 19.) O vulto escuro entrou no jardim, sumiu-se em meio às árvores. (É. Veríssimo, LS, 133.) i) DE LUGAR DONDE: Dos mares da China não mais virão as quinquilharias. (M. Rubião, D, 144.) — Some-te daqui, ingrato! (F. Namora, TJ, 99.) j) DE LUGAR PARA ONDE: Levaram a defunta numa rede para o cemitério de S. Caetano. (L. Jardim, MP, 25.) A chuva levou-os para casa. (C. de Oliveira, AC, 166.) 1) DE LUGAR POR ONDE: Atravessou o Campo da Aclamação, enfiou pela Rua de São Pedro e meteu-se pelo Aterrado acima. (Machado de Assis, OC, II, 569.) Por sobre o navio voejavam ainda gaivotas, com movimentos lentos, ritmados. (J. Paço d’Arcos, CVL, 593.) m ) d e m a t é r ia : Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da me­ lancolia. (Machado de Assis, OC, 1,413.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO Cheguei de Paris, e encontrei uma carta de Irene, escrita na véspera do casamento. Era um adeus com raiva e lágrimas. (C. Castelo Branco, OS, II, 298.) n ) de meio : Estarei talvez confundindo as coisas, mas Aníbal ainda viajava de bicicleta, imaginem! (A. Abelaira, NC, 19.) Voltamos de bote para a ponta do Caju. (Lima Barreto, REIQ 287.) o) de m o d o : Vagarosamente ela foi recolhendo o fio. (L. Fagundes Telles, ABV, 7.) Henriqueta subiu a escada, pé ante pé, como um ladrão. (V. Nemésio, MTC, 79.) p) de negação : — Não, senhor Cônego, vejo. Mas não concordo, não aceito. (B. Santareno, TPM, 109.) — Não partas, não. Aqui todos te querem! (Castro Alves, £F, 154.) q ) de tem po : Todas as manhãs ele sentava-se cedo a essa mesa e escrevia até as dez, onze horas. (P.Nava, £0,330.) A Custódia esteve cinco anos na clausura. (A. Ribeiro, CRG, 28.) APOSTO 1. A posto é o te rm o d e c a rá te r n o m in a l q u e se ju n ta a u m su b stan tiv o , a u m p r o ­ n o m e , o u a u m eq u iv alen te destes, a títu lo de explicação o u de apreciação: 169 170 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Eles, os pobres desesperados, tinham uma euforia de fantoches. (F. Namora, DT, 237.) Mas como explicar que, logo em seguida, fossem recolhidos José Borges do Couto Leme, pessoa estimável, o Chico das Cambraias, folgazão emérito, o escrivão Fabrício, e ainda outros? (Machado de Assis, OC, II, 269.) 2. Entre o aposto e o termo a que ele se refere há em geral pausa, marcada na escrita por uma vírgula, como nos exemplos acima. Mas pode também não haver pausa entre o aposto e a palavra principal, quando esta é um termo genérico, especificado ou individualizado pelo aposto . Por exemplo: A cidade de Lisboa O poeta Bilac O rei D. Manuel O mês de junho Este a po st o , chamado de espec ific a ç ã o , não deve ser confundido com certas construções formalmente semelhantes, como O clima de Lisboa O soneto de Bilac A época de D. Manuel As festas de junho em que de Lisboa, de Bilac, de D. Manuel e de junho equivalem a adjetivos (= lisboeta, bilaquiano, manuelina e juninas) e funcionam, portanto, como atributos o u adiuntos ad nom inais . 3, O aposto pode também: a) ser representado por uma oração: A outra metade tocara aos sobrinhos, com uma condição expressa: que o legado só lhes fosse entregue trinta anos depois. (J. Montello, LE, 202.) A verdade é esta: não fala a bem dizer com acento algum. (M. de Sá-Carneiro, CF, 108.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO b) referir-se a uma oração inteira: Pediu que lhe fornecessem papel de carta e que lhe restituíssem a sua caneta, o que lhe foi concedido. (J. Paço d’Arcos, CVL, 1183.) O importante é saber para onde puxa mais a corredeira— coisa, aliás, sem grandes mistérios. (M. Palmério, VC, 375.) c) ser enumerativo, ou recapitulativo: Tudo o fazia lembrar-se dela: a manhã, os pássaros, o mar, o azul do céu, as flores, os campos, os jardins, a relva, as casas, as fontes, sobretudo as fontes, principalmente as fontes! (Almada Negreiros, NG, 112.) Os porcos do chiqueiro, as galinhas, os pé de bogari, o cardeiro da estrada, as cajazeiras, o bode manso, tudo na casa de seu compadre parecia mais seguro do que dantes. (J. Lins do Rego, FM, 289.) V a lo r s in t á t ic o d o a p o s to O aposto tem o mesmo valor sintático do termo a que se refere. Pode, assim, haver: a) aposto no sujeito: Ela, Dora, foi, de resto, muitíssimo discreta. (M. J. de Carvalho, AV, 105.) A espingarda lazarina, a melhor espingarda do mundo, não mentia fogo e alcançava longe, alcançava tanto quanto a vista do dono; a mu­ lher, Cesária, fazia renda e adivinhava os pensamentos do marido. (G. Ramos, AOH, 25.) b) aposto no predicativo: As escrituras eram duas: a do distrate da hipoteca e a da venda das propriedades. (J. Paço d ’Arcos, CVL, 550.) 172 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O meu projeto é este: podíamos obrigar toda a gente a ter manchas no rosto. (G. Ramos, AOH, 143.) c) aposto no complemento nominal: João Viegas está ansioso por um amigo que se demora, o Calisto. (Machado de Assis, OC, II, 521.) A vida é um contínuo naufrágio de tudo: de seres e de coisas, de paixões e de indiferenças, de ambições e temores. (A. F. Schmidt, F, 72.) d) aposto no objeto direto: Assim, apontou com especialidade alguns personagens célebres, Só­ crates, que tinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula... (Machado de Assis, OC, II, 262.) Jogamos uma partida de xadrez, uma luta renhida, quase duas ho­ ras... (A. Abelaira, JVC, 54.) e) aposto no objeto indireto: Devorador da vida lhe chamaram, A ele, artista, sábio e pensador, Que denodadamente se procura! (M. Torga, CH, 79.) Meu pai cortava cana para a égua, sua montaria predileta. (J. Amado, MG, 13.) Foi o que sucedeu ao seu maior amigo, ao Abel, quando andavam na traineira do Domingos Peixe. (Alves Redol, FM, 173.) f ) aposto no agente da passiva: Esta frase foi proposta por Sebastião Freitas, o vereador dissidente, cuja defesa dos Canjicas tanto escandalizara os colegas. (Machado de Assis, OC, II, 274.) FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO As paredes foram levantadas por Tomás Manuel, avô do Engenheiro. (J. Cardoso Pires, D, 63.) g) aposto no adjunto adverbial: Uma vez empossado da licença começou a construir a casa. Era na rua nova, a mais bela de Itaguaí. (Machado de Assis, OC, H, 256-257.) Foi em 14 de maio de 1542, uma segunda-feira. (A. Ribeiro, PST, 272.) h) aposto no aposto: As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. (Machado de Assis, OC, II, 255.) No Recolhimento morreram umas, ficaram desfeadas outras para todo o sempre, cegou a filha do Floriano, fidalgo de Rape, cunhado de meu padrinho, D. Nicéforo da Ula Monterroso Barbaleda Fernandes, moço fidalgo da Casa Real e par do Reino. (A. Ribeiro, CRG, 29.) i) aposto no vocativo: Razão, irmã do Amor e da Justiça, Mais uma vez escuta a minha prece. (A. de Quental, SC, 71.) Tu, Deus, o Inspirador, Taumaturgo e Adivinho, Dá-me alívio ao pesar, prodigando-me o Vinho Que é o néctar celestial da eterna Moradia. (A. de Guimaraens, OC, 313.) A p o s to p re d ic a tiv o Com o aposto atribui-se a um substantivo a propriedade representada por outro substantivo. Os dois termos designam sempre o mesmo ser, o mesmo objeto, o mesmo fato ou a mesma ideia. 174 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Por isso, o aposto não deve ser confundido com o adjetivo que, em função de predicativo , costuma vir separado do substantivo que modifica por uma pausa sensível (indicada geralmente por vírgula na escrita). Numa oração como a seguinte E a noite vai descendo muda e calma... (F. Espanca, S, 60.) que também poderia ser enunciada E a noite, muda e calma, vai descendo... ou E, muda e calma, a noite vai descendo..., muda e calma é predicativo d e u m p r e d ic a d o v e r b o - n o m in a l. O mesmo raciocínio aplica-se à análise de orações elípticas, cujo corpo se reduz a um adjetivo, que nelas desempenha a função de predicativo . É o c a s o d e fra se s d o tip o : Rico, desdenhava dos humildes. em que rico não é a posto . Equivale a uma oração adverbial de causa [= porque era rico], dentro da qual exerce a função de predicativo . O adjetivo, enquanto adjetivo, “não pode exercer a função de aposto , por­ que ele designa uma característica do ser ou da coisa, e não o próprio ser ou a própria coisa”'1. VOCATIVO 1. Examinando estes versos de A. Nobre, Manuel, tens razão. Venho tarde. Desculpa. (5,51.) Ó sinos de Santa Clara, Por quem dobrais, quem morreu? (5,47.)4 4 Georges Galichet. Grammaire structurale du français moderne. 2.» ed. Paris-Limoges, Charles-Lavauzelle, 1968, p. 135. FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO vemos que, neles, os termos Manuel e Ó sinos de Santa Clara não estão su­ bordinados a nenhum outro termo da frase. Servem apenas para invocar, chamar ou nomear, com ênfase maior ou menor, uma pessoa ou coisa perso­ nificada. A estes termos, de entoação exclamativa e isolados do resto da frase, dá-se o nome de vocatívo . 2. Embora não subordinado a nenhum outro termo da oração e isolado do resto da frase, o vocatívo pode relacionar-se com algum dos termos. Assim, neste exemplo, E, ao vê-la, acordarei, meu Deus de França! (A. Nobre, S, 43.) o vocatívo meu Deus de França! não tem relação alguma com os demais termos da frase. Já nestes exemplos, Dizei-me vós, Senhor Deus! (Castro Alves, OC, 281.) Ó lanchas, Deus vos leve pela mão! (A. Nobre, S, 31.) o Senhor Deus! r e la c io n a - s e c o m o s u je ito vós, d a p r im e ir a vocatívo Ó lanchas c o m o o b je to d ir e t o vos, d a s e g u n d a . vocatívo e o o ra ç ã o ; Observações: a) Quando se quer dar maior ênfase à frase, costuma-se preceder o da interjeição ó!, como neste exemplo de Vinícius de Morais: 1. vocatívo Ó minha amada, Que olhos os teus! (PCP, 334.) 2. “) Na escrita, o vocatívo vem normalmente isolado por vírgula, ou seguido de ponto de exclamação, como nos mostram os exemplos acima. 3. a) Cumpre distinguir o vocatívo do substantivo que, acompanhado ou não de determinação, constitui por si mesmo o predicado em frases exclamativas do tipo: Silêncio! [= Faça silêncio!) Mãos ao alto! [= Ponha as mãos ao alto!) 175 176 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O COLOCAÇÃO DOS TERMOS NA ORAÇÃO ORDEM DIRETA E ORDEM INVERSA 1. Em português, como nas demais línguas românicas, predomina a ordem direta, isto é, os termos da oração dispõem-se preferencialmente na sequência: SUJEITO + VERBO + OBJETO DIRETO + OBJETO INDIRETO OU SUJEITO + VERBO + PREDICATIVO Essa preferência pela o rd em direta é mais sensível nas tivas ou declarativas (afirmativas ou negativas). Assim: orações en u n c ia ­ Carlos ofereceu um livro ao colega. Carlos é gentil. Paulo não perdoou a ofensa do colega. Paulo não é generoso. 2. Ao reconhecermos a predominância da ordem direta em português, não devemos concluir que as inversões repugnem ao nosso idioma. Pelo contrá­ rio, com muito mais facilidade do que outras línguas (do que o francês, por exemplo), ele nos permite alterar a ordem normal dos termos da oração. Há mesmo certas inversões que o uso consagrou, e se tornaram para nós uma exigência gramatical. INVERSÕES DE NATUREZA ESTILÍSTICA Dos fatores que normalmente concorrem para alterar a sequência lógica dos termos de uma oração, o mais importante é, sem dúvida, a ênfase. Assim, o realce do sujeito provoca geralmente a sua posposicão ao verbo : Quero levar-te a dédalos profundos, Onde refervem sóis... e céus... e mundos... (Castro Alves, £F, 44.) És tu! És tu! Sempre vieste, enfim! (F. Espanca, S, 140.) Não vês o que te dou eu? (V.de Morais, PCP, 297.) FRASE, ORAÇÃO, PERÍODO Ao contrário, o realce do predicativo , do objeto ( direto o u in d ir eto ) e do a d jun to adverbial é expresso de regra por sua antecipação ao verbo: Fraca foi a resistência. (C. dos Anjos, MS, 313.) Minha espada, p e s a d a a b r a ç o s la sso s, Em mãos viris e calmas entreguei. (F. Pessoa, OP, 67.) A ela devia o meu estado psíquico cinzento e melindroso. (F. Namora, DT, 59.) Acolá, na entrada do Catongo, é uma festa de mutirão. (Adonias Filho, LP, 30.) INVERSÕES DE NATUREZA GRAMATICAL Em outros lugares deste livro tratamos da colocação de termos da oração. Nos capítulos 10,11 e 14 estudamos, respectivamente, a posição: a) d o adjetivo b) dos de c) d o com o prono m es, adjunto a d n o m in a l ; em p a rtic u la r d o s pr o n o m es pessoais á to n o s q u e serv em objeto direto o u in d ireto ; advérbio e d e o u tr a s c la sse s d e p a la v ra s e m s u a f u n ç ã o o r a c io n a l. No capítulo 19 examinamos as figuras de sintaxe denominadas hipérbato , anástrohe e síNQuiSE. Por isso, vamos restringir-nos aqui apenas a algumas considerações quanto à posição do verbo relativamente ao sujeito e ao predi­ cativo . In v e rs ã o v e rb o + s u je ito 1. A inversão verbo + sujeito verifica-se em geral: a) nas orações interrogativas: Que fazes tu de grande e bom, contudo? (A. de Quental, SC, 64.) Onde está a estrela da manhã? (M. Bandeira, PP, 1,233.) 177 178 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b) nas orações que contêm uma forma verbal imperativa: Ouve tu, meu cansado coração, O que te diz a voz da natureza: (A. de Quental, SC, 51.) Dize-me tu, ó céu deserto, dize-me tu se é muito tarde. (C. Meireles, OP, 502.) c) nas orações em que o verbo está na passiva pronominal: Formam-se bolhas na água... (F. Pessoa, OP, 160.) Servia-se o almoço às dez. (C. dos Anjos, MS, 4.) d) nas orações absolutas construídas com o verbo no subjuntivo para denotar uma ordem, um desejo: — Que venha essa coisa melhor! (M. Rubião, D, 17.) Chovam lírios e rosas no teu colo! (A. de Quental, SC, 35.) Durma, de tuas mãos nas palmas sacrossantas, O meu remorso. (O. Bilac, T, 192.) e) nas orações construídas com verbos do tipo dizer, sugerir, perguntar, respon­ der e sinônimos que arrematam enunciados em discurso direto o u neles se inserem: — Isso não se faz, moço, protestou Fabiano. (G. Ramos, V5,6 6 .) — Traz-se-lhe as duas coisas — disse o Barão aflorando a cabeça no ombro da consorte, de mão na porta escura. (V. Nemésio, MTC, 363.) FRASE, ORAÇÃO, PERÍODO f ) nas orações reduzidas de infinitivo, de gerúndio e de participio: Pelas madrugadas de São João, ao começarem a morreras fogueiras, mocinhas postavam-se diante do Solar. (G. França de Lima, JV, 5.) Tendo adoecido o nosso professor de português, padre Faria, ele o substituiu. (J. Amado, MG, 112.) Acabada a lenga-lenga, pretendi que bisasse. (A. Ribeiro, CRG, 16.) g) nas orações subordinadas adverbiais condicionais construídas sem con­ junção: Tivesse eu tomado em meus braços a rapariga e pagaria dentro em pouco em amarguras os momentos fugazes de felicidade. (A. F. Schmidt, AP, 68.) Viesse a ocasião, e ele havia de mostrar de que pau era a canoa... (Machado de Assis, OC, I, 505.) h) em certas construções com verbos unipessoais: Aconteceu no Rio, como acontecem tantas coisas. (C. Drummond de Andrade, CB, 30.) Basta o amor ao trabalho... (A. Abelaira, NC, 14.) Zuzé aproveitou para meter a parte dele, ainda doía-lhe no coração a cabeçada antiga. (Luandino Vieira, L, 48.) i) nas orações que se iniciam pelo predicativo, pelo objeto (direto ou indireto) ou por adjunto adverbial: Este é o destino dos versos. (F. Pessoa, OP, 165.) 179 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Essa justiça vulgar, porém, não me soube fazer o meu velho mestre. (R. Barbosa, R, 86.) A nós, homens de letras, impõe-se o dever da direção deste movi­ mento. (O. Bilac, DN, 112.) Num paquete como este não existe a solidão! (A. Abelaira, NQ 41.) 2. A oração subordinada substantiva subjetiva coloca-se normalmente depois do verbo da principal: É provável que te sintas logo muito melhor. (A. O’Neill, SO, 37.) Parece que vamos ter um belo dia de sol, depois de uma noite de vento e chuva. (J. Montello, A, 178.) É preciso que eles nos temam. (Castro Soromenho, V, 116.) 3. Em princípio, os verbos intransitivos podem vir sempre antepostos ao seu sujeito: Desponta a lua. Adormeceu o vento, Adormeceram vales e campinas... (A. de Quental, SC, 114.) Correm as horas, vem o Sol descambando; refresca a brisa, e sopra rijo o vento. Não ciciam mais os buritis... (Visconde de Taunay, /, 33.) Observações: 1. “) Embora nos casos mencionados a tendência da língua seja manifestamente pela inversão v e r b o + s u j e i t o , em quase todos eles é possível — e perfeitamente correta — a construção s u j e i t o + v e r b o . 2. a) O pronome relativo coloca-se no princípio da oração, quer desempenhe a função de sujeito, quer a de objeto. FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO In v e rs ã o p re d ic a tiv o + v e rb o 1. O predicativo segue normalmente o verbo de ligação. Pode, no entanto, precedê-lo: a) nas orações interrogativas e exclamativas: Que monstro seria ela? (J. Lins do Rego, E, 255.) Que lindos eram os lagartos nos terraços de suas luras a divisar-me com as duas gotas de ônix líquido dos olhos pequeninos! (A. Ribeiro, CPG, 91.) b) em construções afetivas do tipo: Orgulhoso, apaixonado pela própria imagem — isso ele o foi! (A. F. Schmidt, F, 131.) Probidade — essa foi realmente a qualidade primacial de Veríssimo. (M. Bandeira, PP, II, 415.) 2. Na voz passiva analítica, o particípio vem normalmente posposto às formas do auxiliar ser. Costuma, no entanto, precedê-las em frases afetivas denotadoras de um desejo: Abençoados sejam os nossos maiores, que nos deram esta Pátria livre e formosa! (O. Bilac, DN, 81.) Amaldiçoados sejam eles, caiam-lhes as almas nas profundezas do inferno. (J. Saramago, LC, 121.) ENTOAÇÃO ORACIONAL 1. Dos elementos constitutivos da voz humana é o t o m , o u altura musical, o mais sensível às modificações emocionais. Agrada-nos ou desagrada-nos o tom de voz de uma pessoa. Percebemos imediatamente se ela fala em tom alto ou baixo, ou se, pobre de inflexões, a sua elocução é monótona, isto é, de um “só tom”, o que vale dizer “enfadonha”. A fala expressiva exige variedade de tons e sua adequação ao pensamento. 181 182 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A linha ou curva melódica descrita pela voz ao pronunciar palavras, orações e períodos chama-se entoaçào . 2 , Os diferentes problemas suscitados pelas tentativas de interpretação da curva melódica têm posto à prova a argúcia dos linguistas contemporâneos. Entre esses problemas de solução delicada, sobreleva o de caracterizar o valor da entoação na frase, isto é, o de saber se nela a entoação desempenha uma função linguística (significativa ou distintiva) determinada. Por outras palavras: interessa-nos saber preliminarmente se, pela simples diversidade da curva melódica, duas mensagens — no mais foneticamente idênticas — podem ser interpretadas de maneira distinta pelos usuários de uma mesma língua. Pelas razões que aduziremos a seguir, parece-nos lícito reconhecer a fun­ cionalidade linguística da entoação em nosso idioma. GRUPO ACENTUAL E GRUPO FÔNICO Dissemos que grupo acentual é todo segmento de frase que se apoia em um acento tônico principal. A um ou vários grupos acentuais compreendidos entre duas pausas (lógicas, expressivas, ou respiratórias) dá-se o nome de grupo FO N IC O . Por exemplo, numa elocução lenta, o seguinte período de Marques Rebelo O aguaceiro / desabou, / com estrépito, / mas a folia / persistiu. apresenta cinco g ru po s a c en tu a is , cujos limites marcamos com um traço inclinado. Mas encerra apenas três grupos fô n ic o s : O aguaceiro desabou, // com estrépito, // mas a folia persistiu. que separamos por dois traços. Já numa elocução rápida, que omitisse a pausa (indicada pela vírgula) entre o verbo desabou e o seu adjunto adverbial com estrépito, o período em exame passaria a ter somente dois grupos fó n ico s : O aguaceiro desabou com estrépito, // mas a folia persistiu. O GRUPO FÔNICO, UNIDADE MELÓDICA A unidade m elódica é o segmento mínimo de um enunciado com sentido próprio e com forma musical determinada. Os seus limites coincidem com os FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO do grupo fô n ic o . Podemos, pois, considerar o gru po fô n ico o equivalente da UNIDADE MELÓDICA.5 O bservação: Em poesia, os versos curtos (até sete sílabas) constam geralmente de um só grupo fônico. Os versos longos costumam apresentar intemamente uma deflexão da voz ( c e s u r a ) , que os divide em hemistíquios. Cada hemistíquio corresponde, de regra, a um grupo fônico. O GRUPO FÔNICO E A ORAÇÃO Caracterizada a unidade melódica, passemos à análise das diferenças que se observam na curva tonal descrita por três tipos de oração: a declarativa , a INTERROGATIVA e ã EXCLAMATIVA. O ra ç ã o d e c la ra tiv a 1. Examinando a seguinte oração, constituída de um só grupo fônico: Os alunos chegaram tarde observamos que a voz descreve, aproximadamente, esta curva melódica: lu ga nos che tar ram Os de que poderíamos simplificar no esquema: Sobre a identificação do grupo fônico à unidade melódica leiam-se especialmente os es­ tudos de T. Navarro Tomás: El grupo fónico como unidad melódica. Revista de Filologia Hispânica. Buenos Aires-New York, 1(1 ):3-19,1939; Manual de entonación espanola. New York, Hispanic Institute, 1948, particularmente p. 37 e ss. 183 184 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2. Notamos, com base no traçado acima, que o grupo fônico em exame com­ preende três partes distintas: a) a p a r t e in ic ia l ( o u a scen dente ), q u e c o m e ç a e m u m n ív e l t o n a l m é d io , c a ­ r a c te r ís tic o d a s fra s e s a firm a tiv a s , e a p r e s e n ta , e m s e g u id a , u m a a s c e n s ã o d a v o z, q u e a tin g e o s e u p o n t o c u lm in a n te n a p r im e ir a s íla b a tô n ic a (/w); b ) a p a r te m e d ia l, e m q u e a v o z, c o m lig e ira s o n d u la ç õ e s , p e r m a n e c e , a p r o x i­ m a d a m e n te , n o n ív e l to n a l a lc a n ç a d o ; c) a p a r te fin a l ( o u d a s íla b a descendente ), ( tar), a tin g in d o e m q u e a v o z cai p r o g r e s s iv a m e n te a p a r t i r u m n ív e l t o n a l b a ix o n o fin a l d a fra se . 3. Dessas três partes, a inicial e a final são as mais importantes da figura da entoação. Toda oraçào declarativa completa encerra uma parte inicial as­ cendente e uma parte final descendente, ambas muito nítidas. 4. No caso de ser a oração declarativa constituída de mais de um grupo fônico, o primeiro grupo começa por uma parte ascendente, e o último finaliza com uma descendente. O ra ç ã o in t e r r o g a t iv a No estudo da entoação interrogativa , temos de considerar previamente o fa to d e in ic ia r-s e o u n ã o a fra s e p o r p r o n o m e o u a d v é r b io in te r r o g a tiv o , p o is que a curva tonal é distinta nos dois casos. Orações não iniciadas por pronome ou advérbio interrogativo 1. Tomando como exemplo a mesma oração declarativa, enunciada, porém, de forma interrogativa, Os alunos chegaram tarde? observamos que ela descreve a curva melódica tar ram de nos a Os FR A SE, ORAÇÃO, PERÍODO que poderíamos assim representar esquematicamente: 2 . São características deste tipo de interrogação, em que se espera sempre uma resposta categórica sim, ou não: a) o ataque da frase começar por um nível tonal mais alto do que na oração declarativa; b) na parte medial do segmento melódico, haver uma queda da voz, que, embora seja mais acentuada do que nas orações declarativas, não altera o caráter ascendente desta modalidade de interrogação; c) subir a voz acentuadamente na última vogal tônica, ponto culminante da frase; em seguida, sofrer uma queda brusca, apesar de se manter em nível tonal elevado. 3. Comparando esta curva à da oração declarativa estudada, verificamos que elas se assemelham por terem ambas a parte inicial ascendente e a parte medial relativamente uniforme. Distinguem-se, porém: a) quanto à parte final: descendente, na declarativa; ascendente, na interroga­ tiva; b) quanto ao nível tonal: médio e baixo, na declarativa; alto e altíssimo, na interrogativa; c) quanto à queda da voz a partir da última sílaba tônica: progressiva, na de­ clarativa; brusca, na interrogativa. 4. Por ser a curva melódica descrita pela voz o único elemento que, na frase em exame, contribui para o caráter interrogativo da mensagem, temos de reconhecer que, em casos tais, a entoação apresenta inequívoco valor fun­ cional em nossa língua. Orações iniciadas por pronome ou advérbio interrogativo Tomemos como exemplo a oração: Como soube disto? 186 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Em sua enunciação, a voz descreve a seguinte curva melódica, Co sou mo be to que poderíamos assim esquematizar: São características das orações interrogativas deste tipo: a) o ataque da frase que, iniciado em um nível tonal muito alto, sobe, às vezes, bruscamente, até a primeira sílaba tônica, sílaba esta que, na maioria dos casos, pertence ao pronome ou ao advérbio interrogativo, ou seja, ao elemento que realiza a função interrogativa da oração; b) a curva melódica, que, após a primeira sílaba tônica, decresce progressiva­ mente e de maneira mais acentuada do que nas frases declarativas. Interrogação direta e indireta 1. Vimos que a interrogação pode ser expressa: a) ou por meio de uma oração em que a parte final apresenta entoação ascen­ dente, como em: Os alunos chegaram tarde? b) ou por uma oração iniciada por pronome ou advérbio interrogativo, em que a parte final apresenta entoação descendente, pelo exemplo: Como soube disto? Nestes casos dizemos que a interrogação é direta . 2. Existe, porém, um outro tipo de interrogação, chamada indireta , que se faz por meio de um período composto, em que a pergunta está contida numa oração subordinada de entoação descendente. Exemplo: Diga-me como soube disto. FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO 3. Nas orações interrogativas indiretas a entoação apresenta as seguintes ca­ racterísticas: a) o ataque da frase começa por um nível tonal alto; há uma elevação da voz na primeira sílaba tônica, seguida de um lento declínio da curva melódica até o final da frase; b) o nível tonal da frase é, em geral, mais baixo que o da interrogação direta; c) a queda da curva melódica é progressiva, semelhante à que se observa nas orações declarativas. 4. A escrita procura refletir a diferença tonal entre essas formas de interrogação com adotar o po n to de interrogação para marcar o término da interro­ gação direta, e o simples po n t o , para o da indireta. O ra ç ã o e x c la m a t iv a Nas exclamações, a entoação depende de múltiplos fatores, especialmente do grau e da natureza da emoção de quem fala. É a expressão emocional que faz variar o tom, a duração e a intensidade de uma interjeição monossilábica, tal como acontece com a interjeição oh! nestes dois versos de Castro Alves: Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Oh! ver não posso este labéu maldito! Nas formas exclamativas de maior corpo, a expressão emocional concentra-se fundamentalmente ou na sílaba que recebe o acento de insistência (se houver), ou na sílaba em que recai o acento normal. Como o primeiro não tem valor rítmico, é o acento normal o ápice da curva melódica. Assim, nas exclamações, Bandido! Insolente! Fantástico! a voz eleva-se até a sílaba tônica e, depois de alguma demora, decai bruscamente. Obedecem elas, pois, ao esquema semelhante ao da entoaçao declarativa. 188 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Já em exclamações como Jesus! Adeus! Imbecil! o grupo fônico é ascendente e aproxima-se do esquema da entoação interro­ gativa: 2. Maior variedade em matizes de entoação encontramos, naturalmente, nas frases exclamativas constituídas de duas ou mais palavras. A curva melódica dependerá sempre da posição da palavra de maior conteúdo expressivo, por­ que é sobre a sua sílaba acentuada que irão incidir o tom agudo, a intensidade mais forte e a maior duração. Como a sílaba forte da palavra de maior valor expressivo pode ocupar a posição inicial, medial ou final da oração, três soluções devem ser consideradas: 1. a) Se a sílaba em causa for a inicial, todo o resto do enunciado terá entoação descendente. Exemplo: Deus de minha alma! 2. a) Se for a final, a frase inteira terá entoação ascendente: Meu amor! 3. a) Se for uma das sílabas mediais, a entoação será ascendente até a referida sílaba e descendente dela até a final, como nos mostram estes exemplos colhidos em obra de Marques Rebelo: Sai da frente! Todo o mundo!!! A linha tonal de cada um desses casos poderia ser assim esquematizada: l.a 2.8 3.a FRA SE, ORAÇÃO, PERÍODO C o n c lu s ã o Do exposto, verificamos que a linha melódica tem uma função essencialmente oracional. Com uma simples mudança de tom, podemos reforçar, atenuar ou, mesmo, inverter o sentido literal do que dizemos. É, por exemplo, a entoação particular que permite uma forma imperativa exprimir todos os matizes que vão da ordem à súplica. Pela entoação que lhes dermos, frases como: Pois não! Pois sim! podem ter ora valor afirmativo, ora negativo. Enfim a entoação reflete e expressa nossos pensamentos e sentimentos. Se o acento é a “alma da palavra”, devemos considerá-la a “a alma da oração”.6 " As características da entoação portuguesa estão hoje melhor conhecidas graças sobretudo às infatigáveis pesquisas do eminente foneticista de Coimbra, o professor Armando de Lacerda, que em 1975 publicou a sua obra-mestra no particular: Objectos verbais e signi­ ficado elocucional. Toemas e entoemos. Entoação. Coimbra, Instituto de Alta Cultura. Mais recentemente, a mesma matéria voltou a ser tratada, numa nova perspectiva e segundo métodos diversos, por Maria Raquel Delgado Martins na sua obra, anteriormente citada, Sept études sur la perception. Accent et intonation du portugais. Lisboa, Laboratório de Fonética da Faculdade de Letras, 1983. Capítulo 8 Substantivo 1. S ubstantivo é a p a la v r a c o m q u e d e s ig n a m o s o u n o m e a m o s o s se re s e m g e ra l. São, por conseguinte, substantivos: a) os nomes de pessoas, de lugares, de instituições, de um gênero, de uma espécie ou de um dos seus representantes: homem Pedro Maria cidade Lisboa Brasil Senado Fórum clero árvore animal Acaiaca cedro cavalo Rocinante b) os nomes de noções, ações, estados e qualidades, tomados como seres: justiça verdade glória colheita viagem opinião velhice doença limpeza largura otimismo caridade bondade doçura ira 2. Do ponto de vista funcional, o substantivo é a palavra que serve, privativa­ mente, de núcleo do sujeito, do objeto direto, do objeto indireto e do agente da passiva. Toda palavra de outra classe que desempenhe uma dessas funções equivalerá forçosamente a um substantivo (pronome substantivo, numeral ou qualquer palavra substantivada). 192 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O CLASSIFICAÇÃO DOS SUBSTANTIVOS SUBSTANTIVOS CONCRETOS E ABSTRATOS Chamam-se concretos os substantivos que designam os seres propriamente ditos, isto é, os nomes de pessoas, de lugares, de instituições, de um gênero, de uma espécie ou de um dos seus representantes: homem Pedro Maria cidade Lisboa Brasil Senado Fórum clero árvore animal Acaiaca cedro cavalo Rocinante Dá-se o nome de abstratos aos substantivos que designam noções, ações, estados e qualidades, considerados como seres: justiça verdade glória colheita viagem opinião velhice doença limpeza largura otimismo caridade bondade doçura ira SUBSTANTIVOS PRÓPRIOS E COMUNS Os substantivos podem designar a totalidade dos seres de uma espécie ( de ­ sig naçã o g e n é r ic a ) o u um indivíduo de determinada espécie ( d esig n a ç ã o específica ). Quando se aplica a todos os seres de uma espécie ou quando designa uma abstração, o substantivo é chamado c o m u m . Quando se aplica a determinado indivíduo da espécie, o substantivo é pr ó pr io . Assim, os substantivos homem, país e cidade são comuns, porque se empre­ gam para nomear todos os seres e todas as coisas das respectivas classes. Pedro, Brasil e Lisboa, ao contrário, são substantivos próprios, porque se aplicam a um determinado homem, a um dado país e a uma certa cidade. SUBSTANTIVOS COLETIVOS C o letivo s s ã o o s s u b s t a n t i v o s c o m u n s q u e , n o s in g u la r , d e s ig n a m u m c o n j u n t o d e s e re s o u c o isa s d a m e s m a e sp é c ie . Comparem-se, por exemplo, estas duas afirmações: Cento e vinte milhões de brasileiros pensam assim. O povo brasileiro pensa assim. SUBSTANTIVO Na primeira enuncia-se um número enorme de brasileiros, mas representados como uma quantidade de indivíduos. Na segunda, sem indicação de número, sem indicar gramaticalmente a multiplicidade, isto é, com uma forma de sin­ gular, consegue-se agrupar maior número ainda de elementos, ou seja, todos os brasileiros como um conjunto harmônico. Além desses coletivos que exprimem um todo, há na língua outros que designam: a) uma parte organizada de um todo, como, por exemplo, regimento, batalhão, companhia (partes do coletivo geral exército); b) um grupo acidental, como grupo, multidão, bando: bando de andorinhas, bando de salteadores, bando de ciganos; c) um grupo de seres de determinada espécie: boiada (de bois), ramaria (de ramos). Costuma-se também incluir entre os coletivos os nomes de corporações sociais, culturais e religiosas, como assembleia, congresso, congregação, concílio, conclave e consistório. Tais denominações afastam-se, no entanto, do tipo normal dos coletivos, pois não são simples agrupamentos de seres, antes representam instituições de natureza especial, organizadas em uma entidade superior para determinado fim. Eis alguns coletivos que merecem ser conhecidos: a lc a t e ia ( d e lo b o s ) c o n s t e la ç ã o (d e e s t r e la s ) a r m e n t o ( d e g a d o g r a n d e : b o is, b ú fa lo s , e tc.) c o r ja (d e v a d io s , d e t r a t a n t e s , d e v e lh a c o s , a r q u ip é la g o (d e ilh a s ) d e la d rõ e s ) a t ilh o (d e e s p ig a s ) c o ro (d e a n jo s , d e c a n t o r e s ) b a n c a (d e e x a m in a d o r e s ) e le n c o (d e a to re s ) b a n d a ( d e m ú s ic o s ) fa la n g e (d e s o ld a d o s .d e a n jo s ) b a n d o (d e a v e s, d e c ig a n o s .d e m a lfe ito re s , fa râ n d u la (d e la d rõ e s ,d e d e s o r d e ir o s ,d e a ssa s­ e t c .) s in o s , d e m a lt r a p ilh o s e d e v a d io s ) c a c h o (d e b a n a n a s , d e u v a s , e tc .) fa to (d e c a b r a s ) c á fila (d e c a m e lo s ) fe ix e (d e le n h a , d e c a p im ) c a m b a d a (d e c a r a n g u e jo s , d e c h a v e s , d e fro ta (d e n a v io s m e r c a n t e s , d e ô n ib u s ) m a la n d r o s , e tc .) c a n c io n e ir o ( c o n ju n t o d e c a n ç õ e s , d e p o e ­ s ia s lír ic a s ) c a r a v a n a (d e v ia ja n t e s , d e p e r e g r in o s , d e e s t u d a n t e s , e tc .) c a r d u m e (d e p e ix e s ) c h o ld r a ( d e a s s a s s in o s , d e m a la n d r o s , d e m a lfe ito r e s ) c h u sm a (d e g e n te , de p e sso a s) g irâ n d o la ( d e fo g u e te s ) h o rd a (d e p o v o s s e lv a g e n s n ô m a d e s , d e d e ­ s o r d e ir o s , d e a v e n t u r e ir o s .d e b a n d id o s , d e in v a s o r e s ) ju n t a (d e b o is , d e m é d ic o s , d e c r e d o r e s , d e e x a m in a d o r e s ) le g iã o (d e s o ld a d o s , d e d e m ô n io s , e tc .) m a g o te (d e p e s s o a s , d e c o is a s ) m a lta (d e d e s o r d e ir o s ) 194 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O m anada (de bois, de búfalos, de elefantes) rebanho (de ovelhas) m atilha (de cães de caça) récua (de bestas de carga) m atula (de vadios, de desordeiros) réstia (de cebolas, de alhos) mó (de gente) roda (de pessoas) m olho (de chaves, de verd ura) rom anceiro (co n ju n to de poesias n arrativas) m ultidão (de pessoas) súcia (de velhacos, de desonestos) ninhada (de p intos) talha (de lenha) penca (de bananas, de chaves) tropa (de m uares) plêiade (de poetas, de artista s) turm a (de estudantes, de trabalhado res, de m édicos) q u ad rilha (de ladrões, de bandidos) vara (de porcos) ram alhete (de flo res) Observações: 1. a) Excluímos dessa lista os numerais coletivos, como novena, década, dúzia, etc., que designam um número de seres absolutamente exato. Leia-se, a propósito, o que dizemos na p. 384. 2. a) O coletivo especial geralmente dispensa a enunciação da pessoa ou coisa a que se refere. Tal omissão é mesmo obrigatória quando o coletivo é um mero derivado do substantivo a que se aplica. Assim, dir-se-á: A ramaria balouçava ao vento. A papelada estava em ordem. Quando, porém, a significação do coletivo não for específica, deve-se nomear o ser a que se refere: Uma junta de médicos, de bois, etc. Um feixe de capim, de lenha, etc. FLEXÕES DOS SUBSTANTIVOS Os substantivos podem variar em n ú m ero , g ên ero e grau. NÚMERO Quanto à flexão de n ú m e r o , o s substantivos podem estar: a) no s in g u l a r , quando designam um ser único, ou um conjunto de seres con­ siderados como um todo ( s u b s t a n t iv o c o l e t i v o ) : aluno cão mesa povo manada tropa SUBSTANTIVO b ) n o plural, q u a n d o d esig n a m m ais d e u m ser, o u m ais d e u m desses c o n ju n to s org ân ico s: povos m anadas a lu n o s cães m esas tro p a s F o rm a ç ã o d o p lu ra l Substantivos terminados em vogal ou ditongo R egra geral: O p lu ra l do s su b sta n tiv o s te rm in a d o s e m vogal o u d ito n g o fo rm a -se a c re sc e n ta n d o -se -s ao singular. S in g u l a r P lu ra l S in g u l a r P lu ra l m esa m esas p ai p a is e s ta n t e e s ta n te s p au paus t in t e ir o t in t e ir o s lei le is ra já r a já s chapéu ch apéus boné bonés c a m a fe u c a m a fe u s ja v a li ja v a lis h e ró i h e ró is c ip ó c ip ó s boi b o is p e ru p e ru s m ãe m ães Incluem-se nesta regra os substantivos terminados em vogal nasal. Como a nasalidade das vogais /e/, /i/, /o/ e /u/, em posição final, é representada grafica­ mente por -m, e não se pode escrever -ms, muda-se o -m em -n. Assim: bem faz no plural bens; flautim faz flautins; som faz sons; atum fàz atuns. R egras especiais: 1. Os substantivos terminados em -ão formam o plural de três maneiras: a) a maioria muda a terminação -ão em -ões: S in g u l a r P lu r a l S in g u l a r P lu r a l b a lã o b a lõ e s g a v iã o g a v iõ e s b o tã o b o tõ e s le ã o le õ e s canção canções nação naçõ es c o n fis s ã o c o n fis s õ e s o p e ra çã o o p e ra çõ e s co ração co raçõ e s o p in iã o o p in iõ e s e le iç ã o e le iç õ e s q u e s tã o q u e stõ e s e s ta ç ã o e s ta ç õ e s tu b a rão tu b a rõ es fr a ç ã o fr a ç õ e s v u lc ã o v u lc õ e s * 196 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Neste grupo se incluem todos os aumentativos: S in g u l a r P lu ra l S in g u l a r P lu r a l am igalhão am igalhões m oleirão m oleirões bobalhão bobalhões narigão narigões casarão casarões paredão paredões chapelão chapelões pobretão pobretões dram alhão dram alhões rapagão rapagões espertalhão espertalhões sabichão sabichões facão facões vagalhão vagalhões figurão figurões vozeirão vozeirões b) um reduzido número muda a terminação S in g u l a r P lu r a l -ã o S em in g u l a r - ã es : P lu r a l alem ão alem ães charlatão charlatães bastião bastiães escrivão escrivães cão cães guardião guardiães capelão capelães pão pães capitão capitães sacristão sacristães catalão catalães tabelião tabeliães c) um número pequeno de oxítonos e todos os paroxítonos acrescentam sim­ plesmente um -s à forma singular: P lu ra l S in g u l a r P lu ra l cidadão cidadãos acórdão acórdãos cortesão cortesãos bênção bênçãos cristão cristãos gólfão gólfãos desvão desvãos órfão órfãos irm ão irm ãos órgão órgãos pagão pagãos sótão sótãos S in g u l a r - Observações: 1. a) Neste grupo se incluem os monossílabos tônicos chão, grão, mão e vão, que fazem no plural chãos, grãos, mãos e vãos. 2. a) Artesão, quando significa “artífice”, faz no plural artesãos; no sentido de “adorno arquitetônico”, o seu plural pode ser artesãos ou artesões. SUBSTANTIVO 2. Para alguns substantivos finalizados em -âo, não há ainda uma forma de plural definitivamente fixada, notando-se, porém, na linguagem corrente, uma preferência sensível pela formação mais comum, em -ões. É o caso dos seguintes: S in g u l a r alão P lu ra l alãos alazão S in g u l a r erm itão erm itãos alães erm itões alazães hortelão aldeãos aldeães refrão ancião rufião sultão sultões anciões sultães truão tru ães truões castelãos verão corrim ãos corrim ões deão rufiões sultãos castelões co rrim ão rufiães anciãos anciães castelão refrães refrãos anãos anões hortelãos hortelões aldeões anão erm itães alões alazões aldeão P lu ra l verões verãos vilão vilãos vilões deães deões O bservação: Corrimão, como composto de mão, devia apresentar apenas o plural corrimãos; a par desse, existe também corrimões, por esquecimento da formação original da palavra. Plural com alteração de timbre da vogal tônica 1. Alguns substantivos, cuja vogal tônica é o fechado, além de receberem a desinência -s, mudam, no plural, o o fechado [o] para aberto [o]. Apontem-se os seguintes: abrolho caroço escolho esforço olho osso rogo sobrolho 198 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O c o n to rn o corcovo co ro c o rn o c o rp o co rv o d esp o jo d e stro ç o e sto rv o fogo fo rn o fo ro fosso im p o s to jo g o m io lo OVO poço p o rc o p o rto p o s to p ovo re fo rç o re n o v o so c o rro tijo lo to co to jo to rd o to m o tro c o tro ç o 2. Note-se, porém, que muitos substantivos conservam no plural o o fechado do singular. Entre outros, não alteram o timbre da vogal tônica: acordo adorno bojo bolo cachorro coco colmo consolo dorso encosto engodo estojo ferrolho globo golfo gosto lobo logro moço molho morro mosto namoro piloto piolho poldro polvo potro reboco repolho restolho rolo rosto sopro suborno topo 3. Por vezes diverge, na formação desses plurais, a norma culta de Portugal e a do Brasil. É o caso, por exemplo, dos substantivos almoço, bolso e sogro, que, no plural, apresentam a vogal aberta [o] em Portugal e fechada [o] no Brasil.1 Cumpre advertir, por fim, que, no curso histórico da língua, certos subs­ tantivos alteraram o timbre da vogal tônica no plural e que outros, ainda hoje, vacilam no preferir uma das duas soluções. Observação: Atente-se na distinção entre molho “condimento” (por ex.: o molho da carne) e molho “feixe” (por ex.: um molho de chaves), palavras que conservam no plural a mesma diferença de timbre da vogal tônica: molhos e molhos. ' A propósito da formação desses plurais, vejam-se, especialmente: A. d’Almeida Cavacas. A língua portuguesa e a sua metafonia. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921; Edwaldo Cafezeiro. A metafonia portuguesa: aspectos sincrônicos e diacrônicos. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1981 (texto policopiado). SUBSTANTIVO Substantivos terminados em consoante 1. Os substantivos terminados em -r, -ze-n formam o plural acrescentando -es ao singular: S in g u l a r P S in g u l a r lu r a l P lu ra l S in g u l a r P lu ra l m ar mares rapaz rapazes abdôm en abdôm enes açú car açúcares xadrez xadrezes cânon cânones colher colheres raiz raízes dólm en dólm enes reito r reitores cru z cruzes líquen líquenes Observações: 1. a) O plural de caráter (escrito carácter na ortografia portuguesa) é, tanto no Brasil como em Portugal, caracteres, com deslocação do acento tônico e articulação do c que possuía de origem. 2. a) Também com deslocação do acento é o plural dos substantivos espécimen, Júpiter e Lúcifer: espedmenes, Júpiteres e Lucíferes. Advirta-se, porém, que, a par de Lúcifer, há Lucifer, forma antiga no idioma, cujo plural é, naturalmente, Luciferes. 2. Os substantivos terminados em -s, quando oxítonos, formam o plural acres­ centando também -es ao singular; quando paroxítonos, são invariáveis: S in g u l a r P lu ra l S in g u l a r P lu ra l o ananás os ananases o atlas os atlas o português os portugueses o pires os pires o revés os reveses o lápis os lápis o país os países o oásis os oásis o retrós os retroses o ônibus os ônibus Observações: 1. a) O monossílabo caisé invariável. Cósé geralmente invariável, mas documenta-se também o plural coses. 2. a) Como os paroxítonos terminados em -s, os poucos substantivos existentes finalizados em -x são invariáveis: o tórax — os tórax, o ônix — os ônix. 3. Os substantivos terminados em -al, -el, -ol e -ul substituem no plural o -/ por -is: 199 200 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O S P lu r a l in g u l a r S in g u l a r P lu ra l an im al an im a is farol faróis papel papéis lençol lençóis móvel m óveis álcool álcoois níquel níqueis paul pauis O bservação: Excetuam-se as palavras mal, real (moeda), cônsul e seus derivados, que fazem, respectivamente, males, réis, cônsules e, por este, procônsules, vice-cônsules. 4. Os substantivos oxítonos terminados em -il mudam o -/ em -s: S 5. S in g u l a r P lu ra l ardis fu n il fu n is b arril b arris fu zil fu zis covil covis redil redis in g u l a r P lu ra l ardil Os substantivos paroxítonos terminados em por -eis: S in g u l a r P fóssil lu ra l fósseis S -;7 substituem esta terminação in g u l a r Plu r a l réptil répteis Observações: 1 .a) Além de projétil, pronúncia mais generalizada no Brasil, há na língua a variante paroxítona projétil, com o plural projéteis, que é a pronúncia normal portuguesa. 2.a) Réptil, pronúncia que postula a origem latina da palavra, tem a variante reptil, cujo plural é, naturalmente, reptis. 6. Nos diminutivos formados com os sufixos - z in h o e -z ito , tanto o substantivo primitivo como o sufixo vão para o plural, desaparecendo, porém, o -s do plural do substantivo primitivo. Assim: S in g u l a r P lu ra l balãozinho balõe(s) + zinhos > balõezinhos papelzinho p ap éi(s) + zin h o s > papeizinhos colarzinho co lare(s) + zin h o s > colarezinhos cãozito cãe(s) + zitos > càezitos SUBSTANTIVO Substantivos de um só número 1. Há substantivos que só se empregam no plural. Assim: alvíssaras anais antolhos arredores belas-artes calendas cãs condolências esponsais exéquias fastos férias fezes matinas núpcias óculos olheiras pêsames primícias víveres copas (naipe) espadas (naipe) ouros (naipe) paus (naipe) 2. Outros substantivos existem que se usam habitualmente no singular. Assim os nomes de metais e os nomes abstratos: ferro, ouro, cobre; fé, esperança, caridade. Quando aparecem no plural, têm de regra um sentido diferente. Comparem-se, por exemplo, cobre (metal) a cobres (dinheiro ), ferro (metal) a ferros (ferramentas, aparelhos). Substantivos compostos Não é fácil a formação do plural dos substantivos compostos. Observem-se, porém, as seguintes normas, com fundamento na grafia: 1. a) Quando o substantivo composto é constituído de palavras que se es­ crevem ligadamente sem hífen, forma o plural como se fosse um substantivo simples: aguardente(s) varapau(s) claraboia(s) ferrovia(s) malmequer(es) pontapé(s) lobisomem(-mens) vaivém(-véns) 2. a) Quando os termos componentes se ligam por hífen, podem variar todos ou apenas um deles: S in g u l a r P lu ra l S in g u l a r P lu ra l c o u v e -flo r c o u v e s-flo re s g r ã o - m e s tr e g r ã o - m e s tr e s o b r a - p r im a o b r a s - p r im a s g u a r d a - m a r in h a g u a r d a s - m a r in h a s a lv o - c o n d u t o s a lv o s - c o n d u t o s g u a rd a -ro u p a g u a rd a - ro u p a s Note-se, porém, que: a) quando o primeiro termo do composto é verbo ou palavra invariável e o segundo substantivo ou adjetivo, só o segundo vai para o plural: 202 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O S in g u la r P lu r a l S in g u la r P lu r a l guarda-chuva guarda-chuvas bate-boca bate-bocas sem pre-viva sem pre-vivas abaixo-assinado abaixo-assinados vice-presidente vice-presidentes grão-duque grão-duques b) quando os termos componentes se ligam por preposição, só o primeiro toma a forma de plural: S in g u la r P lu r a l S in g u la r P lu r a l chapéu de sol chapéus de sol peroba-do-cam po perobas-d o-cam po pão de ló pães de ló joão-de-barro joões-de-barro pé de cabra pés de cabra m ula sem cabeça m ulas sem cabeça c) também só o primeiro toma a forma de plural quando o segundo termo da composição é um substantivo que funciona como determinante específico: S in g u la r P lu r a l S in g u la r P lu r a l navio-escola navios-escola banana-prata bananas-prata salário -fam ília salário s-fam ília m anga-espada m angas-espada d) geralmente ambos os elementos tomam a forma de plural quando o composto é constituído de dois substantivos, ou de um substantivo e um adjetivo: S in g u la r P lu r a l S in g u la r P lu r a l carta-bilhete cartas-bilhetes gentil-hom em gentis-hom ens tenente-coronel tenentes-coronéis água-m arinha águas-m arinhas am or-perfeito am ores-perfeitos vitó ria-rég ia vitó rias-rég ias GÊNERO 1. Há d o is g ê n e ro s e m p o r tu g u ê s : o masculino e o fem in in o . O masculino é o termo não marcado; o feminino o termo marcado. 2. Pertencem ao gênero masculino todos os substantivos a que se pode antepor o artigo o: o a lu n o o pão o poem a o j a b u ti SUBSTANTIVO Pertencem ao gênero feminino todos os substantivos a que se pode antepor o artigo a: a casa a mão a ema a juriti 3. O gênero de um substantivo não se conhece, de regra, nem pela sua signifi­ cação, nem pela sua terminação. Para facilidade de aprendizado, convém, no entanto, saber: Q u a n to à s ig n ific a ç ã o 1. São geralmente masculinos: a) os nomes de homens ou de funções por eles exercidas: João mestre padre rei gato peru b) os nomes de animais do sexo masculino: cavalo galo c) os nomes de lagos, montes, oceanos, rios e ventos, nos quais se subentendem as palavras lago, monte, oceano, rio e vento, que são masculinas: o Amazonas o Atlântico o Ládoga o Minuano os Alpes [= o rio Amazonas] [= o oceano Atlântico] [= o lago Ládoga] [= o vento Minuano] [= os montes Alpes] d) os nomes de meses e dos pontos cardeais: março findo setembro vindouro o Norte o Sul 2. São geralmente femininos: a) os nomes de mulheres ou de funções por elas exercidas: Maria professora freira rainha gata perua b) os nomes de animais do sexo feminino: égua galinha 203 204 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O c) os nomes de cidades e ilhas, nos quais se subentendem as palavras cidade e ilha, que são femininas: a antiga Ouro Preto a Sicília as Antilhas Observação: Alguns nomes de cidades, como Rio de Janeiro, Porto, Cairo, Havre, são masculinos pelas razões que aduzimos no capítulo seguinte, ao tratarmos do emprego do artigo. Q u a n to à te r m in a ç ã o 1. São masculinos os nomes terminados em -o átono: o aluno o livro o lobo o banco 2. São geralmente femininos os nomes terminados em -a átono: a aluna a caneta a loba a mesa Excetuam-se, porém, clima, cometa, dia,fantasma, mapa,planeta, telefonema, fonema e outros mais, que serão estudados adiante. 3. Dos substantivos terminados em -ão, os concretos são masculinos e os abs­ tratos femininos: o agrião o balcão o algodão o feijão a educação a produção a opinião a recordação Excetua-se mão, que, embora concreto, é feminino. Fora desses casos, é sempre difícil conhecer-se pela terminação o gênero de um dado substantivo. F o rm a ç ã o d o fe m in in o Os substantivos que designam pessoas e animais costumam flexionar-se em gênero, isto é, têm geralmente uma forma para indicar os seres do sexo masculino e outra para indicar os do sexo feminino. Assim: SU B 5 T A N T I VO M ascu lin o F em in in o M ascu lin o F em in in o homem m ulher bode cabra aluno aluna galo galinha cidadão cidadã leitão leitoa cantor cantora barão baronesa profeta profetisa lebrão lebre Dos exemplos acima verifica-se que a forma do feminino pode ser: a) completamente diversa da do masculino, ou seja, proveniente de um radical distinto: bode cabra homem mulher b) derivada do radical do masculino, mediante a substituição ou o acréscimo de desinências: aluno aluna cantor cantora Examinemos, pois, à luz desses dois processos, a formação do feminino dos substantivos de nossa língua. Masculinos e fem ininos de radicais diferentes Convém conhecer os seguintes: M ascu u n o F em in in o M asc u u n o F em in in o bode cabra genro nora boi (ou touro) vaca hom em m ulher cão cadela macho fêm ea carneiro ovelha m arido m ulher cavalheiro dam a padrasto m adrasta cavalo égua padrinho m adrinha com padre com adre pai mãe frei só ror (ou soror) zangão abelha 205 206 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Femininos derivados de radical do masculino R eg ras g e r a is : l.a) Os substantivos terminados em -o átono formam normalmente o femi­ nino substituindo essa desinência por -a\ M ascuun o F e m in in o g a to g ata pom bo pom ba lo b o lo b a a lu n o a lu n a M ascuun o F e m in in o O bservação: Além das formações irregulares que vimos, há um pequeno número de subs­ tantivos terminados em -o que, no feminino, substituem essa final por desinências especiais. Assim: M ascuun o F e m in in o M ascuun o F e m in in o d iá c o n o d ia c o n is a m a e stro m a e s t r in a g a lo g a lin h a s ilfo s ílfid e 2.a) Os substantivos terminados em consoante formam normalmente o feminino com o acréscimo da desinência -a. Exemplos: M ascuun o F e m in in o M camponês camponesa leitor leitora freguês freguesa pintor pintora ascuun o F e m in in o R eg ras E s p e c ia is : Os substantivos terminados em -ão podem formar o feminino de três maneiras: a) mudando a terminação -ão em -oa: l . a) M ascuun o F e m in in o M ascuun o F e m in in o ermitão ermitoa leitão leitoa hortelão horteloa patrão patroa — — — - - ________________________________. SUBSTANTIVO b) mudando a terminação M -ã o em -ã: F e m in in o M aldeão aldeã castelão castelã anão anã cidadão cidadã ancião anciã cirurgião cirurgiã anfitrião anfitriã cortesão cortesã campeão campeã irmão irmã ascuun o c) mudando a terminação M ascuun o -ã o em ascuun o F e m in in o -o n a : F e m in in o M ascuun o F e m in in o bonachão bonachona moleirão moleirona comilão com Mon a paspalhão paspalhona espertalhão espertalhona pobretão pobretona figurão figurona sabichão sabichona folião foliona solteirão solteirona Observações: 1. a) Como se vê, os substantivos que fazem o feminino em - o n a são os aumen­ tativos ou adjetivos substantivados. 2. a) Além dos anômalos cã o e z a n g ã o , a que já nos referimos, não seguem estes três processos de formação os substantivos seguintes: M ascuun o M F e m in in o ascuun o F e m in in o barão baronesa maganão magana ladrão ladra perdigão perdiz lebrào lebre sultão sultana Usa-se às vezes la d r o n a por la d ra . 2.a) Os substantivos terminados em - o r formam normalmente o feminino, como dissemos, com o acréscimo da desinência -a : M ascuun o pastor F e m in in o M pastora ascuun o remador Alguns, porém, fazem o feminino em -e ir a . Assim: F e m in in o remadora c a n ta d o r - c a n ta d e ir a , c e r z id o r - c e r z id e ir a . Outros, dentre os finalizados em - t r i z . Assim: a t o r - a t r i z , i m p e r a d o r - -d o r e - t o r , mudam estas terminações em im p e r a tr iz . 207 208 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: De embaixador há, convencionalmente, dois femininos: embaixatriz (a esposa de embaixador) e embaixadora (funcionária chefe de embaixada). 3.a) Certos substantivos que designam títulos de nobreza e dignidades for­ mam o feminino com as terminações -esa, -essa e -isa: M F e m in in o M abade abadessa diácono diaconisa barão baronesa duque duquesa conde condessa sacerdote sacerdotisa ascuun o ascuun o F e m in in o O bservação: De prior há o feminino prioresa (superiora de certas ordens) e priora (irmã de Ordem Terceira). Príncipe faz no feminino princesa. 4.a) Os substantivos terminados em -e, não incluídos entre os que acabamos de mencionar, são geralmente uniformes. Essa igualdade formal para os dois gêneros é, como veremos adiante, quase que absoluta nos finalizados em - nte, de regra originários de particípios presentes e de adjetivos uniformes latinos. Há, porém, um pequeno número que, à semelhança da substituição -o (masculino) por -a (feminino), troca o -e por -a. Assim: M ascuun o F e m in in o M ascuun o F e m in in o elefante elefanta mestre mestra governante governanta monge monja infante infanta parente parenta Observação: Os femininos giganta (de gigante), hóspeda (de hóspede) e presidenta (de presi­ dente) têm ainda curso restrito no idioma. 5.a) São dignos de nota os femininos dos seguintes substantivos: M ascuun o F e m in in o M ascuun o F e m in in o avô avó maestro maestrina cônsul consulesa piton pitonisa czar czarina poeta poetisa felá felaína profeta profetisa SU B 5 T A N T I VO M a s c u l in o F e m in in o M F e m in in o a s c u l in o fra d e f r e ir a ra já ra n i g ro u g ru a ra p a z r a p a r ig a , m o ç a h e ró i h e ro ín a rei r a in h a jo g r a l jo g r a le s a réu ré Observação: é o feminino de r a p a z mais usado em Portugal. No Brasil, prefere-se em razão do valor pejorativo que, em certas regiões, o primeiro termo adquiriu. R a p a r ig a m oça S u b s ta n t iv o s u n ifo rm e s Substantivos epicenos Denominam-se epicenos os nomes de animais que possuem um só gênero gramatical para designar um e outro sexo. Assim: a águia a baleia a borboleta a cobra a mosca a onça a pulga a sardinha o besouro o condor o crocodilo o gavião o polvo o rouxinol o tatu o tigre O bservação: Quando há necessidade de especificar o sexo do animal, juntam-se então ao substantivo as palavras m a c h o e fê m e a : c ro c o d ilo m a c h o , c ro c o d ilo fê m e a ; o m a c h o ou a f ê m e a d o ja c a r é . Substantivos sobrecomuns Chamam-se sobrecomuns os substantivos que têm um só gênero gramatical para designar pessoas de ambos os sexos. Assim: o algoz o apóstolo o carrasco o cônjuge o indivíduo o verdugo a criança a criatura a pessoa a testemunha a vítima Observação: Neste caso, querendo-se discriminar o sexo, diz-se, por exemplo: o c ô n ju g e f e m i ­ n in o ; u m a p e s s o a d o se x o m a s c u lin o . 209 210 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Substantivos comuns de dois gêneros A lg u n s su b sta n tiv o s a p re se n ta m u m a só fo rm a p a ra os d o is g ê n ero s, m as d istin g u e m o m a sc u lin o d o fe m in in o pelo g ên ero d o a rtig o o u de o u tro d e te rm i­ n ativ o a c o m p a n h a n te . C h a m a m -se co m u n s de dois gêneros estes su b sta n tiv o s. E xem plos: M a s c u lin o F e m in in o M ascu u n o F em in in o o a g e n te a a g e n te o h e re g e a h e re g e o a r t is t a a a r t is t a o im ig r a n t e a im ig r a n t e o ca m a ra d a a ca m a ra d a o in d íg e n a a in d íg e n a o c o le g a a c o le g a o in té r p r e te a in t é r p r e t e o c o le g ia l a c o le g ia l o jo v e m a jo v e m o c lie n t e a c lie n t e o jo r n a lis t a a jo r n a lis t a o c o m p a t r io t a a c o m p a t rio t a o m á r t ir a m á r t ir o d e n tis t a a d e n tis t a o s e lv a g e m a s e lv a g e m o e stu d a n te a e stu d a n te o se rv e n te a se rv e n te o g e re n te a g e re n te o s u ic id a a s u ic id a Observações: l.a) São c o m u n s d e d o i s g ê n e r o s todos os substantivos ou adjetivos substantivados terminados em -ista : o p ia n is ta , a p i a n i s t a ; u m a n a r q u is ta , u m a a n a r q u is ta . 2.a) Diz-se, indiferentemente, o p e r s o n a g e m ou a p e r s o n a g e m com referência ao protagonista homem ou mulher. M u d a n ç a d e s e n tid o n a m u d a n ç a d e g ê n e ro Há um certo número de substantivos cuja significação varia com a mudança de gênero: M ascu u n o F em in in o M a scu u n o F em in in o o cab eça a cab eça o g u a rd a a g u ard a o c a ix a a c a ix a o g u ia a g u ia o c a p ita l a c a p ita l o lente a le n te o c is m a a c is m a o lín g u a a lín g u a o c o rn e ta a co rn e ta o m o ra l a m o ra l o c u ra a c u ra o voga a voga SUBSTANTIVO S u b s ta n t iv o s m a s c u lin o s t e r m in a d o s e m -a Vimos que, embora a terminação -a seja de regra denotadora do feminino, há vários masculinos com essa terminação: artista, camarada, colega, poeta, profeta, etc. Alguns destes substantivos apresentam uma forma própria para o femini­ no, como poeta (poetisa) e profeta (profetisa); a maioria, no entanto distingue o gênero apenas pelo determinativo empregado: o compatriota, a compatriota; estejornalista, aquela jornalista; meu camarada, minha camarada. Um pequeno número de substantivos em -a existe, todavia, que só se usa no masculino por designar profissão ou atividade própria do homem. Assim: jesuíta monarca nauta papa patriarca pirata heresiarca tetrarca Observações: l .a) Entre os substantivos que designam coisas, são masculinos os term inados em -ema e -oma que se originam de palavras gregas: anátem a cinema diadem a dilema emblema edema estratagema fonema poem a problem a sistema telefonema tema teorema trema diplom a idiom a arom a axioma coma 2.a) Em bora a palavra grama se use tam bém no gênero fem inino (quinhentas gramas), os seus com postos m antêm -se no gênero m asculino: um miligrama, o quilograma. S u b s ta n tiv o s d e g ê n e ro v a c ila n t e S u b stan tiv o s h á e m c u jo e m p re g o se n o ta v acilação de g ên ero . Eis alguns, p a ra os q u ais se re c o m e n d a a se g u in te p referên cia: a) GÉNERO masculino : ág ap e a n tílo p e caudal clã c o n tra lto d ia b e te (s) g en g ib re la n ç a -p e rfu m e p ra ç a (so ld a d o ) sa n d u íc h e s o p ra n o su é te r á sp id e fácies filoxera ja ç a n ã ju riti o m o p la ta o rd e n a n ç a se n tin e la s u c u ri b) GÊNERO feminino : a b u sã o alcío n e alu v ião 212 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O G RAU Um substantivo pode apresentar-se: a) com a sua significação normal: chapéu, boca; b) co m a su a sign ificação ex ag erad a, o u in te n sific a d a d isfo rm e o u d esp reziv el­ m e n te ( grau aumentativo): chapelâo, bocarra; chapéu grande, boca enorme; c) com a sua significação atenuada, ou valorizada afetivamente ( grau diminu ­ tivo ): chapeuzinho, boquinha; cltapéu pequeno, boca minúscula. Vemos, portanto, que a por dois processos: gradação do significado de um substantivo se faz a) sinteticamente, m e d ia n te o e m p re g o d e sufixos especiais, q u e e s tu d a m o s n o c a p ítu lo 6; assim : chape-l-ão, boc-arra; chapeu-zinho, boqu-inha; b ) analiticamente , ju n ta n d o - lh e u m a d je tiv o q u e in d iq u e a u m e n to o u d i ­ m in u iç ã o , o u asp ecto s re la c io n a d o s c o m essas noções: chapéu grande, boca enorme; chapéu pequeno, boca minúscula. V a lo r d a s fo r m a s a u m e n t a t iv a s e d im in u t iv a s Convém ter presente que o que denominamos aumentativo e diminutivo nem sempre indica o aumento ou a diminuição do tamanho de um ser. Ou melhor, essas noções são expressas em geral pelas formas analíticas, especial­ mente pelos adjetivos grande e pequeno, ou sinônimos, que acompanham o substantivo. Os sufixos aumentativos de regra emprestam ao nome as ideias de despro­ porção, de disformidade, de brutalidade, de grosseria ou de coisa desprezível. Assim: narigão, beiçorra, pratalhaz ou pratarraz, atrevidaço, porcalhão, etc. Ressalta, pois, na maioria dos aumentativos, esse valor depreciativo ou peio rativo . “O emprego dos sufixos diminutivos indica ao leitor ou interlocutor que aquele que fala ou escreve põe a linguagem afetiva no primeiro plano. Não quer comunicar ideias ou reflexões, resultantes de profunda meditação, mas o que quer é exprimir, de modo espontâneo e impulsivo, o que sente, o que o comove ou impressiona — quer seja carinho, saudade, desejo, prazer, quer, digamos, um impulso negativo: troça, desprezo, ofensa. Assim se encontra no sufixo diminutivo um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e a severidade da linguagem, tornando-a mais flexível e amável, mas às vezes também mais vaga.” 2 3 Silvia Skorge. B o le tim d e F ilologia, Lisboa, 17:50-51,1958. SUBSTANTIVO Observação: A rigor, a flexão de g r a u é pertinente ao adjetivo. Admitimos, porém, a existência de três graus para o substantivo — o n o r m a l , o a u m e n t a t i v o e o d i m i n u t i v o — em consonância com a Nomenclatura Gramatical Brasileira e a Nomenclatura Gramati­ cal Portuguesa, que, neste ponto, seguem uma longa tradição no ensino do idioma. E s p e c ia liz a ç ã o d e fo r m a s Muitas formas originariamente aumentativas e diminutivas adquiriram, com o correr do tempo, significados especiais, por vezes dissociados do sentido da palavra derivante. Nestes casos, não se pode mais, a rigor, falar em aumentativo ou diminutivo. São, na verdade, palavras em sua acepção normal. Assim: cartão ferrão florão portão cartilha cavalete corpete flautim folhinha (= calendário) lingueta pastilha vidrilho EMPREGO DO SUBSTANTIVO FUNÇÕ ES SIN TÁ TIC A S DO SU BSTA N TIVO O substantivo pode figurar na oração como: 1. S uieito : Samuel está desolado. (C. Drummond de Andrade, CA, 127.) O pasmo e a felicidade transtomaram-no. (C. de Oliveira, AC, 122.) 2. P redicativo: a) d o suieito : Eu já não sou funcionário. (Castro Soromenho, TM, 243.) De maneiras finas, era um fidalgo. (N. Pinon, FD, 61.) 213 214 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b ) DO OBJETO direto : De toda parte, aclamavam-no herói. (R. Pompeia, A ,108.) O amor... Como adora o marido, como deve ser bom tê-la por esposa. (A. Abelaira, NC, 25.) c) d o objeto in d ir eto : Eram capazes de me chamar sacristão. (F. Namora, TJ, 214.) Irmão lhe chamaria, mas irmão por quê, se a vida nova se nutre de outros sais, que não sabemos? (C. Drummond de Andrade, R, 169-170.) 3. O bjeto direto : Eu arranjo umas velinhas. (A. de Alcântara Machado, NP, 203). O velho não desvia os olhos. (Alves Redol, FM, 195.) 4. O bjeto indireto : O que Amélia, naquele instante, pediria a Deus? (J. Lins do Rego, FM, 236.) Aos marteleiros, dá-se um salário, aos estivadores e saibreiros outro, negócio de “pinchas” outro. (A. Ribeiro, V, 41.) 5. C omplemento nominal : O talento é um complexo de virtudes, às vezes inseparáveis de defeitos. (F. Namora, E, 119.) Lúcia era particularmente sensível à nota humana. (A. Peixoto, RC, 49.) SUBSTANTIVO 6. A djunto adverbial: De Braga voltamos às Caldas. (C. Castelo Branco, OS, 1,11.) Contemplaram-se em silêncio. (É. Veríssimo, LS, 153.) 7. A gente da passiva: Fomos apresentados um ao outro por Silva Jardim. (R. Correia, PCP, 559.) A investida é observada de longe pelos sitiantes. ( J. Paço d ’Arcos, CVL, 355.) 8. A posto : Ia haver um baile na Faculdade de Direito, o baile dos calouros, o meu baile. (C. dos Anjos, MS, 345.) Os dois, governador e filho, encarregaram-se de todos os aprestos da sua viagem para o Paraguai. (J. Cortesão, IHB, II, 104.) 9. V ocativo : — Prima, venha conhecer o compadre. (J. C. de Carvalho, CL, 69.) Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina... (F. Espanca, S, 96.) SU BSTA N TIVO COMO AD JU N TO A D N O M IN A L 1. Precedido de preposição, pode o substantivo formar uma tiva, que funciona como adjunto adnominal . Assim: uma vontade de ferro [= férrea] um menino às direitas [= correto] uma pessoa sem entranhas [= perversa] uma força de Hércules [= hercúlea] locução adje ­ 215 216 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2. Em função de a d iunto a d n o m in a l , pode também o diretamente a outro substantivo . Comparem-se expressões do tipo: um riso canalha um ar província substantivo referir-se uma recepção monstro uma atitude povo Exemplos literários: Durante essas ruas paris de Barcelona, tão avenida entre uma gente meio londres urbanizada em mansas filas, chegava a desafio seu caminhar sevilha: que é levando a cabeça em flor que fosse espiga. (J. Cabral de Melo Neto, PC, 87-88.) Évora! Ruas ermas sob os céus Cor de violetas roxas... Ruas frades Pedindo em triste penitência a Deus Que nos perdoe as míseras vaidades! (F. Espanca, S, 149) SU BSTA N TIV O C A R A C T E R IZ A D O R DE A D JETIV O Os adjetivos referentes a cores podem ser modificados por um que melhor precise uma de suas tonalidades, um de seus matizes. Assim: amarelo-canário azul-petróleo substantivo verde-garrafa roxo-batata Neste emprego o substantivo equivale a uma advérbio de modo .3 ' Cf. R. L. Wagner - J. Pinchon. G r a m m a ir e d u fr a n ç a is classique et m o d e rn e . Paris, Hachet­ te, 1962, p. 76. Sobre a interpretação e a duvidosa vernaculidade das expressões do tipo ra m a g en s verd e-g a rra fa , olh o s v e rd e -m a r, leiam-se as observações de Mário Barreto, em SUBSTANTIVO SU BSTA N TIV O C A R A C T ER IZ A D O PO R UM NOM E Recurso expressivo, generalizado nas línguas românicas1, é a caracterização de um substantivo por meio de um n o m e (substantivo ou adjetivo) anteposto, ligado pela preposição de, num sintagma nominal do tipo: O raio do menino A desgraçada da mulher Em que pese às divergências quanto à interpretação dos valores semânticos e sintáticos que entram em jogo nessa estrutura nominal, todos reconhecem a in­ tensidade afetiva de sua caracterização antecipada. A feição particular desta parece advir de, ao mesmo tempo, estar ligada pelo estreito vínculo de uma preposição e gozar do realce significativo que seria o de um aposto ou de uma predicação nominal. O SU BSTA N TIVO COMO N Ú CLEO DAS FR A S ES SEM V ER B O As frases n o m in a is , organizadas sem verbo, têm o substantivo como centro. É o que se verifica, por exemplo: a) nas exclamações: Ó minha amada, Que olhos os teus! (V. de Morais, PCP, 334.) N o vo s estu d o s d a lín g u a p o rtu g u e sa , 2.“ ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1921, p. 375-377; e de Sousa da Silveira, em Trechos seletos, 4.a ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938, p. 68. É já numerosa a bibliografia relativa a esta construção. Citamos aqui apenas as contribui­ ções mais importantes: Alf Lombard. Li fel d’anemis. Ce fripon de valet. S tu d ie r i M o d e r n S p a ra k v e te n sk a p , Upsala, 2:145-215,1931; André Eskénazi. Quelques remarques sur le type ce fr ip o n d e v a le t et sur certaines fonctions syntaxiques de la préposition de. L e F rançais M o d e rn e , 35: 184-200,1967; Mariana Tutescu. Le Type nominal ce fr ip o n d e va let. R e v u e de L in g u is tiq u e R o m a n e , 33:299-316,1969; M. Regula. Encore une fois “ce fripon de valet”. Ib id . 36:107-111,1972. Sobre o uso da construção em espanhol, veja-se Rafael Lapesa. Sobre las construcciones E l d ia b lo d ei toro, E l b u e n o d e M in a y a , ;A y d e m il, jP obre d e Jüan!, P or m a io s d e p ecados. F ilologia, 8:169-184,1962. Quanto ao emprego em português, consulte-se M. M. Moreno de Oliveira. Processos d e in ten sifica çã o n o p o r tu g u ê s c o n te m p o râ n e o . Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1962, p. 111-121. 217 218 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Ó bendita paisagem! Terra estranha De antigos pinheirais e alegres campos, Ei-la silêncio, solidão, montanha! (Teixeira de Pascoaes, OC, IV, 34.) b) nas indicações sumárias: Fim da tarde, boquinha da noite com as primeiras estrelas e os derradeiros sinos. (J. de Lima, OC, I, 225.) Canto litúrgico em latim abastardado: vozes rurais e gritadas, quase todas femininas. Sobe o pano. Escuro total. Silêncio. (B. Santareno, TPM, 9.) c) em títulos como: Amanhã, Benfica e Flamengo no Maracanã. Nova crise no Oriente Médio. Terremoto no Japão. Capítulo 9 Artigo ARTIGO DEFINIDO E INDEFINIDO Dá-se o nome de artigos às palavras o (com as variações a, os, as) e um (com as variações uma, uns, umas), que se antepõem aos substantivos para indicar: a) que se trata de um ser já conhecido do leitor ou ouvinte, seja por ter sido mencionado antes, seja por ser objeto de um conhecimento de experiência, como nestes exemplos: Levanta-se, vai à mesa, tira um cigarro da caixa de laca, acende o cigarro no isqueiro, larga o isqueiro, volta ao sofá. (F. Botelho, X, 183.) Atravessaram o pátio, deixaram na escuridão o chiqueiro e o curral, va­ zios, de porteiras abertas, o carro de bois que apodrecia, os juazeiros. (G. Ramos, VS, 161.) b) que se trata de um simples representante de uma dada espécie ao qual não se fez menção anterior: Vi que estávamos num velho solar, de certa imponência. Uma fachada de muitas janelas perdia-se na escuridão da noite. No alto da escada saía das sombras um alpendre assente em grossas colunas. (Branquinho da Fonseca, B, 21.) Era uma casinha nova, a meia encosta, com trepadeiras pela varanda. Tinha um pomar pequeno de laranjeiras e marmeleiros e mais uma hortazinha, ao longo do rego que descia do morro. (R. M. F. de Andrade, V, 119.) 220 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O No primeiro caso, dizemos que o artigo é definido ; no segundo, ind efinido . O bservação: “O artigo é um signo que exige a presença de outro (ou outros) com o qual se associa em sintagma: um signo dependente. Por outra parte, pertence ao tipo de signos que se agrupam em paradigmas ou inventários limitados, fechados: os signos morfológicos, cujos conteúdos — os morfemas — constituem o sistema gramatical, em oposição aos signos léxicos, caracterizados por constituírem inventários abertos, ilimitados” (E. Alarcos Llorach. El artículo en espanol. In To Honor Roman fakobson: Essays on the Occasion of His Seventieth Birthday, 1. The Hague-Paris, Mouton, 1967, p. 19). FORMAS DO ARTIGO F o rm a s s im p le s 1. São estas as formas simples do artigo: A r t ig o d e f in id o A r t ig o in d e f in id o i Singular Singular Plural Plural Masculino 0 OS um uns Feminino a as uma umas 2. No português antigo havia as formas lo (la, los, las) e el do artigo definido. Lo (e suas variações) só aparece hoje, como artigo, em construções este­ reotipadas do tipo mai-lo (= mais o), ocorrentes em falares de Portugal, e que alguns escritores têm incorporado a suas obras, como nos mostra este passo: Veio da terra, mai-lo seu moinho. (A. Nobre, S, 26.) Há resquício da antiga forma feminina la em alfim (aglutinação de a lafim), mas em certas expressões como a la cria, a lafresca, usadas por alguns escri­ tores gaúchos, o artigo é um mero espanholismo, de introdução moderna. Veja-se este exemplo: A la fresca!... que ninho! (Simões Lopes Neto, CGLS, 185.) ARTIGO 3. A forma arcaica d do artigo masculino fossilizou-se na titulatura el-rei , talvez por influência da conservadora linguagem da Corte: Então o terceiro a El-Rei rogou Licença de os buscar, e El-Rei negou. (F. Pessoa, OP, 25.) Vejam-se topônimos atuais, como S ã o João d e l-R e i , e outros antigos, como S ã o José d e l-R e i (hoje T ir a d e n te s ) e S e rg ip e d el-R ei: Dos Azevedos, família antiga na província de Sergipe d’El-Rei, viviam na Estância três irmãs, Felicidade, Turíbia, Umbelina e um irmão padre. (G. Amado, H M I , 4.) F o rm a s c o m b in a d a s d o a r t ig o d e fin id o 1. Quando o substantivo, em função de complemento ou de adjunto, se constrói com uma das preposições a, de, e m e p o r, o artigo d efin id o que o acom­ panha combina-se com essas preposições, dando: P r e p o s iç õ e s A r t ig o d e f in id o a O as OS a ao à aos às de do da dos das em no na nos nas p o r (p e r) p e lo p e la p e lo s p e la s 2. Crase. O artigo definido feminino quando vem precedido da preposição a, funde-se com ela, e tal fusão (= crase ) é representada na escrita por um acento grave sobre a vogal (à). Assim: Vou a preposição que introduz o adjunto adverbial do verbo ir. + a cidade artigo que determina o substantivo cidade Vou à cidade — craseado, a que se aplica o acento grave. a 221 222 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Não raro, o à vale como redução sintática da expressão à moda de (= à ma­ neira de, ao estilo de): As bordaduras e os recamos de oiro, os veludos e sedas de fora, talhados à francesa, resplandeciam constelados de pérolas e diamantes. (Rebelo da Silva, CL, 175.) Mas o major? Por que não ria à inglesa, nem à alemã, nem àfrancesa, nem à brasileira? Qual o seu gênero? (Monteiro Lobato, U, 117.) O bservação: Como se vê, o conhecimento do emprego da forma feminina do artigo definido é de grande importância para se aplicar acertadamente o acento grave denotador da crase com a preposição a. Tal conhecimento torna-se mesmo imprescindível no caso dos falantes do português do Brasil, que não distinguem, pela pronúncia, a vogal singela a (do artigo ou da preposição) daquela proveniente de crase. Convém, por isso, atentar-se sempre na construção de determinada palavra com outras preposições para se saber se ela exige ou dispensa o artigo. Assim, escreveremos: Vou à feira e, depois, irei a Copacabana, porque também diremos: Vim da feira e, depois, passei por Copacabana. 3. Quando a preposição antecede o artigo definido que faz parte do título de obras (livros, revistas, jornais, contos, poemas, etc.), não há uma prática uniforme. Na língua escrita, porém, deve-se neste caso: a) ou evitar a contração, pelo modelo: Camões é o autor de Os Lusíadas. A notícia saiu em O Globo. b) ou indicar pelo apóstrofo a supressão da vogal da preposição: Camões é o autor d’Os Lusíadas. A notícia saiu n’0 Globo. Tenha-se presente que as grafias dos Lusíadas e no Globo — talvez as mais frequentes — deturpam o título do poema e do jornal em causa. ARTIGO Observação: As duas soluções apontadas são admitidas pela ortografia portuguesa. No Brasil, porém, o Formulário Ortográfico de 1943 não preceitua o emprego do apóstrofo para indicar a supressão da vogal da preposição. 4. Quando a preposição que antecede o artigo está relacionada com o verbo, e não com o substantivo que o artigo introduz, é aconselhável que os dois elementos fiquem separados, embora não faltem exemplos de sua aglutinação na prática dos melhores escritores: A circunstância de as vindimas juntarem a família prestava-se a uma reunião anual na Junceda. (M. Torga, V, 159.) — Estou-me esforçando, Sr. Juiz, por conservar o jeito especial de o garoto falar. (A. M. Machado, HR, 27.) Dona Rosa, Dona Rosa, Quando eras inda botão Disseram-te alguma cousa De a flor não ter coração? (F. Pessoa, QGP, nü. 160.) 5. A antiga preposição per contraía-se com lo{s), la{s), formas primitivas do ar­ tigo definido, produzindo pelo{s),pela(s). Estas contrações vieram substituir polo{s) e pola(s), de emprego normal no português clássico, como ilustram estes versos camonianos: Pois polos doze pares dar-vos quero Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço. ( 1 , 1, 12. ) Da Lua os claros raios rutilavam Polas argênteas ondas Neptuninas. (1 ,1 ,58.) F o rm a s c o m b in a d a s d o a r t ig o in d e fin id o 1. O artigo indefinido pode contrair-se com as preposições em e de, originando: 223 224 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O num a num a nuns num as dum dum a duns dum as 2. As preposições em e de, antepostas ao artigo indefinido que integra o título de obras, separam-se dele na escrita: Sofríamos do que, em Um Olhar sobre a Vida, qualifiquei de “insônia internacional”. (Genolino Amado, RP, 21.) Ou no caso da outra Maria, a de Um Capitão de Voluntários, criatura esta “mais quente e mais fria do que ninguém”. (A. Meyer, SE, 45.) 3. Também não é aconselhável a contração do artigo indefinido com a prepo­ sição que se relaciona com o verbo, e não com o substantivo que o artigo introduz: A obra atrasou-se em virtude de uns operários se terem acidentado. VALORES DO ARTIGO A DETERMINAÇÃO 1. Comparando-se esta frase de Alceu Amoroso Lima, Foi chegando um caboclinho magro, com uma taquara na mão. (AA, 40.) às seguintes, Foi chegando o caboclinho magro, com a taquara na mão. Foi chegando este caboclinho magro, com esta taquara na mão. v e rific a -s e q u e a d e te r m in a ç ã o d o s s u b s ta n tiv o s c a b o c lin h o e t a q u a r a se v a i to r n a n d o m a is p re c isa , à m e d id a q u e se p a s s a d o p a ra o artigo d efin id o ( o , a ) e, d e p o is , p a r a o artigo ind efinido ( u m , u m a ) demonstrativo (e s te , e s ta ). No primeiro caso, indica-se apenas a e sp é c ie dos substantivos que são apre­ sentados ao ouvinte. No segundo, restringe-se a extensão do significado dos substantivos, com i n d i v i d u a l i z á - l o s , d e fin i- lo s . No terceiro, limita-se ainda ARTIGO mais o sentido dos substantivos, que aparecem situados no espaço e no tempo. Exemplificando: este caboclinho magro não é um caboclinho magro qualquer ( i n d e f i n i d o ) , nem o caboclinho magro, que o interlocutor conhece ( d e f i n i d o ) , mas o que está no momento perto da pessoa que feia. Por outras palavras: o a r t i g o d e f i n i d o é, essencialmente, um sinal de noto­ riedade, de conhecimento prévio, por parte dos interlocutores, do ser ou do objeto mencionado: o a r t i g o i n d e f i n i d o , ao contrário, é por excelência um sinal da falta de notoriedade, de desconhecimento individualizado, por parte de um dos interlocutores (o ouvinte), do ser ou do objeto em causa. 2. Quer seja d e f i n i d o ( o e suas variações a, os, as), quer seja i n d e f i n i d o (um e suas variações uma, uns, umas), o a r t i g o caracteriza-se por ser a palavra que introduz o substantivo indicando-lhe o gênero e o número. Assim sendo: a) qualquer palavra ou expressão antecedida de artigo se torna substantivo: O ato literário é o conjunto do escrever e do ler. (F. Namora, E, 111.) Tudo no mundo comecou com um sim. (C. Lispector, HE, 15.) 9 Que motivo é este do “não sei quê”, pergunta o Leitor. (A. Meyer, CM, 79.) b) o artigo faz aparecer o gênero e o número do substantivo: o Amazonas o pires o pianista um quilograma o pão o clã as amazonas os pires a pianista a ama a mão a irmã o cliente as bibliotecas um pirata o jabuti um barão um poema a cliente os astecas uma gravata a juriti a produção a ema Com isso, permite a distinção de substantivos homônimos, tais como: o cabeça o caixa o capital o cisma o corneta o cura a cabeça a caixa a capital a cisma a corneta a cura o guarda o guia o lente o língua o moral o voga a guarda a guia a lente a língua a moral a voga 225 226 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O EMPREGO DO ARTIGO DEFINIDO COM OS SU BSTA N TIV O S COM UNS Na língua de nossos dias, o artigo d efin id o é, em geral, um mero designa­ tivo. Anteposto a um substantivo comum, serve para determiná-lo, ou seja, para apresentá-lo isolado dos outros indivíduos ou objetos da espécie. Assim: O aparelho de chá, o faqueiro, os cristais e os tapetes tinham ficado com ele. (L. Fagundes Telles, ABV, 13.) Sumiu-se a rapariga. (C. de Oliveira, AC, 123.) Este seu valor costuma ser enfatizado, quando se pretende acentuar o caráter único ou universal do elemento representado pelo substantivo, como nestes passos: Tive, há alguns meses, um momento crítico, ou talvez, por certos lados, o momento crítico, da minha vida. (A. de Quental, C, 357.) Não era uma loja qualquer: era a Loja. (C. dos Anjos, MS, 350.) É o q u e se c h a m a artigo de notoriedade . E m p re g o s p a rtic u la r e s Entre os empregos particulares do artigo os seguintes: d efin id o devem ser mencionados Emprego como demonstrativo 1. O artigo definido provém do pronome demonstrativo latino ille-, illa, illud (= aquele, aquela, aquilo). Este valor demonstrativo foi-se perdendo pouco a pouco, mas subsiste ainda, embora enfraquecido, em alguns casos. É o que se observa em frases do tipo: ARTIGO Permaneceu a [= esta, ou aquela] semana inteira em casa. Partimos no [= neste] momento para São Paulo. Levarei produtos da [—desta] região. 2. É também sensível o valor demonstrativo do artigo que faz evocar o subs­ tantivo como algo presente no espírito do locutor ou do ouvinte, situado, portanto, no tempo e no espaço. Sirva de exemplo esta frase: Pedro foi um ativista desde a Faculdade. [Isto é: aquela Faculdade que os interlocutores sabem qual seja.] Emprego do artigo pelo possessivo Este emprego do designam: a) partes do corpo: artigo d e fin id o é frequente antes de substantivos que Passei a mão pelo queixo. (L. Fagundes Telles, ABV, 15.) Ela repeliu-o então e firmou-se nos cotovelos, enfurnando a cara nas mãos. (U. Tavares Rodrigues, TO, 71.) b) peças de vestuário ou objetos de uso marcadamente pessoal: Abel Matias, calado, veste as calças e a camisa. (O. Mendes, P, 130.) Ao anoitecer vestiu o impermeável, enfiou o chapéu e saiu. (É. Veríssimo, LS, 138.) c) faculdades do espírito: Chegou a tomar balanço para as habituais meditações. (A. Abelaira, D, 19.) O velho embalava o pensamento. (Autran Dourado, TA, 42.) 227 228 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O d) relações de parentesco: Nunca mais pude separar a lembrança da prima da sensação cromática das escalas musicais. (P. Nava, BO, 365.) — Já não chamou pela mãe!... (M.Torga, V, 186.) O bservação: Não se emprega, porém, o artigo quando estes nomes formam com as preposições de ou a uma locução adverbial. Pus-me de joelhos. Emagrece a olhos visto s. Emprego do artigo antes dos possessivos Antes de pronome substantivo possessivo Em português, o emprego ou a omissão do artigo definido antes de pos­ sessivos que funcionam como pronomes substantivos não tem apenas valor estilístico, mas corresponde a uma clara distinção significativa. Comparem-se, por exemplo, as frases seguintes: Este cinto é meu. Este cinto é o meu. Com a primeira, pretende-se acentuar a simples ideia de posse. Equivale a dizer-se: “Este cinto pertence-me, é de minha propriedade”. Com a segunda, porém, faz-se convergir a atenção para o objeto possuído, que se evidencia como distinto de outros da mesma espécie, não pertencentes à pessoa em causa. O seu sentido será: “Este é o meu cinto, o que possuo”. Antes de pronome adjetivo possessivo 1. Quando trazem claros os seus substantivos, os possessivos podem usar-se com artigo ou sem ele: Meu amor é só teu. O meu amor é só teu. ARTIGO A presença do artigo antes de pronome adjetivo possessivo ocorre com menos frequência no português do Brasil do que no de Portugal, onde, com exceção dos casos adiante mencionados, ela é praticamente obrigatória. Comparem-se estes exemplos: — A minha irmã e o meu cunhado costumam receber os seus amigos mais íntimos. (A. Abelaira, D , 107.) Meu avô materno foi verdadeiramente minha primeira amizade, companheiro de brinquedo da minha primeira infância. (G. Amado, HMI, 4.) 2. O artigo é sistematicamente omitido quando o possessivo: a) é parte integrante de uma fórmula de tratamento ou de expressões como Nosso Pai (referente ao Santíssimo), Nosso Senhor, Nossa Senhora: Sua Excelência Reverendíssima escusou-se de recebê-los pessoal­ mente. (B. Santareno, TPM, 37.) V. Ex“. é sempre lisonjeiro. (Castro Alves, OC, 604.) Nosso Senhor tinha o olhar em pranto. Chorava Nossa Senhora. (A. de Guimaraens, OC, 121.) b) faz parte de um vocativo: — Morrer, meu Amo, só uma vez! (A. Nobre, S, 106.) — É neto, meu padrinho? (J. Lins do Rego, MVA, 251.) c) pertence a certas expressões feitas: em minha opinião, em meu poder, a seu hel-prazer, por minha vontade, por meu mal, etc. d) vem precedido de um demonstrativo: — Não aguento mais esse teu silêncio antipático. (U. Tavares Rodrigues, TO, 162.) 229 230 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O — Isto, aliás, seria benefício a este seu criado. (C. dos Anjos, M, 173.) O bservação: Se o possessivo estiver posposto ao substantivo, este virá nonnalmente precedido de a r t ig o : Quanto mistério N os olhos teus... (V. de Morais, PCP, 334.) Pode, no entanto, dispensá-lo, quando nos referimos a algo de modo impreciso ou vago: Tenho estado à espera de n o tícias tuas, mas vejo que não chegam nunca. (A. Nobre, Cl, 117.) E m p re g o g e n é ric o Usa-se às vezes o a r t i g o d e f i n i d o junto a um substantivo no singular para exprimir a totalidade específica de um gênero, de uma categoria, de um grupo, de uma substância: O guarani fez-se aliado do espanhol. (J. Cortesão, IHB, II, 126.) O relógio é um objeto torturante: parece algemado ao tempo. (C. Lispector, SV, 113.) Este emprego é frequente nos provérbios: O homem não é propriedade do homem. O avarento não tem e o pródigo não terá. Se o substantivo é abstrato, o artigo serve, ademais, para personalizá-lo: Sacrificou um pouco, sobretudo no exórdio, a articulação do seu discurso para evitar o brilho, a saliência, a ênfase. (M. Bandeira, AA, 306.) Era o deus vivo que os tinha na sua mão, o amigo-inimigo donde lhes vinha todo o bem e todo o mal, a miséria e o pão, o luto e a alegria. (Branquinho da Fonseca, MS, 173.) ARTIGO Entre os abstratos incluem-se naturalmente os adjetivos substantivados: Eu trabalho com o inesperado. (C. Lispector, SV, 14.) O pior é que nos apareceram outros doentes. (E Namora, CS, 157.) Observação: Nestes casos pode-se dispensar o artigo, principalmente quando o substantivo é abstrato, ou quando faz parte de provérbios, frases sentenciosas e comparações breves: Pobreza não é vileza. Cão que ladra não morde. Homem não é bicho. Preto como azeviche. E m p re g o e m e x p re s s õ e s d e te m p o Os nomes de meses não admitem panhados de qualificativo: l.° ) artigo , a menos que venham acom­ Estou seguro de ir até o Rio em fins de junho ou princípios de julho. (M. de Andrade, CMB, 102.) Descobria afinal a manhã carioca, no abril de Botafogo, manhã que antes nunca me dera o ar de sua graça. (Genolino Amado, RP, 22.) Era um setembro puro. (M. Torga, NCM, 63.) Observação: Omite-se em geral o a r t ig o antes das datas do mês: A 28 de setembro, por vinte e sete votos, sai ele vitorioso. (J. Montello, PMA, 276.) O parecer é de 28 de janeiro de 1640. (J. Cortesão, IHB, II, 218.) 231 232 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Costuma-se, no entanto, usá-lo: a) antes de datas célebres (que adquirem o valor de um substantivo composto de NUM ERAI. + PREPOSIÇÃO + SUBSTANTIVO): Por ser predsamente um dos feriados extintos, o 19 de Novembro faz lembrar hoje, aos marmanjos do começo do século, não só a bandeira como a própria infância, tão perdida quanto esse feriado. (C. Drummond de Andrade, FA, 116.) b) antes de datas mencionadas no curso de uma narração: Constituiu-se assim livremente a Academia e a primeira sessão se realizou aos 15 de dezembro de 1896, aclamados presidente Machado de Assis e secretários Rodrigo Otávio e Pedro Rabelo. (M. Bandeira, PP, II, 1132.) 2 .°) O s n o m e s d o s d ia s d a s e m a n a v ê m p r e c e d id o s d e artigo , p r in c ip a lm e n te q u a n d o e n u n c ia d o s n o p lu ra l: Queres ir comigo à Itália no domingo? (A. Abelaira, D, 45.) Aos domingos saíam cedo para a missa. (Coelho Netto, OS, 1,33.) Mas podem dispensá-lo (juntamente com a preposição a que se aglutinam), quando funcionam como adjunto adverbial. Assim: Sexta-feira fui vê-la sair. (Machado de Assis, OC, III, 593.) — Domingo à tarde. Domingo será a vez do teu moinho... (F. Namora, DT, 221.) 3.°) Não se usa o a r t i g o nas designações das horas do dia, nem com as ex­ pressões m eio-dia e m eia-noite: meio-dia e dez... (A. Abelaira, D, 124.) O re ló g io m a rc a v a ARTIGO Meia-noite? Não se teria enganado? (J. Montello, SC, 25-26.) O artigo é, p o r é m , d e r e g ra q u a n d o , a n te c e d id a s d e p r e p o s iç ã o , ta is fo r m a s se e m p r e g a m a d v e rb ia lm e n te : Já não se almoça às 9 da manhã e não se janta às 4. (C. Drummond de Andrade, MA, 99.) Ao meio-dia já as águas do porto eram prata fundida. (U. Tavares Rodrigues, /E, 47.) 4.°) Os nomes das quatro estações do ano são precedidos de artigo: As névoas anunciam o Inverno. (R. Brandão, P, 52.) Talvez tenha acabado o verão. (R. Braga, CC£, 293.) Será goivo no outono, assim como era, Eternamente mal-aventurada, A alma, que lírio foi na primavera... (A. de Guimaraens, OC, 342.) Podem, no entanto, dispensá-lo quando, antecedidos da preposição de, fun­ cionam como complemento nominal ou como adjunto adnominal: Que noite de inverno! Que frio, que frio! Gelou meu carvão: Mas boto-o à lareira, tal qual pelo estio, Faz sol de verão! (A. Nobre, S, 13.) Num meio-dia de fim de primavera Tive um sonho como uma fotografia. (F. Pessoa, OP, 143.) Hora sagrada dum entardecer De outono, à beira-mar, cor de safira. (F. Espanca, S, 22.) 233 234 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 5.°) Os nomes de datas festivas dizem-se com artig o : o ano-bom o carnaval o Natal a Páscoa É, p o r é m , d e re g ra a o m is s ã o d o artigo c o m o a d j u n to a d n o m in a l d a s p a la v r a s q u a n d o e ste s n o m e s f u n c io n a m dia, noite, semana, presente, etc.: O primeiro dia de carnaval. A noite de Natal. A semana de Páscoa. Um presente de ano-bom. E m p re g o co m e x p re s s õ e s d e p e so e m e d id a O artigo d efin id o é u s a d o c o m f o rç a d is tr ib u tiv a e m fra se s d o ti p o O feijão está a cento e trinta cruzeiros o quilo (= cada quilo) Este tecido custa dois mil escudos o metro (= cada metro), nas quais se expressa por unidade de peso ou medida o custo ou o valor de determinada coisa. C o m a p a la v ra ca sa 1. Dispensam o artigo os adjuntos adverbiais de lugar em que entra a palavra casa: a) desacompanhada de determinação ou qualificação, no sentido de “residência”, “lar”: Às quatro da madrugada entrou em casa. (M. Torga, CM, 32.) Voltou para casa e ficou à espera da hora insuportável. (C. Drummond de Andrade, CA, 105.) b) em sentido vago, embora acompanhada de qualificação: Estava em casa própria lá para Ipanema. (A. Ribeiro, M, 356.) ARTIGO A vida na casa de Sinhô era mesquinha como em casa de pobre, mas havia lá dentro a bela Pérola. (J. Lins do Rego, MVA, 306.) 2. Mas a palavra casa vem de regra antecedida de artigo : a) quando usada na acepção própria de “prédio”, “edifício”, “estabelecimento”: J[osé] 0[lympio] em geral não emprega a primeira pessoa; diz: a casa. A casa não pode editar um livro nessas condições, a casa ficou magoada, a casa está feliz... (C. Drummond de Andrade, M , 52.) Estou cansado, preciso de um sócio, alguém que me dirija a casa. (A. Abelaira, D, 28.) b) quando está particularizada por adjunto adnominal: Foi um golpe esta carta; não obstante, apenas fechou a noite, corri à casa de Virgília. (Machado de Assis, OC, 1,484.) Na sua própria casa, Horácio pressentia que a mãe lhe ocultava alguma coisa. (Ferreira de Castro, OC, 1,451.) Observação: Diz-se o dono (ou a dona) da casa para indicar, com precisão, seja o proprietário do prédio, seja o chefe da família. Em sentido vago, dir-se-á, porém: uma boa dona de casa. C o m a p a la v ra p a lá c io 1. A p a la v r a palácio u s a -s e com artigo : Absorvendo-me nos exames, suspendi as idas ao Palácio. (Genolino Amado, RP> 124.) Só perto do palácio enxugou os olhos. (Alves Redol, BC, 342.) 2. Costuma, no entanto, dispensá-lo, no português do Brasil, quando, em função de adjunto adverbial, designa a residência ou o local de despacho do chefe da 235 236 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Nação ou do Estado e vem desacompanhada da competente determinação ou qualificação. Poder-se-á dizer, por conseguinte: O Governador chamou-o a Palácio, pedindo-lhe que desse um termo à luta. (J. Lins do Rego, MVA, 134-135.) — Olhe, nos Governos de gente nossa, não se pode nem comer em Palácio... (A. Deodato, POBD, 55.) Mas dir-se-á sempre com artigo, quando determinada ou qualificada: Paladino do amor, busco anelante O palácio encantado da Ventura! (A. de Quental, SC, 42.) Benício tornou a acercar-se da janela, alongou a vista na direção do Palácio Laranjeiras. (J. Montello, SC, 25.) E m p re g o co m o s u p e rla tiv o re la tiv o O a r t i g o d e f i n i d o é de emprego obrigatório com o superlativo relativo. Pode preceder o substantivo: Era o aluno mais estudioso da turma. ou o superlativo: Era o mais estudioso aluno da turma. Era aluno o mais estudioso da turma. Mas não deve ser repetido antes do superlativo quando já acompanha o substantivo, como neste exemplo: Era o aluno o mais estudioso da turma. Observações: l . a) É líc ita , n o e n ta n to , a r e p e tiç ã o d o p e la p a la v r a ainda o u a r t ig o a n te s d o s u p e rla tiv o r e fo rç a d o s in ô n im a , p o is n e s te c a s o se p o d e s u b e n te n d e r o s u b s ta n tiv o d e p o is d o s e g u n d o a rtig o : ARTIGO Essa façanha os marinheiros ainda os mais audazes não ousariam cometè-la. istoé: ainda os [marinheiros) mais audazes. O a r t ig o aparece por vezes com valor intensivo em frases da linguagem coloquial de entoação particular. Por exemplo: 2 .a ) Ele é o fim! COM OS NO M ES P R Ó PR IO S Sendo por definição individualizante, o nome próprio deveria dispensai- o artigo . Mas, no curso da história da língua, razões diversas concorreram para que esta norma lógica nem sempre fosse observada e, hoje, há mesmo grande número de nomes próprios que exigem obrigatoriamente o acompanhamento do artigo d efin id o . Entre essas razões, devem ser mencionadas: a) a intenção de reforçar a ideia de individualidade, de um todo intimamente unido, como se concebe, em geral, um país, um continente, um oceano: o Brasil a França a América a Europa o Atlântico o Pacífico b ) a d e se r o n o m e p r ó p r io o r ig in a r ia m e n te u m s u b s ta n tiv o c o m u m , c o n s tr u íd o com o artig o : a Guarda o Porto o Cairo (árabe El-Kahira = a vitoriosa) o Havre (francês Le Havre = o porto) c) a in f lu ê n c ia s in tá tic a d o ita lia n o , lín g u a e m q u e o s n o m e s d e fa m ília , q u a n d o e m p r e g a d o s is o la d a m e n te , v ê m p r e c e d id o s d e o Tasso artigo : o Ticiano aBesanzoni d) a de cercar o nome próprio de uma atmosfera afetiva ou familiar: (...) A Carlota! A Carlota! Boa velhinha, como ela é meiga e devota! (A. Nobre, S, 166.) — Aqui é o Custódio. Olhe, achei melhor dizer ao Cantídio que você tinha chegado e queria vê-lo. (C. dos Anjos, M, 160.) 237 238 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Feitas essas considerações preliminares, particularizemos, agora, os principais casos de emprego do artigo definido com os nomes próprios. C o m o s n o m e s d e p e sso a s Os nomes próprios de pessoas (de batismo e de família) não levam a r t i g o , principal mente quando se aplicam a personagens muito conhecidos: Camões Dante Napoleão Emprega-se, porém, o a r t i g o d e f i n i d o : 1. °) quando o nome de pessoa vem precedido de qualificativo: O romântico Alencar. O divino Dante. 2. °) quando o nome de pessoa vem acompanhado de determinativo ou qualificativo denotadores de um aspecto, de uma época, de uma circunstância da vida do indivíduo: Era o Daniel de outrora que eu tinha diante de mim. (J. Montello, DVP, 237.) Estas palavras eram de Raul, o Raul adolescente. (A. Abelaira, D, 130.) 3. °) quando se pretende atribuir ao nome próprio um sentido depreciativo, como neste passo de A. Nobre, em que o Carlos é o rei D. Carlos I, de Portugal: Nada me importas, País! seja meu Amo O Carlos ou o Zé da T’resa... (S, 118.) 4. °) quando o nome de pessoa vem enunciado no plural: a) seja para indicar indivíduos do mesmo nome: Os dois Plínios. Os três Horácios. b) seja para designar uma coletividade familiar: Os Andradas. Os Braganças. ARTIGO 239 c) seja para caracterizar, enfaticamente, classes ou tipos de indivíduos que se assemelham a um vulto ou personagem célebre, caso em que o nome próprio vale por um nome comum: Eu vejo os Cipiões, vejo os Emílios. (C. M. da Costa, OP, II, 122.) Que importa isso tudo, se, aqui, os Clemenceaus andam a monte, os Hindemburgos rolam aos tombos, os Gladstones pululam aos cardumes, os Bismarcks se multiplicam em ninhadas, e os Thiers cobrem o sol como nuvens de gafanhotos. (R. Barbosa, EDS, 484.) d) para designar obras de um artista (geralmente quadros de um pintor): Os Goyas do Museu do Prado. Observações: 1. a) Na linguagem popular e no trato familiar é muito frequente no Brasil e está praticamente generalizada na linguagem corrente de Portugal a anteposição do a r ­ t i g o d e f in id o a nomes de batismo de pessoas, o que lhes dá, como dissemos, um tom de afetividade ou de familiaridade. Comparem-se, por exemplo, estas duas frases: Geraldo saiu agora. O Geraldo saiu agora. Na primeira (só possível, em Portugal, na linguagem escrita), a pessoa menciona­ da vem envolta de certa distinção, sentimo-la mais distante. Na segunda, apontamos a pessoa como conhecida dos presentes, como um elemento familiar, caseiro. 2. a) As alcunhas são comumente precedidas de a r t i g o : — Morreu o Palhaça... (M. Torga, NCM, 59.) Gomes Ribeiro, que não se misturava com quem quer que fosse, era conhe­ cido como o Fonema. (A. F. Schmidt, GB, 107.) 3. a) O artigo definido antecede as palavras senhor, senhora e senhorita quando citamos uma pessoa por seu nome ou por seu título: 240 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O senhor Fontes está adoentado. Falei com a senhora Baronesa. Não vi a senhorita Joana. Não empregamos, porém, o artigo quando nos dirigimos à própria pessoa: — Como vai, senhor Fontes? — Adeus, senhora Baronesa. — Obrigado, senhorita Joana. 4.“) O adjetivo santo (ou são e santa) não vem precedido de artigo quando acom­ panha um nome próprio do qual consideramos ser parte integrante: Assim conversam, gloriosos, Santa Clara e São Francisco. (C. Meireles, OP, 903.) — O senhor formulara um conceito heterodoxo das epístolas de São Paulo e do evangelho de São Marcos... (A. Ribeiro, ES, 17.) O artigo é, porém, de regra, se com o nome do santo, precedido do adjetivo em causa, quisermos designar a época em que se festeja: Já a trago debaixo de olho desde o Santo Antônio. (M. Torga, V, 21.) Ainda há um ano precisamente, assistia eu no Porto ao São João mais fan­ tástico deste mundo. (A. F. Schmidt, GB, 146.) C o m o s n o m e s g e o g rá fic o s O e s ta d o a t u a l d o u s o d o artigo c o m o s n o m e s g e o g rá fic o s é o s e g u in te : 1.°) Emprega-se normalmente o artigo definido: a) com os nomes de países, regiões, continentes, montanhas, vulcões, desertos, constelações, rios, lagos, oceanos, mares e grupos de ilhas: o Brasil o Himalaia a França os Alpes os Estados Unidos o Teide o Nilo o Lemano o Atlântico ARTIGO a Guiné o Nordeste a África o Atacama o Saara o Cruzeiro do Sul 241 o Báltico o Mediterrâneo os Açores b) com os nomes dos pontos cardeais e os dos colaterais, quer no sentido pró­ prio, quer no de regiões ou ventos: O promontório tapava para o norte. (Branquinho da Fonseca, MS, 104.) Os nossos companheiros de viagem — gente do Sul— tasquinhavam, cantavam e beberricavam. (U. Tavares Rodrigues, JE, 21.) Também os ventos nordestinos se acharam presentes: o Nordeste e o Sudeste... (J. Cardoso, SE, 60.) Observações: 1. a) Certos nomes de países e regiões costumam, no entanto, rejeitar o artigo. Entre outros: Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Macau, Timor, Andorra, Israel, São Salvador, Aragão, Castela, Leão. 2. a) Alguns nomes de países, como Espanha, França, Inglatena, Itália e poucos mais, podem construir-se sem artigo, principalmente quando regidos de preposição: Viveu muito tempo em Espanha, casada. (F. Namora, CS, 93.) Aquela que reside na esperança Foi quem me recompôs o sonho antigo Numa canção de músico mendigo Pelas estradas líricas de França. (J. Cardoso, SE, 49.) 3. a) Quando indicam apenas direção, os nomes de pontos cardeais podem vir sem artigo: Marcha para oeste Vento de leste 2.°) Não se usa em geral o a r t ig o d e f in id o : a) com os nomes de cidades, de localidades e da maioria das ilhas: 242 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Barbacena Lisboa Paris Águeda Campo Grande Topázio Creta Cuba Malta b) com os nomes de planetas e de estrelas: Marte Saturno Vénus Canópus Sírius Vega Observações: 1. “) Alguns nomes de cidades que se formaram de substantivos comuns conser­ vam o artigo: a Guarda, o Porto, o Rio de Janeiro, a Figueira da Foz. O mesmo se dá, como vimos, com o nome de certas cidades estrangeiras: o Cairo, a Haia, o Havre. 2. “) À semelhança dos nomes de países, usam-se com artigo alguns nomes de ilhas: a Córsega, a Madeira, a Sardenha, a Sicília. 3.°) Não é uniforme o emprego do a r t ig o d e f in id o com os nomes dos estados brasileiros e das províncias portuguesas. A maioria leva a r t ig o . Assim: o Acre o Amazonas a Bahia o Ceará o Espírito Santo o Maranhão o Mato Grosso do Sul o Pará a Paraíba o Paraná o Piauí o Rio de Janeiro o Rio Grande do Norte o Rio Grande do Sul o Alentejo o Algarve a Beira o Douro a Estremadura o Minho o Ribatejo Não se usam, porém, com artigo: Alagoas Goiás Mato Grosso Minas Gerais Pernambuco Rondônia Santa Catarina São Paulo Sergipe Trás-os-Montes Observação: Diz-se também as Alagoas. 4.°) Como os nomes de pessoas, os nomes geográficos passam a admitir o artigo desde que acompanhados de qualificação ou de determinação: ARTIGO Ai canta, canta ao luar, minha guitarra, A Lisboa dos Poetas Cavaleiros! (A. Nobre, D, 68.) Gosto da Ouro Preto de Guignard. (M. Bandeira, AA, 57.) De novo, ungindo-me de Europa, alastrando-me da sua vibração, se encapelava dentro de mim Paris — o meu Paris, o Paris dos meus vinte e três anos... (M. de Sá-Carneiro, CL, 131.) Patriota, desejava sem dúvida nos fazer conscientes da grandeza de Portugal, o Portugal das descobertas e dos clássicos. (J. Amado, MG, 113.) C o m o s n o m e s d e o b ra s lit e r á r ia s e a r t ís tic a s Emprega-se em geral o artigo, mesmo quando não pertença ao título: Ontem, à noite, comecei a ler a Ana Karenina. (A. Abelaira, D, 64.) A chegada de José Veríssimo ao Rio, em 1891, coincide com o apare­ cimento do Quincas Borba, primeiro romance de Machado de Assis depois das Memórias Póstumas. (J. Montello, PMA, 216.) CASOS ESPECIAIS A n te s d a p a la v ra o u t r o 1. Emprega-se o artigo definido quando a palavra outro tem sentido determi­ nado: Tirei do colégio os meus dois filhos: o mais velho era um demônio, o outro um anjo. (C. Castelo Branco, 0 5 ,1,290.) Não era pela outra, não, dizia ela consigo, pela centésima vez, era por ele, era pelo outro. (A. Peixoto, RC, 517.) 243 244 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Um era careca, o outro tinha bigode. (A. M. Machado, HR, 72.) 2. Cala-se, porém, o artigo quando o seu sentido é indeterminado: A uns amei, a outros estimei, aborreci alguns e alguns mal conheci — mas todos! ai! todos, me impregnaram de suas vidas. (R Nava, BC, 228.) Na estrada, os homens apartaram-se, uns grupos para a Covilhã, outros para a Aldeia do Carvalho, como nos demais dias. (Ferreira de Castro, OC, 1,463.) D e p o is d a s p a la v ra s a m b o s e t o d o Ambos e todo são as únicas palavras que, em português, antecedem o artigo pertencente ao mesmo sintagma. 1. Se o substantivo determinado pelo numeral ambos estiver claro, é de regra o emprego do artigo definido: Eram centenares de pessoas de ambos os sexos. (C. Castelo Branco, OS, 1,573.) Vasco apoiou os cotovelos nela e segurou o rosto com ambas as mãos. (É. Veríssimo, LS, 166.) 2. A presença ou a ausência do artigo depois da palavra todo depende, obvia­ mente, de admitir ou rejeitar o substantivo aquela determinação. Diremos, por exemplo: Todo o Brasil pensa assim. Todo Portugal pensa assim. por se construírem de modo diverso esses dois nomes geográficos. 3. Há casos, porém, que precisam de ser considerados particularmente. Assim: l.°) No plural, anteposto ou posposto ao substantivo, todos vem acompa­ nhado de artigo, a menos que haja um determinativo que o exclua: Conheceu todos os salões e todos os antros. (C. Castelo Branco, OS, II, 302.) ARTIGO Os discípulos amavam-na, prontos a todos os obséquios. (A. Ribeiro, CRG, 100.) Iam-se-me as esperanças todas; terminava a carreira política. (Machado de Assis, OC, 1,536.) Mas: Todos estes costumes vão desaparecer. (R. Brandão, P, 165.) Todos esses dons do meu amigo ficarão perdidos para sempre. (A. R Schmidt, AP, 98.) 2 . °) Não se usa o artigo antes do numeral em aposição a todos: Vi-os felizes a todos quatro. (Machado de Assis, OC, 1,1126.) Elas são, todas duas, minhas irmãs que eu ajudei a criar. (R. M. R de Andrade, V, 67.) Se, no entanto, o substantivo estiver claro, o artigo é de regra: Vi-os felizes a todos os quatro meninos. Todas as duas irmãs eu ajudei a criar. 3. °) No SINGULAR, todo: a) virá acompanhado de artigo, quando indicar a totalidade das partes: Toda a praia é um único grito de ansiedade. (Alves Redol, PM, 306.) Esteia assistiu à lição toda, com a paciência da curiosidade. (Machado de Assis, OC, 1,373.) b) poderá vir ou não acompanhado de artigo quando exprimir a totalidade numérica: Falava bem como todo francês. (G. Amado, PP, 168.) 245 246 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O — Verdade, a atribuição é lógica: todo o homem é bicho, embora nem todo o bicho seja homem. (A. Ribeiro, AFPB, 33.) Neste último caso é obrigatória a sua anteposição ao substantivo. O bservação: Advirta-se que o uso do artigo neste último caso é muito mais frequente na língua contemporânea de Portugal do que na do Brasil, onde, no ensino médio, de um modo geral, os professores procuram estabelecer uma distinção entre todo “qualquer”, “cada” e todo o “inteiro”, “total”, pelo modelo: Toda casa |= qualquer casa] cedo ou tarde precisa de reforma. Toda a casa [= a casa inteira] foi reformada. 4.°) Anteposto ao artigo indefinido, todo significa “inteiro”, “completo”: Para conseguir o seu intento cobriu de ridículo toda uma geração, e lançou as bases de toda uma remodelação social. (G. Amado, TL, 29.) Pelo chão, pelos sofás, alastrava-se toda uma literatura em rumas de volumes graves. (Eça de Queirós, OF, II, 71.) 5.°) Quando todo (ou toda) está empregado com força adverbial, não admite naturalmente o acompanhamento do artigo: Todo barbeado de fresco, as cordoveias do pescoço luziam-lhe grossas como calabres. (A. Ribeiro, CRG, 228.) Vi então um homem todo amarrado de cordas a carregar uma cruz, com outro de chicote na mão batendo nele. (J. Rins de Rego, MVA, 13.) 6 .°) Em numerosas locuções do português contemporâneo, todo (ou toda) vem seguido de artigo. Entre outras, mencionam-se as seguintes: a todo o custo a todo o galope a todo o instante a todo o momento em todo o caso a toda a brida a toda a hora a toda a pressa em toda a parte por toda a parte ARTIGO Observação: Quanto a outros valores e empregos do indefinido todo, veja-se p. 380-1. REPETIÇÃO DO ARTIGO DEFINIDO C o m s u b s ta n tiv o s 1. Quando empregado antes do primeiro substantivo de uma série, o artigo deve anteceder os substantivos seguintes, ainda que sejam todos do mesmo gênero e do mesmo número: Cantava para os anjos, para os presos, para os vivos e para os mortos. (J. Lins do Rego, MVA, 347.) Para ganhar o céu, vendeste a ira, a luxúria, A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza. (Olavo Bilac, T, 239.) Depois, a iniciação, a mudança de traje, o banho, o perfume, a visi­ ta de belos cavalheiros, o primeiro café, o licor, a queda e algumas lágrimas. (J. de Araújo Correia, FX, 93.) 2. Mas a alternância de sequências com artigo e sem ele pode, em certos casos, apresentar efeitos estilísticos apreciáveis: Não viram sumo bem ao derredor, Mas sim o mal, a tentação, o crime, Orgulho, humilhações, remorso e dor. (A. Corrêa d’01iveira, VSVA, 213.) Observação: Não se repete, porém, o artigo: a) quando o segundo substantivo designa o mesmo ser ou a mesma coisa que o primeiro: Presenteou-me este livro o compadre e amigo Carlos. A fruta-de-conde, ou ata, é deliciosa. b) quando, no pensamento, os substantivos se representam como um todo estrei­ tamente unido: 247 248 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O estudo [do folclore] era necessitado pela existência das histórias, contos de fadas, fábulas, apólogos, superstições, provérbios, poesia e mitos recolhidos da tradição oral. (J. Ribeiro, Fl, 6.) C o m a d je tiv o s 1. Repete-se o artigo antes de dois adjetivos unidos por uma das conjunções e e ou quando os adjetivos acentuam qualidades opostas de um mesmo substantivo: Conhecia o novo e o velho Testamento. A boa ou a má fortuna não o alteraram. 2. Não se repete, porém, o artigo se os dois adjetivos ligados pelas conjunções e, ou (e mas) se aplicam a um substantivo com o qual formam um conceito único: Mas por que não lhe telefona logo à noite, por que não recomeçam a velha e quase esquecida amizade? (A. Abelaira, D, 22.) Esqueceu que já não tinha mais a sua tristonha mas bela solidão. (É. Veríssimo, LS, 148.) 3. Se os adjetivos não vêm unidos pelas conjunções e e ou, deve-se repetir o artigo. Tal construção empresta ao enunciado ênfase particular: Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar. (Machado de Assis, OC, 1,867.) É o povo, o verdadeiro, o nobre, o austero povo português. (A. F. Schmidt, F, 102.) 4. Se um mesmo substantivo vem qualificado por uma série de superlativos relativos, deve-se antepor o artigo a cada membro da série: Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente Destes sujeitos é precisamente O mais triste, o mais pálido, o mais feio. (E. da Cunha, OC, 1,659.) ARTIGO 249 Vi pela primeira vez a Eleita de minlialma, a grande Flor subtil, inigualável alma, A Maior, a mais Bela, a mais Amada, a Única! (E. de Castro, OP, 1,30.) OMISSÃO DO ARTIGO DEFINIDO Do que foi estudado nas páginas anteriores, verificamos que o artigo definido limita sempre a noção expressa pelo substantivo. 1. O seu emprego é, pois, evitado em certos casos: 1. °) Quando o gênero e o número do substantivo já estão claramente determi­ nados por outras classes de palavras (pronomes demonstrativos, numerais, etc.). Assim, diremos: Na revolução de 17 muito sofrera este padre. (J. Lins do Rego, M \A, 281.) Antes, ainda no automóvel, Ramiro achara duas novas pérolas. (A. Abelaira, D, 121.) 2. °) Quando queremos indicar a noção expressa pelo substantivo de um modo geral, isto é, na plena extensão do seu significado. Comparem-se, por exemplo, estas três frases: Foi acusado do crime [acusação precisa]. Foi acusado de um crime [acusação vaga]. Foi acusado de crime [acusação mais vaga ainda]. 3. °) Quando, nas enumerações, pretendemos obter um efeito: a) de acumulação: Samuel, a princípio com relutância, depois com fúria, finalmente com resignação, pôs-se a morder e a mastigar tudo: lápis, borrachas, pedacinhos de pau, gomos de cana-de-açúcar. (C. Drummond de Andrade, CA, 143-144.) b) de dispersão: Volteiam dentro de mim, Em rodopio, em novelos, 250 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Milagres, uivos, castelos, Forças de luz, pesadelos, Altas torres de marfim. (M. de Sá-Carneiro, P, 75.) O bservação: No exemplo acima, o poeta português M. de Sá-Carneiro procura conjugar num sentido superior (o tema da “incoerência1*ou “dispersão”) coisas apresentadas em série desconexa. Trata-se de um caso da chamada enumeração caótica, recurso estilístico de alto efeito expressivo em alguns escritores modernos. Leia-se a propósito Leo Spitzer. La enumeraríón caótica en la poesia moderna. Trad. de Raimundo Lida, Buenos Aires, Instituto de Filologia, 1945. 2. Além desses casos gerais e de outros particulares, anteriormente examinados, omite-se o artigo definido: a) nos vo cativos: Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera! (C. de Abreu, 0 , 94.) b) nos apostos que indicam simples apreciação: Tardes da minha terra, doce encanto, Tardes duma pureza de açucenas. (F. Espanca, S, 35.) c) antes de palavras que designam matéria de estudo, empregadas com os verbos aprender, estudar, cursar, ensinar e sinônimos: Aprender inglês. Cursar direito. Estudar latim. Ensinar geometria. d) antes das palavras tempo, ocasião, motivo, permissão, força, valor, ânimo (para alguma coisa), complementos dos verbos ter, dar, pedir e seus sinônimos: Não houve tempo para descanso. Não dei motivo à crítica. Pedimos permissão para sair. Não tive ânimo para viajar. ARTIGO EMPREGO DO ARTIGO INDEFINIDO O artigo indefinido provém do numeral latino unus, una, unum , que exprime a unidade. Esse valor numeral, embora enfraquecido em “um certo”, transpare­ ce ainda hoje nos diversos empregos das formas do singular (um, uma), principalmente no mais comum deles, qual seja, o de apresentar o ser ou o objeto expresso pelo substantivo de maneira imprecisa, indeterminada ou desconhecida. Desse valor fundamental decorrem certos empregos particulares do artigo indefinido, alguns dos quais devem ser conhecidos. C o m o s s u b s ta n tiv o s c o m u n s 1. O artigo indefinido — já o dissemos — serve principalmente para a apre­ sentação de um ser ou de um objeto ainda não conhecido do ouvinte ou do leitor. Retomemos o exemplo de A. Amoroso Lima anteriormente citado: Pouco depois, atraído também pelo espetáculo, foi chegando um caboclinho magro, com uma taquara na mão. (AA, 40.) Uma vez apresentados o ser e o objeto, não há mais razão para o emprego do artigo indefinido, e o escritor ou o locutor deverá usar daí por diante o artigo definido. É o que se observa na continuação do texto em causa: Pupilas acesas vinham espiar entre as árvores, como que também atraídas pela melodia da taquara do caboclinho. (Ibid.) 2. Para se precisar a classe ou a espécie de um substantivo já determinado por artigo definido, costuma-se repeti-lo, na aposição, com o artigo indefinido: Ele sentia o cheiro do impermeável dela: um cheiro doce de fruta madura. (É. Veríssimo, LS, 140.) A chuva continuava, uma chuva mansa e igual, quase lenta, sem interesse em tombar. (M. J. de Carvalho, AV, 153.) 251 252 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 3. Por sua força generalizadora, o artigo indefinido pode atribuir a um subs­ tantivo no singular a representação de toda a espécie: — Aquele, digo-vos eu, aquele é um homem. (Branquinho da Fonseca, MS, 165.) Uma mulher não gosta de profissão nenhuma. Uma mulher só gosta sinceramente de duas coisas: casar e ter filhos. (I. Losa,E O , 106.) 4. A anteposição do plural uns, umas, a cardinais é a forma preferida do idioma para indicar a aproximação numérica: O sítio em que nos instalamos ficava a uns oito quilômetros de Barbacena, pela estrada que vai para Remédios. (R. M. F. de Andrade, V, 119.) Teria, quando muito, uns doze anos. (U. Tavares Rodrigues, PC, 168.) Com o mesmo sentido aparece a forma singular uma antes da fracionária meia: Decorreu uma boa meia-hora. (J. de Alencar, OC, II, 569.) Indaguei de Virgília, depois ficamos a conversar uma meia hora. (Machado de Assis, OC, 1,507.) 5. Antes dos nomes de partes do corpo ou de objetos que se consideram aos pares, usa-se o plural do artigo indefinido para designar um só par: Ao parar nos últimos degraus da escada para conversar com alguém que conhecia, dei com uns pés enormes ao nível de meus olhos. (A. M. Machado, HR, 146.) Trazia uns sapatos rasos, uns olhos verdes. (A. Abelaira, CF, 207.) O b serva çã o: O artigo indefinido aparece com acentuado valor intensivo em certas frases da linguagem coloquial caracterizadas por uma entoação particular: ARTIGO Ela é de uma candura!... Tens umas ideias!... A suspensão final da voz faz subentender um adjetivo denotador de qualidade ou defeito de caráter excepcional. Equivale a dizer-se: Ela é de uma candura admirável (ou comovente). Tens umas ideias estapafúrdias (ou ótimas). Ressalte-se que a força intensiva do indefinido permite que se complete a estrutura consecutiva com o aparecimento de uma oração iniciada por que. Ela é de uma candura, que comove. Entenda-se: Ela é de uma candura tal, que comove. C o m o s n o m e s p ró p rio s 1. Emprega-se o artigo indefinido antes de um nome de pessoa: a) para acentuar a semelhança ou a conformidade de alguém com um vulto ou um personagem célebre, caso em que o nome próprio passa a ser um nome comum: Papai era um Quixote. (C. dos Anjos, MS, 298.) — É uma Ofélia, mas, depravada... (J. de Araújo Correia, FX, 128.) b) para indicar ser o indivíduo verdadeiro símbolo de uma espécie: A fortuna, toda nossa, é que não temos um Kant. (J. Ribeiro, F, 36.) Nazaré merecia bem um Cézaime ou outro grande pintor a rondarlhe os sítios, a pintar-lhe os tipos. (A. F. Schmidt, F, 103.) c) para designar um indivíduo pertencente a determinada família: 253 254 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O José Bonifácio era um Andrada. D. Pedro I do Brasil, que foi D. Pedro IV de Portugal, era um Bragança d) para evocar aspectos geralmente imprevistos de uma pessoa: Apesar disso tudo, um Joaquim risonho, a satisfação em pessoa. (Genolino Amado, RP, 115.) Raul Brandão, nas Memórias, evocou um Fialho torturado, através do estilo imprevisto, “escorrendo sangue, aflição, miséria”. (J. do Prado Coelho, PHL, 247.) e) para designar obras de um artista (geralmente quadros de um pintor): Também disse, é verdade, como era necessário aprender a distinguir o fado de uma sinfonia, um Picasso de um calendário. (V. Ferreira, A, 28.) 2. Como o artigo definido, o indefinido pode acompanhar os nomes geográficos, se qualificados: Mais tarde, haveria de ouvir-lhe pessoalmente a sua visão dum Egeu de deuses vivos. (L. Forjaz Trigueiros, ME, 269.) Numa Europa mecanizada, a Espanha surge-nos intemporal. (U. Tavares Rodrigues, JE, 21.) OMISSÃO DO ARTIGO INDEFINIDO Apesar de sua generalização crescente, há circunstâncias que, ainda hoje, pedem ou favorecem a omissão do artigo indefinido. Assim: 1. °) A existência de outro elemento determinativo anteposto ao nome, como, por exemplo, uma forma de identidade ou de comparação: De você não esperava semelhante gesto. Não é possível pior exemplo do que esse. 2. °) O fato de um substantivo ser empregado no singular para exprimir não a ideia de unidade, mas uma noção partitiva, ou para designar toda a espécie ou categoria a que pertence: ARTIGO A grande parte do público irritou a cena. Amigo fiel e prudente é melhor que parente. O bservação: Não existe propriamente omissão do artigo indefinido, mas casos onde ele nunca se empregou de forma regular. Na fase primitiva das línguas românicas, o artigo indefinido era de uso restrito. Com o correr do tempo, esse determinativo foi-se introduzindo em numerosas construções e, hoje, os variados matizes do seu emprego constituem uma inestimável riqueza estilística de todas elas. Contra essa generalização e valorização progressiva do indefinido se manifes­ taram sempre os nossos gramáticos, que nela veem uma simples e desnecessária influência do francês, onde, em verdade, poucas são atualmente as interdições ao uso do determinativo em causa. Mas tal guerra se tem revelado inútil, e inútil pre­ cisamente porque não se trata, no caso, de um mero galicismo extirpável, e sim de uma tendência geral dos idiomas neolatinos em busca de formas mais expressivas, de maior clareza e vigor para o enunciado. E m e x p re s s õ e s d e id e n tid a d e 1. Evita-se, em geral, empregar o artigo indefinido quando já existe, anteposto ao substantivo, um dos pronomes demonstrativos igual, semelhante e tal; ou um dos indefinidos certo, outro, qualquer e tanto: Certo amigo meu já usou de igual argumento. Em outra circunstância eu aprovaria semelhante atitude. Se continuares com tal inapetência e com tanta febre, podes tomar o remédio a qualquer hora. 2. Advirta-se, porém, que algumas dessas formas, quando pospostas a um substantivo, passam a ser adjetivos, caso em que se constroem normalmente com artigo indefinido: Ele disse uma coisa certa. Quero um livro igual a esse. Uma hora qualquer irei vê-lo. Tens um modo semelhante de falar. Costuma-se, no entanto, calar o artigo indefinido, quando a frase é negativa ou interrogativa: 255 256 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Nunca li coisa igual. Jamais se ouviu barbaridade tal! Já viste trejeitos semelhantes? E m e x p re s s õ e s c o m p a ra tiv a s 1. Em princípio, as fórmulas comparativas podem admitir a exclusão do artigo indefinido. É o caso: a) dos comparativos de igualdade formados com tão ou tanto: Nunca passei por lugar tão perigoso como aquele. Trabalhava com tanto cuidado como o pai. b) dos comparativos de superioridade ou de inferioridade, principalmente quando expressos sob a forma negativa ou interrogativa: Não encontrarias melhor amigo nesta emergência. Conseguiste maior renda este mês? 2 . É dispensável também o artigo indefinido em comparações do tipo: Qual furacão, revolveu tudo. Bailava como nume da floresta. E m e x p re s s õ e s d e q u a n tid a d e Costuma-se evitar o artigo indefinido antes de expressões denotadoras de quantidade indeterminada, constituídas seja por substantivos (como: coisa, gente, infinidade, multidão, número, parte, pessoa, porção, quantia, quantidade, soma e equivalentes), seja por adjetivos (como: escasso, excessivo, suficiente e sinônimos): Havia grande número de pessoas no casamento. Reservou para si boa parte do lucro. Disponho de escasso capital para o empreendimento. Não há suficiente espaço para o móvel. O bservação: A presença do numeral fracionário meio exclui normalmente a do artigo in­ definido: Comprou meio quilo de pão. Tomou meia dose do remédio. ARTIGO Mas, como vimos, o feminino meia constrói-se com o indefinido nas designa­ ções de quantidade aproximada. E também pode admiti-lo quando forma com o substantivo uma unidade de uso corrente: Só tenho uma meia libra. No caso, basta um a meia-palavra sua. C o m s u b s ta n tiv o d e n o ta d o r d a e s p é c ie Quando um substantivo no singular é concebido sob o aspecto de categoria de espécie, e não sob o de unidade, pode-se calar o artigo indefinido. Esta omissão aparece frequentemente em provérbios: Cão ladrador nunca é bom caçador. Espada na mão de sandeu, perigo de quem lha deu. Advirta-se que, na língua de nossos dias, esta construção é mais frequente no Brasil do que em Portugal. Comparem-se estes exemplos: Criança tem amigos e inimigos. (G. Amado, HM7,8.) — Noivo não se deixa na solta. (J. Lins do Rego, MVA, 270.) Vida não tem adjetivo. (C. Lispector, SV , 18.) O u tro s c a so s d e o m is s ã o d o a rtig o in d e fin id o Além dos casos mencionados, a língua portuguesa admite a omissão do artigo indefinido em muitos outros. Como o artigo definido, ele pode faltar: a) nas enumerações: Desde aí, os campos-santos não cessaram de recolher os mortos meus: avô, tios, amigos de infância, companheiros queridos — a lista é aterradora... (A. F. Schmidt, GB, 151.) Casas, árvores, nuvens desagregavam-se numa melancólica paisagem de Outono. (F. Namora, TJ, 232.) 257 258 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b) nos apostos: Meu pai, homem de boa família, possuía fortuna grossa, como não ignoram. (G. Ramos, AOH, 28.) Chega, hoje, aqui o meu amigo Costa Cabral, filho do Conde de To­ mar, meu antigo condiscípulo em Coimbra e no Laranjo. (A. Nobre, C/, 74.) E sempre que a clareza ou a ênfase não o exigirem. Capítulo 10 Adjetivo O a d je t iv o é essencialmente um modificador do substantivo. Serve: 1. °) para caracterizar os seres, os objetos ou as noções nomeadas pelo subs­ tantivo, indicando-lhes: a) uma qualidade (ou defeito): inteligência lúcida homem perverso b) o modo de ser: pessoa simples rapaz delicado c) o aspecto ou aparência: céu azul vidro fosco d) o estado: casa arruinada laranjeira florida 2. °) para estabelecer com o substantivo uma relação de tempo, de espaço, de matéria, de finalidade, de propriedade, de procedência, etc. ( adietivo de relação ): nota mensal movimento estudantil casa paterna vinho português (= nota relativa ao mês) (= movimento feito por estudantes) (= casa onde habitam os pais) (= vinho proveniente de Portugal) 260 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Os adjetivos de relação, derivados de substantivos, são de natureza classificatória, ou seja, precisam o conceito expresso pelo substantivo, restringindo-lhe, pois, a extensão do significado. Não admitem graus de intensidade e vêm normalmente pospostos ao substantivo. A sua anteposição, no caso, provoca uma valorização de sentido muito sensível. NOME SUBSTANTIVO E NOME ADJETIVO muito estreita a relação entre o substantivo (termo determinado) e o adjetivo (termo determinante). Não raro, há uma única forma para as duas classes de palavras e, nesse caso, a distinção só poderá ser feita na frase. Comparem-se, por exemplo: É Uma preta velha vendia laranjas. Uma velha preta vendia laranjas. Na primeira oração, preta é substantivo, porque é a palavra-núcleo, carac­ terizada por velha, que, por sua vez, é adjetivo na medida em que é a palavra caracterizadora do termo-núcleo. Na segunda oração, ao contrário, velha é substantivo e preta adjetivo. Como vemos, a subdivisão dos nomes portugueses em substantivos e adje­ tivos obedece a um critério basicamente sintático, funcional. SUBSTANTIVAÇÃO DO ADJETIVO Sempre que a qualidade referida a um ser, objeto ou noção for concebida com grande independência, o adjetivo que a representa deixará de ser um ter­ mo subordinado para tornar-se o termo nuclear do sintagma nominal. Dá-se, então, o que se chama su bstan tiva ção d o a d je t iv o , fato que se exprime, gramaticalmente, pela anteposição de um determinativo (em geral, do artigo) ao adjetivo. 1 Comparem-se, por exemplo, estas orações: O céu cinzento indica chuva. O cinzento do céu indica chuva. Na primeira, cinzento é adjetivo; na segunda, substantivo. 1 Veja-se o que a respeito dissemos no capítulo 9. ADJETIVO SUBSTITUTOS DO ADJETIVO 1. Palavras ou expressões de outra classe gramatical podem também servir para caracterizar o substantivo, ficando a ele subordinadas na frase. Valem, portanto, por verdadeiros adjetivos, semântica e sintaticamente falando. Costuma-se, por exemplo, com tal finalidade: a) associar ao substantivo principal outro substantivo em forma de aposto: O tio Joaquim b ) e m p r e g a r lo c u ç õ e s f o r m a d a s q u e r d e Moça cabeça de vento preposição + substantivo : barco a vela (= veleiro ) coração de anjo (= angélico) indivíduo sem coragem (= medroso) q u er de preposição + advérbio : jornal de hoje (= hodierno) patas de trás (= traseiras) c) substituir o adjetivo por um substantivo abstrato, que passa a ter como complemento nominal o antigo substantivo nuclear. Comparem-se, por exemplo, estas frases: Sofreu o destino cruel. Sofreu a crueldade do destino. 2. A caracterização do substantivo pode fazer-se ainda por meio de uma oração: a) seja desenvolvida (quando encabeçada por pronome relativo): Susana, que não se sentia bem, estava de cama. (M. Torga, V, 178.) Há homens que não acham nunca a sua expressão. (G. Amado, TI, 9.) b) seja reduzida: Jorge via a dor andando no corpo, a febre queimando, o pai já apo­ drecia por dentro. (Adonias Filho, IP, 53.) 261 262 N OV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Surge ao longe um bananal, osdlando suas folhas tostadas de vento frio. (A. M. Machado, HR, 73.) MORFOLOGIA DOS ADJETIVOS Poucos são os adjetivos que podemos considerar prim itivos , o u seja, “que designam por si mesmos uma qualidade, sem referência a uma substância ou ação que a representem”2. É, por exemplo, o caso de, entre outros, brando, claro, curto, grande, largo, liso, livre, triste e de boa parte dos adjetivos referentes a cor: azul, branco, preto, verde, etc. A maioria dos adjetivos é constituída por aqueles que derivam de um subs­ tantivo ou de um verbo, com os quais continuam a relacionar-se do ponto de vista semântico .3 ADJETIVOS PÁTRIOS Entre os adjetivos derivados de substantivos cumpre salientar os que se refe­ rem a continentes, países, regiões, províncias, estados, cidades, vilas e povoados, bem como aqueles que se aplicam a raças e povos. Os primeiros chamam-se pátrios ; os segundos, gentílicos , denominações estas que foram omitidas na Nomenclatura Gramatical Brasileira e na Nomenclatura Gramatical Portuguesa, mas que nos parecem necessárias. PÁTRIOS BRASILEIROS R eferentes ao pais e aos estados : Brasil - brasileiro, -a Acre - acriano, -a Alagoas - alagoano, -a Amazonas - amazonense (m. e f.) Bahia - baiano, -a Ceará - cearense (m. e f.) Espírito Santo - espírito-santense (m. e f.) Goiás -goiano, -a Maranhão - maranhense (m. e f.) Mato Grosso - mato-grossense (m. e f.) Mato Grosso do Sul - mato-grossense-do-sul (m. e f.) Minas Gerais - mineiro, -a Pará - paraense (m. e f.) Paraíba - paraibano, -a Paraná - paranaense (m. e f.) Pernambuco - pernambucano, -a 1 Gonzalo Sobejano. El epíteto en la lírica espanola. 2.“ ed. Madrid, Gredos. 1970, p. 83. 3 Quanto aos sufixos que entram na formação destes adjetivos, veja-se o que dissemos no capítulo 6, p. 112-3. ADJETIVO Piauí - piauiense (m. e f.) Rio de Janeiro - fluminense (m. e f.) Rio Grande do Norte - norte-rio-grandense (m. e f.) Rio Grande do Sul - sul-rio-grandense (m. ef.) Rondônia - rondoniano, -a Santa Catarina - catarinense (m. e f.) São Paulo - paulista (m. e f.) Sergipe - sergipano, -a PÁTRIOS PORTUGUESES R eferentes ao país e a algumas regiões : Portugal - português, -a Alentejo - alentejano, -a Algarve - algarvio, -a Beira - beirão, -oa Douro - duriense (m. e f.) Estremadura - estremenho, -a Minho - minhoto, -a Ribatejo - ribatejano, -a Trás-os-Montes - trasmontano, -a ou transmontano, -a PÁTRIOS AFRICANOS Angola - angolano, -a Cabo Verde - cabo-verdiano, -a Guiné-Bissau -guineense (m. e f.) Moçambique - moçambicano, -a São Tomé - são-tomeense ou são-tomense (m. e f.) Observações: 1.8) Além de brasileiro, que é o pátrio normal, há as formas alatinadas, de emprego mais raro: brasiliano, brasílico e brasiliense. Sirvam de exemplo: Coleção Brasiliana, da Companhia Editora Nacional; Corografia Brasílica, livro de Aires do Casal; Correio Brasiliense, nome do célebre jornal de Hipólito José da Costa. 2.a) Fluminense é derivado do latim flumen,fluminis “rio”. 3.8) Chamamos também rio-grandense-do-norte e rio-grandense-do-sulos naturais dos Estados do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do Sul, mais conhecidos pelas alcunhas coletivas de potiguar e gaúcho, que normalmente não têm, como outras, valor pejorativo. ADJETIVOS PÁTRIOS COMPOSTOS Quando dizemos: a civilização portuguesa 263 264 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O referimo-nos à civilização própria do povo português. Se, no entanto, quiser­ mos indicar aquela civilização que é comum ao povo português e ao brasileiro, diremos: a civilização luso-brasileira assumindo o primeiro adjetivo uma forma alatinada e reduzida. Entre as formas alatinadas e reduzidas que se empregam como primeiro elemento desses pátrios compostos, as mais frequentes são: anglo (= inglês) austro (= austríaco) euro (= europeu) franco (= francês) greco (= grego) hispano (= hispânico, espanhol) indo (= indiano) ítalo (= italiano) galaico (= galego) luso (= lusitano, português) nipo (= nipônico, japonês) sino (= chinês) teuto (= teutônico, alemão) Amizade anglo-americana Império austro-húngaro Relações euro-africanas Falares franco-provençais Antiguidade greco-romana Literatura hispano-americana Línguas indo-europeias Atlas ítalo-suíço Trovadores galaico-portugueses Glossário luso-asiático Comércio nipo-brasileiro Guerra sino-japonesa Ginásio teuto-brasileiro Observação: Hispano e hispânico, embora usados frequentemente como sinônimos de espa­ nhol (isto é, relativo à Espanha, país), são, em verdade, equivalentes de ibérico, pois se referem à Hispania, nome que os romanos davam à província que abarcava toda a Península Ibérica. FLEXÕES DOS ADJETIVOS Como os substantivos, os adjetivos podem flexionar-se em n ú m ero , g ên ero e GRAU. NÚMERO O a d je tiv o to m a a f o r m a aluno estudioso mulher hindu perfume francês s in g u l a r ou plu r a l d o s u b s ta n tiv o q u e ele q u a lific a : alunos estudiosos mulheres hindus perfumes franceses ADJETIVO P lu r a l d o s a d je tiv o s s im p le s Na formação do plural, os adjetivos simples seguem as mesmas regras a que obedecem os substantivos. P lu r a l d o s a d je t iv o s c o m p o sto s Nos adjetivos compostos, apenas o último elemento recebe a forma de plural: consultórios médico-cirúrgicos institutos afro-asiáticos letras anglo-germânicas O bservação: Excetuam-se: a) surdo-mudo., que faz surdos-mudos; b) os adjetivos referentes a cores, que são invariáveis quando o segundo elemento da composição é um substantivo: uniformes verde-oliva saias azul-ferrete canários amarelo-ouro blusas vermelho-sangue GÊNERO O s u b s ta n tiv o te m s e m p r e u m gênero , o q u e n ã o s u c e d e c o m o a d je tiv o , q u e a s s u m e o g ê n e r o d o s u b s ta n tiv o . Do ponto de vista morfológico, o único traço que, na verdade, singulariza o adjetivo como uma parte do discurso diversa das demais é o de poder, na maioria das vezes, apresentar duas terminações de gênero, sem que, com isso, seja uma palavra de gênero determinado e sem que o conceito por ele designado corresponda a um gênero real. Observação: Assinale-se que mesmo os adjetivos uniformes, quando no superlativo absoluto sintético, passam a apresentar os morfemas de gênero -o, -a. Assim: um exercício fácil uma questão fácil o momento feliz a solução feliz um exercício facílimo uma questão facílima o momento felicíssimo a solução felicíssima 265 266 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O F o rm a ç ã o d o fe m in in o 1. Como dissemos, os adjetivos são geralmente b i f o r m e s , isto formas, uma para o masculino e outra para o feminino: possuem duas F e m in in o M a s c u lin o bom boa m au má form oso form osa nu nua lindo linda português portuguesa M a s c u lin o 2. é, F em in in o O processo de formação do feminino destes adjetivos é idêntico ao dos substantivos. Assim: 1. °) Os terminados em -o átono formam o feminino mudando o -o em -a: belo bela ligeiro ligeira 2. °) Os terminados em -u, -ês e -or formam geralmente o feminino acres­ centando -a ao masculino: cru francês encantador crua francesa encantadora nu inglês morador nua inglesa moradora Excetuam-se, porém: a) dos finalizados em - u: os gentílicos hindu e zulu, que são invariáveis; b) dos finalizados em -ês: cortês, descortês, montês e pedrês, que são invariáveis; c) dos finalizados em -or: os comparativos melhor,pior, maior, menor, superior, inferior, interior, exterior, anterior, posterior, ulterior, citerior e, ainda, formas como multicor, incolor, sensabor e poucas mais, que são invariáveis; gerador, motor e outros terminados em -dor e - tor, que mudam estas sílabas em triz: geratriz, motriz, etc.; e um pequeno número que substitui -or por -eira: trabalhador, trabalhadeira, etc. 3. °) Os terminados em -ão formam o feminino em -ã ou em -ona: são sã chorão chorona Beirão, no entanto, iaz no feminino beiroa. 4. °) Os terminados em -eu (com e fechado) formam o feminino em -eia: ADJETIVO europeu hebreu europeia hebreia plebeu pigmeu plebeia pigmeia Excetuam-se judeu e sandeu, que fazem, respectivamente, judia e sandia. 5. °) Os terminados em -éu (com e aberto) formam o feminino em -oa: ilhéu ilhoa tabaréu tabaroa °) Alguns adjetivos que no masculino possuem o tônico fechado [o ], além de receberem a desinência -a, mudam o o fechado para aberto [o], no feminino: 6. brioso disposto briosa disposta formoso grosso formosa grossa Outros, porém, conservam no feminino o o fechado [o] do masculino: chocho fofo chocha fofa fosco oco fosca oca A d je t iv o s u n ifo r m e s Há adjetivos que têm uma só forma para os dois gêneros. São de regra u n i f o r m e s o s adjetivos: a) terminados em -a, muitos dos quais funcionam também como substantivos: hipócrita, homicida, indígena; asteca, celta, israelita, maia, persa; agrícola, silvícola, vinícola, cosmopolita, etc.; b) terminados em -e: árabe, breve, cafre, doce, humilde, terrestre, torpe, triste e c) d) e) f) g) muitos outros, entre os quais se incluem todos os formados com os sufixos -ense, -ante, -ente e -inte; cearense, constante, crescente, pedinte, etc.; terminados em -/: cordial, infiel, amável, pueril, ágil, reinol, azul, êxul, etc.; terminados em -ar e em -or (neste caso apenas os comparativos em - or): exemplar, ímpar, maior, superior, etc.; paroxítonos terminados em -s: reles, simples, etc; terminados em -z\ audaz, feliz, atroz, etc.; terminados em -m gráfico: virgem, ruim, comum, etc. O bservação: Fazem exceção: andaluz, fem. andaluza; bom, fem. boa; espanhol, fem. espanhola; e a maior parte dos terminados em -ês e -or. 267 268 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O F e m in in o d o s a d je tiv o s c o m p o sto s Nos ad jetiv o s forma feminina: com po stos, apenas o segundo elemento pode assumir a hispano-americana in te r v e n ç ã o médico-cirúrgica a lite r a tu r a um a A única exceção é su rd o -m u d o , que faz no feminino su rd a -m u d a : surdo-mudo c r ia n ç a surda-muda u m m e n in o um a GRAUS DO ADJETIVO A gradação pode ser expressa em português por processos sintáticos ou morfológicos. C o m p a ra tiv o e s u p e r la t iv o Dois são os graus do adjetivo: o comparativo e o superlativo . 1. O a) comparativo p o d e in d ic a r: q u e u m se r p o s s u i d e t e r m in a d a q u a lid a d e e m g r a u s u p e r io r , ig u a l o u in fe r io r a o u tr o : Pedro é mais estudioso do que Paulo. Álvaro é tão estudioso como [ou quanto] Pedro. Paulo é menos estudioso do que Álvaro. b ) q u e n u m m e s m o s e r d e t e r m in a d a q u a lid a d e é s u p e r io r , ig u a l o u in f e r io r a o u tr a q u e p o s s u i: Paulo é mais inteligente que estudioso. Pedro é tão inteligente quanto estudioso. Álvaro é menos inteligente do que estudioso. Daí a existência de u m co m pa r a tiv o de s u p e r io r id a d e , de rativo de igualdade e de u m comparativo de inferioridade . 2. O superlativo p o d e d e n o ta r : um co m pa­ ADJETIVO a) que um ser apresenta em elevado grau determinada qualidade ( superlativo absoluto ): Paulo é inteligentíssimo. Pedro é muito inteligente. b) que, em comparação à totalidade dos seres que apresentam a mesma quali­ dade, um se sobressai por possuí-la em grau maior ou menor que os demais ( superlativo relativo ): Carlos é o aluno mais estudioso do Colégio. João é o aluno menos estudioso do Colégio. No prim eiro exemplo, o segundo, de inferioridade . su per la tiv o relativo é de s u p e r io r id a d e ; no F o rm a ç ã o d o g ra u c o m p a ra tiv o 1. Forma-se o comparativo de superioridade antepondo-se o advérbio mais e pospondo-se a conjunção que ou do que ao adjetivo: Pedro é mais idoso do que Carlos. João é mais nervoso que desatento. 2. Forma-se o comparativo de igualdade antepondo-se o advérbio tão e pos­ pondo-se a conjunção como ou quanto ao adjetivo: Carlos é tão jovem como Álvaro. José é tão nervoso quanto desatento. 3. Forma-se o comparativo de inferioridade antepondo-se o advérbio menos e pospondo-se a conjunção que ou do que ao adjetivo: Paulo é menos idoso que Álvaro. João é menos nervoso do que desatento. F o rm a ç ã o d o g ra u s u p e r la t iv o Vimos que h á duas espécies de superlativo : absoluto e relativo . O superlativo absoluto p o d e ser: 269 270 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O a) b) sin tético , se e x p re s s o p o r u m a só p a la v r a (a d je tiv o + su fix o ): a m ic ís s im o a c é r r im o e s tu d io s ís s im o fa c ílim o tr is tís s im o s a lu b é r r im o analítico , se f o r m a d o c o m a a ju d a d e o u t r a p a la v ra , g e r a lm e n te u m a d ­ v é r b io i n d i c a d o r d e e x c e sso - muito, imensamente, extraordinariamente, excessivamente, grandemente, etc.: m u i to e s tu d io s o e x c e s s iv a m e n te fácil im e n s a m e n te tr is te e x t r a o r d i n a r ia m e n te s a lu b r e g r a n d e m e n te p r e ju d ic ia l e x c e p c io n a lm e n te c h e io Superlativo absoluto sintético 1. Forma-se pelo acréscimo ao adjetivo do sufixo -íssirno: fé rtil fe r tilís s im o o r ig in a l o r ig in a lís s im o v u lg a r v u lg a rís s im o Se o adjetivo terminar em vogal, esta desaparece ao aglutinar-se o sufixo: belíssimo lindíssimo tristíssimo b e lo lin d o tr is te 2. Muitas vezes o adjetivo, ao receber o sufixo -tssimo, reassume a primitiva forma latina. Assim: a) os adjetivos terminados em -ve/ formam o superlativo em -bilíssimo: am ável a m a b ilís s im o in d e lé v e l in d e le b ilís s im o te rrív e l te rr ib ilís s im o m óvel m o b ilís s im o v o lú v e l v o lu b ilís s im o b ) o s te r m in a d o s e m -z fa z e m o s u p e r la tiv o e m - císsitno: capaz c a p a c ís s im o feliz fe lic ís s im o a tr o z a tro c ís s im o ADJETIVO c) os terminados em vogal nasal (representada com -m gráfico) formam o superlativo em - níssimo: comum comuníssimo d) os terminados no ditongo -ão fazem o superlativo em -antssimo: pagão vão paganíssimo vaníssimo 3. Não raro a forma portuguesa do adjetivo difere sensivelmente da latina, da qual se deriva o superlativo. Assim: Norm al S u p e r l a t iv o N orm al S u p e r l a t iv o a m a rg o a m a r ís s im o m a g n íf ic o m a g n if ic e n t ís s im o a m ig o a m ic ís s im o m a lé fic o m a le f ic e n t ís s im o a n t ig o a n t iq u ís s im o m a lé v o lo m a le v o le n t ís s im o b e n é fic o b e n e f ic e n t ís s im o m iú d o m in u t ís s im o b e n é v o lo b e n e v o le n t ís s im o n o b re n o b ilís s im o c r is t ã o c r is t ia n ís s im o p esso al p e r s o n a lís s im o cru e l c r u d e lís s im o p ró d ig o p r o d ig a lís s im o do ce d u lc ís s im o s á b io s a p ie n t ís s im o fie l f id e lís s im o sag rad o s a c r a t ís s im o f r io f r ig id ís s im o s im p le s s im p lic ís s im o (o u g e ra l g e n e r a lís s im o in im ig o in im ic ís s im o s im p lís s im o ) s o b e rb o s u p e r b ís s im o 4. Também os superlativos em -imo e -rimo representam formações latinas. Com exclusão de facílimo, dificílimo e paupérrimo (superlativos de fácil, difícil e pobre), que pertencem à linguagem coloquial, são todos de uso literário e um tanto precioso. Anotem-se os seguintes: NORMAL S u p e r l a t iv o acre a c é r r im o c é le b re c e le b é r r im o h u m ild e h u m ílim o (o u N orm al m a g ro in t e g é r r im o liv r e lib é r r im o s a lu b r e s a lu b é r r im o m a c é r r im o (ou m a g r ís s im o ) n e g ro h u m ild ís s im o ) ín te g ro S u p e r l a t iv o n ig é r r im o (o u n e g r ís s im o ) p o b re p a u p é r r im o (o u p o b r ís s im o ) 271 272 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Em lu g ar das form as superlativas seriíssim o, necessariíssim o e o u tras sem elhantes, a língua atual prefere seríssim o, necessaríssim o, com u m só i. Outras formas de superlativo Pode-se também formar o superlativo com: a) o acréscimo de um prefixo ou de um pseudoprefixo, como arqui-, extra-, hiper-, super-, ultra-, etc. (arquimilionário, extrafino, hipersensível, superexaltado, ultrarrápido): Manuel Torres saiu-lhe ao encontro, prazenteiro, como ultraprazenteiro caminhava para ele o eclesiástico. (A. Ribeiro, V, 32.) b) a repetição do próprio adjetivo: É um Abril de pureza: — é lindo, lindo! (A. Patrício, P, 130.) A avó, que tem oitenta anos, está tão fraca e velhinha... Teve tantos desenganos: ficou branquinha, branquinha, com os desgostos humanos. — (O. Bilac, PI, 7.) c) uma comparação breve: — Isso é claro como água. (Castro Soromenho, TM, 101.) — Estava escuro como breu, e à distância de dez passos um vulto mal se via a negrejar. (A. Ribeiro, V, 393.) d) certas expressões fixas, como podre de rico [- riquíssimo], de mão cheia [= excelente, de grandes recursos técnicos], e outras semelhantes: A Zorilda era uma pianista de mão cheia. (H. Sales, DBFM, 120.) ADJETIVO Podre de rico! Nem sabe o que tem de seu! (V. Nemésio, NPM, 102.) e) o artigo definido, marcado por uma tonicidade e uma duração particular, em frases do tipo: Ela não é apenas uma excelente cantora, ela é a cantora [= a incom­ parável, a melhor de todas]. Diz-se, como vimos, de notoriedade este emprego do artigo. Superlativo relativo 1. O superlativo relativo é sempre analítico. O de superioridade forma-se pela anteposição do artigo definido ao com­ parativo de superioridade: Este aluno é o mais estudioso do Colégio. João foi o colega mais leal que conheci. O de inferioridade forma-se pela anteposição do artigo definido ao com­ parativo de inferioridade: Este aluno é o menos estudioso do Colégio. Jorge foi o colega menos leal que conheci. 2. O termo da comparação é expresso por um complemento nominal intro­ duzido pela preposição de (e também entre, em e sobre), ou por uma oração adjetiva restritiva, como nos exemplos mencionados. 3. O superlativo relativo denotador dos limites da possibilidade forma-se com a posposição da palavra possível ou uma expressão (ou oração) de sentido equivalente4: O arraial era o mais monótono possível, (Guimarães Rosa, S, 264.) 4 Sobre os diversos processos de intensificação do superlativo relativo no português con­ temporâneo, veja-se Maria Manuela Moreno de Oliveira. Processos de intensificação no português contemporâneo. Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1962, p. 191-202. 273 274 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Era a pessoa mais cortês deste mundo, e não deu corpo às suas aversões. (A. Ribeiro, V, 34.) Nos livros que eu lia estes todos eram os mais ricos que se conhecia. (Simões Lopes Neto, CGLS, 297.) O bservação: A função de superlativo relativo pode ser também desempenhada por um numeral ordinal ou por adjetivos que denotem posições extremas. Assim: Bartolomeu Dias foi o primeiro navegante que dobrou o cabo das Tormentas. O Amazonas é o principal rio do Brasil. C o m p a ra tiv o s e s u p e r la tiv o s a n ô m a lo s Quatro adjetivos - bom, mau, grande e pequeno - formam o comparativo e o superlativo de modo especial: A d j e t iv o C o m p a r a t iv o S u p e r l a t iv o de 5UPERIORIDADE A b so lu to RELATIVO bom m e lh o r ó t im o o m e lh o r m au p io r p é s s im o o p io r g ra n d e m a io r m á x im o o m a io r pequeno m enor m ín im o o m enor Observações: 1.a) Quando se compara a qualidade de dois seres, não se deve dizer m a is b o m , m ais m a u e m a is grande; e sim: m elhor, p io r e m a io r. Possível é, no entanto, usar as formas analíticas desses adjetivos quando se confrontam duas qualidades do mesmo ser: Ele foi mais mau do que desgraçado. Ele é bom e inteligente; mais bom do que inteligente. Em lugar de m e n o r usa-se também m a is p e q u e n o , que é a forma preferida em Portugal. 2. a) A par de ó tim o , péssim o, m á x im o e m ín im o , existem os superlativos absolutos regulares: b o n íssim o e m u ito bom , m a líssim o e m u ito m a u , g ra n d íssim o e m u ito grande, p e q u e n íssim o e m u ito p eq u en o . 3. a) G rande e p e q u e n o possuem dois superlativos: o m a io r ou o m á x im o e o m en o r ou o m ín im o . ADJETIVO 4.a) Alguns comparativos e superlativos não tèm forma normal usada: C o m p a r a t iv o S u p e r l a t iv o s u p e r io r s u p r e m o (o u s u m o ) in f e r io r ín fim o a n t e r io r — p o s t e r io r p ó stu m o u lt e r io r ú ltim o As formas superior e inferior, supremo (ou sumo) e ínfimo podem ser empregadas como comparativo e superlativo de alto e baixo, respectivamente. A d je t iv o s q u e n ã o se fle x io n a m e m g ra u Vimos que os chamados adjetivos de relação não se flexionam em grau. O mesmo se dá com os outros adjetivos de tipo classificatório, entre os quais se incluem os pertencentes às terminologias científicas, que se caracterizam por seu sentido específico, unívoco. Assim: a tm o s fé r ic o , m o r fo ló g ic o , o v íp a r o , r u m i ­ n a n te , s in c r ô n ic o , etc. Para que um adjetivo tenha comparativo e superlativo, é obviamente indis­ pensável que o seu sentido admita variação de intensidade. EMPREGO DO ADJETIVO F u n ç õ e s s in t á t ic a s d o a d je t iv o 5 A rigor, o adjetivo só existe referido a um substantivo. Conforme se estabe­ leça a relação entre os dois termos na frase, o adjetivo desempenhará as funções sintáticas de adjunto a d nom inal o u de predicativo . Adjetivo em função de adjunto adnominal Neste caso, o adietivo refere-se, s e m i n t e r m e d i á r i o , ao substantivo, a que pode vir posposto ou anteposto. Formam ambos um conjunto significativo, marcado pela u n i d a d e d e a c e n to e e n to a ç ã o e pela i d e n t i d a d e d e f u n ç ã o s in tá t ic a . 5 Sobre a sintaxe do adjetivo em português, veja-se o trabalho fundamental de João Malaca Casteleiro. Sintaxe transformacional do adjectivo: regência das construções completivas. Lisboa, INIC, 1981. 275 276 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Assim, no exemplo Seus olhos negros me encantam, o sujeito da oração é não apenas olhos, mas toda a unidade significativa e acentuai Seus olhos negros. É d e n t r o d e s te c o n j u n to q u e o acessória , p o r t a n t o s e c u n d á r ia , d e adjetivo d e s e m p e n h a r á a f u n ç ã o s in tá tic a a d jun to a d nom inal d o s u b s ta n tiv o olhos, n ú c le o d o s u je ito . Adjetivo em função predicativa Neste caso, a qualidade expressa pelo adjetivo transmite-se ao substantivo por intermédio de um verbo, que pode estar explícito ou implícito. Temos o adjetivo em função predicativa nas seguintes construções: 1. P redicativo do sujeito, com verbo de ligação explícito: A cidade parece encantada. (C. Drummond de Andrade, CM, 138.) Doce e brando era o seio de Jesus... (A. de Quental, SC, 57.) 2. P redicativo do sujeito, c o m v e rb o de ligação im p lícito : Misterioso e mau, o Urucanã. Traiçoeiro, aquele jeito inofensivo de correr macio entre os barrancos altos. (M. Palmério, VC, 27.) Estranho aquele casal. (J. Condé, TC, 33.) 3. P redicativo do objeto direto , c o m v e rb o n o c io n a l tra n sitiv o : Afasto-me para que ele não se sinta tolhido, quero-o livre. (L. Fagundes Telles, DA, 144.) Alguns julgaram-no inocente do crime assacado. (C. Castelo Branco, OS, 1,1127.) ADJETIVO 4. P redicativo do obieto indireto , c o m v e rb o n o c io n a l tra n sitiv o : Na escola a professora também lhe chama teimoso. (Alves Redol, C, 24.) A mulher, Juliana Gouveia, toma ar aborrecido e chama-lhe antipático. (C. dos Anjos, DR, 10.) 5. P redicativo do sujeito, c o m v erb o n o c io n a l in tra n sitiv o : A casa-grande respirava tranquila. (J. Lins do Rego, MVA, 275.) As palavras rolaram nítidas, desamparadas. (C. de Oliveira, AC, 10.) O m ar p a lp ita enorme. (A. F. Schmidt, GB, 411.) Nesta última construção, o tuada, uma noção adverbial. adjetivo encerra sempre, mais ou menos acen­ Diferença fundam ental: A d if e r e n ç a e m fu n ç ã o d e e n tre o predicativo l .° ) O p r im e ir o é integrante adjetivo e m fu n ç ã o d e adjunto adnom inal e o adjetivo b a s e ia -s e , p r in c ip a lm e n te e m d o is p o n to s : term o acessório d a o ra ç ã o , p a r te d e u m d e la ; o s e g u n d o é, p o r si p r ó p r io , u m term o essencial o u term o essencial d a o ra ç ã o . Se disséssemos, por exemplo: O campo é imenso, o adjetivo predicativo não poderia faltar, pois, sendo a oração não teria sentido. term o essencial , sem ele Se disséssemos, no entanto: O campo imenso está alagado, o a d je tiv o imenso se ria p a r te d o s u je ito , u m a d is p e n s á v e l q u a lific a ç ã o d o s u b s ta n ­ tiv o q u e lh e se rv e d e n ú c le o , u m term o , p o r c o n s e g u in te , acessório d a o ra ç ã o . 277 278 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2.°) A q u a lid a d e ex p ressa p o r u m a d je tiv o e m fu n ç ã o predicativa v e m m a rc a d a n o te m p o , e p o r e ssa re la ç ã o c r o n o ló g ic a e n t r e a q u a lid a d e e o se r é re s p o n s á v e l o v e r b o q u e lig a o a d je tiv o a o s u b s ta n tiv o . Comparem-se estas frases: O bom a l u n o e s tu d a . Ele está nervoso, mas era calmo. Na primeira, acrescentamos a noção de bom à de aluno sem termos em mente qualquer referência à ideia de tempo. Já, na segunda, as noções expressas pelos adjetivos nervoso e calmo são por nós atribuídas ao sujeito com a situação de tempo marcada pelo verbo: nervoso, no presente; calmo, no passado. Emprego adverbial do adjetivo 1. Examinemos as seguintes orações: O menino dorme tranquilo. A menina dorme tranquila. Os meninos dormem tranquilos. As meninas dormem tranquilas. Vemos que, nelas, o adjetivo em função predicativa concorda em gênero e número com o substantivo sujeito. Mas verificamos, por outro lado, que, servindo embora de predicativo do sujeito, com o qual concorda, o adjetivo modifica em todas elas a ação expressa pelo verbo e assume, de alguma forma, um valor também adverbial. Esse valor naturalmente será preponderante se, em lugar daquelas constru­ ções, usarmos as seguintes: O menino dorme tranquilamente. A menina dorme tranquilamente. Os meninos dormem tranquilamente. As meninas dormem tranquilamente. Aqui, a forma adverbial, invariável, impede a possibilidade de concordância, justamente o elo que prendia o adjetivo ao sujeito, e, com isso, faz aflorar com toda a nitidez o modo por que se processa a ação indicada pelo verbo dormir. 2. É esse e m p r e g o d o a d je tiv o e m p r e d ic a d o s v e r b o - n o m in a is , c o m v a lo r f r o n ­ te iriç o d e a d v é rb io , q u e n o s v a i e x p lic a r o fe n ô m e n o , h o je m u ito g e n e ra liz a d o , d a a d v e rb ia liz a ç ã o d e a d je tiv o s s e m o a c r é s c im o d o s u fix o -mente. ADJETIVO Por exemplo, nestas orações, D. Felismina sorriu amarelo. (Machado de Assis, OC, II, 519.) Tinham-se habituado a falar baixo. (C. de Oliveira, CD, 56.) as palavras amarelo e baixo são advérbios. Observação: Embora o adjetivo adverbializado deva permanecer invariável, não faltam abonações, mesmo em bons autores, de sua concordância com o sujeito da oração, fato justificável pela ampla zona de contacto existente, no caso, entre o adjetivo e o advérbio. O adjetivo meio, por exemplo, tornado advérbio quando modifica outro adjetivo, aparece não raro em concordância com um substantivo da oração: Estes homens rudes combatiam meios nus e desprezavam todas as precau­ ções de guerra. (A. Herculano, E, 93.) Maria necessitava de apoio, meia espantada, meia grata, deixou-se levar. (M. de Andrade, OI, 64.) V a lo r e s t ilís t ic o d o a d je t iv o Como elemento fundamental para a caracterização dos seres, o a d j e t i v o (ou qualquer expressão adjetiva) desempenha importante papel naquilo que falamos ou escrevemos. É ele que nos permite configurar os seres ou os objetos tal como a nossa inteligência os distingue, nomeando-lhes as peculiaridades objetivamente apreensíveis. Ex.: rapaz alto muro de pedra mesa redonda templo barroco É ele que nos permite expressar os seres e os objetos enriquecidos pelo que nossa imaginação e sensibilidade lhes atribui. Assim: moça exuberante caráter difícil estupenda paisagem ambiente acolhedor 279 280 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Portanto, quer para a precisão do enunciado, quer para a sua expressividade, o adjetivo impõe-se como termo imprescindível, mas a exigir de quem dele se utilize cuidados especiais, principalmente bom senso e bom gosto. C o lo c a ç ã o d o a d je tiv o a d ju n to a d n o m in a l 1. Sabemos que, na oração declarativa, prepondera a o r d e m d i r e t a , que corres­ ponde à sequência progressiva do enunciado lógico. Como elemento acessório da oração, o adjetivo em função de a d j u n t o a d n o m i n a l deverá, portanto, vir com maior frequência depois do substantivo que ele qualifica. 2. Mas sabemos, também, que ao nosso idioma não repugna a o r d e m chamada i n v e r s a , principalmente nas formas afetivas da linguagem, e que a anteposição de um termo é, de regra, uma forma de realçá-lo. 3. Podemos, então, estabelecer previamente que: a) sendo a sequência s u b s t a n t i v o + a d j e t i v o a predominante no enunciado lógico, deriva daí a noção de que o adjetivo posposto possui valor obje­ tivo: noite escura rapaz bom dia triste campos verdes b) sendo a sequência a d j e t i v o + s u b s t a n t i v o provocada pela ênfase dada ao qualificativo, decorre daí a noção de que, anteposto, o adjetivo assume um valor subjetivo: escura noite bom rapaz triste dia verdes campos Adjetivo posposto ao substantivo Colocam-se normalmente depois do substantivo: a) os adjetivos de natureza classificatória, como os técnicos e os de relação, que indicam uma categoria na espécie designada pelo substantivo: animal doméstico flor silvestre água mineral deputado estadual ADJETIVO b) os adjetivos que designam características muito salientes do substantivo, tais como forma, dimensão, cor e estado: terreno plano homem baixo calça preta mamoeiro carregado c) os adjetivos seguidos de um complemento nominal: um programa fádl de cumprir uma providência necessária ao ensino Adjetivo anteposto ao substantivo 1. De um modo constante, só se colocam antes do substantivo: a) os superlativos relativos: o melhor, o pior, o maior, o menor. O melhor meio de ganhar é poupar. O maior castigo da injúria é havê-la feito. b) certos adjetivos monossilábicos que formam com o substantivo expressões equivalentes a substantivos compostos: O pior cego é o que não quer ver. O menor descuido pode ser fatal. O mar palpita enorme. bom dia má hora c) adjetivos que nesta posição adquiriram sentido especial, como simples (= mero, só, único); comparem-se: Nessa ocasião ele era um simples escrevente [= um mero escrevente]. Este escritor tem um estilo simples [= um estilo não complexo]. 2. Afora esses casos, o adjetivo anteposto assume, em geral, um sentido figurado. Comparem-se, por exemplo: um grande homem [= grandeza figurada] um homem grande [= grandeza material] uma pobre mulher [= uma mulher infeliz] uma mulher pobre [= uma mulher sem recursos] 282 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O C o lo c a ç ã o d o e p ít e t o r e tó r ic o O cham ado a) epíteto retórico serv e: p a r a a c e n tu a r u m a p a r te d o s ig n ific a d o d o s u b s ta n tiv o c o m o q u a l se re la c io n a ( epíteto de natureza ), e, n e s te c a so , p o d e v ir p o s p o s t o o u a n t e p o s t o a o s u b s ta n tiv o , e m b o r a a p r im e ir a c o lo c a ç ã o s e ja a m a is f re q u e n te : a branca n e v e a n o ite escura b ) p a r a e x p r im ir u m a c o n h e c id a q u a lid a d e d is tin tiv a e in d iv id u a l d e u m n o m e p r ó p r i o ( epíteto característico ), caso em q u e v em s e m p re a n te p o s to ao s u b s ta n tiv o : o sábio Nestor a fiel Penélope A posposição do qualificativo, nesses exemplos, transformaria o epíteto característico num mero adjetivo classificatório. Observação: Encontrar o adjetivo preciso e colocá-lo adequadamente junto ao substantivo que qualifica é sempre uma operação artística. Com razão dizia o poeta Vicente Huidobro: “O adjetivo, quando não dá vida, mata.” A propósito, convém meditar nesta advertência de Samuel Gili y Gaya: “A pre­ ferência por uma ou outra posição [do adjetivo], quando as condições lógicas não exigem colocação fixa, é um elemento de caracterização de um estilo, sempre que esteja internamente vivida; ocorre não raro, porém, que apenas pelo afã de dar à lin­ guagem um matiz literário, próprio do estilo elevado e declamatório, alguns escritores principiantes, ou pouco sinceros, antepõem sistematicamente os adjetivos.” (Curso superior de sintaxis espahola, 5.a ed., Barcelona, Ediciones Spes, 1955, p. 195.) O u tra s f o r m a s d e r e a lc e d o a d je tiv o 1. Para realçar a caracterização do ser ou do objeto, costumam os escritores não só antepor o adjetivo ao substantivo, mas também: a) e s ta b e le c e r u m a p a u s a e n t r e o a d je tiv o e o s u b s ta n tiv o , o q u e se m a r c a , n a e s c rita , p e la c o lo c a ç ã o d o a d je tiv o e n t r e v írg u la s : A 15 de novembro Floriano Peixoto, doente, deixou o governo. (G. Ramos, AOH, 183.) ADJETIVO E o Negrinho, sarado e risonho, pulando de em pelo e sem rédeas, no baio, chupou o beiço e tocou a tropilha a galope. (Simões Lopes Neto, CGLS, 334.) b) repetir intencionalmente o adjetivo, que é, como vimos, uma das formas de superlativá-lo: Por teus olhos negros, negros Trago eu negro o coração (Almeida Garrett, O, II, 127.) Oh que duro, duro, duro ofício de se exprimir! (C. Drummond de Andrade, R, 160.) c) separar o adjetivo do substantivo, colocando-o no fim da frase: D. Quitéria levou a mão ao bolso, pensativa. (F. Namora, T/, 215.) Baleia ficou passeando na calçada, olhando a rua, inquieta. (G. Ramos, V 5,109.) d) acentuar o sentido do adjetivo por meio de um advérbio: Deixo nessas pobres linhas a minha saudade do homem Camus, tão simples, tão simpático, tão despretensioso na sua glória mundial. (M. Bandeira, AA, 342.) Trá-la muito bem tratada, muito bem fechada, restos da vida moura. (R. Brandão, P, 164.) 2 . O adjetivo, ou particípio, que modifica um pronome substantivo vem sempre numa situação enfática, em razão da pausa nítida que separa os dois termos. Por isso, escreve-se isolado por vírgulas: Eu, louco, amara-te, estátua! (Guimarães Passos, VS, 37.) Mas eu, Senhor!... Eu, triste, abandonada Em meio das areias esgarrada, Perdida marcho em vão! (Castro Alves, OC, 291.) 283 284 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O CONCORDÂNCIA DO ADJETIVO COM O SUBSTANTIVO O adjetivo , o n ú m e ro do d is s e m o s , v a ria e m g ê n e r o e n ú m e r o d e a c o r d o c o m o g ê n e ro e substantivo a o q u a l se re fe re . É por essa correspondência de flexões que os dois termos se acham inequi­ vocamente relacionados, mesmo quando distantes um do outro na frase. Assim: Eu amo a noite solitária e muda; Como formosa dona em régios paços, Trajando ao mesmo tempo luto e galas Majestosa e sentida. (Gonçalves Dias, PCP, 250.) Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso... (F. Pessoa, OP, 17.) Os homens continuam a passar, indiferentes. (O. Mendes, P, 124.) A d je t iv o re fe rid o a u m s u b s ta n tiv o O adjetivo , predicativo , q u e r em fu n ç ã o de d e s d e q u e se re fira a a d ju n to a d n o m in a l , q u e r e m fu n ç ã o de um único substantivo, c o m ele c o n c o r d a e m g ên e ro e n ú m e ro . Assim: O Barão continuava a contar aventuras, pequenos casos que revivia com um prazer doentio. (Branquinho da Fonseca, B, 27.) Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. (L. Fagundes Telles, ABV, 51.) O Antunes andava encantado por todas as razões. (Almada Negreiros, NG, 70.) A casa ficou vazia. (A. M. Machado, HR, 231.) ADJETIVO A d je t iv o re fe rid o a m a is d e u m s u b s ta n tiv o Quando o adjetivo se associa a mais de um substantivo, importa considerar: a) o gênero d o s s u b s ta n tiv o s ; b) a funçào d o a d je tiv o ( adjunto a d nom inal ou predicativo ); c) a PosiçÀo do adjetivo (anteposto ou posposto aos substantivos), condições essas que permitem a concordância do adjetivo com os substantivos englo­ bados, ou apenas com o mais próximo. Examinemos as diversas possibilidades, exemplificando-as. A d je t iv o a d ju n to a d n o m in a l O a d je tiv o v e m a n te s d o s s u b s ta n tiv o s O adietivo concorda em gênero e número com o substantivo mais próximo, ou seja, com o primeiro deles: R egra geral : Vivia em tranquilos bosques e montanhas. Vivia em tranquilas montanhas e bosques. Tinha por ele alto respeito e admiração. Tinha por ele alta admiração e respeito. Observação: Quando os substantivos são nomes próprios ou nomes de parentesco, o a d ie t iv o vai sempre para o plural: Conheci ontem as gentis irmã e cunhada de Laura. Portugal cultua os feitos dos heroicos Diogo Cão e Bartolomeu Dias. O a d je tiv o v e m d e p o is d os s u b s ta n tiv o s Neste caso, a concordância depende do gênero e do número dos substan­ tivos. 1. Se os substantivos são do mesmo gênero e do singular, o adjetivo toma o gênero (masculino ou feminino) dos substantivos e, quanto ao número, vai: a) para o singular (concordância mais comum): A professora estava com um vestido e um chapéu escuro. Estudo a língua e a literatura portuguesa. 285 286 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b) para o plural (concordância mais rara): A professora estava com um vestido e um chapéu escuros. Estudo a língua e a literatura portuguesas. 2 . Se os substantivos são de gêneros diferentes e do singular, o adjetivo pode concordar: a) com o substantivo mais próximo (concordância mais comum): A professora estava com uma saia e um chapéu escuro. Estudo o idioma e a literatura portuguesa. b) com os substantivos em conjunto, caso em que vai para o masculino plural (concordância mais rara): A professora estava com uma saia e um chapéu escuros. Estudo o idioma e a literatura portugueses. 3. Se os substantivos sào do mesmo gênero, mas de números diversos, o adjetivo toma o gênero dos substantivos, e vai: a) para o plural (concordância mais comum): Ela comprou dois vestidos e um chapéu escuros. Estudo as línguas e a civilização ibéricas. b) para o número do substantivo mais próximo (concordância mais rara): Ela comprou dois vestidos e um chapéu escuro. Estudo as línguas e a civilização ibérica. 4. Se os substantivos são de gêneros diferentes e do plural, o adjetivo vai: a) para o plural e para o gênero do substantivo mais próximo (concordância mais comum): Ela comprou saias e chapéus escuros. Estudo os idiomas e as literaturas ibéricas. b) para o masculino plural (concordância mais rara): Ela comprou chapéus e saias escuros. Estudo os idiomas e as literaturas ibéricos. ADJETIVO 5. Se os substantivos são de gêneros e números diferentes, o adjetivo pode ir: a) para o masculino plural (concordância mais comum): Ela comprou saias e chapéu escuros. Estudo os falares e a cultura portugueses. b) para o gênero e o número do substantivo mais próximo (concordância que não é rara quando o último substantivo é um feminino plural): Ela comprou saias e chapéu escuro. Estudo o idioma e as tradições portuguesas. O bservação: Quando está em concordância apenas com o substantivo mais próximo, o adjetivo nem sempre caracteriza de forma precisa o substantivo dele distanciado. Por isso, em todas as hipóteses mencionadas, pode-se e deve-se, caso a concordância origine qualquer dúvida, repetir o adjetivo para cada um dos substantivos: Ela comprou uma saia escura e um chapéu escuro. Estudo os falares portugueses e a cultura portuguesa. A d je t iv o p re d ic a tiv o d o s u je it o c o m p o s to Quando o adjetivo serve de predicativo a um sujeito múltiplo, constituído de substantivos (ou expressões equivalentes), observa, na maioria dos casos, as mesmas regras de concordância a que está submetido o adjetivo que funciona como adjunto adnominal. Convém salientar, no entanto, que: a) se os substantivos sujeitos são do mesmo gênero, o adjetivo toma o gênero dos substantivos e vai, preferentemente, para o plural, ainda que os substantivos estejam no singular: O livro e o caderno são novos. A porta e a janela estavam abertas. b ) se os substantivos sujeitos são de gêneros diversos, o adjetivo vai, normalmente, para o masculino plural: O livro e a caneta são novos. A janela e o portão estavam abertos. 287 288 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Mas, nos dois casos, é também possível que o adjetivo predicativo concorde com o núcleo do sujeito mais próximo se o verbo de ligação estiver no singular e anteposto ao sujeito composto, como nos exemplos abaixo: Era novo o livro e a caneta. Estava aberta a janela e o portão. Observações: 1. “) O adjetivo predicativo do objeto direto obedece, em geral, às mesmas regras de concordância observadas pelo adjetivo predicativo do sujeito. 2. a) Como as orações, e as palavras tomadas material mente, se consideram do número singular e do gênero masculino, quando o sujeito é expresso por uma oração (plena ou reduzida), o adjetivo predicativo fica no masculino singular: É justo que uma nação venere os seus poetas. É honroso morrer pela pátria. Capítulo 11 Pronomes PRONOMES SUBSTANTIVOS E PRONOMES ADJETIVOS 1. Os desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos elementos nominais. Servem, pois: a) para representar um substantivo: pronom es Os campos, que suportaram a longa presença solar a queimá-los inces­ santemente, recebem agora a água abundante com uma gula feliz. (A. Frederico Schmidt, GB, 294.) b) para acompanhar um substantivo determinando-lhe a extensão do signifi­ cado: — Quanto valem, és capaz de dizer? Leques espanhóis, de seda, de al­ guma bisavó do meu tio cônego, com estas pérolas de prata e oiro! (F. Namora, T/, 103.) No primeiro caso desempenham a função de um substantivo e, por isso, recebem o nome de pronom es substantivos; no segundo chamam-se pr o n o ­ mes adjetivos , porque modificam o substantivo, que acompanham, como se fossem adjetivos. 2. Facilmente, aliás, se distinguem na prática essas duas classes de pronomes, porque os pronom es substantivos aparecem isolados na frase, ao passo que os pronomes adjetivos se empregam sempre junto de um substantivo, com o qual concordam em gênero e número. 290 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Assim, nas frases: Lembranças a todos os teus. (E. da Cunha, OC, II, 646.) Teus olhos s ã o d o is d e s e jo s . (R. Correia, PCP, 109.) a palavra teus é pronome substantivo, na primeira, e pronome adjetivo, na segunda. 3. Há s e is e s p é c i e s d e p r o n o m e s : pe s so a is , po ss e s siv o s , d e m o n s t r a t iv o s , RELATIVOS, INTERROGATIVOS e INDEFINIDOS. PRONOMES PESSOAIS Os pronom es pessoais caracterizam-se: 1. °) p o r d e n o ta r e m a s trê s p e s s o a s g r a m a tic a is , is to é, p o r te r e m a c a p a c id a d e d e in d ic a r n o c o ló q u io : a) quem fala = l.a pessoa: eu (singular), nós (plural); b) c) com quem se fala = 2 .a pessoa : tu ( s in g u la r ) , vós ( p lu r a l) ; de quem se fala = 3.a pessoa: ele, ela ( s in g u la r ) ; eles, elas ( p lu r a l) ; 2. °) por poderem representar, quando na 3.a pessoa, uma forma nominal anteriormente expressa: Santas virtudes primitivas, ponde Bênçãos nesta Alma para que ela se una A Deus, e vá, sabendo bem por onde... (A. de Guimaraens, OC, 149.) Levantaram Dona Rosário, quiseram levantá-la, embora ela se opusesse, choramingasse um pouco, dissesse que não lhe era possível fazê-lo. (M. J. de Carvalho, AV, 137.) 3. °) por variarem de forma, segundo: a) a f iu iç ã o q u e d e s e m p e n h a m n a o r a ç ã o ; b) a acentuação que nela recebem. O bservação: A pessoa com quem se fala pode ser expressa também pelos chamados pronomes d e t r a t a m e n t o , que se constroem com o verbo na 3.a pessoa. Veja-se o que sobre essas formas e o seu emprego escrevemos adiante. PRONOMES FORMAS DOS PRONOMES PESSOAIS Quanto à função, as formas do pronome pessoal podem ser retas o u obli­ quas . R etas , quando funcionam como sujeito da oração; oblíquas , quando nela se empregam fundamentalmente como objeto (direto ou indireto). Quanto à acentuação, distinguem-se nos pronomes pessoais as formas TÔNICAS d a s ÁTONAS. O quadro abaixo mostra claramente a correspondência entre essas formas: P P ro n o m es r o n o m e s p e s s o a is o b l íq u o s NÃO REFLEXIVO S p e s s o a is Á to n o s R ETQ S Sin g u lar Plural T ô n ic o s 1 .a pessoa eu me m im , comigo 2. a pessoa tu te ti, contigo 3. a pessoa ele, ela o, a, lhe ele, ela 1 .a pessoa nós nos nós, conosco 2 .a pessoa vós vos vós, convosco 3 .a pessoa eles, elas os, as, lhes eles, elas FORMAS O, LO E NO DO PRONOME OBLÍQUO Quando o pronome oblíquo da 3.a pessoa, que funciona como objeto direto, vem antes do verbo, apresenta-se sempre com as formas o, a, os, as. Assim: Não o ver para mim é um suplício. Nunca a encontramos em casa. João ainda não fez anos; ele os faz hoje. Eles as trouxeram consigo. Quando, porém, está colocado depois do verbo e se liga a este por hífen ( prono m e en c l ític o ), a sua forma depende da terminação do verbo. Assim: l . ° ) Se a forma verbal terminar em vogal o u d ito n g o oral , empregam-se o, a, os, as: Louvo-o Louvava-a Louvei-os Louvou-as 2.°) Se a forma verbal terminar em -r, -s ou -z, suprimem-se estas consoantes, e o pronome assume as modalidades lo, la, los, las, como nestes exemplos: 292 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Vê-lo para mim é um suplício. Encontramo-la em casa. João ainda não fez anos; fá-los hoje. Não quero vendê-las. O mesmo se dá quando ele vem posposto ao designativo eis ou aos pronomes nos e vos: Ei-lo sorridente. O nome não vo-lo direi. 3.°) Se a forma verbal terminar em modalidades no, na, nos, nas. d ito n g o nasal, o Dão-no Põe-na pronome assume as Tem-nos Trouxeram-nas São também estas as formas que o pronome costuma apresentar, na lin­ guagem popular e na literária popularizante de Portugal, depois dos advérbios não e bem, assim como dos pronomes quem, alguém, ninguém e outras palavras terminadas em ditongo nasal: E assim pedia, num dó tamanho, Não no tirassem lá donde estava. (A. Nobre, S, 77.) Neto sou de quem no sou! (J. Régio, F, 13.) Observações: l . 8) As fo rm as an tig as d o p ro n o m e o b líq u o objeto d ire to eram lo(s) e la (s), provenientes do acusativo do d em o n strativ o latin o ille, illa, illu d (= aquele, aquela, aquilo). Pospostas a fo rm as verbais te rm in ad as em -r, -s ou -z, o seu /- inicial assi­ m ilo u aquelas consoantes, q u e depois desapareceram : fazer-lo fazes-lo fiz-lo > > > fazel-lo fazel-lo fil-lo > > > fazê-lo faze-lo fi-lo Igual assim ilação sofreu o -s de eis, nos e vos, q u a n d o em co n tacto com o /- do p ro n o m e. PRONOMES 2. a) Com as formas verbais terminadas em nasal, a nasalidade transmitiu-se ao Z- do pronome, que passou a n-: fazem-lo façam-lo > > fazem-no façam-no 3. a) No futuro do presente e no futuro do pretérito o pronome oblíquo não pode ser encütico , isto é, não pode vir depois do verbo. Dá-se, então, a mesôclise do pronome, ou seja, a sua colocação no interior do verbo. )ustifica-se tal colocação por terem sido estes dois tempos formados pela justaposição do infinitivo do verbo principal e das formas reduzidas, respectivamente, do presente e do imperfeito do indicativo do verbo haver. O pronome empregava-se depois do infinitivo do verbo principal, situação que, em última análise, ainda hoje conserva. E, como todo infi­ nitivo termina em -r, também nos dois tempos em causa desaparece esta consoante e o pronome toma as formas lo, la, los, las. Assim: F u tu ro d o presente Futu ro d o p r e t é r it o vender-(h)ei vendê-lo-ei vender-(h)ia vendê-lo-ia vender-(h)ás vendê-lo-ás vender-(h)ias vendê-lo-ias vender-(h)á vendê-lo-á vender-(h)ia vendê-lo-ia vender-(h)em os vendê-lo-emos vender-(h)íam os vendê-lo-íamos vender-(h)eis vendê-lo-eis vender-(h)íeis vendê-lo-íeis vender-(h)ão vendê-lo-ão vender-(h)iam vendê-lo-iam 4.a) Quanto às normas que se observam no emprego proclítico, enclítico ou mesoclítico destes pronomes, veja-se o que dizemos adiante, ao tratarmos da C olocacào DOS PRONOMES OBLÍQUOS ÁTONOS. PRONOMES REFLEXIVOS E RECÍPROCOS 1. Quando o objeto direto ou indireto representa a mesma pessoa ou a mesma coisa que o sujeito do verbo, ele é expresso por um pronom e reflexivo . O reflexivo apresenta três formas próprias — se, si e consigo — , que se aplicam tanto à 3.a pessoa do singular como à do plural: Ele vestiu-se rapidamente. Ela fala sempre de si. O pintor não trouxe o quadro consigo. Eles vestiram-se rapidamente. Elas falam sempre de si. Os pintores não trouxeram os quadros consigo. 294 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Nas demais pessoas, as suas formas identificam-se com as do pronome oblí­ quo: me, te, nos e vos. Eu me feri. Tu te lavas. Nós nos vestimos. Vós vos levantais. 2. As formas do reflexivo nas pessoas do plural (nos, vos e se) empregam-se também para exprimir a reciprocidade da ação, isto é,para indicar que a ação é mútua entre dois ou mais indivíduos. Neste caso, diz-se que o pronome é RECÍPROCO. Carlos e eu nos abraçamos. Vós vos queríeis muito. José e Antônio não se cumprimentam. 3. Como são idênticas as formas do pronome recíproco e do reflexivo, pode haver ambiguidade com um sujeito plural. Por exemplo, uma frase como a seguinte: Joaquim e Pedro enganaram-se. pode significar que o grupo formado por Joaquim e Pedro cometeu o engano, ou que Joaquim enganou Pedro e este a Joaquim. Costuma-se remover a dúvida fazendo-se acompanhar tais pronomes de expressões reforçativas especiais. Assim: a) para marcar expressamente a ação reflexiva, acrescenta-se-lhes, conforme a pessoa, a mim mesmo, a ti mesmo, a si mesmo, etc.: Joaquim e Pedro enganaram-se a si mesmos. b) para marcar expressamente a ação recíproca, junta-se-lhes, ou uma expressão pronominal, como um ao outro, uns aos outros, entre si: Joaquim e Pedro enganaram-se entre si. Joaquim e Pedro enganaram-se um ao outro. ou um advérbio como reciprocamente, mutuamente: Joaquim e Pedro enganaram-se mutuamente. PRONOMES Não raro, a reciprocidade da ação esclarece-se pelo emprego de uma forma verbal derivada com o prefixo entre-: As duas entreolharam-se e Luísa atendeu. (Coelho Netto, OS, 1,67.) Marido e mulher entreolharam-se. (V. Nemésio, MTC, 360.) EMPREGO DOS PRONOMES RETOS FUNÇÕES DOS PRONOMES RETOS 1. Os pronom es a) su ieito : retos empregam-se como: Eu era a desdenhosa, a indiferente. (F. Espanca, S, 55.) Nós vamos em busca de luz. (Agostinho Neto, SE, 36.) Se és tu, meu pai, eu vou contigo... (A. de Guimaraens, OC, 58.) b ) PREDICATIVO DO SUJEITO: Trata-se do seguinte: eu não sou mais eu! Revoguei-me a mim mesmo. (A.M. Machado, CJ, 150.) Meu Deus!, quando serei tu? (J. Régio, ED, 157.) 2. Tu e vós p o d e m ser vocativos : Ó tu, Senhor Jesus, o Misericordioso, De quem o Amor sublime enaltece o Universo... (A. de Guimaraens, OC, 313.) Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento Do campo, conversais a sós, quando anoitece... (O. Bilac, P, 158.) 296 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Na linguagem popular ou popularizante de Portugal aparece por vezes um pro­ nome ele expletivo, que funciona como sujeito gramatical de um verbo impessoal, à semelhança do francês il (ily a): — Ele haveria no mundo nada mais acertado. (M. Torga, CM, 24.) — Pois ele pode haver maior colondrina por esses mundos fora. (A. Ribeiro, M, 102.) — Ele há tanta mulher por aí!... (F. Namora, TJ, 258.) É provável que este pronome expletivo tenha vitalidade em outras áreas do idioma, pois aparece na pena de um escritor angolano: Ele há tantas amarguras! (Agostinho Neto, SE, 99.) Os raríssimos exemplos que dele se colhem em escritores brasileiros, como este de Machado de Assis: Que ele também há eleições no Amazonas; é o tempo da salga política, a quadra das barracas e dos regatões. (OC,II, 698.) representam simples imitação da construção portuguesa. OMISSÃO DO PRONOME SUJEITO Os pronomes sujeitos eu, tu, ele (ela), nós, vós, eles (elas) são normalmente omitidos em português, porque as desinências verbais bastam, de regra, para indicar a pessoa a que se refere o predicado, bem como o número gramatical (singular ou plural) dessa pessoa: ando rimos escreves partistes PRESENÇA DO PRONOME SUJEITO Emprega-se o pronome sujeito: dormiu voltaram PRONOMES a) quando se deseja, enfaticamente, chamar a atenção para a pessoa do sujeito: Eu, náufraga da vida, ando a morrer! (F. Espanca, S, 31.) Sim! tu sabes ligar-me a todos os teus crimes. Tu me sopras todos os pensamentos maus, tu me apontas o abismo... (Castro Alves, OC, 643.) b) para opor duas pessoas diferentes: Abraçamo-nos ambos contristados, Ele, porque há de ser, como eu, um velho, E eu, por ter sido já, como ele, um moço. (E. de Castro, UV, 6 8 .) Eu calo-me — tu descantas, Eu rojo — tu te levantas, Tu és livre — escrava eu sou!... (Castro Alves, OC, 273.) c) quando a forma verbal é comum à l.a e à 3.a pessoa do singular e, por isso, se toma necessário evitar o equívoco: É preciso que eu repita o que ele disse? Ê preciso que ele repita o que eu disse? EXTENSÃO DE EMPREGO DOS PRONOMES RETOS Na linguagem formal, certos pronomes retos adquirem valores especiais. Enumeremos os seguintes: 1. O plural de modéstia. Para evitar o tom impositivo ou muito pessoal de suas opiniões, costumam os escritores e os oradores tratar-se por nós em lugar da forma normal eu. Com isso, procuram dar a impressão de que as ideias que expõem são compartilhadas por seus leitores ou ouvintes, pois que se expressam como porta-vozes do pensamento coletivo. A este emprego da l.a pessoa do plural pela correspondente do singular chamamos plural de MODÉSTIA. Comparem-se estes exemplos: Algumas [cantigas], mas poucas, foram por nós colhidas da boca do Povo. (J. Cortesão, CP, 1 2 .) 297 298 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O As ocupações oficiais em que nos achamos desde 1861 a 1867, quer nas repúblicas de Venezuela, Equador, Peru e Chile, quer nas próprias Antilhas, não nos deram muita ocasião de pensar em semelhante edição, para a qual até aí nos faltavam auxílios. (E A. Varnhagen, CIA, 9.) Advirta-se que, quando o sujeito nós é um plural d e m o d é s t ia , o predicativo ou particípio, que com ele deve concordar, costuma ficar no singular, como se o sujeito fosse efetivamente eu. Assim, em vez de: Fiquei perplexo com o que ele disse. podemos dizer: Ficamos perplexo com o que ele disse. 2. O plural de majestade. O pronome nós era usado outrora pelos reis de Por­ tugal — e ainda hoje o é pelos altos dignitários da Igreja — como símbolo de grandeza e poder de suas funções: Nós, Dom Fernando, pela graça de Deus Rei de Portugal e do Algarve, fazemos saber... É o q u e se c h a m a plural de majestade . O bservação: De início, o nós majestático deveria ser uma fórmula de modéstia: o rei a confúndir-se com a nação, que falava por sua boca. Também na Igreja seria, no princípio, uma forma de humildade: os prelados a solidarizarem-se com os seus fiéis dentro de uma comunidade mediante o emprego do nós. Mas, perdido o valor originário, este plural com que superiores se dirigiam a inferiores veio a ser sentido como uma enfática expressão de grandeza, de poder, de majestade do cargo. 3. Fórmula de cortesia (3.apessoa pela l.a). Quando fazemos um requerimento, por deferência à pessoa a quem nos dirigimos, tratamo-nos a nós próprios pela 3.a pessoa, e não pela l.a: Fulano de tal, aluno desse Colégio, requer a V. S.a se digne de mandar passar por certidão as notas mensais por ele obtidas no presente ano letivo. O emprego da l.a pessoa: Eu, Fulano de tal, requeiro... PRONOMES soa-nos como uma descortesia de nossa parte para com aquele a quem nos endereçamos. Não seria propriamente um pedido que lhe faríamos, e sim uma exigência ríspida de igual para igual. 4. O v ó s de cerimônia. O pronome vós praticamente desapareceu da linguagem corrente do Brasil e de Portugal. Mas em discursos enfáticos alguns oradores ainda se servem da 2 .a pessoa do plural para se dirigirem cerimoniosamente a um auditório qualificado. Veja-se este passo com que Olavo Bilac termina o seu discurso de ingresso na Academia das Ciências de Lisboa: Ainda de longe, pensarei em vós, e pensarei convosco. Serei um dos menores sacerdotes do culto que nos congrega: o da nossa história e da nossa língua. E, à míngua do brilho que vos posso dar, poderei dar-vos o fervor da minha crença e a honestidade do meu labor. (D N , 56.) Observações: 1. a) Vós, com referência a uma só pessoa, normal como tratamento de cerimô­ nia em português antigo e clássico, emprega-se ainda, vez por outra, em linguagem literária de tom arcaizante, para expressar distância, apreço social: Por vós e todo o nosso temor. Por vós, que sois o nosso rei! (J. Régio, ERS, 93.) — Não percebeis vós que a prudência é para mim um dever? (Gonçalves Dias, PCPE, 709.) 2. a) Vós foi, durante muito tempo, a forma normal por que os católicos portu­ gueses e brasileiros se dirigiam a Deus, tratamento que ainda prevalece entre eles: Pai nosso que estais no Céu... No culto reformado, adota-se a forma tu: Pai nosso que estás no céu... Na linguagem poética, este tratamento alterna com vós, desde a época medieval, e é o predominante no português contemporâneo:1 I Veja-se, a propósito, Luís Filipe Lindley Cintra. Sobre “formas de tratamentona língua portuguesa. Lisboa, Horizonte, 1972, p. 75-122. 299 300 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Não é mortal o que eu em ti adoro. Que és tu aqui? olhar de piedade, Gota de mel em taça de venenos... (A. de Quental, S, 3.) Se te pedir piedade, dá-me lume a comer. Que com pontas de fogo o podre se adormenta. O teu perdão de Pai ainda não pode ser. Mas lembre-te que é fraca a alma que aguenta. ('V. Nemésio, VM, 90.) Tu, Senhor, tu meu Deus, tu me recebes Na tua santa glória, alarga as asas Do teu santo perdão, que ao teu conspecto Humilhado me sinto, como a grama. (Gonçalves Dias, PCPE, 467.) Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes Embuçado nos céus? (Castro Alves, OC, 290.) Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus... (Castro Alves, OC, 281.) R EA LC E DO PRO N O M E SU JEITO Para dar ênfase ao pronome sujeito, costuma-se reforçá-lo: a) seja com as palavras mesmo e próprio: — Tu mesmo serás o novo Hércules. (Machado de Assis, OC, II, 548.) Muitas vezes eu próprio me sinto ser o que ela pensa que eu sou. (A. Abelaira, B, 129.) b) seja com a expressão invariável é que: — Eu é que lhe devia pedir desculpas de minha irritação. (R. M. F. de Andrade, V, 124.) PRONOMES Vocês é que morrem, meu alferes, mas nós é que pagamos. (Luandino Vieira, NM, 63.) As dores é que eram de matar... (M. Torga, CM, 72.) P R E C E D Ê N C IA DOS PRO N O M ES SU JEITO S Quando no sujeito composto há um da l.a pessoa do singular {eu), é boa norma de civilidade colocá-lo em último lugar: Carlos, Augusto e eu fomos promovidos. Se, porém, o que se declara contém algo de desagradável ou importa respon­ sabilidade, por ele devemos iniciar a série: Eu, Carlos e Augusto fomos os culpados do acidente. O bservação: Convém usar com extrema parcimônia as formas pronominais da 1.a pessoa do singular, especialmente a forma reta eu. O seu emprego imoderado deixa-nos sempre uma penosa impressão de imodéstia de quem o pratica. Não nos devemos esquecer de que as palavras que designam sentimentos exa­ gerados da própria personalidade começam sempre por ego, que era a forma latina do pronome eu. Assim: egoísmo, egocêntrico, ególatra, egotismo. EQUÍVOCOS E IN C O RR EÇ Õ ES 1. Como o pronome ele {ela) pode representar qualquer substantivo anterior­ mente mencionado, convém ficar bem claro a que elemento da frase ele se refere. Por exemplo, uma frase como: Álvaro disse a Paulo que ele chegaria primeiro, é ambígua, pois ele pode aplicar-se tanto a Álvaro como a Paulo. 2. Por outro lado, não devemos empregar o pronome ele {ela) para substituir um substantivo que, com sentido indeterminado, se fixou em expressões feitas, como falar verdade, pedir perdão, etc. 302 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Assim, não estariam bem construídas as frases: Falaste verdade; ela me comoveu. Pedi perdão; ele me foi concedido. 3. Se, no entanto, o substantivo estiver determinado, isto é, se não mais per­ tencer a uma daquelas fórmulas fixas, tem perfeito cabimento o emprego do pronome. Assim: Falaste a verdade; ela me comoveu. Pedi o seu perdão; ele me foi concedido. 4. Na fala vulgar e familiar do Brasil2 é muito frequente o uso do pronome ele(s), ela{s) como objeto direto em frases do tipo: Vi ele. Encontrei ela. Embora esta construção tenha raízes antigas no idioma, pois se documenta em escritores portugueses dos séculos XIII e XIV3, deve ser hoje evitada. 5. Convém, no entanto, não confundir tal construção com outras, perfei­ tamente legítimas, em que o pronome em causa funciona como objeto direto. Assim: a) quando, antecedido da preposição a, repete o objeto direto enunciado pela forma normal átona (o, a, os, as): Não sei se elas me compreendem Nem se eu as compreendo a elas. (F. Pessoa, OP, 160.) J Veja-se especialmente J. Mattoso Câmara Jr. Ele comme un accusatif dans le portugais du Brésil. In M isc e lâ n e a h o m e n a je a A n d r é M a r tin e t: e stru c tu ra lism o e h isto ria , 1.1. La Laguna, Universidad de La Laguna, 1957, p. 39-46; artigo reproduzido, em tradução portuguesa, nos D ispersos. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1972, p. 47-53. 3 Sobre o emprego do pronome ele(s), ela (s) como objeto direto em português arcaico, leiam-se: Epifânio Dias. S y n ta x e h istó rica p o rtu g u e sa , 2.a ed. Lisboa, Clássica Editora, 1953, p. 71; Joseph Huber. A ltp o rtu g ie sisc h e s E le m e n ta rb u rc h . Heidelberg, Carl Winter, 1933, p. 150; Sousa da Silveira, Trechos seletos, 4.d ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938, p. 40 e 50. PRONOMES Temia-a, a ela, à mulher que o guiava. (Guimarães Rosa, PE, 126.) b) quando precedido das palavras todo ou só: Ricas prendas! Todas elas Me deu ele; sim, donzelas... Que não vo-lo negarei! (J. de Deus, CF, 65.) — Conheço bem todos eles. (H. Sales, DBFM, 150.) CO N TRAÇÃO DAS P R EP O SIÇ Õ ES DE E EM COM O PRO N O M E R ETO D A 3.a PESSO A As preposições de e em contraem-se com o pronome reto da 3.®pessoa ele(s), ela{s), dando, respectivamente, dele(s), dela(s) e nele{s), nela(s). A pasta é dele, e nela está o meu caderno. É de norma, porém, não haver a contração quando o pronome é sujeito; ou, melhor dizendo, quando as preposições de e em se relacionam com o infinitivo, e não com o pronome. Assim: O milagre de ele existir tinha-se dado já, no momento em que a mulher lhe anunciara a gravidez. (M. Torga, CM, 74.) — Para que há de ele desconfiar de nós e maltratar-te? (Machado de Assis, CO, 1,690.) Pouco depois de eles saírem, levantei-me da mesa. (L. B. Honwana, NMCT, 96.) PRONOMES DE TRATAMENTO 1. Denominam-se p r o n o m e s d e t r a t a m e n t o certas palavras e locuções que valem por verdadeiros pronomes pessoais, como: você, o senhor, Vossa Ex­ celência. 303 304 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Embora designem a pessoa a quem se fala (isto é, a 2.a), esses pronomes levam o verbo para a 3.a pessoa: — Onde é que vocês vão? (Luandino Vieira, NM, 78.) — Vossa Reverendíssima faz isso brincando, disse o principal dos festeiros. (Machado de Assis, OC, II, 550.) — Vossa Senhoria, senhor Comendador, terá de perdoar. (A. Ribeiro, M, 354.) 2. Convém conhecer as seguintes formas de tratamento reverente e as abrevia­ turas com que são indicadas na escrita: A b r e v ia t u r a T U sa d o r a ta m en to para V. A. Vossa Alteza Príncipes, arquiduques, duques V. Em.a Vossa Eminência Cardeais V. Ex.a Vossa Excelência No Brasil: altas autoridades do go­ verno e oficiais generais das Forças Armadas; em Portugal: qualquer pessoa a quem se quer manifestar grande respeito. V. Mag.a Vossa Magnificência Reitores das universidades V.M. Vossa Majestade Reis, imperadores V. Ex.a Rev.1™ Vossa Excelência Reverendíssima Bispos e arcebispos V.P. Vossa Paternidade Abades, superiores de conventos V. Rev.a Vossa Reverência ou Sacerdotes em geral V. Rev.ma Vossa Reverendíssima v.s. Vossa Santidade Papa V.S.a Vossa Senhoria Funcionários públicos graduados, oficiais até coronel; na linguagem escrita do Brasil e na popular de Portugal, pessoas de cerimônia. PRONOMES Observações: 1. a) Como dissemos, estas formas aplicam-se à 2.a pessoa, àquela com quem falamos; para a 3.“ pessoa, aquela de quem falamos, usam-se as formas Sua Alteza, Sua Eminência, etc. Mas as últimas podem empregar-se com o valor das primeiras, como expressão de máxima cerimônia, mormente quando seguidas de aposto que contenha um título determinado por artigo. Assim, em lugar de: Vossa Excelência, Senhor Ministro, aprova a medida? é lícito dizer-se: Sua Excelência, o Senhor Ministro, aprova a medida? 2. a) Em princípio, os pronomes de tratamento da 2.a pessoa devem acompanhar o verbo para evitar confusão com o sujeito da 3.® pessoa: Seu irmão cantava, e você acompanhava. Vossa Reverência já leu este livro? Esta norma é naturalmente observada com maior rigor na linguagem escrita, pois na comunicação oral as possíveis dúvidas são muitas vezes eliminadas pela própria situação. Não é, porém, necessário repetir tais pronomes quando funcionam como sujeito de vários verbos consecutivos. Você parece que não está com nenhuma vontade de ver aquele finório, não é? (A. Callado, MC, 104.) — Quer V. Exa. dizer que antes queria escrever uma bonita página do que receber assim perto de quinhentas libras? (Eça de Queirós, O, II, 176-177.) EM P R EG O DOS PRO N O M ES DE TRA TA M EN TO DA 2.a PESSO A 1. Tu e você. No português europeu normal, o pronome tu é empregado como forma própria da intimidade. Usa-se de pais para filhos, de avós ou tios para netos e sobrinhos, entre irmãos ou amigos, entre marido e mulher, entre colegas de faixa etária igual ou próxima. O seu emprego tem-se alargado, nos últimos tempos, entre colegas de estudo ou da mesma profissão, entre membros de um partido político e até, em certas famílias, de filhos para pais, tendendo a ultrapassar os limites da intimidade propriamente dita, 305 306 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O em consonância com uma intenção igualitária ou, simplesmente, aproxi­ mativa. No português do Brasil, o uso de tu restringe-se ao extremo Sul do país e a alguns pontos da região Norte, ainda não suficientemente delimitados.J Em quase todo o território brasileiro, foi ele substituído por você como forma de intimidade. Você também se emprega, fora do campo da intimidade, como tratamento de igual para igual ou de superior para inferior. É este último valor, de tratamento igualitário ou de superior para inferior (em idade, em classe social, em hierarquia), e apenas este, o que você possui no português normal europeu, onde só excepcionalmente — e em certas camadas sociais altas — aparece usado como forma carinhosa de intimidade. No português de Portugal não é ainda possível, apesar de certo alargamento recente do seu emprego, usar você de inferior para superior, em idade, classe social ou hierarquia. 2. O senhor. O senhor, a senhora (ea senhorita, no Brasil, a menina, em Portugal, para a jovem solteira) são, nas variantes europeia e americana do português, formas de respeito ou de cortesia e, como tais, se opõem a tu e você, em Portugal, e a você, na maior parte do Brasil. Em Portugal, quando uma pessoa se dirige a alguém que possui um título profissional ou exerce determinado cargo, costuma fazer acompanhar as formas o senhor e a senhora da menção do respectivo título ou cargo: o senhor doutor a senhora doutora o senhor engenheiro o senhor capitão o senhor ministro o senhor presidente Mais raramente, usa-se como tratamento o título não precedido de senhor, senhora, o que é considerado menos respeitoso que a forma anterior: o doutor o engenheiro Neste caso, é mais frequente apor-se ao título o nome próprio (primeiro nome — o que implica certa proximidade — ou o nome de família do in­ terpelado): o doutor Orlando o engenheiro Silva4 4 Ressalte-se, porém, que o emprego das formas obliquas te, ti, contigo apresenta uma difosão bastante maior. PRONOMES No Brasil, estas formas de tratamento são inusitadas. Aliás, o emprego dos títulos específicos, no tratamento ou fora dele, é sensivelmente maior em Portugal do que no Brasil, onde só em casos especialíssimos vêm precedidos de o senhor. Sistematicamente, só se mencionam no Brasil, seguidos dos nomes próprios: a) a patente dos militares: O Tenente Barroso O Coronel Proença O General Osório O Major Fagundes O Almirante Jaceguai O Brigadeiro Eduardo Gomes b) os altos cargos e títulos nobiliárquicos: O Presidente Bemardes O Príncipe D. João O Embaixador Ouro Preto A Condessa Pereira Carneiro c) o título Dom (escrito abreviadamente D.), para os membros da família real ou imperial, para os nobres, para os monges beneditinos e para os dignitários da Igreja a partir dos bispos: D. Pedro D. Duarte D. Clemente D. Hélder Observe-se que, se Dom tem emprego restrito no idioma, tanto em Portugal como no Brasil, o feminino Dona (também abreviado em D.) se aplica, em princípio, a senhoras de qualquer classe social.5 De uso bastante generalizado em Portugal e no Brasil é o título de Doutor. Recebem-no não só os médicos e os que defenderam tese de doutorado, mas, indiscriminadamente, todos os diplomados por escolas superiores. Também o emprego de Professor é muito frequente tanto em Portugal como no Brasil. Mas, enquanto no Brasil se aplica ao docente de qualquer grau de ensino, em Portugal usa-se sobretudo para os docentes do ensino primário e do ensino superior. Observações: l.a) As fonnas você e o senhor (a senhora) empregam-se normalmente nas funções de sujeito, de agente da passiva e de adjunto: ’ Em Portugal, omite-se ainda, por vezes, com os nomes de senhoras das classes sociais mais h u m ild e s . 308 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O — Você amanhã não vá às ceifas. (A. Ribeiro, M, 354.) Estava desfeiteado, um portador dele fora maltratado pelo senhor, (J. Lins do Rego, P, 59.) — Deixem-me ir com vocês! (Luandino Vieira, NM, 78.) As formas vo cê (no Brasil) e o s e n h o r , a s e n h o r a (tanto em Portugal como no Brasil) estendem-se também às funções de objeto (direto ou indireto), substituindo com frequência as correspondentes átonas o, a e lhe: — Há uma hora estou esperando você sozinha, neste escritório. (C. dos Anjos, DR, 32.) — Devo a você e ao doutor Rodrigo. Q. Amado, MM, 229.) — Eu aprecio muito o senhor e era incapaz de ofendê-lo voluntariamente. (R. M. F. de Andrade, V, 124.) 2. a) O pronome tu era até bem pouco tempo, no português de Portugal, a forma própria de marcar as distâncias de superior para inferior hierárquico. Este tratamento caiu em quase total desuso e, hoje, tanto na variante idiomática brasileira como na portuguesa, é a forma o s e n h o r que, na referida situação, se usa com este valor. 3. a) Pelas razões aduzidas no capítulo 3, p. 73, quando anteposta a um nome próprio, a palavra s e n h o r assume na linguagem corrente de Portugal e, principal­ mente, do Brasil a forma seu: — Seu Malhadas, seu Malhadas, fosse você cavalheiro, não aceitava o meu copo! (A. Ribeiro, M, 67.) — Seu Firmino, o senhor duvida da minha palavra? — Deus me livre, seu Alexandre. Quem é que duvida? (G. Ramos, AOH, 111.) — Seu Coronel não me verá mais, não senhor. (A. Peixoto, RC, 938.) Observe-se, nos dois últimos exemplos, a concorrência da forma proclítica e da forma plena, esta sob o acento tônico. PRONOMES 3. Tratamento cerimonioso. As formas de tratamento propriamente cerimo­ nioso usam-se muito menos no Brasil do que em Portugal. 1. °) Vossa Excelência ( V. Ex.a). Embora o seu emprego, no português europeu, se tenha restringido bastante nas últimas décadas, e em particular nos últimos anos, ainda se usa a forma Vossa Excelência, na linguagem oral, em determinados ambientes (por ex.: academias, corpo diplomático) ou situações (empregado de comércio dirigindo-se a cliente, telefonista dirigindo-se a quem solicita uma ligação, etc.), sem que haja qualquer discriminação nítida quanto à categoria da pessoa interpelada. Por vezes aparece reduzida à forma coloquial Vossência. Na linguagem escrita, sob a forma abreviada V. Ex.a, é largo o seu uso, prin­ cipalmente na correspondência oficial e comercial. No Brasil só se emprega para o Presidente da República, ministros, gover­ nadores dos estados, senadores, deputados e oficiais-generais. E assim mesmo quase que exclusivamente na comunicação escrita e protocolar. Em requerimen­ tos, petições, etc., o seu uso costuma estender-se a presidentes de instituições, diretores de serviço e altas autoridades em geral. 2. °) Vossa Senhoria {V. S.a). É um tratamento praticamente inexistente na língua falada de Portugal e do Brasil. Na língua escrita, emprega-se ainda em ambas as variedades idiomáticas — mas cada vez menos — em cartas comer­ ciais, em requerimentos, em ofícios, etc., quando não é próprio o tratamento de Vossa Excelência. 3. °) As outras formas — Vossa Eminência, Vossa Magnificência, Vossa San­ tidade, etc. — são protocolares e só se aplicam aos ocupantes dos cargos atrás indicados. Por vezes, no tratamento direto, é possível substituí-las por formas também respeitosas, mas menos solenes. A um sacerdote, por exemplo, é comum tratar-se, em lugar de Vossa Reverência ou Vossa Reverendíssima, por o senhor, ou, no português europeu, por o senhor Padre. 4. Outras formas de tratamento. Frequente no português de Portugal, e muito raro no do Brasil, é o emprego das formas nominais antecedidas de artigo em vez das formas pronominais ou pronominalizadas de tratamento. São exemplos dessas formas nominais: a) o nome próprio, seja o de batismo, seja o de família: — O Manuel já leu este livro? — O Martins já leu este livro? b) os nomes de parentesco ou equivalentes: — O pai já leu este livro? — A mãe já leu este livro? — O meu filho já leu este livro? 309 310 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O c) outros nomes que situam o interlocutor em relação à pessoa que fala: — O meu amigo já leu este livro? — O patrão já leu este livro? — O cavalheiro já leu este livro? FÓRMULAS DE REPRESENTAÇÃO DA 1.a PESSOA No colóquio normal, emprega-se a gente por nós e, também, por eu: Houve um momento entre nós Em que a gente não falou. (R Pessoa, QGP, n.° 270.) — Não culpes mais o Barbaças, compadre! A gente só queria gastar um bocadito do dinheiro. (F. Namora, 77, 165.) — Você não calcula o que é a gente ser perseguida pelos homens. Todos me olham como se quisessem devorar-me. (C. dos Anjos, DR, 41.) Como se vê dos exemplos acima, o verbo deve ficar sempre na 3.a pessoa do singular. Também na 3.a pessoa do singular deve ficar o verbo que tem por sujeito outras expressões substantivas que representam a 1.a pessoa do singular, como o brasileirismo o degas, que às gerações mais novas já se afigura um tanto antiquado: — Então, adeus. Mande cá no degas... (J. Amado, MM, 101.) Não sendo pexote, e soltando arame, que vida supimpa a do degas! (C. Drummond de Andrade, CJB, 69.) EMPREGO DOS PRONOMES OBLÍQUOS FORMAS TÔNICAS Sabemos que as formas oblíquas tônicas dos pronomes pessoais vêm acompa­ nhadas de preposição. Como pronomes, são sempre termos da oração e, de acordo com a preposição que as acompanhe, podem desempenhar as funções de: PRONOMES 3) COMPLEMENTO NOMINAL: Vou ver-me livre de ti... (B. Santareno, TPM, 24.) O meu ódio a ela crescia dia a dia. (J. Lins do Rego, ME, 54.) b ) o b je t o in d ir e t o : — Posso mandar incumbi-la de mostrar a ti os pontos pitorescos de Piratininga... (C. dos Anjos, M, 302.) Não a diria a ninguém, Nem a ti se eu a soubesse! (A. Botto, C, 261.) c) (antecedido da preposição a e dependente, em geral, de verbos que exprimem sentimento): o b ie t o d ir e t o Paciente, obreira e dedicada, é a ela que em verdade eu amo. (J. Rodrigues Miguéis, GTC, 159.) Rubião viu em duas rosas vulgares uma festa imperial, e esqueceu a sala, a mulher e a si. (Machado de Assis, OC, 1,679. ) d ) a g e n t e d a p a s s iv a : Eu sou daqueles que foram por ele consolados. (Graça Aranha, OC, 79.) Os nossos amores não serão esquecidos nunca— por mim, está claro, e estou certo que nem por ti. (Machado de Assis, OC, 1,688.) e) ADJUNTO a d v e r b i a l : Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos. (F. Pessoa, OP, 167.) 312 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Contigo, Antônio, Antônio Machado, contigo quisera passear, por manhã de serra, por noite de rio, por nascer de luar. (C. Meireles, OP, 344.) O bservação: Do cruzamento das duas construções perfeitamente corretas: Isto não é trabalho para eu fazer e Isto não é trabalho para mim, surgiu uma terceira: Isto não é trabalho para mim fazer, em que o sujeito do verbo no infinitivo assume a forma oblíqua. A construção parece ser desconhecida em Portugal, mas no Brasil ela está muito generalizada na língua familiar, apesar do sistemático combate que lhe movem os gramáticos e os professores do idioma. E m p re g o e n fá tic o d o p ro n o m e o b líq u o tô n ic o Para se ressaltar o objeto (direto ou indireto), usa-se, acompanhando um pronome átono, a sua forma tônica regida da preposição a: Ele não via nada, via-se a si mesmo. (Machado de Assis, OC, 1,431.) O Abravezes dava-lhe razão a ela, em princípio... (U. Tavares Rodrigues, PC, 202.) P ro n o m e s p re c e d id o s d e p re p o s iç ã o As formas oblíquas tônicas mim, ti, ele (ela), nós, vós, eles (elas) só se usam antecedidas de preposição. Assim: Fez isto para mim. Gosto de ti. A ele cabe decidir. PRONOMES Orai por nós. Confiamos em vós. Não há discordância entre elas. Se o pronome oblíquo for precedido da preposição com, dir-se-á comigo, contigo, conosco e convosco. É regular, no entanto, a construção com ele (com ela, com eles, com elas): Estive com ele agora mesmo. Fui com elas visitar o irmão. Normal é também o emprego de com nós e com vós quando os pronomes vêm reforçados por outros, mesmos, próprios, todos, ambos ou qualquer numeral: Terá de resolver com nós mesmos. Estava com vós outros. Saiu com nós três. Contava com todos vós. Observações: 1 .a) Empregam-se as formas eu e tu depois das preposições acidentais afora, fora, exceto, menos, salvo e tirante: Afinal, todos exceto eu, sabem o que sou... (C. dos Anjos, DR, 43.) — Toda a gente desconfiava disso, menos eu. (Alves Redol, BC, 336.) 2.a) A tradição gramatical aconselha o emprego das formas oblíquas tônicas depois da preposição entre. Exemplo: — Foi um duelo entre mim e a velhice. (Machado de Assis, OC, I, 1085.) Que diferença há entre mim e um fidalgo qualquer? (Sttau Monteiro, FL, 29.) Por que vens, pois, pedir-me adorações quando entre mim e ti está a cruz ensanguentada do calvário? (A. Herculano, E, 44.) 31B 314 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Na linguagem coloquial predomina, porém, a construção com as formas retas, construção que se vai insinuando na linguagem literária: Entre eu e tu, Tão profundo é o contrato Que não pode haver disputa. (J. Régio, ED, 91.) Entre eu e minha mãe existe o mar. (Ribeiro Couto, PR, 365.) 3.“) Com a preposição até usam-se as formas oblíquas mim, ti, etc.: Curvam-se, agarram a rede, erguem-na até si. (R. Brandão, P, 154.) Um grito do velho Zé Paulino chegou até mim. (I. Lins do Rego, D, 255.) Se, porém, até denota inclusão, e equivale a mesmo, também, inclusive, constrói-se com a forma reta do pronome: Pois é de pasmar, mas é verdade. E até eu já tive hoje quem me oferecesse champanhe. ([. Régio, SM, 156.) Até eu, que sou muito avesso a esses corre-corres, a esse espevitamento de tomar o cheiro dos famanazes em trânsito, saí-me dos meus cuidados e fui até o Ministério. (M. Bandeira, AA, 341.) FORMAS ÁTONAS 1. São formas próprias do o b ie t o d i r e t o o, a, os, as: Eu avisei-o. (B. Santareno, TPM, 20.) Ele olhou-a, espantado. (Ferreira de Castro, OC, 1,481.) PRONOMES Ângela dominava-os a todos, vencia-os. (R. Pompeia, A, 222.) É preciso acompanhá-las. (Coelho Netto, OS, 1,45.) 2 . São formas próprias do o b ie t o in d ir e t o : lhe, lhes: O capitão lhe garantira que tudo fora um mal-entendido. (M. Palmério, VC, 286.) Soube inspirar-lhes confiança. (B. Santareno, TPM, 84.) 3. Podem empregar-se como o b i e t o a) o b ie t o d i r e t o d ir e t o o u i n d i r e t o : me, te, nos e vos. : Queres ouvir-me um instante, sensatamente? (U. Tavares Rodrigues, PC, 153.) Queria-te ver lá em cima. (Luandino Vieira, ATM, 3.) Vinde e contemplai-nos, que entardece. (C. Meireles, OP, 318.) Ninguém vos abandona, senhor. (). Régio, ERS, 90.) b ) o b je t o in d ir e t o : Chamava-me o seu alferes. (Machado de Assis, OC, II, 234.) — Ninguém te vai agradecer. (Alves Redol, BSL, 355.) Só a leitura dos grandes livros nos pode trazer a compensação das misérias de certos homens de letras. (A. R Schmidt, GB, 331.) — Ouvis o que vos pergunto? (J. Régio, ERS, 186.) 315 316 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O p ro n o m e o b líq u o á to n o s u je it o d e u m in fin it iv o Se compararmos as duas frases: Mandei que ele saísse... Mandei-o sair. verificamos que o objeto direto, exigido pela forma verbal mandei, é expresso: a) na primeira, pela oração que ele saísse; b) na segunda, pelo pronome seguido do infinitivo: o sair. E verificamos, tam­ bém, que o pronome o está para o infinitivo sair como o pronome ele para a forma finita saísse, da qual é sujeito. Logo, na frase acima o pronome o desempenha a função de sujeito do verbo sair. Construções semelhantes admitem os pronomes me, te, nos, vos (e o reflexivo se, que estudaremos à parte). Exemplo: Deixe-me falar. Mandam-te entrar. Fez-nos sentar. E m p re g o e n fá tic o d o p ro n o m e o b líq u o á to n o 1. Para dar realce ao objeto direto, costuma-se colocá-lo no início da frase e, depois, repeti-lo com a forma pronominal o (a, os, as), como nestes passos: Verdades, quem é que as quer? (F. Pessoa, OP, 530.) O meu avô, nunca o vi rezando. (J. Lins do Rego, ME, 83.) Note-se que, se o objeto direto for constituído de substantivos de gêneros di­ ferentes, o pronome que os resume deve ir para o masculino plural — os: Se Paulo desejava mesmo escândalo e agitação, teve-os à vontade. (M. Palmério, VC, 307.) Salas e coração, habita-os a saudade! (A. de Oliveira, P, III, 109.) PRONOMES 2 . Também o pronome lhe (lhes) pode reiterar o objeto indireto colocado no início da frase. Comparem-se os conhecidos provérbios: Ao pobre não lhe prometas e ao rico não lhe faltes. Ao médico e ao abade, fala-lhes sempre a verdade. O p ro n o m e d e in te re s s e Em frases como as seguintes: Olhem-me para ela: é o espelho das donas de casa! (A. Ribeiro, M, 101.) Ânimo, Brás Cubas, não me sejas palerma. (Machado de Assis, OC, 1,534.) o pronome me não desempenha função sintática alguma. É apenas um recurso expressivo de que se serve a pessoa que fala para mostrar que está vivamente interessada no cumprimento da ordem emitida ou da exortação feita. Este p r o n o m e d e i n t e r e s s e , também conhecido por d a t iv o é t i c o o u d e p r o v e i t o , é de uso frequente na linguagem coloquial, mas não raro aparece na pena de escritores. Por vezes o seu valor se dilui num me expletivo, produzindo belos efeitos: Desde menino me choro E ainda não me achei fim! (F. Pessoa, OP, 543.) Quem pagará o enterro e as flores Se eu me morrer de amores? (V. de Morais, PCP, 333.) P ro n o m e á to n o co m v a lo r p o ss e s s iv o Os pronomes átonos que funcionam como objeto indireto (me, te, lhe, nos, vos, lhes) podem ser usados com sentido possessivo, principalmente quando se aplicam a partes do corpo de uma pessoa ou a objetos de seu uso particular: Escutaste-lhe a voz? Viste-lhe o rosto? Osculaste-lhe as plantas? Tocaste-lhe os vestidos resplendentes? (Fagundes Varela, PC, II, 272.) 317 318 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O barro que em quimeras modelaste Quebrou-se-te nas mãos. (C. Pessanha, C, 64.) Duas lágrimas toldam-lhe a vista, um soluço prende-se-lhe no peito. (O. Mendes, P, 166.) P ro n o m e s c o m p le m e n to s d e v e rb o s d e re g ê n c ia d is tin ta Podemos empregar um só pronome como complemento de vários verbos quando estes admitem a mesma regência, ou seja, quando o pronome em causa desempenha idêntica função com referência a cada verbo. Assim, a frase: Só Roberto m e viu e cumprimentou. está perfeita, porque os verbos ver e cumprimentar pedem objeto direto, que, no caso, vem expresso pelo pronome me. Se disséssemos, porém: Só Roberto m e viu e deu as costas, a frase não estaria bem construída, porque o me ficaria sendo, a um tempo, objeto direto de ver e indireto de dar. Nesse caso, é de boa norma repetirmos o pronome: Só Roberto m e viu e m e deu as costas, ainda que da construção abreviada se tenham servido alguns dos melhores escritores da língua.6 O bservação: Ainda quando complemento de verbos que tenham a mesma regênda, o pronome só deve ser omitido com o segundo verbo e seguintes se estiver proclítico ao primeiro da série, como no exemplo citado: 6 Com razão, diz Mário Barreto que esta regra “não é artificial, e não a combate, nem destrói a infração dela em certos casos, em que praticamente o autorizam os usos e modismos da língua, como as locuções entrar e sair do carro, vão e vêm do campo, chegar ou sair de casa, empregadas por muitos e bons escritores”. (Novíssimos estudos da língua portuguesa. 2.a edição revista. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1924, p. 112-113, nota). PRONOMES Só Roberto m e viu e cumprimentou. Vindo enclítico ao primeiro, convém repeti-lo com os demais. Dir-se-á, pois: Viu-me e cumprimentou-me ou Viu-me e me cumprimentou (construção desusada em Portugal) e não Viu-me e cumprimentou O que se disse do pronome enclítico aplica-se ao mesoclítico. Assim: Procurar-me-ão e encontrar-me-ão ou Procurar-me-ão e me encontrarão (desusada em Portugal) e não Procurar-me-ão e encontrarão V a lo re s e e m p re g o s d o p ro n o m e s e O pronome se emprega-se como: a) o b j e t o d i r e t o (emprego mais comum): Ao sentir aquela robustez nos braços, meu pai tranquilizou-se e tranquilizou-o. (G. Amado, HMI, 124.) Viu-se ao espelho, cadavérico. (U. Tavares Rodrigues, NR, 107.) b) o b je t o in d ir e t o : Sofia dera-se pressa em tomar-lhe o braço. (Machado de Assis, OC, 1,656.) Perguntava-se a si mesma Teresa se aquela horrorosa situação seria um sonho. (C. Castelo Branco, OS, 1,390.) Emprego menos raro quando exprime a reciprocidade da ação: 319 320 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Os nossos olhos muito perto, imensos No desespero desse abraço mudo, Confessaram-se tudo! (J. Régio, PDD, 83.) Os estudantes passavam diante dos examinadores aglomerados, chocando-se uns aos outros como gado saindo em redemoinho da porta do curral. (G. Amado, HMJ, 191.) C) SUJEITODEUMINFINITIVO: Virgüia deixou-se cair, no canapé, a rir. (Machado de Assis, OC, 1,497.) Moura Teles deixou-se conduzir passivamente. (J. Paço d’Arcos, CVL, 607.) d ) PRONOME a p a s s iv a d o r : Ouve-se ainda o toque de rebate. (B. Santareno, TPM, 121.) Fez-se novo silêncio. (Coelho Netto, 0 5 ,1,97.) e) (junto à 3.3 pessoa do singular de verbos intransitivos, ou de transitivos tomados intransitivamente): s ím b o l o de iN D ETER M iN A Ç À O d o s u j e i t o Vive-se ao ar livre, come-se ao ar livre, dorme-se ao ar livre. (R. Brandão, P, 165.) Martelava-se, serrava-se, acepilhava-se. (Coelho Netto, 0 5 ,1, 131.) f) palavra expletiva (para realçar, com verbos intransitivos, a espontaneidade de uma atitude ou de um movimento do sujeito): As estrelas dirão: — “Ai! nada somos, Pois ela se morreu, silente e fria...” (A. de Guimaraens, OC, 258.) PRONOMES Foi-se embora e à passagem, mascando o charuto, mediu Maria Antônia de alto a baixo. (J. Paço d’Arcos, CVL, 929.) ...Vão-se as situações, e eles com elas. (A. Magalhães, OC, 798.) g) p a r t e in t e g r a n t e de certo s verbo s que geralmente exprimem sentimen­ to, ou mudança de estado: admirar-se, arrepender-se, atrever-se, indignar-se, queixar-se; congelar-se, derreter-se, etc. — Atreva-se. Atreva-se, e verá. (M. Torga, NCM, 48.) D. Adélia queixava-se baixinho. (G. Ramos, A, 136.) Leonel arrependeu-se da frase inútil e dura. (J. Paço d ’Arcos, CVL, 846.) Observações: 1. a) No português antigo e médio usava-se normalmente a passiva pronominal com agente expresso, como ilustra este passo camoniano: Aqui se escreverão novas histórias Por gentes estrangeiras que virão. (Ltis., VII, 55.) Na língua moderna evita-se tal prática. Daí soar-nos artificial uma construção como a seguinte: Este verbo, em nossa língua, nunca se usou pelos escritores vernáculos senão como equivalente de amar. (R. Barbosa, R, n.° 384.) 2. a) Em frases do tipo: Vendem-se casas. Compram-se móveis. consideram-se casas e móveis os sujeitos das formas verbais vendem e compram, razão por que na linguagem cuidada se evita deixar o verbo no singular. 322 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O C o m b in a ç õ e s e c o n tra ç õ e s d o s p ro n o m e s á to n o s Quando numa mesma oração ocorrem dois pronomes átonos, um objeto direto e outro indireto, podem combinar-se, observadas as seguintes regras: l.a) Me, te, nos, vos, lhe e lhes (formas de objeto indireto) juntam-se a o, a, os, as (de objeto direto), dando: mo = me + o ma = me + a mos = me + os m as = me + as to = te + o ta = te + a tos = te + os tas = te + as lho = lhe + o lha = lhe + a lhos = lhe + os lhas = lhe + as no-lo = nos + [l]o no-la = nos + [l]a no-los = nos + [l]os no-las = nos + [l]as vo-lo = vos + [l]o vo-la = vos + [l]a vo-los = vos + [l]os vo-las = vos + [l]as lha lhos lhas lho = lhes + o = lhes + a = lh e s + os = lhes+ as a) O pronome se associa-se a me, te, nos, vos, lhe, e lhes (e nunca a o, a, os, as). Na escrita, as duas formas conservam a sua autonomia, quando antepostas ao verbo, e ligam-se por hífen, quando lhe vêm pospostas: 2. O coração se me confrange... (O. Mariano, TVP, 1,216.) A aventura gorou-se-lhe aos primeiros passos. (C. de Oliveira, AC, 155.) 3. a) As formas me, te, nos e vos, quando funcionam como objeto direto, ou quando são parte integrante dos chamados verbos pronominais, não admitem a posposição de outra forma pronominal átona. O objeto indireto assume em tais casos a forma tônica preposicionada: — Como me hei de livrar de ti? (J. Régio, JA, 85.) Quantas vezes, Amor, já te esqueci, Para mais doidamente me lembrar, Mais doidamente me lembrar de ti! (F. Espanca, S, 71.) Observações: l.a) As combinações lho, lha (equivalentes a lhes + o, lhes + a) e lhos, lhas (equi­ valentes a lhes + os, lhes + as) encontram sua explicação no fato de, na língua antiga, PRONOMES a forma lhe (sem -s) ser empregada tanto para o singular como para o plural. Originariamente, eram, pois, contrações em tudo normais. 2.a) No Brasil, quase não se usam as combinações mo, to, lho, no-lo, vo-lo, etc. Da língua corrente estão de todo banidas e, mesmo na linguagem literária, só aparecem geralmente em escritores um tanto artificiais. C o lo c a ç ã o d o s p ro n o m e s á to n o s 1. Em relação ao verbo, o pronome átono pode estar: a) E N C L íT ico, isto é , depois dele: Calei-me. b) pr o clítico , is to é, a n te s d ele; Eu me calei. c) m esoc Ut ic o , do o u se ja , n o m e io d e le , c o lo c a ç ã o q u e só é p o s sív e l c o m f o r m a s FUTURO DO PRESENTE OU do FUTURO DO PRETÉRITO: Calar-me-ei. Calar-me-ia. 2. Sendo o pronome átono objeto direto ou indireto do verbo, a sua posição lógica, normal, é a énclise : Agarraram-na conseguindo, a muito custo, arrastá-la do quarto. (Coelho Netto, OS, 1,43.) Na segunda-feira, ao ir ao Morenal, parecera-lhe sentir pelas costas risinhos a escarnecê-la. (Eça de Queirós, 0 , 1 , 124.) Há, porém, casos em que, na língua culta, se evita ou se pode evitar essa colocação, sendo por vezes conflitantes, no particular, a norma portuguesa e a brasileira. Procuraremos, assim, distinguir os casos de pr ô c u se que representam a norma geral do idioma dos que são optativos e, ambos, daqueles em que se observa uma divergência de normas entre as variantes europeia e americana da língua. 323 324 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O R e g ra s g e r a is Com um só verbo 1. Quando o verbo está no futuro d o presente o u no futuro dá-se tão somente a prôclise o u a mesOclise do pronome: d o pretérito , Eu me calarei. Eu me calaria. Calar-me-ei. Calar-me-ia. 2. É , a in d a , p r e f e r id a a prôclise : a) Nas orações que contêm uma palavra negativa {não, nunca, jamais, ninguém, nada, etc.) quando entre ela e o verbo não há pausa: — Não lhes dizia eu? (M. de Sá-Carneiro, CF, 348.) Nunca o vi tão sereno e obstinado. (C. dos Anjos, M, 316.) — Ninguém me disse que você estava passando mal! (A. M. Machado, JT, 208.) b) nas orações iniciadas com pronomes e advérbios interrogativos: Quem me busca a e s ta h o r a ta rd ia ? (M. Bandeira, PP, 1,406.) — Por que te assustas de cada vez? (J. Régio, JA, 98.) Como a julgariam os pais se conhecessem a vida dela? (U. Tavares Rodrigues, NR, 23.) c) nas orações iniciadas por palavras exclamativas, bem como nas orações que exprimem desejo (optativas): Que o vento te leve os meus recados de saudade. (F. Namora, RT, 89.) PRONOMES — Que Deus o abençoe! (B. Santareno, TPM, 18.) — Bons olhos o vejam! exclamou. (Machado de Assis, OC, 1,483.) d) nas orações subordinadas desenvolvidas, ainda quando a conjunção esteja oculta: Quando me deitei, à meia-noite, os preços estavam à altura do pes­ coço. (C. Drummond de Andrade, BV, 20.) — Prefiro que me desdenhem, que me torturem, a que me deixem só. (U. Tavares Rodrigues, NR, 115.) — Que é que desejas te mande do Rio? (A. Peixoto, RC, 174.) e) com o gerúndio regido da preposição em: Em se ela anuviando, em a não vendo, Já se me a luz de tudo anuviava. (J. de Deus, CF, 205.) — Em lhe cheirando a homem chulo é com ele. (Machado de Assis, OC, 1,755.) 3. Não se dá a énclise nem a prõclise com os pa r tic ípio s . Quando o par t ic Ipio vem desacompanhado de auxiliar, usa-se sempre a forma oblíqua regida de preposição. Exemplo: Dada a mim a explicação, saiu. 4. Com os infinitivos soltos, mesmo quando modificados por negação, é lícita a prõclise ou a énclise , embora haja acentuada tendência para esta última colocação pronominal: E ah! que desejo de a tomar nos braços... (O. Bilac, P, 72.) 325 326 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Canta-me cantigas para me embalar! (Guerra Junqueiro, S, 118.) Para não fitá-lo, deixei cair os olhos. (Machado de Assis, OC, 1,807.) Para assustá-lo, os soldados atiravam a esmo. (C Drummond de Andrade, CA, 82.) A ÊNCLISE é m e s m o d e r ig o r q u a n d o o p r o n o m e te m a f o r m a o ( p r in c i p a l­ m e n te n o f e m in in o a) e o infinitivo v e m r e g id o d a p r e p o s iç ã o a: Se soubesse, não continuaria a lê-lo. (R. Barbosa, EDS, 743.) Logo os outros, Camponeses e Operários, começam a imitá-la. (B. Santareno, TPM, 120.) 5. Pode-se dizer que, além dos casos examinados, a língua portuguesa tende à PRóCLiSb pronominal: a ) q u a n d o o v e rb o v e m a n te c e d id o d e c e rto s a d v é rb io s pre, só, talvez, e tc.) (bem, mal, ainda, já, sem­ o u e x p re ssõ e s a d v e rb ia is e n ã o h á p a u s a q u e o s se p a re : Até a voz, dentro em pouco, já me parecia a mesma. (Machado de Assis, OC, 1,858.) Só depois se senta no chão a chorar. (Alves Redol, MB, 255.) Ao despertar, ainda as encontro lá, sempre se mexendo e discutindo. (A. M. Machado, CJ, 174.) Talvez Elisabeth se decidisse. (Ferreira de Castro, OC, II, 261.) Nas pernas me fiava eu. (A. Ribeiro, M, 8 8 .) b ) q u a n d o a o r a ç ã o , d is p o s ta e m o r d e m in v e rs a , se in ic ia p o r o b je to d ir e to o u p re d ic a tiv o : Tiram mais que na ceifa; isso te digo eu. (Alves Redol, G, 108.) PRONOMES — A grande notícia te dou agora. (E Namora, NM, 162.) Razoável lhe parecia a solução proposta. c) quando o sujeito da oração, anteposto ao verbo, contém o numeral ambos ou algum dos pronomes indefinidos (todo, tudo, alguém, outro, qualquer, etc.): Ambos se sentiam humildes e embaraçados. (R Namora, TJ, 293.) Alguém lhe bate nas costas. (A. M. Machado, JT, 208.) Todos os barcos se perdem, entre o passado e o futuro. (C. Meireles, OP, 37.) d) nas orações alternativas: — Das duas uma: ou as faz ela ou as faço eu. (Sttau Monteiro, APJ, 39.) Maria, ora se atribulava, ora se abonançava. (Ó. Ribas, EMT, 18.) 6. Observe-se por fim que, sempre que houver pausa entre um elemento capaz de provocar a pr ó cu se e o verbo, pode ocorrer a ênclise : Pouco depois, detiveram-se de novo. (Ferreira de Castro, OC, 1,403.) A ênclise é naturalmente obrigatória quando aquele elemento, contíguo ao verbo, a ele não se refere, como neste exemplo: — Sim, sim, disse ela desvairadamente, mas avisemos o cocheiro que nos leve até a casa de Cristiano. — Não, apeio-me aqui... (Machado de Assis, OC, 1,690.) 328 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Costumam os escritores do idioma, principalmente os portugueses, inserir uma ou mais palavras entre o pronome átono em próclise e o verbo, sendo mais comum a intercalação da negativa não: Era impossível que lhe não deixasse uma lembrança. (Machado de Assis, OC, I, 563.) Conformado pelas suas palavras, o tio calara-se, só para lhe não dar assen­ timento. (Alves Redol, F, 310.) Elá tanto tempo que o não via! (Luandino Vieira, Cl, 64.) Com uma locução verbal 1. Nas locuções verbais gerún dio 1. em que o verbo principal está no in fin itiv o o u no pode dar-se: °) Sempre a énclise a o in f in itiv o o u a o g e r ú n d io : O r o u p e ir o veio interromper-me. (R. Pompeia,A,37.) — Que poderá dizer-nos aquele rato de biblioteca? (A. Ribeiro, AFPB, 215.) Só quero preveni-lo contra as exagerações do Prólogo. (A. de Quental, C, 314.) Nós íamos seguindo; e, em tomo, imensa, Ia desenrolando-se a paisagem. (R. Correia, PCP, 304.) 2. °) A próclise a o v e r b o a u x ilia r, q u a n d o o c o r r e m as c o n d iç õ e s e x ig id a s p a r a a a n te p o s iç ã o d o p r o n o m e a u m s ó v e rb o , is to é: a) quando a locução verbal vem precedida de palavra negativa, e entre elas não há pausa: Tempo que navegaremos Não se pode calcular. (C. Meireles, OP, 141.) PRONOMES Rita é minha irmã, não me ficaria querendo mal e acabaria rindo também. (Machado de Assis, OC, 1,1051.) — Ninguém o havia de dizer. (A. Ribeiro, M, 6 8 .) Jamais me hão de chamar outro mais doce. (F. Espanca, S, 49.) b) nas orações iniciadas por pronomes ou advérbios interrogativos: — Que mal me havia de fazer? (M. Torga, NCM, 47.) Que é que me podia acontecer? (G. Ramos, A, 152.) — Em que lhe posso ser útil, senhor Petra? (A. Ribeiro, M, 268.) Como te hei de receber em dia tão posterior? (C. Meireles, OP, 406.) c) nas orações iniciadas por palavras exclamativas, bem como nas orações que exprimem desejo (optativas): Como se vinha trabalhando mal! Deus nos há de proteger! d) nas orações subordinadas desenvolvidas, inclusive quando a conjunção está oculta: O sufrágio que me vai dar será para mim uma consagração. (E. da Cunha, OC, II, 634.) Ega subiu ao seu quarto, onde outro criado lhe estava preparando o banho. (Eça de Queirós, O, II, 329.) Eram orações extraordinariamente tocantes, que N. lamenta não ter guardado na memória, ou registrado à proporção que as ia ouvindo. (A. F. Schmidt, F, 171.) 329 330 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Ao cabo de cinco dias, minha mãe amanheceu tão transtornada que ordenou me mandassem buscar ao seminário. (Machado de Assis, OC, 1,800.) 3.°) A ÊNCLiSE a o v e r b o a u x ilia r, q u a n d o n ã o se v e rific a m essas c o n d iç õ e s q u e a c o n s e lh a m a prôclise : Vão-me buscar, sem mastros e sem velas, Noiva-menina, as doidas caravelas, Ao ignoto País da minha infância... (F. Espanca, S, 179.) Ia-me esquecendo dela. (G. Ramos, AOH , 40.) A cidade ia-se perdendo à medida que o veleiro rumava para São Pedro. (B. Lopes da Silva, C, 207.) 2. Quando o verbo principal está no particípio , o pronome átono não pode vir depois dele. Virá, então, proclítico o u enclítico ao verbo auxiliar, de acordo com as normas expostas para os verbos na forma simples: — Tenho-o trazido sempre, só hoje é que o viste? (M. J. de Carvalho, TM, 152.) — Arrependa-se do que me disse, e tudo lhe será perdoado. (Machado de Assis, OC, 1,645.) Que se teria passado? (Coelho Netto, OS, I, 1412.) Queria mesmo dali adivinhar o que se tinha passado na noite da sua ausência. (Alves Redol, F, 195.) A c o lo c a ç ã o d o s p r o n o m e s á to n o s n o B ra s il A colocação dos pronomes átonos no Brasil, principalmente no colóquio normal, difere da atual colocação portuguesa e encontra, em alguns casos, similar na língua medieval e clássica. PRONOMES Podem-se considerar como características do português do Brasil e, também, do português falado nas Repúblicas africanas: a) a possibilidade de se iniciarem frases com tais pronomes, especialmente com a forma me: — Me desculpe se falei demais. (É. Veríssimo, A, II, 487.) Me arrepio todo... (Luandino Vieira, NM, 138.) b) a preferência pela próclise nas orações absolutas, principais e coordenadas não iniciadas por palavra que exija ou aconselhe tal colocação: — Se Vossa Reverendíssima me permite, eu me sento na rede. (J. Montello, TSL, 176.) O usineiro nos entregava o açúcar pelo preço do dia, pagava a co­ missão e armazenagem e nós especulávamos para as praças do Rio e São Paulo. (J. Lins do Rego, 17,251.) — A sua prima Júlia, do Golungo, lhe mandou um cacho de bana­ nas. (Luandino Vieira, NM, 54.) c) a próclise ao verbo principal nas locuções verbais: Será que o pai não ia se dar ao respeito? (Autran Dourado, SA, 6 8 .) — Não, não sabes e não posso te dizer mais, já não me ouves. (Luandino Vieira, NM, 46.) Outro teria se metido no meio do povo, teria terminado com aquela miséria, sem sangue. (J. Lins do Rego, U, 222.) Tudo ia se escurecendo. (J. Lins do Rego, [/, 338.) 332 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Justificando essa última colocação, escreve Martinz de Aguiar: “Numa frase como ele vem-me ver, geral em Portugal, literária no Brasil, o fator lógico deslocou o pronome me do verbo vem, para adjudicá-lo ao verbo ver, por ser ele determinante, objeto direto, do segundo e, não, do primeiro. Isto é: deixou a língua falada no Brasil de dizer vem-me ver (fator histórico por ser mera continuação do esquema geral português), para dizer vem me-ver, que também vigia na língua, ligando-se o pronome ao verbo que o rege (fator lógico). Esta colocação de tal maneira se estabilizou, que pouco se diz vem ver-me e trouxe consequências imprevistas: 1. a) Pôde-se juntar o pronome ao particípio procliticamente: Aqueles haviam se-corrompido. 2. a) Pôde-se pôr o pronome depois dos futuros (do presente e do passado): Poderá se-reduzir, poderia se-reduzir. Deixando de ligar-se aos futuros, para unir-se ao infinitivo, deixou igualmente de interpor-se-lhes aos elementos constitutivos. 3. a) Em frases como vamo-nos encontrar, deixando o pronome de pospor-se à forma verbal pura, para antepor-se à nominal, deixou igualmente de deter­ minar a dissimilação das sílabas parafônicas, podendo-se então dizer vamos nos-encontrar”.7 PRONOMES POSSESSIVOS PRONOMES PESSOAIS, POSSESSIVOS E DEMONSTRATIVOS Estreitamente relacionados com os pronomes pessoais estão os pronom es possessivos e OS DEMONSTRATIVOS. Os pro n o m es pessoais, vimos, denotam as pessoas gramaticais; os outros dois indicam algo determinado por elas: a) os possessivos , o q u e lh e s c a b e o u p e r te n c e ; b) os demonstrativos , o que delas se aproxima ou se distancia no espaço e no tempo. Podemos, assim, estabelecer estas correspondências prévias: 1 .a P esso a 2 .a P esso a 3 .a P e s s o a Pronom e pessoal eu Pronom e possessivo meu teu seu Pronom e dem onstrativo este esse aquele tu ele Notas de português de Filinto a Odorico. Rio de Janeiro, Simões, 1955, p. 409. PRONOMES FORMAS DOS PRONOMES POSSESSIVOS Os pronom es possessivos apresentam três séries de formas, correspondentes à pessoa a que se referem. Em cada série, estas formas variam de acordo com o gênero e o número da coisa possuída e com o número de pessoas representadas no possuidor. Um p o s s u i d o r Vários possuidores U. ' Um o b je t o V á r io s -■—. —- Um o b j e t o O B JETO S 1.a pessoa masc. V á r io s O BJETO S meu m inha m eus m inhas nosso nossa nossos nossas 2.a pessoa masc. fem. teu tu a teus tu as vosso vossa vossos vossas 3.a pessoa masc. fem. seu sua seus suas seu sua seus suas fem. VALORES E EMPREGOS DOS POSSESSIVOS Os pronom es possessivos acrescentam à noção de pessoa gramatical uma ideia de posse. São, de regra, pronomes adjetivos, equivalentes a um adjunto adnominal antecedido da preposição de (de mim, de ti, de nós, de vós, de si), mas podem empregar-se como pronomes substantivos: Por exemplo: Meu livro é este. Este liv ro é o meu. Sempre com suas histórias! Fazer das suas. Concordância do pronome possessivo 1. O pr o n o m e possessivo c o n c o r d a e m g ê n e r o e n ú m e r o c o m o s u b s ta n tiv o q u e d e s ig n a o o b je to p o s s u íd o ; e, e m p e s s o a , c o m o p o s s u id o r d o o b je to e m c a u sa : Cada um tratava de si, do seu corpo, da sua alma, dos seus ódios. (M. Torga, NCM, 204.) Eu estava na porta da minha casa, casa de passeio-alto, com a minha mãe e o meu pai. (Luandino Vieira, NANV, 178.) 333 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Suas mudanças súbitas, seu jeito provocante, sua mímica muito femi­ nina me fazem lembrar a Jandira mulher, que tantas vezes desaparece a meus olhos, em nossas conversações. (C. dos Anjos, DR, 124.) 2. Quando um só possessivo determina mais de um substantivo, concorda com o que lhe esteja mais próximo: Rubião estacara o passo; ela pôde vê-lo bem, com os seus gestos e palavras, o peito alto, e uma barretada que deu em volta. (Machado de Assis, OC, 1,715.) E o meu corpo, minh’alma e coração, Tudo em risos poisei em tua mão... (F. Espanca, S, 177.) Posição do pronome adjetivo possessivo O pr o n o m e adjetivo possessivo p r e c e d e n o r m a l m e n t e o s u b s t a n ti v o q u e d e t e r m in a , c o m o n o s m o s t r a m o s e x e m p lo s a té a q u i c ita d o s . Pode, no entanto, vir posposto ao substantivo: 1. °) quando este vem desacompanhado do artigo definido: Esperava notícias tuas para de novo te escrever. (A. Nobre, C7,119.) Soube por José Veríssimo que estranhou a ausência de cartas mi­ nhas. (E. da Cunha, OC, II, 707.) 2. °) q u a n d o o s u b s ta n tiv o já e s tá d e te r m in a d o ( p e lo a r tig o in d e fin id o o u p o r n u m e r a l, p o r p r o n o m e d e m o n s tr a tiv o o u p o r p r o n o m e in d e f in id o ) : Recebi, no Rio, no dia da posse no Instituto, um telegrama seu, de felicitações... (E. da Cunha, OC, II, 639.) Note este erro seu: não há em mim (que eu seja consciente) o menor espírito de renúncia ou de esquecimento de mim próprio. (J. de Figueiredo, C, 177.) PRONOMES Como tu foste infiel A certas ideias minhas! (F. Pessoa, QGP, n.° 186.) 3.°) nas interrogações diretas: Onde estais, cuidados meus? (M. Bandeira, PP, 23.) Em todo o caso... Agora ouve-se menos ou é impressão minha? (A. Abelaira, NC, 15.) 4.°) quando há ênfase: — Tu não lustras as unhas! tu trabalhas! tu és digna filha minha! pobre, mas honesta! (Machado de Assis, OC, 1,672.) Ninguém, senhores meus, que empreenda uma jornada extraordi­ nária, primeiro que meta o pé na estrada, se esquecerá de entrar em conta com as suas forças, por saber se o levarão a cabo. (R. Barbosa, EDS, 685.) A alternância de colocações presta-se a efeitos estilísticos, como nos mostra este exemplo: És meu único desejo, Ah! fosse o desejo teu! (Guimarães Passos, V5,24.) Emprego ambíguo do possessivo de 3.a pessoa As formas seu, sua, seus, suas aplicam-se indiferentemente ao possuidor da 3.a pessoa do singular ou da 3.® do plural, seja este possuidor masculino ou feminino. O fato de concordar o possessivo unicamente com o substantivo denotador do objeto possuído provoca, não raro, dúvida a respeito do possuidor. Para evitar qualquer ambiguidade, o português nos oferece o recurso de precisar a pessoa do possuidor com a substituição de seu(s), sua(s), pelas formas dele(s), dela(s), de você(s), do(s) senhor(es), da(s) senhora(s) e outras expressões de tratamento. 335 336 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Por exemplo, a frase: Em casual encontro com Júlia, Pedro fez comentários sobre os seus exames. tem um anunciado equívoco: os comentários de Pedro podem ter sido feitos sobre os exames de Júlia; ou sobre os exames dele, Pedro; ou, ainda, sobre os exames de ambos. Assim sendo, o locutor deverá expressar-se, conforme a intenção que tenha: Em casual encontro com Júlia, Pedro fez comentários sobre os exa­ mes dela. Em casual encontro com Júlia, Pedro fez comentários sobre os exa­ mes dele. Em casual encontro com Júlia, Pedro fez comentários sobre os exa­ mes deles. Reforço dos possessivos O valor possessivo destes pronomes nem sempre é suficientemente forte. Quando há necessidade de realçar a ideia de posse — quer visando à clareza, quer à ênfase — , costuma-se reforçá-los: a) com a palavra próprio ou mesmo: Mais unidos sigamos e não tarda Que eu ache a vida em tua própria morte. (Guimarães Passos, V5,46.) Era ela mesma; eram os seus mesmos braços. (Machado de Assis, OC, II, 484.) b) com as expressões dele{s), dela{s), no caso do possessivo da 3.®pessoa: Montaigne explica pelo seu modo dele a variedade deste livro. (Machado de Assis, OC, II, 556.) Domingos Botelho, avisado da rejeição do filho, respondeu que fizesse ele a sua vontade; mas que a sua vitória dele, sobre os protetores e os corrompidos pelo ouro do fidalgo de Viseu, estava plenamente obtida. (C. Castelo Branco, OS, 1,415.) PRONOMES Valores dos possessivos O pronom e possessivo não exprime sempre uma relação de posse ou pertinên­ cia, real ou figurada. Na língua moderna, tem ele assumido múltiplos valores, por vezes bem distanciados daquele sentido originário. Mencione-se o seu emprego: a) como indefinido: Tinha tido o seu orgulho, a sua calma, a sua certeza. (M. Torga, V, 216.) Tenho tido os meus vícios. (Alves Redol, BC, 43.) A senhora há de ter tido seus apertos de dinheiro, disse Rubião. (Machado de Assis, OC, 1,630.) b) para indicar aproximação numérica: Revejo sempre uma rapariga que só uma vez fitei, tinha eu meus vinte anos. (A. F. Schmidt, GB, 251.) Ela media, como um marchante, o meu metro e oitenta de altura e pesava, com o mesmo rigor, os meus setenta e sete quilos. (F. Namora, RT, 90.) Entrou uma mulherzinha de seus quarenta anos, decidida e de passo firme. (F. Sabino, HN, 164.) c) para designar um hábito: Neste instante, a Judite voltou-se e, abandonando as companheiras, veio desfazer o cumprimento com um repente dos seus. (Almada Negreiros, NG, 110.) Nos nossos dias, a baianinha chegava logo depois do almoço, muito leve e flexível, a passo rápido. (Ribeiro Couto, NC, 89.) PRONOMES — Não sei para onde vou mandar o meu herói... — disse com um falso sorriso. (É. Veríssimo, LS, 139.) Ora bem, deixa-me transcrever o meu Saint-Exupéry. (F. Namora, RT, 190.) Isto feito, meteu-se na cama, rezou uma ode do seuHorácio e fechou os olhos. Nem por isso dormiu. Tentou então uma página do seu Cervantes, outra do seu Erasmo, fechou novamente os olhos, até que dormiu. (Machado de Assis, OC, 1,953.) — Onde está o meu Tenentes do Diabo? (J. Lins do Rego, E, 282.) d) de ironia, de malícia, de sarcasmo: Todos aqueles santos varões comiam, bebiam o seu vinho do Porto na copa. (Eça de Queirós, O, II, 17.) Na mesa do major jantei o meu frango, comi a minha boa posta de robalo, trabalho que afundou em mais de duas horas. (J. C. de Carvalho, CL, 133.) Em casa de Norberto, as senhoras tinham as delicadezas do sexo, bebiam seu chá, faziam sua malha e eram madrinhas das filhas dos criados mais próximos. (J. Saramago, LC, 54.) Observe-se que, nos dois últimos casos, o acompanhado do artigo definido. possessivo vem normalmente 2. De acentuado caráter afetivo é também a construção em que uma forma feminina plural do pronome completa a expressão fazer (ou dizer) uma das = praticar uma ação ou dizer algo particular, geralmente passível de crítica: Com aquele gênio esquentado é capaz de fazer uma das dele. (Castro Soromenho, TM, 175.) 339 338 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Era lindo o bicho, com sua calma de passarinho manso. (R. Braga, CCE, 85.) Sente-se em todos esses empregos do possessivo uma certa carga afetiva, mais acentuada nos que passamos agora a examinar. Valores afetivos 1. Variados são os matizes afetivos expressos pelos vezes, para acentuar um sentimento: a) de deferência, de respeito, de polidez: p o s s e s s iv o s . Servem, por u— Quer alguma coisa, minha senhora?” (Eça de Queirós, OF, 1,1037.) Adeus! — Bons dias, meu Comandante, A nossa sorte... morrer, talvez... E o rude velho segue pra diante E o rude velho segue pra diante: — Morrer, meu Amo, só uma vez! (A. Nobre, S, 106.) — Não posso deixá-lo um instante, meu Fidalgo. (A. Arinos, OC, 436.) — Não é assim, meus respeitáveis senhores? (0 . Ribas, EMT, 123.) b) de intimidade, de amizade: — Hoje, meu caro Antônio, temos de festejar a presença do meu rapaz. (Sttau Monteiro, APJ, 203.) — Dispõe de mim, meu velho, estou às suas ordens, bem sabes. (A. Azevedo, CEM, 6 .) — Não há nada mais certo, meu amigo — respondia D. Clara. (A. de Assis Júnior, SM, 76.) c) de simpatia, de interesse (com referência a personagem de uma narrativa, a autor de leitura frequente, a clubes ou associações de que seja sócio ou aficionado, etc.): 340 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O As criadas, junto da porta, casquinaram uns risinhos abafados e o Barbaças voltou-se para elas, disposto a dizer uma das suas. (E Namora, TJ, 210.) — Você andou por aí fazendo das suas. (J. Lins do Rego, MR , 229.) Nosso de modéstia e de majestade Paralelamente ao emprego do pronome pessoal nós por eu nas fórmulas de modéstia e de majestade que estudamos, aparece o do possessivo nosso(a) por meu (minha). Comparem-se estes exemplos: a) de modéstia: Este livro nada mais pretende ser do que um pequeno ensaio. Foi nosso escopo encontrar apoio na história do Brasil, na formação e crescimento da sociedade brasileira, para colocar a língua no seu verdadeiro lugar: expressão da sociedade, inseparável da história da civilização. (S. da Silva Neto, IELPB, 11.) b) de majestade: Mandamos que os ciganos, assi homens como mulheres, nem outras pessoas, de qualquer nação que sejam, que com eles andarem, não entrem em nossos Reinos e Senhorios. (Ordenações Filipinas, livro V, título 69.) Vosso de cerimônia O uso do pronome pessoal vós como tratamento cerimonioso aplicado a um indivíduo ou a um auditório qualificado leva, naturalmente, a igual emprego do possessivo vosso(a). Exemplos: Nunca vosso avô, meu senhor e marido, achou que me não fosse possível compreender o ânimo dum grande português. (J. Régio, ERS, 69.) Levareis, Senhores Delegados, aos vossos Governos, à vossa Pátria, estas declarações que são a expressão sincera dos sentimentos do Governo e do Povo Brasileiro. (Barão do Rio Branco, D, 98.) PRONOMES Observação: Quanto ao emprego das formas de tratamento cerimonioso em que se fixaram os p o s s e s s i v o s Sua e Vossa (tipo: Sua Excelência, Vossa Excelência), veja-se o que dissemos ao estudarmos os p r o n o m e s p e s s o a i s (Pronomes de tratamento). Substantivação dos possessivos Os possessivos, quando substantivados, designam: a) no singular, o que pertence a uma pessoa: — Eu não tenho mais ambições que fazer fanga e ganhar o que puder, até ter um bocado de meu. (Alves Redol, F, 281.) A rapariga não tinha um minuto de seu. (A. Rangel, IV , 61.) Eu não tenho de meu um momento. (Almeida Garrett, 0 ,1 ,1415.) b) no plural, os parentes de alguém, seus companheiros, compatriotas ou cor­ religionários: Peço-te que transmitas, em nome de todos os meus, sinceros agrade­ cimentos a D. Maria Júlia e a todos os teus. (E. da Cunha, OC, II, 705.) Saudades a todos os teus. (R. Correia, PCP, 623.) Não me podia a Sorte dar guarida Por não ser eu dos seus. (F. Pessoa, OP, 12.) Impugnaram-na apaixonadamente Dâmaso e os seus; defenderam-na com brio e vivacidade Moura Seco, Teodoro e os inimigos do arcipreste. (A. Ribeiro, AFPB, 264.) Emprego do possessivo pelo pronome oblíquo tônico Em certas locuções prepositivas, o pronome oblíquo tônico, que deve se­ guir a preposição e com ela formar um complemento nominal do substantivo 341 342 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O anterior, Assim: é normalmeiite substituído pelo prono m e possessivo em frente de ti ao lado de mim em favor de nós por causa de você correspondente. em tua frente ao meu lado em nosso favor por sua causa Veja-se, por exemplo, este passo, no qual a expressão em teu louvor equivale a em louvor de ti: Negrinho do Pastoreio, Venho acender a velinha Que palpita em teu louvor. (A. Meyer, P, 125.) PRONOMES DEMONSTRATIVOS 1. Os pro n o m es demonstrativos situam a pessoa ou a coisa designada rela­ tivamente às pessoas gramaticais. Podem situá-la no espaço ou no tempo: Lia coisas incríveis para aquele lugar e aquele tempo. (C dos Anjos, DP, 105.) A c a p a c id a d e d e m o s t r a r u m o b j e t o s e m n o m e á - lo , a c h a m a d a deíctica ( d o g re g o deiktikós = fu n ç à o p r ó p r i o p a r a d e m o n s t r a r , d e m o n s t r a tiv o ) , é a q u e c a r a c te r iz a f u n d a m e n t a l m e n t e e s ta c la sse d e p r o n o m e s . 2. Mas os demonstrativos empregam-se também para lembrar ao ouvinte ou ao leitor o que já foi mencionado ou o que se vai mencionar: A ternura não embarga a discrição nem esta diminui aquela. (Machado de Assis, OC, 1,1124.) O mal foi este: criar os filhos como dois príncipes. (M. Torga, V, 309.) É a sua funçào anafôrica à m e m ó r ia ) . ( d o g re g o anaphorikós = q u e faz le m b r a r , q u e tr a z PRONOMES FORMAS DOS PRONOMES DEMONSTRATIVOS 1. Os pronom es demonstrativos apresentam formas variáveis e formas invariáveis, ou neutras: V a r i Av e i s I n v a r i Av e i s M F em a s c u l in o este esse estes esses aquele aqueles esta essa aquela in in o estas essas aquelas I isto isso aquilo 1 2. As formas variáveis {este, esse, aquele , etc.) podem funcionar como pronomes adjetivos e como pronomes substantivos: Este livro é meu. Meu livro é este. 3. As formas invariáveis ( isto, isso, aquilo) são sempre pronomes substantivos. 4. Estes demonstrativos combinam-se com as preposições de e em, tomando as formas: deste, desta, disto; neste, nesta, nisto; desse, dessa, disso; nesse, nessa, nisso; daquele, daquela, daquilo; naquele, naquela, naquilo. Aquele, aquela e aquilo contraem-se ainda com a preposição a, dando: àquele, àquela e àquilo. 5. Podem também ser demonstrativos o {a, os, as), m esm o ,p ró p rio , sem elhante e tal, como veremos adiante. VALORES GERAIS Considerando-os em suas relações com as pessoas do discurso, podemos esta­ belecer as seguintes características gerais para os pronomes demonstrativos: L°) Este, esta e isto indicam: a) o que está perto da pessoa que fala: Esta casa estará cheia de flores! Cá te espero amanhã! Não te demores! (E. de Castro, UV, 59.) As mãos que trago, as mãos são estas. (C. Meireles, OP, 216.) 343 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b) o tempo presente em relação à pessoa que fala: Esta tarde para mim tem uma doçura nova. (Ribeiro Couto, PR, 83.) Neste momento há um rapaz que gosta de mim, um inglês. (U. Tavares Rodrigues, NR, 13.) 2. °) Esse, essa e isso designam: a) o que está perto da pessoa a quem se fala: — Que susto você me pregou, entrando aqui com essa cara de alma do outro do mundo! (C. dos Anjos, DR, 32.) — Ficas aí um pedaço a descansar e a remoer essas fúrias. Isso, agora, ainda incha um bocado. (F. Namora, NM, 122.) Essas tuas fúrias avulso, esse teu calor, esse riso, essa amizade mesmo nos ódios que tinhas, procuro-lhes em vão só, que os teus olhos estão fechados para sempre. (Luandino Vieira, NM, 30.) b) o tempo passado ou futuro com relação à época em que se coloca a pessoa que fala: Bons tempos, Manuel, esses que já lá vão! (A. Nobre, S, 51.) Desses longes imaginados, dessas expectativas de sonho, passava ele ao exame da situação da Europa em geral e da Alemanha em particular. (G. Amado, DP, 92.) 3. °) Aquele, aquela e aquilo denotam: a) o que está afastado tanto da pessoa que fala como da pessoa a quem se fala: — Olhem aquele monte ali em frente. É longe, não é? (G. Ramos, AOH, 107.) PRONOMES — Qualquer dia dizem assim: ali naquela casa viveu o Paulino. (Castro Soromenho, C, 116.) b) um afastamento no tempo de modo vago, ou uma época remota: Naquele tempo a fogueira crepitava até horas mortas. (C. dos Anjos, DR, 46.) — Naquele tempo era uma boa casa de banho. — Naquele tempo, filho... Ora, naquele tempo! (M. J. de Carvalho, TM, 41.) — Naquele tempo as pernas não me pesavam. (Castro Soromenho, C, 118.) Resumindo, podemos apresentar no seguinte quadro os valores básicos dessas formas pronominais para a pessoa que fala ou escreve: D e m o n s t r a t iv o P esso a E spaço T em po e s te 1 .3 s it u a ç ã o p ró x im a p re s e n te e s se 2 .a s it u a ç ã o in t e r m e d iá r ia p a s s a d o o u fu t u ro o u d is t a n t e p o u c o d is t a n t e s it u a ç ã o lo n g ín q u a p a s s a d o v a g o o u re m o to a q u e le 3 .a DIVERSIDADE DE EMPREGO Estas distinções que nos oferece o sistema ternário dos demonstrativos em português não são, porém, rigorosamente obedecidas na prática. Com frequência, na linguagem animada, nos transportamos pelo pensamento a regiões ou a épocas distantes, a fim de nos referirmos a pessoas ou a objetos que nos interessam particularmente como se estivéssemos em sua presença. Linguisticamente, esta aproximação mental traduz-se pelo emprego do pronome este (esta, isto) onde seria de esperar esse ou aquele. Sirva de exemplo esta frase de um personagem do romance Fogo morto, de José Lins do Rego, em que o advérbio lá se aplica a sua casa, da qual no momento estava ausente: — Eu só queria estar lá para receber estes cachorros a chicote. (FM, 296.) 346 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Ao contrário, uma atitude de desinteresse ou de desagrado para com algo que esteja perto de nós pode levar-nos a expressar tal sentimento pelo uso do demons­ trativo esse em lugar de este. Assim, no seguinte passo de Ferreira de Castro: O guarda-livros, num repelão, ordenou: — Tire esse bandido da minha frente, João! Tome conta dele! (O C,1,300.) EMPREGOS PARTICULARES 1. Este {esta, isto) é a forma de que nos servimos para chamar a atenção sobre aquilo que dissemos ou que vamos dizer: — Justamente, traz uma comunicação reservada, reservadíssima; negócios pessoais. Dá licença? Dizendo isto, Rubião meteu a carta no bolso; o médico saiu; ele respirou. (Machado de Assis, OC, 1,564.) Minha tristeza é esta — A das coisas reais. (F. Pessoa, OP, 100.) 2. Para aludirmos ao que por nós foi antes mencionado, costumamos usar também o demonstrativo esse (essa, isso): Não havia que pedir de fiado nas lojas; a lareira teria sempre lume. Nisso, ao menos, o Agostinho Serra abria bem as mãos. (Alves Redol, G, 94.) — A isso eu chamaria complexo de Carlitos. (C. dos Anjos, MS, 383.) 3. Esse (essa, isso) é a forma que empregamos quando nos referimos ao que foi dito por nosso interlocutor: — As minhas meditações foram sempre pessoais e intransmissíveis. — Sempre. É nisso que és extraordinária. (M. J. de Carvalho, PSB, 56.) — Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia? — Já tenho feito isso. (Machado de Assis, OC, II, 586.) PRONOMES 4. Tradicionalmente, usa-se nisto no sentindo de “então”, “nesse momento”: Nisto, ouvimos vozes e passos. (A.Abelaira, TM, 112.) Entardeceu. Nisto correu voz que a noiva estava chorando. (Simões Lopes Neto, CGLS, 210.) Escritores modernos, entretanto, empregam também nisso: Nisso a orquestra, a boa orquestra romântica dos restaurantes da velha guarda, atacou “Parabéns para você”... (C. Drummond de Andrade, CB, 20.) Nisso bateram à porta. (Ribeiro Couto, NC, 261.) 5. Em certas expressões o uso fixou determinada forma do demonstrativo, nem sempre de acordo com o seu sentido básico. É o caso das locuções: além disso, isto é, isto de, por isso (raramente por isto), nem por isso. POSIÇÃO DO PRONOME ADJETIVO DEMONSTRATIVO 1. O d e m o n s t r a t iv o , quando substantivo que determina: pro n o m e AD iETivo, precede norm alm ente o Meu pobre coração, nessa eterna ansiedade, Nesse eterno sofrer, eterno arrastaria Esta triste, esta longa, esta eterna saudade. (M. Pederneiras, LSMV, 53.) Estes homens e estas mulheres nasceram para trabalhar. (J. Saramago, LC, 327.) 2. Pode, no entanto, vir posposto ao substantivo para melhor especificar o que se disse anterior mente: Por outro lado, Siá Bina era ainda comadre de Nhô Felício, pois batiza­ ra um filho dele, há poucos anos, filho esse do segundo casamento. (Ribeiro Couto, C, 145.) PRONOMES A ternura não embarga a discrição nem esta diminui aquela. (Machado de Assis, OC, 1,1124.) Porém de que serve a piedade sem a caridade? ou antes, pode aquela existir sem esta? (Almeida Garrett, 0 ,1 ,721.) 2. Por vezes, os d e m o n s t r a t i v o s alternados têm valor indefinido: E vimos isto: homens de todas as idades, tamanhos e cores, uns em mangas de camisa, outros de jaqueta, outros metidos em sobrecasacas esfrangalhadas; atitudes diversas, uns de cócoras, outros com as mãos apoiadas nos joelhos, estes sentados em pedras, aqueles encostados ao muro, e todos com os olhos fixos no centro, e as almas debruçadas das pupilas. (Machado de Assis, OC, 1,525.) Outras mulheres, assentadas sobre as esteiras, ladeavam a cama onde momentos antes repousou o corpo. Esta soluçava a um canto; aquela lacrimejava em silêncio junto a um móvel... (A. de Assis lúnior, SM, 56.) Depois vieram outros e outros, estes fincados de leve, aqueles até à cabeça. (Monteiro Lobato, U, 110.) 3. Observe-se também a ocorrência de dois d e m o n s t r a t i v o s em construções nas quais o predicativo introduzido por aquele melhor esclarece o sujeito, expresso por um substantivo determinado por este ou esse: Este homem foi aquele que me dizia “que não me afligisse que eu ainda estava muito novo para curar-me” (A. Nobre, CL, 144.) Mas esses atos são justamente aqueles que os psiquiatras designam como características de qualquer perturbação mental. (T. Barreto, QV, 39.) Por vezes omite-se o substantivo: Essa é aquela Lélia. (G. Cruls, QR, 498.) 349 348 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O A recepção esteve muito cacete e o Dr. Martiniano Lopes me pegou no terraço para ler um longo discurso que vai pronunciar na Ordem dos Economistas; martírio esse que durou uma hora de relógio. (C. Drummond de Andrade, CA, 128.) 3. Usa-se para determinar o aposto, geralmente quando este salienta uma característica marcante da pessoa ou do objeto; Amanhã, seriam os comentários na rodinha do sura antipático, sem rabo ainda, sem voz ainda, pescoço pelado, e já metido a galo. Na do sura e na do garnisé branco — esse, então, um afeminado de marca, com aquela vozinha esganiçada e o passinho miúdo. (M. Palmério, VC, 99.) Arlequim é o D. Quixote, esse livro admirável onde se experimentam ao ar livre, de dia e de noite, e através de todas as eventualidades os preceitos da Honra e das outras teorias. (Almada Negreiros, OC, III, 90.) Chamava-se “Terminus”, porque o proprietário fizera em tempos a sua viagem à Europa, “Terminus” em luzinhas bem nítidas, bem fortes, com um halo, esse muito límpido, a uni-las. (M. J. de Carvalho, TM, 10.) 4. Esse (e mais raramente este) emprega-se também para pôr em relevo um substantivo que lhe venha anteposto: O padre, esse andava de coração em aleluia. (M. Torga, CM, 47.) O sacrificador, esse, ficara rodando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa nem para dentro de si mesmo. (C. Drummond de Andrade, CB, 30.) Maria José, essa, se comportava no polo oposto, calada e carrancuda. (A. Ribeiro, M, 289.) ALUSÃO A TERMOS PRECEDENTES 1. Quando queremos aludir, discriminadamente, a termos já mencionados, servimo-nos do d e m o n s t r a t i v o aquele para o referido em primeiro lugar, e do d e m o n s t r a t i v o este para o que foi nomeado por último: 350 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O REFORÇO DOS DEMONSTRATIVOS Quando, por motivo de clareza ou de ênfase, queremos precisar a situação das pessoas ou das coisas a que nos referimos, usamos acompanhar o d e m o n s t r a t i v o de algum gesto indicador, ou reforçá-lo: a) com os advérbios aqui, aí, ali, cá, lá, acolá: — Espera aí. Este aqui já pagou. Agora vocês é que vão engolir tudo, se maltratarem este rapaz. (C. Drummond de Andrade, CB, 33.) — E esse pacotinho aí, Seu Xixi? — Encomenda: é o relógio do Seu Gustavinho Solé. (M. Palmério, VC, 17.) Esse aí sabia mesmo para ensinar aos outros? (Pepetela, AN, 23.) — Isto aqui não pode dar saúde a ninguém; basta olhar-se para aquele embondeiro... (A. de Assis Júnior, SM, 199.) b) com as palavras mesmo e próprio: — — — — O Relógio da Sé em casa de Serralheiro? Esse mesmo. O da Matriz? Esse próprio. (D. F. M. de Melo, AD, 16.) — Recusei. Não sei se fiz bem. — É por causa da mulher. — Isso mesmo. (O. Lins,fP, 72.) c) com o pronome outro, possibilitando as aglutinações estoutro, essoutro, aqueloutro, evitadas, em geral, no português contemporâneo. VALORES AFETIVOS 1. Os d e m o n s t r a t i v o s reúnem o sentido de atualização ao de determinação. São verdadeiros “gestos verbais”, acompanhados em geral de entoação particular e, não raro, de gestos físicos. PRONOMES A capacidade de fazerem aproximar ou distanciar no espaço e no tempo as pessoas e as coisas a que se referem permite a estes pronomes expressarem variados matizes afetivos, em especial os irônicos. 2. Nos exemplos a seguir, servem para intensificar, de acordo com a entoação e o contexto, os sentimentos de: a) surpresa, espanto: Passam vinte anos: chega Ele; Veem-se (Pasmo) Ele e Ela: — Santo Deus! este é aquele?!... — Mas, meu Deus! esta é aquela?!... (Fontoura Xavier, 0 , 172.) — Essa agora! (J. de Sena, SF, 518.) Ainda mais esta! Onde estaria o padre? (A. Santos, P, 74.) b) admiração, apreço: — Que gente tinha o Pestana, dizia um. Nunca pensei que houvesse homens com aquela coragem. (J. Lins do Rego, MR , 97.) Aquilo é que são homens fortes. (Ferreira de Castro, OC, 1 ,154.) Aquilo são pés de veludo! (M. Torga, NCM, 27.) c) indignação: — É tudo claro como água: este cão roubou-me. Acabo ainda hoje com este malandro! Isto não fica assim. (F. Namora, NM, 193.) Oiço a voz tosca do pai, a insultar: — Esta parva!... Esta burra!... (Luandino Vieira, NM, 119.) 351 352 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O — Aquilo é uma terra de línguas peçonhentas. Deus os confunda a todos. (A. Ribeiro, M, 346.) d) pena, comiseração: Quem mora ali? Mora ela, Aquela!, — Que nessa triste viela Foi a flor da Mouraria! (A. Botto, QA, 225.) Aquela mulher, flor de poesia, era agora aquilo. (A. M. Machado, HR, 67.) — Há aqui falta de cuidado e asseio — disse consigo —; esta pobre mulher vive aqui quase abandonada... (A. de Assis Júnior, SM, 192.) e) ironia, malícia: Tem um decote pequeno, Um ar modesto e tranquilo; Mas vá-se lá descobrir Coisa pior do que aquilo! (F. Pessoa, QGP, n.° 251.) — É um malandro, esse Barbaças! (F. Namora, TJ, 193.) — Este Brás! Este Brás! Não lhes digo nada! (A. de Alcântara Machado, NP, 57.) f ) sarcasmo, desprezo: Isso era até uma vergonha! (M. Torga, NCM, 91.) Aquela desavergonhada da Helena não anda a dizer que é a ela que o tio quer e é a ela que leva para o Rio?! (A. Ribeiro, M, 349-350.) PRONOMES — Depois transformaram a senhora nisso, D. Adélia. Um trapo, uma velha sem-vergonha. (G. Ramos, A, 136.) 3. Digno de nota é o acentuado valor irônico, por vezes fortemente deprecia­ tivo, dos neutros isto, isso e aquilo, quando aplicados a pessoas, como nestes passos: Ninguém sabe onde ele anda, Seu Coronel! Aquilo é um desgraçado. (J. Lins do Rego, ME, 80.) Aquilo, aquele pobre homenzinho amarelento, dessorado, chocho... (U. Tavares Rodrigues, JE, 158.) Como estivesse a contemplá-lo, à porta, parou um homem, entrou, e olhou com interesse para o retrato. O lojista reparou na expressão; po­ dia ser algum miguelista, mas também podia ser um colecionador... — Quanto pede o senhor por isto? — Isto? Há de perdoar; quer saber quanto peço pelo meu rico senhor D. Miguel? (Machado de Assis, OC, 1,908.) Mas, pelos contrastes que não raro se observam nos empregos afetivos, po­ dem esses d e m o n s t r a t i v o s expressar também alto apreço por determinada pessoa. Assim: Aquilo é que dava um deputado às direitas! (C. Castelo Branco, QA, 19.) — Bonita mulher. Como aquilo vê-se pouco. Ele teve sorte. (Castro Soromenho, C, 160.) — Como cozinheira não há outra e aquilo... é o apuro de asseio. (Alves Redol, G, 95.) 4. Entre os valores afetivos cabe ressaltar o sentido intensivo, superlativante, que o demonstrativo adquire em frases do tipo8: s Sobre estas construções, leia-se Maria Manuela Moreno de Oliveira. Processos de intensifica­ ção no português contemporâneo. Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1962, p. 35-38. 353 354 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Qual o quê! Queriam monte. Monte num dia daqueles! (M. Torga, CM, 72.) Ninguém é operado assim com essa pressa. (J. Paço d’Arcos, CVL, 365.) Outro homem não podia existir com aquela força nos braços, aquele riso na boca e aquele calor no peito. (Adonias Filho, LBB, 8 6 .) 5. As formas femininas esta e essa fixaram-se em construções elípticas do tipo: Ora essa! Essa, não! Mais esta!... 6. Essa é boa! Essa cá me fica! Esta é fina! Fixa também aparece a forma neutra na locução isto (ou isso) de, que equivale a “com referência a”, “no tocante a”, “a respeito de”: — Ah! meu caro Rubião, isto de política pode ser compar ado à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo; não falta nada, nem o discípulo que nega, nem o discípulo que vende. (Machado de Assis, OC, 1,642.) — Isso de letras é na escola... (M. Torga, V", 174.) — Isto de filhos é um aborrecimento! (Ó. Ribas, EMT, 165.) 0(S), A(S) COMO DEMONSTRATIVOS O demonstrativo o (a, os, as) é sempre pronome substantivo e emprega-se nos seguintes casos: a) quando vem determinado por uma oração ou, mais raramente, por uma expressão adjetiva, e tem o significado de aquele(s), aquela(s), aquilo: O homem que ri, liberta-se. O que faz rir, esconde-se. (A. M. Machado, CJ, 228.) — Não vejo a que esperei! — Virá ainda. (E. Castro, UV, 76.) PRONOMES Ingrata para os da terra, boa para os que não são. (C. Pena Filho, LG, 120.) Era terrível o que se passava. (M. Torga, NCM, 20.) b) quando, no singular masculino, equivale a isto, isso, aquilo, e exerce as fun­ ções de objeto direto ou de predicativo, referindo-se a um substantivo, a um adjetivo, ao sentido geral de uma frase ou de um termo dela: O valor de uma desilusão, sabia-o ela. (M. Torga, NCM, 153.) Não cuides que não era sincero, era-o. (Machado de Assis, OC, 1,893.) Seguia-o com o olhar sem me atrever a evitá-lo. (A. Santos, P, 125.) Ser feliz é o que importa, Não importa como o ser! (F. Pessoa, QGP, n.° 82.) SUBSTITUTOS DOS PRONOMES DEMONSTRATIVOS Podem também funcionar como demonstrativos as palavras tal, mesmo, próprio e semelhante. 1. Talé demonstrativo q u a n d o sin ô n im o : a) d e “este”, “esta”, “isto ”, “esse”, “essa”, “isso”, “a q u e le ”, “a q u e la ”, “a q u ilo ”: Tal foi a primeira conclusão do Palha; mas vieram outras hipóteses. (Machado de Assis, OC, 1,602.) — Quando tal ouvi, respirei... (A. de Assis Júnior, SM, 176.) Como era possível que nunca tivesse dado por tal? (M. J. de Carvalho, TM, 57.) 355 356 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b) de “semelhante”: Houve tudo quanto se faz em tais ocasiões. (Machado de Assis, OC, II, 197.) A causa verdadeira de tal medo, não a sabia dizer. (M. Torga, CM, 151.) Tal situação contundia-a fortemente, e fazia diminuir aquele vigor e energia com que a conhecemos. (A. Assis Júnior, SM, 198.) 2. Mesmo e próprio sã o demonstrativos q u a n d o tê m o s e n tid o d e “e x a to ”, “id ê n tic o ”, “e m p esso a” : Eu não posso viver muito tempo na mesma casa, na mesma rua, no mesmo sítio. (Luandino Vieira, JV, 62.) — Foi a própria Carmélia quem me fez o convite. (C. dos Anjos, DR, 161.) 3. Semelhante serve de demonstrativo d e id e n tid a d e : O Lucas reparou nisso e doeu-se intimamente de semelhante des­ cuido. (M. Torga, CM, 84.) Tudo o que disse foi, sem dúvida, convencional, e nem a jovem Aurora podia deixar de recorrer às fórmulas que se usam em semelhantes conjunturas. (C. dos Anjos, DR, 284.) PRONOMES RELATIVOS São assim chamados porque se referem, de regra geral, a um termo anterior --- O ANTECEDENTE. FORMAS DOS PRONOMES RELATIVOS Os pronomes relativos apresentam: PRONOMES a) fo rm a s variáveis e fo rm a s invariáveis: V a r iá v e is I n v a r iá v e is M IF e m a $c u u n o o qual os quais in in o a qual as quais que cujo cujos cuja cujas quem quanto quantos — quantas onde b ) fo rm a s sim ples: que, quem, cujo, quanto e onde; e fo rm a c o m p o sta : o qual O bservação: Antecedido das preposições a e de, o pronome onde com elas se aglutina, pro­ duzindo as formas aonde e donde. NATUREZA DO ANTECEDENTE O ANTECEDENTE d o PRONOME RELATIVO p o d e Ser: a) u m substantivo: Deem-me as cigarras que eu ouvi menino. (M. Bandeira, PP, 1,387.) b ) u m pronome : Não serás tu que o vês assim? (A. Sérgio, D, 31.) c) u m adjetivo : As opiniões têm como as frutas o seu tempo de madureza em que se tornam doces de azedas ou adstringentes que dantes eram. (Marquês de Maricá, M, 166.) d ) u m advérbio: Lá, por onde se perde a fantasia No sonho da beleza; lá, aonde A noite tem mais luz que o nosso dia... (A. de Quental, SC, 61.) 358 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O e) u m a oração (d e reg ra re su m id a p e lo d e m o n stra tiv o o): Só a feb re a u m e n ta u m p o u c o , o que n ã o a d m ira rá n in g u é m . (A. Nobre, Cl, 145-6.) “Acomodar-se-iam num sítio pequeno, o que parecia difícil a Fabiano, criado solto no mato.” (G. Ramos, V 5,172.) FUNÇÃO SINTÁTICA DOS PRONOMES RELATIVOS Os pronomes relativos assumem um duplo papel no período com represen­ tarem um determinado antecedente e servirem de elo subordinante da oração que iniciam. Por isso, ao contrário das conjunções, que são meros conectivos, e não exercem nenhuma função interna nas orações por elas introduzidas, estes pronomes desempenham sempre uma função sintática nas orações a que pertencem. Podem ser: 1. Suieito : Quero ver do alto o horizonte, Que foge se m p re d e m im . (O. Mariano, TVP, II, 434.) [que = sujeito de foge]. 2. O b je t o d ir e t o : — Já não se lembra da picardia que me fez? (A. Ribeiro, M, 67.) [que = objeto direto de fez]. 3. O b je t o in d ir e t o : Eu aguardava com uma ansiedade medonha esta cheia de que tanto se falava. (J. Lins do Rego, ME, 58.) [de que = objeto indireto de se falava]. PRONOMES 4. P redicativo: Não conheço quem fui no que hoje sou. (F. Pessoa, OP, 91.) [quem e que = predicativos do sujeito eu, oculto]. 5. A djunto adnominal : Há pessoas cuja aversão e desprezo honram mais que os seus louvores e amizade. (Marquês de Maricá, M, 223.) [cuja = adjunto adnominal de aversão e desprezo, mas em concordância apenas com o primeiro substantivo, o mais próximo]. 6. C omplemento nominal : Lembrava-me de que deixara toda a minha vida ao acaso e que não pusera ao estudo e ao trabalho com a força de que era capaz. (Lima Barreto, REIC, 287.) \de que = complemento nominal de capaz]. 7. A diunto adverbial: Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava. (M. Quintana, P, 92.) [onde = adjunto adverbial de morava]. 8. A gente da passiva: — Sim, sua adorável pupila, a quem amo, a quem idolatro e por quem sou correspondido com igual ardor! (A. Azevedo) [por quem = agente da passiva do verbo conesponder]. Observação: Note-se que o relativo cujo funciona sempre como adjunto adnominal; e o relativo onde, apenas como adjunto adverbial. 359 360 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O PRONOMES RELATIVOS SEM ANTECEDENTE 1. Os p r o n o m e s r e l a t i v o s quem e onde podem ser empregados sem antecedente em frases como as seguintes: Quem tem amor, e tem calma, tem calma... Não tem amor... (A. Tavares, PC, 81.) Passeias onde não ando, Andas sem eu te encontrar. (F. Pessoa, QGP, n.° 47.) Denominam-se, então, r e l a t i v o s in d e f in id o s . 2. Nestes casos de emprego absoluto dos r e l a t i v o s , muitos gramáticos admitem a existência de um antecedente interno, desenvolvendo, para efeito de análise, quem em aquele que, e onde em no lugar em que. Assim, os exemplos citados se interpretariam: Aquele que tem amor... Passeias no lugar em que não ando... 3. O antecedente do r e l a t iv o quanto{s) costuma ser omitido: Hoje penso quanto faço. (F. Pessoa, OP, 92.) Saibam quantos este meu verso virem Que te amo... (O. de Andrade, PR, 167.) VALORES E EMPREGOS DOS RELATIVOS Que 1. Que é o r e l a t i v o básico. Usa-se com referência a pessoa ou coisa, no singular ou no plural, e pode iniciar orações a d ie t iv a s r e s t r it iv a s — Não diz nada que se aproveite, esse rapaz! (A. Bessa Luís, QR, 134.) e e x p l ic a t iv a s : PRONOMES O ministro, que acabava de jantar, fumava calado e pacífico. (Machado de Assis, OC, 1,638.) 2. O a n te c e d e n te d o relativo p o d e s e r o s e n tid o d e u m a e x p re s s ã o o u o r a ç ã o a n te r io r : E seu cabelo em cachos, cachos d’uvas, E negro como a capa das viúvas... (À maneira o trará das virgens de Belém Que a Nossa Senhora ficava tão bem!) (A. Nobre, S, 39.) Neste caso, o que vem geralmente antecedido do demonstrativo o ou da palavra coisa ou equivalente, que resumem a expressão ou oração a que o relativo se refere: Vendia cautelas, o que requer muito cálculo, muito olho e muita porfia. (J. de Araújo Correia, FX, 54.) Achou-se mais prudente que eu me safasse pelos fundos do prédio, o que fiz tão depressa quanto pude. (C. dos Anjos, MS, 328.) Ela então consentiu que eu erguesse seu rosto, gesto que não me haviam autorizado. (N. Pinon, CP, 65.) 3. Por vezes, o antecedente do que não vem expresso: Esta palavra doeu-me muito, e não achei logo que lhe replicasse. (Machado de Assis, OC, 1,826.) A uma pergunta assim, a rapariga nem sabia que responder. (M.Torga, NCM, 184.) Q u a l, o q u a l 1. Nas orações adjetivas explicativas, o pronome que, com antecedente subs­ tantivo, pode ser substituído por o qual (a qual, os quais, as quais): Sei que estou plagiando nosso famoso cronista, o qual, certa vez, deulhe na telha fazer essa comunicação ao jornal e aos leitores. (C. Drummond de Andrade, CB, 57.) 362 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Durante o seu domínio, todavia, acentua-se a evolução do latim vul­ gar, falado na península, o qual vinha de há muito diversificando-se em dialetos vários. (J. Cortesão, FDFP, 42.) Clareava: uma luz baça, em neblina, através da qual apareciam serra­ nias distantes e o mar liso, esbranquiçado, luzindo a trechos. (Coelho Netto, OS, 1 ,173.) 2. Esta substituição pode ser um recurso de estilo, isto é, pode ser aconselhada pela clareza, pela eufonia, pelo ritmo do enunciado. Mas há casos em que a língua exige o emprego da forma o qual. Precisando melhor: que e m p re g a - s e , p r e f e r e n te m e n te , n o s s ilá b ic a s a, com, de, em e por: a) o relativo d e p o is d a s p r e p o s iç õ e s m o ­ A verdade é um postigo A que ninguém vem falar. (E Pessoa, QGP, n.° 21.) As artes com que o bacharel flautista vingou insinuar-se na estima de D. Maria I e Pedro III, não as sei eu. (C. Castelo Branco, OS, 1,322.) Indicou-lhe um hotel, de que a viúva tomou nota num caderninho. (C. Drummond de Andrade, CA, 137.) Havia ocasiões em que me revoltava. (L. Jardim, MPM, 96.) A maneira por que ele falava é que era apaixonada, dolorosa, como­ vente. (Machado de Assis, OC, II, 112.) b) as demais preposições simples, essenciais ou acidentais, bem como as locu­ ções prepositivas, constroem-se obrigatória ou predominantemente com o pronome o qual: Tinha vindo para se libertar do abismo sobre o qual sua negra alma vivia debruçada. (M. Torga, NCM, 49.) PRONOMES Uma visita de dez minutos apenas, durante os quais D. Benedita disse quatro palavras no princípio: — Vamos para o Norte. (Machado de Assis, OC, II, 316.) “O livro tinha numa página a figura de um bicho corcunda ao lado do qual, em letras graúdas, destacava-se esta palavra: ESTÔMAGO.” (G. Amado, HMI, 42.) Timbrava em manter em casa uma autoridade áspera, perante a qual todos os seus tinham de se curvar passivamente. (R. M. E de Andrade, V, 9.) c) o qual é também a forma usada como partitivo após certos indefinidos, numerais e superlativos: O Luís, que cuidava da horta de cima, era pai de uns sete ou oito, alguns dos quais já principiavam a ajudá-lo. (R. M. F. de Andrade, V, 135.) Cinco cadeiras das quais uma de braços no centro do semicírculo. (Costa Andrade, NVNT, 13.) Os filhos, quatro crianças, a mais velha das quais teria oito anos, rodeavam-no aos gritos. (Artur Azevedo, CFM, 5.) 3. Qual, q u a n d o r e p e t i d o s im e tr ic a m e n te , é in d e f in id o , e e q u iv a le a um... outro: — Imagine uma cachoeira de ideias e imagens, qual mais original, qual mais bela, às vezes extravagante, às vezes sublime. (Machado de Assis, OC, II, 326.) Um carrega quatro grandes tábuas ao ombro; outro grimpa, com risco de vida, a precária torre do enguiçado elevador; qual bate o martelo; qual despeja nas formas o cimento, qual mira a planta, qual usa a pá, qual serra (o bárbaro) os galhos de uma jovem mangueira, qual ajusta, neste momento, um pedaço de madeira na serra circular. (R. Braga, CCE, 249.) 363 364 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Q uem 1. Na língua contemporânea, quem só se emprega com referência a pessoa ou a alguma coisa personificada: Feliz é quem tiver netos De quem tu sejas avó! (F. Pessoa, QGP, n.° 118.) A mim quem converteu foi o sofrimento. (Coelho Neto, OS, 1, 105.) 2. Como simples relativo , isto é, com referência a um antecedente explícito, quem equivale a “o qual” e vem sempre antecedido de preposição: A senhora a quem cumprimentara era a esposa do tenente-coronel Veiga. (Machado de Assis, OC, II, 172.) Nada como o mexe-mexe caseiro da mulher de quem se gosta — José de Arimateia imaginava. (M. Palmério, CB, 25.) Advirta-se, porém, que a língua moderna substitui por sem o (a) qual a dis­ sonante combinação sem quem, de emprego corrente no português antigo e médio. 3. Repetido, em fórmulas alternadas, quem corresponde ao in d efin id o um... outro. Esta construção, que não era rara no português médio (cf. Camões. Lusíadas, I, 92; IV, 5), só aparece, modernamente, em autores de expressão artificial: Quem no Rostro pasmando se extasia; Quem pelo cúneo aos redobrados vivas Da plebe e dos patrícios embasbaca; Outro em sangue de irmãos folga ensopar-se... (Odorico Mendes, VB, 125.) C u jo Cujo é, a um tempo, relativo e possessivo , equivalente pelo sentido a do qual, de quem, de que. Emprega-se apenas como pronome adjetivo e concorda com a coisa possuída em gênero e número: PRONOMES Convento cTáguas do Mar, ó verde Convento, Cuja Abadessa secular é a Lua E cujo Padre-capelão é o Vento (A. Nobre, S, 28.) Herculano é para mim, nas letras, depois de Camões, a figura em cujo espírito e em cuja obra sinto com plenitude o gênio heroico de Portugal. (G. Amado, TL, 36.) Q u a n to Quanto, como simples relativo, tem por antecedente os pronomes indefini­ dos tudo, todos (ou todas), que podem ser omitidos. Daí o seu valor também indefinido: Em tudo quanto olhei fiquei em parte. (F. Pessoa, OP, 231.) Soprava dum lado, do outro, e tudo quanto foi de garrancho e folha seca se juntou num canto só. (L. Jardim, BA, 115.) Entre quantos te rodeiam, Tu não enxergas teus pais. (Gonçalves Dias, PCP, 385.) O nde 1. Como desempenha normalmente a íunção de adjunto adverbial (= o lugar em que, no qual), onde costuma ser considerado por alguns gramáticos ADVÉRBIO RELATIVO: Sob o mar sem borrasca, onde enfim se descansa. (A. Nobre, S, 90.) Ainda não sei mesmo onde vou buscar as flores. (Luandino Vieira, NM, 29.) O mundo ia pouco além do quarteirão de poucas casas e largos terrenos devolutos, onde o lixo subia, onde o capim crescia, onde 366 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O catávamos melões de São Caetano, onde os pirilampos surgiam aos milhares ao cair da tarde, onde o orvalho brilhava como pedras pre­ ciosas nas belas manhãs de inverno. (Marques Rebelo, SMAP, 33.) 2. Embora a ponderável razão de maior clareza idiomática justifique o contraste que a disciplina gramatical procura estabelecer, na língua culta contemporâ­ nea, entre onde(= o lugar em que) e aonde (= o lugar a que), cumpre ressaltar que esta distinção, praticamente anulada na linguagem coloquial, já não era rigorosa nos clássicos.9 Não é, pois, de estranhar o emprego de uma forma por outra em passos como os seguintes: Vela ao entrares no porto Aonde o gigante está! (Fagundes Varela, VA, 76.) Não perceberam ainda onde quero chegar. (Alves Redol, BC, 47.) Nem mesmo a concorrência de ambas as formas num só enunciado: Mas aonde te vais agora, Onde vais, esposo meu ? 10 (Machado de Assis, OC, III, 109.) Ela quem é, meu coração? Responde! Nada me dizes. Onde mora? Aonde? (Teixeira de Pascoaes, OC, III, 14.) PRONOMES INTERROGATIVOS 1. Chamam-se interrogativos os pronomes que, quem, qual e quanto, empre­ gados para formular uma pergunta direta ou indireta: ‘J Sobre o emprego indiscriminado de onde e aonde, consulte-se a abundante exemplificação coligida pelo professor Aurélio Buarque de Holanda, inserta em sua edição dos Contos gauchescos e lendas do sul, de Simões Lopes Neto, 5.“ ed., Porto Alegre, Globo, 1957, p. 79-82. 1,1 Na edição de 1902 das Poesias completas (Rio de Janeiro - Paris, Garnier, p. 207) lê-se vás em ambos os versos. PRONOMES Que trabalho estão fazendo? Diga-me que trabalho estão fazendo. Quem disse tal coisa? Ignoramos quem disse tal coisa. Qual dos livros preferes? Não sei qual dos livros preferes. Quantos passageiros desembarcaram? Pergunte quantos passageiros desembarcaram. 2. Os pronomes interrogativos estão estreitamente ligados aos pronomes inde­ finidos. Em uns e outros a significação é indeterminada, embora, no caso dos interrogativos, a resposta, em geral, venha esclarecer o que foi perguntado. FLEXÃO DOS INTERROGATIVOS que e quem são invariáveis. Qual flexiona-se em número {qual, quais); quanto, em gênero e em número (quanto, quanta, quantos, quantas). Os interrogativos VALOR E EMPREGO DOS INTERROGATIVOS Que O interrogativo que pode ser: a) pronome substantivo, quando significa “que coisa”: 1. Que tenciona fazer quando sair daqui? (A. Abelaira, TM, 8 6 .) Mas não sei que disse a estrela... (A. Tavares, PC, 9.) b) pronome adjetivo, quando significa “que espécie de”, e neste caso refere-se a pessoas ou a coisas: Que mal me havia de fazer? (M. Torga, NCM, 47.) Não sei que vento mau turvou de todo o lago. (A. de Guimaraens, OC> 56.) 368 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2. Para dar maior ênfase à pergunta, em lugar de que pronome substantivo, usa-se o que: O mundo? O que é o mundo, ó meu amor? (E Espanca, S, 90.) Não sei o que o trouxe aqui. (C. de Oliveira, AC, 17.) 3. Tanto uma como outra forma pode ser reforçada por é que: — Que é que o senhor está fazendo? gritou-lhe. (C. Lispector, ME, 313.) O que é que eu vejo, nestas tardes tristes? (Teixeira de Pascoaes, OC, III, 24.) Observação: Nenhuma razão assiste aos que condenam a anteposição do o ao que interroga­ tivo, como exaustivamente mostraram Heráclito Graça, em Factos da linguagem. Rio de Janeiro. Livraria de Viúva Azevedo, 1904, p. 367-383; e Said Ali, em Dificuldades da língua portuguesa. 5.“ ed. Rio de Janeiro, Acadêmica, 1957, p. 12-20; e Gramática histórica da língua portuguesa. 3.11ed. São Paulo, Melhoramentos, 1964, p. 112-114. Quem 1. O interrogativo quem é p r o n o m e s u b s ta n tiv o e re fe re -s e a p e n a s a p e s s o a s o u a a lg o p e r s o n if ic a d o : Quem Quem? Quem n ã o a (J. de Lima, OC, 1,212.) n ã o a c a n ta ? c a n ta e sen te? Perguntei ao doutor quem era a velha. (J. de Araújo Correia, FX, 56.) Mas a Ideia quem é? Quem foi que a viu, Jamais, a essa encoberta peregrina? (A. de Quental, SC, 59.) 2. Em orações com o verbo ser, pode servir de predicativo a um sujeito no plural: PRONOMES Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes? (A. de Quental, SC, 92.) Sabem, acaso, os vultos, quem vão sendo? (C. Meireles, OP, 320.) Q ual 1. O interrogativo qual tem valor seletivo e pode referir-se tanto a pessoas como a coisas. Usa-se geralmente como pronome adjetivo, mas nem sempre com o substantivo contíguo. Nas perguntas feitas com o verbo ser, costuma-se empregar o verbo depois de qual: — Qual é o hotel, em que rua fica? (U. Tavares Rodrigues, NR, 76.) Padre Manuel perguntou ao escudeiro do comendador qual era a situação de D. Ana Vaz. (C. Castelo Branco, OS, II, 247.) 2. A ideia seletiva pode ser reforçada pelo emprego da expressão qual dos (das ou de), anteposta a substantivo ou a pronome no plural, bem como a nu­ meral: Qual dos senhores é pai dum menino que está de cócoras no jardim há mais de meia hora? (A. M. Machado, JT, 51.) Qual deles tinha coragem para começar? (F. Namora, TJ, 293.) — Então, moça? qual foi dos nove? (C. Castelo Branco, BP, 25.) Q u a n to O interrogativo quanto é um quantitativo indefinido. Refere-se a pessoas e a coisas e usa-se quer como pronome substantivo, quer como pronome adjetivo: — Quanto devo? (G. Ramos, A, 167.) 370 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Quantas sementes lhe dás tu? (R Namora, TJ, 158.) EMPREGO EXCLAMATIVO DOS INTERROGATIVOS Estes pronomes são também frequentemente usados nas exclamações, que não passam muitas vezes de interrogações impregnadas de admiração. Confor­ me a curva tonal e o contexto, podem assumir então os mais variados matizes afetivos. Comparem-se as frases seguintes: Que inocência! Que aurora! Que alegria! (Teixeira de Pascoaes, OC, III, 140.) — Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. (C. Lispector, LF, 58.) — Coitada!... quem diria... quem imaginaria que acabaria assim!?... (A. de Assis Júnior, SM, 52.) Quem me dera ser homem! (B. Santareno, TPM, 101.) Quais feitios, qual vida! (M. Torga, CM, 50.) — E Sigefredo tem esperneado muito? — Qual nada! Anda no mundo da lua. (C. dos Anjos M, 295.) Quanto sonho a nascer já desfeito! (F. Espanca, S, 81.) Ai, quanto veludo e seda, e quantos finos brocados! (C. Meireles, OP, 669.) PRONOMES INDEFINIDOS Chamam-se in d efin id o s o s pronomes que se aplicam à 3.a pessoa gramatical, quando considerada de um modo vago e indeterminado. PRONOMES FORMAS DOS PRONOMES INDEFINIDOS Os pronom es ind efinidos a p r e s e n ta m f o r m a s v a riá v e is e in v a riá v e is: V ariáveis I nvariáveis M asculino algum nenhum todo outro muito pouco certo vário tanto quanto qualquer alguns nenhuns todos outros muitos poucos certos vários tantos quantos quaisquer F eminino alguma nenhuma toda outra muita pouca certa vária tanta quanta qualquer algumas nenhumas todas outras muitas poucas certas várias tantas quantas quaisquer alguém ninguém tudo outrem nada cada algo LOCUÇÕES PRONOMINAIS INDEFINIDAS Dá-se o nome de locuções pr o n o m in a is indefinidas aos grupos de pala­ vras que equivalem a prono m es in d efin id o s : cada um, cada qual, quem quer que, todo aquele que, seja quem for, seja qual for, etc. PRONOMES INDEFINIDOS SUBSTANTIVOS E ADJETIVOS 1. Os in d efin id o s alguém, ninguém, outrem, algo e nada só se usam como pronomes substantivos: E se alguém fosse avisar a Guarda? (M. Torga, NCM, 52.) Ninguém ainda inventou fósforos contra o vento? (A. Abelaira, QPN, 25.) Outrem a repetiu [a frase do discurso], até que muita gente a fez sua. (Machado de Assis, OC, 1,921.) Minha Teresa tem algo a me dizer, não é? (J. Amado, TBCG, 289.) 372 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Não devo nada a ninguém. (Alves Redol, SC, 43.) 2. Tudo é normalmente pronome substantivo, mas tem valor de adjetivo nas com­ binações tudo isto, tudo isso, tudo aquilo, tudo o que, tudo o mais e semelhantes: Subia as escadas que levavam à torre do palácio, meditando em tudo isto. (Alves Redol, BC, 58.) Hoje, tudo isso, pássaros e estrelas caídas do céu, são memórias. (J. C. de Carvalho, NMAI, 51.) Pensando bem, tudo aquilo, era muito estranho. (A. Meyer, SI, 25.) 3. Algum, nenhum, todo, outro, muito, pouco, vário, tanto e quanto são pronomes adjetivos que, em certos casos, se empregam como pronomes substantivos. Assim nestes períodos: Todos estavam admirados. (Castro Soromenho, TM, 186.) Quando nos tornamos a ver, nenhum teve para o outro a mínima palavra, ficamos a um banco, lado a lado, em expansivo silêncio. (R. Pompeia, A, 205.) 4. Certo só se usa como pronome adjetivo: Certos homens ergueram-se acima do seu tempo, acima da civilização. (A. Abelaira, TM, 79.) Em certo ponto a água cobria um homem. (R. Pompeia, A, 47.) 5. Também os in d efinidos cada e qualquer, de acordo com a boa tradição da língua, devem sempre vir acompanhados de substantivo, pronome ou nu­ meral cardinal: Cada coisa a seu tempo tem seu tempo. (F. Pessoa, OP, 206.) PRONOMES Está certo, cada qual como Deus o fez. (G. Ramos, AOH, 111.) Amava a Deus em cada uma das suas criaturas. (B. Santareno, TPM, 47.) Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qual­ quer. (C. Drummond de Andrade, MA, 143.) Qualquer caminho Em qualquer ponto seu em dois se parte. (F. Pessoa, OP, 476.) OPOSIÇÕES SISTEMÁTICAS ENTRE OS INDEFINIDOS Observam-se algumas oposições sistemáticas na classe dos fin id o s . São bastante nítidas, por exemplo, as que se verificam: a) entre o caráter afirmativo da série: algum alguém algo ninguém nada e o negativo da série: nenhum b) entre o caráter de totalidade inclusiva de: tudo todo e o de totalidade exclusiva de: nada nenhum c) entre a presença de ideia de pessoa em: alguém ninguém e a ausência dessa ideia em: a lg o nada pronomes in d e ­ 373 374 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O d ) entre o valor particularizante de: certo e a total ausência de particularização de: qualquer Outras oposições privativas podem ser ainda assinaladas nesta classe tão heterogênea de pronomes (as de certo / qualquer, muito / pouco, outro / outrem, etc.), com vista a apresentá-la, de maneira mais coerente e, assim, justificar-lhe, em parte pelo menos, a tradicional e unitária conceituação. VALORES DE ALGUNS INDEFINIDOS A lg u m e n e n h u m 1. Anteposto a um substantivo, algum tem valor positivo. É, como dissemos, o contrário de nenhum: — Com ele podes arranjar alguma coisa. (Castro Soromenho, TM, 248.) Não havia nele senão aspiração à grandeza verdadeira; nenhum cabotinismo, nenhuma vaidade, e sim um compreensível orgulho. (A. F. Schmidt, F, 237.) 2. Posposto a um substantivo, algum assumiu, na língua moderna, significação negativa, mais forte do que a expressa por nenhum. Em geral, o in d efin id o adquire este valor em frases onde já existem formas negativas, como não, nem, sem: Já não morria naquele dia e não tinha pressa alguma em chegar a casa. (Ferreira de Castro, OC, II, 694.) Não escreveu, que eu saiba, livro algum. (A. F. Schmidt, GB, 71-72.) No português antigo e médio, podia dar-se a posposição de algum com sentido positivo. Veja-se, por exemplo, este passo de Os lusíadas, em que a expressão refresco algum deve ser entendida como “algum refresco”: PRONOMES Desta gente refresco algum tomamos E do rio fresca água; mas com tudo Nenhum sinal aqui da índia achamos No povo, com nós outros quase mudo. (Camões, Lus., V, 69.) 3. No feminino, aparece em construções de acentuado valor afetivo: O lavrador ainda levantou a cabeça para fazer alguma das dele. (Alves Redol, BC, 354.) Alguma ele andou fazendo. (F. Sabino, ME, 31.) — Você quer sair da casa? Por alguma é? (Eça de Queirós, 0 ,1 ,89.) 4. Reforçado por negativa, nenhum pode equivaler ao in d efin id o um: Esse capitão não foi nenhum oficial de patente, mas um autêntico capitão de terra e mar de Quatrocentos, ao mesmo tempo piloto dos mares de Noroeste e regedor de capitania. (V. Nemésio, Cl, 205.) Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro Fui honrado pastor da tua aldeia. (T. A. Gonzaga, OC, 1,137.) C ada 1. Como dissemos, deve-se empregar o in d efin id o cada apenas como pronom e adietivo . Quando falta o substantivo, usa-se cada um (uma), cada qual: Lá no fundo cada um espera o milagre. (C. de Oliveira, PB, 156.) Cada qual sabe de sua vida. (J. Amado, MM, 95.) 2. Cada pode preceder um numeral cardinal para indicar discriminação entre unidades, ou entre grupos ou séries de unidades: 375 376 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O De cada dúzia de ovos que vendia, a metade era lucro. Vinha ver-me cada três dias. 3. Tem acentuado valor intensivo em frases do tipo: A ti era o Chiado que te fazia mal! Apanhavas ali cada constipação... (V. Vitorino, F, 160.) — Você tem cada uma! (G. Ramos, AOH, 75.) O bservação: Na linguagem informal é cada dia mais frequente o emprego substantivo deste pronome em construções como a seguinte: Estas águas-fortes custam dez mil cruzeiros cada. C e rto 1. Certo é pronom e indefinido quando anteposto a um substantivo. Caracteriza-o a capacidade de particularizar o ser expresso pelo substantivo, distinguindo-o dos outros da espécie, mas sem identificá-lo. Dispensa, em geral, o artigo indefinido. A presença deste torna a expressão menos vaga e dá-lhe um matiz afetivo. Assim: Sílvio não pede um amor qualquer, adventício ou anônimo; pede um certo amor, nomeado e predestinado. (Machado de Assis, OC, II, 552.) No fim de contas, tinha uma certa mágoa da forma como a tratara. (J. Paço d’Arcos, CVL, 765.) No rostinho enrugado e emurchecido, havia ainda uma certa graça e vivacidade de menina. (É. Veríssimo, A, II, 306.) 2. É adjetivo, com o significado de “seguro”, “verdadeiro”, “exato”, “fiel”, “cons­ tante”: a) quando posposto ao substantivo: — Idade certa não sei. (G. França de Lima, JV, 35.) PRONOMES Homens de piso certo, seus passos derivam de suas lagoas interiores de resignação. (A. Santos, P. 177.) — Não há carreira mais certa. (Alves Redol, F, 279.) b) em comparações intensivas, geralmente antecedido de tão: Acredita que é tão certo como Deus estar no céu! (M. Torga) Estou tão certo do que digo como da luz que nos alumia. (A. Ribeiro) Neste caso pode ser seguido de substantivo: Mais certo amigo é João do que Pedro, tão certo amigo é João como Paulo. (Sousa da Silveira, LP, 244.) N ada 1. Nada significa “nenhuma coisa”, mas equivale a “alguma coisa” em frases interrogativas negativas do tipo: — O capitão não come nada? — Eu agradeço, minha senhora. (J. Lins do Rego, FM, 317.) De tempos em tempos aparecia, perguntava se eu não queria nada. (M. de Andrade, CMB, 285. ) 2. Junto a um adjetivo ou a um verbo intransitivo pode ter força adverbial: — Não foi nada caro, tive um grande desconto. (A. Abelaira, QPN, 14.) Não tinha um ar nada inocente. Mesmo nada. (J. Cardoso Pires, D, 298.) O cavalo não correu nada. 377 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O u tro 1. Cumpre distinguir as expressões: a) outro dia, ou o outro dia = um dia passado mas próximo: — Outro dia fui à casa do Sebastião e lá aceitei um café. (C. Drummond de Andrade, FA, 209.) Contou-me a Ana, o outro dia, Que Deus, somente o veria Quem fosse Anjo, ninguém mais. (A. Corrêa d’Oliveira, M, 92.) b) no outro dia, ou ao outro dia = no dia seguinte: No outro dia, de volta do campo, encontrei no alpendre João Nogueira, Padilha e Azevedo Gondim. (G. Ramos, SB, 52.) No outro dia, o terceiro, Elmira não pôde sair mais cedo. (A. de Assis Júnior, SM, 204.) Ao outro dia, ao almoço, Amélia estava pálida, com as olheiras até ao meio da face. (Eça de Queirós, 0 ,1 ,69.) Partiu o navio, ao outro dia de manhã. (M. Ferreira, HB, 135.) 2. Em expressões denotadoras de reciprocidade, como um ao outro, um do outro, um para o outro, conserva-se em geral a forma masculina, ainda que aplicada a indivíduos de sexos diferentes: Compreendi que um vínculo de simpatia moral nos ligava um ao outro; com a diferença que o que era em mim paixão específica, era nela uma simples eleição de caráter. (Machado de Assis, OC, II, 496.) A Judite dava toda a atenção ao seu par, a uma distância perigosa um do outro. (Almada Negreiros, NG, 93.) PRONOMES Sentou-se no canapé e ficamos a olhar um para o outro, ela desfeita em graça, eu desmentindo Shelley com todas as forças sexagenárias restantes. (Machado de Assis, OC, 1 ,1129.) 3. Outro pode empregar-se como adjetivo na acepção de “diferente”, “mudado”, “novo”: Não sabia que assim tão outra voltarias: Eras de negro olhar, de olhar azul tu voltas. (A. de Guimaraens, OC, 105.) Era outro homem, fora fundido noutro cadinho. (Ferreira de Castro, OC, II, 93.) Entrei em casa outro homem: calmo e bem humorado. (R. M. F. de Andrade, V, 127.) Q u a lq u e r Tem por vezes sentido pejorativo, particularmente quando precedido de artigo indefinido: Não é uma qualquer coisa, não! (Luandino Vieira, NM, 116.) Ele não era um qualquer. (M. Ferreira, HB, 47.) — Júlio, se eu te falo assim é porque não te vejo como um qualquer. (J. Lins do Rego, E, 253.) A tonalidade depreciativa torna-se mais forte se o indefinido vem posposto a um nome de pessoa: Já não era uma Judite qualquer, era a Judite do Antunes. (Almada Negreiros, NG, 8 6 .) Hoje é isto que o senhor vê: um Pestana qualquer acha-se com o direito de ser deputado. (J. Lins do Rego, MR, 239.) 379 380 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Todo No capítulo 9, estudamos o emprego do artigo com este acrescentaremos o seguinte: in d efin id o . Aqui 1. No singular e posposto ao substantivo, todo indica a totalidade das partes: Toda a obra é vã, e vã a obra toda. (F. Pessoa, OP, 486.) O conflito acordou o colégio todo. (G. Amado, HM/, 163.) 2. Também indica a totalidade das partes, quando, no singular, antecede um pronome pessoal: Todo ele evidenciava um cansaço íntimo. (M. Torga, V, 105.) A casa, toda ela, gelava. (C. de Oliveira, AC, 81.) 3. No plural, anteposto ou não, designa a totalidade numérica: Todos os homens caminhavam em silêncio. (Ferreira de Castro, OC, 1,446.) As culpas todas eram deles; aguentassem com elas! (A. Peixoto, PC, 449.) 4. Anteposto a um elemento nominal, aposto ou predicativo, emprega-se com o sentido de “inteiramente”, “em todas as suas partes”, “muito”: Silva estendeu a guia de trânsito a Vasconcelos, levantando-se da secretária com um sorriso, todo amável. (Castro Soromenho, TM, 132.) Paisagem desconhecida, Manuel da Bouça era todo olhos para a várzea que atravessavam. (Ferreira de Castro, OC, 390.) PRONOMES Eras toda graça e incompreensão. (Ribeiro Couto, PR, 226.) Tudo Refere-se normalmente a coisas, mas pode aplicar-se também a pessoas: Não se fala noutra coisa, e está tudo furioso. (A. de Quental, C, 358.) Fidélia chegou, Tristão e a madrinha chegaram, tudo chegou. (Machado de Assis, OC, 1 ,1069.) Aqui na pensão e na casa da lagoa tudo dorme. (J. Cardoso Pires, D, 339.) Enfim, tudo aquilo era a mesma gente, exceto o Antunes. (Almada Negreiros, NG, 92.) Capítulo 12 Numerais ESPÉCIES DE NUMERAIS 1. Para indicarmos uma quantidade exata de pessoas ou coisas, ou para assina­ larmos o lugar que elas ocupam numa série, empregamos uma classe especial de palavras — os num erais . Os n u m e r a is podem ser c a r d in a is , o r d in a is , m u l t ip l ic a t iv o s e f r a ­ c io n á r io s . 2. Os numerais cardinais são os números básicos. Servem para designar: a) a quantidade em si mesma, caso em que valem por verdadeiros substantivos: Dois e dois são quatro. b) uma quantidade certa de pessoas ou coisas, caso em que acompanham um substantivo à semelhança dos adjetivos: Geraldo Alonso levantou-se, deu três passos para a frente. (O. Lins, FP, 158.) Botou a cinco cântaros o mel... e a dois lagares o azeite. (A. Ribeiro, M, 44.) 3. Os numerais ordinais indicam a ordem de sucessão dos seres ou objetos numa dada série. Equivalem a adjetivos, que, no entanto, se substantivam facilmente: A senhora Basília de Cedofeita, uma alfarrabista, era viúva e entendida em primeiras edições. (A. Bessa Luís, OM, 126.) 384 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Foi aí que se tornou a primeira de sua classe. (A. de Alcântara Machado, NP, 125.) 4. Os numerais multiplicativos indicam o aumento proporcional da quantidade, a sua multiplicação. Podem equivaler a adjetivos e, com mais frequência, a substantivos, por virem geralmente antecedidos de artigo: É um duplo receber, que é um duplo dar. (J. M. de Macedo, RQ, 2.) Tinha o dobro da minha grossura e era vermelho como malagueta. (Ferreira de Castro, OC, 1 ,154.) 5. Os numerais fracionários exprimem a diminuição proporcional da quanti­ dade, a sua divisão: Já pagamos a metade da dívida. Só recebeu dois terços do ordenado. NUMERAIS COLETIVOS Assim se denominam certos numerais que, como os substantivos coletivos, designam um conjunto de pessoas ou coisas. Caracterizam-se, no entanto, por denotarem o número de seres rigorosamente exato. É o caso de novena, dezena, década, dúzia, centena, cento, lustro, milhar, milheiro,par. FLEXÃO DOS NUMERAIS CARDINAIS 1. Os n u m e r a i s ca r d in a is um, dois, e as centenas a partir de duzentos variam em gênero: um dois uma duas duzentos trezentos duzentas trezentas 2. Milhão, bilhão (ou bilião), trilhão, etc. comportam-se como substantivos e variam em número: dois milhões vinte trilhões NUMERAIS 3. Ambos, que substitui o cardinal os dois, varia em gênero: ambos os pés 4. Os outros cardinais ambas as mãos são invariáveis. ORDINAIS Os numerais ordinais primeiro vigésimo v a r ia m e m g ê n e r o e n ú m e r o : primeira vigésima primeiros vigésimos primeiras vigésimas MULTIPLICATIVOS 1. Os numerais multiplicativos são invariáveis quando equivalem a substantivos: Podia ser meu avô, tem o triplo da minha idade. Empregados com o valor de adjetivos flexionam-se em gênero e em número: Costuma tomar o remédio em doses duplas. 2. As formas multiplicativas dúplice, tríplice, etc. variam apenas em número: Deram-se alguns saltos tríplices. FRACIONÁRIOS 1. Os numerais fracionários concordam com os cardinais que indicam o número das partes: Subscrevi um terço e Carlos dois terços do capital. 2. Meio concorda em gênero com o designativo da quantidade de que é fração: Comprou três quilos e meio de carne. Andou duas léguas e meia a pé. Observação: No Brasil, em lugar de meio-dia e meia (hora), diz-se normalmente meio-dia e meio: 385 386 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Meio-dia e meio... nada de Luzardo. (Gilberto Amado, DP, 147.) NUMERAIS COLETIVOS Todos os num erais coletivos flexionam-se em número: três décadas dois milheiros cinco dúzias quatro lustros VALORES E EMPREGOS DOS CARDINAIS 1. Na lista dos cardinais costuma-se incluir zero (0), que equivale a um subs­ tantivo, geralmente usado em aposição: grau zero desinência zero 2. Cem, forma reduzida de cento, usa-se como um adjetivo invariável: cem rapazes cem meninas Cento é também invariável. Emprega-se hoje apenas: a) na designação dos números entre cem e duzentos: cento e dois homens cento e duas mulheres b) precedido do artigo, com valor de substantivo: Comprou um cento de bananas. Pagou caro pelo cento de peras. c) na expressão cem por cento. 3. Usa-se ainda conto (antigamente = um milhão de réis) no sentido de “mil escudos” (em Portugal) e “mil reais” (no Brasil): A gravura custou dois contos. 4. Bilhão (que também se escreve bilião) significava outrora “um milhão de milhões”, valor que ainda conserva em Portugal, Grã-Bretanha, Alemanha e no mundo de língua espanhola. No Brasil, na França, nos Estados Unidos e em outros países representa hoje “mil milhões”. NUMERAIS Observação: No Brasil quatorze alterna com catorze, que é a forma normal portuguesa. Em Portugal empregam-se normalmente dezasseis, dezassete e dezanove, variantes de­ susadas no Brasil. CARDINAL COMO INDEFINIDO O emprego do número determinado pelo indeterminado é um dos processos de superlativação preferidos pelas línguas românicas. Sirva de exemplo o cardinal mil, desde os começos da língua largamente usado para expressar a indeterminação exagerada: Em abril, chuvas mil. EMPREGO DA CONJUNÇÃO E COM OS CARDINAIS 1. A conjunção e é sempre intercalada entre as centenas, as dezenas e as unidades: trinta e cinco trezentos e quarenta e nove 2. Não se emprega a conjunção entre os milhares e as centenas, salvo quando o número terminar numa centena com dois zeros: 1892 = mil oitocentos e noventa e dois 1800 = mil e oitocentos 3. Em números muito grandes, a conjunção e emprega-se entre os membros da mesma ordem de unidades, e omite-se quando se passa de uma ordem a outra: 293.572 = duzentos e noventa e três mil quinhentos e setenta e dois 332.415.741.211 = trezentos e trinta e dois bilhões, quatrocentos e quinze milhões, setecentos e quarenta e um mil duzentos e onze VALORES E EMPREGOS DOS ORDINAIS 1. Ao lado de primeiro, que é forma própria do ordinal, a língua portuguesa conserva o latinismo primo (-a), empregado: a) seja como substantivo, para designar parentesco (osprimos) e, na forma fe­ minina (aprima), “a primeira das horas canônicas” e “a mais elevada corda” de alguns instrumentos; 387 388 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b) seja como adjetivo, fixado em compostos como obra-prima e matéria-prima, ou em expressões como números primos. 2, Certos ordinais, empregados com frequência para exprimir uma qualidade, tornam-se verdadeiros adjetivos. Comparem-se: Um material de primeira categoria [= superior]. Um artigo de segunda qualidade [= inferior]. 3. Como em certos jogos as cartas, pedras ou pontos são designados pelas pa­ lavras ás, duque, temo, quadra, a forma ás, equivalente a primeiro, passou a designar os campeões, especialmente dos esportes: Os ases do automobilismo. EMPREGO DOS CARDINAIS PELOS ORDINAIS Em alg u n s caso s, o numeral ordinal é s u b s titu íd o p elo cardinal c o rre s­ p o n d e n te . Assim: l.°) Na designação de papas e soberanos, bem como na de séculos e de partes em que se divide uma obra, usam-se os ordinais até décimo, e daí por diante o cardinal, sempre que o numeral vier depois do substantivo: GregórioVII (sétimo) Pedro II (segundo) Século X (décimo) Ato III (terceiro) Canto VI (sexto) João XXIII (vinte e três) Luís XIV (quatorze) Século XX (vinte) Capítulo XI (onze) Tomo XV (quinze) Quando o numeral antecede o substantivo, emprega-se, porém, o ordinal: Décimo século Terceiro ato Sexto Canto Vigésimo século Décimo primeiro capítulo Décimo quinto tomo 2.°) Na numeração de artigos de leis, decretos e portarias, usa-se o até nono, e o cardinal de dez em diante: Artigo l.° (primeiro) Artigo 9.° (nono) Artigo 10 (dez) Artigo 41 (quarenta e um) ordinal NUMERAIS 3. °) Nas referências aos dias do mês, usam-se os cardinais, salvo na desig­ nação do primeiro dia, em que é de regra o ordinal. Também na indicação dos anos e das horas empregam-se os cardinais: Chegaremos às seis horas do dia primeiro de maio. São duas horas da tarde do dia vinte e oito de julho de mil novecentos e oitenta e três. 4. °) Na enumeração de páginas e de folhas de um livro, assim como na de casas, apartamentos, quartos de hotel, cabines de navio, poltronas de casas de diversões e equivalentes empregam-se os cardinais. Nestes casos sente-se a omissão da palavra número: Página 3 (três) Folha 8 (oito) Cabine 2 (dois) Casa 31 (trinta e um) Apartamento 1 0 2 (cento e dois) Quarto 18 (dezoito) Se o numeral vier anteposto, usa-se o ordinal: Terceira página Oitava folha Segunda cabine Trigésima primeira casa EMPREGO DOS MULTIPLICATIVOS Dos multiplicativos apenas dobro, duplo e triplo são de uso corrente. Os demais pertencem à linguagem erudita. Em seu lugar, emprega-se o numeral cardinal seguido da palavra vezes: quatro vezes, oito vezes, doze vezes, etc. EMPREGO DOS FRACIONÁRIOS 1. Os números fracionários apresentam as formas próprias meio (ou metade) e terço. Os demais são expressos: a) p e lo ordinal c o rre s p o n d e n te , q u a n d o este se c o m p õ e d e u m só radical: quarto, quinto, décimo, vigésimo, milésimo, etc.; b ) p e lo cardinal c o rre s p o n d e n te , se g u id o d a p alav ra avos, q u a n d o o ordinal é u m a fo rm a c o m p o sta : treze avos, dezoito avos, vinte e três avos, cento e quinze avos. 2. Excetuando-se meio, os numerais fracionários vêm antecedidos de um cardi­ nal, que designa o número de partes da unidade: um terço, três quintos, cinco treze avos. 389 390 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Observações: 1. a) No Brasil, a expressão meia dúzia (não raro reduzida a meia) substitui o cardinal seis, principalmente quando se enunciam números de telefone. 2. a) A forma fracionária duodécimo é de uso normal, na linguagem administrativa, nas áreas em que a distribuição orçamentária se processa por parcelas mensais: O Departamento já recebeu o segundo duodécimo. QUADROS DOS NUMERAIS NUMERAIS CARDINAIS E ORDINAIS A lgarismos C R om anos 1 A O a r d in a is r d in a is r á b ic o s 1 um primeiro II 2 dois segundo III 3 três terceiro IV 4 quatro quarto V 5 cinco quinto VI 6 seis sexto VII 7 sete sétimo VIII 8 oito oitavo IX 9 nove nono X 10 dez décimo XI 11 onze undécimo ou décimo primeiro XII 12 doze duodécimo ou décimo segundo XIII 13 treze décimo terceiro XIV 14 quatorze décimo quarto XV 15 quinze décimo quinto XVI 16 dezesseis décimo sexto XVII 17 dezessete décimo sétimo XVIII 18 dezoito décimo oitavo XIX 19 dezenove décimo nono XX 20 vinte vigésimo XXI 21 vinte e um vigésimo primeiro XXX 30 trinta trigésimo XL 40 quarenta quadragésimo L 50 cinquenta quinquagésimo LX 60 sessenta sexagésimo LXX 70 setenta septuagésimo NUMERAIS A l g a r is m o s C R A om anos O a r d in a is r d in a is r ã b ic o s LXXX 80 oitenta octogésimo xc c cc ccc 90 noventa nonagésimo 100 cem centésimo 200 duzentos ducentésimo 300 trezentos trecentésimo CD 400 quatrocentos quadringentésimo D 500 quinhentos quingentésimo DC 600 seiscentos seiscentésimo ou sexcentésimo DCC 700 setecentos septingentésimo DCCC 800 oitocentos octingentésimo CM 900 novecentos nongentésimo M 1 000 mil milésimo X 10 000 dez mil dez milésimos C 100 000 cem mil cem milésimos M 1 000 000 um milhão milionésimo 1SÄ 1 000 000 000 um bilhão bilionésimo NUMERAIS MULTIPLICATIVOS E FRACIONÁRIOS M F r a c io n á r io s u l t ip l ic a t iv o s duplo, dobro, dúplice meio ou metade triplo, tríplice terço quádruplo quarto quíntuplo quinto sêxtuplo sexto séptuplo sétimo óctuplo oitavo nônuplo nono décuplo décimo undécuplo undécimo ou onze avos duodécuplo duodécimo ou doze avos cêntuplo centésimo 391 Capítulo 13 Verbo NOÇÕES PRELIMINARES 1. V erbo é u m a p a la v ra d e fo rm a v ariáv el q u e e x p rim e o q u e se passa, isto é, u m a c o n te c im e n to re p re s e n ta d o n o te m p o : Um dia, Aparício desapareceu para sempre. (A. Meyer, SI, 25.) A mulher foi educada por minha mãe. (Machado de Assis, OC, 1,343.) Como estavam velhos! (A. Bessa Luís, S, 189.) Anoitecera já de todo. (C. de Oliveira, AC, 19.) 2. I O verbo não tem, sintaticamente, uma função que lhe seja privativa, pois também o substantivo e o adjetivo podem ser núcleos do predicado. Indi­ vidualiza-se, no entanto, pela função obrigatória de predicado, a única que desempenha na estrutura oracional. 1 Daí a definição de A. Maria Barrenechea: “Os verbos são as palavras que tém a fiinção obrigatória de predicado e um regime próprio” (Las ciases de palabras en espanol como clases funcionales. Romance Philology, 17:306-307,1963). 394 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O FLEXÕES DO VERBO O apresenta as variações de e de voz. verbo de aspecto n ú m ero , de pessoa , de modo, de tem po , NÚMEROS Como as outras palavras variáveis, o verbo admite dois números: o singular e o plural . Dizemos que um verbo está no singular quando ele se refere a uma só pessoa ou coisa e, no plural, quando tem por sujeito mais de uma pessoa ou coisa. Exemplo: S in g u l a r e s tu d o e stu d a s e s tu d a P lu r a l e s tu d a m o s e s t u d a is e stu d a m PESSOAS O v e rb o p o ssu i trê s pessoas rela c io n a d a s d ire ta m e n te co m a p e sso a g ra m a ­ tical q u e lhe serve de sujeito . 1. A primeira é aquela que fala e corresponde aos pronomes pessoais eu (sin­ gular) e nós (plural): e s tu d o e s tu d a m o s 2. A segunda é aquela a quem se fala e corresponde aos pronomes pessoais tu (singular) e vós (plural): e stu d a s e stu d a is 3. A terceira é a q u e la de q u e m se fala e c o rre s p o n d e aos p ro n o m e s p esso ais ele, ela (sin g u lar) eles, elas (p lu ra l): e stu d a e s tu d a m MODOS Chamam-se modos as diferentes formas que toma o verbo para indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando, etc.) da pessoa que fala em relação ao fato que enuncia. Há três modos em português: o indicativo, o subjuntivo e o imperativo. D os seus valores e empregos tratamos, com o necessário desenvolvimento, adiante, VERBO n e ste m e sm o c a p ítu lo , o n d e ta m b é m e s tu d a m o s as formas nominais d o verbo: O INFINITIVO, O GERÚNDIO e O PARTICÍPIO. TEMPOS T empo é a v a ria ç ã o q u e in d ic a o m o m e n to e m q u e se dá o fato ex p resso p e lo v erb o . O s trê s te m p o s n a tu ra is são o presente, o pretérito ( ou passado) e o futuro , q u e d e sig n a m , re sp e c tiv a m e n te , u m fato o c o rrid o no momento em que se fala, antes tio momento em que sefala e após o momento em que se fala. O presente é indivisível, m a s o pretérito e o futuro s u b d iv id e m -se n o modo indicativo e n o subjuntivo , c o m o se vê d o se g u in te esq u em a: Presente: e stu d o imperfeito: Pretérito e stu d a v a simples: e s t u d e i perfeito composto: t e n h o e stu d a d o IN D ICATIVO ■< simples: mais-que-perfeito composto: t in h a ou simples: do presente J Pretérito composto: t e r i a ou e stu d a sse . perfeito: t e n h a ou h a ja e s t u d a d o mais-que-perfeito: t iv e s s e ou Futuro Presente h o u v e sse e stu d a d o ” simples: e s t u d a r composto: t i v e r ou Im p e r a t i v o h a v e r ia e s t u d a d o e stu d e imperfeito: u b ju n t iv o h a v e re i e stu d a d o simples: e s t u d a r ia do pretérito2 S h a v ia e s t u d a d o e stu d a re i composto: t e r e i ou Futuro Presente: e stu d a ra e stu d a e stu d a i h o u v e r e stu d a d o (tu), e s t u d e (você), e s t u d e m o s (nós), (vós), e s t u d e m (vocês). • De acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira — e afastando-nos neste ponto deliberadamente da tradição gramatical portuguesa — adotamos esta designação, em lugar de m o d o c o n d i c i o n a l , por a julgarmos mais adequada. Veja-se o que dizemos na página 478 (Observação 3.a), ao tratarmos do emprego deste tempo. 395 396 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O ASPECTOS 1. Diferente das categorias do tempo , do modo e da voz, o aspecto designa “uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o locutor consi­ dera a ação expressa pelo verbo”. Pode ele considerá-la como concluída, isto é, observada no seu término, no seu resultado; ou pode considerá-la como não concluída, ou seja, observada na sua duração, na sua repetição.-1 É a c la ra d is tin ç ã o q u e se v e rific a e m p o r tu g u ê s e n t r e as f o r m a s v e rb a is c la s ­ s ific a d a s c o m o PERFEITAS OU MAIS-QUE-PERFEITAS, d e U m la d o , e a s IMPERFEITAS, d e o u tr o . 2. Além dessa distinção básica, que divide o verbo, gramaticalmente, em dois gran­ des grupos de formas, costumam alguns estudiosos alargar o conceito de aspecto, nele incluindo valores semânticos pertinentes ao verbo ou ao contexto. Assim, nestas frases: João começou a comer. João continua a comer. João acabou de comer. n ã o h á , a b e m d iz e r, u m a o p o s iç ã o g r a m a tic a l d e a s p e c to . É o p r ó p r i o s ig n ific a d o d o s a u x ilia re s q u e tr a n s m ite a o c o n te x to o s s e n tid o s incoativo , PERMANSIVO e CONCLUSIVO. Dentro dessa lata conceituação, poderíamos distinguir, entre outras, as se­ guintes oposições aspectuais: l.a) A specto pontual / aspecto durativo. A oposição aspectual caracteriza-se neste caso pela menor ou maior extensão de tempo ocupada pela ação verbal. Assim: Aspecto pontual Acabo de ler Os lusíadas. Aspecto durativo Continuo a ler Os lusíadas. 2.a) A specto continuo / aspecto descontínuo . Aqui a oposição aspectual incide sobre o processo de desenvolvimento da ação: 3 Aspecto contínuo Vou lendo Os lusíadas. Aspecto descontínuo Voltei a ler Os lusíadas. Conrad Bureau. In Dictionnaire de la linguistique: sous la direction de Georges Mounin. Paris, P.U.F., 1974, p. 41. VERBO 3.a) A specto incoativo / aspecto conclusivo . O aspecto incoativo exprime um processo considerado em sua fase inicial; o aspecto conclusivo ou terminativo expressa um processo observado em sua fase final: Aspecto incoativo Comecei a ler Os lusíadas. Aspecto conclusivo Acabei de ler Os lusíadas. 3. São também de natureza aspectual as oposições entre: a) F orm a simples / perífrase durativa : leio / estou lendo (ou estou a ler) A perífrase de estar + g er ú n d io ( o u in fin itiv o precedido da preposição a), que designa o “aspecto do momento rigoroso” (Said Ali), estende-se a todos os modos e tempos do sistema verbal e pode ser substituída por outras períffases, formadas com os auxiliares de movimento (andar, ir, vir, viver, etc.) ou de implicação (continuar, ficar, etc.): Ando lendo (ou a ler). Vai lendo. Continuo lendo (ou a ler). Ficou lendo (ou a ler). b) Ser / estar. Ele foi ferido. Ele está ferido. A oposição ser / estar corresponde a dois tipos de passividade. Ser forma a passiva de ação; estar, a passiva de estado.4 Como vemos, tais oposições se baseiam fundamentalmente na diversidade de formação das períffases verbais. De um modo geral, pode-se dizer que as perífrases construídas com o par t ic Ipio exprimem o aspecto acabado, concluído; e as construídas com o in ­ finitivo ou o gerún dio expressam o aspecto inacabado, não concluído. Dos seus principais valores aspectuais trataremos adiante ao estudarmos os verbos auxiliares e a s formas nom inais do verbo. 1 Quanto às construções com ser e estar em espanhol, mas com interesse para o português, veja-se a monografia de Ricardo Navas Ruiz. Sery estar. Estudio sobre elsistema atributivo dei espanol. Salamanca, Acta Salmanticensia, 1963. 397 398 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Observações: 1. a) Estudiosos há que, seguindo o eslavista Agrei, distinguem aspecto de mo ­ dalidade de ação, considerando o primeiro a categoria gramatical que opõe a ação concluída à não concluída, e a segunda toda oposição expressa por meios lexicais, o que abrange um número ilimitado de possibilidades semânticas. Veja-se a respeito: Robert Martin. Temps et aspect. Essai sur l’emploi des temps narratifs en moyen fran­ çais. Paris, Klincksieck, 1971. p. 56; --------- . Temps et aspect en français moderne. Quelques remarques inspirées para la lecture de Verbe et adverbe de M. A. Klum. Travaux de Linguistique et de Littérature,3(1 ): 67-79, especialmente p. 76-79; L. Jenaro Maclennan. El problema dei aspecto verbal. Estúdio crítico de sus presupuestos. Madrid, Gredos, 1962, p. 146-150; Arne Klum. Verbe et adverbe. Etude sur le système verbal indicatif et sur le système de certains adverbes de temps à la lumière des relations verbo-adverbiales dans la prose du français contemporain. Stockholm, Almqvist & Wiksell, 1961, p. 107 passim; Ataliba T. de Castilho. Introdução ao estudo do aspecto verbal na língua portuguesa. Marília, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1968, p. 39-44; Claudino Cella. Système verbal français et système verbal portugais. Etude comparative. Metz, Université de Metz, 1978, p. 61-65 (com larga bibliografia sobre o assunto). 2. a) É hoje vastíssima a bibliografia sobre aspecto verbal. Além da que se contém nas obras citadas na observação anterior, veja-se a que dá Marc Wilmet em Etudes de morpho-syntaxe verbale. Paris, Klincksieck, 1976, p. 153; e em: Aspect grammatical, aspect sémantique, aspect lexical: un problème de limites. In La Notion d'Aspect. Colloque organisé par le Centre d’Analyse Syntaxique de l’Université de Metz. Actes publiés par Jean David et Robert Martin. Paris, Klincksiek, 1980, p. 51-52. Estas Atas reproduzem o texto das comunicações de Eugênio Coseriu, Martin S. Ruipérez, Joe Larochette, Gérard Moignet, Marc Wilmet, Maurice Gross, Jean-Marie Zemb, Gérold Stahl, J. Hoepelman - C. Rohrer, Frédéric Nef, Antoine Culioli, J.-P. Desclés, Bernard Pottier e representam uma súmula conclusiva das principais questões concernentes ao aspecto em geral. VOZES O fato expresso pelo verbo pode ser representado de três formas: a) como praticado pelo sujeito: João feriu Pedro. Não vejo rosas neste jardim. b) como sofrido pelo sujeito: Pedro foi ferido por João. Não se veem [= são vistas] rosas neste jardim. VERBO c) como praticado e sofrido pelo sujeito: João feriu-se. Dei-me pressa em sair. No primeiro caso, diz-se que o verbo está na v o z ativa; no segundo, na voz passiva; no terceiro, na v o z reflexiva. Como se verifica dos exemplos acima, o objeto direto da voz ativa corres­ ponde ao sujeito da voz passiva; e, na voz reflexiva, o objeto direto ou indireto é a mesma pessoa do sujeito. Logo, para que um verbo admita transformação de voz, é necessário que ele seja transitivo . Voz passiva. Exprime-se a v o z passiva: a) com o verbo auxiliar ser e o particípio do verbo que se quer conjugar: Pedro foi ferido por João. b) com o pr o n o m e apassivador se e uma terceira pessoa verbal, singular ou plural, em concordância com o sujeito: Não se vê [=é vista] uma rosa neste jardim. Não se veem [são vistas] rosas neste jardim. Voz reflexiva. Exprime-se a voz reflexiva juntando-se às formas verbais da voz ativa os pronomes oblíquos me, te, nos, vos e se (singular e plural): Eu me feri [=a mim mesmo] Tu te feriste [= a ti mesmo] Ele se feriu [= a si mesmo] Nós nos ferimos [= a nós mesmos] Vós vos feristes [= a vós mesmos] Eles se feriram [= a si mesmos] Observações: l.a) Além do verbo ser, há outros auxiliares que, combinados com um particípio, podem formar a voz passiva. Estão nesse caso certos verbos que exprimem estado (estar, andar, viver, etc.), mudança de estado (ficar) e movimento (ir, vir): Os homens já estavam tocados pela fé. Ficou atormentado pelo remorso. Os pais vinham acompanhados dos filhos. 399 400 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2.a) Nas formas da voz o sujeito: passiva, o partidpio concorda em gênero e número com Ele foi ferido Ela foi ferida Eles foram feridos. Elas foram feridas. FORMAS RIZOTÔNICAS E ARRIZOTÔNICAS Em certas formas verbais, o acento tônico recai no radical. Assim: ando ande andas andes anda ande andam andem Em outras, o acento tônico recai na terminação. Assim: andamos andemos andais andeis Às primeiras damos o nome de andou andava formas rizotònicas ; andar andará às segundas, de formas ARRIZOTÔNICAS. CLASSIFICAÇÃO DO VERBO 1. Quanto à flexào , o verbo pode ser regular , irregular , defectivo e abun­ dante . Os regulares flexionam-se de acordo com o pa r a d ig m a , modelo que representa o tipo comum da conjugação. Tomando-se, por exemplo, cantar, vender e partir como paradigmas da 1.a, 2.a e 3.®conjugações, verificamos que todos os verbos regulares da 1 .a conjugação formam os seus tempos como cantar, os da 2.a, como vender, os da 3.a como partir. São irregulares os verbos que se afastam do paradigma de sua conjugação, como dar, estar, fazer, ser, pedir, ir e vários outros, que no lugar próprio estudaremos. V erbos defectivos são aqueles que não têm certas formas, como abolir, falir e mais alguns de que tratamos adiante. Entre os defectivos costumam os gramáticos incluir os unipessoais , especialmente os impessoais, usados apenas na 3.a pessoa do singular: chover, ventar, etc. A bundantes são os verbos que possuem duas ou mais formas equivalentes. De regra, essa abundância ocorre no particípio. Assim, o verbo aceitar apre­ senta os particípios aceitado, aceito e aceite; o verbo entregar, os particípios entregado e entregue; o verbo matar, os particípios matado e morto. VERBO Observação: A Nomenclatura Gramatical Brasileira distingue verbos irregulares de verbos anômalos, aplicando a última denominação a verbos como estar, haver, ser, ter, ir, vir e pôr, cujas profundas irregularidades não se enquadram em classificação alguma. Esta distinção não é adotada pela Nomenclatura Gramatical Portuguesa. 2. Quanto à fu n ç ã o , o verbo pode ser principal o u auxiliar . P rincipal , é o v e r b o d e s ig n ific a ç ã o p le n a , n u c le a r d e u m a o r a ç ã o . Assim: Estudei português. Haverá uma solução para o caso. Comprei um livro. aquele que, desprovido total ou parcialmente da acepção própria, se junta a formas nominais de um verbo principal, constituindo com elas locuções que apresentam matizes significativos especiais. Assim: A uxiliar é Tenho estudado p o r tu g u ê s . Há de haver uma solução para o caso. Um livro foi comprado por mim. Os auxiliares mais comuns são ter, haver, ser e estar, de que apresentamos, adiante, a conjugação completa. CONJUGAÇÕES um verbo é dizê-lo em todos os modos, tempos, pessoas, números e vozes. O agrupamento de todas essas flexões, segundo uma ordem determinada, chama-se c o n iu g a ç à o . Há três conjugações em português, caracterizadas pela vogal tem ática . A l.a conjugação compreende os verbos que têm a vogal temática -a-: C onjugar estud-a-r fic-a-r rem-a-r A 2.a conjugação abarca os verbos que têm a vogal temática -e-: receb-e-r dev-e-r tem-e-r À 3.a conjugação pertencem os verbos que têm a vogal temática -i dorm-i-r part-i-r sorr-i-r 401 402 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Como as vogais temáticas se apresentam com maior nitidez no infinitivo, costuma-se indicar pela term inação deste (= vogal tem ãtica + sufixo -r) a con­ jugação a que pertence um dado verbo. Assim, os verbos de infinitivo terminado em -ar são da l.a conjugação; os de infinitivo em -er, da 2 .a; os de infinitivo em -ir, da 3.a. TEMPOS SIMPLES E s t r u t u r a d o v e rb o 1. Examinemos os seguintes tempos do indicativo do verbo cantar: P r es en t e P r et ér it o im p er feito P r et ér it o m ais -que -p er feit o c a n to c a n ta v a c a n ta ra c a n ta s ca n ta v a s ca n ta ra s c a n ta c a n ta v a c a n ta ra ca n ta m o s ca n tá v a m o s ca n tá ra m o s c a n t a is c a n t á v e is c a n t á r e is c a n ta m ca n ta va m ca n ta ra m Verificamos que todas as suas formas se irmanam pelo radical cant-, a parte invariável que lhes dá a base comum de significação. Verificamos também que a esse radical verbal se junta, em cada forma, uma term inação , da qual participa pelo menos um dos seguintes elementos: a) a vogal tem ãtica -a-, c a r a c te r ís tic a cant-a b) o sufixo tem poral d o s v e r b o s d a l . a c o n ju g a ç ã o : cant-a-va (o u m o d o - tem poral ), cant-a-ra q u e in d ic a o te m p o e o m o d o : cant-a-va c) a cant-a-ra desinência pessoal ( o u n Om e r o - pessoal ), q u e id e n tif ic a a p e s s o a e o n ú ­ m e ro : cant-o cant-a-va-s cant-á-ra-mos 2. Todo o mecanismo da formação dos tempos simples repousa na combinação harmônica desses três elementos flexivos com um determinado radical verbal. Muitas vezes falta um deles, como: VERBO a) a vogal temática, no presente do subjuntivo e, em decorrência, nas formas do imperativo dele derivadas: cante, cantes, cante, etc.; b) o sufixo temporal, no presente e no pretérito perfeito do indicativo, bem como nas formas do imperativo derivadas do presente do indicativo: canto, cantas, canta, etc.; cantei, cantaste, cantou, etc.; canta (tu), cantai (vós); c) a desin Encia pessoal, n a 3 .11 p e sso a d o s in g u la r d o p re s e n te d o in d ic a tiv o (canta); n a l . a e n a 3.a p esso a d o s in g u la r d o im p e rfe ito (cantava), d o m a isq u e -p e rfe ito (cantara) e d o f u tu r o d o p r e té r ito (cantaria) d o in d ic a tiv o ; e n e s ta s m e sm a s p e sso a s d o p re s e n te (cante), d o im p e rfe ito (cantasse) e d o f u tu r o (cantar) d o s u b ju n tiv o , assim c o m o n a s d o in fin itiv o p e sso a l (cantar). Mas, salvo no caso em que a falta de desinência iguala duas pessoas de um só tempo, perturbando a clareza, a ausência de qualquer desses elementos flexivos é sempre um sinal particularizante, pois caracteriza a forma lacunosa pelo seu contraste com as que não o são. F o rm a ç ã o d o s te m p o s s im p le s 1. Com exceção do infinitivo pessoal, os tempos simples dos verbos portugueses correspondem a formações existentes no latim clássico ou no latim vulgar, que sofreram, com os séculos, naturais alterações fonéticas. O estudo dessa evolução é matéria que pertence à chamada gramática histórica e excede, naturalmente, os limites deste livro de natureza sincrônica. Podemos, no entanto, adotar aqui um vulgarizado artifício didático para melhor apreen­ dermos o mecanismo das conjugações. Consiste tal artifício em admitir que o verbo apresente três tempos primitivos, sendo os outros deles derivados. São tempos primitivos: o presente do indicativo, o pretérito perfeito do INDICATIVO e O INFINITIVO IMPESSOAL. 2. Para mostrar a valia didática deste processo formativo, tomemos como exem­ plo os verbos cantar, vender e partir, e separemos nos seus tempos simples o RADICAL, OU O TEMA (= RADICAL + VOGAL TEMÁTICA), da TERMINAÇÃO, incluindo nesta o sufixo temporal e a desinência número - pessoal. D e r iv a d o s d o p r e s e n te d o in d ic a tiv o Do presente do indicativo presente do subjuntivo eo form am -se o im perfeito do in d ica tivo , o imperativo. l.° ) I mperfeito do indicativo . É fo rm a d o d o rad ic a l d o p re se n te acrescido: 403 404 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O a) na 1 .®conjugação, das terminações -ava, -avas, -ava, -ávamos, -áveis, -avam (constituídas da vogal temática -a- + sufixo temporal -va- + desinências pessoais); b) na 3.® conjugação, das terminações -ia, -ias, -ia, -íamos, -íeis, -iam (consti­ tuídas da vogal temática -i- + sufixo temporal -a- + desinências pessoais); c) na 2.® conjugação, das mesmas terminações da 3.®, por ter a vogal temática -e- passado a -i- antes de -a-. Assim, nos verbos cantar, vender e partir, temos: R a d ic a l , do P Im presec te 1.aCONJUGAÇÃO 2.aCONJUGAÇÃO 3»aCONJUGAÇÃO cant* vend- part- cant-ava vend-ia part-ia cant-avas vend-ias part-ias cant-ava vend-ia part-ia cant-ávam os vend-íam os part-íam os cant-áveis vend-íeis part-íeis cant-avam vend-ia m part-iam r e t é r it o p e r f e it o d o in d ic a t iv o Observação: Fogem à tin h a , v in h a regra acima os verbos ser, e p u n h a , respectivamente. ter, v ir e p ô r , que fazem no im p e r f e it o era, 2.°) P resente do subiuntivo . Forma-se do radical da 1.® pessoa do presente do indicativo, substituindo-se a desinência -o pelas flexões próprias do presente do subjuntivo: -e, -es, -emos, -eis, -em, nos verbos da 1 .®conjugação; -a, -as, -a, -amos, -ais, -am, nos verbos da 2.® e da 3.® conjugação. Assim: P r e s e n t e d o in d ic a t iv o 1.aCONJUGAÇÃO 2.aCONJUGAÇÃO 3«aCONJUGAÇÃO 1.®pessoa do singular canto vend-o parto P r esen te do s u b ju n t iv o cant-e vend-a p a rta cant-es vend-as p a rta s cant-e vend-a p a rta cant-em os vend-am os p a rta m o s cant-eis vend-ais p a rta is cant-em vend-am p a rta m VERBO 1. a) Dentre todos os verbos da língua apenas os seguintes não obedecem à regra anterior: haver, ser, estar, dar, ir, querer e saber, que fazem no presente do subjuntivo: haja, seja, esteja, dê, vá, queira e saiba. 2. a) Os verbos defectivos em que a l.a pessoa do presente do indicativo caiu em desuso não têm presente do subjuntivo. 3.°) I mperativo. O imperativo afirmativo só possui formas próprias de 2.a pessoa do singular e 2 .a pessoa do plural, derivadas das correspondentes do presente do indicativo com a supressão do -s final. Assim: ca n ta (s) ven d e(s) p arte (s) ca n ta i(s) ve n d e i(s) p a rti(s) Observações: 1. a) Excetua-se o verbo ser, que faz sê (tu) e sede (vós). 2. a) Costumam perder o -e na 2.a pessoa do singular do imperativo afirmativo os verbos dizer, fazer, trazer e os terminados em -uzir: dize (ou diz) tu, faze (ou faz) tu, traze (ou traz) tu, aduze (ou aduz) tu, traduze (ou traduz) tu. As outras pessoas do imperativo afirmativo, bem como todas as do impera­ tivo negativo, são supridas pelos equivalentes do presente do subjuntivo, com o pronome posposto, quando usado. D e r iv a d o s d o p r e t é r it o p e r f e it o d o in d ic a tiv o Do tema do pretérito perfeito formam-se os seguintes tempos simples: l.° ) o MAis-QUE-PERFEiTO do indicativo, juntando-se as terminações (= sufixo temporal -ra- + desinências pessoais) -ra, -ras, -ra, -ramos, -reis, -ram: 1 R a d ic a l d o p e r f e it o CONJUGAÇÃO canta* 2.aCONJUGAÇÃO 3-* CONJUGAÇÃO vende* parti* VOCAL TEM ÁTICA P r e t é r it o M AIS-Q UE-PERFEITO DO INDICATIVO canta-ra vende-ra parti-ra canta-ras vende-ras p arti-ras canta-ra vende-ra parti-ra cantá-ram os vendê-ram os partí-ram os cantá-reis vendê-reis p artí-reis canta-ram vende-ram parti-ram 405 406 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2.°) o imperfeito do suBiuNTivo, juntando-se as terminações (= sufixo temporal -sse- + desinências pessoais) -sse, -sses, -sse, -ssemos, -sseis, -ssem: V R a d ic a l d o p e r f e it o CONJUGAÇÃO canta- 2.aCONJUGAÇÃO 3.aCONJUGAÇÃO vende- parti- a VOCAL TEM ÁTICA P r e t é r it o IM PER FEITO DO SUBJUNTIVO c a n ta -s s e v e n d e -s s e p a rti-sse c a n ta -s s e s v e n d e -s s e s p a rti-s s e s c a n ta -s s e v e n d e -s s e p a rti-sse ca n tá -sse m o s ve n d ê -sse m o s p a r tí- s s e m o s c a n t á - s s e is v e n d ê - s s e is p a rtf-sse is c a n ta - s s e m v e n d e -s s e m p a rti-s s e m 3.°) o futuro do subjuntivo, juntando-se as terminações ( = sufixo temporal -r- + desinências pessoais) -r, -res, -r, -rmos, -rdes, -rem: R a d ic a l d o p e r f e it o * 1.aCONJUGAÇÃO 2.aCONJUGAÇÃO 3.aCONJUGAÇÃO canta- vende- parti- VOGAL TEM ÁTICA P r e t é r it o IM PER FEITO DO SUBJUNTIVO c a n ta -r v e n d e -r p a r ti- r c a n ta -re s v e n d e -re s p a rti-re s c a n ta -r v e n d e -r p a r ti- r c a n t a - rm o s ve n d e -rm o s p a r ti- r m o s c a n ta -rd e s v e n d e -rd e s p a r ti- rd e s c a n ta -re m v e n d e -re m p a rti-re m Observações: 1. a) O tem a d o p r e t é r it o p e r f e it o p o d e s e r o b t id o s u p r im in d o - s e a d e s in ê n c ia d a 2 .a p e s s o a d o s in g u la r o u d a l . a p e s s o a d o p lu r a l: canta(ste) fize(ste) vie(ste) puse(ste) c a n ta (m o s ) f iz e ( m o s ) v ie (m o s ) p u s e (m o s ) 2. a) Embora as suas formas sejam quase sempre idênticas, o futuro do subjuntivo e o infinitivo pessoal têm origem diversa, que deve ser conhecida para evitar-se a frequente confusão que se estabelece nos poucos verbos em que as formas são dis­ tintas: fizer — fazer; for — ser, souber — saber, etc. VERBO D e r iv a d o s d o in f in it iv o im p e s s o a l Do infinitivo impessoal formam-se os dois futuros simples do indicativo, o infinitivo pessoal, o gerúndio e o particípio. l.°) O futuro d o presente , com o simples acréscimo das terminações -ei, -ás, -á, -emos, -eis, -ão: I n f in it iv o im p e s s o a l F u tu ro do pr esen te 2 .°) O 1.aCONJUGAÇÃO 2 .a CONJUGAÇÃO 3-aCONJUGAÇÃO cantar vender partir cantar-ei vender-ei p arti r-ei cantar-ás vender-ás p arti r-ás cantar-á vender-á p arti r-á cantar-em os vender-em os p arti r-emos cantar-eis vender-eis p arti r-eis cantar-ão vender-ão p arti r-ão futuro do pretérito , com o acréscimo das terminações -ia, -ias, -ia, -íamos, -íeis, -iam: I n f in it iv o im p e s s o a l F u t u r o d o p r e t é r it o 1 .a CONJUGAÇÃO 2 .a CONJUGAÇÃO B .a CONJUGAÇÃO cantar vender partir cantar-ia vender-ia p artir-ia cantar-ias vender-ias p arti r-i as cantar-ia vender-ia p artir-ia canta r-íam os vender-íam os p arti r-íam os canta r-íeis vender-íeis p arti r-íeis cantar-iam vender-iam p artir-iam Observações: 1. a) Não seguem esta regra os verbos dizer, fazer e trazer, cujas formas do fu­ turo do presente e do pretérito são, respectivamente: direi, diria, farei, faria, trarei, traria. 2. a) O futuro do presente e o futuro do pretérito são formados pela aglutinação do infinitivo do verbo principal às formas reduzidas do presente e do imperfeito do indicativo do auxiliar haver, amar + hei, amar + hia (por havia), etc. 3.°) O infinitivo pessoal, com o acréscimo das desinências pessoais: -es (2.® pessoa do singular), -mos, -des, -em: 407 408 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 1 .“ CO N JU G AÇÃO 2 .a CO N JU G AÇÃO B .a CO N JU G AÇÃO cantar vender partir I n f in it iv o im p e s s o a l F u tu r o pesso al 4.°) 0 g e r ú n d io cantar vender partir canta r-es vender-es parti r-es cantar vender partir cantar-mos vender-mos partir-mos cantar-des vender-des parti r-des cantar-em vender-em parti r-em fo rm a -s e s u b s titu in d o -s e o su fix o - r d o in fin itiv o p e lo sufixo - n d o : 1 .a CO N JU G AÇÃO 2 .a CO NJU G AÇÃO 3 .a CO N JU G AÇÃO canta-r vende-r parti-r canta-ndo vende-ndo parti-ndo I n f in it iv o im p e s s o a l G e r ú n d io 5.°) O PARTicíPio fo rm a -se s u b stitu in d o -s e o sufixo -r d o in fin itiv o pelo sufixo -d o , se n d o d e n o ta r q u e , p o r in flu ê n c ia d a vogal te m á tic a d a 3.® c o n ju g ação , a d a 2.® p a sso u a -i-: I n f in it iv o im p e s s o a l P a r t ic íp io 1.aCO N JU G A Çà O 2.aCO N JU G AÇÃO 3.aCO N JU G AÇÃO canta-r vende-r parti-r canta-do vendi-do parti-do O bservação: Os verbos dizer, escrever,fazer, ver, pôr, abrir, cobrir, vir e seus derivados formam o PARTicíPio irregularmente: dito, escrito, feito, visto, posto, aberto, coberto, vindo. Dos derivados exclui-se prover, cujo particípio é provido. VERBOS AUXILIARES E O SEU EMPREGO 1. O s c o n ju n to s fo rm a d o s de u m v e rb o a u x iliar co m u m v e rb o p rin c ip a l ch am a m - s e l o c u ç õ e s v e r b a is . N as l o c u ç õ e s verbais c o n ju g a - s e a p e n a s o auxiliar, p o is o v e rb o p rin c ip a l v em se m p re n u m a das fo rm a s n o m in a is: n o PARTICÍPIO, n o GERÚNDIO, OU nO INFINITIVO IMPESSOAL. VERBO 2. O s auxiliares d e u so m a is fre q u e n te são ter, haver, ser e estará Ter e haver em p reg am -se: a) c o m o PARTicíPio d o v e rb o p rin c ip a l, p a ra fo rm a r os te m p o s c o m p o sto s da voz ativa, d e n o ta d o re s d e u m fato aca b a d o , re p e tid o o u c o n tín u o : Tenho feito exercícios. Havíamos comprado livros. b ) c o m o infinitivo d o v e rb o p rin c ip a l a n te c e d id o da p re p o siç ã o de, p a ra ex ­ p rim ir, respectiv a m e n te , a o b rig a to rie d a d e o u o firm e p ro p ó s ito d e re aliza r o fato: Tenho de fazer exercícios. Havemos de comprar livros. Ser e m p re g a -se c o m o particípio d o v e rb o p rin c ip a l, p a ra fo rm a r os te m p o s d a voz passiva d e ação: E xercícios foram feitos p o r m im . L ivros serão comprados p o r n ó s. Estar em p reg a-se: a) c o m o particípio d o v e rb o p rin c ip a l, p a ra fo rm a r te m p o s d a voz p assiv a de estad o : Estou arrependido d o q u e fiz. Estamos impressionados c o m o fato. Como não há uniformidade de critério linguístico para determinação dos limites da auxiliaridade, costuma variar de gramática para gramática o elenco de verbos auxiliares. Sobre o assunto, no âmbito da língua portuguesa, o estudo mais desenvolvido é o de Lúcia Maria Pinheiro Lobato. VAuxiliarité en langueportugaise (tese de doutorado apresentada à Universidade de Paris-III, Paris, 1970, mimeografado). Menção particular merecem também os trabalhos de: Eunice Pontes. Verbos auxiliares em português. Petrópolis, 1973, onde a auxiliaridade, principalmente dos verbos que se constroem com infinitivo, é estudada à luz da gramática transformacional; e de Eduardo Paiva Raposo. A construção “união de orações” na gramática do português (dissertação de doutoramento apresentada à Universidade de Lisboa, Lisboa, 1981, mimeografado), em que se examinam do ponto de vista da gramática relacional as construções de infinitivo com verbos como fazer, mandar, deixar, ver, sentir e ouvir. 409 410 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O b ) co m o gerúndio , o u co m o infinitivo d o v e rb o p rin c ip a l a n te c e d id o d a p r e ­ p o sição a, p a ra in d ic a r u m a ação d u ra tiv a , c o n tin u a d a : Estava ouvindo música. Estava a ouvir música. c) com o infinitivo d o v e rb o p rin c ip a l a n te c e d id o da p re p o siç ã o para, p a ra e x p rim ir a im in ê n c ia de u m a c o n te c im e n to , o u o in tu ito de re aliza r a ação expressa p elo v erb o p rin c ip a l: O avião está para chegar. Há dias estou para visitá-lo. d ) com o infinitivo d o verbo p rin c ip a l an teced id o d a p rep o sição por, p a ra in d ic a r q u e u m a ação q u e já d ev eria te r sid o realiza d a a in d a n ã o o foi: O trabalho está por terminar. A carta ficou por escrever. D is tin ç ã o im p o rta n t e A construção de estar (ou andar) + gerúndio , preferida no Brasil, é a mais antiga no idioma e ainda tem vitalidade em dialetos centro-meridionais de Portugal (principalmente no Alentejo e no Algarve), nos Açores6 e nos países africanos de língua portuguesa. No português-padrão e nos dialetos setentrionais de Portugal predomina hoje a construção, de sentido idêntico, formada de estar (ou andar) + preposi­ ção a + infinitivo , que aparece, vez por outra, na pena de escritores brasileiros. Comparem-se estes exemplos, colhidos na obra de Adonias Filho: Estava a passar a cera no cordão e a ouvir Gonçalo Cintra quando se ergueu de um salto. {LBB, 126.) Três meses ali estava, João Joanes, a pescar com Pé de Vento, a visitar os vizinhos, a ajoelhar-se na sepultura da mulher. (LBB, 133.) 6 Veja-se M. de Paiva Boléo. Estudos de linguística portuguesa e românica, I. Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1974, p. 425;----- . Revista Portuguesa de Filologia, p. 17:971, 1975-1978. VERBO O filho lá estava, c o rre n d o n a areia, a brincar c o m o u tro s m e n in o s. {LBB, 15.) 3. A lém d o s q u a tro v e rb o s e stu d a d o s, o u tro s h á q u e p o d e m fu n c io n a r co m o auxiliares. E stão n e ste caso os v erb o s ir, vir, andar, ficar, acabar e m ais alg u n s q u e se ligam ao infinitivo d o v e rb o p rin c ip al p a ra ex p ressar m atizes de te m p o o u p a ra m a rc a r certo s asp e c to s d o d e se n v o lv im e n to d a ação. A ssim : Ir em p reg a-se: a) c o m o gerúndio d o v e rb o p rin c ip a l, p a ra in d ic a r q u e a ação se realiza p r o ­ g ressiv am en te o u p o r e ta p a s sucessivas: O n avio ia encostando n o cais (p o u c o a p o u c o ). O s c o n v id a d o s iam chegando d e a u to m ó v e l (su cessiv am en te). b ) c o m o infinitivo d o v e rb o p rin c ip a l, p a ra e x p rim ir o firm e p ro p ó s ito de ex e c u ta r a ação, o u a certeza d e q u e ela será realizad a e m fu tu ro p ró x im o : Vou procurar u m m éd ico . O n avio vai partir. Vir em p reg a-se: a) c o m o gerúndio d o v e rb o p rin c ip a l, p a ra in d ic a r q u e a ação se desenvolve g ra d u a lm e n te (c o m p a re -se a c o n s tru ç ã o sim ila r c o m ir)\ Vinha rompendo a m a d ru g a d a . Venho tratando desse a ssu n to . b ) c o m o infinitivo d o v e rb o p rin c ip a l, p a ra in d ic a r m o v im e n to em d ireção a d e te rm in a d o fim o u in te n ç ã o d e re aliza r u m ato: Veio fazer co m p ra s. Vieste interromper-me o tra b a lh o . c) c o m o infinitivo d o v e rb o p rin c ip a l a n te c e d id o d a p re p o siç ã o a, p a ra ex ­ p re ssa r o re su lta d o final d a ação: Vim a saber dessas coisas m u ito tard e. Veio a dar c o m o s b u rro s n’água. d ) c o m o infinitivo d o v e rb o p rin c ip a l a n te c e d id o d a p re p o s iç ã o de, p a ra in d ic a r o té rm in o recen te d a ação: 411 412 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Vinha de ajustar contas com o imigrante. (J. Cardoso Pires, D, 290.) Minha intenção era saudar os jangadeiros que vêm de chegar. (A. F. Schmidt, GB, 56.) Esta última construção, que desde o século passado se documenta em bons escritores do idioma, tem sido condenada por alguns gramáticos como ga­ licismo. Andar, à nitivo s e m e lh a n ç a d e e s ta r , e m p re g a - s e c o m o g e r ú n d io , o u com o in fi ­ d o v e r b o p r in c ip a l a n te c e d id o d a p r e p o s iç ã o a , p a r a i n d i c a r u m a a ç ã o d u r a tiv a , c o n tin u a d a : Ando lendo o s c lássico s. Ando a ler o s c lá ssic o s. A primeira construção, como dissemos, é a mais usada no Brasil; a segunda, a preferida em Portugal. Ficar, a lé m d e se j u n t a r a o particípio p a r a f o r m a r a v o z p a s s iv a d e n o t a d o r a d e m u d a n ç a d e e s ta d o (f i c o u m o l h a d o ) , e m p re g a -s e : a ) c o m o g e r ú n d io , o u c o m o in fin itiv o d o v e r b o p r in c i p a l a n te c e d id o d a p r e p o s iç ã o a , p a r a in d ic a r u m a a ç ã o d u r a tiv a c o s tu m e ir a , o u m a is lo n g a d o q u e a e x p re s s a p o r esta r; c o m p a r e m - s e : Ficava cantando Estava cantando Ficava a cantar Estava a cantar b) com o in fin itiv o Ficou esperando Esteve esperando Ficou a esperar Esteve a esperar d o v e r b o p r in c ip a l a n te c e d id o d a p r e p o s iç ã o p o r , p a r a in d ic a r q u e u m a a ç ã o q u e d e v e ria te r s id o re a liz a d a n ã o o foi: O trabalho ficou por terminar. Compare-se à construção paralela com e sta r. O trabalho está por terminar. Acabar e m p re g a -se co m o in fin it iv o d o v e rb o p rin c ip a l a n te c e d id o d a p r e p o s iç ã o d e , p a r a in d ic a r u m a a ç ã o r e c é m - c o n c lu íd a : O avião acabou de aterrissar. Os convidados acabaram de chegar. VERBO CONJUGAÇÃO DOS VERBOS TER , HAVER, SER E ESTAR M o d o in d ic a t iv o P r esen te tenho hei sou estou tens hás és estás tem há é está tem os havem os somos estam os tendes haveis sois estais têm hão são estão P r et ér it o im p er feit o tin h a havia era estava tinhas havias eras estavas tin h a havia era estava tínham os havíam os éram os estávam os tín h eis havíeis éreis estáveis tinham haviam eram estavam P r e t é r it o p er feit o tive houve fui estive tiveste houveste foste estiveste teve houve foi esteve tivem os houvem os fom os estivem os tivestes houvestes fostes estivestes tiveram houveram foram estiveram P r et ér it o m ais -q u e -p e r fe it o tivera houvera fora estivera tiveras houveras foras estiveras tivera houvera fora estivera tivéram os houvéram os fôram os estivéram os tivéreis houvéreis fôreis estivéreis tiveram houveram foram estiveram 413 414 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O F u turo do p r esen te terei haverei serei estarei terás haverás serás estarás terá haverá será estará terem os haverem os serem os estarem os te re is havereis sereis estareis terão haverão serão estarão F u tu r o do p r e t é r it o te ria haveria seria estaria terias haverias serias estarias te ria haveria seria estaria teríam o s haveríam os seríam os estaríam os te ríe is haveríeis seríeis estaríeis teriam haveriam seriam estariam M o d o s u b ju n t iv o P r esen te tenha haja seja esteja tenhas hajas sejas estejas tenha haja seja esteja tenham os hajam os sejam os estejam os tenhais h ajais sejais estejais tenham hajam sejam estejam P r et ér it o im p er feit o tivesse houvesse fosse estivesse tivesses houvesses fosses estivesses tivesse houvesse fosse estivesse tivéssem os houvéssem os fôssem os estivéssem os tivésseis houvésseis fôsseis estivésseis tivessem houvessem fossem estivessem VERBO F uturo tiv e r houver for estiver tiveres houveres fores estiveres tiv e r houver for estiver tiverm os houverm os form os estiverm os tiverdes houverdes fordes estiverdes tiverem houverem forem estiverem M o d o im p e ra tiv o A firm a tiv o tem (tu ) (desusado) sê (tu ) está (tu ) tenha (você) haja (você) seja (você) esteja (você) tenham os (n ó s) hajam os (n ó s) sejam os (n ó s) estejam os (n ó s) tende (vós) havei (vós) sede (vós) estai (vós) tenham (vocês) hajam (vocês) sejam vocês) estejam (vocês) N eg ativo nâo tenhas (tu ) não sejas (tu ) nâo tenha (vo cê) não seja (você) nâo tenham os (n ó s) não sejam os (n ó s) não tenhais (vó s) não sejais (vós) não tenham (vocês) não sejam (vocês) não hajas (tu ) não estejas (tu ) não haja (você) não esteja (você) não hajam os (n ó s) não estejam os (n ó s) não h ajais (vós) não estejais (vós) não hajam (vocês) não estejam (vocês) F o rm a s n o m in a is I n fin itiv o ter haver im pesso a l ser estar 415 416 NOV A G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O I n fin it iv o pesso a l te r haver ser estar teres haveres seres estares te r haver ser estar term os haverm os serm os estarm os terdes haverdes serdes estardes terem haverem serem estarem G erú n d io tendo havendo sendo estando P a r t ic íp io tido havido sido estado FORMAÇÃO DOS TEMPOS COMPOSTOS E n tr e o s tem po s co m po sto s d a v o z a tiv a m e r e c e m re a lc e p a r ti c u la r a q u e le s q u e s ã o c o n s titu íd o s d e f o r m a s d o v e r b o te r ( o u , m a is r a r a m e n te , h a v e r ) c o m o p a r t ic í p io d o v e r b o q u e se q u e r c o n ju g a r, p o r q u e é c o s tu m e in c lu í- lo s n o s p r ó p r io s p a r a d ig m a s d e c o n ju g a ç ã o . E is o s te m p o s e m c a u s a : M o d o in d ic a tiv o l.° ) P r e t é r it o d o v e r b o te r c o m o p e r f e it o p a r t ic í p io co m po sto . F o r m a d o d o p r e s e n t e d o in d ic a t iv o d o v e r b o p r in c ip a l: tenho cantado tenho vendido tenho partido tens cantado tens vendido ten s partido tem cantado tem vendido tem partido tem os cantado tem os vendido tem os partido tendes cantado tendes vendido tendes partido têm cantado têm vendido têm partido VERBO Form ado do i m p e r f e i t o do verbo ter (ou haver) com o p a r t ic í p io do verbo principal: 2 .° ) P r e t é r it o do in d i c a t i v o 3 .° ) s im p l e s 4.°) s im p l e s m a is - q u e - p e r f e it o co m po sto . tin h a cantado tin h a vendido tin h a partido tin h a s cantado tin h as vendido tin h a s partido tin h a cantado tin h a vendido tin h a partido tín h am o s cantado tín h am o s vendido tínham o s partido tín h e is cantado tín h e is vendido tín h e is partido tinham cantado tin h am vendido tin h a m partido Formado do f u t u r o d o do verbo ter (ou haver) com o p a r t ic í p io do verbo principal: F u tu ro do presen te co m po sto . terei cantado terei vendido terei partido terás cantado terás vendido terás partido terá cantado terá vendido terá partido terem os cantado terem os vendido terem os partido tereis cantado tereis vendido tereis partido terão cantado terão vendido terão partido Formado do f u t u r o d o do verbo ter (ou haver) com o p a r t ic í p io do verbo principal: F u t u r o d o p r e t é r it o c o m p o s t o . te ria cantado te ria vendido teria partido te ria s cantado te ria s vendido te ria s partido te ria cantado te ria vendido teria partido teríam o s cantado te ríam o s vendido teríam o s partido te ríe is cantado te ríe is vendido te ríe is partido teriam cantado te ria m vendido teria m partido presen te p r e t é r it o M o d o s u b ju n tiv o Formado do p r e s e n t e do verbo principal: l . ° ) P r e t é r it o p e r f e it o . haver) com o p a r t ic í p io d o s u b iu n t i v o do verbo ter (ou tenha cantado tenha vendido tenha partido tenhas cantado tenhas vendido tenhas partido tenha cantado tenha vendido tenha partido tenham os cantado tenham os vendido tenham os partido ten h ais cantado tenhais vendido ten h a is partido tenham cantado tenham vendido tenham partido 417 418 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O 2.°) P retérito mais- que - rerfeito. Formado do imperfeito do subjuntivo do verbo ter (ou haver) com o particIpio do verbo principal: tivesse cantado tive sse vendido tivesse partido tivesses cantado tivesses vendido tivesses partido tivesse cantado tive sse vendido tivesse partido tivéssem os cantado tivéssem o s vendido tivéssem os partido tivésseis cantado tiv é sse is vendido tivésseis partido tivessem cantado tive sse m vendido tivessem partido 3.°) F uturo composto . Formado do futuro simples do subjuntivo do verbo ter (ou haver) com o particIpio do verbo principal: tiv e r cantado tiv e r vendido tiv e r partido tive res cantado tiveres vendido tiveres partido tiv e r cantado tiv e r vendido tiv e r partido tiverm o s cantado tiverm o s vendido tiverm o s partido tiverd es cantado tiverdes vendido tiverdes partido tiverem cantado tiverem vendido tiverem partido F o rm a s n o m in a is l.° ) I nfinitivo impessoal com posto ( pretérito impessoal ). Formado do infinitivo impessoal do verbo ter (ou haver) com o particípio do verbo principal: te r cantado te r vendido te r partido 2 .°) I nfinitivo pessoal com posto ( pretérito pessoal ). Formado do in ­ finitivo pessoal do verbo ter (ou haver) com o particIpio do verbo principal: te r cantado te r vendido te r partido teres cantado teres vendido teres partido ter cantado te r vendido te r partido term os cantado term os vendido term os partido terdes cantado terdes vendido terdes partido terem cantado terem vendido terem partido 3.°) G erúndio composto ( pretérito ). Formado do gerúndio do verbo ter (ou haver) com o particIpio do verbo principal: tendo cantado tendo vendido 1 tendo partido VERBO CONJUGAÇÃO DOS VERBOS REGULARES Como dissemos, são regulares os verbos que se flexionam de acordo com o paradigma de sua conjugação. Assim, tomando os verbos cantar, vender e partir como paradigmas, respectivamente, da l.a, 2.a e 3.a conjugações, verificamos que todos os verbos regulares da l.a conjugação formam os seus tempos pelo modelo de cantar; os da 2.a, pelo de vender; os da 3.a, pelo de partir. CONJUGAÇÃO DA VOZ PASSIVA (Modelo: ser louvado) M o d o in d ic a tiv o P r esen te P r et ér ito im p er feito s o u lo u v a d o (-a) e ra lo u v a d o (-a) é s lo u v a d o (-a) e ra s lo u v a d o (-a) é lo u v a d o (-a) e ra lo u v a d o (-a) s o m o s lo u v a d o s (-a s) é r a m o s lo u v a d o s (-a s) s o is lo u v a d o s (-a s) é r e is lo u v a d o s (-a s) s ã o lo u v a d o s (-a s) e ra m lo u v a d o s (-a s) P r e t é r it o p e r fe it o ( s im p le s ) P r et ér it o p e r fe it o ( com posto ) f u i lo u v a d o (-a) t e n h o s id o lo u v a d o (-a) fo s te lo u v a d o (-a) t e n s s id o lo u v a d o (-a) fo i lo u v a d o (-a) t e m s id o lo u v a d o (-a) f o m o s lo u v a d o s (-a s) t e m o s s id o lo u v a d o s (-a s) fo s te s lo u v a d o s (-a s) t e n d e s s id o lo u v a d o s (-a s) f o r a m lo u v a d o s (-a s) t ê m s id o lo u v a d o s (-a s) P r et ér it o m ais -q u e -p e r fe it o ( s im p le s ) P r e t é r it o m ais -q ue -p e r fe it o ( com posto ) fo ra lo u v a d o (-a) t in h a s id o lo u v a d o (-a) f o r a s lo u v a d o (-a) t in h a s s id o lo u v a d o (-a) fo ra lo u v a d o (-a) t in h a s id o lo u v a d o (-a) f ô r a m o s lo u v a d o s (-a s) t ín h a m o s s id o lo u v a d o s (-a s) f ô r e is lo u v a d o s (-a s) t ín h e is s id o lo u v a d o s (-a s) f o r a m lo u v a d o s (-a s) t in h a m s id o lo u v a d o s (-a s) 419 420 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O F u tu ro do p r esen t e ( s im p le s ) serei louvado (-a) serás louvado (-a) será louvado (-a) seremos louvados (-as) sereis louvados (-as) serão louvados (-as) F u turo do p r e t é r it o ( s im p le s ) F u turo do p r e s en t e ( com posto ) terei sido louvado (a) terás sido louvado (-a) terá sido louvado (-a) teremos sido louvados (-as) tereis sido louvados (-as) terão sido louvados (-as) F u turo do p r e t é r it o ( com posto ) seria louvado (-a) serias louvado (-a) seria louvado (-a) teria sido louvado (a) terias sido louvado (-a) teria sido louvado (-a) seríamos louvados (-as) seríeis louvados (-as) seriam louvados (-as) teríamos sido louvados (-as) teríeis sido louvados (-as) teriam sido louvados (-as) M o d o s u b ju n t iv o P r esen te P r e t é r it o im p er feit o seja louvado (-a) sejas louvado (-a) fosse louvado (-a) fosses louvado (-a) seja louvado (-a) sejamos louvados (-as) sejais louvados (-as) sejam louvados (-as) fosse louvado (-a) fôssemos louvados (-as) fôsseis louvados (-as) fossem louvados (-as) P r e t é r it o p er feit o P r e t é r it o m a is -q ue -perfetto tenha sido louvado (-a) tivesse sido louvado (-a) tenhas sido louvado (-a) tenha sido louvado (-a) tenhamos sido louvados (-as) tenhais sido louvados (-as) tenham sido louvados (-as) tivesses sido louvado (-a) tivesse sido louvado (-a) tivéssemos sido louvados (-as) tivésseis sido louvados (-as) tivessem sido louvados (-as) F u turo ( s im p le s ) for louvado (-a) fores louvado (-a) for louvado (-a) formos louvados (-as) fordes louvados (-as) forem louvados (-as) F uturo ( com posto ) tiver sido louvado (-a) tiveres sido louvado (-a) tiver sido louvado (-a) tivermos sido louvados (-as) tiverdes sido louvados (-as) tiverem sido louvados (-as) VERBO F o rm a s n o m in a is I n fin itiv o I n fin it iv o im pesso a l p r e s en t e ser louvado (-a) I n fin itiv o ter sido louvado (-a) I n fin it iv o pesso al p r e s en t e ser louvado (-a) seres louvado (-a) ser louvado (-a) sermos louvados (-as) serdes louvados (-as) serem louvados (-as) G erú n d io im pesso a l p r e t é r it o - pesso a l p r e t é r it o ter sido louvado (-a) teres sido louvado (-a) ter sido louvado (-a) termos sido louvados (-as) terdes sido louvados (-as) terem sido louvados (-as) G erú n d io p r esen te sendo louvado (-a,-os,-as) p r e t é r it o tendo sido louvado (-a,-os,-as) P a r t ic íp io louvado (-a, -os, -as) Observações: 1. a) Só há uma forma simples na voz passiva, que é o particípio. Colocamos, no entanto, entre parênteses, as designações simpi.es e composto para lembrar a correspondência das formas assim nomeadas com as da voz ativa, que apresentam semelhante oposição. 2. a) Na voz passiva n ão se usa o imperativo. VOZ REFLEXIVA Na voz reflexiva o verbo vem acompanhado de um pronome oblíquo que lhe serve de objeto direto ou, mais raramente, de objeto indireto e representa a mesma pessoa que o sujeito. Assim: Eu me lavo (ou lavo-me). Ele se deu o trabalho de vir a minha casa (ou deu-se). A próclise é preferida no Brasil, a ênclise em Portugal. O verbo reflexivo pode indicar também a reciprocidade, isto é, uma ação mútua de dois ou mais sujeitos: Pedro, Paulo e eu nos estimamos (estimamo-nos) [= mutuamente]. Os dias se sucedem (sucedem-se) [= um ao outro] calmos. 421 422 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O V e rb o r e fle x iv o e v e rb o p ro n o m in a l Muitos verbos são conjugados com pronomes átonos, à semelhança dos reflexivos, sem que tenham exatamente o seu sentido. São os chamados verbos pro n o m in a is , de que podemos distinguir dois tipos: a) os que só se usam na forma pronominal, como: apiedar-se condoer-se queixar-se suicidar-se b) os que se usam também na forma simples, mas esta difere ou pelo sentido ou pela construção da forma pronominal, como, por exemplo: debater [= discutir] debater-se [= agitar-se] enganar alguém enganar-se com alguém O bservação: Distingue-se, na prática, o verbo reflexivo do verbo pronominal porque ao primeiro se podem acrescentar, conforme a pessoa, as expressões a mim mesmo, a ti mesmo, a si mesmo, etc. Quando o reflexivo tem valor recíproco, as expressões reforçativas passam a ser um ao outro, reciprocamente, mutuamente, etc. Assim: Feri-me a mim mesmo. Amavam-se um ao outro. CONJUGAÇÃO DE UM VERBO REFLEXIVO (Modelo: lavar-se) M o d o in d ic a tiv o C om C om o pro n o m e en c lític o ou m eso clítico o pro n o m e pro clítig õ Presente lavo-me eu me lavo lavas-te tu te lavas lava-se ele se lava lavamo-nos nós nos lavamos lavais-vos vós vos lavais lavam-se eles se lavam VERBO C om C om o pro n o m e en c lític o ou m eso clítico o pro n o m e p ro c ü tic o Pretérito imperfeito lavava-me eu me lavava lavavas-te tu te lavavas lavava-se ele se lavava lavávamo-nos nós nos lavávamos laváveis-vos vós vos laváveis lavavam-se eles se lavavam Pretérito perfeito simples lavei-me eu me lavei lavaste-te tu te lavaste lavou-se ele se lavou lavamo-nos nós nos lavamos lavastes-vos vós vos lavastes lavaram-se eles se lavaram Pretérito perfeito composto tenho-me lavado eu me tenho lavado tens-te lavado tu te tens lavado tem-se lavado ele se tem lavado temo-nos lavado nós nos temos lavado tendes-vos lavado vós vos tendes lavado têm-se lavado eles se têm lavado Pretérito mais-que-perfeito simples lavara-me eu me lavara lavaras-te tu te lavaras lavara-se ele se lavara laváramo-nos nós nos laváramos laváreis-vos vós vos laváreis lavaram-se eles se lavaram Pretérito mais-que-perfeito composto tinha-me lavado eu me tinha lavado tinhas-te lavado tu te tinhas lavado tinha-se lavado ele se tinha lavado tínhamo-nos lavado nós nos tínhamos lavado tínheis-vos lavado vós vos tínheis lavado tinham-se lavado eles se tinham lavado 423 424 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O C om ò pro n o m e en c ü tic o ou m eso cl IYic o C om o pro n o m e pro c lític o Futuro do presente simples lavar-me-ei lavar-te-ás lavar-se-á lavar-nos-emos lavar-vos-eis lavar-se-ão eu me lavarei tu te lavarás ele se lavará nós nos lavaremos vós vos lavareis eles se lavarão Futuro do presente composto ter-me-ei lavado ter-te-ás lavado ter-se-á lavado ter-nos-emos lavado ter-vos-eis lavado ter-se-ão lavado eu me terei lavado tu te terás lavado ele se terá lavado nós nos teremos lavado vós vos tereis lavado eles se terão lavado Futuro do pretérito simples lavar-me-ia lavar-te-ias lavar-se-ia lavar-nos-íamos lavar-vos-íeis lavar-se-iam eu me lavaria tu te lavarias ele se lavaria nós nos lavaríamos vós vos lavaríeis eles se lavariam Futuro do pretérito composto ter-me-ia lavado ter-te-ias lavado ter-se-ia lavado ter-nos-íamos lavado ter-vos-íeis lavado ter-se-iam lavado eu me teria lavado tu te terias lavado ele se teria lavado nós nos teríamos lavado vós vos teríeis lavado eles se teriam lavado M o d o s u b ju n t iv o C om C om o pro n o m e en c lític o o pro n o m e pro c lític o Presente lave-me laves-te lave-se lavemo-nos laveis-vos lavem-se eu me lave tu te laves ele se lave nós nos lavemos vós vos laveis eles se lavem VERBO C om C om o pro n o m e en c lític o o pro n o m e p ró c ü tic o Pretérito imperfeito lavasse-me eu me lavasse lavasses-te tu te lavasses lavasse-se ele se lavasse lavássemo-nos nós nos lavássemos lavásseis-vos vós vos lavásseis lavassem-se eles se lavassem Pretérito perfeito (Não se usa com o eu me tenha lavado pronome enclítico) tu te tenhas lavado ele se tenha lavado nós nos tenhamos lavado vós vos tenhais lavado eles se tenham lavado Pretérito mais-que-perfeito tivesse-me lavado eu me tivesse lavado tivesses-te lavado tu te tivesses lavado tivesse-se lavado ele se tivesse lavado tivéssemo-nos lavado nós nos tivéssemos lavado tivésseis-vos lavado vós vos tivésseis lavado tivessem-se lavado eles se tivessem lavado Futuro simples (Não se usa com o eu me lavar pronome enclítico) tu te lavares ele se lavar nós nos lavarmos vós vos lavardes eles se lavarem Futuro composto (Não se usa com o eu me tiver lavado pronome enclítico) tu te tiveres lavado ele se tiver lavado nós nos tivermos lavado vós vos tiverdes lavado eles se tiverem lavado 425 426 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O M o d o im p e ra tiv o C om C om o pro n o m e en c lític o o pro n o m e pro c lític o Afirmativo lava-te lave-se lavemo-nos lavai-vos lavem-se (Não pode vir proclítico o pronome) Negativo (Não pode vir enclítico o pronome) não te laves não se lave não nos lavemos não vos laveis não se lavem F o rm a s n o m in a is C om o pro n o m e en c lític o C om o pro n o m e pro c lític o Infinitivo impessoal presente lavar-se — se lavar Infinitivo impessoal pretérito ter-se lavado — se ter lavado Infinitivo pessoal presente lavar-me eu me lavar lavares-te lavar-se lavarmo-nos tu te lavares ele se lavar nós nos lavarmos lavardes-vos lavarem-se vós vos lavardes eles se lavarem Infinitivo pessoal pretérito ter-me lavado teres-te lavado eu me ter lavado tu te teres lavado ter-se lavado termo-nos lavado ele se ter lavado terdes-vos lavado nós nos termos lavado vós vos terdes lavado terem-se lavado eles se terem lavado VERBO C om C om o pro n o m e en c lític o o pro n o m e p r ó c ü tic o Gerúndio presente lavando-se — se lavando Gerúndio pretérito tendo-se lavado — se tendo lavado Particípio O pronome oblíquo não pode vir posposto ao particípio Observações: 1. a) Note-se que, em todas as l as. pessoas do plural deste paradigma, quando o pronome é enclítico, o -s final da desinência -mos é omitido (em virtude de uma antiga assimilação à nasal inicial do pronome seguinte). 2. a) Nas formas do modo indicativo, quando o pronome sujeito vem expresso, a ênclise do pronome oblíquo é a construção preferida em Portugal e a próclise, a normal no Brasil. Veja-se o que dissemos a propósito da colocação dos pronomes átonos no capítulo 11. CONJUGAÇÃO DOS VERBOS IRREGULARES Ir r e g u la r id a d e v e rb a l A irregularidade de um verbo pode estar na flexão ou no radical. Se examinarmos, por exemplo, a l.a pessoa do presente d o indicativo dos verbos dar e medir, verificamos que: a) a forma dou não recebe a desinência normal -o da referida pessoa; b) a forma meço apresenta o radical rneç-, distinto do radical med-, que aparece no infinitivo e em outras formas do verbo: med-ir, med-es, med-i, med-ira, etc. Dar e medir sã o , p o is , verbos irregulares . Se examinarmos, por outro lado, o pr etér ito im per fe it o d o in d ic a tiv o dos verbos em causa, observamos que as formas: a) dava, davas, dava, dávamos, dáveis, davam se enquadram no paradigma dos verbos regulares da l.a conjugação; b) media, medias, media, medíamos, medíeis, mediam, por sua vez, incorporamse ao paradigma dos verbos regulares da 3.® conjugação; Vemos, assim, que num verbo irregular pode haver determinadas formas perfeitamente regulares. 427 428 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O O bservação: Para mais fácil conhecimento dos verbos irregulares, convém ter em mente o que dissemos sobre a formação dos tempos simples. Excetuando-se a anomalia que apontamos na conjugação dos verbos dar, estar, haver, querer, saber, ser e ir, a irregularidade dos demais é sempre constante nas formas de cada um dos grupos: 1 .° GRUPO 2 .° GRUPO 3 .° GRUPO Pres. do indicativo Pretérito perfeito do indicativo Futuro do presente Pres. do subjuntivo Pret. mais-que-perf. do indicativo Futuro do pretérito Imperativo Pret. imperfeito do subjuntivo Futuro do subjuntivo A t e n t a n d o - s e , p o i s , n a s f o r m a s d o presente, d o pretérito pereeito e d o puturo do presente d o modo indicativo, s a b e - s e s e u m v e r b o é o u n ã o i r r e g u l a r e , t a m b é m , c o m o c o n ju g á -lo n o s te m p o s d e c a d a u m d o s trê s g ru p o s . Ir r e g u la r id a d e v e rb a l e d is c o rd â n c ia g rá fic a É necessário não confundir irregularidade verbal com certas discordâncias gráficas que aparecem em formas do mesmo verbo e que visam apenas a indicar-lhes a uniformidade de pronúncia dentro das convenções do nosso sistema de escrita. Assim: a) os verbos da 1 .a conjugação cujos radicais terminem em -c, -ç e -g mudam tais letras, respectivamente, em -qu, -c e -gu sempre que se lhes segue um -e: ficar — fiquei justiçar — justicei chegar — cheguei b) os verbos da 2.a e da 3.a conjugação cujos radicais terminem em -c, -g e -gu mudam tais letras, respectivamente, em -ç, -j e -g sempre que se lhes segue um -o ou um -a: vencer — venço — vença tanger — tanjo — tanja erguer — ergo — erga restringir — restrinjo — restrinja extinguir — extingo — extinga São, como vemos, simples acomodações gráficas, que não implicam irregu­ laridade do verbo. VERBO Verbos com alternância vocálica Muitos verbos da língua portuguesa apresentam diferenças de timbre na vogal do radical conforme nele recaia ou não o acento tônico. Estas diferenças não são exatamente as mesmas na variante europeia e na variante brasileira da língua portuguesa, devido sobretudo ao fenômeno da redução das vogais em sílaba átona, a que nos referimos no capítulo sobre fonética e fonologia. Assim, às formas le v a m o s e l e v a i s — com [d ] fechado no português normal de Portugal e com [e] semifechado no português do Brasil — contrapõem-se levo , leva s, le v a e l e v a m , com e semiaberto [e]; às formas r o g a m o s e ro g a is — com [u] no portu­ guês de Portugal e com [o] semifechado no português do Brasil — opõem-se ro g o , ro g a s, ro g a e r o g a m , com o semiaberto [a]. Às vezes a alternância vocálica observa-se nas próprias formas rizotônicas. Por exemplo: s u b o , em contraste com s o b e s , s o b e e s o b e m ’, f i r o , em oposição a fe r e s , f e r e e f e r e m . Por sofrerem tais mutações vocálicas no radical, esses verbos, ou melhor, os pertencentes à 3.a conjugação, vêm de regra incluídos no elenco dos verbos irregulares . Cumpre ponderar, no entanto, que essas alternâncias são carac­ terísticas do idioma; os verbos que as apresentam não formam exceções, mas a norma dentro da nossa complexa morfologia. Saliente-se, ainda, que não é lógico que se considerem regulares verbos como b e b e r e m o v e r , que, nas formas rizotônicas, apresentam, respectivamente, as alternâncias: a ) de [ô] fechado no português normal de Portugal e de e semifechado [e] no português do Brasil com e semiaberto [e]; b ) de [u] fechado no português normal de Portugal e o semifechado [o] no português do Brasil com o semiaberto [o]; e, de outro lado, se tenham por irregulares verbos como f r i g i r e a c u d i r , que alternam [i] com e semiaberto [e] e fu] com o semiaberto [o]. Há flagrante semelhança nos casos citados. Apenas em b e b e r e m o v e r não se distinguem na escrita (fato meramente gráfico, por conseguinte) aquelas oposições de fonemas vocálicos a que nos referimos. Uma palavra deve ainda ser dita com referência aos verbos de qualquer conjugação que têm no radical a vogal a . No português do Brasil não se observa nenhuma alternância na referida vogal, que apresenta o mesmo timbre aberto nas formas rizotônicas e arrizotônicas, embora nestas últimas, naturalmente, ela se articule com menos intensidade. Assim: la v o , la v a s, la v a , la v a m o s , la v a is , la v a m ; la v e , la v e s, la v e , la v e m o s , la v e is , la v e m (sempre com o a tônico ou pretônico aberto). No português de Portugal, porém, a vogal radical a , sujeita, nas formas arrizotônicas, ao fenômeno da redução vocálica, apresenta, regularmente, o timbre [a]. Temos assim: la v o , la v a s , la v a , la v a m ; la v e , la v e s, la v e , la v e m (com a 429 430 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O tônico aberto [a]), mas lavamos, lavais; lavemos, laveis; lavai (com a pretônico semifechado [a]). Quando a vogal radical é a nasal [cr], grafada an ou am, não se registra qualquer alternância nem no português do Brasil nem no de Portugal, pois a vogal é sempre semifechada, como se disse no capítulo dedicado à Fonética. Assim: canto, cante, cantamos, cantemos, etc. (sempre com [a ']). Feitas essas considerações, examinemos os principais tipos de alternância vocálica dos verbos em que existem formas rizotônicas: o presente do indicativo , O PRESENTE DO SUBJUNTIVO, O IMPERATIVO AFIRMATIVO e O IMPERATIVO NEGATIVO. D e 7." c o n ju g a ç ã o (Modelos: levar e lograr) I n d icativo S u bjun tivo p r esen te PRESENTE I m pera tiv o A firm a tivo N eg ativo le vo le v e le v a s le v e s leva n ã o le ve s leva le v e leve n ã o leve le v a m o s le v e m o s le v e m o s n ã o le v e m o s le v a is le v e is levai n ã o le v e is le v a m le v e m le v e m n ã o le v e m lo g ro lo g re lo g ra s lo g re s lo g ra n ã o lo g re s lo g ra lo g re lo g re n ã o lo g re lo g r a m o s lo g r e m o s lo g re m o s n ã o lo g re m o s lo g r a is lo g re is lo g ra i n ã o lo g re is lo g ra m lo g re m lo g re m n ã o lo g re m — — — Verificamos que, no primeiro, à vogal fechada [3] do português normal de Portugal e à semifechada [e] do português normal do Brasil, que aparecem na l.a e 2.® pessoas do plural, corresponde a semiaberta [e] na l.a, 2.a e 3.a pessoas do singular e na 3.a do plural. No segundo, há uma mutação semelhante: à vogal fechada [u] do português normal de Portugal e à semifechada [o] do português normal do Brasil, existentes nas formas arrizotônicas, corresponde a semiaberta [o] nas formas rizotônicas. VERBO 431 Observações: no a) b) c) 1. a) Seguem o modelo de levar os verbos da l.a conjugação que têm e gráfico7 radical, a menos que esta vogal: faça parte do ditongo escrito ei — e pronunciado [ej] no português do Brasil e [a j] no português normal de Portugal — , como em cheirar , por exemplo: cheiro, cheiras, cheira, etc. (sempre com [e] ou [a]); esteja seguida de consoante nasal articulada ([m], [xx] ou [ j i ] ) : remo, remas, rema, etc.; ordeno, ordenas, ordena, etc.; em penho, em penhas, em penha, etc. (no português do Brasil, sempre com [e]; no português de Portugal, com [e] ou (a) antes de [ji| nas formas rizotônicas, e com [3] nas arrizotônicas); venha seguida de consoante palatal ([J], [ 3 ] ou [A]: fecho, fechas, fecha, etc.; desejo, desejas, deseja, etc.; aparelho, aparelhas, aparelha, etc. (no português do Brasil, sempre com [ej; no português de Portugal, com |e) ou [a] nas formas rizotônicas, e com [ 3 ] nas arrizotônicas); Apenas os verbos invejar, embrechar, frechar e vexar, dentre os que ao |e] segue uma consoante palatal, apresentam a vogal [e] nas formas rizotônicas. 2. a) Embora não se enquadre em nenhuma das exceções apontadas, o verbo chegar (e seus derivados, como achegar, aconchegar, etc.) conserva a vogal semifechada [e J em todas as formas rizotônicas. 3. a) Seguem o modelo de lograr os verbos da l.a conjugação que têm 0 gráfico7 no radical, salvo nos casos em que esta vogal: a) faz parte do ditongo oi (seguido de consoante) e do antigo ditongo ou: pernoito, pernoitas, pernoita, etc.; douro, douras, doura, etc. (sempre com [o]); b) antecede consoante nasal articulada ( [m | , [ 11 ] , [)i]: tomo, tomas, toma, etc.; leciono, lecionas, leciona, etc.; sonho, sonhas, sonha, etc. (no português do Brasil, sempre com [o]; no português de Portugal, com [o] nas formas rizotônicas e com [u] nas arrizotônicas); c) pertence a verbos terminados em -oar, como voar. voo, voas, voa, etc. (tanto no português do Brasil como no de Portugal, com [o] nas formas rizotônicas e com [u] nas arrizotônicas. 4. a) Os verbos que apresentam no radical e [ê] ou 0 [õ] nasal conservam estas vogais em todas as formas: tento, tentas, tenta, etc.; conto, contas, conta, etc. C o m o d is s e m o s , n o p o rtu g u ê s e u ro p e u n o r m a l, as v o g a is r a d ic a is e s c rita s 0, e, s o a m [3 ], [ u ] ,n a s fo rm a s a r r iz o t ô n ic a s . O s in f in it iv o s le v a r e / o g r a r s ã o ,p o is ,p r o n u n c ia d o s [13’v a r] e [ l u ’g r a r ] . 432 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O D e 2 .a c o n ju g a ç ã o (Modelos: dever e mover) I n dicativo S u bjun tivo PRESENTE p r esen te I m pera tiv o A firm a tivo N eg ativo devo d e va deves devas deve não devas deve d e va deva não deva devem os devam os devam os não devam os d e v e is d e v a is devei n ã o d e v a is devem devam devam não devam m ovo m ova - m oves m ovas m ove - m ove não m ovas m ova m ova não m ova m ovem os m ovam os m ovam os não m o vam o s m o v e is m o v a is m ovei n ã o m o v a is m ovem m ovam m ovam não m ovam Verificamos que: a) no p r e s e n t e d o iNDiCATivo, as formas rizotônicas apresentam uma alternância da vogal semifechada [e] e [o] da l.a pessoa do singular com a vogal semia­ berta [e] e [o] da 2.a e 3.a pessoas do singular e da 3.a do plural; nas formas arrizotônicas observa-se a distinção entre as vogais átonas fechadas [3] e [u] do português de Portugal e as semifechadas [e] e [o] do português do Brasil. b ) no p r e s e n t e d o s u b j u n t i v o , o português do Brasil mantém em todas as formas a vogal [e] ou [o], conservada no português de Portugal somente nas formas rizotônicas, pois nas arrizotônicas se dá a redução normal a [ô] ou [u]. c) no i m p e r a t i v o a f i r m a t i v o , a 2 .a pessoa do singular, em correspondência com a do p r e s e n t e d o i n d i c a t i v o , tem a vogal semiaberta [e] ou [o]; no português do Brasil, a 2.a pessoa do plural, forma arrizotônica, e as formas derivadas do p r e s e n t e d o s u b j u n t i v o (3.a do singular, l.a e 3.a do plural e todas as pessoas do i m p e r a t i v o n e g a t i v o ) conservam a vogal semifechada [e] ou [o] deste tempo; no português de Portugal, as formas rizotônicas derivadas do p r e s e n t e d o s u b j u n t i v o m antêm a vogal semifechada [e] ou [n], mas as formas arrizotônicas apresentam a redução a [ô] ou [u]. Observações: l.a) Seguem o modelo de dever os verbos da 2.a conjugação que têm e gráfico no radical, com exceção: VERBO a) do verbo querer, cujo p r e s e n t e d o s u b iu n t iv o é irregular (queira, queiras, etc.) e que, no p r e s e n t e d o in d ic a t iv o , apresenta todas as formas rizotônicas com e semiaberto [ej: quero, queres, quer, querem . b) no português do Brasil, dos verbos em que o e antecede uma consoante nasal, como temer, tem o, temes, teme, etc. (sempre com (e ]); no português de Portugal estes verbos seguem o modelo de dever. 2. °) Seguem o modelo de m over os verbos da 2.“ conjugação que têm o gráfico no radical, com exceção: a) do verbo poder, em que a vogal semiaberta [o] aparece também na l.a pessoa do singular do p r e s e n t e d o in d ic a t iv o e, consequentemente, em todas as formas rizotônicas do p r e s e n t e d o s u b i u n t i v o : posso, podes, pode, podem; possa, possas, possa, possam; b ) no português do Brasil, dos verbos em que o o antecede consoante nasal, a exem­ plo de comer, como, comes, come, etc. (sempre com [o]); no português normal de Portugal estes verbos seguem o modelo de mover. Note-se que em algumas regiões do Brasil os verbos em que o o do radical ante­ cede consoante nasal seguem também o modelo de mover. 3. a) Os verbos que apresentam no radical e [ê] ou [õ] nasal conservam estas vogais em todas as formas: encho, enches, enche, etc.; rompo, rompes, rompe, etc. D e 3 .a c o n ju g a ç ã o (Modelos: servir e dormir) I n d ica tivo S u bju n tivo PRESENTE p r e s en t e s ir v o s ir v a se rv e s s ir v a s s e rv e I m pera tiv o A N eg ativo firm a tivo s e rv e n â o s ir v a s s ir v a s irv a n â o s irv a s e r v im o s s ir v a m o s s ir v a m o s n â o s ir v a m o s s e r v is s ir v a is s e rv i n â o s ir v a is se rv e m s ir v a m s ir v a m n ã o s ir v a m d u rm o d u rm a — — d o rm e s d u rm a s d o rm e não d u rm a s d o rm e d u rm a d u rm a não d u rm a d o r m im o s d u rm a m o s d u rm a m o s não d u rm a m o s d o r m is d u r m a is d o rm i n ã o d u r m a is d o rm e m d u rm a m d u rm a m não d u rm a m 433 434 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R  N E O Notamos que, nesses verbos, as vogais do radical alternam de modo ainda mais sensível. Assim: a) no presente d o iNDicATivo, as formas rizotônicas apresentam uma alter­ nância da vogal fechada [i] ou [n] da l.a pessoa do singular com a vogal semiaberta [e] ou [o] da 2.® e 3.®pessoas do singular e da 3.® do plural; nas formas arrizotônicas observa-se a redução vocálica normal a [9] ou [u] no português europeu e uma oscilação entre [e/i] ou [o/u] no português do Brasil, com predominância da vogal fechada [i] ou [u] por influência assimilatória da vogal tônica; b) no presente do subjuntivo , d e r iv a d o d a 1.® p e s s o a d o presente d o indicativo , m a n tê m - s e e m to d a s a s f o r m a s a s v o g a is d a q u e la p e s s o a , [i] o u [ n ] , c o n f o r m e o caso; c) no imperativo afirm ativo , a 2 .® pessoa do singular, em correspondência com a do presente d o indicativo , tem a vogal [e] ou [o]; a 2 .® do plural, em consonância com a do presente d o ind icativ o , apresenta a vogal [9] ou [n], no português