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ARREPENDIMENTO1 E CRISTIANISMO EM PLÍNIO, O JOVEM
Thiago David Stadler*
Resumo:
“O mero nome de cristão deve ser punido, mesmo inocente de crime, ou o crime já está
intimamente associado ao próprio nome?” Esta é uma questão levantada por Plínio, o Jovem
em sua epístola de número 96 para o imperador Trajano. Neste período, tal assunto fora
tratado como uma questão de ordem pública, tratado de maneira semelhante às outras práticas
políticas ou religiosas proibidas por decreto. “Arrependimento”, “falta de uma regra geral” e
“recusa ao anonimato” foram características que nortearam a postura adotada por Trajano
frente ao cerimonial cristão. Com isso, questionamos: houve uma perseguição religiosa ou
ataques a indivíduos que desrespeitaram a política do momento?
Palavras-Chave: Cartas de Plínio, o Jovem, Trajano, Cristianismo.
Abstract:
“The mere name of Christian should be punished, even innocent of crime, or the crime
already is intimate associated to the own name?" This is a question raised by Pliny, the Youth
in his letter of number 96 for the emperor Trajan. In this period, such outside treated matter
as a question of public order, treaty of similar way to the other political or religious practices
prohibited by decree. "Regret", "absence of a rule of thumb" and "refusal to the anonymity"
were characteristics that guided the posture adopted by Trajan facing the Christian ritual.
With that, we question: had a religious pursuit or attacks to individuals that disregarded to
political of the moment?
Key-Words: Letters of Pliny, Trajan, Christianity.
O tema “Porque foram perseguidos os cristãos” é responsável por inúmeras discussões
no âmbito acadêmico e no cotidiano de vários grupos sociais. Diversos trabalhos foram
relacionados a esta temática, contudo grande parte destes debates ficam restritos às discussões
envolvendo ideologias – com pouco caráter científico – mostrando que este assunto realça, até
os nossos dias, as diferenças vividas desde o nascimento do cristianismo. Instituições como a
Igreja tende a envolver-se neste tocante, juntamente com seus seguidores e opositores, o que
acaba gerando mal estar em diversas situações, já que as discussões carregam-se
espiritualismo e sentimentalismo. Sabemos que ao tratar de um assunto delicado como este,
devemos deixar clara a intenção do seguinte trabalho, por isso iremos delimitar
temporalmente a nossa discussão. Temos ciência de que a neutralidade não pode ser atingida,
entretanto nos posicionamos de acordo com uma metodologia histórica de pesquisa, dando
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Mestre em História Antiga pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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total ênfase para a fonte analisada. Apesar dos embates ideológicos a este respeito, buscamos
aprofundar a pesquisa com o olhar de estudiosos – sejam historiadores, teólogos, etc. –
dedicados a entender estes questionamentos acerca das perseguições aos cristãos.
Vários foram os períodos da História em que tivemos relatos sobre perseguições aos
cristãos, sejam estas materiais ou espirituais. Contudo, é inegável que este assunto aflora
inúmeros “achismos” quando se trata das perseguições no período do Império Romano. Isto
ocorre devido à história do Império Romano ser inseparável do próprio cristianismo, desde a
noção do condenamento da figura máxima desta religião; dos acontecimentos como o de 64
d.C, com a acusação por parte do imperador Nero, do possível incêndio em Roma levado a
cabo pelos cristãos; por Editos, fugas e a oficialização de uma religião perseguida por séculos.
Não podemos negar que os primeiros séculos da Era Cristã foram férteis no que tange as
perseguições e superações de desafios políticos, sociais, econômicos e culturais tanto de seus
adeptos como de seus rivais. Dessa forma, este presente trabalho irá contemplar o período que
se estende de 98 a 117 d.C, no qual se situa o principado de Trajano e o Epistolário cruzado
entre Plínio, o Jovem e o próprio imperador.
Notadamente um período de esplendor do Império Romano, o principado de Trajano
também tratou a respeito dos cristãos. Contudo, podemos adiantar que este assunto não
constituiu o centro da atuação deste imperador, visto que sua formação militar lhe
proporcionou outros objetivos. A política de expansão territorial, as batalhas, construções de
monumentos e preocupações com escravos tiveram maior importância neste período que
possíveis indivíduos que praticavam uma nova supersticio. Entretanto, é neste principado que
temos um dos maiores registros não-religiosos relacionados ao cristianismo: duas cartas
trocadas entre Trajano e Plínio, o Jovem. Nestas foram feitas algumas observações em relação
ao culto oferecido a certo individuo, chamado de Cristo por seus adeptos, e o ponto principal
que desperta vários estudos: a dúvida em se punir e perseguir tais indivíduos. Antes de
entrarmos no estudo destas cartas e suas conseqüências na temática proposta no trabalho, cabe
conhecermos um pouco mais a respeito da atmosfera religiosa da sociedade romana.
Ao falarmos de religiosidade no Império Romano, devemos entender que não se
tratava de uma esfera isolada de outras, ou seja, existia uma dependência em relação à
política, economia, etc. Tal domínio era exercido pelos sacerdotes, os quais representavam a
comunidade e, por isso, este cargo não se ligava a vocação, mas sim ao estatuto social, já que
tal posição ficava restrita aos “homens,2 cidadãos e com bom nascimento”.3 Como os
assuntos religiosos abarcavam várias discussões era necessário a existência de diversas
competências sacerdotais, as quais dividiam-se, basicamente, em quatro grandes colégios:4
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1. Colégio Pontifical: pontífices, flâmines, rex sacrarum, vestais.
2. Colégio dos Augures: responsáveis em consultar os auspícios.
3. Colégio dos Decênviros: responsáveis pela leitura dos Livros
Siblinos5.
4. Colégio dos Setênvirais: encarregados dos banquetes sagrados.
Cada Colégio ficava responsável por cuidar de diferentes partes do processo religioso,
desde decisões que acarretavam mudanças no meio social, consultas aos auspícios e livros
sagrados até o papel fundamental na estrutura e hierarquia religiosa. Como vimos, o indivíduo
não necessitava de vocação para exercer o cargo de sacerdote e sim, apresentar um status
social que lhe privilegiasse assumir tal posição. Isto gerava situações em que os sacerdotes
não detinham suficientemente o conhecimento religioso a ponto de decidir algumas questões.
Temos indícios deste tipo de situação nas cartas trocadas entre Plínio, o Jovem e o imperador
Trajano, pois além das dúvidas em relação ao cristianismo, existe outra epístola sobre a
indicação de Plínio a um cargo sacerdotal:
Estou bem ciente, domine, que não há nenhum tributo que possa ser pago a
minha reputação, do que alguma “nota” de favor dada pelo senhor. Eu rogo,
além disso, para unir às honras as que me foram “promovidas” por sua
bondade por conceder-me um sacerdócio, seja ele de auguratum ou de
septemviratum, pois há vagas em ambas as ordens. Em virtude de meu
sacerdócio eu posso adicionar oradores oficiais em seu favor, as quais eu já
ofereço em minha vida particular de cidadão leal.6
Trajano concedeu um cargo de sacerdócio a um indivíduo que estava ligado a carreira
pública – pretor, questor, tribuno da plebe, cônsul, governador de província – deixando claro
que este ofício apresentava grande importância política neste momento. Plínio, por sua vez,
agradeceu as honrarias de se tornar um sacerdote – do colégio dos Augures ou dos Setênviros
– visto que podia oferecer mais orações ao Imperador. Uma situação interessante que é
discutida por John Scheid em um dos capítulos do livro “O Homem Romano” – O Sacerdote
– é sobre a questão das brigas entre os sacerdotes e os magistrados romanos. No caso de
Plínio, o Jovem, notamos que ele detinha ambas as posições, contudo nem todos os casos
eram como o dele. Estas brigas aconteciam devido ao fato dos magistrados exercerem
algumas funções sacerdotais, como: as celebrações com sacrifícios e as consultas aos
auspícios, além de ser através dos cônsules que se estabeleciam as novas divindades
romanas7. Muitas vezes era difícil de estabelecer uma divisão entre sacerdócio e magistrado,
justamente por aquela máxima de que “os magistrados representam os homens e os sacerdotes
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os deuses”, não corresponder ao período. Os magistrados dispunham de poderes mais amplos
que os sacerdotes, podendo intervir em questões ligadas às divindades. A única função em
que os sacerdotes tinham exclusividade era na interpretação e transmissão do direito sagrado,
podendo neste caso propor soluções para resolver os problemas homem versus deuses8. O
interessante deste conflito – magistrados versus sacerdotes – é que mesmo possuindo maior
autonomia em suas decisões, os magistrados procuravam o aval dos sacerdotes para gerar uma
situação de legitimidade religiosa.
Esta breve abordagem do estrato sacerdotal mostra que a discussão das perseguições
aos cristãos atingia, invariavelmente, alguns indivíduos ligados ao magistrado. Entretanto,
sabemos que os relatos deixados na História tendem a colocar como perseguidores apenas os
Imperadores, e não o aparato político/religioso que o cercava. Dessa forma, surgem diversas
definições de “mau” e “bom” imperador, ligados a questão das perseguições religiosas. Por
este trabalho ter como centro o posicionamento de Trajano em relação a este tema, cabe
algumas considerações acerca destas definições citadas anteriormente. É evidente que sempre
houve caracterizações relacionadas com o comportamento mais aceito e menos aconselhável
nas sociedades, seja em relação a assuntos religiosos, morais, éticos, políticos, etc. Várias
linhas filosóficas apregoavam pensamentos de bem-estar, de felicidade, e também, de
distinções com o outro – considerado bárbaro, excluso, etc. Contudo, a nossa preocupação
refere-se ao tratamento que era direcionado à figura do Imperador, esta sendo considerada em
alguns momentos como optimus e noutros como maléfico. Em grande medida, a atmosfera
cristã
foi
responsável
por
adaptações
conceituais,
ligadas
à
sua
condição
de
perseguidos/perseguidores.
Já no século II d.C alguns autores cristãos utilizaram o dualismo de bom x mau
imperador, como é o caso de Melitón de Sardes primeiro escritor cristão a adaptar estes
termos para a sua filosofia. Sua linha de pensamento gerou o sentido de que os imperadores
que não perseguiam os cristãos eram considerados “bons”, enquanto os perseguidores
considerados “maus” imperadores9. Porém, foi com Lactâncio no inicio do século IV d.C,
com a obra De mortibus persecutorum, que estas definições ganharam corpo no mundo
cristão. Lactâncio foi incisivo ao resumir o principio desta dualidade: todos os imperadores
que perseguiram/perseguem os cristãos foram/são maus imperadores. Não importam as
contribuições relacionadas à ordem pública, pois estes imperadores estavam fadados a uma
morte miserável como castigo divino.10
Ao levarmos esta discussão para o período de Trajano teremos uma situação mais
complexa. Por um lado temos um cenário que ficou marcado na historiografia como o
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momento de máxima expansão territorial que o Império Romano teve, considerado como uma
“antecipação fiel do ideal da cultura clássica e da latinidade como formou o humanismo”.11
Um período que de acordo com Edward Gibbon em sua obra “Five Good Emperors”
demonstrou como um imperador conduziu a humanidade para a prosperidade e felicidade.12 É
importante lembrar que todo este clima de conquistas foi levado a cabo pelo primeiro
imperador de origem provinciana, Trajano. Sua origem e seu posicionamento político foram
responsáveis por uma nova Era do Império Romano, a qual ficou marcada por uma dualidade:
Trajano ao mesmo tempo representava a tradição e a renovação política. A primeira foi
compreendida como uma busca por exemplos – Augusto – que pudessem enaltecer tanto a
figura do imperador, quanto a imagem de todo o Império. Já a segunda demonstrou que havia
necessidade de apagar a imagem de Domiciano, seu antecessor,13 o qual as fontes relatam
como um déspota.14 Em ambos os casos, Plínio, o Jovem foi o responsável por relatar os
acontecimentos que culminaram em uma verdadeira lenda de Trajano, passada séculos após
séculos.15
Esta imagem construída por Plínio, o Jovem aliada com as diversas conquistas e
investimentos em setores públicos, colocou Trajano como o verdadeiro restaurador da
persona e da dignitas, o que significava que a competência moral, profissional e a dignidade
deveriam ser utilizadas em favor das magistraturas e do interesse do Estado16. Com isto,
podemos imaginar que Trajano foi aclamado como um modelo a ser seguido por todos,
considerado optimus princeps pelo Senado e acumulando outros diversos títulos. O
interessante desta posição política de Trajano foi sua inegável aversão às ninharias dos títulos
ilustres que recebia. Talvez uma combinação de modestia e racionalidade diante do exemplo
infantil de Domiciano, ou consciência e autoridade em buscar emular,17 se não ultrapassar o
vigor e as façanhas de indivíduos como Augusto e Alexandre, o Grande.18
Toda esta virtuosidade encontrada em Trajano – baseada nas Cartas e no Panegírico
escrito por Plínio, o Jovem – apresentou forte carga sacra o que explica inclusive, o seu título
de “cosmocrator” – senhor do mundo. Esta noção divina ao redor de Trajano não ficou apenas
em titulações oficiais, mas recaiu para o âmbito dos presságios, prodígios e sonhos desde
antes de sua posse. Podemos relatar rapidamente algumas destas situações que nos levarão a
entender mais tarde, uma possível tolerância em temas religiosos, visto que Trajano e seu
círculo pessoal de confiança apresentavam notório respeito a este tipo de assunto. Santiago
Montero em seu texto “Trajano y La Adivinación: Prodígios, Oráculos y Apocalíptica en el
Imperio Romano (98 – 117 d.C)” nos oferece um quadro19 acerca dos presságios que teriam
ajudado Trajano a chegar ao trono:
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ANO
TIPO DE SIGNO
SIGNIFICADO
79/80
consulta ao oráculo de Didima
91
envenenamentos
poder a Trajano, morte a Glabrión
96 – out.97
especulações astrológicas?
Sucessor de Nerva
97
omen do Capitólio
“senhor do universo”
imperator
Cada um destes presságios aponta para uma situação que deixava claro que Trajano
chegaria ao topo do poder. Desde sonhos de seu próprio pai – ano de 79/80 – relatos
posteriores de Dión Cássio20 sobre um prodígio acontecido no ano de 91 d.C, até o mais
fascinante: a aclamação por parte da população em frente ao Capitólio, confundindo-o com a
própria divindade de Júpiter. Todo este envoltório religioso/místico, esta construção quase
divina21 do imperador, chamado por alguns autores como uma teologia imperial, nos coloca
novamente diante da questão que definia um “bom” e um “mau” imperador de acordo com as
noções cristãs. Notadamente Trajano apresentou inúmeras melhoras na ordem pública do
Império Romano, expandiu as fronteiras para locais que nem Augusto e Alexandre, o Grande
conseguiram – conquista da Dácia -, mas e o seu posicionamento frente aos cristãos, como se
deu? Visto que de acordo com Lactâncio era esta a única forma de um imperador ser
considerado “bom”, já que as obras públicas e conquistas não lhe davam esta posição.
Para entrarmos nesta questão temos que apresentar as duas cartas encontradas no
Epistolário de Plínio, o Jovem22, as quais tratam exclusivamente do tema perseguições aos
cristãos. Cabe citar que o Epistolário cruzado entre ambos é composto de cento e vinte e
quatro cartas, tratando sobre inúmeros assuntos: pedidos pessoais, dicas, petições oficiais,
favorecimentos políticos, etc. O interessante é utilizar o teor destas cartas para entender quais
os questionamentos de Plínio, o Jovem e a posição adotada por Trajano frente aos assuntos
levantados. Podemos analisar uma epístola em particular como um indicativo fiel do
posicionamento adotado no que se refere aos cristãos. É senso-comum a idéia de que os
imperadores romanos adotavam a política de “adoração” às suas imagens, posição que
freqüentemente é citada como um dos fatores reais da perseguição aos cristãos, visto que estes
se recusavam a adorar o imperador. Porém, já vimos anteriormente que Trajano não assumiu a
posição de ser adorado como um deus, e na seguinte troca de cartas notamos claramente este
posicionamento:
Seu pai, domine, o falecido Imperador, encorajou ações liberais entre seus
discursos públicos e por seu próprio nobre exemplo. Portanto procurei sua
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permissão23 para transferir para o municipium de Tifernum as estátuas dos
Imperadores anteriores, que eu havia herdado e as mantive da mesma forma;
também perguntei se poderia adicionar uma estátua dele. Deu-me sua
permissão com total aprovação. Então eu escrevi imediatamente à “câmara
municipal” pedindo que atribuíssem um local onde pudesse construir um
templo por minhas custas. Eles honraram meu pedido e deixaram eu mesmo
escolher um local. Mas primeiro eu fiquei doente, depois seu pai adoeceu, e
subsequentemente as responsabilidades do posto que ambos me
designaram24, acarretou em demoras, então esta é a primeira oportunidade
conveniente que possuo em aparecer pessoalmente na região. Fecho meus
deveres no final de agosto, e há vários feriados públicos em setembro.
Rogo para que primeiramente permita que eu adicione uma estátua sua junto
com as outras, que irá adornar o templo que pretendo construir, e então me
conceda licença para que possa ser construído o quanto antes possível.25
Nesta carta escrita por Plínio, o Jovem entendemos que este já possuía ligação com
Nerva – pai “adotivo” de Trajano – visto que o pedido inicial havia sido encaminhado para
ele. Como aconteceram vários imprevistos, a petição recaiu novamente no principado de
Trajano, mas com um ponto a mais: a adição da estátua do próprio Trajano. A resposta que o
imperador deu a Plínio, o Jovem apesar de “positiva”, apresenta traços de hesitação: “(...)
Você tem permissão para montar a minha estátua no seu lugar escolhido; geralmente eu estou
relutando em aceitar estas espécies de honras, mas não desejo parecer que coloquei qualquer
empecilho em seus sentimentos leais em relação a minha pessoa26“ 27.
Fica evidente a carga pessoal – amicitia e fides – que envolvia ambos os personagens.
Apesar da aversão a títulos e estátuas, Trajano aceita o pedido feito por Plínio, o Jovem, mas
deixou claro que isto só foi concedido devido à relação de lealdade entre eles. Isto demonstra
que no período deste principado, a idéia do “senso-comum” de adoração imperial não teve
força. Não podemos negar os fatos de Trajano ser identificado como divinitus constitutus e
diis simillus em relação a Júpiter; as aclamações em frente ao Capitólio e outros
acontecimentos de cunho religioso. Porém, a sua postura política não deixou margens para
enquadrá-lo no hall de imperadores aficionados pelos cultos e adorações imperiais.
Visto que abordamos diversos assuntos referentes à situação político-religiosa do
principado e também dos dois indivíduos envolvidos na temática deste trabalho – Trajano e
Plínio, o Jovem -, passamos a tratar exclusivamente das cartas XCVI e XCVII do Epistolário.
São estas cartas que trazem os questionamentos e respostas acerca do tratamento que deveria
ser dado aos cristãos. Plínio, o Jovem demonstra em sua carta despreparo para lidar com esta
nova seita religiosa. Levanta diversas questões sobre julgamentos, formas de cultos e o seu
posicionamento acerca da punição destes indivíduos. Contudo, por se tratar de algo não
costumeiro Plínio prefere pedir conselhos a Trajano, pois temia estar fazendo algum tipo de
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injustiça ou omitindo alguma ação mais enérgica. Vejamos a carta na íntegra:
É meu costume referir todas as minhas dificuldades a ti, domine, pois
ninguém é mais capaz de resolvê-las e ajudar-me em minha ignorância. Eu
nunca estive presente em um “exame28” de cristãos. Portanto, eu não sei a
natureza nem a extensão dos castigos normalmente infligidos a eles, nem a
base para começar uma investigação, nem até onde devem ser pressionados.
Eu não sei se deve ser feita uma distinção em relação às idades, ou se os
jovens e adultos devem ser tratados semelhantemente; se o perdão deveria
ser concedido a qualquer um que negasse suas crenças, ou se ele uma vez
professado cristão não ganharia nada em renunciar a sua crença; e se o mero
nome de cristãos deve ser punido, mesmo inocente de crimes, ou se os
crimes estão associados ao nome29. Durante o momento, esta é a linha que eu
tomei com todas as pessoas trazidas até a mim na acusação de ser cristão:
pergunto para as pessoas se elas são cristãs, e se eles admitem, eu refaço a
pergunta em um segundo e terceiro momento, avisando que uma punição
estaria os esperando. Se persistem, mando-os serem levados para a
execução; devido a natureza de sua admissão, eu fico convencido que a sua
inabalável obstinação não deveria deixar de ser punida. Havia outros
fanáticos semelhantes que são cidadãos romanos. Coloquei-os na lista de
pessoas a serem enviadas a Roma para o julgamento30. Agora que comecei a
lidar com este problema, como tão freqüentemente acontece, as acusações
tornam-se mais comuns. Um panfleto anônimo circulou com um número de
nomes de pessoas acusadas. Entre estes, considerei que não deveria punir
aqueles que negaram terem sido cristãos e que repetiram as “orações” para
os deuses oferecendo contribuições de vinho e incenso a sua estátua (que eu
havia mandado trazer para este propósito, junto com as imagens dos deuses),
e além disso haviam ultrajado o nome de Cristo, nenhuma destas coisas, em
meu entendimento, seriam feitas por cristãos genuínos.
Outros, cujos nomes foram dados a mim por um delator, primeiro admitiram
serem cristãos e então o negaram; disseram que tinham deixado de ser
cristão a dois ou mais anos, e alguns deles a mais de vinte anos. Fizeram
reverência a sua estátua e para as imagens dos deuses da mesma maneira que
os outros, e ultrajaram o nome de Cristo. Eles também declararam que o total
da soma de sua culpa ou erro elevou-se a não mais que isto: tinham
encontros regulares antes da alvorada, em um dia fixo cantavam e recitavam
versos alternadamente entre si em honra a Cristo, como se ele fosse um deus,
e também tinham um juramento, sem qualquer propósito criminal, mas sim
para absterem-se de roubos, saques, adultérios, não cometerem abuso de
confiança e não negarem um depósito quando chamados a pagar. Depois
desta cerimônia, tinha se difundido o costume de comer alimentos de espécie
inofensiva; mas já haviam abandonado estas práticas desde que meu decreto,
emitido através de suas instruções, proibiu todas as sociedades políticas. Isto
me fez decidir que era necessário extrair a verdade através de torturas de
duas escravas, que eles chamavam de diáconos. Eu não encontrei nada mais
do que um tipo de seita carregada de comprimentos extravagantes. Portanto,
eu adiei quaisquer outros “exames” e apressei-me em consultá-lo. A
pergunta me parece, ser digna de sua consideração, especialmente em vista
do número de pessoas ameaçadas; indivíduos de várias idades e classes,
tanto homens quanto mulheres estão sendo trazidos a julgamento, e isto é
possível continuar. Isto não acontece apenas nos povoados, mas as aldeias e
os distritos rurais são infectados por contato com esta seita ordinária, porém
me parece possível deter e corrigir. Constatamos, em efeito, que os templos
antes desertos estão começando a serem freqüentados e que os atos
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religiosos há muito tempo suspensos são de novo celebrados; já se vendem
as carnes para o sacrifício que há pouco tempo tinham poucos compradores.
Com isso podemos deduzir facilmente que uma grande quantidade de
pessoas pode ser recuperada se lhes for dada a oportunidade do
arrependimento.31
Muitos são os pontos levantados por Plínio, o Jovem nesta Epístola. Já no inicio fica
claro a sua posição de subordinado a Trajano, voltando-se a ele com total respeito e
rebaixando-se perante a capacidade do imperador. Demonstra sua falta de prepara em relação
a assuntos religiosos, apesar de termos visto anteriormente que Plínio, o Jovem ocupava um
cargo de sacerdote no colégio dos Augures – fica evidenciado a noção de que o sacerdócio
não necessitava de vocação e sim, influência política. A leitura desta carta nos passa a idéia de
um cristianismo que engatinhava em uma província como a do Ponto-Bitínia. Plínio, o Jovem
classificou esta nova seita como ordinária, na qual se encontravam indivíduos inabaláveis em
sua obstinação e outros, que se quer pareciam cristãos genuínos. Velhos, crianças, jovens,
todos praticantes desta seita de cumprimentos extravagantes, mas sem nenhum propósito
criminal, inclusive assumindo uma postura inversa – abstinham-se de roubos, saques,
adultérios, etc.
Em outro momento desta mesma carta, Plínio, o Jovem apontou para a existência de
um bom número de pessoas ameaçadas por esta seita ordinária, contudo acreditava que tal
situação era totalmente reversível. Todavia, para conseguir reverter esta situação Plínio, o
Jovem primeiramente necessitava de conselhos para responder a sua dúvida: se o mero nome
de cristãos deve ser punido, mesmo inocente de crimes, ou se os crimes estão associados ao
nome. Como havia a necessidade de julgamento de alguns indivíduos antes da resposta de
Trajano chegar, Plínio passou a perguntar para as pessoas acusadas se estas realmente eram
cristãs. Esta pergunta era repetida até três vezes, sendo perdoado o indivíduo que negasse as
suas crenças e punido os que mantivessem a posição. Ao final da carta Plínio, o Jovem
ameniza a questão levantada, descrevendo que grande parte dos acusados poderiam ser
recuperados se lhes fosse dada a oportunidade do arrependimento.
Ao percebermos o despreparo de Plínio, o Jovem em tratar desta questão, mesmo
detendo um cargo político e outro sacerdotal, pensamos no real significado do cristianismo
neste período. Entendemos que esta “seita” era considerada um fenômeno novo, sem
repercussões significativas dentro do Império Romano – inúmeras províncias em um
momento de máxima expansão territorial. Se os cristãos ocupassem um lugar de perigo à
ordem pública, encontraríamos leis ou decretos contra estes indivíduos e, por Plínio, o Jovem
possuir toda sua formação na arte da retórica e do direito, seria de seu conhecimento estes
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princípios/regulamentos. Em outros casos Plínio, o Jovem anexava32 em suas cartas as leis ou
decretos referentes à questão discutida, contudo a carta-resposta de Trajano deixa clara a
inexistência de regras gerais ao se tratar do cristianismo:
Você seguiu o correto curso de procedimento, mi Secunde, nos exames das
pessoas consideradas cristãs, porém é impossível eu citar uma regra geral
com uma fórmula fixa. Estas pessoas não devem ser perseguidas. Se são
trazidas a você e a culpa contra elas é provada, devem ser punidas, mas no
caso de qualquer um que negar que é cristão, e deixar claro que ele não é por
oferecer orações a nossos deuses, ele deve ser perdoado em conseqüência de
seu arrependimento, por mais suspeito que seu passado possa ter sido. Mas
panfletos circulados anonimamente não devem servir para as acusações.
Criam o pior tipo de precedente e não são correspondentes com a nossa
época. 33
Trajano assumiu a posição de defender as ações tomadas por Plínio, o Jovem, visto
que ele mesmo apontou para a inexistência de regras gerais ou fórmulas fixas. Contudo, o
posicionamento deste imperador é taxativo: “Estas pessoas não devem ser perseguidas”. Não
existia a necessidade de ir atrás destes indivíduos, apenas julgar aqueles que fossem
apresentados diante do conselho. Estes deveriam ganhar a chance do arrependimento e, por
mais nebuloso que tal ato poderia ser, o perdão seria dado e esquecido todos os
acontecimentos do passado. Em hipótese nenhuma seriam aceitas acusações anônimas contra
os cristãos, pois isto prejudicava a imagem de justiça apregoada pelo Império Romano – não
correspondia aos costumes da época de Trajano.
Outro ponto que devemos atentar nesta análise refere-se à adoração de deuses e do
Imperador. Plínio, o Jovem aponta para a necessidade de adoração do imperador: “Entre estes,
considerei que não deveria punir aqueles que negaram terem sido cristãos e que repetiram as
‘orações’ para os deuses oferecendo contribuições de vinho e incenso a sua estátua”. Porém,
na resposta dada por Trajano encontramos a moderação e prudência deste imperador em negar
tal culto: “mas no caso de qualquer um que negar que é cristão, e deixar claro que ele não é
por oferecer orações a nossos deuses, ele deve ser perdoado em conseqüência de seu
arrependimento”. Novamente encontramos subsídios para dar a Trajano um caráter de “bom”
imperador, pois sua linha adotada em relação à perseguição aos cristãos foi claramente
negativa.
Com a análise destas cartas observamos que as definições de “bom” e “mau”
imperador construídas pelos autores cristãos, tomam outras dimensões no caso de Trajano. A
lei geral deste imperador foi à tolerância; a não perseguição aos cristãos, dando a chance do
arrependimento àqueles que fossem entregues ao seu julgamento. Inclusive o posicionamento
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deste mesmo imperador em relação a assuntos como “o recrutamento de escravos”34 para as
legiões era mais rigoroso do que a questão da punição aos cristãos. Dessa forma, algumas
hipóteses surgem em relação a este período do Império Romano: a primeira e mais clara,
aponta para uma perseguição político-administrativa ao invés de uma perseguição religiosa.
Como vimos nas cartas, os cultos realizados pelos cristãos não apresentavam nenhuma
característica que pudesse afrontar outros indivíduos. Apenas cantos, adorações a um
indivíduo chamado de Cristo e cumprimentos extravagantes. Porém, ao se portarem desta
maneira, constituíam grupos/sociedades políticas diferenciadas – ”haviam abandonado estas
práticas desde que meu decreto, emitido através de suas instruções, proibiu todas as
sociedades políticas”.35 Esta diferenciação era notada pelos outros cidadãos em simples
ocasiões, como a negação em participar do fórum, do teatro, do serviço militar e dos cultos
em geral, o que gerava de acordo com Paul Veyne uma quebra do way-of-life romano.36
Uma segunda hipótese que levantamos é a de que justamente por não existir uma lei
geral em relação à perseguição aos cristãos, as medidas adotadas por Trajano poderiam se
referir a uma questão regional. Lembramos que a província do Ponto-Bitinia37 apresentava
grande importância econômica para o Império Romano. Trajano em uma das cartas deixou
claro que enviou Plínio, o Jovem como governador desta província devido à evidente
necessidade de reformas38. Assim, qualquer medida mais repressora contra alguns indivíduos
– cristãos - da sociedade poderia dar margens para conflitos que não seriam proveitosos neste
momento. Outro ponto que deveria ser tratado com cuidado era a proximidade desta província
em relação às regiões dominadas pelos partos, por isso um tratamento mais zeloso era
fundamental – lembramos o fato de que estas Cartas foram escritas entre 111 e 113 d.C e a
dominação dos partos aconteceu apenas em 117 d.C.
Vários outros apontamentos poderiam ser levantados a respeito destas Epístolas,
contudo concluímos o trabalho com a seguinte reflexão: “ele deve ser perdoado em
conseqüência de seu arrependimento, por mais suspeito que seu passado possa ter sido”. Com
um teor vinculado à tradição cristã esta frase é, entretanto, do próprio Imperador Trajano. Um
individuo que em suas ações políticas demonstrava ponderação e justiça – exaltadas séculos
depois39 – não trataria de forma diferente a questão referente ao cristianismo. Dessa forma,
entendemos que o posicionamento adotado neste principado – 98 a 117 d.C – frente à questão
das perseguições aos cristãos deve ser interpretado de forma pontual. A carta taxativa de
Trajano nos dá base para afirmarmos que os cristãos foram punidos, contudo a preocupação
destinada a esta nova seita não assumiu grandes proporções a ponto de caracterizar o termo
perseguição.
12
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Referências:
BALSDON, J.P.V.D. O Mundo Romano. Rio de Janeiro: Zahar Editores:1965.
BENNETT, Julien. Trajan Optimus Princeps: A Life and Times. Taylor & Francis e-Library,
London: 2005.
GERVÁS, Manuel J. Rodríguez. Propaganda Política y Opinión Pública en los Panegíricos
Latinos del Bajo Imperio. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1991.
GIARDINA, Andrea. O Homem Romano. Lisboa: Editora Presença. 1991.
MONTERO, Santiago. Trajano y La Adivinación: Prodígios, Oráculos y Apocalíptica en el
Imperio Romano (98 – 117 d.C). Universidad Complutense: Gerión, 2000.
PAGOLA, Elena Torregaray. La Influencia del Modelo de Alejandro Magno en la Tradición
Escipiónica. Universidad Complutense: Gerión, 2003.
PARATORE, Etorre. A História da Literatura Latina. Firenze: Sansoni Editore, 1983.
TEJA, Ramón. El Cristianismo Primitivo el la Sociedad Romana. Madrid: Ediciones Istmo.
1990.
TEJA, Ramón. Emperadores, Obispos, Monjes y Mujeres. Protagonistas del Cristianismo
Antiguo. Madrid: Editorial Trotta. 1999.
VEGA, María José Hidalgo de La. El Intelectual, la Realeza y el Poder Político en el Imperio
Romano. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1995.
VENTURINI, Renata Lopes Biazotto. As Palavras e as Idéias: o Poder na Antiguidade.
Diálogos, DHI/PPH/UEM, v.9, n°2, p. 142-155, 2005.
FONTE
Pliny Letters, Book X, Panegyricus. Tradução feita por Betty Radice. Publicado por Harvard
University Press – Cambridge, Massachusetts, London, England.
Notas:
1
Este termo por muitas vezes é automaticamente relacionado ao vocabulário cristão, entretanto isto ocorre
devido uma “apropriação” da palavra pelos próprios autores cristãos. Isto não anula o seu uso em outros
contextos e, por se tratar de uma expressão muito explorada no presente trabalho e suscitar questionamentos
sobre o “peso” cristão, coloco aqui a versão no original latino e a tradução feita por Betty Radice, publicado por
Harvard University Press – Cambridge, Massachusetts, London, England (Pliny Letters, Book X, Panegyricus):
“Ex quo facile est opinari, quae turba hominum emendari possit, si sit paenitentiae locus”.
“It is easy to infer from this that a great many people could be reformed it they were given an
opportunity to repent”.
Algumas sugestões apontam para o uso da palavra “clemência” ao invés de “arrependimento”, porém entende-se
que a clemência é o ato do soberano em relação ao súdito e não, a ação que o súdito deve ter para receber o
perdão. Como o contexto das Cartas aponta para a ação do súdito e não do ato do soberano, optamos pelo uso do
“arrependimento”.
13
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2
As mulheres também possuíam representatividade na esfera religiosa em cargos secundários como vestais e
flamínias.
3
GIARDINA, Andrea. O Homem Romano. Lisboa: Editora Presença. 1991, p.53.
4
A partir de Augusto, os imperadores participavam das decisões dos colégios sacerdotais, tendo em suas mãos
todos os poderes atribuídos pelos romanos aos reis de origem, e depois com Tibério, a nomeação dos membros
dos quatro colégios era feita pelo Senado. (GIARDINA, op.cit.,p.63).
5
Era o único oráculo que vaticinava o futuro de Roma. (GIARDINA, op.cit., p.53).
6
Ep. X, XIII – Plínio, o Jovem.
7
GIARDINA, op.cit., p.54.
8
GIARDINA, op.cit., p.63.
9
TEJA, Ramón. Emperadores, obispos, monjes y mujeres. Protagonistas del Cristianismo Antiguo. Madrid:
Editorial Trotta. 1999, p. 18.
10
TEJA, op.cit., p.19.
11
PARATORE, Ettore. A História da Literatura Latina. Firenze: Sansoni Editore, 1983, p. 681.
12
BENNETT, Julien. Trajan Optimus Princeps: A Life and Times. Taylor & Francis e-Library, London: 2005.,
p.13.
13
O antecessor direto de Trajano foi o imperador Nerva, o qual adotou Trajano em 27 de outubro de 97 d.C.
Contudo, sua passagem foi muito rápida sendo já em 28 de janeiro de 98 d.C o dia da sucessão de
Nerva/Trajano. Dessa forma, os estudos apontam Domiciano como sendo o antecessor “político” de Trajano.
14
Alguns autores como Maria José Hidalgo apresentam argumentos que colocam esta visão de “salvador”,
“renovador” em dúvida, podendo Trajano ter assumido posturas tão ou mais despóticas que Domiciano.
Entretanto, isto não foi relatado pelo personagem que mais se relacionou com o Imperador – Plínio, o Jovem.
(VEGA, María José Hidalgo de La. El Intelectual, la Realeza y el Poder Político en el Imperio Romano.
Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1995, p.108.
15
No século quarto o Senado saudava cada novo imperador com o desejo que este superasse a felicidade do
período de Augusto e a excelência de Trajano, pois sua integridade e virtuosidade eram exaltadas tanto pelo
Senado quanto pelos exércitos. (BENNETT, op.cit., p.17).
16
VENTURINI, Renata Lopes Biazotto. As Palavras e as Idéias: o Poder na Antiguidade. Diálogos,
DHI/PPH/UEM, v.9, n°2, p. 142-155, 2005, p.145.
17
Faz-se necessário a diferenciação entre alguns conceitos, como: imitatio, aemulatio, comparatio. A imitatio
implica em um desejo consciente por parte do imitador de plagiar os modos e atuações do outro indivíduo; a
aemulatio por sua vez, consiste no desejo de alcançar ou mesmo superar as obras do outro individuo, porém sem
imitar-lo necessariamente; e finalmente a comparatio, responderia a ação de terceiros, fundamentalmente de
autores das fontes clássicas, que estabelecem relações entre um e outro indivíduo. (PAGOLA, Elena Torregaray.
La Influencia del Modelo de Alejandro Magno en la Tradición Escipiónica. Universidad Complutense: Gerión,
2003, p.140).
18
Certamente figurava na consciência de Trajano a imagem do jovem Alexandre, o qual com 30 anos já havia
triunfado sobre todos os povos do oriente. Nota disto foi a clara identificação entre as linhas familiares traçadas
por ambos: Zeus/Júpiter e Heracles/Hercules. (BENNETT, op.cit., p.228).
19
MONTERO, Santiago. Trajano y La Adivinación: Prodígios, Oráculos y Apocalíptica en el Imperio Romano
(98 – 117 d.C). Universidad Complutense: Gerión, 2000, p.19.
20
Originário da cidade de Nicéia, na Bitínia. Nascido por volta de 163/164 d.C, foi para Roma em 180 e iniciou
sua carreira no Senado. Logo, os relatos sobre Trajano são posteriores a morte deste Imperador.
21
Não se trata de considerar Trajano como um deus, visto que Plínio, o Jovem deixa claro que “jamais o
adularemos como um deus (...), pois você mesmo se considera como um de nós.”. (VEGA, op.cit., p.117).
22
Podemos traçar uma rápida biografia de Plínio, o Jovem para entendermos melhor estas trocas de cartas:
Sobrinho e filho adotivo de Plínio, o Velho, teve acesso desde cedo a uma boa educação pautada no ensino da
retórico e do direito. Percorreu o cursus honorum de forma rápida e destacada, sendo questor (91 d.C) – cuidava
do tesouro público, em 92 d.C passa a Tribuno da Plebe, chegando a pretor – administrador da justiça – no ano
de 95 d.C. (PARATORE, op.cit.,p.747). Contudo, sua carreira política alcançou maior amplitude no principado
do imperador Trajano, onde conseguiu o cargo de cônsul e de governador da Bitinia (111-113 d.C). Foi neste
período em que ocupava o cargo na província de Ponto-Bitinia que as cartas relacionadas com os cristãos foram
trocadas.
23
Permissão de Nerva.
24
Esta carta deve ter sido escrita no verão de 98 ou 99, quando Plínio foi praefectus aerarri Saturni e Trajano
estava ausente – Germânia e Pannonia.
25
Plinio, Ep. X, 8.
26
Relutância de Trajano em relação a imagens suas, ver Plinio, Pan. 52.3.
27
Plinio, Ep. X, 9.
14
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28
O termo cognitio indica que isto era um julgamento formal dirigido pelo possuidor do imperium, assistido por
um consilium.
29
A ação tomada pelos romanos contra as seitas estrangeiras normalmente era dirigida contra a flagitia,
acreditamos que Plínio acusava os cristãos de accusatio nominis.
30
Não está claro se Plínio foi obrigado a fazer isto, ou se os acusados, como São Paulo, tinham usado seu direito
de apelar (provocatio), mas provavelmente era costume fazer isto.
31
Plínio, Ep. X, 96.
32
“(...) Não obstante a natureza das causas feitas contra este homem, pensei que não devia tomar nenhuma
decisão sem antes consultar seus conselhos; o caso me parece precisar de sua decisão oficial. Anexei os
documentos citados de ambos os lados.
(a) Carta de Domiciano para Terentius Maximus
Na petição de Flavius Archippus o filósofo, eu dei instruções que até 100,000 sestércios podem ser gastos na
compra de uma fazenda perto de seu povoado nativo, Prusa; com uma renda que ele possa apoiar sua família.
Desejo que isto seja feito em seu favor, e que todos os gastos sejam cobrados de mim, como um presente pessoal
a ele”. (Plínio, Ep. X, 58)
33
Plínio, Ep. X, 97.
34
“Se são recrutas, então a culpa cai no recrutando oficial; se substitutos, então esses que os ofereceram como tal
são culpados; mas ao ofereceram-se para o serviço, bem cientes de seu estado, então eles terão que ser
executados”. (Plínio, Ep. X, 30)
35
Plínio, Ep. X, 96.
36
GIARDINA, op.cit., p.301.
37
Principais cidades desta província: Nicéia, Nicomédia, Prusa e Apaméia.
38
“Não vamos nos esquecer que a principal razão para enviar você à sua província era a necessidade evidente
para muitas reformas (...)”. (Plínio, Ep. X, 32)
39
Encontramos lendas referentes a justiça de Trajano até os séculos XV-XVI. É valido transcrever uma das mais
conhecidas: conta-se que certa vez uma viúva parou Trajano impedindo-o de seguir em uma campanha militar.
Esta implorou por sua justiça contra os assassinos de seu filho, contudo Trajano comunicou que seu caso seria
cuidado após a volta da campanha, porém foi prontamente questionado pela viúva: “E se você não voltar?”. Ao
passo que Trajano a respondeu que se ele não voltasse, o seu assassino teria feito a coisa errada. Mas a viúva
mesmo assim continuou: “E o senhor acha certo evitar a responsabilidade de fazer o bem?” – referindo-se a adiar
o julgamento dos assassinos de seu filho. Foi quando Trajano desmontou de seu cavalo, pensou e respondeu:
“Descansar soldados. Está claro para mim que este caso deve ser solucionado antes de minha partida. A justiça
me chama e a compaixão me prende aqui”. (BENNETT,op.cit.,p17).