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Capítulo II Marcos 13,1-2: sinais escatológicos

De forma geral, o capítulo 13 do Evangelho de Marcos tem sido alvo de considerável disputa no campo da historiografia sinótica, conhecido como o capítulo que trata dos tempos finais, da escatologia e ou parusia 3 , ou, como afirma Rodríguez Carmona, "uma pregação com alcance escatológico" 4 , o qual encerra o discurso iniciado em Mc 10,46 5. Se, por um lado, há quem desconsidere a possibilidade dessas afirmações remontarem ao próprio Jesus 6 , por outro, existe um número considerável de estudiosos defendendo os ditos de Mc 13 como afirmações autenticas do rabi galileu 7. Essa pesquisa, contudo, ocupa-se especificamente com uma abordagem literária do texto, seguindo a metodologia da Análise Retórica Bíblica Semítica (ARBS) 8 , sem abandonar os pressupostos disciplinares do Método Histórico-Crítico. Dentre os documentos que formaram o Novo Testamento (NT), o Evangelho segundo Marcos apresenta o que tem sido considerado o relato mais primitivo da vida e obra de Jesus. Uma das características básicas de sua redação é a forma simples e objetiva com que apresenta o ministério de Jesus. Não é que o Evangelho de Marcos seja literariamente mais pobre do que as redações de Lucas

Capítulo II Marcos 13,1-2: sinais escatológicos Waldecir Gonzaga1 Filipe Galhardo Sant’Anna2 Introdução De forma geral, o capítulo 13 do Evangelho de Marcos tem sido alvo de considerável disputa no campo da historiografia sinótica, conhecido como o capítulo que trata dos tempos finais, da escatologia e ou parusia3, ou, como afirma Rodríguez Carmona, “uma pregação com alcance escatológico”4, o qual encerra o discurso iniciado em Mc 10,465. Se, por um lado, há quem desconsidere a possibilidade dessas afirmações remontarem ao próprio Jesus6, por outro, existe um número considerável de estudiosos defendendo os ditos de Mc 13 como afirmações autenticas do rabi galileu7. Essa pesquisa, contudo, ocupa-se especificamente com uma abordagem literária do texto, seguindo a metodologia da Análise Retórica Bíblica Semítica (ARBS)8, sem abandonar os pressupostos disciplinares do Método Histórico-Crítico. Dentre os documentos que formaram o Novo Testamento (NT), o Evangelho segundo Marcos apresenta o que tem sido considerado o relato mais primitivo da vida e obra de Jesus. Uma das características básicas de sua redação é a forma simples e objetiva com que apresenta o ministério de Jesus. Não é que o Evangelho de Marcos seja literariamente mais pobre do que as redações de Lucas 1 Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma (Itália), e Pós-Doutorado pela FAJE, Belo Horizonte (Brasil). Diretor e Professor de Teologia Bíblica do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Criador e líder do Grupo de Estudos Análise Retórica Bíblica Semítica, credenciado junto ao CNPq. E-mail: <[email protected]>, Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9171678019364477 e ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-5929-382X 2 Mestrando em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Membro do Grupo de Estudos Análise Retórica Bíblica Semítica, credenciado junto ao CNPq. E-mail: <filipegalhardosantana@ gmail.com>, Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7273935603561845 e ORCID ID: https://orcid.org/00000002-9823-1004 3 PÉREZ MILLOS, S., Marcos, p. 1219-1223; EDWARDS, J. R., O Comentário de Marcos, p. 477. 4 RODRÍGUEZ CARMONA, A., Evangelio de Marcos, p. 127. 5 CASALINI, N., Lettura di Marco, p. 228. 6 SCHWEITZER, A., A busca do Jesus histórico, p. 255; KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento, p. 164. 7 DUNN, J. D. G., Jesus recordado, p. 1001; EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 294; LANE, W. L., The gospel of Mark, p. 400-401. 8 Este texto é parte da parceria nos estudos, discussões e reflexões realizados mensalmente na PUC-Rio, nas atividades do Grupo de Pesquisa Análise Retórica Bíblica Semítica, constante no CNPq, sob a liderança do Prof. Dr. Waldecir Gonzaga. A fim de se conhecer o método da Análise Retórica Bíblica Semítica, sugerimos conferir os textos MEYNET, R., L’Analise Retorica (1992); MEYNET, R., Trattato di Retorica Biblica (2008); MEYNET, R., A análise retórica. Um novo método para compreender a Bíblia, p. 391-408; MEYNET, R., I frutti dell’analisi retorica per l’esegesi biblica, p. 403-436; MEYNET, R., La retorica biblica, p. 431-468. Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica e Mateus. Pelo contrário, sua objetividade demonstra um cuidado retórico bem intencional, organizando os ditos e narrativas em estruturas desenvolvidas para criar um contraste entre a oposição e a realidade do martírio9. Nesse contexto, a seção narrativa de Mc 11,1-13,37 desempenha função crucial na estrutura do Evangelho. Como se percebe, a organização das unidades menores forma uma justaposição bem delimitada entre as perícopes, construindo uma série de paralelismos em forma de quiasmo, que acentuam o contraste entre a oposição messiânica e a exaltação escatológica. Essa estrutura torna-se de especial importância para a análise do texto de Mc 13,1-2, à medida que realça a evolução do enredo em relação ao seu contexto próximo e estabelece um parâmetro confiável de interpretação narrativa. De especial interesse para a pesquisa, um aspecto pouco notado de Mc 13,12, é sua relação narrativa com os textos antecedentes e subsequentes, caracterizados pela movimentação geográfica de Jesus em relação ao Templo: diante do gazofilácio (Mc 12,41-44), saindo do Templo (Mc 13,1-2)10 e diante do Templo (Mc 13,3-37)11. Perceber como esses textos se relacionam é de vital importância para a compreensão da predição da queda do Templo. Como se verá ao longo da pesquisa, é um equívoco isolar o texto de Mc 13,1-2 como mera introdução ao discurso escatológico. Embora essa movimentação geográfica seja importante, no entanto, é preciso destacar que a narrativa não evolui de forma linear. A estrutura, como notado acima, desenvolve-se em forma de paralelismos, de forma que os textos devem ser interpretados à luz de sua respectiva contraparte: os paralelismos fornecem a chave hermenêutica para a interpretação de cada uma das unidades literárias de Mc 11,1-13,2712. Dessa forma, tendo delimitado o texto e seus aspectos críticos, boa parte da pesquisa se concentra sobre a estrutura retórica de Mc 13,1-2, e como o evangelista uniu o dito da predição da queda do Templo ao emblemático evento da maldição da figueira, em Mc 11,12-14.19-23. Como se demonstrará, a relação paralela entre ambos os textos estabelece um importante elo discursivo entre as imagens da Figueira (Mc 11,12-14), do Monte (Mc 11,19-23) e do Templo (Mc 13,1-2). Compreender as intenções redacionais do autor, portanto, passa não só pela necessidade de se fazer um estudo das fontes e tradições, isto é, uma análise que identifique o contexto literário que forneceu os elementos contextuais de 9 LANE, W. L., The gospel of Mark, p. 400-401. STANDAERT, B., Marco, p. 669. 11 MATEOS, J.; CAMACHO, F., El Evangelio de Marcos, p. 281. 12 Como se demonstrará, os vv.28-37 formam uma unidade com a estrutura em Mc 11,1-13,27, mas fazem parte de um substrato redacional posterior, colocado no final da seção para servir como parênese conclusiva. Sempre que for necessário uma referência ao paralelismo, indicaremos Mc 11,1-13,27; quando indicarmos a unidade sincrônica, far-se-á menção a Mc 11,1-13,37. 10 42 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica determinada redação, mas também, e talvez ainda mais importante, pelas formas estruturais de sua narrativa13. Embora a Análise Retórica tenha sido comumente empregada com essa finalidade, o uso de pressupostos retóricos do mundo greco-romano para esse fim se tem demonstrado incapaz de compreender o éthos da literatura semítica e, mais especificamente, do Judaísmo do Segundo Templo14. Para a presente pesquisa, portanto, como já sinalizado, o método empregado é o da ARBS, como instrumento de trabalho para a análise da perícope Mc 13,1-2. 1. Segmentação, tradução e crítica textual de Marcos 13,1-215 A segmentação, a tradução e as notas de crítica textual referentes à pequena perícope de Mc 13,1-2 revelam a beleza e a unidade temática deste texto marcano. Todo o vocabulário empregado para a sua construção revela uma fina tessitura em sua argumentação, no ensino de Cristo, seja na língua grega original, seja na tradução para o português. O próprio exercício para se segmentar e traduzir o texto bíblico ajuda na crítica textual, na análise dos verbos, dos substantivos, de seus movimentos e nuances, nos campos semânticos e nos elementos retóricos, na estrutura e em sua compreensão bíblico-teológico-pastoral. Καὶ ἐκπορευομένου αὐτοῦ ἐκ τοῦ ἱεροῦ 1a E saindo ele do Templo λέγει αὐτῷ εἷς ⸆ τῶν μαθητῶν αὐτοῦ· 1b disse-lhe um de seus discípulos διδάσκαλε, ἴδε ποταποὶ λίθοι καὶ ποταπαὶ οἰκοδομαί. 1c “Mestre, veja quão grandes pedras e quão grandes construções!” ⸂καὶ ὁ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ⸃· 2a E disse-lhe Jesus: Βλέπεις ταύτας τὰς μεγάλας οἰκοδομάς; 2b “Vê essas grandes construções? οὐ μὴ ἀφεθῇ °ὧδε λίθος ἐπὶ ⸀λίθον 2c Certamente não ficará aqui pedra sobre pedra ὃς οὐ μὴ καταλυθῇ⸆. 2d que não seja derrubada”. No que diz respeito aos problemas de crítica textual, não há muitos de relevância maior em Mc 13,1-2. De qualquer forma, fazemos uma breve análise dos que nos pareceram mais significativos, além de todos os que são mencionados no aparato crítico da Nestle-Aland, 28a edição. v.1b: Alguns códices (A, D, Δ e Θ), vários manuscritos da f 1.13 (28, 565, 579, 700, 892 e 2542) e diversas versões coptas, trazem “εκ/de” logo após “λέγει αὐτῷ εἷς/ disse-lhe um”; pode-se tratar aqui de uma metátese do “εκ/de” do v.1a para o v.1b, sendo preferível seguir o texto (txt) mais curto do comitê da Nestle-Aland, 28a 13 MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 309-316. BLOMBERG, C. L., Jesus e os evangelhos, p. 151. 15 Para todas as citações do Novo Testamento grego, salvo indicação contrária, usaremos NESTLE-ALAND., Novum Testamentum Graece, 28th revised edition. 14 43 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica edição, que traz o apoio de vários manuscritos importantes (‫א‬, B, K, L, W, Γ e Ψ)16, visto que a lectio brevior preferenda est (“a leitura mais curta é a preferível”)17. v.1c: O Códice Sinaítico (‫ )א‬insere dois “διδασκαλε/mestre”, enquanto a leitura do Códice Beza (D) menciona apenas um, alguns manuscritos siríacos leem “rabbi”18, mas essas divergências aqui podem representar uma interpolação de tradições, e os siríacos podem estar harmonizando com Mc 11,21, passagem que se insere numa estrutura retórica paralela. Além disso, uma lectio harmonizata indica que “o copista fez, voluntária ou involuntariamente, correções ou alterações na tentativa de evitar a aparência de contradição”19. Não resta dúvidas, é preferível seguir o texto da Nestle-Aland, 28ª edição. v.2e: Uma leitura mais livre no final do v.2 é sustentada pelo Códice Beza (D), acrescentando toda uma sentença no final do verso, “και δια τριων ημερων αλλος αναστησεται ανευ χειρων/ e em três dias levantarei outro Templo não feito por mãos”, refletindo uma acusação sobre a fala de Jesus que aparece em Mc 14,58. Dada a antiguidade da leitura Ocidental (cujo Códice Beza é a melhor testemunha)20, e o fato de os acusadores de Jesus mencionarem-na em sua fala, a variante pode ser considerada uma reconstrução literária que, desde muito cedo, moldou o imaginário do cristianismo primitivo (Jo 2,20), mas que não pode representar o texto mais próximo da redação original, por isso seguimos o texto da Nestle-Aland, 28ª edição. 2. Delimitação do texto No contexto amplo do Evangelho de Marcos, Hemult Koester propõe uma estrutura redacional dividida em dois grandes blocos literários: com Mc 1,148,30, o desenvolvimento do ministério de Jesus na Galiléia; e Mc 8,31-15,47, o progresso da oposição e paixão. Dessa forma, Mc 1,1-13 e 16,1-8 exercem, respectivamente, as funções de prólogo e epílogo ao todo do livro21. Outros autores desenvolvem esses blocos acompanhando a movimentação geográfica de Jesus22. Nós propomos uma divisão similar a proposta por Craig L. Blomberg23, com uma estrutura tríplice, dividida em sete subdivisões: a primeira seção, em Mc 1,1-13, funciona como um prelúdio, “Ἀρχὴ τοῦ εὐαγγελίου Ἰησοῦ Χριστοῦ/ início do evangelho de Jesus Cristo” (Mc 1,1), contextualizando o ministério de Jesus dentro da expectativa judaica pelo “‫יום יהוה‬/ Dia do Senhor”24; de Mc 1,14 a 16 METZGER, B. M., A Textual Commentary on the Greek New Testament, p. 100. GONZAGA, W., A Sagrada Escritura, a Alma da Sagrada Teologia, p. 221. 18 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 294. 19 GONZAGA, W., A Sagrada Escritura, a Alma da Sagrada Teologia, p. 221. 20 PAROSHI, W., Origem e transmissão do texto do Novo Testamento, p. 53. 21 KOESTER, H., Introdução ao Novo Testamento, p. 183-184. 22 CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS, L., Introdução ao Novo Testamento, p. 99-102; BLOMBERG, C. L., Jesus e os evangelhos, p. 152-154. 23 CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS, L., Introdução ao Novo Testamento, p. 99-102; 24 BEALE, G. K.; CARSON, D. A. (Orgs), Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo, p. 150; STEIN, 17 44 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica Mc 8,30, temos a segunda seção, “ἤγγικεν ἡ βασιλεία τοῦ θεοῦ/ chegou o Reino de Deus” (Mc 1,14), que divide-se em três subdivisões (Mc 1,14-3,6; 3,7-5,43; 6,1-8,30), que cobrem todo o ministério de Jesus na Galiléia; em Mc 8,31-16,8, inicia-se a terceira e última seção: com uma quinta subdivisão em Mc 8,31-10,52, quando o enredo caminha para o ponto mais alto no contraste entre a glória e o sofrimento messiânicos; na sexta subdivisão, em Mc 11,1-13,37, a oposição entre a classe sacerdotal e o ministério de Jesus chega ao seu clímax, emoldurado com a entrada triunfal (Mc 11,1-11) e o discurso escatológico (Mc 13,3-37)25; e, por fim, as narrativas da paixão em Mc 14,1-15,47 e do túmulo vazio em Mc 16,1-826, apresentam a sétima e última seção, o desfecho literário ao Evangelho de Marcos. Dessa forma, o texto de Mc 13,1-2 se insere na sexta subdivisão de Mc 11,1-13,37, na qual a tônica da oposição atinge seu ápice. Como a pesquisa demonstra mais detidamente na análise retórica, a estrutura de Mc 11,1-13,27 (com duas parábolas ao seu final, em Mc 13,28-37) se desenvolve sob um explícito paralelismo em forma de quiasmo, no qual o texto de Mc 13,1-2 encontra forte equivalência semântica, verbal e discursiva com Mc 11,12-14; 19-23. Embora alguns estudiosos divirjam quanto a delimitação27, a mudança geográfica fornece um fator decisivo para a proposta literária que o autor pretendeu imprimir, de modo que a delimitação em Mc 13,1-2 assegura melhor a relação contextual entre as unidades literárias28, sendo melhor mantê-las em relação sequencial com Mc 13,1-2, respeitando a movimentação geográfica em relação ao Templo. No contexto imediatamente anterior a Mc 13,1-2, a redação marcana traz o conhecido episódio da viúva pobre em Mc 12,41-44, que deposita todo o seu sustento no gazofilácio do Templo (Tesouro do Tempo)29; esse episódio está intimamente relacionado ao seu contexto precedente, isto é, ao oráculo de julgamento em Mc 12,38-40, no qual os escribas são condenados por devorarem a casa das viúvas. Esse contexto se relaciona com Mc 13,1-2 pela movimentação geográfica: no episódio da viúva pobre, Jesus está dentro do Templo, na predição oracular de Mc 13,1-2, ele está saindo do Templo. Essa movimentação de saída não só fornece um significado próprio, como prepara o cenário do enredo sobre o qual é erigido o oráculo de predição em Mc 13,1-2, afetando diretamente o “nacionalismo judaico”30, sobre o lugar próprio da intermediação entre todos os povos e Deus, visto que Israel R. H., Mark (BECNT), p. 48. 25 CASALINI, N., Lettura di Marco, p. 230; CASTRO SÁNCHEZ, S., El sorprendente Jesús de Maros, p. 353; LA GOIA, F., Marco, p. 289. 26 Ver uma análise do acréscimo posterior dos vv.9-20 a Mc 16 em OMANSON, R. L., Variantes textuais do Novo Testamento, p. 104. 27 STEIN, R. H., Mark (BECNT), p. 586; MULHOLLAND, D. M., Marcos, p. 149. 28 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 293; BRETTLER, M. Z.; NEWSOM, C. A.; PERKINS, P., The New Oxford Annotated Bible (NRSV). 29 MARCUS, J., Mark 8-16, p. 871. 30 MATEOS, J.; CAMACHO, F., El Evangelio de Marcos, p. 286. 45 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica tinha uma missão religiosa universal31; o templo era, ainda, sinal da glória de Israel e casa espiritual da presença de Deus em meio a seu povo eleito32. No contexto imediatamente posterior a Mc 13,1-2, o enredo se desdobra no inteiro discurso escatológico de Mc 13,3-3733, em que mais uma vez a movimentação de Jesus exerce papel significativo no enredo, agora, prestes a prenunciar a destruição de Jerusalém, posicionado “diante do Templo”34. Como indica, Williamson “os vv.2-3 servem como que um movimento de transição, indicando o final do ministério de Jerusalém e a definitiva destituição do tempo como ponto focal do Reino de Deus”35. Assim, a movimentação “dentro-saindo-diante” estrutura as três unidades literárias (Mc 12,41-44; 13,1-2; 13,3-37). Como bem resumiu Combet-Galland, “como os escribas devoram as casas da viúva [Mc 12,38-40], e o Templo as suas moedinhas [Mc 12,41-44], Jesus anuncia a queda dessa construção suntuosa [Mc 13,1-2] num discurso apocalíptico [Mc 13,3-37]”36. Isso realmente deve ter causado um choque muito grande, pois “o templo era uma estrutura impressionante, muito maior do que a vida no sociossimbolismo do judaísmo”37, até mesmo porque na época de Cristo o Templo de Jerusalém já tinha passado pela reforma de Herodes, o Grande, que, além de fortifica-lo, também o tinha embelezado e o deixado ainda mais suntuoso38, tornando-o ainda mais o “símbolo da nação”39, que, com sua grandeza e suntuosidade, demonstrava igualmente a riqueza e o poder de Israel40. 3. Análise do gênero Há considerável disputa em torno da classificação literária de Mc 13,1-2, sendo comum a identificação do texto sob o gênero apocalíptico, principalmente quando se percebe aqui uma introdução ao discurso escatológico41. Neste sentido, Williamson recorda que este texto marcano é tido e chamado como o “Pequeno Apocalipse” ou “Apocalipse dos Sinóticos”, visto que “apresenta numerosa característica do 31 MATEOS, J.; CAMACHO, F., El Evangelio de Marcos, p. 287. PÉREZ MILLOS, S., Marcos, p. 1228. 33 WILLIAMSON, L. JR. Marco, p. 322; STANDAERT, B., Marco, p. 665. 34 COLLINS, A. Y., Mark, p. 593; GRASSO, S., Vangelo di Marco, p. 307; CASALINI, N., Lettura di Marco, p. 230. 35 WILLIAMSON, L. JR. Marco, p. 322; a mesma ideia é defendida por MARCUS, J., Mark 8-16, p. 868; MEYNET, R., Il Vangelo di Marco, p. 404. 36 COMBET-GALLAND, C., O evangelho segundo Marcos, p. 55; igualmente ERNST, J., Il Vangelo secondo Marco, p. 587. 37 MYERS, C., O Evangelho de São Marcos, p. 385. 38 ERNST, J., Il Vangelo secondo Marco, p. 592; PÉREZ MILLOS, S., Marcos, p. 1224; MAZZAROLO, I., Evangelho de Marcos, p. 254; EDWARDS, J. R., O Comentário de Marcos, p. 479. 39 MATEOS, J.; CAMACHO, F., El Evangelio de Marcos, p. 284. 40 MATEOS, J.; CAMACHO, F., El Evangelio de Marcos, p. 286; CASTRO SÁNCHEZ, S., El sorprendente Jesús de Maros, p. 357; HENDRIKSEN, W. Marcos, p. 552. 41 CRANFIELD, C. E. B., Saint Mark (CGTC), p. 387-388; GNILKA, J., El Evangelio Según San Marcos: Mc 8,27–16,20, p. 212; LENTZEN-DEIS, F., Comentário ao Evangelho de Marcos, p. 413; LA GOIA, F., Marco, p. 290; EDWARDS, J. R., O Comentário de Marcos, p. 476. 32 46 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica pensamento apocalíptico”42; Ernst, por sua vez, vai denominar a perícope de Mc 13,137, de o “o grande discurso apocalíptico de Jesus”43, na qual está inserida a breve perícope Mc 13,1-244; da mesma forma, temos Pesch e Collins que ambientalizam o discuso a partir do contexto das guerras judaicas e da destruição do Templo.45 De fato, as reminiscências e alusões a excertos apocalípticos de Dn 7-9 fornecem bom embasamento para tal classificação; a esse respeito, alguns chegam a falar que Mc 13 poderia ser um midrash do livro de Daniel46. Mas, algumas ponderações são extremamente necessárias: em primeiro lugar, os dois primeiros versículos não podem estar tão intimamente relacionados com o restante do capítulo de forma a desassociá-los dos episódios precedentes, sendo melhor considerá-los como parte da estrutura mais ampla de Mc 11,1–13,37; em segundo lugar, as alusões e citações a textos apocalípticos só aparecem a partir de Mc 13,13 (com referências múltiplas a Dn 7-9)47; e, por fim, as únicas características apocalípticas em Mc 13,1-2 são a predição e a hipérbole. Apesar do uso recorrente de linguagem apocalíptica em Mc 13,3-13, as evidências são insuficientes para a caracterização de gênero em sentido homogêneo48. Por outro lado, o motivo e a hipérbole são elementos comuns e essenciais na linguagem oracular de predição e de julgamento. Além disso, as duas únicas alusões veterotestamentárias na perícope subsequente a Mc 13,1-2 (Mc 13,3-13) são profecias de predição (Jr 29,8 em 13,5 e Mq 7,6 em 13,12)49. Assim, é melhor considerar o texto sob o gênero oracular de julgamento, com uso de linguagem apocalíptica50, que forma o cenário de enredo do discurso escatológico, mas não necessariamente sua introdução. Sua interpretação pede um olhar que leve em consideração a apocalítica tanto do Antigo Testamento como do Novo Testamento, bem como “os movimentos apocalípticos judaicos e cristãos que deram origem à literatura apocalíptica”51. 4. Análise da redação Todos os três Sinóticos seguem uma estrutura muito similar, embora Lucas (como é usual) destoe um pouco mais de seus predecessores. No geral, entretanto, os três começam com a entrada de Jesus em Jerusalém (Mc 11,1; Mt 21,1; Lc 42 WILLIAMSON, L. JR. Marco, p. 321. ERNST, J., Il Vangelo secondo Marco, p. 587. 44 GRASSO, S., Vangelo di Marco, p. 306. 45 PESCH, R., Il vangelo di Marco, p. 397; COLLINS, A. Y., Mark, p. 601; GRASSO, S., Vangelo di Marco, p. 307. 46 LA GOIA, F., Marco, p. 290-291. 47 MEYNET, R., Il Vangelo di Marco, p. 404. 48 COLLINS, J. J., A imaginação apocalíptica, p. 261; EVANS, C. A. Mark 8:27–16:20, p. 290; LENTZEN-DEIS, F., Comentário ao Evangelho de Marcos, p. 413. 49 MATEOS, J.; CAMACHO, F., El Evangelio de Marcos, p. 288. 50 RYKEN, L., Formas literárias da Bíblia, p. 142. 51 WILLIAMSON, L. JR. Marco, p. 322. 43 47 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica 19,1). Os três citam o Sl 118,26, cujo contexto maior faz referência ao “cerco de nações”, para louvar a entronização de Jesus e identificá-lo como o Rei que se esperava pela libertação israelita. Mateus, em cuja redação a expectativa judaica é ainda mais visível, cita igualmente Zc 9,9, identificando Jesus com a entronização do Messias que “tira os cativos da cova” (Zc 9,11) e estende os seus domínios de “mar a mar” (Zc 9,10). A redação dos três difere em como organizam os relatos. Mateus e Marcos, por exemplo, divergem quanto à ordem entre a “purificação do Templo” e o “exemplo da figueira”; Lucas, por outro lado, menciona aquele, mas omite este. Mc 13,1-2 encontra correspondência narrativa em seus dois equivalentes Sinóticos. Ainda assim, é muito pouco provável, pelo menos nesse caso, que haja uma dependência redacional, dado a grande diferença de forma e vocabulário. Em nível de análise, uma sinopse dos três textos auxilia a perceber as diferenças e as aproximações: Mc 13,1 Mt 24,1 Lc 21,5 Καί τινων λεγόντων περὶ τοῦ ἱεροῦ ὅτι λίθοις καλοῖς καὶ ⸀ἀναθήμασιν κεκόσμηται εἶπεν·* 6 Ταῦτα °ἃ θεωρεῖτε* ἐλεύσονται ἡμέραι ἐν αἷς οὐκ ἀφεθήσεται λίθος ἐπὶ λίθῳ ⸆ ὃς οὐ καταλυθήσεται. Καὶ ἐκπορευομένου αὐτοῦ ἐκ τοῦ ἱεροῦ λέγει αὐτῷ εἷς ⸆ τῶν μαθητῶν αὐτοῦ·* Διδάσκαλε, ἴδε ποταποὶ λίθοι καὶ ποταπαὶ οἰκοδομαί. 2 ⸂καὶ ὁ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ⸃· Βλέπεις ταύτας τὰς μεγάλας οἰκοδομάς; οὐ μὴ ἀφεθῇ °ὧδε λίθος ἐπὶ ⸀λίθον ὃς οὐ μὴ καταλυθῇ⸆*. 1 Καὶ ἐξελθὼν ὁ Ἰησοῦς ⸂ἀπὸ τοῦ ἱεροῦ ἐπορεύετο⸃,* καὶ προσῆλθον οἱ μαθηταὶ αὐτοῦ ἐπιδεῖξαι αὐτῷ τὰς οἰκοδομὰς τοῦ ἱεροῦ. 2 ὁ δὲ ἀποκριθεὶς εἶπεν αὐτοῖς· Οὐ βλέπετε ταῦτα πάντα;* ἀμὴν λέγω ὑμῖν, οὐ μὴ ἀφεθῇ ὧδε λίθος ἐπὶ λίθον ὃς οὐ καταλυθήσεται. 5 1 E tendo saído Jesus do Templo, se retirava, mas aproximaram-se seus discípulos, para mostrar a ele as construções do Templo. Porém, respondendo, disse-lhes: “Não veem tudo isto? Assim digo a vós: não ficará aqui pedra sobre pedra que não será derrubada”. E dizendo alguns acerca do Templo, porque eram belas as pedras e adornado de dádivas, disse: “estas coisas as quais contemplam, virão dias em que não permanecerá pedra sobre pedra que não será derrubada”. 1 E saindo Jesus do templo, disse-lhe um de seus discípulos: Mestre, veja quão grandes pedras, e quão grandes construções! 2 E disse-lhe Jesus: Vê estas grandes construções? Certamente não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada. Um primeiro aspecto, que não pode deixar de ser notado na análise da redação, é a forma como os três Sinóticos encaixam a narrativa da predição da queda do Templo. Marcos localiza a narrativa entre o episódio da viúva pobre (Mc 12,41-44) e o discurso escatológico (Mc 13,3-37); na redação de Mateus, no entanto, a narrativa se encontra logo após um enunciado contra Jerusalém (Mt 23,37-39), “que mata os profetas”. Assim, tanto em Marcos como em Mateus, há 48 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica um motivo contextual bem claro para a incisiva predição de Jesus52: em Marcos, a injustiça social; em Mateus, a oposição ao chamado profético. Lucas, de forma bem mais livre, segue de perto a sequência de Marcos, embora não mencione um aspecto essencial à narrativa marcana: a movimentação de Jesus em relação ao Templo. De fato, a redação Lucas deixa claro que a predição da queda do Templo não é o fim do ministério de Jesus no recinto (Lc 21,37-38). No texto, propriamente dito, as diferenças também ficam claras. Enquanto Marcos usa o particípio “ἐκπορευομένου/e saindo...” para narrar a saída de Jesus do Templo, Mateus emprega outro verbo, também particípio, “ἐξελθὼν/e tendo saído”, com basicamente o mesmo significado semântico.53 Lucas, por outro lado, não menciona a saída. Em Marcos, Jesus responde a “um dos discípulos”; em Mateus, ele responde aos discípulos (dativo singular “αὐτῷ/a ele”, em Marcos; dativo plural “αὐτοῖς/eles” em Mateus). Lucas, por sua vez, não menciona nem mesmo se trata de discípulos, mas se refere a “τινων/alguns”. Enquanto Mateus e Lucas usam o verbo no futuro (“καταλυθήσεται/será derrubada”), para se referir à destruição futura, Marcos vale-se de um subjuntivo (“καταλυθῇ/seja derrubada”) para descrever uma destruição provável, porém enfática. Lucas é o relato mais curto, pois não menciona a saída do Templo. Entre Marcos e Mateus, que cobrem uma extensão muito similar do relato, Marcos é o mais curto. Ainda assim, as diferenças de vocabulário e forma são tão grandes que é improvável que Mateus tenha dependido do relato de Marcos. O mais certo é que os três evangelistas tenham feito uso de uma mesma tradição oral e de um material próprio, além da Fonte Q. 5. Análise das tradições Na presente pesquisa, a análise das tradições busca se aproximar do contexto cultural amplo no qual o texto de Mc 13,1-2 se encontra. 54 Não é novidade que os textos proféticos, pré-exílio, tenham fornecido elementos de motivo a uma tradição judaica com características de discurso condenatório contra o Templo. Nesse espectro de tradição, o motivo traz consigo a imagem de queda do Templo, que normalmente é formulada dentro do tema do juízo, característico da profecia bíblica.55 O autor do livro de Jeremias, nos tempos de Ezequias, foi um dos primeiros a evocar a imagem da queda do Templo como parte de seu discurso oracular de juízo (Jr 26,17-19), o que se tornou parte efetiva de sua mensagem profética (Jr 7,4-15; 26,9),56 um modus de discurso que também repercutiu no pós-exílio (Dn 9,26), mas cuja tradição floresceu ainda mais no corpus literário 52 MARCUS, J., Mark 8-16, p. 872. LOUW, J. P.; NIDA, E. A., Léxico Grego-Português do Novo Testamento, p. 169-170. 54 LIMA, M. L. C., Exegese bíblica, p. 143. 55 LIMA, M. L. C., Mensageiros de Deus, p. 117. 56 STANDAERT, B., Marco, p. 670. 53 49 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica do Judaísmo do Segundo Templo57 (Testamento de Levi 16,4; Livros Proféticos 10,10-11; 12,11; Oráculos Sibilinos 3,665; Josefo, Guerras Judaicas 6.5.4 §311)58, além de o próprio Jesus citar um oráculo anti-Templo (Mc 11,17, citando Jr 7,11). Existe, ainda, a possibilidade da fórmula “οὐ μὴ ἀφεθῇ ὧδε λίθος ἐπὶ λίθον/ não ficará pedra sobre pedra”, subjacente à narrativa marcana, ter sido retirada da tradição transmitida por Lc 19,44: “καὶ ἐδαφιοῦσίν σε καὶ τὰ τέκνα σου ἐν σοί, καὶ οὐκ ἀφήσουσιν λίθον ἐπὶ λίθον ἐν σοί, ἀνθ᾽ ὧν οὐκ ἔγνως τὸν καιρὸν τῆς ἐπισκοπῆς σου. /e deitarão por terra a ti e a teus filhos no meio de ti, e não deixarão pedra sobre pedra em ti, pois não reconhecestes o tempo da tua visitação”. Ao contrário, no entanto, a narrativa lucana dá mostras de interpretação retrospectiva dos eventos ligados à queda do Templo em 70 d.C., sendo bem posterior ao texto de Marcos59. Dessa forma, quando, nos versículos que precedem o discurso condenatório, Marcos cita a elite religiosa, “οἱ κατεσθίοντες τὰς οἰκίας τῶν χηρῶν/os que devoram as casas das viúvas” (Mc 12,40) ou um sistema dizimal capaz de absorver “ὅλον τὸν βίον/ todo o sustento” de uma delas (Mc 12,44), ele está se referindo a uma tradição já consolidada, e que inicialmente relacionava a queda do Templo ao desprezo dos marginalizados (Jr 7,5-11). Contudo, é possível que o episódio da viúva tenha feito parte de uma tradição oral independente do contexto de julgamento de Mc 11-12, de caráter positivo60, mas a estrutura literária como está parece ter sido organizada para fazer referência a esse contexto redacional de julgamento contra as autoridades judaicas e o próprio Templo61. Nesse caso, tanto os problemas de ordem política em Roma, quanto o sistema tributário e religioso na Judeia, podem ter levado o autor a uma composição mais dramática dos eventos e ditos de Jesus. 6. Análise Retórica Bíblica Semítica 6.1. Estrutura literária de Mc 11,1-13,27, segundo a Análise Retórica Bíblica Semítica No nível da Análise Retórica, identificamos uma estrutura quiástica entre Mc 11,1 e Mc 13,27, que se relaciona através de correspondência semântica, sintática e discursiva62. Essa estrutura traz, em seu centro, a controvérsia de Mc 12,18-27, talvez como forma de valorizar um tópico que se tornou caro ao cristianismo primitivo. Os dois polos da estrutura, que formam a moldura do enredo, 57 MARCUS, J., Mark 8-16, p. 871. PENNER, K.; HEISER, M. S., Old Testament Greek pseudepigrapha with morphology; JOSEFO, F., The Works of Flavius Josephus: Greek Text with Morfology, p. 554; EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 296-297. 59 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 295. 60 STEIN, R. H., Baker Exegetical Commentary on the New Testament – Mark, p. 578. 61 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 282. 62 Para uma análise pormenorizada de possíveis correspondências dentro do sistema retórico semítico, ver: MEYNET, R., Rhetorical Analysis – An Introduction a Biblical Rhetoric, p. 182-198. 58 50 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica correspondem-se principalmente pela localização geográfica63 (“ὄρος τῶν ἐλαιῶν/ Monte das Oliveiras”, ambos os usos no genitivo – Mc 11,1/13,3), que os colocam em posição frontal ao Templo64. A perícope de Mc 13,1-2, nessa estrutura, é parte de uma subunidade maior, que a relaciona com Mc 12,38-44, na forma de um manifesto duplo contra o Templo, formando uma sobreposição narrativa com o episódio da figueira (Mc 11,12-14;19-23). Dessa forma, a estrutura valoriza a forma concêntrica do quiasmo: \A(1) - Diante do Templo: entrada em Jerusalém e entronização temporal do Filho de Davi: 11,1-11 \B(1) - Manifesto contra o Templo (figueira, purificação, “este monte” ao mar): 11,12-23 \C(1) - a autoridade de Jesus questionada pelos mestres da lei: 11,27-33 \D(1) - uma parábola subversiva: a política opressiva de Jerusalém: 12,1-12 \E(1) – a César, só o que é de César: 12,13-17 |F - uma apologia teológica à ressurreição: 12,18-27 /E(2) - o Deus único e a ética do Reino: 12,28-34 /D(2) - uma apologia à estatura política e teológica de Jesus: 12,35-37 /C(2) - um “juízo mais severo” aos mestres da lei: 12,38-40 /B(2) – Manifesto contra o Templo: diante do gazofilácio, saindo do Templo: 12,41-13,2 /A(2) – Diante do Templo: a queda de Jerusalém e a vinda do Filho do Homem em entronização celestial: 13,3-27 Além dos vários níveis de correspondência que cada unidade mantém com a respectiva equivalência narrativa, que devem ser analisadas caso a caso em estudos individuais, a estrutura apresenta uma relação discursiva muito clara entre as perícopes. Os polos têm seus dois extremos contrastados pela vinda de Jesus e sua respectiva entronização temporal (A(1)) e a vinda do Filho do Homem em sua glória celestial (A(2)), que formam o quadro narrativo do quiasmo. Em ambas as narrativas, a posição frontal em relação ao Templo e o contraste entre a entrada simples e a vinda cósmica marcam os limites e o tom de enredo do quiasmo. Os manifestos de Jesus contra o Templo (B(1)) dividem-se em dois episódios: o oráculo encenado contra a figueira e o Monte (Mc 11,12-14 19-23)65, e a purificação do Templo; este último colocado entre as duas partes do primeiro (o que não ocorre em Mateus, Mt 21,12-22), dando a impressão de formarem três episódios. O contraste desses dois episódios com a contraparte narrativa (B(2)), localizada nas perícopes da viúva pobre (Mc 12,41-44) e da predição da queda do 63 ERNST, J., Il Vangelo secondo Marco, p. 591; PESCH, R., Il vangelo di Marco, p. 403. O uso de “ἀποστελεῖ τοὺς ἀγγέλους/enviará os anjos”, em Mc 13,27, contrastando com “ἀποστέλλει δύο τῶν μαθητῶν/enviou dos seus discípulos”, em Mc 11,1, forma uma oposição completa segundo a definição de MEYNET, R., Rhetorical Analysis – An Introduction a Biblical Rhetoric, p. 191; LA GOIA, F., Marco, p. 294; HENDRIKSEN, W. Marcos, p. 551; SOARES, S. A. G.; CORREIA JUNIOR, J. L.; OLIVA, J. R., Marcos, p. 422; EDWARDS, J. R., O Comentário de Marcos, p. 476. 65 O dito sobre a oração em Mc 11,24-25 deve ser entendido como uma fonte literária independente dos versículos precedentes, ligada ao logion da figueira e do Monte pelo elemento da “fé”, mas que destoa de todo o enredo discursivo da narrativa. Como lembra Craig Evans, estes versículos constituem “uma cláusula e um conceito que são estranhos [...] claramente uma adaptação secundária a uma cláusula semelhante no v.23”. EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 190. 64 51 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica Templo (Mc 13,1-2), acentua o forte clima de oposição da seção, que é de especial interesse para a presente pesquisa. O questionamento à autoridade de Jesus (C(1)), por parte dos escribas e mestres da lei, como que em um julgamento improvisado (Mc 11,27-33), contrasta nitidamente com o ensino (“διδαχῇ/ ensino”) em C(2) (Mc 12,38-40), a respeito dos escribas que “devoram a casa das viúvas”, e que, por fim, receberão um “julgamento mais severo” (Mc 12,40). Os polos paralelos de D e E estão mais intimamente atrelados. A parábola dos vinhateiros homicidas, em D(1), traz uma forte alusão ao cântico da vinha em Is 5,1-7, cujo contexto remete a um sistema político opressor (Is 5,7), que logo tornará os judeus cativos ao exílio (Is 5,13). Dessa forma, a parábola dos vinhateiros homicidas encontra ampla correspondência em D(2) (Mc 12,35-37), em que o “filho de Davi” (Mc 12,35) deve ser identificado com “o filho amado” da parábola dos vinhateiros (Mc 12,6); do mesmo modo, a citação do Sl 110,1 cria uma correspondência entre os “vinhateiros” (Mc 12,1) e os “inimigos” (Mc 12,36): os vinhateiros serão destruídos pelo dono da vinha, os inimigos serão colocados “sob os pés” do “Senhor” que se assenta à direita. Diferente de Mateus (Mt 22,15-22), Marcos coloca o episódio da tributação romana (E(1)) em contexto imediatamente posterior (Mc 12,13-17) à parábola dos vinhateiros homicidas, ligada a ela por meio de uma conjunção conectiva (“και/ e, então”), criando uma conexão entre o sistema opressor aludido na parábola e a questão, posta pelos fariseus e herodianos, de pagar impostos a César. No paralelo mais emblemático do quiasmo, o episódio da tributação encontra significativa correspondência de enredo em Mc 12,28-37, sobre a questão do primeiro mandamento (E(2)). De fato, o debate acerca da tributação romana, para o Judaísmo do Segundo Templo, era basicamente uma questão de lealdade e ética religiosa (Antiguidade 18,4-23)66, de modo que o Shemá Israelita constitui o cerne da questão da tributação67 que, contudo, deve ser ponderada sob a ética do amor (Mc 12,31). O centro da estrutura (F), sem paralelo, reflete uma das polêmicas mais emblemáticas do Judaísmo do Segundo Templo: a ressurreição dos mortos. A presença desse tópico no centro do quiasmo, no entanto, reflete não a polêmica judaica, mas a fé basilar do cristianismo primitivo: que Cristo ressuscitou dos mortos. Assim, a posição de Mc 12,18-27 reflete a intenção do redator, que organizou o quiasmo não só para refletir a crescente oposição entre Jesus e o Templo, mas também para apontar para o evento culminante de seu evangelho: a ressurreição68. Um discurso exortativo é colocado logo após o final do quiasmo (Mc 13,2837), trazendo duas parábolas: a da figueira (vv.28-29) e a do retorno próximo 66 JOSEPHUS, F., The Works of Josephus, p. 476-477. HORSLEY, R. A., Jesus e o império, p. 49. 68 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 334. 67 52 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica (vv.34-36). Esse discurso, entremeado com parábolas, não faz parte da estrutura literária de Mc 11,1-13,27. Porém, embora sua inserção aqui destoe do contexto69, sua estrutura dá mostras de antiguidade70. É provável que desde bem cedo tenha servido como parênese conclusiva à estrutura de Mc 11,1-13,2771, daí sua importância para o quiasmo: indicar a iminência (imprevista) dos sinais escatológicos relacionados ao Templo72. 6.2. Segmentação de Mc 13,1-2, segundo a ARBS O exercício para se segmentar e traduzir, realizado anteriormente, ajudou no processo da análise da crítica textual, mas ajuda igualmente a perceber o uso dos verbos e seus movimentos, nos campos semânticos e nos elementos retóricos, assim como na estrutura do texto à luz método da Análise Retórica Bíblica Semítica, seja na língua original (grego), seja na tradução (português), como se percebe na tabela a seguir: 1 Καὶ E saindo ἐκπορευομ ele ένου αὐτοῦ ἐκ τοῦ ἱεροῦ do TEMPLO, λέγει αὐτῷ εἷς τῶν μαθητῶν αὐτοῦ· disse -lhe um de seus discípulos: διδάσκαλε, ἴδε ποταποὶ λίθοι “Mestre, veja que tipos PEDRAS καὶ ποταπαὶ οἰκοδομαί. e que tipos de CONSTRUÇÕES!” 2 καὶ ὁ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ· 2 E Jesus disse -lhe: βλέπεις ταύτας τὰς μεγάλας οἰκοδομάς; “Vê esses grandes CONSTRUÇÕES? οὐ μὴ ἀφεθῇ ὧδε λίθος ἐπὶ λίθον Certamente não será deixada aqui PEDRA sobre PEDRA ὃς οὐ μὴ καταλυθῇ. que Certamente não seja derrubada”. 69 JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus, p. 53, 121. EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 334; JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus, p. 53. 71 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 333. 72 LANE, W. L., The gospel of Mark, p. 395. 70 53 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica 6.3. Paralelismo entre Mc 11,12-14, Mc 19-23 e Mc 13,1-2 De maior interesse para a presente pesquisa é a relação do episódio da figueira (Mc 11,12-14/20-23) e a predição da queda do Templo (Mc 13,1-2). Como é possível constatar, o nível de correspondência entre os textos se demonstra de notável relevância. Mc 11,12–14 Mc 11,19–23 Καὶ τῇ ἐπαύριον ἐξελθόντων αὐτῶν ἀπὸ Βηθανίας ἐπείνασεν. 13 καὶ ἰδὼν συκῆν ἀπὸ μακρόθεν ἔχουσαν φύλλα ἦλθεν, ⸂εἰ ἄρα τι εὑρήσει⸃ ἐν αὐτῇ, καὶ ἐλθὼν ἐπʼ αὐτὴν οὐδὲν εὗρεν εἰ μὴ φύλλα· ⸄ὁ γὰρ καιρὸς οὐκ ἦν σύκων⸅. 14 καὶ ἀποκριθεὶς εἶπεν αὐτῇ· μηκέτι εἰς τὸν αἰῶνα ἐκ σοῦ μηδεὶς καρπὸν φάγοι. καὶ ἤκουον οἱ μαθηταὶ αὐτοῦ. 19 Καὶ ὅταν ὀψὲ ἐγένετο, ἐξεπορεύοντο ἔξω τῆς πόλεως. 20 Καὶ παραπορευόμενοι πρωῒ εἶδον τὴν συκῆν ἐξηραμμένην ἐκ ῥιζῶν. 21 καὶ ἀναμνησθεὶς ὁ Πέτρος λέγει αὐτῷ· ῥαββί, ἴδε ἡ συκῆ ἣν κατηράσω ἐξήρανται. 22 καὶ ἀποκριθεὶς ὁ Ἰησοῦς λέγει αὐτοῖς· ἔχετε πίστιν θεοῦ. 23 ἀμὴν λέγω ὑμῖν ὅτι ὃς ἂν εἴπῃ τῷ ὄρει τούτῳ· ἄρθητι καὶ βλήθητι εἰς τὴν θάλασσαν, καὶ μὴ διακριθῇ ἐν τῇ καρδίᾳ αὐτοῦ ἀλλὰ πιστεύῃ ὅτι ὃ λαλεῖ γίνεται, ἔσται αὐτῷ. 1 12 19 1 12 E no dia seguinte, saindo de Betânia, teve fome. 13 E, vendo de longe uma figueira com folhas, foi ver se nela, então, acharia alguma coisa. Aproximando-se dela, nada encontrou, senão folhas – pois não era tempo de figos. 14 E respondendo, disse a ela: Nunca jamais coma ninguém do teu fruto! E ouviram os discípulos dele. Então, sendo já tarde, saíram para fora da cidade. 20 E, passando eles pela manhã, viram que a figueira secara desde a raiz, 21 Pedro se lembrou e disse-lhe: Mestre, veja que a figueira a qual amaldiçoaste, secou. 22 E, respondendo, Jesus disse-lhes: Tenham fé em Deus; 23 assim digo a vós: se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele. Mc 13,1-2 Καὶ ἐκπορευομένου αὐτοῦ ἐκ τοῦ ἱεροῦ λέγει αὐτῷ εἷς ⸆ τῶν μαθητῶν αὐτοῦ· διδάσκαλε, ἴδε ποταποὶ λίθοι καὶ ποταπαὶ οἰκοδομαί. 2 ⸂καὶ ὁ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ⸃· βλέπεις ταύτας τὰς μεγάλας οἰκοδομάς; οὐ μὴ ἀφεθῇ °ὧδε λίθος ἐπὶ ⸀λίθον ὃς οὐ μὴ καταλυθῇ E saindo Jesus do templo, disse-lhe um de seus discípulos: Mestre, veja quão grandes pedras, e quão grandes construções! 2 E disse-lhe Jesus: Vê estas grandes construções? Certamente não ficará aqui pedra sobre pedra, que não seja derrubada. Como é possível ver, o paralelo entre a narrativa da figueira em Mc 11,12-14/ 19-23 (B (1)), e a da predição da queda do Templo em Mc 13,1-2 (B (2)) é marcado por uma série de inversões, contrastes narrativos e correspondências (discursivas, sintáticas e semântica), que se desenvolvem em pelo menos dois níveis narrativos, sendo o primeiro marcado pelas inversões e contrastes entre Mc 11,12-14 e 54 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica 13,1-2. Na perícope da figueira, o cenário sob o qual Jesus e seus discípulos se movimentam apresenta os seguintes elementos discursivos: (1) movimentação, (2) figueira, (3) folhas, (4) ausência de frutos e (5) oráculo de maldição. Καὶ ἐξελθόντων αὐτῶν saindo eles → ἀπὸ de → Βηθανίας (11,12) Betânia → Καὶ τῇ ἐπαύριον ← ἐκπορευομένου αὐτοῦ saindo ele ← ἐκ τοῦ do ← ἰδὼν συκῆν vendo a figueira ἀπὸ μακρόθεν de longe → ἔχουσαν φύλλα (11,13) tendo folhas → → ἴδε Veja ποταποὶ [2×] quão grandes λίθοι καὶ οἰκοδομαί (13,1) pedras e construções ἱεροῦ (13,1) Templo οὐδὲν εὗρεν εἰ μὴ φύλλα μηκέτι εἰς τὸν αἰῶνα ἐκ σοῦ μηδεὶς καρπὸν φάγοι (11,13-14) encontrou se não folhas nunca mais ninguém coma do seu fruto → → → (...) οὐ μὴ ἀφεθῇ ὧδε λίθος ἐπὶ ⸀λίθον ὃς οὐ μὴ καταλυθῇ (13,2) certamente não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada A contraparte em Mc 13,1-2 encontra correspondência na (1’’) movimentação inversa em relação ao Templo, uma vez que a saída de Betânia era em direção ao Templo em Jerusalém (Mc 11,16), enquanto na predição da queda do Templo temos a movimentação inversa, em oposição absoluta.73 Se em Mc 11,13 a figueira constitui o principal elemento discursivo, em Mc 13,1-2 é o Templo que exerce essa função (2’’), fornecendo o paralelo a partir do qual se deve interpretar a maldição da figueira. Dessa forma, em Mc 11,12-14 os personagens saem e veem a figueira e, em ralação partitiva com ela, suas folhas; já em Mc 13,1-2 os mesmos personagens saem e veem as grandes pedras e construções, que estão na mesma relação sintática com o Templo em relação às folhas da figueira74. No terceiro elemento de equivalência discursiva (3’’), temos “pedras e edifícios”, que não somente estão em ralação paralela com as “folhas” da figueira, como também apresentam correspondência verbal e sintática75: “ἴδε ἡ συκῆ/ veja a figueira”, em Mc 11,21, e “ἴδε ποταποὶ λίθοι/ veja que grandes pedras”, em Mc 13,1; é importante ressaltar que o termo ποταπός “sotolinea a maravilhosa qualidade e grandeza das pedras e dos edifícios”76, qualificando tanto a grandeza das 73 MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 192-193. MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 197-198; PESCH, R., Il vangelo di Marco, p. 406. 75 MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 188-189. 76 PESCH, R., Il vangelo di Marco, p. 406. 74 55 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica pedras como dos edifícios77, sobretudo das pedras herodianas, que “mesmo ainda hoje continuam a impressionar por seu tamanho e fomato”78. O oráculo de maldição (5) relaciona-se com o oráculo de julgamento (5’’), criando uma equivalência de gênero literário79, reforçada pelo uso enfático da negação em Mc 11,14 (“μηκέτι/ ninguém” [....] “μηδεὶς/ jamais”) e Mc 13,2 (“οὐ μὴ/ certamente não” [...] “οὐ μὴ/ certamente não”, caracterizando que “não resta a menor dúvida”80 de que tudo será destruído/demolido81. Não obstante as pedras revelarem tanto a robustez como a suntuosidade e a beleza do edifício do Templo82, algo realmente “belo e luxuoso”83, magnificente, impressionante e grandioso, pensado para ser algo inabalável e eterno, o Mestre revela que tudo é frágil e irá em ruína84. Para se ter uma ideia de sua grandiosidade, bataria ver o que sobrou de seus muros, o hoje chamado “Muro das Lamentações”, com suas enormes e pesadíssimas pedras85. Um detalhe importante na relação paralela entre ambos os textos, é que a falta de uma contraparte discursiva para a ausência de frutos em Mc 11,13 – o quarto elemento narrativo do episódio da figueira–, fornece a chave hermenêutica para a compreensão do juízo promulgado contra o Templo em Mc 13,2: a causa da queda do Templo é a ausência de frutos de justiça. Como já fora dito, em Marcos o episódio da figueira é divido em dois, com a perícope da purificação do Templo (Mc 11,15-18) inserida entre a primeira e a segunda parte. No entanto, a segunda parte do episódio da figueira (Mc 11,19-23), retoma o paralelismo com Mc 13,1-2 em um novo nível discursivo, avançando o desenvolvimento dos elementos discursivos da primeira parte (Mc 11,12-14) para o estágio final da narrativa da figueira, e inserindo novos elementos ao paralelismo com Mc 13,1-2. O primeiro elemento discursivo (1’) aparece em estreita relação de continuidade com Mc 11,12: a movimentação de Jesus e seus discípulos, agora saindo da “πόλεως/ cidade”, nesse caso, Jerusalém. É a mesma movimentação de afastamento do Templo de Mc 13,1-2, em um nível mais abrangente: a cidade. Aqui, percebe-se uma nítida evolução narrativa entre os três paralelos: em Mc 11,12 77 PÉREZ MILLOS, S., Marcos, p. 1225; SOARES, S. A. G.; CORREIA JUNIOR, J. L.; OLIVA, J. R., Marcos, p. 421. 78 STANDAERT, B., Marco, p. 669. 79 MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 197. 80 GNILKA, J., El Evangelio Según San Marcos: Mc 8,27–16,20, p. 213. 81 MYERS, C., O Evangelho de São Marcos, p. 386; PÉREZ MILLOS, S., Marcos, p. 1227; GRASSO, S., Vangelo di Marco, p. 307. 82 MARCUS, J., Mark 8-16, p. 868; SOARES, S. A. G.; CORREIA JUNIOR, J. L.; OLIVA, J. R., Marcos, p. 421. 83 MAZZAROLO, I., Evangelho de Marcos, p. 254. 84 ODEN, T. C.; HALL, C. A. (ed)., Evangelio Según San Marcos, p. 243-244; GNILKA, J., El Evangelio Según San Marcos: Mc 8,27–16,20, p. 213; MYERS, C., O Evangelho de São Marcos, p. 385; MARCUS, J., Mark 8-16, p. 871; 85 MARCUS, J., Mark 8-16, p. 868; PÉREZ MILLOS, S., Marcos, p. 1224-1225. 56 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica Jesus sai de Betânia, em Mc 11,19 Jesus sai da cidade de Jerusalém, em Mc 13,1 Jesus sai do Templo. O segundo elemento discursivo é a figueira (2’), que em Mc 11,19-23 aparece sob as condições decorrentes da maldição que lhe fora lançada: não se veem mais nem as suas folhas, apenas sua raiz seca (3’). Sua ausência de frutos permanece um elemento implícito (4’), já consumado, o que gera um novo elemento discursivo: a perplexidade de Pedro, em evidente sobreposição com o ar de estranha perplexidade dos mesmos discípulos em relação às pedras do Templo de Mc 13,1 (marcada pela equivalência verbal discursiva em “λέγει/ disse”, pelo uso do vocativo “ἴδε/ veja” e pelos sinônimos “ῥαββί/ mestre” e “διδάσκαλε/ mestre”)86. A relação discursiva com o Templo de Mc 13,1-2 é bem clara: a figueira seca “desde a raiz” é a representação consumada do que se tornará o Templo, do qual não restará “pedra sobre pedra”. Dois novos elementos aparecem em Mc 11,22-23: a “fé em Deus” e “este Monte”, ambos surgindo como resposta à perplexidade de Pedro (v.21), cuja surpresa traz ao discurso o elemento da “fé”. Não é sem razão que, no paralelismo com Mc 13,1-2, o imperativo “ἔχετε πίστιν θεοῦ/ tenham fé em Deus” aparece na mesma posição discursiva que a pergunta de Jesus em Mc 13,2: “βλέπεις ταύτας τὰς μεγάλας οἰκοδομάς;/ vê estas grandes construções?”. Nesse caso, a “fé em Deus” contrasta com a “contemplação das pedras”87. O segundo novo elemento, “este Monte”, também surge em razão da perplexidade de Pedro ao ver a figueira seca, existindo aqui um considerável grau de comparação discursiva: com fé em Deus, o mesmo que se fez com a figueira poderá ser feito com todo “este Monte”. Ao saírem para fora da cidade, o Monte sobre o qual estava o Templo certamente ficava mais visível88. Não se trata de qualquer monte, mas “τῷ ὄρει τούτῳ/ este Monte”. A narrativa é construída para fornecer esse efeito: a figueira, o Monte e o Templo são os elementos principais dos três paralelos, todos os três ligados por um oráculo de julgamento/maldição, com uso extensivo de hipérbole89. Essas correspondências encontram paralelismos no nível do discurso, na semântica e na sintaxe: 86 MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 191-192. MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 191-193 88 HORSLEY, R. A., Jesus e o Império, p. 102. 89 MEYNET, R., Rhetorical Analysis, p. 197. 87 57 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica Καὶ E Καὶ E ὅταν ὀψὲ ἐγένετο sendo já tarde → λέγει αὐτῷ· [ὁ Πέτρος ] Disse-lhe Pedro → λέγει αὐτῷ εἷς τῶν μαθητῶν αὐτοῦ· Disse-lhe um dos discípulos καὶ ἀποκριθεὶς E respondeu καὶ ὁ Ἰησοῦς E ὃς ἂν εἴπῃ o que disser ἐξεπορεύοντο ἔξω saíram para fora → ἐκπορευομένου αὐτοῦ saindo ele ῥαββί, Mestre → διδάσκαλε, Mestre ὁ Ἰησοῦς λέγει αὐτοῖς Jesus disse-lhes ← ← εἶπεν αὐτῷ· Jesus disse-lhe. τῷ ὄρει τούτῳ· a este Monte → τῆς da → ἐκ τοῦ do πόλεως (Mc 11,19) cidade ἱεροῦ (13,1) Templo ἴδε ἡ συκῆ (11,21) veja a figueira → ἴδε ποταποὶ λίθοι καὶ ποταπαὶ οἰκοδομαί (13,1) veja que grandes pedras [...] construções ἔχετε πίστιν θεοῦ (11,22) tenham fé em Deus ← βλέπεις ταύτας τὰς μεγάλας οἰκοδομάς; (13,2) Vê estas grandes construções? ἄρθητι καὶ βλήθητι εἰς τὴν θάλασσαν (11,23) joga-se e lança-se ao mar → → (μεγάλας οἰκοδομάς) οὐ μὴ ἀφεθῇ ὧδε λίθος ἐπὶ λίθον ὃς οὐ μὴ καταλυθῇ grandes construções não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada (13,2) Dessa forma, então, vê-se que o quiasmo é estruturado sobre uma ampla correspondência nos níveis do discurso e da sintaxe, mas também por referências semânticas e de oposição. Essa estrutura também permite entender a ausência de alguns componentes narrativos em uma das partes e a ambiguidade em outros componentes, que fora dessa estrutura permaneceriam desconexos. Dessa forma, se em Mc 13,1-2 não se esclarece o porquê da destruição do Templo, a contraparte quiástica preenche a lacuna, fazendo referência à ausência (adv. “εἰ μὴ/ senão”) de frutos. Ajusta também a dificuldade de interpretar, dentro do contexto maior da narrativa, a menção ao Monte (locativo definido, “τῷ ὄρει τούτῳ/ a este Monte”) que se lança ao mar, isto é, na estrutura do quiasmo, pode-se claramente ver o contraste que prediz a destruição do Templo, fornecendo um elo narrativo de interpretação. Essas ausências e ambiguidades são partes características da retórica semítica, daí a necessidade de uma leitura mais analítica do texto bíblico. 7. Análise do uso do Antigo Testamento Uma vez demonstrada a relação paralela entre o oráculo de maldição em Mc 11,12-14; 19-23 e o oráculo de predição em Mc 13,1-2, é preciso saber se ambos os textos se utilizam de fontes comuns ou distintas entre si. Ao passo que uma 58 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica mesma fonte poderia favorecer a estrutura paralela90, alusões ou citações muito fora de contexto aumentariam a distância redacional. A análise das tradições subjacentes em Mc 13,1-2 indicou um grau considerável de continuidade nos oráculos e predições anti-Templo na literatura judaica (Jr 7,4-15; 26,9; 17-19; Dn 9,26; Testamento de Levi 16,4). Da mesma forma, a figueira encerra em si mesma um elemento literário importante na tradição bíblica, sendo comum a menção literal da figueira como fruto e/ou sinônimo comum de prosperidade ou rendimento básico (4Rs 18,31; 1Mac 14,12), ou como símbolo de riqueza em tempos messiânicos (Jl 2,22). Assim, Os 9,10 fala de Israel como fruto de figueira em contraste com o desvio pelo qual se tornaram “abomináveis”; Hab 3,17 e Mq 7,1 transmitem uma mesma tradição em que a ausência de frutos na figueira aparece num cenário escatológico de juízo. Esse último uso do termo é o que parece transmitir o episódio em que Jesus lança um oráculo contra a figueira (Mc 11,12-14; 19-23), mas se for esse o caso, não se trata de uso explícito do AT91, mas apenas reminiscências de linguagem e vocabulário, traçadas intertextualmente pelo leitor92. Além disso, essa continuidade não explicaria o tom do discurso, que traz um oráculo de maldição aparentemente impróprio93, isto é, o texto deixa claro que o motivo da ausência de frutos encontrava-se na estação (Mc 11,13)94, transferindo propositalmente a chave de interpretação para outro contexto, aparentemente perdido entre o evento real (o que quer que tenha sido) e o processo redacional95. Alguns estudiosos tentaram identificar o episódio da figueira como um empréstimo da linguagem profética de juízo contra o Templo96, percebendo na estrutura redacional de Mc 11-12 um quiasmo em que os episódios da figueira e de purificação do Templo constituem o centro narrativo, essa estrutura estaria fazendo uso da imagem da figueira dentro do contexto escatológico do Antigo Testamento97, em continuidade com a citação composta de Is 56,7 e Jr 7,11 em Mc 11,1798. No entanto, ao olharmos o evento redacional do episódio da figueira à luz de sua ralação com Mc 13,1-2, podemos identificar um uso comum do AT, em Ag 2,15-19: 15 Então, agora, coloquem isso em vossos corações, desde este dia em diante, antes de colocar pedra sobre pedra (θεῖναι λίθον ἐπὶ λίθον) no Templo do Senhor (ναῷ Κυρίου). 16 Quem vós éreis quando lançavam vinte medidas de 90 MEYNET, R., Treatise on biblical rhetoric, p. 255-256; BEALE, G. K. Manual do uso do AT no NT, p. 111. 91 MEYNET, R., Treatise on biblical rhetoric, p. 254. 92 MEYNET, R., Treatise on biblical rhetoric, p. 256. 93 MEYNET, R., Treatise on biblical rhetoric, p. 256. 94 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 155. 95 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 151. 96 BEALE, G. K.; CARSON, D. A. (Orgs), Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo, p. 261. MARCUS, J., Mark 8-16, p. 872-873. 97 BEALE, G. K.; CARSON, D. A. (Orgs), Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo, p. 261. 98 BEALE, G. K.; CARSON, D. A.,(Orgs), Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo, p. 262-265. 59 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica cevada no recipiente do cereal e tornava-se em dez? E quando entravam no lagar para retirarem cinquenta medidas, e tornavam-se vinte? 17 Eu castigo a vós (ἐπάταξα ὑμᾶς) e as obras de vossas mãos: esterilidade (ἀφορίᾳ), praga e granizo. E não voltastes para mim — diz o Senhor. 18 Porém, sujeitem os vossos corações desde este dia em diante. Desde o vigésimo quarto dia do nono mês, desde o dia em que o templo do Senhor foi fundado, colocai isto nos vossos corações: 19 Se alguma coisa na eira se tornar reconhecível, e se a vinha, a figueira (συκῆ), a romãzeira e as oliveiras que não estão dando fruto, tornarem-se reconhecíveis: deste dia em diante, vos abençoarei99. O contexto persa da redação de Ageu100 reflete o conturbado início do reinado de Dario I (Ag 1,1), momento mais prolífico do messianismo literário que inundaria a expectativa e o imaginário judaico do período subsequente. Porém, em Ageu, talvez mais do que em qualquer outro lugar, o messianismo (tipificado em Zorobabel) está intrinsecamente relacionado com a reconstrução do Templo (“λίθον ἐπὶ λίθον/ pedra sobre pedra”, Ag 2,15)101 e a reversão da desastrosa situação do pós-exílio (“οὐ φέροντα καρπόν/ não estão dando fruto” v.19) numa dramática mudança de castigo/benção (“ἐπάταξα ὑμᾶς/ eu vos castigo” e “εὐλογήσω/ eu vos abençoo”, vv.17 e 19). O texto de Ag 2,15 é explicitamente citado em Mc 13,2102, com o uso da mesma expressão em referência às pedras do Templo (“λίθον ἐπὶ λίθον/ pedra sobre pedra”)103. Mas a referência ao texto de Ageu remete também ao paralelo discursivo no episódio da figueira, uma vez que Ag 2,19 também menciona a figueira (“συκῆ/ figueira”) e a ausência de frutos (“οὐ φέροντα καρπόν/ não estão dando fruto”) que se dá em razão de um juízo divino (“ἐπάταξα ὑμᾶς/ eu vos castigo”, v.17). Pode-se argumentar que, nesse caso, não há uma referência clara em Mc 13,1-2 e em Mc 11,12-14/19-23 ao contexto de benção em Ageu 2,15-19, e a menção a “λίθος ἐπὶ λίθον/ pedra sobre pedra” em Mc 13,2 não pode se referir a Ag 2,15 porque enquanto este fala de construção (“θεῖναι/colocar, construir”), aquele se refere à destruição (“καταλυθῇ/ seja destruída”). No entanto, a forma como o AT é citado no NT frequentemente inclui um uso retórico do contexto veterotestamentário104, sendo que aqui há especificamente um uso irônico do contexto de Ag 2,15-19105. Assim, o uso irônico de Ag 2,15-19 consiste (1) na forma como a redação marcana subverte o contexto de inspiração a construir o Templo em Ag 2,15-19 para o prenúncio de sua queda em Mc 13,1-2, numa estreita relação de oposição (“θεῖναι colocar/destruir”; “καταλυθῇ/ seja destruída”) e (2) pelo 99 SWEET, H. B. (Ed.), The Old Testament in Greek: According to the Septuagint. (tradução nossa) 100 RÖMER, T; MACCHI, J. D.; NIHAN, C. (Orgs), Antigo Testamento, p. 548. 101 MARCUS, J., Mark 8-16, p. 871; COLLINS, A. Y., Mark, p. 602. 102 BEALE, G. K., Manual do uso do AT no NT, p. 56. 103 BEALE, G. K., Manual do uso do AT no NT, p. 58-59. 104 BEALE, G. K., Manual do uso do AT no NT, p. 110-111. 105 BEALE, G. K., Manual do uso do AT no NT, p. 127. 60 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica contraste entre a bênção (Ag 2,19, em hebraico, no TM: “‫אֲבָ ֵ ֽרְך‬/ benção”; LXX: “εὐλογήσω/ abençoo”) e a maldição (Mc 11,21, “κατηράσω/ amaldiçoou”), em relação ao mesmo cenário de ausência de frutos (“οὐ φέροντα καρπόν/ não estão dando fruto”, Ag 2,19; “οὐδὲν εὗρεν εἰ μὴ φύλλα/ não tendo senão folhas”, Mc 11,13). Assim, o uso comum de Ag 2,15-19 endossa a justaposição entre Mc 11,12-14; 19-23 e Mc 13,1-2. 8. Comentários Mc 13,1 – O texto de Mc 13,1 começa com uma cláusula de movimento, “ἐκπορευομένου αὐτοῦ/saindo ele”, na qual o genitivo absoluto cria uma ligação sintática com a cláusula precedente, fornecendo um elo que liga essa narrativa do Templo ao enredo maior de Mc 11–13106, com a intenção de demonstrar que a saída de Jesus é o fim das narrativas de conflito no recinto107. No dizer de Pohl, “Jesus sai para não voltar mais”108. Quando relacionado ao episódio da viúva (em que Jesus está dentro do Templo) e ao do discurso escatológico (em que ele está diante do Templo), a movimentação de Jesus ganha um novo significado teológico: a saída é o ponto concêntrico do julgamento contra um Templo que absorve todo o sustento das viúvas como a de Mc 12,40-44, querendo significar a ruptura absoluta com a assimetria das “grandes pedras”, refletindo de perto o oráculo de Jr 7,1-15, no qual a ausência de justiça com “o estrangeiro, o órfão e a viúva” (Jr 7,6) causará a queda Templo (Jr 7,14). Além disso, a movimentação de Jesus em relação ao Templo é parte importante do paralelismo com o episódio da Figueira e do Monte: em Mc 11,12 ele sai de Betânia e tece um oráculo contra a figueira; em Mc 11,19, ele sai da cidade e proclama um oráculo contra o Monte; finalmente, em Mc 13,1 ele sai do Templo e faz uma predição oracular contra suas suntuosas construções. Há claramente uma evolução entre os paralelos: a saída definitiva de Jesus ocorre numa crescente narrativa, e sua ruptura final não é consumada senão após um dramático confronto de idas e vindas. Em Mc 13,1, o termo grego usado para identificar o Templo é ἱερον, geralmente utilizado na literatura helenistica para templos a divindades gregas109, e, por isso, evitado pela LXX110, e na literatura judaica do séc. I a.C.111. O NT não faz a mesma distinção que a LXX ou judaísmo de seu tempo, de modo que, de forma geral, ἱερον é expressão comum para identificar o Templo112. Em Marcos, 106 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 296; STEIN, R. H. Jesus, the temple and the coming Son of Man p. 55. 107 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 295; STEIN, R. H. Jesus, the temple and the coming Son of Man p. 54. 108 POHL, A., Evangelho de Marcos, p. 255. 109 LIDDELL, H. G.; SCOTT, R., A Greek-English Lexicon, p. 822. 110 TAYLOR, B. A., Analytical lexicon to the Septuagint, p. 285. 111 KITTEL, G. et al., Dicionário teológico do Novo Testamento – vol. 1, p. 388. 112 LOUW, J. P.; NIDA, E. A., Léxico Grego-Português do Novo Testamento, p. 592. 61 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica no entanto, oito das nove ocorências aparecem na seção dos capítulos 11–13, na qual a oposição entre o ministério de Jesus e o Templo chega ao seu clímax, o que talvez indique uma propensão à mesma ressalva comum à literatura mais ampla do Judaísmo do Segundo Templo. Além disso, o senso de oposição ao Templo é acentuado com a descrição suntuosa de suas construções, de modo que a estrutura narrativa de Mc 13,1-2 surge a partir da afirmação espetaculosa do discípulo. Em um relato cronologicamente próximo à redação marcana, Josefo descreve a estrutura do Templo herodiano em termos tão grandiosos que não poderia ser comparado a nada que já existisse em Jerusalém: A frente desse soberbo edifício parecia a de um palácio real [...]. As pedras, de tamanho extraordinário (μεγέθη τῶν λίθων), faziam frente para fora e estavam ligadas entre si com ferro, por dentro, para que pudessem resistir a todas as injúrias do tempo. Depois que esse muro foi erguido, tão alto quanto o vértice do montículo, encheu-se todo o vazio que havia por dentro dele. Formou-se assim uma plataforma, cujo perímetro era de quatro estádios, pois cada uma das frentes tinha um estádio de comprimento, e havia um grande pórtico, colocado no meio dos dois ângulos113. O complexo de construções do Templo era tão vasto que interligava torres e construções através de pátios ligados ao edifício central, cuja soma das construções adjacentes “cobria cerca de 1/6 da antiga cidade de Jerusalém”114, no que não se pode menosprezar o ar admiração dos discípulos: “Mestre, veja quão grandes pedras e quão grandes construções!”115. É certo que, dada a divergência dos Sinóticos, pode-se ponderar até que ponto os detalhes de Mc 13,1 refletem com segurança as memórias do evento, mas, para a composição do autor, essa é a expressão de surpresa que acentua todo o furor de seu enredo: as “grandes pedras e grandes construções” erguem-se como resultado da corrupção do “covil de ladrões” (Mc 11,17), da injustiça dos que “devoram as casas das viúvas” (Mc 12,40) e da negligência do gazofilácio que recebe da viúva pobre “toda a sua vida” (Mc 12,44). Mc 13,2 – Embora a contundência do dito de Mc 13,2 seja constantemente contestada como ficção posterior aos eventos que culminaram com a queda do Templo, em 70 d.C., esse tipo de embate já era típico do ministério de Jesus116, que emprega um discurso já conhecido da profecia hebraica117, de forma que o tom apocalíptico de Mc 13,2 apenas leva a oposição ao seu ponto mais alto, 113 JOSEFO, F., História dos hebreus, p. 1001; JOSEFO, F., The Works of Josephus: Greek Text – vol. 3, p. 403. 114 LANE, W. L., The gospel of Mark, p. 402. 115 MATEOS, J.; CAMACHO, F., El Evangelio de Marcos, p. 287. 116 BALZ, H.; GERHARD, S., Exegetical Dictionary of the New Testament, vol. 2, p. 264. 117 LANE, W. L., The gospel of Mark, p. 402. 62 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica ressaltada em explícita ênfase pelo uso do acusativo plural “grandes construções”, que contrasta com a negação enfática “certamente não ficará aqui pedra sobre pedra”, o que não deixa nenhuma dúvida sobre a natureza e a extensão da destruição. Pensa-se, de forma equivocada, que a negação enfática com o aoristo subjuntivo, “οὐ μὴ ἀφεθῇ/certamente não ficará”), possui força sintática menor do que a negação com indicativo futuro, usada em Lc 21,6. No entanto, “enquanto ού + indicativo nega uma certeza, οὐ μή + subjuntivo nega uma potencialidade”118. O aoristo subjuntivo, além do mais, pode indicar inclusive uma tradição mais primitiva do dito, dado que o verbo futuro preferido na narrativa lucana, pode ter surgido para reforçar a profecia anterior ao evento. O segmento v.2d apresenta o último estágio do oráculo: “ὃς οὐ μὴ καταλυθῇ/que não seja derrubada”, trazendo novamente a marca da negação enfática119, mais uma vez com o aoristo subjuntivo, o que demonstra a insistência em colocar em relevo o caráter exaltado da afirmação. Como se demonstrou na análise retórica do texto, o dito de Mc 13,1-2 forma um paralelo quiástico em dois níveis com Mc 11,12-14 e Mc 11,19-23, no qual o Templo exerce um paralelo discursivo com a figueira (Mc 11,13-14) e o Monte (Mc 11,23). Como pondera Evans, a história da figueira “pode ter suas origens em uma parábola ‘encenada’ do ministério de Jesus, ou uma ação profética [...] cujo contexto original e/ou a chave interpretativa foi perdida”120. O nível de equivalência semântica e discursiva, no entanto, apontam que a chave hermenêutica se encontra no paralelo em quiasmo entre Mc 11,13-14/19-23 e Mc 13,1-2. Em ambos os casos, o gênero oracular imprime um forte tom de julgamento ao discurso: a figueira secará, o Monte se jogará ao mar e o Templo será destruído. Além da ampla equivalência, o paralelo possui uma alusão comum ao AT. Como um ponto característico da sátira oracular, os ditos de Jesus aludem de forma irônica a Ag 2,15-19. O contexto de Ageu, como a pesquisa bem apontou em sua Análise do uso do AT, reflete a intensa situação de reversão do caos em benção (“ἐπάταξα ὑμᾶς/ eu vos castigo”, Ag 2,17; “εὐλογήσω/ eu vos abençoo”, Ag 2,19) e expectativa pela construção do que viria a ser o Segundo Templo judaico. A alusão feita pela sobreposição da maldição da figueira e da predição de queda do Templo soa extremamente irônica: as mesmas pedras colocadas nos alicerces da construção do Templo (“λίθον ἐπὶ λίθον/ pedra sobre pedra”, Ag 2,15), agora serão derrubadas uma por uma (“οὐ μὴ ἀφεθῇ ὧδε λίθος ἐπὶ λίθον/ certamente não ficará aqui pedra sobre pedra”); a mesma “συκῆ/figueira”, que esperava-se “tornar-se reconhecível” (Ag 2,19), agora secará “ἐξηραμμένην ἐκ ῥιζῶν/ desde a raíz” (Mc 11,20). Como linguagem apocalíptica, a ênfase na hipérbole e 118 WALLACE, D. B., Gramática grega, p. 468. 119 LOUW, J. P.; NIDA, E. A., Léxico Grego-Português do Novo Testamento, p. 76. 120 EVANS, C. A., Mark 8:27–16:20, p. 151. 63 Palavra de Deus na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica na ironia é de se esperar, mas isso, além de reforçar a equivalência retórica, torna o tom do discurso ainda mais enfático. Em nenhum outro lugar do Evangelho de Marcos sua redação soa tão incisiva quanto na sobreposição desses ditos e no uso irônico de Ag 2,15-19, que fornecem a chave hermenêutica para a leitura dos oráculos de maldição à luz das injustiças do Templo. Considerações finais A presente pesquisa buscou fazer uma aproximação exegética ao texto de Mc 13,1-2, servindo-se, em grande medida, do Método Histórico-Crítico, que possibilitou a este trabalho uma análise mais pormenorizada das constituições diacrônicas do texto. Não obstante, a principal contribuição da pesquisa se deu no emprego, em conjunto com o Método Histórico-Crítico, da Análise Retórica Bíblica Semítica, que ampliou a perspectiva do texto em sentido síncrono, possibilitando uma melhor compreensão da dinâmica retórica de Mc 13,1-2. A segmentação do texto forneceu os primeiros parâmetros sobre os quais a pesquisa pôde avançar, fornecendo um mapa visual da movimentação verbal e linguística do texto em questão. Em seguida, a tradução de Mc 13,1-2 demonstrou-se de imprescindível relevância para o trabalho, em especial, na medida em que se obteve uma aproximação mais pormenorizada à língua constituinte, garantindo também uma melhor compreensão semântica e filológica. A crítica textual, então, servindo-se dos passos metodológicos da segmentação e tradução, expôs os principais problemas de variantes e erros de transmissão de Mc 13,1-2, o que permitiu uma compreensão das fontes textuais. Em um segundo momento metodológico, a pesquisa avançou sobre a análise do pré-texto, isto é, uma aproximação às tradições orientadoras da redação. Como se pode constatar, o texto de Mc 13,1-2 retoma, em sentido contínuo, como foco121, as tradições proféticas da literatura hebraica. Consciente das tradições subjacentes, a crítica da constituição do texto ampliou consideravelmente a perspectiva exegética da pesquisa, uma vez que demonstrou tanto a coesão interna de Mc 13,1-2, quanto a relação contextual, e de movimento, com o contexto imediato anterior, localizado no episódio da viúva pobre (Mc 12,41-44), e posterior, no discurso escatológico (Mc 13,3-37). Seguindo o processo metodológico, a crítica da redação evidenciou, em sinopse, as convergências e divergências entre os paralelos sinóticos de Mc 13,1-2, sinalizando não só as características redacionais da redação marcana, como as ênfases de orientação teológica e literária. Em seguida, a análise do gênero encontrou formas literárias típicas do oráculo de julgamento, com uso de linguagem apocalíptica, o que levou a pesquisa a uma leitura mais consciente do padrão literário e da forma como o texto se impõe ao leitor. 121 COLLINS, A. Y., Mark, p. 600. 64 Capítulo II | Marcos 13,1-2 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica Uma parte considerável da pesquisa, então, se dedicou à Análise Retórica Bíblica Semítica, evidenciando a segmentação interna de Mc 13,1-2, a estrutura em quiasmo de Mc 11,1-13,27 e, dentro da estrutura, a relação paralela entre Mc 11,13-14/19-23 e Mc 13,1-2. Na segmentação interna, pode-se notar um alto grau de estilo e estética literária, através da qual pode-se perceber a movimentação retórica entre “o Templo”, “as construções” e as “pedras sobre pedras”. Da mesma forma, a identificação do quiasmo disposto em Mc 11,1-13,27 garantiu à pesquisa uma análise muito mais pormenorizada da estrutura retórica da seção maior do texto investigado, fornecendo vários elementos da proposta redacional do autor, o que auxiliou na compreensão de Mc 13,1-2. Enfim, o paralelo entre Mc 11,13-14/19-23 e Mc 13,1-2 levou a pesquisa ao seu momento mais exitoso, uma vez que a justaposição entre os episódios da figueira, do Monte e do Templo estabeleceu uma chave hermenêutica para se interpretar as lacunas discursivas que, de outro modo, tornam-se superficiais. No último estágio metodológico da pesquisa, a Análise do uso do AT no NT estabeleceu um parâmetro confiável sobre o qual investigar o uso alusivo de Ag 2,15-19 na estrutura paralela de Mc 11,13-14/19-23 e Mc 13,1-2. Embora o emprego do método ainda não seja tão popularizado, forneceu elementos concretos sobre os quais estabelecer uma relação intencional de alusão irônica a um texto do AT, a partir dos quais a pesquisa não só pôde endossar a justaposição entre os oráculos de Mc 11,13-14, Mc 19-23 e Mc 13,1-2, como também perceber seu referencial teológico, sociopolítico e religioso, no caso, no uso irônico de Ag 2,15-19. Em síntese, a pesquisa espera ter contribuído não só para a bibliografia de Mc 13,1-2, como também para o emprego em conjunto do Método Histórico-Crítico, da Análise Retórica Bíblica Semítica e da Análise do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. Como ficou demonstrado, os resultados da conjugação destes métodos são de estrema relevância para exegese e a teologia bíblica, possibilitando obter bons resultados para a atuação pastoral da Igreja, em seus mais variados níveis de vivência do Evangelho hoje, procurando ler sempre os “sinais dos tempos”, em vista do Reino de Deus. Referências bibliográficas BALZ, H. R.; GERHARD, S. Exegetical Dictionary of the New Testament, vol. 2. Grand Rapids: William B, 1994. BEALE, G. K.; CARSON, D. A. (Orgs). Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2014. BEALE, G. K. Manual do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento: exegese e interpretação. São Paulo: Vida Nova, 2016. BLOMBERG, C. L. 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