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PROTECÇÃO INTERNACIONAL DE BENS CULTURAIS

2023, Protecção Internacional de Bens Culturais, In: Dário Moura Vicente et al. (eds.), ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE DIREITO INTERNACIONAL 953-955 (Publicações Dom Quixote 2023).

A protecção internacional de bens culturais no DI evoluiu historicamente sobretudo através do direito da guerra, culminando com o desenvolvimento de uma obrigação

PROTECÇÃO INTERNACIONAL DE BENS CULTURAIS Lucas Lixinski A protecção internacional de bens culturais no DI evoluiu historicamente sobretudo através do direito da guerra, culminando com o desenvolvimento de uma obrigação costumeira para não atacar ou destruir patrimônio cultural em tempos de guerra. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e criação da UNESCO, criou-se um mandato internacional claro para proteção da cultura em DI, particularmente o patrimônio cultural. O mandato da UNESCO no campo da cultura foi desde o princípio conectado com o preceito, na Constituição da organização, de promover paz mundial através de maior entendimento entre os povos, e cooperação no campo cultural. Essa conexão entre paz e cultura fez que o primeiro instrumento internacional sob a égide da UNESCO no campo de patrimônio cultural, bem como o primeiro instrumento de caráter universal dedicado exclusivamente ao patrimônio cultural, tenha sido a Convenção da Haia sobre a Proteção de Propriedade Cultural no Evento de Conflito Armado (1954). Esse instrumento, que foi suplementado já por dois protocolos (de 1954 e 1999, respectivamente) cria um regime de proteção especial para certos bens da mais alta importância para a humanidade, e defende que a perda de patrimônio cultural de um país representa uma perda para toda a humanidade. Há portanto um forte espírito internacionalista nesse instrumento. Esse espírito internacionalista foi revisitado em parte com a Convenção sobre a Exportação, Importação e Transferência de Propriedade Ilícitas de Patrimônio Cultural (1970), que protege o patrimônio cultural móvel de países por sua importância para a cultura nacional. Esse tratado foi criado por pressão de países que haviam sido recentemente descolonizados, e que queriam o retorno de seus bens culturais, como ferramenta para consolidar identidade nacional, e também como recurso económico a ser explorado. Esse tratado lida com as questões interestatais de restituição de patrimônio cultural ilicitamente exportado após a entrada em vigor da Convenção para o Estado parte, mas não lida com os temas de direito privado relacionados ao título de propriedade. Essa questão foi considerada demasiado controversa em 1970, e em 1995 o UNIDROIT revisitou a matéria, com a Convenção do UNIDROIT sobre Objetos Culturais Roubados ou Exportados Ilegalmente. Essa Convenção, ao tentar conciliar abordagens de países de tradição romano-germânica com países de tradição anglo-saxônica, acabou sendo relativamente pouco ratificada. Também na década de 1970, a UNESCO aprovou a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural Mundial (1972). Esse tratado, o mais importante sob a égide da UNESCO e um dos tratados mais ratificados do mundo, é o instrumento mais influente com relação a patrimônio cultural. Existem mais de mil sítios do patrimonio cultural ao redor do mundo, todos os quais têm «valor universal excepcional», que é o critério principal para inscrição na Lista do Patrimônio Mundial. Esse tratado, criado com muita influência do movimento ambientalista internacional dos anos 1970, divide o patrimônio entre natural e cultural. O patrimônio mundial natural tende a ser tratado de maneira mais científica, enquanto o patrimônio mundial cultural, embora também tratado de forma científica, dê mais atenção a questões de política de identidade. A cientificidade no tratamento do patrimônio cultural na Convenção do Patrimônio Mundial se reflete também na Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático (2001). Essa convenção, relativamente pouco ratificada, foi criada para eliminar a possibilidade de exploração de naufrágios por caçadores de tesouros. Por isso, dá preferência para a conservação in situ, e exclui atores que não têm conhecimento ou interesse científico no patrimônio cultural. Esse é um dos motivos pelos quais a Convenção é pouco ratificada. Em contrapartida, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003), revoluciona o DI sobre o tema ao propor que comunidades são centrais para o processo de salvaguarda de patrimonio cultural, e que o patrimônio cultural deve ser protegido não por um valor universal excepcional (que privilegia uma estética eurocêntrica), mas por sua representatividade para uma determinada comunidade. Apesar dessas promessas, o instrumento ainda é excessivamente deferente a interesses estatais, e não alcança seu potencial pleno. Mas é um tratado de grande sucesso, tendo sido ratificado por mais de 160 Estados nos primeiros 13 anos de sua operação. Adicionalmente aos tratados indicados acima, existe também um grande número de Declarações e outros instrumentos de soft law sob a égide da UNESCO. E, mais além dos fóruns de aspiração universal, existem múltiplos instrumentos e iniciativas regionais capitaneados por organizações como a OEA, a UA, a UE, a CAN e o COE. Cada uma dessas iniciativas regionais avança propósitos diferentes com relação ao patrimônio cultural, mas em geral visam a promover maior integração de suas respectivas regiões. BIBLIOGRAFIA Blake, Janet, International Cultural Heritage Law, Oxford University Press, 2015; Chechi, Alessandro, The Settlement of International Cultural Heritage Disputes, Oxford University Press, 2014; Dromgoole, Sarah, Underwater Cultural Heritage and International Law, Cambridge University Press, 2013; Forrest, Craig, International Law and the Protection of Cultural Heritage, Routledge, 2010; Francioni, Francesco, The 1972 World Heritage Convention: A Commentary, Oxford University Press, 2008; Lixinsky, Lucas, Intangible Cultural Heritage in International Law, Oxford University Press, 2013; O’Keefe, Roger, The Protection of Cultural Property in Armed Conflict, , Cambridge University Press, 2006; Vrdoljak, Ana Filipa, International Law, Museums, and the Return of Cultural Objects, Cambridge University Press, 2006.