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Comentando algumas histórias da psicologia

2018, Clio-Psyché: discursos e práticas na história da psicologia

Abstract

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UNIDADE V outras h i s t ó r i a s …

Capítulo 19 Comentando algumas histórias da psicologia

Alexandre de Carvalho Castro

Em Inventing our selves: psychology, power, and personhood, texto elaborado a partir do que foi originalmente uma palestra, Nikolas Rose procedeu a algumas ponderações históricas, afirmando que o século XX pode ser entendido como sendo o século da psicologia. Muitos estudiosos concordam com ele, e a razão pela qual aludo a esse autor é que a série de textos aqui comentados ilustram, ainda que em tênues linhas gerais, o que Rose (2008) quis enfatizar.

De fato, muito embora constituam temáticas diferentes, esses capítulos sobre enquadramentos diversos da psicologia -de políticas públicas à difusão das neurociências; da desinstitucionalização italiana à reforma psiquiátrica brasileira -, ainda que elaborados como capítulos isolados, mantêm pontos de conexão relevantes, principalmente pelo fio condutor que pode ser derivado do viés histórico. Ademais, os protagonistas dessas investigações -destacadamente o estadunidense William James , o suíço C. G. Jung , o alemão Walter Blumenfeld (1882-1967), a brasileira Nise da Silveira (1905-99) e o argentino Miguel Rolando Covian (1913-1992) -tomaram parte, uns mais outros menos, desse século sugestivamente nomeado como psicológico por Nikolas Rose.

Há de se notar que os textos também mostram a história de saberes psicológicos que não se constituíram univocamente, mas em fluxos sócio-históricos e geográficos, em trajetórias entrecruzadas, em migrações, transições e viagens. Em fins dos anos 1970, por exemplo, Franco Basaglia veio ao Brasil para uma série de intervenções e seminários que muito contribuíram para o desenvolvimento da reforma da política de saúde mental brasileira. Anos depois, brasileiros fizeram o caminho de volta como voluntários em Trieste. Miguel Rolando Covian se mudou da Argentina para o Brasil, e ficou. Walter Blumenfeld fugiu da Alemanha nazista para o Peru, onde permaneceu. Mas William James, que também veio para a América do Sul, preferiu retornar.

Os referidos capítulos igualmente mostram a história de saberes psicológicos, cujas análises, críticas e apropriações se constituíram multifacetadamente por meio de diálogos e de ideias compartilhadas em muitos escritos. Com aproximações, é fato, mas também distanciamentos, pois, se em um psiquiatra italiano -Franco Basaglia -há luz, em outro -Ugo Cerletti -o que se nota é uma iluminação às avessas.

Realmente, o processo compreensivo na ciência psicológica é dinâmico, o que implica a investigação das distintas contribuições na produção de discursos diante da relação histórica construída dialogicamente. Assim, em "A influência de William James sobre a obra de C. G. Jung", vemos que Jung se apropriou de James, mas, em "Proximidade entre os procedimentos terapêuticos de Nise da Silveira e os princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica", percebemos que Nise se apropriou de Jung. Autores que se cruzam, leituras que se sobrepõem.

Uma palavra ainda pode ser dada sobre "A atuação e a importância do psicólogo nas políticas públicas de violência doméstica", cujo teor evidencia a trajetória histórica da luta dos movimentos feministas, no Brasil, em busca de uma legislação contra a violência doméstica. Aspecto, aliás, expressamente relevante, uma vez que a ênfase sobre tais políticas públicas pouco aparece nas grades curriculares de cursos de Psicologia.