SESSÃO TEMÁTICA Nº 02 - CRIMINALIDADE, SEGURANÇA
PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS
A monitoração eletrônica de pessoas e a utilização do argumento
da redução de gastos na construção das agendas no Congresso
Nacional
Renata Gomes da Silva/Mestranda na UFBA
Daniel Nicory do Prado/UFBA
Resumo:
A monitoração eletrônica de pessoas em conflito com a lei no Brasil é incorporada
na legislação nacional no ano de 2010. Desde o primeiro projeto de lei sobre o
assunto se utilizou do argumento de redução de custos na justificação. No entanto,
segundo o levantamento do DEPEN de 2015, 16,74% das pessoas monitoradas se
encontravam em livramento condicional ou saída temporária, hipóteses em que
não havia gastos com controle anteriormente. O objetivo deste trabalho é analisar
os projetos de lei que tramitam ou tramitaram no Congresso Nacional
relacionados à monitoração eletrônica e analisar o uso do argumento de redução
de gastos públicos. Para tanto, foi feita a análise documental de 88 projetos de lei
que versam sobre o tema com o uso das palavras-chave ‘monitoração eletrônica’,
‘dispositivo eletronico’ e ‘rastreamento eletrônico’. O argumento da eficiência nos
custos é usado na maioria dos projetos mesmo que não haja conexão com a
solução que se apresenta, parece haver uma importação acrítica de modelos do
exterior que influenciam os projetos, mas distorcem o uso quando da formulação
nacional. Ressalta-se que os Estados saíram à frente da aprovação da legislação
federal de 2010 e, atualmente, também fazem uso da monitoração eletrônica além
dos limites fixados nacionalmente, como no ‘regime semiaberto harmonizado’,
em que presos do regime semiaberto sem vagas são monitorados eletronicamente.
Palavras-chave: Monitoração eletrônica. Prisão. Agenda. Congresso Nacional.
ANEPCP
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENSINO E
PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS
INTRODUÇÃO
A monitoração eletrônica de pessoas em conflito com a lei é introduzida na legislação
federal pela Lei nº 12.258/2010. Mas já havia sido utilizada em Estados como a Paraíba em
2007 e São Paulo em 2008 (CORRÊA JR, 2012).
Essa primeira lei alterou a Lei de Execuções Penais (lei nº 7.210/1984) e tratou do uso
da monitoração nas autorizações de saída e na prisão domiciliar. Posteriormente, foi aprovada a
lei nº 12.403/2011 que, ao introduzir medidas cautelares diversas da prisão a serem aplicadas
conjuntamente com a liberdade provisória, possibilitou que a monitoração eletrônica fosse uma
delas.
Antes e depois dos projetos de lei que foram aprovados, diversos outros foram
apresentados nas duas casas legislativas federais se utilizando de diversos argumentos para o
convencimento dos congressistas no prosseguimento das matérias.
Esse trabalho se centrará no uso do argumento da diminuição de custos na formação da
agenda no Congresso Federal em relação à monitoração eletrônica de pessoas.
METODOLOGIA
Foram analisados todos os projetos de lei que utilizaram a expressão “Monitoração
eletrônica” em pesquisa nos sites da Câmara dos Deputados (https://www.camara.leg.br/) e do
Senado Federal (https://www12.senado.leg.br/hpsenado). A partir desse levantamento, dos 5
projetos de lei no Senado e dos 92 da Câmara foram selecionados os que tratavam do
monitoramento de pessoas em conflito com a lei, resultando em 3 e 60 respectivamente. A
pesquisa dos termos “rastreamento eletrônico”, “vigilância eletrônica” e “dispositivo eletrônico”
acrescentaram 25 novos projetos à pesquisa, totalizando 88 projetos de lei analisados.
Excluíram-se resultados que diziam respeito ao funcionamento da monitoração, como
penas para danos no equipamento, e nos casos de ‘botão do pânico’, em que há a
disponibilização de equipamento para pedido de ajuda das vítimas e não para a monitoração do
agressor.
A partir desses projetos, foram analisadas as justificações apresentadas pelos autores
para o convencimento sobre a importância dos projetos e verificado se os argumentos
envolviam a redução de gastos públicos. A justificação é o momento em que o congressista
esclarece os motivos pelos quais ele imagina que o projeto deva ser aprovado pelos seus pares.
FORMAÇÃO DA AGENDA
2
A formulação da solução ‘monitoração eletrônica’ parece ter se adiantado diante de
problemas não formulados publicamente ou pelo menos não amadurecidos sob essa perspectiva.
Isso faz com que o argumento da redução de gastos fortaleça o peso político da proposta, que
não necessariamente resolve essa questão. A agenda não é organizada racionalmente por meio
de uma construção de problemas que são desenvolvidos e trazem soluções adequadas, ao
contrário:
Thus participants do not first identify problems and then seek solutions
for them; indeed, advocacy of solutions often precedes the highlighting
of problems to which they become attached. Agendas are not first set
and then alternatives generated; instead, alternatives must be advocated
for a long period before a short-run opportunity presents itself on an
agenda. (KINGDON, 2014, p. 205-6) 1
Elementos que dificilmente ficam visíveis, como o lobby de empresas, e outros mais
perceptíveis, como as iniciativas nos governos locais, são fatores que influenciam o envio de
projetos, bem como fundamentam as justificações, fortalecendo a argumentação das propostas,
mesmo que não se conectem às soluções apresentadas. Na construção das agendas é relevante a
representação do problema:
La representación no es un dado objectivo. Es una construcción que
resulta del conjunto de las luchas que los actores sociales y políticos
para imponer una lectura de un problema de que sea la más ventajosa
posible para sus intereses (entendidos en un sentido amplio). La
definición de lo que se puede “problematizar” está ligado de manera
íntima a esta representación y es el resultado de la tensión entre el ser
como construcción objetivada y el deber ser. (DEUBEL, 2002, p. 58) 2
Apesar de haver uma discussão jurídica acerca de competências, já que apenas à União
cabe legislar sobre direito penal (art. 22, I da Constituição Federal), estados como São Paulo se
utilizam da possibilidade de criar legislação concorrente sobre direito penitenciário (art. 24, I da
Constituição Federal) para implementar seus projetos de monitoração.
Em 2007, na Paraíba, um juiz de direito fez uma espécie de projeto piloto sem nenhum
amparo legal e, posteriormente, foi convidado a apresentá-lo em audiências públicas no
Tradução livre: Assim, os participantes não identificam primeiro os problemas e então procuram
soluções para eles; na verdade, a defesa de soluções frequentemente precede o destaque dos problemas
aos quais elas estão vinculadas. As agendas não são primeiro definidas e, em seguida, alternativas geradas;
em vez disso, alternativas devem ser defendidas por um longo período antes que uma oportunidade de
curto prazo se apresente em uma agenda.
1
Tradução livre: A representação não é um dado objetivo. É uma construção que resulta do conjunto das
lutas que os atores sociais e políticos para impor uma leitura de um problema de que seja a mais vantajosa
possível para seus interesses (entendidos em um sentido amplo). A definição do que se pode
“problematizar” está ligado de maneira íntima a esta representação e é o resultado da tensão entre o ser
como construção objetivada e o dever ser.
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Congresso Nacional, conforme ele mesmo relata em Isidro (2017). Minas Gerais, Alagoas e
Pernambuco também desenvolveram testes sem regulamentação (ITTC, 2015).
Isso demonstra que, apesar da disputa de competências entre União e estados, há uma
influência mútua entre as agendas dos diferentes níveis porque, entre outros motivos, o assunto
passa a aparecer em meios de comunicação de massa; atores novos, como empresas que
fabricam os equipamentos3, passam a existir e influenciar as políticas públicas.
A monitoração eletrônica, ao contrário dos estabelecimentos prisionais, é fornecida por
empresas privadas exclusivamente, ou seja, pode haver interesse econômico dessas empresas
em ampliar hipóteses de monitoração e números de monitorados.
Nesse sentido, importante mencionar o conceito utilizado por muitos intelectuais
americanos de complexo industrial prisional:
O termo “complexo industrial-prisional” foi introduzido por ativistas e
estudiosos para contestar a crença predominante de que o aumento dos níveis
de criminalidade era a principal causa do crescimento das populações
carcerárias. Na realidade, argumentaram, a construção de prisões e a eventual
necessidade de ocupar essas novas estruturas com corpos humanos foram
guiadas por ideologias racistas e pela busca desenfreada de lucro. (DAVIS,
2018, p. 91-2)
Ainda sobre o termo, Davis (2018, p.115) acrescenta: “O complexo industrial-prisional,
portanto, é muito mais do que a soma de todas as cadeias e prisões do país. É um conjunto de
relações
simbióticas
entre
comunidades
correcionais,
corporações
transnacionais,
conglomerados de mídia, sindicatos de guardas e projetos legislativos e judiciais.”
O conceito é importante politicamente na formação das lutas abolicionistas e críticas
acerca da prisão, mas também é relevante na teorização sobre quem são os atores que
influenciam e buscam influenciar as decisões a respeito de como se restringem as liberdades por
meio do direito penal.
MONITORAÇÃO ELETRÔNICA
A monitoração eletrônica no Brasil consiste na implantação de dispositivos eletrônicos,
em geral tornozeleiras, que permitem o controle sobre as pessoas monitoradas.
A maior fornecedora de equipamentos, por exemplo, a Spacecom informa em seu site que começou a
estudar soluções em segurança pública para sentenciados em livramento condicional a partir de 2005, ou
seja, antes mesmo de qualquer experiência no país, começando a fornecer para o Estado de São Paulo em
2010: Disponível em: https://www.spacecom.com.br/sobre/. Acesso em 25 jul.2021.
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4
Apesar de existirem leis que prevejam a possibilidade de implantação de chips
subcutâneos, como a lei estadual nº5.530/2009 do Rio de Janeiro, não há notícia de tal prática.
Há utilização de dispositivos que permitem conhecer a localização por meio do sistema de
posicionamento global.
A monitoração se insere num contexto de transformação das formas do controle social
que ainda que sejam extramuros sempre tem a prisão como referência:
Desse modo, os nexos entre as práticas de rastreamento penal e a prisão
propriamente dita são reafirmados mediante a ameaça de regressão de regime.
O confinamento permanece como horizonte a ser evitado e condição de
aplicação do controle eletrônico em meio aberto, já que é a iminência ou a
virtualidade do cárcere que deve garantir o cumprimento das regras impostas
judicialmente, relativas ao itinerário e zonas de circulação do indivíduo
monitorado. É nesse sentido, portanto, que o monitoramento telemático
figura como anexo virtual – dispositivo inserido no complexo maquínico
formatado pelo sistema penal, gravitando em torno de seu eixo principal
constituído pela prisão-prédio, fixada como possibilidade permanente.
(CAMPELLO, 2016, p. 6-7)
Defendida por muitos como alternativa ao encarceramento, a monitoração também pode
ampliar o controle para um maior número de pessoas, algumas das quais “imune” às prisões,
pulverizar a vigilância e apenas modernizar novas formas de opressão. E ainda há a
preocupação de que o uso da monitoração seja estendido socialmente no futuro, como aborda
Jackie Wang:
Although tagging and other surveillance technologies—which are already
being used in many states—are usually discussed as an “everyone-wins”
alternative (states save money, convicts have more freedoms), we may
inadvertently be authorizing the birth of a more all encompassing police state.
It is possible that the surveillance technologies initially developed to use on
prisoners—whether biometric identification technology or tracking devices—
will one day be used on nearly everyone. (WANG, 2018, p. 40)4
É importante se pensar na monitoração eletrônica não apenas como uma tecnologia que
pode trazer novas possibilidades ao Estado e aos prisioneiros, mas também como mais um
mecanismo de controle de populações racializadas e que tem maior potencial de difusão que os
limites das cadeias físicas.
PROJETOS APROVADOS
4
Tradução livre: Embora a monitoração e outras tecnologias de vigilância - que já estão sendo usadas em
muitos estados - sejam geralmente discutidas como uma alternativa "todos-ganham" (estados
economizam dinheiro, condenados têm mais liberdade), podemos inadvertidamente estar autorizando o
nascimento de um estado policial mais abrangente. É possível que as tecnologias de vigilância
inicialmente desenvolvidas para uso em prisioneiros - seja tecnologia de identificação biométrica ou
dispositivos de rastreamento - um dia serão usadas em quase todos.
5
A lei que alterou a Lei de Execuções Penais surgiu do projeto de lei nº 175/2007 e se
utilizou do argumento de economia de recursos públicos:
Muitos argumentos favoráveis à utilização desse tipo controle penal
são trazidos à baila, tais como a melhoria da inserção dos condenados,
evitando-se a ruptura dos laços familiares e a perda do emprego, a luta
contra a superpopulação carcerária e, além do mais, economia de
recursos, visto que a chamada “pulseira eletrônica” teria um custo de
22 euros por dia, contra 63 euros por dia de detenção. (...) Dessa forma,
conclamamos os ilustres pares à aprovação deste projeto, que, se
aprovado, permitirá a redução de custos financeiros para com os
estabelecimentos penitenciários, a diminuição da lotação das prisões e
a maior celeridade na ressociabilização do apenado.
No entanto, apesar do Projeto prever a monitoração apenas para o regime aberto,
durante a tramitação foi sendo modificado e ao final a lei incluiu entre as possibilidades de
monitoração eletrônica: a saída temporária no regime semiaberto e a prisão domiciliar. No
entanto, nesses dois casos, não havia qualquer controle sobre as pessoas anteriormente: não se
justificando como redução de gastos porque nenhum gasto anterior existia.
Ainda em relação ao regime aberto da proposta original, cabe uma observação: apesar
da previsão legal de cumprimento da pena em Casas de Albergado ou estabelecimento adequado
(artigo 33, §1º, c do Código Penal), a falta desses estabelecimentos em diversos estados da
federação levou a uma expansão do regime domiciliar previsto no artigo 117 da Lei de
Execuções Penais, movimento que se consolida com a publicação da Súmula Vinculante nº 565
do Supremo Tribunal Federal em 2016, que possibilita ao sentenciado a prisão domiciliar na
falta do estabelecimento adequado. A súmula também possibilitou o uso da monitoração para
presos do regime semiaberto e aberto que não estivessem em estabelecimento adequado, o que
foi regulamentado por alguns estados.
Na construção da agenda no Congresso Nacional houve uma confluência de grupos que
não costumam concordar:
De qualquer maneira, orquestraram-se os discursos em favor da instituição
do controle telemático de presos no Brasil, afinados entre aquelas que
pretendiam expandir o controle penal e os que apresentavam o dispositivo
pelo viés humanitário, sob o argumento de desafogar o sistema prisional,
reduzindo a superpopulação carcerária. Observa-se uma transversalidade de
discursos que trafegam e modulam-se entre políticos declaradamente
defensores do recrudescimento penal e policial - a chamada “bancada da
bala” - e defensores dos direitos humanos que almejam a reforma da prisao.
O resultado passa a ser a dilatação horizontal e vertical do sistema penal,
Súmula Vinculante 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados
no RE 641.320/RS.
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por meio da expansão elástica de medidas punitivas em meio aberto
atreladas ao transbordamento das prisões. (CAMPELLO, 2013, p. 149-150)
O projeto que deu origem a essa lei sofreu um veto presidencial que teria potencial para
redução de gastos: dispensando pessoas do regime aberto do retorno ao estabelecimento no
período noturno e nas folgas. Outros vetos reduziram potenciais gastos que seriam adicionados
com a sanção como a utilização da monitoração no livramento condicional, na fiscalização
indireta de decisões judiciais, na limitação de horários ou de frequência a determinados lugares
e na suspensão condicional da pena. A justificativa do veto se baseou justamente na redução dos
gastos com as políticas penais.
Já a Lei nº 12.403/2011, que incluiu a monitoração eletrônica entre as medidas
cautelares diversas da prisão, se inicia com o projeto de Lei nº 4.208/2001 de autoria do
Executivo. Nessa lei, é incluída a monitoração em um substitutivo, quando o projeto passa pelo
Senado, em 2008.
Enquanto a mudança da Lei de Execuções Penais deixa bastante claro em quais casos há
maior gasto, a aplicação da monitoração eletrônica como cautelar pode introduzir mais ou
menos controle e custos a depender do caso concreto. A utilização deste instrumento em
detrimento da prisão preventiva tem potencial de economia de gastos. Todavia, em substituição
à aplicação da liberdade provisória, ela pode ser um ônus ampliado ao Estado, que no modelo
anterior não teria qualquer gasto com um indivíduo livre. Ou seja, além do desenho da política
pública, a implementação vai variar de acordo com as decisões dos juízes e a disponibilização
dos equipamentos pelos governos estaduais e federal.
O Protocolo I da Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça destaca essa
questão da aplicação da monitoração, apenas em substituição à prisão provisória:
Efetiva alternativa à prisão provisória: A aplicação da monitoração eletrônica
será excepcional, devendo ser utilizada como alternativa à prisão provisória e
não como elemento adicional de controle para autuados que, pelas
circunstâncias apuradas em juízo, já responderiam ao processo em liberdade.
Assim, a monitoração eletrônica, enquanto medida cautelar diversa da prisão,
deverá ser aplicada exclusivamente a pessoas acusadas por crimes dolosos
puníveis com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos
ou condenadas por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado,
ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal Brasileiro,
bem como a pessoas em cumprimento de medidas protetivas de urgência
acusadas por crime que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, sempre de
forma excepcional, quando não couber outra medida cautelar menos gravosa.
No entanto, as resoluções do Conselho Nacional de Justiça não vinculam as decisões
dos magistrados, já que tal limite não está na lei.
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Dessa forma, apesar do uso do argumento na justificação do Projeto, a inclusão da
monitoração eletrônica no ordenamento jurídico brasileiro possibilitou uma ampliação de gastos,
incluindo hipóteses em que não havia vigilância.
REDUÇÃO DOS GASTOS COMO ARGUMENTO
O primeiro projeto apresentado sobre a temática da monitoração eletrônica (nº
4342/2001), que previa a monitoração como pena restritiva de direitos e em substituição à
prisão preventiva, se utilizou do argumento da economia de recursos: “acrescente-se o benefício
financeiro, já que o Estado gastará menos com o sistema de monitoramento do que mantendo o
condenado encarcerado”.
A substituição da prisão preventiva reduziria os gastos, já a previsão da monitoração
como pena restritiva de direitos teria que trazer uma comparação com as outras penas do tipo e
não com as penas privativas de liberdade.
Dos 88 projetos analisados, 40 trazem argumentos referentes à economia de gastos com
a monitoração eletrônica, 46 não trazem e em dois projetos não foi possível encontrar essa
informação.
Se num primeiro momento, o argumento da economia de recursos públicos é
mobilizado para justificar a escolha pela monitoração utilizando-se da comparação com a prisão
em regime fechado, num segundo momento o argumento serve para legitimar a cobrança dos
custos pelos monitorados.
Dentro da discussão a respeito da reforma do sistema penal americano, Aviram (2015)
mobiliza o conceito “humonetarism” que também pode trazer mais elementos para a análise do
uso da redução de custos como argumento no Brasil. Seria uma preocupação humanitária
baseada em argumentos monetários ou fiscais, fazendo com que momentos de crise econômica
possam favorecer reformas progressistas.
No entanto, essa abordagem deve ser ponderada considerando-se que em muitos casos o
argumento não é verdadeiro e apenas é utilizado como retórica para apoio ao projeto. Além
disso, não se deve considerar apenas a formação da agenda e a formulação das políticas públicas
porque a implementação também é um momento de disputa, onde as justificativas originais não
necessariamente têm importância, onde há outros atores e interesses em competição.
No diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica indicou-se que a média do
custo de locação mensal da tornozeleira seria de R$267,92. No entanto, esse não é o custo total
da monitoração:
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A composição do custo dos serviços de monitoração eletrônica, como
indicado pelos gestores, deve compreender cálculos que considerem,
minimamente, as seguintes despesas: remuneração de servidores e
funcionários diversos; encargos sociais e trabalhistas; aluguel de imóvel para
a Central; impostos e contas de água, energia e telefone; manutenção predial;
material permanente; material de consumo; veículo; manutenção veicular;
formação e capacitação continuada dos servidores e demais funcionários.
(BRASIL, 2018, p. 10)
Ou seja, seria necessária uma estimação melhor apurada para fazer os comparativos,
além de considerar as comparações com as modalidades corretas como: regime aberto, penas
restritivas de direito, saídas temporárias sem supervisão.
Considerando-se que a escolha do tipo de equipamento utilizado no Brasil não é a mais
econômica, também deve-se analisar se realmente os custos são uma preocupação real:
“Equipamentos que utilizam a tecnologia de radiofrequência não são usados no país. Isso
amplia os custos aos cofres públicos porque a monitoração eletrônica operada por tecnologia
GPS é comparativamente mais cara do que a tecnologia de radiofrequência.” (BRASIL, 2018, p.
71).
É possível que a monitoração não impacte o encarceramento e cresça de forma paralela
a ele, incrementando o número de pessoas controladas pelo Estado e, consequentemente, o custo
dessa política e dos gastos com pessoas em conflito com a lei.
CUSTEIO PELO MONITORADO
A partir de 2015, 26 projetos tiveram como objetivo o custeio da monitoração ser
repassado aos próprios monitorados.
O projeto nº 8.459/2017, por exemplo, utiliza uma argumentação de recursos escassos
que não devem ser utilizados para criminosos:
É válido ressaltar que aqueles que estão sob cumprimento de pena
optaram pela prática criminosa e o Estado não pode ser conivente com
isso e onerar o contribuinte para custear esses equipamentos, devendo
impor àqueles que se colocaram à margem da sociedade e afrontaram
o ordenamento jurídico, que arquem com suas escolhas e paguem
pelos custos gerados para uso desses equipamentos de monitoramento
eletrônico.
Além dos custos elevados, utiliza-se a ideia de ser a monitoração um benefício, mesmo
quando utilizada em situações que anteriormente não previam controle anterior, como no
projeto de lei nº 10.685/2018:
Contudo, o sistema de monitoração eletrônica demanda um alto
investimento do Estado, que sabidamente não tem como financiar os
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custos dessa tecnologia para contemplar todas as pessoas beneficiadas
com a medida sem prejudicar o apoio a outras áreas que necessitam de
igual ou maior atenção estatal. (grifo nosso)
No projeto de lei nº 3.669/2019 isso fica ainda mais claro, indicando que o monitorado
deve custear a aquisição e manutenção do equipamento:
Nessa senda, não há como negar que a concessão do uso de
tornozeleira eletrônica confere ao infrator da legislação verdadeira
benesse, na medida em que retornará antecipadamente ao convívio
social. (grifo nosso)
Em outros projetos, como no projeto de lei nº 421/2019, são selecionados os crimes em
que o custeio pelo monitorado existirá, como em casos de corrupção:
Obtiveram o direito de ficarem em vossas luxuosas residências, sendo
monitorados por tornozeleiras eletrônicas. Por óbvio, quando um
condenado está dentro de uma prisão, esta deve ser custeada pelo
Estado. Afinal, é de responsabilidade pública punir, prender e buscar a
ressocialização do preso, custeando o sistema prisional. Agora, nos
casos de condenação por crime de corrupção, não vemos como
prosperar que os custos da monitoração eletrônica sejam de
responsabilidade do Estado brasileiro.
O projeto de lei nº 8.162/2017 determina que o monitorado deve custear três vezes o
valor do gasto para que dois terços do valor seja destinado ao Fundo Penitenciário Nacional, ou
seja, além do custeio do próprio equipamento, ele também auxiliará no custeio do sistema
penitenciário.
O projeto de lei nº 7.258/2017 possibilitou ao monitorado custear com trabalho a
monitoração, havendo impedimento do reconhecimento desse trabalho para fins de remição.
Essa tentativa de impor ao monitorado o custeio pela sua restrição de liberdade tem
potencial para, se somando à fiança, prestação pecuniária e pena de multa, ser um grave
empecilho para a liberdade de pessoas sem recursos financeiros. A falta de pagamento de penas
de multa leva a sérias restrições à vida de indivíduos em liberdade, como a continuidade da
suspensão dos direitos políticos. Essas soluções parecem desconsiderar a que camada social
pertencem as pessoas custodiadas no Brasil.
Segundo o censo Penitenciário do Estado do Ceará, 93,94% das pessoas encarceradas
que declararam renda na pesquisa têm renda familiar de até 3 salários mínimos (Estado do
Ceará, 2014, p. 90). Projetos de lei como o de nº 8.284/2017 desconsideram essa realidade do
sistema penitenciário brasileiro, usando casos anedóticos como a corrupção, para indicar que o
custo deve ficar com o monitorado.
Ainda que bastante equivocada, a proposta não é exatamente uma novidade. Atualmente
as famílias de pessoas custodiadas têm que garantir de produtos de higiene a alimentos nos
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conhecidos “jumbos”, o que claramente representa um repasse de responsabilidades que
deveriam ser estatais.
Esse custeio da monitoração tem diversos problemas e limites a começar com a
capacidade econômica dos custodiados no país passando pela tercerização de responsabilidades
do Estado ao próprio condenado ou acusado e chegando em situações em que essas medidas
exigindo dinheiro reencarceram ou impedem o desencarceramento de pessoas.
Em uma análise mais ampla da questão e considerando o pequeno acesso que pessoas
encarceradas têm ao trabalho no Brasil, esses custos vão sobrecarregar as famílias, fazendo com
que a pena vá além da pessoa condenada ou acusada. Conforme analisa Wang nos Estados
Unidos:
Criminal justice debt affects not only the individuals ensnared in the criminal
justice system but also their family members and loved ones, who sometimes
go into debt to pay for criminal justice–related fees and fines, or to
communicate with and financially support incarcerated loved ones. (Wang,
2018, p. 132)6
MONITORAÇÃO NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A partir de 2013, 22 projetos de lei passaram a prever a possibilidade de o acusado por
violência doméstica ser monitorado eletronicamente. Nesses casos, outros argumentos
predominaram, fazendo com que 17 desses projetos não mencionem os custos da monitoração.
Os projetos que tratam de monitoração para situações de violência doméstica,
especialmente para monitoração de homens acusados de agressão que saiam em liberdade
provisória ou que tenham medidas protetivas de urgência deferidas contra a aproximação deles
das mulheres, não costumam se amparar nos argumentos de gastos, tratando mais dos números
de crimes contras as mulheres e baixa efetividade das medidas protetivas em garantir a
segurança das vítimas.
O ARGUMENTO DE REDUÇÃO E OS PROJETOS DE LEI
Tradução livre: A dívida da justiça criminal afeta não apenas os indivíduos enredados no sistema de
justiça criminal, mas também seus familiares e entes queridos, que às vezes se endividam para pagar taxas
e multas relacionadas à justiça criminal ou para se comunicar e apoiar financeiramente entes queridos
encarcerados.
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Dos 40 projetos que utilizam a argumentação da redução de custos, alguns não
apresentam qualquer potencial de redução e outros variam entre reduzir e ampliar. Há ainda
projetos que apenas deslocam os custos para os monitorados.
No primeiro deles, o projeto de lei nº 4342/2001 é possível existir a redução dos gastos
porque permite a substituição da prisão preventiva, à escolha do custodiado. No entanto, a
monitoração também é prevista como pena restritiva de direitos, não sendo adequada a
comparação com os custos do encarceramento como é feita na justificação.
O PLS nº 175/2007 e o PL nº 641/2007 tem potencial de ampliação de gastos, já que o
primeiro prevê a monitoração no regime aberto e no livramento condicional. No regime aberto a
proposta não substitui as noites e fins de semana em que o custodiado passa nos
estabelecimentos, mas adiciona vigilância aos períodos que seriam fora. O segundo inclui ainda
a monitoração na limitação de fim de semana e na saída temporária, além das hipóteses do
primeiro.
O projeto nº 510/2007 estabelece a opção da pessoa entre a casa de albergado e a
monitoração, havendo potencial para a redução de custos. Nesse sentido também existe o
projeto de lei nº 3.648/2008 com previsão da substituição do regime aberto em estabelecimento
à monitoração eletrônica.
O projeto nº 165/2017 impõe monitoração nas condições obrigatórias do regime aberto,
na autorização de saída, no livramento condicional, no trabalho externo no regime semiaberto e
em substituição à prisão preventiva, exceto o último, todos com potencial de aumento de gastos.
Relevante destacar que as legislações podem ser aprovadas com pontos que incentivem o
desencarceramento que simplesmente não sejam implementadas justamente nesses pontos.
O projeto de lei nº 1.440/2007 previa a monitoração no regime aberto por decisão
judicial, vigilância indireta de penas restritivas de direitos, na suspensão condicional da pena, no
livramento condicional, na prisão domiciliar, na suspensão condicional do processo, na
autorização de saída, quando necessário, e na limitação de fim de semana quando não houvesse
a casa de albergado. Prevê ainda monitoração em lugar das prisões preventivas. No entanto, o
projeto possibilita o uso da monitoração em casos de liberdade incondicionada se sobrevierem
razões que justifiquem esse uso. Nesse caso, há margem para ampliação dos custos e do
controle sobre os indivíduos, que passam a ser monitorados.
O projeto de lei nº 583/2011 prevê que a União providenciará tornozeleiras eletrônicas
em casos de livramento condicional, regimes aberto e semiaberto, prisão domiciliar, saída
temporária, sujeitos à proibição de frequentar determinados lugares e em substituição à prisão
preventiva: mais uma vez há potenciais possibilidade de redução e de ampliação dos gastos.
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O projeto de lei nº 7.306/2014 prevê a monitoração eletrônica para adolescentes em
conflito com a lei cumprindo medidas socioeducativas de semiliberdade e internação com
atividades externas, ou seja, não apenas ampliando os gastos, mas também explorando além das
prisões de adultos.
O projeto de lei nº 7.056/2014, o projeto nº 1.119/2019 e o projeto nº 453/2019 prevêem
a monitoração eletrônica em medidas protetivas no contexto de violência doméstica e familiar
contra a mulher. O projeto de lei nº 1.337/2019 também faz essa previsão, mas impõe o
custeamento pelo acusado. O projeto de lei nº 311/2020 prevê a monitoração após flagrante de
violência contra a mulher com custeio pelo acusado e uma monitoração desde a condenação em
crimes relacionados até 12 anos depois do cumprimento da pena: o aumento de gastos nesse
caso é bastante grande, já que não há gastos do Estado previstos atualmente após o
cumprimento da pena.
O projeto de lei nº 5.999/2016, o projeto nº 5.913/2016, o projeto nº 5.861/2016, o
projeto nº 310/2016, o projeto nº 5.586/2016, o projeto nº 8.162/2017, o projeto nº 9.355/2017,
o projeto nº 8.284/2017, o projeto nº 7.258/2017, o projeto nº 8.164/2017, o projeto nº
6.965/2017, o projeto nº 9.402/2017, o projeto nº 1886/2019, o projeto nº 10.685/2018, o projeto
nº 7.221/2017, o projeto nº 3.669/2019, o projeto nº 421/2019, o projeto nº 2.041/2019, o
projeto nº 1.114/2019, o projeto nº 2.344/2021 e o projeto nº 2.264/2021 apenas repassam os
custos ao monitorado não prevendo novas situações de aplicação da monitoração.
O projeto de lei nº 8.459/2017 prevê monitoração para autorização de saída e prisão
domiciliar, duas medidas que aumentariam os custos, mas, ao mesmo tempo, busca evitar esse
custo adicional com o repasse deles aos monitorados. Situação semelhante acontece no projeto
de lei nº 2.392/2019.
O projeto de lei nº 9.174/2017 e o projeto de lei nº 8.727/2017 prevêem que pessoas que
celebrem acordos penais possam cumprir penas de regime fechado ou semiaberto em seu
próprio domicílio com monitoração eletrônica, nesse caso, além do incentivo aos acordos penais,
há potencial de redução de gastos que pode considerar a comparação com o regime fechado em
alguns casos.
O projeto de lei nº 7.301/2017 prevê a possibilidade de algumas pessoas cumprirem o
regime fechado ou semiaberto em domicílio. No entanto, ele voluntariamente tem que permitir
acesso a suas comunicações e correspondências, além de ser o responsável por custear essa
monitoração. Também prevê a prisão domiciliar com monitoração em substituição à prisão
preventiva. É possível que a necessidade de arcar com os custos da monitoração pessoal e
ambiental possa excluir boa parte das pessoas acusadas ou condenadas.
13
Em suma, verifica-se que em diversos projetos o uso da redução de gastos muitas vezes
mostra desconexão dos projetos com a justificação apresentada.
USO DA MONITORAÇÃO NO BRASIL
A implementação da monitoração eletrônica tem demonstrado que nem sempre há
redução de custos: segundo o Diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica, grande
parte dos monitorados não estariam presos:
No Brasil, 73,96% das pessoas monitoradas encontram-se em execução penal:
saída temporária (27,92%); regime semiaberto em prisão domiciliar (21,99%);
regime semiaberto em trabalho externo (16,05%); regime aberto em prisão
domiciliar (6,06%); regime fechado em prisão domiciliar (1,94%); livramento
condicional (0,09%). As medidas cautelares diversas da prisão (17,19%) e as
medidas protetivas de urgência (2,83%) que juntas somam apenas 20,02%
podem suscitar hipóteses que indicam a possibilidade de alternativa ao
encarceramento, mas a monitoração eletrônica nestes casos também pode
servir apenas como ferramenta para a ampliação do controle penal. (BRASIL,
2018, p. 60-1)
Em grande parte dessas hipóteses não havia controle anterior e as pessoas não estavam
encarceradas, ou seja, o custeio da monitoração aumentou os gastos públicos em comparação à
situação que existia anteriormente. As exceções seriam os casos de regime semiaberto, aberto e
fechado em prisão domiciliar e em alguns casos as medidas cautelares, se em substituição à
prisão preventiva.
Além das leis, a monitoração eletrônica também é dependente da disponibilidade
orçamentária dos governos estaduais e federal, havendo situações em que não é possível seu uso
por limitações financeiras como já aconteceu no Rio de Janeiro e Alagoas.7
Em outros estados houve restrições que não estavam na lei, devido à falta de
equipamentos, que tornava a regulamentação local mais restritiva nas hipóteses, como na Bahia,
onde mesmo havendo a legislação federal desde 2010, a inclusão das saídas temporárias foi feita
apenas no Provimento da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça da Bahia nº 08/2019 e
nesse momento apenas para 10% daqueles que tinham a saída deferida poderiam ser
monitorados.
7
G1. Por falta de pagamento, Justiça do Rio autoriza suspensão de serviço de empresa que monitora
tornozeleiras eletrônicas. Rio de Janeiro, 05 mar. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-dejaneiro/noticia/2020/03/05/por-falta-de-pagamento-justica-do-rio-autoriza-suspensao-de-servico-deempresa-que-monitora-tornozeleiras-eletronicas.ghtml. Acesso em 25 jul. 2021.
GazetaWeb. Reeducandos são soltos sem monitoramento por falta de tornozeleiras eletrônicas em
Alagoas. Maceió, 22 jul. 2021. Disponível em: https://www.gazetaweb.com/noticias/geral/reeducandosfora-soltos-sem-monitoramento-por-falta-de-tornozeleiras-eletronicas-em-alagoas/. Acesso em 25 jul.
2021.
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A monitoração eletrônica é apresentada pela primeira vez no Congresso Nacional em
2001, mas a aprovação da primeira lei em âmbito federal apenas se deu em 2010. Antes dessa
aprovação, estados passaram a utilizar a monitoração, trazendo à tona o assunto, com ou sem
parâmetros legais.
Desde o primeiro projeto se utiliza do argumento da redução de gastos públicos, que
tem apelo no espaço público, mas nem sempre ele é verdadeiro. Alguns projetos de lei
ampliaram o controle sobre os indivíduos e, consequentemente, os gastos públicos, impondo a
monitoração eletrônica em situações que antes permitiam ao indivíduo liberdade sem supervisão
como na saída temporária no regime semiaberto.
Percebe-se que num primeiro momento se utilizou do argumento da redução de gastos,
mas depois ele foi sendo mobilizado apenas para terceirizar os custos aos monitorados, não
sendo muito utilizado quando há outros argumentos que têm força retórica como o combate à
violência contra a mulher.
Fica claro que o argumento é utilizado mesmo quando o projeto amplia os gastos
públicos porque não há uma preocupação real, mas apenas uma justificativa para a apresentação
de uma solução, algumas vezes copiadas de outros projetos, de experiências no exterior ou sem
as fontes dos dados apresentados.
O perigo que o uso do argumento, muitas vezes falacioso, de redução de gastos em
soluções penais traz é que há o potencial de ampliação do controle estatal sobre os indivíduos,
fazendo com que mais pessoas sejam controladas, ainda que por meios que se proclamem mais
“baratos” que o encarceramento em regime fechado.
É claro que não é apenas a formação da agenda, a transformação do problema em
público e os argumentos usados nessa construção que influenciam como a política pública será
implementada. Mas esses argumentos passando a fazer parte do debate público e sendo
reconhecidos como válidos, mesmo que falsos no caso concreto, podem influenciar a
interpretação dos diplomas normativos e gerar esse aumento de gastos e de controle,
contraditoriamente ao que é amplamente declarado.
Além disso, a monitoração tem potencial para o controle de mais pessoas, além de ser,
por definição, um controle que se espalha socialmente, não ficando confinado às prisões, o que
traz novas questões ao entendimento do instrumento e todos os perigos a ele relacionados,
ressaltando-se a seletividade penal que já existe em termos de raça e classe. Situações que
15
permitem o desencarceramento são sempre bem vindas considerando-se todos os problemas
causados pelo cárcere, mas uma análise mais pormenorizada indica que, em muitos casos, a
monitoração pode apenas incrementar controle sobre situações que já estavam fora da prisão
anteriormente. Soma-se a isso a preocupação com os dados privados dos monitorados sob
controle de empresas privadas e as limitações às liberdades individuais disfarçadas de
alternativas penais.
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cautelares diversas da prisão e medidas protetivas de urgência, 2015
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de dezembro de 1940 - Código Penal, e a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de
Execução Penal, para alterar as regras do regime aberto e prever o rastreamento eletrônico de
condenado. Brasília, DF: Senado Federal, 2007.
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eletrônico de presos. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de
Execuções Penais e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal,
para estabelecer a obrigatoriedade dos presos, ou quem estiver cumprindo medida cautelar
determinada judicialmente, a custearem a utilização do dispositivo de monitoramento eletrônico,
e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2017.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei º 10.685/2018. Altera a Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para incluir em
16
sua competência as ações de indenização por danos materiais e morais contra as pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Brasília, DF:
Câmara dos Deputados, 2018.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei º 3.669/2019. Modifica a Lei nº 7.210, de 11
de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), com a finalidade de determinar ao preso a obrigação
de custear as despesas relativas à aquisição, bem como à manutenção, do dispositivo de
monitoração eletrônica. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº 421/2019. Altera o Decreto Lei nº 3.689, de
3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, para estabelecer que nos casos de condenação
nos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e corrupção ativa em transação comercial
internacional, e havendo decretação de monitoração eletrônica como medida cautelar diversa da
prisão, os custos serão de responsabilidade do condenado.
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