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Anais ENEPCP

2021, A monitoração eletrônica de pessoas e a utilização do argumento da redução de gastos na construção das agendas no Congresso Nacional

A monitoração eletrônica de pessoas em conflito com a lei no Brasil é incorporada na legislação nacional no ano de 2010. Desde o primeiro projeto de lei sobre o assunto se utilizou do argumento de redução de custos na justificação. No entanto, segundo o levantamento do DEPEN de 2015, 16,74% das pessoas monitoradas se encontravam em livramento condicional ou saída temporária, hipóteses em que não havia gastos com controle anteriormente. O objetivo deste trabalho é analisar os projetos de lei que tramitam ou tramitaram no Congresso Nacional relacionados à monitoração eletrônica e analisar o uso do argumento de redução de gastos públicos. Para tanto, foi feita a análise documental de 88 projetos de lei que versam sobre o tema com o uso das palavras-chave ‘monitoração eletrônica’, ‘dispositivo eletronico’ e ‘rastreamento eletrônico’. O argumento da eficiência nos custos é usado na maioria dos projetos mesmo que não haja conexão com a solução que se apresenta, parece haver uma importação acrítica de modelos do exterior que influenciam os projetos, mas distorcem o uso quando da formulação nacional. Ressalta-se que os Estados saíram à frente da aprovação da legislação federal de 2010 e, atualmente, também fazem uso da monitoração eletrônica além dos limites fixados nacionalmente, como no ‘regime semiaberto harmonizado’, em que presos do regime semiaberto sem vagas são monitorados eletronicamente.

SESSÃO TEMÁTICA Nº 02 - CRIMINALIDADE, SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS A monitoração eletrônica de pessoas e a utilização do argumento da redução de gastos na construção das agendas no Congresso Nacional Renata Gomes da Silva/Mestranda na UFBA Daniel Nicory do Prado/UFBA Resumo: A monitoração eletrônica de pessoas em conflito com a lei no Brasil é incorporada na legislação nacional no ano de 2010. Desde o primeiro projeto de lei sobre o assunto se utilizou do argumento de redução de custos na justificação. No entanto, segundo o levantamento do DEPEN de 2015, 16,74% das pessoas monitoradas se encontravam em livramento condicional ou saída temporária, hipóteses em que não havia gastos com controle anteriormente. O objetivo deste trabalho é analisar os projetos de lei que tramitam ou tramitaram no Congresso Nacional relacionados à monitoração eletrônica e analisar o uso do argumento de redução de gastos públicos. Para tanto, foi feita a análise documental de 88 projetos de lei que versam sobre o tema com o uso das palavras-chave ‘monitoração eletrônica’, ‘dispositivo eletronico’ e ‘rastreamento eletrônico’. O argumento da eficiência nos custos é usado na maioria dos projetos mesmo que não haja conexão com a solução que se apresenta, parece haver uma importação acrítica de modelos do exterior que influenciam os projetos, mas distorcem o uso quando da formulação nacional. Ressalta-se que os Estados saíram à frente da aprovação da legislação federal de 2010 e, atualmente, também fazem uso da monitoração eletrônica além dos limites fixados nacionalmente, como no ‘regime semiaberto harmonizado’, em que presos do regime semiaberto sem vagas são monitorados eletronicamente. Palavras-chave: Monitoração eletrônica. Prisão. Agenda. Congresso Nacional. ANEPCP ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENSINO E PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS INTRODUÇÃO A monitoração eletrônica de pessoas em conflito com a lei é introduzida na legislação federal pela Lei nº 12.258/2010. Mas já havia sido utilizada em Estados como a Paraíba em 2007 e São Paulo em 2008 (CORRÊA JR, 2012). Essa primeira lei alterou a Lei de Execuções Penais (lei nº 7.210/1984) e tratou do uso da monitoração nas autorizações de saída e na prisão domiciliar. Posteriormente, foi aprovada a lei nº 12.403/2011 que, ao introduzir medidas cautelares diversas da prisão a serem aplicadas conjuntamente com a liberdade provisória, possibilitou que a monitoração eletrônica fosse uma delas. Antes e depois dos projetos de lei que foram aprovados, diversos outros foram apresentados nas duas casas legislativas federais se utilizando de diversos argumentos para o convencimento dos congressistas no prosseguimento das matérias. Esse trabalho se centrará no uso do argumento da diminuição de custos na formação da agenda no Congresso Federal em relação à monitoração eletrônica de pessoas. METODOLOGIA Foram analisados todos os projetos de lei que utilizaram a expressão “Monitoração eletrônica” em pesquisa nos sites da Câmara dos Deputados (https://www.camara.leg.br/) e do Senado Federal (https://www12.senado.leg.br/hpsenado). A partir desse levantamento, dos 5 projetos de lei no Senado e dos 92 da Câmara foram selecionados os que tratavam do monitoramento de pessoas em conflito com a lei, resultando em 3 e 60 respectivamente. A pesquisa dos termos “rastreamento eletrônico”, “vigilância eletrônica” e “dispositivo eletrônico” acrescentaram 25 novos projetos à pesquisa, totalizando 88 projetos de lei analisados. Excluíram-se resultados que diziam respeito ao funcionamento da monitoração, como penas para danos no equipamento, e nos casos de ‘botão do pânico’, em que há a disponibilização de equipamento para pedido de ajuda das vítimas e não para a monitoração do agressor. A partir desses projetos, foram analisadas as justificações apresentadas pelos autores para o convencimento sobre a importância dos projetos e verificado se os argumentos envolviam a redução de gastos públicos. A justificação é o momento em que o congressista esclarece os motivos pelos quais ele imagina que o projeto deva ser aprovado pelos seus pares. FORMAÇÃO DA AGENDA 2 A formulação da solução ‘monitoração eletrônica’ parece ter se adiantado diante de problemas não formulados publicamente ou pelo menos não amadurecidos sob essa perspectiva. Isso faz com que o argumento da redução de gastos fortaleça o peso político da proposta, que não necessariamente resolve essa questão. A agenda não é organizada racionalmente por meio de uma construção de problemas que são desenvolvidos e trazem soluções adequadas, ao contrário: Thus participants do not first identify problems and then seek solutions for them; indeed, advocacy of solutions often precedes the highlighting of problems to which they become attached. Agendas are not first set and then alternatives generated; instead, alternatives must be advocated for a long period before a short-run opportunity presents itself on an agenda. (KINGDON, 2014, p. 205-6) 1 Elementos que dificilmente ficam visíveis, como o lobby de empresas, e outros mais perceptíveis, como as iniciativas nos governos locais, são fatores que influenciam o envio de projetos, bem como fundamentam as justificações, fortalecendo a argumentação das propostas, mesmo que não se conectem às soluções apresentadas. Na construção das agendas é relevante a representação do problema: La representación no es un dado objectivo. Es una construcción que resulta del conjunto de las luchas que los actores sociales y políticos para imponer una lectura de un problema de que sea la más ventajosa posible para sus intereses (entendidos en un sentido amplio). La definición de lo que se puede “problematizar” está ligado de manera íntima a esta representación y es el resultado de la tensión entre el ser como construcción objetivada y el deber ser. (DEUBEL, 2002, p. 58) 2 Apesar de haver uma discussão jurídica acerca de competências, já que apenas à União cabe legislar sobre direito penal (art. 22, I da Constituição Federal), estados como São Paulo se utilizam da possibilidade de criar legislação concorrente sobre direito penitenciário (art. 24, I da Constituição Federal) para implementar seus projetos de monitoração. Em 2007, na Paraíba, um juiz de direito fez uma espécie de projeto piloto sem nenhum amparo legal e, posteriormente, foi convidado a apresentá-lo em audiências públicas no Tradução livre: Assim, os participantes não identificam primeiro os problemas e então procuram soluções para eles; na verdade, a defesa de soluções frequentemente precede o destaque dos problemas aos quais elas estão vinculadas. As agendas não são primeiro definidas e, em seguida, alternativas geradas; em vez disso, alternativas devem ser defendidas por um longo período antes que uma oportunidade de curto prazo se apresente em uma agenda. 1 Tradução livre: A representação não é um dado objetivo. É uma construção que resulta do conjunto das lutas que os atores sociais e políticos para impor uma leitura de um problema de que seja a mais vantajosa possível para seus interesses (entendidos em um sentido amplo). A definição do que se pode “problematizar” está ligado de maneira íntima a esta representação e é o resultado da tensão entre o ser como construção objetivada e o dever ser. 2 3 Congresso Nacional, conforme ele mesmo relata em Isidro (2017). Minas Gerais, Alagoas e Pernambuco também desenvolveram testes sem regulamentação (ITTC, 2015). Isso demonstra que, apesar da disputa de competências entre União e estados, há uma influência mútua entre as agendas dos diferentes níveis porque, entre outros motivos, o assunto passa a aparecer em meios de comunicação de massa; atores novos, como empresas que fabricam os equipamentos3, passam a existir e influenciar as políticas públicas. A monitoração eletrônica, ao contrário dos estabelecimentos prisionais, é fornecida por empresas privadas exclusivamente, ou seja, pode haver interesse econômico dessas empresas em ampliar hipóteses de monitoração e números de monitorados. Nesse sentido, importante mencionar o conceito utilizado por muitos intelectuais americanos de complexo industrial prisional: O termo “complexo industrial-prisional” foi introduzido por ativistas e estudiosos para contestar a crença predominante de que o aumento dos níveis de criminalidade era a principal causa do crescimento das populações carcerárias. Na realidade, argumentaram, a construção de prisões e a eventual necessidade de ocupar essas novas estruturas com corpos humanos foram guiadas por ideologias racistas e pela busca desenfreada de lucro. (DAVIS, 2018, p. 91-2) Ainda sobre o termo, Davis (2018, p.115) acrescenta: “O complexo industrial-prisional, portanto, é muito mais do que a soma de todas as cadeias e prisões do país. É um conjunto de relações simbióticas entre comunidades correcionais, corporações transnacionais, conglomerados de mídia, sindicatos de guardas e projetos legislativos e judiciais.” O conceito é importante politicamente na formação das lutas abolicionistas e críticas acerca da prisão, mas também é relevante na teorização sobre quem são os atores que influenciam e buscam influenciar as decisões a respeito de como se restringem as liberdades por meio do direito penal. MONITORAÇÃO ELETRÔNICA A monitoração eletrônica no Brasil consiste na implantação de dispositivos eletrônicos, em geral tornozeleiras, que permitem o controle sobre as pessoas monitoradas. A maior fornecedora de equipamentos, por exemplo, a Spacecom informa em seu site que começou a estudar soluções em segurança pública para sentenciados em livramento condicional a partir de 2005, ou seja, antes mesmo de qualquer experiência no país, começando a fornecer para o Estado de São Paulo em 2010: Disponível em: https://www.spacecom.com.br/sobre/. Acesso em 25 jul.2021. 3 4 Apesar de existirem leis que prevejam a possibilidade de implantação de chips subcutâneos, como a lei estadual nº5.530/2009 do Rio de Janeiro, não há notícia de tal prática. Há utilização de dispositivos que permitem conhecer a localização por meio do sistema de posicionamento global. A monitoração se insere num contexto de transformação das formas do controle social que ainda que sejam extramuros sempre tem a prisão como referência: Desse modo, os nexos entre as práticas de rastreamento penal e a prisão propriamente dita são reafirmados mediante a ameaça de regressão de regime. O confinamento permanece como horizonte a ser evitado e condição de aplicação do controle eletrônico em meio aberto, já que é a iminência ou a virtualidade do cárcere que deve garantir o cumprimento das regras impostas judicialmente, relativas ao itinerário e zonas de circulação do indivíduo monitorado. É nesse sentido, portanto, que o monitoramento telemático figura como anexo virtual – dispositivo inserido no complexo maquínico formatado pelo sistema penal, gravitando em torno de seu eixo principal constituído pela prisão-prédio, fixada como possibilidade permanente. (CAMPELLO, 2016, p. 6-7) Defendida por muitos como alternativa ao encarceramento, a monitoração também pode ampliar o controle para um maior número de pessoas, algumas das quais “imune” às prisões, pulverizar a vigilância e apenas modernizar novas formas de opressão. E ainda há a preocupação de que o uso da monitoração seja estendido socialmente no futuro, como aborda Jackie Wang: Although tagging and other surveillance technologies—which are already being used in many states—are usually discussed as an “everyone-wins” alternative (states save money, convicts have more freedoms), we may inadvertently be authorizing the birth of a more all encompassing police state. It is possible that the surveillance technologies initially developed to use on prisoners—whether biometric identification technology or tracking devices— will one day be used on nearly everyone. (WANG, 2018, p. 40)4 É importante se pensar na monitoração eletrônica não apenas como uma tecnologia que pode trazer novas possibilidades ao Estado e aos prisioneiros, mas também como mais um mecanismo de controle de populações racializadas e que tem maior potencial de difusão que os limites das cadeias físicas. PROJETOS APROVADOS 4 Tradução livre: Embora a monitoração e outras tecnologias de vigilância - que já estão sendo usadas em muitos estados - sejam geralmente discutidas como uma alternativa "todos-ganham" (estados economizam dinheiro, condenados têm mais liberdade), podemos inadvertidamente estar autorizando o nascimento de um estado policial mais abrangente. É possível que as tecnologias de vigilância inicialmente desenvolvidas para uso em prisioneiros - seja tecnologia de identificação biométrica ou dispositivos de rastreamento - um dia serão usadas em quase todos. 5 A lei que alterou a Lei de Execuções Penais surgiu do projeto de lei nº 175/2007 e se utilizou do argumento de economia de recursos públicos: Muitos argumentos favoráveis à utilização desse tipo controle penal são trazidos à baila, tais como a melhoria da inserção dos condenados, evitando-se a ruptura dos laços familiares e a perda do emprego, a luta contra a superpopulação carcerária e, além do mais, economia de recursos, visto que a chamada “pulseira eletrônica” teria um custo de 22 euros por dia, contra 63 euros por dia de detenção. (...) Dessa forma, conclamamos os ilustres pares à aprovação deste projeto, que, se aprovado, permitirá a redução de custos financeiros para com os estabelecimentos penitenciários, a diminuição da lotação das prisões e a maior celeridade na ressociabilização do apenado. No entanto, apesar do Projeto prever a monitoração apenas para o regime aberto, durante a tramitação foi sendo modificado e ao final a lei incluiu entre as possibilidades de monitoração eletrônica: a saída temporária no regime semiaberto e a prisão domiciliar. No entanto, nesses dois casos, não havia qualquer controle sobre as pessoas anteriormente: não se justificando como redução de gastos porque nenhum gasto anterior existia. Ainda em relação ao regime aberto da proposta original, cabe uma observação: apesar da previsão legal de cumprimento da pena em Casas de Albergado ou estabelecimento adequado (artigo 33, §1º, c do Código Penal), a falta desses estabelecimentos em diversos estados da federação levou a uma expansão do regime domiciliar previsto no artigo 117 da Lei de Execuções Penais, movimento que se consolida com a publicação da Súmula Vinculante nº 565 do Supremo Tribunal Federal em 2016, que possibilita ao sentenciado a prisão domiciliar na falta do estabelecimento adequado. A súmula também possibilitou o uso da monitoração para presos do regime semiaberto e aberto que não estivessem em estabelecimento adequado, o que foi regulamentado por alguns estados. Na construção da agenda no Congresso Nacional houve uma confluência de grupos que não costumam concordar: De qualquer maneira, orquestraram-se os discursos em favor da instituição do controle telemático de presos no Brasil, afinados entre aquelas que pretendiam expandir o controle penal e os que apresentavam o dispositivo pelo viés humanitário, sob o argumento de desafogar o sistema prisional, reduzindo a superpopulação carcerária. Observa-se uma transversalidade de discursos que trafegam e modulam-se entre políticos declaradamente defensores do recrudescimento penal e policial - a chamada “bancada da bala” - e defensores dos direitos humanos que almejam a reforma da prisao. O resultado passa a ser a dilatação horizontal e vertical do sistema penal, Súmula Vinculante 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS. 5 6 por meio da expansão elástica de medidas punitivas em meio aberto atreladas ao transbordamento das prisões. (CAMPELLO, 2013, p. 149-150) O projeto que deu origem a essa lei sofreu um veto presidencial que teria potencial para redução de gastos: dispensando pessoas do regime aberto do retorno ao estabelecimento no período noturno e nas folgas. Outros vetos reduziram potenciais gastos que seriam adicionados com a sanção como a utilização da monitoração no livramento condicional, na fiscalização indireta de decisões judiciais, na limitação de horários ou de frequência a determinados lugares e na suspensão condicional da pena. A justificativa do veto se baseou justamente na redução dos gastos com as políticas penais. Já a Lei nº 12.403/2011, que incluiu a monitoração eletrônica entre as medidas cautelares diversas da prisão, se inicia com o projeto de Lei nº 4.208/2001 de autoria do Executivo. Nessa lei, é incluída a monitoração em um substitutivo, quando o projeto passa pelo Senado, em 2008. Enquanto a mudança da Lei de Execuções Penais deixa bastante claro em quais casos há maior gasto, a aplicação da monitoração eletrônica como cautelar pode introduzir mais ou menos controle e custos a depender do caso concreto. A utilização deste instrumento em detrimento da prisão preventiva tem potencial de economia de gastos. Todavia, em substituição à aplicação da liberdade provisória, ela pode ser um ônus ampliado ao Estado, que no modelo anterior não teria qualquer gasto com um indivíduo livre. Ou seja, além do desenho da política pública, a implementação vai variar de acordo com as decisões dos juízes e a disponibilização dos equipamentos pelos governos estaduais e federal. O Protocolo I da Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça destaca essa questão da aplicação da monitoração, apenas em substituição à prisão provisória: Efetiva alternativa à prisão provisória: A aplicação da monitoração eletrônica será excepcional, devendo ser utilizada como alternativa à prisão provisória e não como elemento adicional de controle para autuados que, pelas circunstâncias apuradas em juízo, já responderiam ao processo em liberdade. Assim, a monitoração eletrônica, enquanto medida cautelar diversa da prisão, deverá ser aplicada exclusivamente a pessoas acusadas por crimes dolosos puníveis com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos ou condenadas por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal Brasileiro, bem como a pessoas em cumprimento de medidas protetivas de urgência acusadas por crime que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, sempre de forma excepcional, quando não couber outra medida cautelar menos gravosa. No entanto, as resoluções do Conselho Nacional de Justiça não vinculam as decisões dos magistrados, já que tal limite não está na lei. 7 Dessa forma, apesar do uso do argumento na justificação do Projeto, a inclusão da monitoração eletrônica no ordenamento jurídico brasileiro possibilitou uma ampliação de gastos, incluindo hipóteses em que não havia vigilância. REDUÇÃO DOS GASTOS COMO ARGUMENTO O primeiro projeto apresentado sobre a temática da monitoração eletrônica (nº 4342/2001), que previa a monitoração como pena restritiva de direitos e em substituição à prisão preventiva, se utilizou do argumento da economia de recursos: “acrescente-se o benefício financeiro, já que o Estado gastará menos com o sistema de monitoramento do que mantendo o condenado encarcerado”. A substituição da prisão preventiva reduziria os gastos, já a previsão da monitoração como pena restritiva de direitos teria que trazer uma comparação com as outras penas do tipo e não com as penas privativas de liberdade. Dos 88 projetos analisados, 40 trazem argumentos referentes à economia de gastos com a monitoração eletrônica, 46 não trazem e em dois projetos não foi possível encontrar essa informação. Se num primeiro momento, o argumento da economia de recursos públicos é mobilizado para justificar a escolha pela monitoração utilizando-se da comparação com a prisão em regime fechado, num segundo momento o argumento serve para legitimar a cobrança dos custos pelos monitorados. Dentro da discussão a respeito da reforma do sistema penal americano, Aviram (2015) mobiliza o conceito “humonetarism” que também pode trazer mais elementos para a análise do uso da redução de custos como argumento no Brasil. Seria uma preocupação humanitária baseada em argumentos monetários ou fiscais, fazendo com que momentos de crise econômica possam favorecer reformas progressistas. No entanto, essa abordagem deve ser ponderada considerando-se que em muitos casos o argumento não é verdadeiro e apenas é utilizado como retórica para apoio ao projeto. Além disso, não se deve considerar apenas a formação da agenda e a formulação das políticas públicas porque a implementação também é um momento de disputa, onde as justificativas originais não necessariamente têm importância, onde há outros atores e interesses em competição. No diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica indicou-se que a média do custo de locação mensal da tornozeleira seria de R$267,92. No entanto, esse não é o custo total da monitoração: 8 A composição do custo dos serviços de monitoração eletrônica, como indicado pelos gestores, deve compreender cálculos que considerem, minimamente, as seguintes despesas: remuneração de servidores e funcionários diversos; encargos sociais e trabalhistas; aluguel de imóvel para a Central; impostos e contas de água, energia e telefone; manutenção predial; material permanente; material de consumo; veículo; manutenção veicular; formação e capacitação continuada dos servidores e demais funcionários. (BRASIL, 2018, p. 10) Ou seja, seria necessária uma estimação melhor apurada para fazer os comparativos, além de considerar as comparações com as modalidades corretas como: regime aberto, penas restritivas de direito, saídas temporárias sem supervisão. Considerando-se que a escolha do tipo de equipamento utilizado no Brasil não é a mais econômica, também deve-se analisar se realmente os custos são uma preocupação real: “Equipamentos que utilizam a tecnologia de radiofrequência não são usados no país. Isso amplia os custos aos cofres públicos porque a monitoração eletrônica operada por tecnologia GPS é comparativamente mais cara do que a tecnologia de radiofrequência.” (BRASIL, 2018, p. 71). É possível que a monitoração não impacte o encarceramento e cresça de forma paralela a ele, incrementando o número de pessoas controladas pelo Estado e, consequentemente, o custo dessa política e dos gastos com pessoas em conflito com a lei. CUSTEIO PELO MONITORADO A partir de 2015, 26 projetos tiveram como objetivo o custeio da monitoração ser repassado aos próprios monitorados. O projeto nº 8.459/2017, por exemplo, utiliza uma argumentação de recursos escassos que não devem ser utilizados para criminosos: É válido ressaltar que aqueles que estão sob cumprimento de pena optaram pela prática criminosa e o Estado não pode ser conivente com isso e onerar o contribuinte para custear esses equipamentos, devendo impor àqueles que se colocaram à margem da sociedade e afrontaram o ordenamento jurídico, que arquem com suas escolhas e paguem pelos custos gerados para uso desses equipamentos de monitoramento eletrônico. Além dos custos elevados, utiliza-se a ideia de ser a monitoração um benefício, mesmo quando utilizada em situações que anteriormente não previam controle anterior, como no projeto de lei nº 10.685/2018: Contudo, o sistema de monitoração eletrônica demanda um alto investimento do Estado, que sabidamente não tem como financiar os 9 custos dessa tecnologia para contemplar todas as pessoas beneficiadas com a medida sem prejudicar o apoio a outras áreas que necessitam de igual ou maior atenção estatal. (grifo nosso) No projeto de lei nº 3.669/2019 isso fica ainda mais claro, indicando que o monitorado deve custear a aquisição e manutenção do equipamento: Nessa senda, não há como negar que a concessão do uso de tornozeleira eletrônica confere ao infrator da legislação verdadeira benesse, na medida em que retornará antecipadamente ao convívio social. (grifo nosso) Em outros projetos, como no projeto de lei nº 421/2019, são selecionados os crimes em que o custeio pelo monitorado existirá, como em casos de corrupção: Obtiveram o direito de ficarem em vossas luxuosas residências, sendo monitorados por tornozeleiras eletrônicas. Por óbvio, quando um condenado está dentro de uma prisão, esta deve ser custeada pelo Estado. Afinal, é de responsabilidade pública punir, prender e buscar a ressocialização do preso, custeando o sistema prisional. Agora, nos casos de condenação por crime de corrupção, não vemos como prosperar que os custos da monitoração eletrônica sejam de responsabilidade do Estado brasileiro. O projeto de lei nº 8.162/2017 determina que o monitorado deve custear três vezes o valor do gasto para que dois terços do valor seja destinado ao Fundo Penitenciário Nacional, ou seja, além do custeio do próprio equipamento, ele também auxiliará no custeio do sistema penitenciário. O projeto de lei nº 7.258/2017 possibilitou ao monitorado custear com trabalho a monitoração, havendo impedimento do reconhecimento desse trabalho para fins de remição. Essa tentativa de impor ao monitorado o custeio pela sua restrição de liberdade tem potencial para, se somando à fiança, prestação pecuniária e pena de multa, ser um grave empecilho para a liberdade de pessoas sem recursos financeiros. A falta de pagamento de penas de multa leva a sérias restrições à vida de indivíduos em liberdade, como a continuidade da suspensão dos direitos políticos. Essas soluções parecem desconsiderar a que camada social pertencem as pessoas custodiadas no Brasil. Segundo o censo Penitenciário do Estado do Ceará, 93,94% das pessoas encarceradas que declararam renda na pesquisa têm renda familiar de até 3 salários mínimos (Estado do Ceará, 2014, p. 90). Projetos de lei como o de nº 8.284/2017 desconsideram essa realidade do sistema penitenciário brasileiro, usando casos anedóticos como a corrupção, para indicar que o custo deve ficar com o monitorado. Ainda que bastante equivocada, a proposta não é exatamente uma novidade. Atualmente as famílias de pessoas custodiadas têm que garantir de produtos de higiene a alimentos nos 10 conhecidos “jumbos”, o que claramente representa um repasse de responsabilidades que deveriam ser estatais. Esse custeio da monitoração tem diversos problemas e limites a começar com a capacidade econômica dos custodiados no país passando pela tercerização de responsabilidades do Estado ao próprio condenado ou acusado e chegando em situações em que essas medidas exigindo dinheiro reencarceram ou impedem o desencarceramento de pessoas. Em uma análise mais ampla da questão e considerando o pequeno acesso que pessoas encarceradas têm ao trabalho no Brasil, esses custos vão sobrecarregar as famílias, fazendo com que a pena vá além da pessoa condenada ou acusada. Conforme analisa Wang nos Estados Unidos: Criminal justice debt affects not only the individuals ensnared in the criminal justice system but also their family members and loved ones, who sometimes go into debt to pay for criminal justice–related fees and fines, or to communicate with and financially support incarcerated loved ones. (Wang, 2018, p. 132)6 MONITORAÇÃO NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A partir de 2013, 22 projetos de lei passaram a prever a possibilidade de o acusado por violência doméstica ser monitorado eletronicamente. Nesses casos, outros argumentos predominaram, fazendo com que 17 desses projetos não mencionem os custos da monitoração. Os projetos que tratam de monitoração para situações de violência doméstica, especialmente para monitoração de homens acusados de agressão que saiam em liberdade provisória ou que tenham medidas protetivas de urgência deferidas contra a aproximação deles das mulheres, não costumam se amparar nos argumentos de gastos, tratando mais dos números de crimes contras as mulheres e baixa efetividade das medidas protetivas em garantir a segurança das vítimas. O ARGUMENTO DE REDUÇÃO E OS PROJETOS DE LEI Tradução livre: A dívida da justiça criminal afeta não apenas os indivíduos enredados no sistema de justiça criminal, mas também seus familiares e entes queridos, que às vezes se endividam para pagar taxas e multas relacionadas à justiça criminal ou para se comunicar e apoiar financeiramente entes queridos encarcerados. 6 11 Dos 40 projetos que utilizam a argumentação da redução de custos, alguns não apresentam qualquer potencial de redução e outros variam entre reduzir e ampliar. Há ainda projetos que apenas deslocam os custos para os monitorados. No primeiro deles, o projeto de lei nº 4342/2001 é possível existir a redução dos gastos porque permite a substituição da prisão preventiva, à escolha do custodiado. No entanto, a monitoração também é prevista como pena restritiva de direitos, não sendo adequada a comparação com os custos do encarceramento como é feita na justificação. O PLS nº 175/2007 e o PL nº 641/2007 tem potencial de ampliação de gastos, já que o primeiro prevê a monitoração no regime aberto e no livramento condicional. No regime aberto a proposta não substitui as noites e fins de semana em que o custodiado passa nos estabelecimentos, mas adiciona vigilância aos períodos que seriam fora. O segundo inclui ainda a monitoração na limitação de fim de semana e na saída temporária, além das hipóteses do primeiro. O projeto nº 510/2007 estabelece a opção da pessoa entre a casa de albergado e a monitoração, havendo potencial para a redução de custos. Nesse sentido também existe o projeto de lei nº 3.648/2008 com previsão da substituição do regime aberto em estabelecimento à monitoração eletrônica. O projeto nº 165/2017 impõe monitoração nas condições obrigatórias do regime aberto, na autorização de saída, no livramento condicional, no trabalho externo no regime semiaberto e em substituição à prisão preventiva, exceto o último, todos com potencial de aumento de gastos. Relevante destacar que as legislações podem ser aprovadas com pontos que incentivem o desencarceramento que simplesmente não sejam implementadas justamente nesses pontos. O projeto de lei nº 1.440/2007 previa a monitoração no regime aberto por decisão judicial, vigilância indireta de penas restritivas de direitos, na suspensão condicional da pena, no livramento condicional, na prisão domiciliar, na suspensão condicional do processo, na autorização de saída, quando necessário, e na limitação de fim de semana quando não houvesse a casa de albergado. Prevê ainda monitoração em lugar das prisões preventivas. No entanto, o projeto possibilita o uso da monitoração em casos de liberdade incondicionada se sobrevierem razões que justifiquem esse uso. Nesse caso, há margem para ampliação dos custos e do controle sobre os indivíduos, que passam a ser monitorados. O projeto de lei nº 583/2011 prevê que a União providenciará tornozeleiras eletrônicas em casos de livramento condicional, regimes aberto e semiaberto, prisão domiciliar, saída temporária, sujeitos à proibição de frequentar determinados lugares e em substituição à prisão preventiva: mais uma vez há potenciais possibilidade de redução e de ampliação dos gastos. 12 O projeto de lei nº 7.306/2014 prevê a monitoração eletrônica para adolescentes em conflito com a lei cumprindo medidas socioeducativas de semiliberdade e internação com atividades externas, ou seja, não apenas ampliando os gastos, mas também explorando além das prisões de adultos. O projeto de lei nº 7.056/2014, o projeto nº 1.119/2019 e o projeto nº 453/2019 prevêem a monitoração eletrônica em medidas protetivas no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. O projeto de lei nº 1.337/2019 também faz essa previsão, mas impõe o custeamento pelo acusado. O projeto de lei nº 311/2020 prevê a monitoração após flagrante de violência contra a mulher com custeio pelo acusado e uma monitoração desde a condenação em crimes relacionados até 12 anos depois do cumprimento da pena: o aumento de gastos nesse caso é bastante grande, já que não há gastos do Estado previstos atualmente após o cumprimento da pena. O projeto de lei nº 5.999/2016, o projeto nº 5.913/2016, o projeto nº 5.861/2016, o projeto nº 310/2016, o projeto nº 5.586/2016, o projeto nº 8.162/2017, o projeto nº 9.355/2017, o projeto nº 8.284/2017, o projeto nº 7.258/2017, o projeto nº 8.164/2017, o projeto nº 6.965/2017, o projeto nº 9.402/2017, o projeto nº 1886/2019, o projeto nº 10.685/2018, o projeto nº 7.221/2017, o projeto nº 3.669/2019, o projeto nº 421/2019, o projeto nº 2.041/2019, o projeto nº 1.114/2019, o projeto nº 2.344/2021 e o projeto nº 2.264/2021 apenas repassam os custos ao monitorado não prevendo novas situações de aplicação da monitoração. O projeto de lei nº 8.459/2017 prevê monitoração para autorização de saída e prisão domiciliar, duas medidas que aumentariam os custos, mas, ao mesmo tempo, busca evitar esse custo adicional com o repasse deles aos monitorados. Situação semelhante acontece no projeto de lei nº 2.392/2019. O projeto de lei nº 9.174/2017 e o projeto de lei nº 8.727/2017 prevêem que pessoas que celebrem acordos penais possam cumprir penas de regime fechado ou semiaberto em seu próprio domicílio com monitoração eletrônica, nesse caso, além do incentivo aos acordos penais, há potencial de redução de gastos que pode considerar a comparação com o regime fechado em alguns casos. O projeto de lei nº 7.301/2017 prevê a possibilidade de algumas pessoas cumprirem o regime fechado ou semiaberto em domicílio. No entanto, ele voluntariamente tem que permitir acesso a suas comunicações e correspondências, além de ser o responsável por custear essa monitoração. Também prevê a prisão domiciliar com monitoração em substituição à prisão preventiva. É possível que a necessidade de arcar com os custos da monitoração pessoal e ambiental possa excluir boa parte das pessoas acusadas ou condenadas. 13 Em suma, verifica-se que em diversos projetos o uso da redução de gastos muitas vezes mostra desconexão dos projetos com a justificação apresentada. USO DA MONITORAÇÃO NO BRASIL A implementação da monitoração eletrônica tem demonstrado que nem sempre há redução de custos: segundo o Diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica, grande parte dos monitorados não estariam presos: No Brasil, 73,96% das pessoas monitoradas encontram-se em execução penal: saída temporária (27,92%); regime semiaberto em prisão domiciliar (21,99%); regime semiaberto em trabalho externo (16,05%); regime aberto em prisão domiciliar (6,06%); regime fechado em prisão domiciliar (1,94%); livramento condicional (0,09%). As medidas cautelares diversas da prisão (17,19%) e as medidas protetivas de urgência (2,83%) que juntas somam apenas 20,02% podem suscitar hipóteses que indicam a possibilidade de alternativa ao encarceramento, mas a monitoração eletrônica nestes casos também pode servir apenas como ferramenta para a ampliação do controle penal. (BRASIL, 2018, p. 60-1) Em grande parte dessas hipóteses não havia controle anterior e as pessoas não estavam encarceradas, ou seja, o custeio da monitoração aumentou os gastos públicos em comparação à situação que existia anteriormente. As exceções seriam os casos de regime semiaberto, aberto e fechado em prisão domiciliar e em alguns casos as medidas cautelares, se em substituição à prisão preventiva. Além das leis, a monitoração eletrônica também é dependente da disponibilidade orçamentária dos governos estaduais e federal, havendo situações em que não é possível seu uso por limitações financeiras como já aconteceu no Rio de Janeiro e Alagoas.7 Em outros estados houve restrições que não estavam na lei, devido à falta de equipamentos, que tornava a regulamentação local mais restritiva nas hipóteses, como na Bahia, onde mesmo havendo a legislação federal desde 2010, a inclusão das saídas temporárias foi feita apenas no Provimento da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça da Bahia nº 08/2019 e nesse momento apenas para 10% daqueles que tinham a saída deferida poderiam ser monitorados. 7 G1. Por falta de pagamento, Justiça do Rio autoriza suspensão de serviço de empresa que monitora tornozeleiras eletrônicas. Rio de Janeiro, 05 mar. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-dejaneiro/noticia/2020/03/05/por-falta-de-pagamento-justica-do-rio-autoriza-suspensao-de-servico-deempresa-que-monitora-tornozeleiras-eletronicas.ghtml. Acesso em 25 jul. 2021. GazetaWeb. Reeducandos são soltos sem monitoramento por falta de tornozeleiras eletrônicas em Alagoas. Maceió, 22 jul. 2021. Disponível em: https://www.gazetaweb.com/noticias/geral/reeducandosfora-soltos-sem-monitoramento-por-falta-de-tornozeleiras-eletronicas-em-alagoas/. Acesso em 25 jul. 2021. 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS A monitoração eletrônica é apresentada pela primeira vez no Congresso Nacional em 2001, mas a aprovação da primeira lei em âmbito federal apenas se deu em 2010. Antes dessa aprovação, estados passaram a utilizar a monitoração, trazendo à tona o assunto, com ou sem parâmetros legais. Desde o primeiro projeto se utiliza do argumento da redução de gastos públicos, que tem apelo no espaço público, mas nem sempre ele é verdadeiro. Alguns projetos de lei ampliaram o controle sobre os indivíduos e, consequentemente, os gastos públicos, impondo a monitoração eletrônica em situações que antes permitiam ao indivíduo liberdade sem supervisão como na saída temporária no regime semiaberto. Percebe-se que num primeiro momento se utilizou do argumento da redução de gastos, mas depois ele foi sendo mobilizado apenas para terceirizar os custos aos monitorados, não sendo muito utilizado quando há outros argumentos que têm força retórica como o combate à violência contra a mulher. Fica claro que o argumento é utilizado mesmo quando o projeto amplia os gastos públicos porque não há uma preocupação real, mas apenas uma justificativa para a apresentação de uma solução, algumas vezes copiadas de outros projetos, de experiências no exterior ou sem as fontes dos dados apresentados. O perigo que o uso do argumento, muitas vezes falacioso, de redução de gastos em soluções penais traz é que há o potencial de ampliação do controle estatal sobre os indivíduos, fazendo com que mais pessoas sejam controladas, ainda que por meios que se proclamem mais “baratos” que o encarceramento em regime fechado. É claro que não é apenas a formação da agenda, a transformação do problema em público e os argumentos usados nessa construção que influenciam como a política pública será implementada. Mas esses argumentos passando a fazer parte do debate público e sendo reconhecidos como válidos, mesmo que falsos no caso concreto, podem influenciar a interpretação dos diplomas normativos e gerar esse aumento de gastos e de controle, contraditoriamente ao que é amplamente declarado. Além disso, a monitoração tem potencial para o controle de mais pessoas, além de ser, por definição, um controle que se espalha socialmente, não ficando confinado às prisões, o que traz novas questões ao entendimento do instrumento e todos os perigos a ele relacionados, ressaltando-se a seletividade penal que já existe em termos de raça e classe. Situações que 15 permitem o desencarceramento são sempre bem vindas considerando-se todos os problemas causados pelo cárcere, mas uma análise mais pormenorizada indica que, em muitos casos, a monitoração pode apenas incrementar controle sobre situações que já estavam fora da prisão anteriormente. Soma-se a isso a preocupação com os dados privados dos monitorados sob controle de empresas privadas e as limitações às liberdades individuais disfarçadas de alternativas penais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVIRAM, Hadar. Cheap on Crime: Recession-Era Politics and the Transformation of American Punishment. University of California Press, 2015. BRASIL. 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Projeto de lei nº 175, de 2007. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para alterar as regras do regime aberto e prever o rastreamento eletrônico de condenado. Brasília, DF: Senado Federal, 2007. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei º 4.342/2001. Dispõe sobre o monitoramento eletrônico de presos. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2001. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei º 8.459/2017. Dispõe sobre o monitoramento eletrônico de presos. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execuções Penais e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, para estabelecer a obrigatoriedade dos presos, ou quem estiver cumprindo medida cautelar determinada judicialmente, a custearem a utilização do dispositivo de monitoramento eletrônico, e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2017. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei º 10.685/2018. Altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para incluir em 16 sua competência as ações de indenização por danos materiais e morais contra as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2018. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei º 3.669/2019. Modifica a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), com a finalidade de determinar ao preso a obrigação de custear as despesas relativas à aquisição, bem como à manutenção, do dispositivo de monitoração eletrônica. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº 421/2019. Altera o Decreto Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, para estabelecer que nos casos de condenação nos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e corrupção ativa em transação comercial internacional, e havendo decretação de monitoração eletrônica como medida cautelar diversa da prisão, os custos serão de responsabilidade do condenado. CAMPELLO, Ricardo Urquizas. Política, direitos e novos controles punitivos. (Mestrado em Ciências Sociais). Pontíficia Universidade Católica: Sao Paulo, 2013. ________. Tecnologia e punição: o monitoramento eletrônico de presos no Brasil. In IV Simpósio Internacional LAVITS, 2016. Disponível em http://lavits.org/wpcontent/uploads/2017/08/P3_Campello.pdf. Acesso em 15 jul. 2021. CORRÊA JUNIOR, Alceu. Monitoramento eletrônico de penas e alternativas penais. 2012. Tese (Doutorado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? 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