Corria a década de 60, acredito que 1965 e eu aos 21 anos, já formada professora, gostava muito de cantar, para ser absolutamente sincera, sentia-me cantora, tocava um violão, ou pensava que o fazia. Naquela época o termo era "bater um violão".
A mocidade era mantida sob controle dos pais e, com o meu irmão mais velho,tinha que ser, sozinha jamais, frequentávamos um clube na Tijuca que às quartas-feiras oferecia em sua programação uma "noitada":"O devaneio musical", rsrsrs!
Ficávamos, um grupo de jovens, alguns tocavam, a sério,instrumentos, a conversar, cantar muito e nos maravilhando uns com os outros e conosco mesmos. Nos sentíamos os artistas.
No clube víamos a noite passar para desespero de minha mãe, pois no dia seguinte eu tinha que ir trabalhar, em Bangu, e lá chegar às sete horas. Pobre mãe que me esperava, por volta das cinco com um copo de leite OFCO ( foi o pai dos leites integrais de caixinha) , que era considerado o leite mais forte e saudável. Eu era magrinha, aliás ainda sou, e a mãe preocupava-se com a minha saúde.
Muitas vezes, muitas mesmo, nos finais de noite apareciam artistas verdadeiros por lá, creio que também estavam terminando as suas noites e iam ver o que aqueles jovens metidos faziam, alguns elogiavam, devia ser por estímulo. Por lá passaram Wilson Simonal ( eu até fiz um dueto com ele) ,Tim Maia, Jorge Ben, Ellen de Lima, compositores, músicos.
Certa noite por lá surgiu,com um grupo um homem magro, bonito, pálido e interessante, principalmente por ser mais velho que o grupo em geral, talvez uns vinte ou trinta anos a mais o que não lhe diminuía o encanto.
Sentou-se conosco, tomou cerveja e alguém entoou a canção "Estão chegando as flores". O grupo fez coro e ele tomou parte nele. Quando a canção terminou todos aplaudiram, na verdade a si mesmos, pois nos achávamos o máximo.
A voz de um dos que chegaram com ele nos perguntou se conhecíamos o autor da música que era nova nos repertórios. Ninguém respondeu e ele nos foi apresentado: - Este é o Paulo Soledade, o autor deste hino que acabaram de aplaudir.
Nós ficamos meio sem graça, e um de nós, para dizer alguma coisa declarou que era a Saudação à Primavera da MPB. O Paulo tornou-se sério e disse que a música era uma saudação à vida. Relatou que estivera seriamente doente (teve tuberculose) e quando começou a sentir-se melhor, pela janela, viu a beleza do sol, reparando que chegavam, vindo pela rua, sua mulher e sua filha e sentiu-se agradecido por estar se recuperando, confessando que dali para diante olharia com mais cuidado por sua saúde (daí o nome da canção ser "Estão chegando as flores!)
Todos ficaram em silêncio, aquele que baixa quando se sente que se fez algo errado e daí ele deu um sorriso cativante e pediu ao conjunto que tocasse a música novamente. Desta vez, ele mesmo iniciou o canto com um sorriso iluminado. Logo todos já cantávamos juntos e neste dia vimos o dia clarear.Confesso que meus alunos, no dia seguinte, não tiveram aula,pois a professora faltou...
Confesso, também, que fiquei algumas semanas sem frequentar os Devaneios: a mãe da professora-cantora a deixou de castigo e ela obedeceu!!!
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Sonia Regina
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ESTÃO CHEGANDO AS FLORES
Composição: Paulo Soledade
Vê, estão voltando as flores
Vê, nessa manhã tão linda
Vê, como é bonita a vida
Vê, há esperança, ainda
Vê, as nuvens vão passando
Vê, um novo céu se abrindo
Vê, o sol iluminando
Por onde nós vamos indo
postado por Sonia Regina.