Papers by Daisy Perelmutter
Palgrave studies in oral history, 2023
Projeto Historia Revista Do Programa De Estudos Pos Graduados De Historia E Issn 2176 2767 Issn 0102 4442, 2003
Sabemos o quão difícil é ficar indiferente ao apelo de uma narrativa envolvente. Mesmo quando a n... more Sabemos o quão difícil é ficar indiferente ao apelo de uma narrativa envolvente. Mesmo quando a narrativa, em questão, não almeje a criação de um universo onírico e lúdico, como é o caso das conversas travadas ao pé da fogueira, mas constitui-se como um dispositivo de reflexão e produção de conhecimento. A metodologia de pesquisa intitulada " História Oral " trouxe à baila um debate profundo sobre as especificidades, limites e possibilidades das histórias de vida no processo de cognição, angariando grande popularidade na década de 90. Ferramenta utilizada por diversos campos das Ciências Humanas e também por instituições extra-acadêmicas (Ongs, grupos comunitários, empresas privadas, instituições de ensino, museus, centros de cultura, grupos de dramaturgia, sindicatos) em busca da compreensão de seu próprio percurso, o testemunho oral, urdido através de uma relação dialógica entre entrevistado e entrevistador, coloca hoje uma ampla gama de problemas epistemológicos. A cautela manifestada pela historiografia com relação ao método de história oral como recurso de investigação foi gradualmente sendo superada e o argumento da fragilidade da memória e prevalência da subjetividade perdeu sua sustentação. Interpretados como entraves à suposta verdade dos fatos e acontecimentos, memória e subjetividade, a partir do reposicionamento promovido pelo debate da história oral, passaram ser eles mesmos objeto de escrutínio e investigação. Um pequeno recuo faz-se necessário a esta introdução. Qual é afinal a abrangência temática e interpretativa da história oral e do que os enredos tecidos a duas vozes tratam? De uma maneira prosaica, pode-se dizer que a história oral é uma metodologia de pesquisa que produz a sua própria fonte documental, a partir de entrevistas gravadas, em um encontro artificialmente produzido, no qual os entrevistados que protagonizaram acontecimentos, conjunturas, modos de vida, sensações dão seus testemunhos e constroem suas versões da experiência vivida. Todas as manifestações humanas podem, em tese, ser investigadas balizando-se por esta metodologia: dos acontecimentos mais pontuais – a paralisação dos lixeiros no dia tal, o Réveillon do milênio, a memória do 11 de setembro-às experiências mais conjunturais – o processo de privatização das empresas públicas, a emergência de uma nova classe média no Brasil, a constituição de novos padrões familiares. O diferencial do campo está, justamente, na capacidade em lançar luz e dar voz às singularidades das vivências. A matéria exclusiva de que trata a história oral é, portanto, menos o arrolamento extensivo dos fatos e acontecimentos e, mais, o valor e significado atribuído às experiências. Ao vislumbrar este excedente como parte integrante do horizonte de problemas do documento oral, o entrevistador-pesquisador tem como uma de suas atribuições a fricção das experiências do entrevistado, em busca do sentido do vivido, a partir das suas lembranças. Este esforço
Alguns anos atrás, ao flertar com o universo da escrita literária em um curso intitulado Formação... more Alguns anos atrás, ao flertar com o universo da escrita literária em um curso intitulado Formação de Escritores2 e, então, desafiada a pensar sobre o significado da experiência da escrita, elaborei o seguinte texto como resposta ao pedido: Não há, para mim, imagem mais precisa sobre o desejo/prática da escrita do que a ação que o verbo escorchar alude. A escrita é, portanto, um ato voraz de tirar a casca e a carcaça das coisas, raspando, mitigando, triturando e perfurando os seus sentidos. Ela é desejo de superação de fronteiras, de experimentação de territórios, de vínculos insuspeitos. A escrita nunca se coloca como um momento de suspensão, de trégua, de pacificação. Pelo contrário, ela é uma espécie de britadeira nervosa e barulhenta que busca escandir toda e qualquer plataforma uniforme e continente. Ela, para mim, é arar e cultivar terrenos – virgens ou devastados-com as palavras, através de um trabalho ardiloso no âmbito corporal, sensorial e intelectual. Na e pela escrita consigo roçar com o risco. A escrita é, portanto, um pacto que estabeleço, em absoluto silêncio e sem alarde, com a ousadia. A devassa por novos territórios – sensíveis e materiais-pela escrita sustenta-se através de um jogo sensual com as palavras, onde busco brincar com suas filiações originárias, levando-as a experimentar novas parcerias e alianças. As palavras, pelas quais manifesto profunda adoração e deferência, são as minhas bússolas e também âncoras que me referenciam no mergulho da escrita. O trabalho com a escrita é sempre o meu ponto de inflexão, nunca ponto de partida. Resultante de um longo processo de engravidamento e cultivo, a minha escrita materializa-se quando há uma vida prenhe e borbulhante gritando para ganhar existência e lugar. Esta escrita, urdida na pequena distância e em certo silêncio, de forma intermitente, não busca rivalizar nem, por outro lado, reverenciar a vida. A leitura e a escrita, participam, na mesma intensidade e medida, do meu desejo de
Thesis Chapters by Daisy Perelmutter
Thesis which gathers memories of Brazilian artists of Jewish ancestry - privileging Jewish immigr... more Thesis which gathers memories of Brazilian artists of Jewish ancestry - privileging Jewish immigrants offsrping. Its mains purpose is to identify their inherited Jewish marks and evaluate to what extent these marks reverberate in the contemporary sensibilility os this group.
Books by Daisy Perelmutter
Tantas vezes evocado em prosa, verso e música por nossos maiores compositores e intérpretes da Mú... more Tantas vezes evocado em prosa, verso e música por nossos maiores compositores e intérpretes da Música Popular Brasileira, o Recôncavo Baiano suscita grande interesse e um misterioso fascínio. Se a mística criada por seus nativos ilustres contribui, de um certo modo, para fomentar a simpatia que a região engendra, basta uma primeira experiência in loco para verificar, sem muito esforço, que a sua fama é mais do que justificada. A presença imperiosa e magnânima do Rio Paraguassú, a riqueza patrimonial das cidades de Cachoeira e São Félix, a vitalidade das manifestações culturais e dos saberes em circulação, são alguns dentre os múltiplos encantos que o Recôncavo oferece. Coqueiros, uma espécie de bairro periférico do distrito de Maragogipe, insere-se neste contexto de pujança natural e simbólica, apesar da precariedade sócio-econômica de seu povoado e da infraestrutura de serviços disponíveis, ainda assim, " 100% melhor do que antigamente " , segundo o relato de um dos ceramistas entrevistados. A insígnia da cidade como depositária de um saber-fazer singular e tradicional – a produção das cerâmicas utilitárias – transmitido de geração em geração, pode ser uma das explicações para o sentimento de altivez que a comunidade parece ser portadora. Apesar de seu insulamento e provincianismo, chamou-me atenção a tranqüilidade com que o povoado acolhe seus visitantes e passantes. Nem um interesse excessivo, que pode facilmente resvalar para uma relação vertical de subserviência, nem, por outro lado, recusa e aversão ao " outro " que constituem o caldo perverso para a xenofobia. Cientes sobre a visita de um pesquisador enviado pelo Artesanato Solidário/ArteSol, o grupo de ceramistas, representado pela sua líder, Dona Cadú, me aguardava com prontidão e gentileza. A espontaneidade na recepção e o irresistível carisma de Dona Cadú, que esbanja jovialidade corporal e vigor intelectual no topo de seus 88 anos, foram determinantes para que eu me sentisse segura quanto à interlocução com os ceramistas. A apreensão gerada pelas distâncias para com os meus entrevistados – regional, étnica, sócio-econômica, profissional, religiosa e etária, – e pelo então recente envolvimento com os projetos desenvolvidos pelo ArteSol, foi atenuada no meu primeiro contato com o grupo, realizado poucas horas depois de pisar em solo baiano. Como em qualquer pesquisa de história oral, ao selecionarmos um elenco de protagonistas deparamo-nos, inexoravelmente, com diferenças e multiplicidades. O tom do relato-melancólico, eufórico, descritivo, lacônico, investigativo, jocoso, queixoso, bem-humorado, entre tantos outros possíveis – a maneira de estruturar a narrativa e compô-la, a fluência e musicalidade do depoimento, o nível de sensibilização do depoente frente às intervenções do historiador, a intensidade com que o entrevistado investe no pedido de rememoração e reflexão sobre a própria experiência, a maior ou menor gestualidade corporal, a maior ou menor expressividade facial, a tolerância ou não frente aos silêncios, as mentiras e imprecisões dos fatos narrados são alguns dentre os muitos dados (alguns mais evidentes do que outros) que revelam que o depoimento oral é sempre singular e que " fala " fundamentalmente da subjetividade. Não há como exilar e/ou esterilizar a subjetividade do documento oral. Sua onipresença passa a ser observada em toda a extensão do relato, nos conteúdos trazidos e na forma que ele assume. Mas, afinal, não será este justamente o grande diferencial e aporte trazido pelo método de história oral para o conhecimento historiográfico, em outras palavras, conferir ao processo de produção
Drafts by Daisy Perelmutter
A escrita e o conhecimento histórico se constituem a partir de um empreendimento tenso e ardiloso... more A escrita e o conhecimento histórico se constituem a partir de um empreendimento tenso e ardiloso de ordenação do que, por natureza, é pouco afeito e, muitas vezes, evasivo às grandes sínteses: o vivido. A utopia romântica de reconstituição integral de um passado esquecido ou preterido é, inexoravelmente, debelada pela metodologia histórica, pautada na identificação e leitura dos restos e vestígios disponíveis que chegam às mãos do historiador. Estes documentos não são inocentes e foram fabricados obedecendo às intencionalidades do contexto específico no qual foram engendrados. Neste sentido, não podemos pensar o conhecimento histórico como um trabalho intelectual pueril. A História vive acossada pela dualidade memória/esquecimento. Ao elegermos certos eventos/acontecimentos como emblemáticos e representativos de um determinado período ou contexto fazemos vistas grossas ou enterramos, no mesmo ato, tantos outros que, por falta de suporte de memória ou pela fragilidade de seu arcabouço, são tragados e esvaecem no curso do tempo e dos acontecimentos. A narrativa histórica é um esforço de articulação entre passado e presente, através do estabelecimento de um vaso comunicante entre os diferentes fios que constituem cada um destes tempos. Não referenda-se por uma aderência viscosa à memória nem, por outro lado, por um desdém futurista à tradição e bagagem herdadas. O esforço em reanimar o passado de modo a fazer com que suas vozes ecoem e desafiem o presente em sua suposta onipresença e auto-referência, outorga à História a insígnia de um campo de conhecimento no qual o desassossego é tido como sua premissa. Reconstituir historicamente qualquer experiência-individual, coletiva, institucional, local, nacional – não é, em absoluto, um passeio cândido, florescente. A prospecção pressupõe capacidade de pisar em terrenos instáveis, reconhecer conflitos, compreender escolhas feitas, enfrentar espinhos e, mais do que tudo, aceitar que o que trazemos á tona com nossas pesquisas e estudos são questões e perguntas instiladas pelas sinuosas trajetórias e percursos humanos. Se, como sinalizamos anteriormente, entendemos a História como um investimento que, de algum modo, contem/represa o infinito da experiência vivida através da urdidura de uma trama encadeada, esta narrativa, não
Caldo efervescente de diferentes culturas, línguas, ofícios, cheiros, instituições, religiões, te... more Caldo efervescente de diferentes culturas, línguas, ofícios, cheiros, instituições, religiões, temporalidades; o Bom Retiro parece condensar em seus poucos kilômetros quadrados o mundo e sua diversidade. Em sua história multiforme, que dispõe de múltiplas tramas, tudo coube e parece ainda caber em um trajeto que, sem intermitência, não cessou de se reiventar. A imagem bucólica identificada à área antes de seu loteamento (até meados do século XIX), conhecida então como a região das chácaras onde as famílias abastadas desfrutavam o ócio em seus finais de semana -Sítio do Carvalho, Chácara Dulley e Chácara Bom Retiro -foi substituída por outras feições inscritas de forma mais duradoura. O grande afluxo de imigrantes e migrantes vindos para São Paulo, em função do apogeu do ciclo cafeeiro, fez com que o bairro se tornasse um destino obrigatório para os novos cidadãos paulistanos, que chegaram de forma contínua de 1890 até 1940. A boa acolhida e a maleabilidade às diferenças -étnicas, religiosas, culturais, sociais, políticas -definiram uma identidade ao Bom Retiro que o tornou singular mesmo em relação aos seus "bairros irmãos", também com forte presença operária, tais como Brás, Mooca, Pari, Penha, Lapa e Belenzinho. A vocação progressista que o marcaria de forma indelével deu, portanto, seus primeiros sinais, já no início do século XX, ao acolher ingleses, italianos, sírio-libaneses, lituanos, armênios,
Os belenenses costumam destacar com arroubo e até com certo ufanismo que há um distintivo muito s... more Os belenenses costumam destacar com arroubo e até com certo ufanismo que há um distintivo muito singular que particulariza a vivência no Belenzinho, a despeito das enormes transformações e mutilações sofridas pelo bairro ao longo de sua história centenária, e que permanece como seu distintivo: a sensação de estar em família. O fato de ter sido vivido e reconhecido como um espaço familiar, no qual a confiança, a tutela e os vínculos sanguíneos se sobrepuseram às relações impessoais não significa, contudo, que sua história tenha sido construída sem rusgas e fraturas, em outras palavras, isenta de lutas, contradições e conflitos. Como toda " saga familiar " que se autodenomine como tal, a história do bairro do Belenzinho revela e desperta em seu amplo repertório de fatos e acontecimentos os sentimentos humanos mais díspares: paixão, ódio, vingança, ousadia, doçura, abjeção, autonomia, opressão, fúria, ternura. Sendo assim, a fraternidade dos laços entre os moradores, até hoje celebrada, é um aspecto que fala bastante, sem dúvida, a respeito da identidade regional do Belenzinho, mas, não é sua única marca. Muitas outras experiências esmaecidas pelo tempo ou pulverizadas no espaço maior da grande cidade que São Paulo foram também significativas para a construção da identidade do bairro e merecem, portanto, reivindicar seu espaço na história: a ardente militância sindical dos trabalhadores têxteis nas primeiras décadas do séc.XX; a paixão pelo futebol de várzea e a proliferação de diversos clubes amadores durante quase cinqüenta anos (1910-1960); o arrojo nas propostas educacionais de cunho anarquista com a criação da Escola Moderna n.1 (1912-1919), inspirada na pedagogia libertária do espanhol Francisco Ferrer y Guardia; a intensa vida pública nos eventos religiosos, recreativos e culturais (missas, quermesses, festas, bailes, procissões, footing, grupos amadores de teatro, cinema) no circuito Rangel Pestana-Celso Garcia; os ideais progressistas expressos na
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