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Mitologia portuguesa

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A Padeira de Aljubarrota

A mitologia portuguesa é herdeira de um caldeirão de povos e culturas, com mitologias bastante diversas entre si, que deixaram um fértil legado imaginário. Engloba o conjunto de narrativas maravilhosas e lendas sobre personagens e suas façanhas, fenómenos naturais e objectos extraordinários ou regiões fantásticas, com características sobrenaturais, transmitidas de geração em geração, no decorrer dos séculos, tanto no campo literário como no da tradição oral.[1]

Origens pré-romanas

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Careto de Lazarim.
Chocalheiro de Bemposta

A mitologia portuguesa tem como base a mitologia dos povos autóctones da Lusitânia pré-romana, legado este que não sobreviveu à conversão para o cristianismo. No entanto, é possível que alguns elementos tenham sido preservados e cristalizados nos contos e tradições populares, assim como em diversos hagiotopónimos. Como afirmou Leite de Vasconcelos:[2]

“[...]seria fácil mostrar como das épocas mais antigas da Lusitânia, ainda mesmo dos tempos pré-históricos, até hoje se têm mantido muitas crenças, costumes, etc., e como a maior parte das lendas da nossa Igreja e usos cristãos derivam do paganismo.”

A mitologia lusitana, sob a forma de testemunhos esculpidos na pedra, revela a existência de uma miríade de divindades das quais se destacam Atégina, Bandua e Endovélico.[3][4]

Estrabão, nos raros relatos sobre os costumes nativos, diz que no cabo Sagrado, o lugar onde os deuses reuniam-se de noite, havia diversas pedras, amontoadas em grupos de três ou quatro, que eram viradas ao contrário pelos visitantes e que, após um ritual em que estes ofereciam uma libação, as pedras tornavam a ser reviradas na sua posição anterior.[5] Este seria um dos relatos mais antigo de um culto das pedras, penedos e montanhas que a tradição preserva ao longo do tempo em crenças como a da procissão infantil para pedir chuva, nos moledros dispersos pelas paisagens, nos Fiéis de Deus venerados nas beiras dos caminhos, na pedra de raio que Solino comenta ser objecto de culto pelos lusitanos, ou mesmo na lenda da pedra-moura. Associada a um culto solar ou ritual de fecundidade, a Nossa Senhora d'Antime, também chamada Senhora do sol, uma pedra tosca de granito metamórfico, apenas com o rosto esculpido; é a sobreposição de um culto cristão a um ritual pagão.[6] [7][8] Os frades de pedra são associados a um culto fálico pré-romano,[9] também identificado nas estátuas-menir[10] da idade do bronze, assim como a tradição do levantamento do mastro de Fonte Arcada e o cortejo do Pinheiro das Festas Nicolinas.[11]

O culto das cabeças cortadas[12] representado nas esculturas e artefactos galaico-lusitanos que supõe-se ser um ritual religioso de origem celta, relacionado a divindades associadas a cultos agrários, funerários e guerreiros ao qual Rafael Loureiro indica haver uma continuidade na tradição das caveiras iluminadas, que chamam-se em Portugal de coca ou coco [13]. Um ser que Gil Vicente chama de demo no Auto da Barca do Purgatório e que foi ao longo dos séculos representado nas festas do Corpo de Deus por um dragão e nas procissões pelo faricoco (do latim far, farris[14]mais coco) e que deu o nome a um traje ainda em uso no início do século XX, a coca[15].

Aos rituais do solstício de inverno e mesmo os que se celebram no equinócio da primavera, segundo Hélder Ferreira que lhes atribui uma origem celta, estão associadas as máscaras ibéricas.[16] E a esta tradição associa-se uma outra também milenar a dos Madeiros[17], fogueiras da Páscoa e galheiros ou cambeiros.

Contributo Romano

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Após a conquista romana da península Ibérica e subsequente romanização, fruto de um lento processo de aculturação mais evidente a partir do século II d.c, os nomes das divindades indígenas são frequentemente latinizados pela sua similitude fonética ou simplesmente associados, pela similitude das funções e qualidades, aos deuses greco-romanos como por exemplo se verifica com o Ares Lusitani ou o Mars Cariocecus.[18][19] O culto dos deuses romanos foi divulgado, principalmente, pelos burocratas da administração central e pelos militares. No entanto, Roma parece não ter imposto os seus deuses e práticas religiosas às populações locais o que terá permitido uma certa tolerância às crenças indígenas,que fez com que se desenvolvessem, de forma natural, fenómenos de aculturação, embora nos meios rurais, nas zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos, os fenómenos de aculturação tivessem tido ritmos mais lentos o que favoreceu a permanência dos cultos indígenas e quase nenhuma influência romana nestas áreas.[20]

Outras fontes importantes foram os autores greco-romanos que registaram algumas lendas como a do rei Luso fundador da Lusitânia,[21] a lenda da fundação de Olissipo por Ulisses [22], ou a presença de nereidas e tritões na margem do rio Tejo.[23]

A tolerância religiosa, irá deixar de existir ainda durante o Império Romano. Os cultos pagãos acabaram por ser proibidos motivados por interesses de ordem político-religiososa por parte do clero cristão a partir do momento em que o Império Romano assumiu o cristianismo como sua religião.[24][25]

No contacto entre o paganismo e o cristianismo supõe-se que haja indícios de ter havido em alguns casos uma sobreposição de cultos, nomeadamente no culto à deusa Atégina, que parece ter sido substituído pelo culto a Santa Eulália de Mérida, perseguida no período de Deocleciano, pela similitude dos epitáfios dedicados a ambas.[26][27]

Também os locais de culto pagão são identificados nos topónimos de santos arcaicos, de mártires ou outra figura sacra dos primeiros séculos da Era cristã, venerados por comunidades cristãs primitivas, quando estes locais sagrados teriam sido cristianizados.[28]

Suevos e Visigodos

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No século VI é evidente a existência de deidades pagãs «uns adoravam o sol, outros a lua ou as estrelas, outros o fogo, outros a água profunda ou os mananciais, acreditando que todas estas coisas não tinham sido criadas por Deus para uso dos homens, mas que tendo nascido por si mesmas eram deuses».[carece de fontes?]

Diversos mitos e lendas foram criados durante a época histórica da criação da nacionalidade e a sua elaboração foi ganhando contornos mais elaborados ao longo das gerações.[carece de fontes?]

Os mitos portugueses integram diversos tipos de narrativas, que nos revelam os aspectos da imaginação nacional portuguesa concentrada em torno do ciclo da vida e da morte e das forças da natureza, com origem em diversas fontes:

O corpus mítico português continua a constituir-se e densificar-se. Desde o século XIX que importantes contribuições foram feitas na recolha de contos, lendas e folclore.[29]


Ligações externas

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Referências

  1. Researches «Respecting the Book of Sindibad. Portuguese folk tales. Consiglieri Pedroso» Verifique valor |url= (ajuda) 
  2. «Leal, João. ETNOGRAFIAS PORTUGUESAS (1870-1970):Cultura Popular e Identidade Nacional» (PDF) 
  3. «Celtic Gods of the Iberian Peninsula» 
  4. «Religion and Religious Practices of the Ancient Celts of the Iberian Peninsula» 
  5. Strabo Geography Book III, Chapter 1 http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Strabo/3A*.html Strabo Geography Book III, Chapter 1 Verifique valor |url= (ajuda)  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  6. «UM CULTO SOLAR OU RITUAL DE FECUNDIDADE». Consultado em 10 de julho de 2012. Arquivado do original em 30 de dezembro de 2011 
  7. Enciclopédia das Festas Populares e Religiosas de Portugal - Volume 1. pg 64 http://books.google.pt/books?id=UW77i2A_xSQC&pg=PA64&dq=senhora+do+%22antime%22&hl=en&sa=X&ei=xZH8T6qSGYXT8gOHrp2iBw&redir_esc=y#v=onepage&q=senhora%20do%20%22antime%22&f=false Enciclopédia das Festas Populares e Religiosas de Portugal - Volume 1. pg 64 Verifique valor |url= (ajuda)  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  8. «TEÓFILO BRAGA. O POVO PORTUGUEZ NOS SEUS COSTUMES, CRENÇAS E TRADIÇÕES II» 
  9. «Vasconcelos, José Leite. Religiões da Lusitania na parte que principalmente se refere a Portugal"» 
  10. «A ESTÁTUA-MENIR DE CORGAS (DONAS, FUNDÃO). CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DA IDADE DO BRONZE NA BEIRA INTERIOR» (PDF) 
  11. «Tesouros de Guimarães. As Nicolinas.» (PDF) [ligação inativa]
  12. «Las "cabezas cortadas" en la Península Ibérica» 
  13. «Pasado y presente de los estudios Celtas. LAS CALAVERAS DE ÁNIMAS EN LA PENÍNSULA IBÉRICA» (PDF). Consultado em 7 de julho de 2012. Arquivado do original (PDF) em 23 de julho de 2011 
  14. «Corpus lexicográfico da lingua galega» 
  15. «CÔCA OU MANTILHA - SÉCULO XIX» (PDF). Consultado em 8 de julho de 2012. Arquivado do original (PDF) em 25 de setembro de 2009 
  16. «Hélder Ferreira: Muitas das máscaras da Galiza e de Portugal procedem de antigos ritos celtas'». Consultado em 8 de julho de 2012. Arquivado do original em 26 de fevereiro de 2005 
  17. «MADEIRO, Rituais da Fogueira de Natal Retratos de uma Tradição Milenar». Consultado em 8 de julho de 2012. Arquivado do original em 9 de novembro de 2013 
  18. «Inscrições romanas do Conventus Pacensis» (PDF) 
  19. «Ex-Votos às Ninfas em Portugal» 
  20. «A epigrafia e a sociedade.III PARTE» (PDF) 
  21. As «Antiguidades da Lusitânia pg92» Verifique valor |url= (ajuda) 
  22. «Historia insulana das ilhas a Portugal sujeitas no oceano occidental, Volume 1 pg32» 
  23. Pliny the Elder, The Natural History BOOK IX.CHAP 4. THE NATURAL HISTORY OF FISHES http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0137%3Abook%3D9%3Achapter%3D4 Pliny the Elder, The Natural History BOOK IX.CHAP 4. THE NATURAL HISTORY OF FISHES Verifique valor |url= (ajuda)  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  24. «McKenna,Stephen.Paganism and Pagan Survivals in Spain up to the Fall of the Visgothic Kingdom. Paganism and Pagan Survivals in Spain During the Fourth Century.Chapter 2» 
  25. «As hagiografias como instrumentos de difusão do cristianismo católico nos meios rurais da Espanha visigótica» (PDF) 
  26. «LAS LEYENDAS DE VIRGENES DE LAS NIEVES» (PDF) 
  27. «EL CARÁCTER POÉTICO DE LA PIZARRA DE CARRIO. NUEVAS REFLEXIONES EN TORNO A LOS ORÍGENES DE. LA LITERATURA POPULAR ROMÁNICA» (PDF) 
  28. «SOBRE A CRISTIANIZAÇÃO DA LUSITÂNIA: NOVAS REFLEXÕES A PARTIR DOS DADOS HISTÓRICOS E DAS EVIDÊNCIAS ARQUEOLÓGICAS» 
  29. «Estudos em homenagem a João Francisco Marques, Volume 2. pg 357» 
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