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Cultura de Merinde

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A Cultura Merimde (Merimdana ou Merimda) foi uma cultura da parte ocidental do Delta do Nilo que desenvolveu-se entre 5000-4 100 a.C.[1] no sítio de Merimde Beni-Salama (em torno de 4300-4 100 a.C. sua população situava-se entre 900-2000 habitantes[2]); segundo datas obtidas no sítio, tal cultura possuiu relação com Faium: "as datas de 5200-4 500 a.C. são congruentes com a visão de que Merimda, em seus estágios iniciais, estava intivamente associada com o Faium Neolítico".[3]

Trabalhos arqueológicos

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Merimde foi descoberto por um ex-padre alemão chamado Hermann Junker, que escavou 6.400 m² do local durante a sua expedição ao Delta Ocidental entre 1928-1939.[4] A expedição foi financiada por Albert Rothbart de Nova Iorque por conta da Academia de Viena.[5] Mais tarde, as escavações efetuadas na década de 1970, realizadas pelo Conselho Supremo de Antiguidades e do Instituto Alemão de Arqueologia, levou ao estabelecimento da sequência estratigráfica.[6]

Características

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O sítio de Merimde Beni-Salama era "idealmente situado para aproveitar tanto a generosidade das pastagens semi-áridas fora do Delta e a promessa de aluvião do rico Nilo".[7] Possuía cerca de 200.000 m2 e está dividido em cinco camadas ocupacionais:

  • Camada I: fase ocupacional relativamente curta, pois a grande presença de areia (em certo ponto coberta com uma camada de poeira preta) é sinal de que houve mudanças climáticas;[8] Mortensen compara essa evidência com situação semelhante em El-Omari: "Em El-Omari este episódio climático não causou qualquer mudança aparente, mas no Merimde pós-aluvião os colonos diferiram igualmente em termos de cultura material e costumes daqueles do Período I".[9] Túmulos no interior do sítio, assim como lareiras, postholes e postes de madeira (indicações de tendas ou cabanas[10]) são visíveis.
  • Camada II: foram erigidas, de forma mais densa devido ao aumento populacional[11], lareiras (circulares ou ovais, besuntadas com lama, entalhadas com vãos ocos para bandejas e firedogs), cabanas ovais de madeira e vime e abrigos em forma de ferradura "com a extremidade aberta normalmente para o sudeste, longe dos ventos fortes do oeste que prevalecem nesta região";[12] silos forrados com cestas (como os de Faium) e túmulos (os mortos eram forrados com esteiras; as crianças eram jogadas em valas de detritos[4]) foram identificados por todo o assentamento.[13]
  • Camadas III-V: o sítio neste período possui grande densidade e é caracterizado por habitações ovais com degraus (de madeira ou osso), abrigos em forma de ferradura e recintos cercados; a justaposição dos edifícios protegeram o assentamento da areia trazida pelo vento e sua organização e construção evidencia uma comunidade estritamente sedentária.[14]

A industria lítica é formada por machados cilíndricos alongados, machados trapezoidais, foices, pontas de flecha, raspadores, furadores, cabeças de clavas esféricas ou em forma de pêra (possível evidência de conflitos com comunidades vizinhas[15]), facas e serras unifaciais.[13] Figuras antropomórficas de barro,[6] moinhos de mão, mós, paletas (calcita, granito, pedra basáltica preta), vasos de pedra (basalto, diorito), implementos feitos com osso (furadores, arpões), marfim e chifres, pequenos objetos em forma de ovo (calcário) interpretados como pesos, um fuso e joias.[13] A cerâmica foi dividida em três tipos: cerâmica (camada I; composta por tigelas, copos e bacias) vermelha ou amarela-acinzentada polida, com temperamento de palha picada e decoração com padrões produzidos com espinhas de peixe; cerâmica (camada II; composta por cálices e copos com pés altos) preta polida com temperamento a base de palha, protuberâncias e semelhança com achados de El-Omari e Faium; cerâmica (camadas III-IV) semelhante a de Faium.[13]

A economia merindana era baseada na caça (auroques, antílopes, gazelas-dorcas, hipopótamos, gatos e porcos selvagens, hienas, chacais, raposas, leões, doninhas, lebres, ouriços, musaranhos, ratos, gerbilos, gerbos, tartarugas, crocodilos, aves[16]), pesca (peixes, mexilhões bivalves e mariscos), pecuária (ovinos, caprinos, bovinos e suínos) e agricultura (trigo, sorgo, cevada, ervilhaca, Rumex[17]).

A partir da segunda camada ocupacional de Merimde foram evidenciadas diversas características semelhantes entre Merimde e o Faium, especialmente a industria lítica e a economia[2]; alguns acreditam que a cultura Faiumiana originou-se em Merimde, enquanto outros imaginam que ambas descendam de ancestrais comuns provenientes da própria África (Núbia[18]) ou do Oriente Médio (Vale do Jordão[19]): "Merimde não é significativamente diferente das aldeias contemporâneas na Palestina, Chipre, e Mesopotâmia e apresenta nenhuma das características distintamente egípcias de povos badarianos".[20] No seio merimdano foram evidenciados elementos provenientes tanto do Oriente Próximo (machados lascados, enxós, clavas, vasos com pés, estatuetas e panelas de cabo longo de argila, poços de lama engessada para celeiros, decoração de vasos, criação de suínos, caprinos e ovinos, cultivo de trigo, sepultamento de mortos dentro do assentamento) como do Deserto Ocidental (pontas de flechas de base côncava, culto ao gado, machados cilíndricos, alinhamentos megalíticos, costumes habitacionais e fúnebres) o que indica contatos culturais entre estas regiões e Merimde.[13][21]

Em conformidade com as cabanas e túmulos produzidos por esta cultura, supõe-se que não houve estratificação social; nos túmulos raramente houve bens, e quando presentes consistiam em grãos ou pingentes.[13] A presença de hematita, material inútil para as atividades cotidianas, é uma possível evidência de práticas rituais;[22] ossos de hipopótamos também foram possivelmente utilizados em rituais.[23]

Referências

  1. Shaw 2000, p. 37
  2. a b Hassan 1988, p. 152
  3. Hawass 1988, p. 38
  4. a b «Merimde Beni-salame (the Merimde culture)» (em inglês). Consultado em 15 de fevereiro de 2012 
  5. Hoffman 1979, p. 168
  6. a b Bard 1999, p. 501-505
  7. Hoffman 1979, p. 170
  8. Butzer 1976, p. 16
  9. Friedman 1992, p. 173
  10. Hassan 1988, p. 151
  11. Shaw 1995, p. 212
  12. Hayes 1964, p. 104
  13. a b c d e f «Merimda Beni-Salama» (em inglês). Consultado em 15 de fevereiro de 2012 
  14. Hayes 1964, p. 105-106
  15. «Predynastic» (em inglês). Consultado em 15 de fevereiro de 2012 
  16. Boessneck 1988, pp. 13-21
  17. Krzyzaniak 1977, p. 89
  18. Seidlmayer 1998, p. 10-11
  19. Ginter 1989, p. 173
  20. Hoffman 1979, p. 176
  21. «Predynastic and Protodynastic Egypt» (em inglês). Consultado em 9 de fevereiro de 2012 
  22. Hoffman 1979, p. 177
  23. Hayes 1964, p. 112
  • Shaw, Ian (2000). The Oxford History of Ancient Egypt. [S.l.]: Oxford University Press. ISBN 978-0-19-280458-7 
  • Hassan, F. (1988). «The Predynastic of Egypt». Journal of World Prehistory. 2 (2) 
  • Hawass, Z.; F. Hassan; A. Gautier (1988). Chronology, Sediments and Subsistence at Merimda Beni Salama. [S.l.: s.n.] 
  • Hoffman, Michael (1979). Egypt Before the Pharaohs. [S.l.: s.n.] 
  • Butzer, K.W. (1976). Early Hydraulic Civilization in Egypt: A study in Cultural Ecology. [S.l.]: Chicago University Press 
  • Friedman, R.; B. Adams (1992). Followers of Horus. [S.l.: s.n.] 
  • Hayes, W.C. (1964). Most Ancient Egypt. [S.l.]: University of Chicago Press 
  • Bard, Kathryn A. (1999). Encyclopedia of the Archaeology of Ancient Egypt. Londres/Nova Iorque: [s.n.] 
  • Boessneck, Joachim (1988). A Fauna do Egito Antigo. Munique: [s.n.] 
  • Krzyzaniak, L. (1977). Early Farming Cultures on the Lower Nile. [S.l.: s.n.] 
  • Seidlmayer, Stephan (1998). Egypt’s Path to Advanced Civilization. [S.l.: s.n.] 
  • Ginter, Kozlowski; Bolesko Ginter (1989). The Faiyum Neolithic in the light of new discoveries. [S.l.: s.n.] 
  • Shaw, Charles Thurstah (1995). The Archaeology of Africa: Food, Metals and Towns. [S.l.]: Routledge. ISBN 0-4151-1585-X