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DA COSTA, EMÍLIA VIOTTI.

DA
ESCRAVIDÃO AO TRABALHO
LIVRE. IN: _____________. DA
MONARQUIA À REPÚBLICA:
MOMENTOS DECISIVOS, 1998.
PÁG. 343-364.
■ A partir desses temas e percepções, Elkins elaborou sua descrição dos dois sistemas
escravagistas radicalmente opostos: um, no qual o escravo era definido como propriedade, não
tinha garantias legais e era totalmente dependente dos caprichos de seu senhor; e outro, no qual
o escravo era reconhecido como ser humano, usufruía certos direitos e privilégios e
beneficiava-se da proteção da Igreja e do Estado. Segundo ele, nos Estados Unidos, a
miscigenação e a alforria eram condenadas, a concepção que o homem branco tinha dos
escravos e dos homens livres era distorcida pelo racismo e a discriminação era
institucionalizada; no Brasil, o preconceito jamais criava antagonismo entre brancos e negros e
as poucas práticas discriminatórias estabelecidas pelos códigos tradicionais acabaram por ser
abandonadas, permitindo que negros livres ascendessem na escala social, até mesmo às
posições superiores. Graças a essas distintas realidades – de acordo com Elkins –, a escravidão
nos Estados Unidos somente foi abolida após uma guerra de exterminação, enquanto o sistema
brasileiro pôde ser destruído sem comoção social. (Pág. 344)
■ Como era de esperar, as idéias de Elkins sobre a América Latina encontraram pouca
oposição entre os scholars norte-americanos. Mas nem todos os historiadores aceitaram
o rígido contraste que Elkins estabeleceu entre os dois sistemas: Arnold Sio (1954)8 e
David Brion Davis (1966),9 por exemplo, ficaram mais impressionados com as
semelhanças do que com as diferenças nos dois países. (Pág. 346)
■ Estes estudiosos, diferentemente de Gilberto Freyre e de seus adeptos, estavam
comprometidos com uma luta política contra as estruturas de classes, e lançaram uma
campanha mais ou menos sistemática para destruir as tradicionais mitologias sociais.
Em particular, atacaram os dois referidos “mitos” sobre escravidão e raça no Brasil: os
“mitos” da “democracia racial” e do “senhor benevolente”. (Pág. 46)
■ Em oposição a Elkins, Degler argumentou que nem a Igreja nem o Estado no Brasil
exibiram nenhum interesse real na humanidade do escravo ou usaram sua autoridade
para melhorar as relações senhor-escravo. Apesar disso, Degler concordou com Elkins
que, enquanto a discriminação legal cedeu lugar à integração racial no Brasil colonial,
nos Estados Unidos a discriminação foi gradualmente reforçada pela lei. A alforria era
legalmente proibida nos Estados Unidos; no Brasil, era socialmente aprovada e
encorajada pela Igreja e pelo Estado. (Pág. 347)
Concepção de Degler

■ Reconhecendo que o fato de ter o mulato sido a “válvula de escape” não é, apesar de tudo, suficiente
para explicar as distintas relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos, Degler finalmente adota um
modelo quase inteiramente idêntico ao de Elkins, opondo uma sociedade móvel, capitalista e
protestante, a uma outra, estável, tradicionalmente hierarquizada e católica. Degler, porém, usa o
modelo de uma maneira ligeiramente diferente. No Brasil, argumenta ele, não havia necessidade de
criarem-se estereótipos negativos ou de se discriminarem os negros, pois a sociedade era rígida, a
mobilidade social era limitada e controlada pelas classes superiores, e o sistema de valores
desencorajava a competição. Nos Estados Unidos, a mobilidade social e a competição exacerbavam o
ódio racial, que podia expressar-se abertamente num sistema político democrático, refletindo “os
desejos e os preconceitos dos homens comuns”. A classe inferior branca no Brasil era uma minoria
impotente. A adesão a uma ideologia baseada na liberdade e na igualdade levou os americanos a
considerar como não-humano todos os que não podiam ou não deviam desfrutar os “direitos
humanos”. Como a ideologia política brasileira foi imune à preocupação inglesa, protestante, com os
direitos individuais, a escravidão brasileira não sofreu as mesmas contradições ideológicas. (Pág. 348)
■ Um estudo da escravidão brasileira do século XVI até o século XIX tornará possível a
análise, primeiro, de como funcionou o sistema numa tradicional sociedade
“aristocrática” e, mais tarde, num moderno mundo “burguês”; segundo, de como tal
sistema foi justificado num mundo religioso governado pela Providência e, mais tarde,
num mundo secular governado pelos homens; terceiro, de como a escravidão se tornou
uma parte vital do sistema colonial num mundo mercantil, pré-capitalista, pré-
tecnológico, e como ela foi destruída num mundo em que o capitalismo industrial e a
revolução tecnológica gradualmente solaparam as relações tradicionais. Em suma, um
estudo da escravidão do período colonial até o período moderno permitirnos-á perceber
as conexões essenciais entre capitalismo e escravidão. (Pág. 351-352)
■ Existiu uma precisa correlação entre a acumulação de capital e o uso de escravos
africanos. Onde o capital não se acumulou, os colonos recorreram ao trabalho
indígena.19 A escravidão brasileira, como a escravidão em outras partes do Novo
Mundo, foi um sistema de exploração do trabalho baseado na posse sobre o trabalhador.
Os escravos foram vistos, ao mesmo tempo, como propriedade e como seres humanos –
uma contradição que gerava tensões permanentes. (Pág. 352)
■ Mais tarde, no Novo Mundo, portugueses e anglo-saxões desenvolveram diferentes
conceitos a respeito do negro.21 Historiadores têm argumentado que a percepção que os
brasileiros tinham dos negros foi fundamentalmente um legado da Península Ibérica. No
entanto, não se deve esquecer que a escravidão nas fazendas brasileiras diferia da
escravidão na Península Ibérica, onde os escravos eram empregados principalmente
como servos domésticos ou relegados à economia de subsistência. Se a tradição ibérica
teve algum impacto no Novo Mundo, ele foi bastante diferente daquele que Elkins,
Jordan e outros descreveram. No Brasil, desde o começo não houve dúvidas sobre o
status do africano: ele havia sido importado para ser escravo. (Pág. 353)
■ Com bastante freqüência os historiadores têm considerado o catolicismo uma abstração,
quando se deve, realmente, considerá-lo uma forma histórica concreta. Eles parecem se
esquecer de que os católicos portugueses do século XVI respeitavam facetas da doutrina
católica que teriam pequeno significado para os brasileiros do século XIX. A Igreja
católica no Brasil colonial tinha uma visão de mundo tradicional e um conceito
hierárquico e estático de organização de classe, que enfatizavam as obrigações
recíprocas bem mais do que os direitos individuais e a liberdade pessoal, além de
sacramentarem as desigualdades sociais. Segundo essa visão providencial do mundo, os
senhores nasciam para ser senhores e os escravos para ser escravos. (Pág. 355)
■ elite brasileira tinha uma atitude tolerante perante a miscigenação, e o proprietário de
escravos brasileiro raramente se envergonhava de reconhecer seus descendentes mulatos
e de garantir-lhes a alforria. Seguro de sua posição, controlando a mobilidade social por
meio do sistema de clientela e patronagem, e imbuído de uma ideologia conservadora,
ele não temia a população de negros livres. Os negros eram naturalmente segregados
num sistema social que lhes oferecia poucas oportunidades econômicas, excluía-os da
participação política e onde a ascensão na escala social só era possível quando
autorizada pela elite branca. (Pág. 356)
■ A elite brasileira, composta predominantemente por grandes proprietários e por
comerciantes envolvidos na economia de exportação-importação, estava interessada em
manter as estruturas tradicionais.29 Escolheram cuidadosamente os aspectos da
ideologia liberal que se adequassem à sua realidade e atendessem a seus interesses.
Purgando o liberalismo de seus aspectos radicais adotaram um liberalismo conservador
que admitia a escravidão e conciliaram liberalismo e escravidão da mesma forma que
seus avós haviam conciliado a escravidão com o cristianismo. (Pág. 358)
■ Convencidos de que a escravidão estava destinada a desaparecer, da mesma maneira que
os americanos da época estavam convencidos da inevitabilidade da democracia (uma
convicção nunca compartilhada pelos brasileiros), os latifundiários brasileiros decidiram
preparar-se para o inevitável. Já na década de 1850 fazendeiros das áreas cafeeiras –
alguns dos mais necessitados de mão-de-obra – tornaram-se interessados em promover a
imigração e em substituir os escravos por imigrantes.37 As primeiras experiências
falharam, e os fazendeiros de café recorreram ao tráfico de escravos interno. Mais tarde,
quando as pressões abolicionistas aumentaram e leis contra o tráfico entre províncias
foram promulgadas, os fazendeiros das áreas pioneiras buscaram na Itália os
trabalhadores de que necessitavam (Pág. 362)
■ O rápido crescimento das plantações de café fez do trabalho o problema mais urgente. Como
podiam os fazendeiros satisfazer suas necessidades de trabalho após a interrupção do tráfico de
escravos? O tráfico interno ofereceu uma solução temporária, mas a auto-reprodução dos
escravos não podia satisfazer a demanda imediata. Os fazendeiros das áreas em expansão
haviam encontrado a resposta na imigração. Provavelmente, não teriam procurado alternativas
para o trabalho escravo se não estivessem ante múltiplas pressões. Além disso, se tivessem
mais confiança nas possibilidades de sobrevivência da escravidão ou não tivessem encontrado
alternativas, teriam lutado para manter a instituição. Teriam tentado usar os mecanismos de
repressão disponíveis para interromper os abolicionistas e as fugas de escravos. Como eles não
se organizaram para defender a instituição, a escravidão foi abolida por um ato do Parlamento
sob os aplausos das galerias. Promovida principalmente por brancos, ou por negros cooptados
pela elite branca, a abolição libertou os brancos do fardo da escravidão e abandonou os negros
à sua própria sorte. (Pág. 364)

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