raa-n-16-mar-1989
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CANUDO MEN3ES
. 16
Desigualdades raciais e a família
estudos
AFROASIÁUCOS
.*^s
N® 16-Março de 1989 ,ssn 0,0,-546«
Diretor
Cândido Mendes
Editor
José Maria Nunes Pereira
Conselho Editorial
Candido Mendes, Carlos A. Hasenbalo r-
-Mariana'6''3’ JUareZ P'nheir° ^^o. Luiz Claudio í ^7' JaCqUeS d'Adesky-José Maria
YvonnX T Ga'Vâ°’ ^ Maria Santos Go'pot' e'S°n d° Valle Silva- OIMa
Yvonne Maggie anloa Gomes, Tereza Cristina Nascimento Araujo e
Conselho Consultivo
Beatriz Góis Dantas, Carlos Moreira Henri
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nanga, Manuela Carneiro da Cunha, Maria Beatrix n S ant°S’ Júlio Braga. Kabengele Mu-
Octávio lanni, Roberto Motta e Robert W. Slenes aSC,mento’ Marisa Corrêa, Milton Santos,
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4
\
Notícias do CEAA
A FRAMCOFOMIA
MO QUADRO DAS
RELAÇÕES
FRAMCA-ÁFRICA
*
Hélène Monteiro
^^osAfro-Asiáticos n^ 16,1989
Introdução
Na hierarquia entre os Estados, enquanto
atores na cena internacional, a França desem
penha papel secundário se comparada às duas
potências mundiais - União Soviética e Esta
dos Unidos. Apesar de suas pretensões de ex
pandir sua influência por todo o mundo, o Es
tado francês, devido a seus limites, se vê obri
gado a restringir sua atuação a um setor parti
cular das relações internacionais. Três fatores
garantem a esse ator estatal sua capacidade de
intervir na esfera internacional: a condição de
Estado nuclear, o fato de ser membro perma
nente do Conselho de Segurança da ONU e o
status de Estado com interesses mundiais.1
Mesmo sendo importante pólo de irradia
ção cultural, a capacidade militar e o poder
econômico do Estado francês não são sufi
cientemente fortes para permitir-lhe competir
em todos os setores da atividade internacional
com as duas superpotências. Assim, analisando
mais detalhadamente os referidos “interesses
mundiais”, verifica-se que, sem o continente
africano, área historicamente privilegiada da
influencia francesa, essa antiga potência colo
nial estaria praticamente reduzida à dimensão
européia, ou seja, a uma potência regional.
A manutenção de relações privilegiadas
com a África confere especificidade ao papel
da França no palco internacional. Como assi
nala Pascal Chaigncau, “não seria demais lem
brar, com efeito, que é a sua influência ao sul
do Saara que permite ainda à França conservar
o seu estatuto de grande potência ’.3
Dividida entre os projetos mais modestos
da integração européia (o que implicaria ceder
o terreno africano a outras potências) c o de
sejo de se afirmar intcrnacionalmcnte, a ten
dência da política externa francesa tem sido a
de se definir nitidamente no sentido da manu
tenção dos seus interesses na África. Para
Pierre Viaud, a França, enquanto media po
tência, se pretende manter ou desenvolver uma
política internacional-verdadeiramente sigm 1
cativa, deve antes de mais nada garantir o
controle dos ou a influência nos países onde
nenhum outro Estado pode exercê-los cia
7
do Estado-Maior dos Exércitos (1975-80).12
econômicos e políticos explicam a continuida tória ligados ao carvão foram c et*v Para Guy Méry, as posições no ultramar de
mesma maneira. Para compensar sua incapaci
de das relações França-África. suspensos, mas que as compras es’rat^ * (o vem ser protegidas na medida em que são de-
dade de espalhar alguma influência sobre todas
A África tem uma importância económica urânio continuaram. Por outro la o, en terminantes na definição do papel da França
as partes do globo como uma superpotência, a
essencial para a França enquanto fonte de as condenações verbais à política ° ^ internacionalmente. Em relação às antigas co
França deve procurar preservar um controle
matérias-primas, mercado para seus produtos se intensificavam, contraditoriamen e q lônias da África Negra, ele preconiza a im
exclusivo numa região precisa. Segundo
manufaturados, sua tecnologia c a alocação Primeiro-ministro Alexandre Dun^ cjro je plantação de uma política de “acompanha
Viaud, a manutenção da influência nos Esta
dos seus capitais, bem como para a implanta seu homólogo sul-afncano Cn\ítica externa mento” e não a substituição dos dirigentes lo
dos da África francófona esteve diretamente
ção de suas empresas. Ela garante, também, à 1985. A grande in°wnÇa°/%^ cais, tendo em conta os meios limitados da
ligada à necessidade de “irradiação” da Fran
França, a segurança dos aprovisionamentos cm francesa foi sua política tc i - África França, tanto mais eficaz se desenvolvida num
ça.4 Reforçando a concepção de Viaud, Pascal
matérias-primas estratégicas e balanças co do no plano econômico, n°s P Moçambi- ambiente de confiança recíproca. Quanto à
Chaigneau afirma que é precisamente essa es
Austral (principalmcntc ng 1 com as dimensão estratégica das relações com a Áfri
pecificidade de potência pós-colonial que per mercial c de pagamento favoráveis nas suas
trocas com o continente africano. Além disso, ca em geral, Méry acredita que elas precisa
deu a Indochina mas soube preservar sua di ......... ............... ...............................................................
o mecanismo da Zona do Franco, implantado riam ser resgatadas, nomeadamente com os
mensão africana que faz da França um Estado
atípico no concerto das relações internacionais em 1962, proporciona à França um papel de países da África Austral, em relação aos quais
deste fim de século. Nessa mesma linha de ra patamar mc"°s^ Guiné-Bissau c Cabo certas tomadas de posições políticas ou ideoló
terminante na definição da política monetária c
ciocínio, Jean-Pierre Benoît sustenta que o çambique, Botswana, gicas chegaram a vedar os próprios interesses
bancária das suas antigas colônias na África.
fato de a França conservar relações privilegia Todas as transações internacionais dos países Verde.9 franceses.
Para José Maria N. Pereira, Marcadas pela desigualdade, as relações
das com a África Negra francófona e manter da Zona do Franco efetuam-sc através do
“a Inglaterra, que já foi a potência colonial franco-africanas traduzem-se por uma intensa
sobre ela sua influência constitui uma contri Tesouro francês.6 Os esforços desenvolvidos
número um da África, não conservou, cooperação nos planos técnico, econômico
buição inestimável a seu status de potência pela França junto às instituições internacionais
anesar da Conunonwealth, laços tao íntimos financeiro, militar, político c cultural. A ma
mundial. Segundo esse autor, nem o Reino e européias no sentido da concessão de ajuda
com as suas antigas colonias como a Fran nutenção da hegemonia da França, principa
Unido, por falta de solidariedade em relação à financeira aos países africanos membros da
África, nem os Estados Unidos ou até os paí ca O número de países africanos da Com- mente na África subsaariana, possui mecanis
Zona do Franco tiveram uma repercussão po
molWcahh é de 14, contra mais de duas de mos próprios. Analisar esses mecanismos, en
ses socialistas têm igual influência nesse conti sitiva na última reunião dos ministros da Eco
zenas de Estados que participam dos Som- fatizando as dimensões histórica c cu tur
nente; esta, portanto, deve ser defendida a nomia e das Finanças dos países da Zona do ' e tem acordos, inclusive militares, com como fatores decisivos na reprodução
qualquer preço. Reforçar e melhorar a política Franco, realizada em 26 de março de 1988, cm França É preciso, contudo, levar cm mesmos, é a proposta deste artigo. Nesse s
de cooperação com a África francófona deve Bangui.7 • iXrão que os interesses britânicos tido, a francofonia detém particular re evan
ser o fundamento da política internacional No entanto, após ter conhecido o auge em
estão mais concentrados em outras partes na definição das relações França-África.
francesa.5 1984, o comércio franco-africano caiu muito
Dentro desse quadro, é possível entender do Terceiro Mundo, como na índia e no
em 1986, queda essa que se confirmou em
por que, após o curto período da experiência Caribe, por exemplo”’0
1987, segundo as últimas estatísticas. A con A francofonia nas relações
socialista, fundamentada na solidariedade com entretanto, a partir de 1986,
tração das vendas francesas é uma das conse- França-África
os povos do Terceiro Mundo para a implanta Observa- >^ cmprcsários britânicos cm
qüências da crise financeira e econômica que a
ção de uma nova ordem econômica, a política uma oíensiva francófona. O governo britâ- O que mais caracteriza a política da França
África atravessa. Segundo Jacques Gautrand,
da França de François Mitterand em relação à direçao a A cssc crescente pela África
essa queda das vendas francesas é preocupante em relação à África (essenciahnente,
Africa retomou os rumos tradicionais — a ve devido ao lugar privilegiado da África no co nico demons COmo no econômico. A ex-colônias) é a continuidade na mudança.
tanto no plano ^ “Ano da África Fran-
lha política inaugurada pelo general De Gaulle Durante o período colonial, a estratégiat das_
mércio externo do Hexagone. De fato, até
e implantada e fortificada pelos governos de operaçao d«» muitos efeitos por ter coin-
1986, o continente constituía o segundo cliente similação garantiu a constituição e u
Georges • Pompidou e Valéry Giscard cófona nao fricana e devido ao esforço
da França depois da Comunidade Econômica zida elite. De fato, a França conseg
D Estaing, respectivamente. Uma herança que cidido com a ens ^ sentido de defen- por para as colônias os valores fundai
Européia - CEE.8 desenvolvido pela
o governo socialista de Mitterrand, tendo em A política levada adiante pelo governo so da Revolução Francesa - “überdade ^da
der suas ClMsr«J' G^a ^traté^co-mflitar, o
vista o peso dos laços históricos e dos interes cialista francês pretendeu ser inovadora. Efe
Do P°"° peia África (principal- de, fraternidade” expandindo um _
ses pohtico-estratégicos, mais tem administra tivamente, a França foi a primeira a aplicar — tnteresse da Fr“nÇ Pias) é confirmado pelo ção posiüva da sua política na fa_
do que inovado. Parecia que, com esse último em janeiro de 1986 - as medidas aprovadas em mente as ® «; »^ ’ foi suces. sora dos direitos humanos e a i
governo, a política francesa na África sofreria setembro de 1985 pela CEE contra a África
general de exército Guy y 4 . , ciai, justificava-se a transposição dos seu^ *
uma reformulação - e houve de fato algumas do Sul. Mas, além de tardia, essa medida pre sivamente chefe do Estado-Maior partícula
tentativas nesse sentido. Na realidade, porém, lores culturais para as colonias
cisa ser analisada mais detalhadamente. Sabe do presidente da República (1974-75) e chefe
nada mudou. A persistência dos interesses 9
mos, por exemplo, que os contratos com Pre-
Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989
8 Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989
colonização. De outro lado, ancorada no mé
promoção cultural, social e administrativa, o
todo de “dividir para reinar”, a balcanização
que permitiu a implantação, em todos os ter
das duas entidades federais, a África Ocidental
ritórios, de administrações e de elites locais.14
Francesa - AOF e a África Equatorial Fran
De outro lado, analisando a dimensão estraté
cesa - AEF, visava impedir, a qualquer preço,
gica das relações culturais internacionais, Mô-
a realização da unidade africana. A constitui
nica Hertz assinala que a difusão de sistemas
ção da elite se efetuou essencialmente ao nível
de valores apresenta ainda uma face econômi
dessas duas entidades federais, através da con
ca, interligando-se à criação e reprodução de
cessão da cidadania francesa a um número re
mercados. A autora concede particular aten
duzido de africanos. Estes, profundamente
ção à relevância dos projetos culturais na
imbuídos da cultura francesa, vão tentar tri
constituição da ordem econômica internacio
lhar a independência no quadro da Constitui
nal, bem como à dimensão cultural de progra
ção. A eficácia da política assimilativa fran
mas em questões como a do desenvolvimento
cesa pode ser ilustrada pela definição de colo-
econômico. Para Mônica Hertz,
n^Çao apresentada por um dos intelectuais
t6f°S(responsáveis Pela elaboração de rela- o mercado de bens simbólicos internacio
nos tratando da presença francesa na África nal pode ser observado a partir de alguns
apresentados na Conferência Africana Fran ângulos propostos por Pierre Bourdieu,
cesa de Brazzaville, realizada em 1944: particularmente porque os bens culturais,
como afirmei anteriormente, são um re
él o dC T13 humano’ [colonização
curso de poder”.15
o eaiiilíiT ° qU!d ° homem visa estabelecer
o equilíbrio vital entre todos os grupos O papel dos intelectuais enquanto media
formando a humanidade.”13 dores do consenso deve ser destacado. En
A partir da Constituição de 1946 nassa a quanto as ideologias legitimam a dominação de
haver representantes eieitos da África CoL cima para baixo”, uma elite mediadora a le
gítima “de baixo para cima”. De fato, a partir
nunca TcTntece“ a^T'0 °
da metodologia proposta por Pierre Bourdieu
ta rzssões na Áwc’“*0^ para a análise dos modos de dominação, é
possível interpretar a assimetria da interação,
no âmbito da cena internacional, entre a Fran
ça e suas ex-colônias da África Negra. A re
Sida^pS^ FTAf™ conversão do capital econômico em capital
simbólico tal como formulada pelo autor per
permitia aos territôn^X ^^
mite apreender toda a articulação entre o cul
independência SenL S °ptarem P613
-^(menos^tT^ tural e o econômico16 e a reprodução das rela
ções França-África.
çao parece uma conseqüênci 8 u ’3 COOpera’ Dentro desse quadro, é possível entender
a fase de acesso à soS» ' Ugando
que os novos acordos concluídos anos depois
dos de cooperação a FZ H“'0"*1 a°S acor’ da independência entre a França e suas antigas
cionalizar o seu domínio poS“^“5“1“’ colônias constituem, na sua grande maioria,
cultural e manter os Estado °f’ eCOnomicoe uma simples revisão dos anteriores e não
dependência quase total Se e H“™8 "r™ questionam de modo algum a hegemonia fran
e ao Oriente Médio “ á^^
cesa nesses países.
zona relativamente tran - em Sldo uma _ A francofonia é a pedra angular das rela
francesa. Segundo Ja^H™?ahe8emOnÍa
ções culturais. A idéia de dar conteúdo e for
deve à política diferente Z'"8“'Isso se ma à comunidade formada por países que
África Negra, baseada no d adÍante na usam de modo diverso uma língua comum é
^eada no desenvolvimento da
antiga. Ela parte do postulado de que a prática
10
Estudos Afro-Asiáticos n^ 16, 1989
de uma mesma língua, fenômeno ele mesmo Na segunda metade do século XX, a França
resultante de laços históricos complexos, estabeleceu três tipos de relações jurídicas com
acarreta uma solidariedade particular e pro as suas colônias: o Império, a União Francesa
veitosa às diferentes partes. O projeto de or e a Comunidade Franco-Africana, fundamen
ganização do espaço francófono, ou seja, a tados, por sua vez, nos princípios jurídicos de
emergência do conceito de francofonia, visan “presença” e “intervenção”. Após a indepen
do à implantação de uma cooperação original, dência das suas ex-colônias, a legitimação da
foi, em larga medida, contemporâneo das mu hegemonia francesa na África subsaariana tra
tações político-institucionais ocorridas por duz-se pela elaboração e apresentação da
volta dos anos 60: de um lado, a independência doutrina da francofonia pelos dirigentes afri
das antigas colônias francesas da África subs- canos.20 Em 25 de março de 1960, em Bangui,
sariana; de outro, a reestruturação nacional o presidente Léopold-Sédar Senghor, no seu
das comunidades de língua francesa minoritá discurso de abertura da Conferência dos
rias no seio de certos Estados ocidentais e de Chefes de Estados e de Governos da União
sejosas de uma afirmação geopolítica, lingüís- Africana e Malgache - UAM, afirmava a ne
tica e cultural.17 cessidade dos Estados africanos de língua ofi
Uma diversidade de países participam da
cial francesa organizarem conjuntamente as
francofonia com maior ou menor intensidade.
suas relações com a França, propondo ao ge
Entre outros, o Canadá, Quebec, Haiti, Argé
neral De Gaulle uma conferência de chefes de
lia, Tunísia, os países da África subsaariana, o
Estados para viabilizar o projeto. Em setembro
Zaire, Ruanda e Burundi (que tiveram coloni
de 1961, a criação da União Africana e Mal
zação belga), as Comores, a Ilha Maurício, as
gache foi a primeira manifestação espontânea
Seychells, o Líbano, a Síria (onde o inglês
da francofonia. Dissolvida em março de 1964,
praticamente substituiu o francês), as antigas
foi transformada em união de caráter econô
feitorias da índia, o Vietnam, o Camboja, o
mico - UAMCE -, para levar em consideração
Laos e as ilhas da América Central. A esses
a existência da Organização da Unidade Afri
países juntaram-se, mais recentemente, algu cana - OUA, criada em 23 de maio de 1963,
mas antigas colônias portuguesas e inglesas.
em Adis-Abeba, por 30 países africanos. Mas,
Xavier Deniau identifica, entretanto, duas
para manter a sua coesão, o grupo francófono
zonas geográficas férteis em iniciativas fran-
resolveu criar nova organização, a Organiza
cófonas fora da Europa: Quebec e África.18
ção Comum Africana e Malgache — OCAM,
Um relatório das organizações e associa
cuja Carta foi assinada em Tananarive, em se
ções francófonas publicado pela Documenta
tembro de 1966, e se constituiria num marco
ção Francesa em 1984 registrou mais de 200
importante no desenvolvimento da francofo
organismos internacionais de cooperação fran-
nia. Esta influenciou a criação da Agência de
cófona multilateral ou bilateral.19
Cooperação Cultural e Técnica — ACCT, ins
A francofonia teria um duplo objetivo: de
tituição intergovernamental, em março de
um lado, a busca dc laços de. cooperação mais
1970, durante a segunda Conferência de
estreitos e eficazes na luta contra o subdesen
Niamey.
volvimento — prioridade dos países africanos;
de outro lado, a vontade de cooperar de modo O ano de 1986 foi um ano decisivo para
intenso, preservando as suas áreas de influên a francofonia. Menos de dois meses depois da
cia e a sua hegemonia para a França. Convém Conferência Geral da ACCT, realizada em de
assinalar o papel da iniciativa privada, traduzi zembro de 1985, em Dakar, Senegal, foi con
do pela criação de associações nacionais e in vocada em Paris a XII Cimeira [reunião de
ternacionais em vários domínios, acompa cúpula] dos Chefes de Estados e de Governos
nhando ou antecipando o avanço dos poderes Tendo em Comum o Uso do Francês (Versa
públicos. lhes, 17.2.86). Nessa reunião de cúpula, um
Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989 11
delegado do Quebec lembrou que a luta é de Gauile, essa política visa fazer da França uma
resistência à influência do inglês:
potência intermediária de significativa impor
“Não se esqueçam que 90% dos bancos de tância. Permite ao país fugir da hegemonia das
dados são em inglês e apenas 10% em fran grandes potências e oferece aos países africa
cês, além de existirem sete milhões de fran- nos e do Terceiro Mundo uma alternativa no
cófonos num meio de 250 milhões de an- sentido do não-alinhamento. Convém assina
glófonos.”21 lar, porém, que a França aparece também co
Para os países pobres - a maioria - a fran- mo defensora da Aliança Atlântica da Europa;
cofonia representa uma esperança de desen ela não apenas protege os seus interesses di
volvimento após o fim do sonho dos anos 70: a retos como participa de uma rede mais ampla
de relações de dominação econômica e políti
cooperação Norte-Sul e o insucesso das gran
des conferências internacionais. co-estratégica. Nesse sentido, o projeto da
Uma das conseqüências dessa conferência francofonia possui particular relevância. An
dos Chefes de Estado e de Governos foi a re corada numa herança histórico-cultural, a
definição das instâncias competentes em ma francofonia hoje transcende o espaço da Áfri
téria de francofonia. Assim, é registrada a ca subsaariana para englobar um número con
criação, na França, de um secretariado de Es siderável de países. A África oferece à França
tado encarregado da francofonia junto ao uma base para o desenvolvimento de relações
primeiro-ministro. com países africanos fora da sua esfera de in
Se no que tange aos temas mais gerais não fluencia (vide o alargamento das participações
se registram grandes inovações, antes e depois nas conferências). A dimensão cultural é es
da subida dos socialistas ao poder na França, sencial na política exterior francesa e, cm se
verifica-se, entretanto, um aumento significa tratando de países como o Brasil, por exemplo,
tivo da participação dos países africanos nas suas relações são fortemente marcadas por
conferências a partir de 1982. Trinta e sete ela.22 Não é por acaso que a primeira iniciati
Estados são convidados em média, a partir de va visando à divulgação e à irradiação cultural
1982, contra 24 entre 1981 e 1982. Desde a francesa - a criação da Aliança Francesa —
Guiné-Conakry, que se aproximou da ex- data do século passado. Essa irradiação per
metrópole em 1983, as Seychells, o Congo, passa todas as demais relações no âmbito in
que não se fez mais representar pelo ministro ternacional e encontra a sua expressão mais
das Relações Exteriores mas pelo próprio elaborada no projeto da francofonia.
chefe de Estado, e os países da Linha de Sem dúvida, o consenso que sustenta as
Frente (Angola, Moçambique, Botswana, relações França-África é essencial para expli
Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe), até o gigante car sua existência e permanência. O interesse
anglófono - a Nigéria - e a África do Norte das elites africanas em preservar relações de
(Egito, Sudão, Tunísia, exceto o Marrocos). tipo neocolonial é, no caso, determinante.
As conferências permitem à França mani
Embora admitindo o alargamento do cír
festar uma presençà predominante e amigável
culo da “família francófona” - para usar a
no seio de um continente bastante visado e à
terminologia do ex-presidente francês Geor-
África, garantir uma cooperação privilegiada
ges Pompidou -, os dirigentes das antigas co
em vários níveis. lônias francesas na África demonstram preo
A França, que perdeu boa parte do seu
cupação constante com a preservação da sua
prestígio internacional após as guerras colo
especificidade. Esta foi reiterada ainda recen
niais da Indochina e da Argélia, procura cada
temente, durante a sessão de abertura da XIV
vez mais afirmar-se enquanto “média potên Cimeira Franco-Africana de Antibes, entre 10
cia”, graças ao campo de ação do espaço geo-
e 12 de dezembro de 1987.23 Com efeito, os
político africano. Inaugurada pelo general De
africanos de expressão francesa reivindicam
12
Estudos Afro-Asiáticosn^ 16,1989
um passado histórico e uma língua comuns cofonia no seu projeto original, e ainda hoje
para justificar a manutenção de relações pri
retomado) permite justificar a opção pela con
vilegiadas com a ex-metrópole. tinuidade das relações França-África. As desi
Na realidade, quando se considera a XIV gualdades dentro do contexto nacional como
Cimeira de Antibes, verifica-se sua distância nas relações entre a França e as suas antigas
do projeto humanista de Léopold Sédar colônias não são abordadas. Sem dúvida, a
Senghor,24 fundamentado numa cultura reifi- questão cultural detém grande relevância no
cada. Nessa conferência, as questões econô projeto da francofonia. Mas é preciso consi
micas tiveram ampla primazia. Entretanto, os derá-la à luz dos interesses econômicos e polí
recursos, tanto do passado quanto da cultura, ticos aos quais está articulada.
são ainda utilizados para reproduzir as rela
ções do período colonial. Como afirma Yvcs
Benot, há dificuldade de tratar em profundi Conclusão
dade a questão crucial da ajuda externa e dos
investimentos privados capitalistas na O conceito de cultura foi, e ainda é, um
África.25 conceito-chave na compreensão das mudanças
e continuidade no âmbito das relações França-
Após a independência das antigas colônias
África. A sua utilização de um modo absoluto
francesas, a cultura passa a ocupar papel cen
pelas partes envolvidas sem dúvida encobre
tral na explicação e resolução dos conflitos
toda sua complexidade real. Com efeito, é in
reais ou potenciais. Deslocado dos contextos
dispensável estabelecer a articulação da di
históricos c sócio-econômicos objetivos, o
mensão cultural com os demais níveis do so
conceito de cultura é interpretado da mesma
cial, levando-se em conta todo o peso dos la
maneira em relação à francofonia, à negritude
ços históricos.27
ou à autenticidade. Trata-se de uma concepção
Apresentada como um projeto cultural, a
de cultura que visa harmonizar as relações
francofonia assume, na realidade, formas va
tanto no âmbito nacional quanto internacional.
riadas na cena internacional. A assimetria das
As duas heranças marcantes da África relações entre a França e os países africanos,
subsaariana, a pré-colonial e a colonial, são re- no bojo da qual surge a francofonia, é preser
elaboradas pelas elites dirigentes em torno da vada pela eficácia de uma rede silenciosa e
cultura numa continuidade histórica. Como extremamente dinâmica que a vontade dos
assinala Alain Bockel, depois da independên agentes alimenta de modo permanente. Não é
cia, o grande problema da maioria dos diri
por acaso que os dirigentes franceses, longe de
gentes africanos consiste em conciliar as con
reivindicarem a presidência dos organismos
tribuições pré-colonial e européia.26
francófonos, preferem manter uma atitude
A opção por operar com uma determinada discreta, apresentando-se como mediadores. A
concepção de cultura reflete a própria ambi- intensidade e complexidade das iniciativas
güidade das elites no seu papel de intermediá francófonas em diversos níveis garantem o
rias entre as duas realidades sociais. Assim, êxito do projeto. É indiscutível que o consenso
ora mergulham na mais profunda tradição, entre africanos e franceses fundamenta toda a
numa perspectiva quase essencialista (negritu negociação que rege a interação ao nível das
de, por exemplo), ora exaltam a cultura fran relações internacionais. A cooperação interna
cesa (no caso, a das ex-colônias da França), cional, amplamente solicitada pelos países afri
sem que o seu próprio papel social seja ques canos, não é discutida em seus fundamentos.
tionado. Em termos nacionais, há uma homo As relações França-África, pela sua natureza
geneização social pela cultura negra, africana desigual, refletem a profunda dificuldade dos
ou autêntica, enquanto no âmbito internacio países africanos de elaborar um projeto co
nal a cultura francesa (o fundamento da fran mum de construção da sua autonomia.
Estudos Afro-Asiáticos n- 16,1989 13
NOTAS
1 Marcel Merle, Sociologia das relações internacionais, Brasília, Ed. daUnB, 1981.
2 Pascal Chaigneau, “Afrique: de l’affectif au rationnel”, in François Joyaux et Patrick Wajsman, Pour une
nouvelle politique étrangère, Paris, Hachette, 1986.
3 Idem.
4 Pierre Viaud, “La politique militaire française et la sécurité africaine”, Marchés Tropicaux, 4.10.1985.
5 Jean-Pierre Benoît, Indispensable Afrique, Paris, Hachette, 1986.
6 A França desempenha um papel central no reforço dos meios financeiros que podem ser mobilizados pelas
grandes organizações internacionais. Ver “L’aide de la France aux pays d’Afrique Subsaharicnne”, Les Notes
Bleues, 24 de abril a l9 de maio de 1988.
7 “Réunion des Ministres des Finances de la Zone Franc”, Les Notes Bleues, 24 de abril a 1 - de maio de 1988.
8 Jacques Gautrand, “Le désarroi des patrons Français”, Jeune Afrique Economie, março de 1988.
9 “Chirac’s strategy”, West Africa, 19.5.1986.
10 José Maria Nunes Pereira, “Relações França-África: neocolonialismo e cooperação”, Estudos Afro-
Asiáticos, n- 13, março, 1987.
11 Charles Hargrove, “Grande-Bretagne: conquérir des chasses gardées”. Jeune Afrique Economie, n9 104, ja
neiro de 1988.
12 Guy Méry, Les conditions de notre sécurité”, in François Jayaux et Patrick Wajsman, Pour une
nouvelle. . ., op. cit.
13 Joseph Ki-Zerbo, Histoire de JAfrique Noire, Paris, Hatier, 1972.
14 Jacques Huntzinger, Introduction aux relations internationales, Paris, Ed du Seuil, 1987.
15 Mônica Hertz, “A dimensão cultural das relações internacionais: proposta teórico-metodológica” (trabalho
apresentado no Grupo de Trabalho Relações Internacionais e Política Externa, no XI Encontro Anual da Anpocs,
Aguas de São Pedro, SP, 1987, p. 23.
16 Pierre Bourdieu, Le sens pratique, Paris, Ed. Minuit, 1980.
17 Christine Desouches, Francophonie: du sommet de Paris au sommet de Québec”, Géopolitique Africaine,
n9 2, dezembro de 1986, Bruxelas-Paris.
18 Xavier Deniau, “La francophonie”, Que Sais-Je, PUF, Paris, 1983.
19 Louis Sabourin, “Le Premier Secrétariat d’Etat à la francophonie”, Géopolitique Africaine, n9 2, dezembro
de 1986, Bruxelas.
20 Xavier Deniau, “La francophonie. . .”, op. cit., mostra como mudou a estratégia da política francesa na
África com a implantação dos diversos organismos francófonos.
21 Jeune Afrique Economie, n9 106, março de 1988.
72 Bernard Dorin, “Brésil: quand les ambassades francophones agissent de concert”, Géopolitique Africaine,
n= 2, dezembro de 1986, Bruxelas.
Marc Aicardi de Saint Paul, “Le XIV e Sommet Franco-Africain, Antibes, 10-12 Décembre 1987”, Afrique
Contemporaine, n= M5, P trimestre de 1988, p. 55.
24 Léopold-Sédar Senghor, Liberté 3 - Négritude et Civilisation de f Universel, Paris, Ed. du Seuil, 1977, P. 80-
’02-
Yves Benot, Indépendances africaines-ideologies et réalités, Tomo I, Paris, Maspero, 1975.
Estudos Afro-Asiâticos n- 16, 1989
14
26 Alain Bockel e P.F. Gonidec, L'Etat africain - evolution - fédéralisme - centralisation et decentralisation,
Paris, Librairie Générale de Droit et Juriprudence, 1984, p. 116.
27 Yves Benot, Ideologias das independências Africanas, vol. 2, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1981,
p.152-65.
SUMMARY
This article discusses the importance of the use of - The African leaders’ desire to maintain prive-
the French language in the reproduction of unequal ledged relations with the ex-metropolis. In this sense,
French-African relations. the fact that the francophonie project was initially
The author attempts to demonstrate the imposition proposed by Africans soon after independence is ex
of the use of the French language within a wider con tremely significant.
text of international interests by concentrating on the - France’s interest in maintaining and expanding
articulation of cultural, economic and political di her influence in Africa.
mensions. - Both African and French initiatives toward the
Thus, three important factors guaranteed establishment of a increasingly complex and dynamic
the success and efficiency of the project: network of francophonie institutions.
RÉSUMÉ
Cet article a pour but de soulever un débat sur — la volonté des dirigeants africains de préserver
l’importance du rôle joué par la francophnie dans la des rapports privilégiés avec l’ex-métropole. Il est
reproduction des inégalités au sein des relations fran significatif à ce sujet de constater que le projet de
co-africaines. francophonie a été formulé et présenté, immédiate
A partir d’une idée centrale - il existe une articu ment après l’indépendance, sur l’initiative des afri
lation entre les dimensions culturelle, économique et cains;
politico-stratégique - l’auteur cherche à mettre en - l’intérêt qu’a la France de conserver et d’étendre
évidence l’insertion de la francophonie dans un vaste son influence en Afrique;
ensemble d’intérêts situés sur la scène internationale. - l’implantation, sur l’initiative d’africains et de
Trois facteurs garantissent la succès et l’efficacité français, d’un réseau de plus en plus complexe et dy
d’un tel projet: namique d’organismes francophones.
TABELA 4
Em milhões de dólares
Fonte: Takafusa Nakamura: Showa keizaishi (História econômica da era Showa), p. 203.
TABELA 5
TABELA 8
TABELA 9
LOCALIZAÇÃO POPULAÇÃO %
TABELA 10
1 840.000 71,9
1/2 - menor que 1 271.000 23,2
Menor do que 1 /2 36.000 3,1
Sem informação 22.000 1,8
NOTAS
1 Tomoo Handa, O imigrante japonês. São Paulo, T.A. Queiroz-Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, 1987, p.
4 . De acordo com o registro de Kowyamam “Imin yonjunenshi” (História dos 40 anos de imigração japonesa), S.
Paulo, 1949, p. 37, antes da chegada do Kasato-Maru já sc encontravam na cidade de São Paulo e no município de
Macaé (RJ) dezenove japoneses.
2 Teiiti Suzuki, The japanese immigrant in Brazil. Tóquio, University of Tokio Press, 1969.
3 Japan International Cooperation Agency - J1CA: “Kaigai ijú Tôokei” (Relatório estatístico de emigração),
Tóquio, setembro de 1987.
4 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934.
Art. 121 - (■ . •)
§ 6? - A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da
integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente
imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total
dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos.
§ 7- — É vedada a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União, devendo
a lei regular a seleção, localização e assimilação do alienígena.
5 Takafusa Nakamura, Showa keizaishi (História econômica da era Showa), Iwanami Shoten, Tóquio, 1986,
p. 196-7.
SUMMARY
This study outlines the trajectory of Japanese im ted tendency toward residence in urban centers, and
migrants and their descendants in Brazil since the first shows an age break-down of 33.3% from 0 to 15
groups arrived in 1908. The 256,125 Japanese immi years on one end, and on the other, 8.3% above 61
grants who came to Brazil inthc period covering 1908 years of age. Racial intcr-misture has reached an in
to December 1986, today represent a population of dex of 26.3%, while inter-cthnic marriages between
1,168,000. These Japanese and their descendants are descendants and non descendants represent 45.9% of
spread throughout almost all of the country, but are the total number of unions within the community.
most highly concentrated in the states of São Paulo Given this data, the study concludes that the Japa
and Paraná.
nese and their descendants arc going through a rapid
The Japanese community has shown an accentua- process of integration into Brazilian society.
RÉSUMÉ
Ce travail présente une ébauche dc la trajectoire accentuée à résider dans les zones urbaines. 33,3%
que les immigrants japonais et leurs descendants ont de ses membres ont entre 0 et 15 ans tandis que 8,3%
suivie au Brésil depuis 1806, époque où les premiers ont plus de 61 ans. Le taux de miscigénation s’élève à
d’entre eux y arrivèrent. Entre 1808 et 1986 débar 26,3% mais les mariages inter-ethniques (entre des
quèrent 256.125 nippons qui, avec leurs descendants, cendants et non descendants) touche 45,9% du total
constituent aujourd'hui une colonie de 1.168.000 des couples.
personnes. Ils se répartissent pratiquement sur tout le Pour toutes ces raisons, cette étude conclut que le
territoire national mais se concentrent surtout dans les processus d’intégration des japonais et de leurs des
états de São Paulo et du Paraná. cendants au sein dc la société brésilienne progresse de
La colonie japonaise présente une tendance façon accélérée.
Fontes: Jichi Sogo Center, Election System in Japan, Tóquio, 1986, e Japan Statistical Yearbook, 1987.
TABELA 2
CARGOS ESPECÍFICOS
TIPOS DE ELEIÇÕES
FIM DO MANDATO DISSOLUÇÃO
Legislativos
Membros da Câmara de Representantes
eleições gerais eleições gerais
Membros da Câmara de Chanceleres
(representação proporcional)
eleições ordinárias —
Membros da Câmara de Chanceleres
(representação distrital)
eleições ordinárias
Membros das Assembléias Prefeiturais
eleições gerais eleições gerais
Membros de Assembléias de Cidades e Vilas
eleições gerais eleições gerais
Executivos
Governadores de Prefeituras
eleições diretas —
Prefeitos de Cidades e Vilas
eleições diretas
TABELA 6
Câmara de Chanceleres
(Eleições de julho de 1986)
VOTOS VOTOS
PARTIDOS PROPORCIONAIS DISTRITAIS
ELEITOS % VOTOS ELEITOS % VOTOS
TABELA 7
Câmara de Representantes
(Número de candidatos por partido)
Fonte: Ministério do Interior, in R.J. Hrebenar, org. The Japanese Party... op. cit, p. 36.
TABELA 8
Fonte: R.J. Hrebenar, org., The Japanese Party..., op. cit., p. 40.
TABELA 9
Origens das facções do PLD
Fontes: R.A. Scalapino eJ. Masumi, Parties and Politics. . ., op. cit., A. W. Burks, The Government of Japan, Nova
lorque, Thomas Y. Crowell, 1964; e N. Tomita et. alii, “The Liberal Democratic Party. . .”, op. cit.
TABELA 10
Os resultados das eleições de junho de 1980 mei ocupa um lugar de destaque na política ja
indicam uma expressiva queda do Komei, re ponesa. Mas contra ele continuam a pesar
sultante dos escândalos que envolvem a Soka fortes suspeitas de tendências autocráticas e
Gakkai, particularmentc em 1979 e início de direitistas.
1989.30 Mas, após esse incidente, o partido vai
recuperar os melhores resultados das eleições
anteriores, tanto em 1983 como em 1986. 4.3. Partido Socialista do Japão — PSJ
Nesse ano, confirma-se sua posição como for
ça expressiva no cenário da política japonesa: No Japão, país cuja cultura tornava até as
57 representantes na Câmara de Represen idéias liberais chocantes, quando não subversi
tantes, 25 na Câmara de Chanceleres, 217 vas, o movimento partidário socialista vai sur
membros de Assembléias Prcfeiturais, gir como movimento ainda mais profunda
180 membros de Assembléias de Regiões Es mente estranho à sociedade e encontrará
peciais, 1.870 membros de Assembléias de Ci enormes dificuldades para existir enquanto or
dades e 1.171 membros de Assembléias de ganização partidária.
Vilas; ou seja, 3.521 eleitos.31 Os socialistas japoneses sofrem também as
O Partido Komei tem o apoio de um elei conseqüências das divisões internacionais do
movimento socialista, desde o início do século.
torado predominantemente constituído de
Também é um fato que a situação interna do
operários (25,4%), empregados de empresas
(21 4%). comerciários (17,4%) e autônomos país impõe aos socialistas japoneses um isola
(15 8%). Com uma imagem de fanatismo nas mento maior do contexto internacional. Essas
sua^ origens, ainda é visto por muitos como dificuldades acentuam-se com o fortaleci
mento do militarismo no Japão a partir dos
um perigo (‘‘militarista’’, “fascistizantc”, “ul-
anos 20, condenando as diferentes facções so
tranacionalista )•
cialistas à política clandestina.
Pregando um “socialismo humanitarista”, A reorganização aberta dos socialistas efe
verno de coalizão sem os comunistas tiva-se em novembro de 1945, com a junção
Um ^.hstituir o PLD no poder e uma posição
de três grupos: direita (Shamin-Kei), centro
* segurança' ° Par,ido Ko- (Nichiro-Kei) e esquerda (Rono-Kei). Todos
Nihon Shakaito
(unificação)
1960
1964
1970
1982
Sangatsukal
Fonte: R.J. Hrebenar, org., The Japanese Party..., op. cit, p. 104.
♦
Partido Trabalhista e Partido Socialista Reformador Novo Partido dos Agricultores
dos Agricultores (jan. 1948) (nov. 1948)
(dez. 1948)
Partido Socialista
Democrático
(jan. 1960)
Liga Socialista de
Cidadãos
(1977)
Federação Social-Democrática
(1978)
1960 8,8 17
1963 7,4 23
1967 7,4 30
1969 7,7 31
1972 7,0 19
1976 6,3 25
1979 6,8 36
1980 6,6 32
1983 7,3 39
1986 6,4 26
TABELA 15
TABELA 16
PCJ 121 (4- 33) 80(4- 6) 972 (4-46) 167(4- 8) 831 (4-55) 2.171 (4-14Q)
PLD 1.382 C-105) 204 (-28) 1.380 (-59) 440 (-37) 198 (-65) 3.604 (294)
PSJ 443 (+ 71) 126(4-14) 1.163 (-56) 115(4- 9) 454 (-51) 2.301 (-13)
Komei 186(+ 4) 128(4- 6) 1.200(4-51) 207(4-21) 580 (-29) 2.301 (4- 53)
104(4- 4) 71 (+ 2) 404 (-25) 49 (- 5) 45 (- 2) 673 (- 22)
PSD
ixnan Press Service, Japonese Polilics and the Communist Party, Tóquio, 1987.
Fonle: J Pd rênleses indica mudança em relação a 1983.
AF& Assemblies das Administrações Regionais de Tóquio.
Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989
54
TABELA 17
Câmara de Representantes 27
Câmara de Chanceleres 16
Membros de Assembléias Prefeiturais 108
Membros de Assembléias de Regiões Especiais 153
Membros de Assembléias de Cidades 1.599
Membros de Assembléias de Vilas 1.751
Total 3.654
TABELA 18
NOTAS
3 Nobutaka Ike, Japanese politics: patron-client democracy. Nova Iorque, Alfred Knopf, 1972.
^^^' ^or*' forties and party systems: a framework for analysis, Cambridge, Cambridge University Press,
5 Ronald J. Hrebenar, org., The Japanese party system. From one-party ride e to coalizion government,
Boulder, Westview Press, 1986:7,
6 Conferência de Raymond Aron realizada na London School of Economics and Political Science, em 27 de
outubro de 1981.7« Hrebenar, op. dt. p.9.
7 Y. Kuroda, Rede town, Japan: a study in community power structure and political change Honolulu, Univer
sity of Hawaii Press, 1974.
10 Scott C. Flanagan, "Voting behavior in Japan”, Comparative Political Studies, vol. 1, n. 3, outubro, 1968, p.
396-411; B.M. Richardsone S.C. Flanagan, "Political disaffection and political stability”, in R. T. Jannuzzi, ed..
Comparative SocialReserarch, Greenwich, JAI Press, 1980, p. 19-27.
This article outlines the basic characteristics of the portance of the voter, both of which are issues which
post-war Japanese electoral system, and then follows illucidate special advantages for the PLD.
up with an analysis of the relationship between the
This is followed by a succinct analysis of the most
electoral and the party systems. It points out that cer
tain characteristics of Japanese politics can be un important Japanese political parties, pointing out per
tinent historical factors for each and their reactive in
derstood by looking at the norms of the electoral sys
tem, and in particular, at the enormous strength of the fluence in the “Dicta” as well as in other institucio-
government party PLD. nalized legislative and executive dimensions.
It is worthwhile to point out certain connections By pointing out certain specific aspects of Japa
between the electorate and the political party system nese politics, the author criticizes analytical approa
in order to better understand the relations between the ches which emphasize them as something “unique”,
electoral system and the parties. The analysis gives and promises further articles dealing with this impor
particular emphasis to the size of districts and the im tant methodological question.
RÉSUMÉ
Cet article présente au lecteur un résumé des prin l’inégalité du poids des électeurs comme des faits
cipales caractéristiques du système électoral japonais pouvant élucider des avantages spéciaux obtenus par
après la guerre. Il établit ensuite un rapport entre le le PLD.
système électoral et le système des partis. Il montre Puis l’article traite brièvement des principaux
comment certaines caractéristiques de la politique ja partis politiques japonais, citant des faits appartenant
ponaise s’expliquent par les règles du système électo à l’histoire de chacun d’eux et montrant leur poids re
ral et, en particulier, par la force prédominante du latif au sein du Parlement ainsi que leurs autres di
parti gouvernemental, le PLD. mensions institutionnelles, législatives et exécutives.
Il faut préciser quelques uns des rapports existants Tout en signalant certaines caractéristiques pro
entre l’électorat et le système des partis si on veut cla pres à la politique japonaise, l’auteur critique ceux qui
rifier les relations qui se sont établies entre le système voient là des particularités uniques et promet un autre
électoral et les partis. L’auteur souligne en particulier article pour traiter de cette importante question mé
la taille importante des circonscriptions électorales et thodologique.
Este trecho acima traz-nos uma dimensão “Era mui bela e formosa
que talvez Luiz Gama tenha sonhado para a Era a mais linda pretinha,
sua poesia. Nele podemos observar a recupe Da adusta Líbia rainha,
ração simbólica através da invocação, um re Os braços torneados que alucinam,
curso próprio da poesia épica. É provável que, Quando os move perluxa com langor,
não fossem as limitações de sua atividade lite A boca é roxo lírio abrindo a medo,
rária em face da urgência de sua luta pelo fim dos lábios se destila o grato olor.
do cativeiro, como bem o demonstra Sud
E no Brasil pobre escrava!
Mennucci,® certamente teria recorrido a este Oh, que saudades que eu tenho
gênero tão tentador, pelas possibilidades his Dos seus mimosos carinhos,
tóricas da secular saga da diáspora africana. Quando c’os tenros fílhinhos
Ainda no mesmo texto, a nível da propositura, Ela sorrindo brincava.
outro recurso tradicional da epopéia, diz:
Palmares”:
Estudos Afro-Asidticos n- 16, 1989
62
O colo de veludo Vénus bela
Se a sátira servia como arma de luta contra
Trocara pelo seu, de inveja morta;
os que o oprimiam e a seu povo, não era apro
Da cintura nos quebros há luxúria
priada para a valorização de sua gente quando
esta se constituía tema central do texto. Neste que a filha de Cyneras não suporta.
aspecto, as malhas românticas de seu tempo A cabeça envolvida em núbia trunfa,
acolhiam-no na idealização. Os seios são dous globos a saltar;
Os poemas em que Luiz Gama traz à tona a A voz traduz lascívia que arrebata,
figura da mulher negra seguem a via românti - É cousa de sentir, não de contar.
ca. Assim é “Cativa”, onde dirige palavras de Quando abrisa veloz, por entre anágoas,
amor a uma mulher escravizada: Espaneja as cambraias escondidas
Deixando ver aos olhos cobiçosos
As lisas pernas de ébano luzidias,
“As madeixas crespas negras
Sobre o seio lhe pendiam, Santo embora, o mortal que a
Onde os castos pomos de ouro > [encontra pára;
Amorosos se escondiam Da cabeça lhe foge o beato siso;
Tinha o colo acetinado Nervosa comoção as bragas rompe-lhe
- Era o corpo uma pintura E fica como Adão no Paraíso.
E no peito palpitante Meus amores são lindos, cor da noite
Um sacrário de temura Recamada de estrelas rutilantes;
São formosa creoula, ou Téthis negra,
Não te afastes, lhe suplico Tem por olhos dous astros cintilantes.
És do meu peito rainha; Ao ver no chão tocar seus pés mimosos,
Não te afastes, neste peito Calçando de cetim alvas chinelas,
Tens um trono mulatinha!...”1' Quisera ser a terra em que ela pisa,
Também em “Meus amores” está presente Torná-las em colher, comer com elas,
a expressão romântica dos sentimentos aliada a São minguados os séculos para amá-la.
certa sensualidade na descrição feminina. Em De gigante a estrutura não bastara,
bora seja longo, é importante que o mesmo De Marte o coração, alma de Jove,
seja citado na íntegra, pois que tem encontrado Que um seu lascivo olhar tudo prostrara.
pouca guarida no que se publicou de Luiz Ga Se a sorte caprichosa em vento, ao menos,
Me quisesse tornar, depois de morto;
ma:
Em bojuda fragata o corpo dela,
“Meus amores” As saias em belame, a tumba em porto,
Como os Euros, zunindo dentre os mástros,
Pretidão de amor.
Eu quisera açoitar-lhe o pavilhão:
Tão leda a figura
O velacho bolsar, bramir na proa,
Que a neve lhe jura
Pela popa rojar, feito um tufão.
Que mudara de cor.
(Camões - "Endeixas”) Dar cultos à beleza, amor aos peitos,
Sem vida que transponha a eternidade,
Meus amores são lindos, cor da noite
Bem mostra que a sandice estava em voga,
Recamada de estrelas rutilantes;
Quando Uranus gerou a humanidade.
São formosa creoula, ou Tethis negra
Tem por olhos dous astros cintilantes. Mas já que do fado iníquo não consente,
Que amor, além da campa, faça vasa,
Em rubentes granadas embutidas
Ornemos de Cupido as santas aras,
Tem por dentes as pérolas mimosas,
Tu feita em fogareiro, eu feito
Gotas de orvalho que o inverno gela [em brasas.12
Nas breves pétalas de carmínea rosa.
63
Estudos Afro-Asiáticos n? 16,1989
kA caracterização do texto não deixa dúvi bretudo ao nível da relação homem-mulher.
das quanto à mulher referida. Trata-se da Referindo-se a si mesmo como poeta, escreve
mulher negra. O poema foi publicado no jornal num outro poema:
satírico Diabo Coxo em 1865. Neste momento
“Mordendo na sola
da história do país, em que as escravas eram
Empunho o martelo
vítimas das mais insondáveis violências sexuais
Não queiras com brancas
praticadas pelos seus senhores brancos, é sin
Meter-te a tareio.
gular que Luiz Gama dedique sua afetividade e
possibilidades poéticas naquela direção. O Que o branco é mordaz
amor, um dos valores centrais do Romantismo, Tem sangue azulado
estava vedado ao escravo, considerado objeto Se boles com ele
do homem branco. Recuperar este valor, asso Estás embirado....”1 6
ciado à visão realista que lhe é própria, foi a Mesmo com essa consciência explicitada,
realização do nosso “Getulino” (pseudônimo
além do fato de que tanto em “Junto à está
com que assina o texto). As duas últimas es
tua” quanto em “Laura” ter finalizado atri
trofes revelam-nos o quanto o poeta tinha os
buindo às suas musas as categorias de “Gelada
“pés no chão” para não se perder em plato
estátua de grosseiro mármore!...” e “...uma
nismos. Reconhece o limite humano do amor
estátua - exemplo de beleza/E como ela de
(entre homem e mulher), propondo que a ama
mármor tinha o peito!”, o que dá um verda
da seja ’’feita em fogareiro” e ele “feito em
deiro contraponto com o último verso de
brasas”. Além disso, ao comparar sua “Téthis
“Meus amores” (“Tu feita em fogareiro, eu
Negra” e “Vénus”, a esta vai atribuir a “inve
feito em brasas”), mesmo assim não faltou a
ja” do colo da outra e a incapacidade de su
incompreensão dos críticos, ou melhor, a rea
portar a “luxúria” nos requebros da outra.
ção tão evidente do revanchismo branco que, a
Aqui, sutilmente, o poeta contrapõe estética e
seu tempo, Luiz Gama teve que enfrentar com
sensualidade da mulher negra e branca, privi
muita coragem.
legiando a primeira.
Roger Bastide vê, nos primeiros versos de
Luiz Gama produziu dois poemas em que
“Meus amores”, a permanência de complexo
tece louvores à mulher branca: “Junto à está de inferioridade, “um acento de despeito mais
tua” e “Laura”. Seu tom sensual não se repri ou menos dissimulado, neste impulso para di
me ante as virgens de “nevado” ou “níveo rigir-se a outros amores depois do fracasso do
colo”, de “cabelos louros” ou “em ondas de primeiro”.10 David Brookshaw, baseando-se
ouro”: no argumento de que “para o escritor negro, a
extensão de seu condicionamento à idéia de
Curvando o seio de alabastro fino, branco positivo e preto negativo é uma medida
Mimosa imprime nos meus lábios negros de sua dependência dos precedentes brancos
Gostoso beijo de volúpia ardente!”13 literários e culturais que continuam a escravi
zá-lo...”, insiste que Luiz Gama “também de
monstrou sua fascinação pela beleza loura,
Dá-me em teu peito
aristocrática”.17
De amor gozar;
Pode-se censurar Camões no poema, que
Um volver d’olhos,
teve um trecho utilizado como epígrafe ao
Um beijo apenas
poema “Meus amores”, em que diz: “Presença
Entre as verbenas
serena/que a tormenta amansa;/nela enfim
Do teu pomar.”14
descansa/toda a minha pena”, por se tratar de
Mas Gama tinha plena consciência das li uma “Pretidão de amor”?10 Ou Manuel Ban
mitações que o branco impunha ao negro, so deira com sua “Irene preta/Irene boa/Irene
“Só corta com vontade nos malandros A rejeição do outro, um dos traços do ra
cismo ao nível afetivo, nas Trovas é metida no
Que fazem da Nação seu Montepio;
pelourinho. Como acentua Massaud Moisés
No remisso empregado, sacripanta,
acerca da sátira: “... o ataque é a sua marca in
No lorpa, no peralta, no vadio.”2 0
delével, a insatisfação perante o estabelecido, a
Dessas categorias sociais os escravos esta sua mola básica.”28 Luiz Gama teve uma tra
vam totalmente excluídos, sem nenhum direito jetória de insatisfação, sem contudo fazer
à cidadania. Se, entretanto, nessa época, pela apelo ao cultivo da angústia, resultado muito
NOTAS
3 . Idem, p 20.
4 “Os glutões”, in J Romão da Silva, Luís Gama e suas poesias satíricas Rio de Janeiro, Casado Es
tudante do Brasil, 1954, p. 175.
5 . “Lá vai verso”, idem p. 113.
6 Sud Mennucci, op. cit., p. 105: "O seu repentino e definitivo abandono do campo da literatura, parece-me um
caso de renúncia voluntária c propositada. A vida exigia dele bem maiores provas da capacidade e de valor. E a li
berdade dos negros, sujeitos à tirania dura c feroz da servidão corporal, acabou por se transformar, em pouco
tempo, na sua máxima, na sua invencível paixão, alvo e razão justificativa de sua existência.”
SUMMARY
RÉSUMÉ
Luiz Gama (1830-1882), l’une des plus impor c’est à São Paulo qu’il a exercé ses activités d’avocat
tantes figures de l’abolitionnisme, constitua, au sein et de tribun de la cause abolitionniste. L’actualité de
du contexte brésilien du siècle dernier, un exemple
son oeuvre satyrique vient du fait qu’aujourd’hui en
unique dans la lutte contre le régime esclavagiste aussi
core au Brésil se perpétuent la politique du favoritis
bien sur le plan social que sur le plan économique. La
me et le refus de l’identité ethnique ou culturelle. Sa
trajectoire de son existence est intimement liée à la sa
poésie romantique révèle une subjectivité marquée
ga de son peuple. Ce précurseur fut esclave pendant par l’amour-propre face à sa condition de noir. Elle
environ 8 ans bien qu’étant né libre et ayant vécu dans constitue une intention d’affirmation collective et une
cette condition jusqu’à l’âge de 10 ans, quand il fut prise de position anti-raciste. Là aussi il existe une
vendu par son propre père.
correspondance avec l’actualité brésilienne. Cet écri
Critique féroce de la société, Gama est le premier vain abolitionniste a publié en 1859 un recueil de vers
poète satyrique noir du Brésil. Sa poésie révèle, entre intitulé: "Premiers Poèmes Burlesques de Getulino*’.
autres, l’idéologie du blanchissement qui, comme on
le voit n’était pas récente au Brésil et révélait à quel Luiz Gama s’était donné un surnom: “L’Orfée aux
point la société se refusait à tout mélange racial, em cheveux crépus”: il s’est anticipé à la métaphore sar
ployant pour cela la discrimination et l’exploitation trienne dans l’approche que celleci fait du mouvement
économique des noirs brésiliens.
de la négritude. Par ses "Poèmes”, il s’est également
Fils de Luiza Mahin - une africaine révolu montré un précurseur du courant afro de la littérature
tionnaire —, Luiz Gama était originaire de Bahia. Mais brésilienne actuelle.
7 Andrade, M. (s d : 78)
8 Santos(s d : 201)
10 Assis(1986: v. 1.581-582)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VIEIRA, Antônio. Sermões: problemas sociais e políticos do Brasil. 2s ed São Paulo, Cultrix, 1981
An historical observation of Brazilian literature action in the case of Blacks, and even more so of Mu-
shows that one of its most long-standing traits has be lattoes, who were moving socially closer to Whites;
en the ability to create hybrid symbols, by undermi the resulting stereotypes being behing the ideas that
ning original amerindic connotations and by combi Blacks are morally inferior, rude, vain, dishonest,
ning native cultural models with European interpre criminal, disloyal, and so on.
tations; the results being a representation of native With the stablization of the new economic system
culture through European cultural perspectives. and the continuing structural use of racial criteria as a
By verifying that these hybrid symbols correspond basis for social stratification, the literary representa
exactly to the commonly perpetuated stereotypes of tion of Blacks underwent a change. However, instead
the Indian in Brazilian society, the article hypothezes of reversing stereotyped characterizations, it mearly
that Black stereotypes have a correspondingly similar modified them into new hybrid symbols with a more
structure, based on their own specific historical gene positive connotation.
This connotation promoted sympathy for Blacks,
sis. changing their image from stupid to pure, from pri
Black stereotypes in Brazilian literature first ap
peared in the middle of the 19th century, thus coensi- mitive to exotic, from amoral to clever. Serving the
ding with the decline of slavery and the establishment historical need to diminish racial conflicts, this new
of salaried labor, in which Blacks enjoyed theoretical connotation nevertheless contained elements to deal
equality with Whites. The literary characterization of with Blacks who crossed the line of “niceness”. These
Blacks was put into operation in this period, or better, were once again classified according to previous ste
it was during this time that a hybrid of stereotyped reotypes, but from a distance, as if the writer were
RÉSUMÉ
As 30 páginas do “Álbum” de Maria Fir O segundo registro no diário tem este título
mina que chegaram até nós, publicadas por (20.5.1853, aos 28 anos). Numa cena que des
José Nascimento Morais Filho em Maria Fir- creve a natureza ao gosto de Chateaubriand e
96 Estudos Afro-Asiáticos n-16, 1989
Alencar, Maria Firmina lastima o falecimento das por Flaubert em Un coeur simple e Autran
da mãe e recorre a Deus. Entre as incontáveis Dourado em Urna vida em segredo expressam
mortes relatadas no diário - de crianças, ami o interior de vidas de mulheres que esbarram
gas, da avó, da mãe - e as partidas para Belém tragicamente no silêncio da ausência, levadas
e São Luís, Maria Firmina cita Garrett, de pela impossibilidade de expressão, e cujo único
quem toma a expressão mais usual no seu diá desfecho possível é a morte. Como a saída es
rio: “campa” (10.8.1858). Felizmente, alguns colhida, na modernidade, por Virgínia Woolf,
nascimentos, primeiros passos e primeiros Sylvia Plath, Ana Cristina César, e muitas ve
cortes de cabelo, sorrisos e algaravias dos fi zes vividas através de doenças psicossomáticas
lhos de criação interrompem essa tônica. fatais, como em Isak Dinensen e Clarice
A 2 de fevereiro de 1861, aos 36 anos, a Lispector.
escritora muda-se para uma casa noval mas
seu estado de espírito não melhora: “Resumo de minha vida”
2 Luís Gama, “Quem sou eu”, in Heloísa Toller Gomes, O negro e o Romantismo brasileiro, São Paulo, Atual,
1988.
3 Maria Firmina dos Reis, Ursula, São Luís, Typographia do Progresso, 1859, 199 p.; republicado em 1988
pela Editora Presença e o Instituto Nacional do Livro, atualizado por Luiza Lobo e com prefácio de Charles Mar
tin.
4 José Nascimento Morais Filho, Maria Firmina — fragmentos de uma vida, São Luís, Governo do Estado do
Maranhão, 1975.
5 Idem, p. 211.
6 Horácio de Almeida, “Prefácio”, in Maria Firmina dos Reis, Ursula, edição fac-similar, Rio de Janeiro,
Olímpica, 1975.
7 Op. cit.
8 Maria Firmina dos Reis, Cantos à beira-mar, São Luís, Typographia do Paiz, 1871, 208 p.; republicado em
1976, pela Editora Granada, Rio de Janeiro, com prefácio de Jose Nascimento Morais Filho.
9 Ver Luiza Lobo, Tradição e ruptura: 'O Guesa', de Sousãndrade, São Luís, Sioge, \919, e Épica e moderni
dade em Sousândrade, Rio de Janeiro/São Paulo, Presença/Edusp, 1986.
10 Maria Firmina dos Reis, “A escrava”, Revista Maranhense, ano I, n. 3, novembro de 1887; republicado em
José Nascimento Morais Filho, Maria Firmina. . ., op. cit., p. 124.
18 São Luís, ano III, janeiro de 1869; republicado em José Nascimento Morais Filho, Maria Firmina. . ., op-
cit-,p. 76.
19 Escrito em 1861 e republicado em José Nascimento Morais Filho, Maria Firmina. . ., op. cit., p. 102-34.
20 Idem, p. 213.
21 Ver Luiza Lobo, “Dez anos de literatura feminina brasileira”. Letras de Hoje, vol. 21, n. 4, Porto Alegre,
PUC-RS, dezembro de 1986, p. 107-25, e “Women writers in Brazil today”. World Literature Today, vol. 61, n.
1, Oklahoma, The University of Oklahoma, inverno de 1987, p. 49-54.
22 “Lágrimas de velhice” foi encontrado por Nascimento Morais Filho, escrito em papel almaço. Não se sabe
se fazia ou não parte do “Álbum”. Ver José Nascimento Morais Filho, Maria Firmina. . ., op. cit., p. 252.
A reexamination of the abolitionist period of Bra re (1871) are also of a patriotic nature, but were mo
zilian literature must certainly call attention to the deled after the ultra-romanticism style of the “mal-
contributions of Maranhense writer, Maria Firmina du-siécle”, typical of authors such as Gonçalves Dias,
Álvares de Azevedo, Gentil Homem de Almeida Bra
dos Reis.
Her novel Ursula, published in São Luiz do Mara ga, her relative SOtero dos Reis, but also of Byron and
nhão in 1859, was the first to be written by a woman Lamartine, not to mention Tomás Antônio Gonzaga.
and was also the first in Brazil to deal with abolition. The article presents a study of excerpts from “The
Born in São Luís into a poor racially-mixed family of Slave” and Ursula, as well as poems from Songs at
bastard parentage, Maria Firmina dos Reis the Seashore which deal with the question of black
(1825-1917) spent her life from five years on with her slavery. A parallel is drawn between Ursula and Uncle
family in Vila de Guimarães in the continental muni Tom’s Cabin by Harriet Beecher Stowe - which had
already been published in Portuguese in 1853 - using
cipality of Viamão, and became the first primary tea
cher to be confirmed by public examination in the Charles Martin’s introduction to the recently repu
blished editions of Úrsula by Editor Presença - INL,
state of Maranhão.
Horácio de Almeida of Paraiba was responsible in the Resgate Collection edited by Prof. Luiza Lobo.
for the discovery of the novel and conducted the first One of the most impressive documnts by Maria
Firmina dos Reis - and hence of the history of the
research into the life of its author. These efforts were
19th century Brazilian mentality - is her “Album”,
continued by the historian José Nascimento Morais
probably the first diary by a Brazilian authoress, in
Filho of Maranhão, who gathered together a great
which she contemplates suicide in her own distinct
deal of authentic biographic data along with recooped
original manuscripts in his book Maria Firmina - open and confessional style.
This article looks to Maria Firmina dos Reis as
Fragments of a Life (1975). Among others, the book
a fundamental example of the need to reexamine Bra
includes the short stories “The Slave” and "Gupeva’,
zilian literature using black intellectual values as a
poems published in the Maranhense press, along with
starting point; hers is an example of self-sacrifice and
the Charades, Enigmas, musical folk compositions
ieological defense of her ethnic group and of her ama
and patriotic hymns dedicated to the slaves and to the
zing 19th century Brazil - in contrast, for example, to
“Patriotic Volunteers” who returned to Maranhão
her Maranhense contemporary Joaquim de Sousan-
from the war with Paraguay (1870-1871). Many
poems from her second book Songs at the Seasho- drade.
RÉSUMÉ
101
Estudos Afro-Asiâticos n-16,1989
xième livre de Firmina: Chants au Bord de la
L’un des documents les plus impressionnants de
Mer (1871) traitent aussi de thèmes patriotiques mais Maria Firmina dos Reis — et, par conséquent, de
ce qui y prédomine, c’est l’ultra-romantisme typique
l’histoire des mentalités au Brésil au XIX è siècle est
du Mal-du-Siécle, propre à æs modèles littéraires,
son ’’Album”. C’est, très probablement le premier
dont les principaux étaient Gonçalves Dias, Álvares
journal écrit par une femme brésilienne. Dans son st
de Azevedo, Gentil Homem de Almeida Braga, So-
yle dépouillé et confidentiel elle entrevoit le suicide
tero dos Reis (qui était son parent), Byron, Lamartine
et Tomás Antônio Gonzaga. dans cette oeuvre qui compte seulement 30 pages.
L’article étudie das passages de "L'esclave” et de
"Ûrsula” ainsi que des poèmes de "Chants au Bord de L’auteur de cet article considère que Maria Firmi
la Mer” qui traitent des problèmes de l’esclave noir. II na dos Reis constitue un exemple fondamental pour
établit des parallèles entre Ursula et La Cabane de ceux qui se proposent de récrire la litterâture brési
F Oncle Tom de Harriet Beecher Stow (publié en por lienne en y réintégrant les valeurs intellectuelles noi
tugais dès 1853) à partir de l’introduction que Charles
res. Elle représente un exemple admirable d’abnéga
Martin feit à la réédition de Ursula récemment publiée
tion, de défense idéologique de son groupe ethnique et
par Les Editions Presençu - INL dans la collection
de son pays au XIX è siècle. Elle diffère en cela de son
Resgate qui est coordonnée par Mme le professeur
Lufza Lobo. entemporain du Maranhao Joaquim de Sousa Andrade
(Sousândrade.
102
Estudos Afro-Asiâticos n? 16, 1989
UMA PERSPECTIVA Se me pedissem para apontar alguns con
ceitos capazes de fornecer uma perspectiva de
DE ANÁLISE PARA O análise apropriada na avaliação do teatro ne
gro americano, eu indicaria quatro textos. Es
TEATRO NEGRO tes foram extraídos da obra do poeta afro-
AMERICANO* americano Paul Laurence Dunbar, do intelec
tual ativista W.E.B. DuBois, da ex-escrava e
abolicionista Soujourner Truth e do psiquiatra
Frantz Fanon, da Martinica. Dos quatro, ape
Sandra L. Richards** nas um dos textos trata especificamente dos
desafios da criação artística. Contudo, todos
eles apontam para direções conceituais básicas
no desenvolvimento da cultura negra na Amé
rica do Norte.
NOTAS
1 Audre Lorde, “The Master’s Tools Will Never Dismantle the Master’s Monse”, in Sister Outsider: Essays and
Speeches, Trumansburg, NY, The Crossing Press, 1984, p. 112. Ver, também, Nancy Hartsock, “Rethinking
Modernism: Minority vs. Majority Theories”, Cultural Critique, n.l, outono, 1987, p. 187-206. Sou grata ao
Professor Serge Bellei, da UFSC, cujas perguntas me alertaram para a necessidade de tornar explícita minha posi
ção no que se refere à questão das teorias literárias pós-modernas e do Terceiro Mundo.
2 Paul Laurence Dunbar, “We Wear the Mask”, in Richard Barksdale c Kencth Kinnamon, cds., Black Writers
of America: A Comprehensive Anthology, Nova lorque, The Macmillan Company, 1972, p. 352 (primeira edição
em 1895).
3 W.E-B. DuBois, The Souls of Black Folk, Greenwich, Conn., Fawcct Publications, Inc., 1961, pp. 16-17
(primeira edição em 1903).
4 Sojourner Truth, “And Ain’t I a Woman?”, in Bert James Locwcnbcrg c Ruth Bogin, cds., Black Women in
Nineteenth Century American Life, University Park, Pennsylvania State University Press, 1976, p. 235 (primeira
edição em 1881).
5 Frantz Fanon, The Wretched of the Earth (trad. Constance Farrington), Nova lorque. Grove Press, Inc., 1968.
p. 235.
6 Robert C. Toll, Blacking Up: The Minstrel Show in Nineteenth Century America, Nova lorque, Oxford Uni
versity Press, 1974, p. 28.
7 Eleanor W. Traylor, “Two Afro-American Contributions to Dramatic Form”, in Errol Hill, cd., The Theater
o/B/aa/^”cfl^I,Eng!eW^ Prentice-Hall, Inc., 1980, p. 51.
g William Wells Brown, “The Escape; or, A Leap for Freedom”, in James V. Hatch, cd.. Black Theater,
c A • Forty-Five Plays by Black Americans, 1847-1974, Nova lorque. The Free Press Macmillan Publishing
CO .IÍ-, >”4. PP- 30-58.
Ver Sandra L. Richards, “Bert Williams: The Man and the Mask”, Mime, Mask and Marionette, vol. 1, n. 1,
primavera, 1978, PP-7-24.
e Stuckey, Slave Culture: Nationalist Theory and the Foundations of Black America, Nova lorque,
£foX^P"^
Group Theatre produziu a maioria das peças de Clifford Odets durante a década de 30. Entre seus associa-
'* • famosos estavam Stella Adler, Harold Clurman, Cheryl Crawford, Elia Kazan e Lee Strasberg, que mais
dos ^^ juas das principais escolas de arte dramática nos Estados Unidos.
tarde funuou
zake Shange, For Colored Girls Who Have Considered Suicide When the Rainbow is Enuf, Nova lorque,
Macmillan p“blishin^
ake Shange, From Okra to Greens/A Different Kinda Love Story, St. Paul, Coffee House Press, 1984.
13 ^^z^ eaIKlra L. Richards, “Conflicting Impulses in the Plays of Ntozake Shange”, Black American Lite-
Ver também ? n 2, verão, 1983, p. 73-8.
rature Forum,
F Fanon, The Wretched of the Earth. . ., op. cit., p. 234-5.
RÉSUMÉ
Situé dans la tradition de la culture noire améri ture noire et le combat contre colonialisme ou le néo
caine, cet article propose quatre concepts d’analyse colonialisme.
pour le drame américain noir: L’essai se concentre ensuite sur les deux premiers
concepts. Le développement du chant populaire et Es-
1) Le masque qui permet à son utilisateur déjouer cape, or a Leap to Freedorn (1858), qui est générale
un double rôle vis à vis du reste de la société. ment considérée comme la première pièce écrite par
2) Le sens d’uns double conscience ou d’une iden un noir américain, constituent des illustrations du
tité fracturée (américaine et africaine); masque tandis que la pièce de Lorraine llansbcrry:
3) Le seul avantage pour les femmes noires, obte Raisin in the Sun (1959) indique une affinité avec le
nu de leur position au sein d’une société raciste et pa réalisme américain et aussi avec certains aspects du
triarcale. thétre africain. Spell 7 (1979) de Ntozake Shange est
4) Le lien nécessaire entre l’expression de la cul cité comme exemple des deux derniers concepts.
4.
Nessa dialética, a encenação apóia-se fre- gro é o Outro diferente, sendo a diferença aí
qüentemente na tensão que emerge das rela traduzida pelos estereótipos negativos que o
ções inter-raciais, privilegiando a problemática identificam. As peças figuram a personagem
de formação da identidade do negro criada negra como um signo cujo poder de signifi-
pela identificação ou negação de uma imago cância reduz-se ao paradigma. Em O demônio
elaborada pelo imaginário do branco. familiar, de José de Alencar, por exemplo, po
demos apontar alguns atributos colados à
Na apresentação de sua peça Os negros,
personagem Pedro: réptil venenoso, presença
Jean Genet declara:
maléfica, ladrão, mentiroso, fofoqueiro, ladi
“Numa noite um ator pediu-me que escre no, cínico ambicioso, ingrato etc. Uma fala da
vesse uma peça para um elenco todo negro. personagem branca Eduardo é talvez mais ex
Mas o que é exatamente um negro? Em pressiva:
primeiro lugar, qual a sua cor?”2
Eduardo: “Já soube de tudo, uma maligni
Essa provocação de Genet suscita uma sé dade de Pedro. É a conseqüência
rie de indagações quanto ao sentido dos signos de abrigarmos em nosso seio es
negro e branco na definição de diferenças ra ses répteis venenosos. Quando
ciais. Na cena social, como na cena teatral, ne menos esperamos nos mordem o
gro e branco não seriam máscaras às quais co coração.”4
lamos significados convencionais? Assim, sa
ber o que é um negro não seria decodificar a Mesmo quando tentam figurar a persona
máscara que o torna negro? Construir um gem menos pejorativamente, os teatrólogos
drama negro não seria, como faz Genet em sua caem no laço dos estereótipos, ressaltando
peça, sobrepor máscaras? Ao se perguntar o então o grau de embranquecimento cultural
que é um negro, Genet nos questiona também: das personagens que assimilaram valores con
siderados exclusivos da raça branca. É o caso
como identificamos um negro? como o negro
se identifica? qual a sua identidade? de assinalarmos o mito do pai-joão, do negro
submisso e dócil, que transparece em peças
Segundo André Green, “la identidad está
como O escravo fiel, de Carlos Antônio Cor
ligada a la noción de permanência, de mante-
deiro; O cego, de Joaquim Manuel de Macedo;
nimiento de puntos de referencia fijos, cons
Mãe, de Alencar; e Liberato, de Arthur Aze
tantes, que escapam a los câmbios que pueden
afectar al sujeito e ao objeto en el curso dei vedo, por exemplo.
tiempo”.9 Na manipulação dos estereótipos, o teatro
brasileiro apóia-se num argumento de autori
No teatro brasileiro, até as primeiras déca
dade que estabelece, a priori, um valor negati
das do século XX, o retrato do negro gera-se
vo para a raça negra, símbolo de inferioridade.
de uma matriz: o branco e a ideologia do em-
A experiência da alteridade, no caso, reduz-se
branquecimento. Não apenas por serem bran
à negação da diferença e a criação cênica dessa
cos os autores, mas por seu centramento numa
visão de mundo antropocêntrica em que o imago compactua com os valores de uma so
Outro (no caso, o negro) só é reconhecível a ciedade racista. Numa relação especular com o
partir de uma comparação projetada de um Eu imaginário social, o teatro veicula o fetiche da
brancura e de uma ideologia racial assimilacio-
(branco) que se encena sujeito universal, uno e
absoluto. nista.
No palco brasileiro, e freqüentemente no Segundo Jurandir Freire Costa, na socieda
americano, o negro é identificado sob pontos de brasileira, a formação da identidade do su
de referência fixos, numa rede semiótica que jeito negro dá-se “através da internalização
veicula o fetiche da brancura. Em cena, o ne compulsória e brutal de um Ideal de Ego bran-
113
Estudos Afro-Asidticos n-16,1989
co”, sendo que o “modelo de identificação
ral, o discurso senhorial, sinal característico,
normativo-estruturante com o qual ele se de
segundo Albert Memmi, da “despersonaliza -
fronta é o de um “fetiche”: o fetiche do bran
ção do dominado”. Esse “jamais é caracteriza
co, da brancura”. O autor acrescenta:
do de maneira diferencial: só tem direito ao
“O fetichismo em que se acentua a ideolo afogamento no coletivo anônimo”.7 O teatro
gia racial faz do predicado branco, da bran não causa assim nenhum estranhamento no es
cura ‘o sujeito universal e essencial’, e do pectador, que se defronta com paradigmas
sujeito branco um predicado contingente e perfeitamente reconhecíveis e familiares.
particular”.6 No Brasil e nos Estados Unidos, o Teatro
do Negro, que emerge principalmente na se
O teatro do Brasil até o século XIX repete
gunda metade do século XX, confronta a pla
a sintaxe que estrutura esse modelo social, não téia com uma mudança de dicção fundamental.
produzindo modificação na função das inva No Brasil, em 1944, Abdias do Nascimento
riantes: a personagem branca vê-se como su idealiza o Teatro Experimental do Negro
perior e ao negro como inferior. A persona (TEN), que, até o final da década de 60, revi
negra introjeta essa categorização e também
taliza a cena teatral brasileira. Nos Estados
repete o modelo em simulacro. Branco e ne Unidos, o Teatro Revolucionário do Negro, de
gro, nessa estrutura binária, tornam-se signos Imamu Amiri Baraka (LeRoi Jones), atua os
polares e antagônicos. O signo tem assim
tensivamente na redefinição da problemática
abafado o seu caráter indiciai e torna-se sím
do negro elaborada pelo teatro.
bolo. E lei, norma, paradigma.
Ainda que inserido formalmente na tradi
Reforçando o fetiche da brancura e veicu
ção teatral do Ocidente, cujas convenções são
lando os paradigmas sociais ligados a noções
reconhecíveis e reconhecidas desde Aristóte
de raça e cor, a construção das personagens
les, o Teatro do Negro opera uma mudança
ancora-se numa ilusória noção de sujeito: no
muitas vezes radical no movimento cênico do
proscênio, a máscara branca como espelho do
signo negro. Essa ruptura provoca certo des-
bem e do belo; na periferia da cena, a máscara
centramento, deslocando o papel da persona
negra, uma caricatura da branca, um pastiche
negra e a função de sua fala, agora investida
onde se desenha o mal e o feio.
de uma atitude enunciadora que prima pela
No processo de enunciação, a fala do negro desmitificação de modelos sacralizados pela
e sobre o negro produz-se num lugar fora de tradição teatral.
si mesmo, num outro lugar, no discurso do Na peça Dutchman, de Baraka, por exem
branco, senhor de um saber que se quer abso plo, encenar a problemática da identidade do
luto. A fala do negro nesse teatro nunca é sua sujeito negro é dramatizar o discurso da nega
voz e menos ainda seu discurso. O texto dra ção. Deslocando-se da função de sujeito enun
mático enuncia e pereniza o paradigma do ne ciado, a personagem negra apossa-se da enun
gro objeto. Segundo Flora Süssekind, a perso ciação do discurso, desrealizando sua constru
nagem negra, no teatro do século XIX, fun ção estereotipada. A desconstrução do mito
ciona “quase como um elemento do cenário, negro realiza-se nessa peça pela ironia cres
como alguém que entra e sai, responde no que cente nas falas do negro, que ridiculariza as
se lhe é perguntado, e obedece às ordens rece metáforas e símbolos com que tentam rotu
bidas. Rouba-se-lhe assim a possibilidade de lá-lo, desmontando-os em sua natureza de
ao menos, ficcionalmente, comportar-se como construção imaginária, de convenção ideológi
sujeito dc suas ações”.0 ca.
Nesse panorama, a cena teatral para a per Cônscio do jogo da enunciação que mantém
sonagem negra é o lugar dc um discurso plu- com sua antagonista branca, o protagonista
Clay emite suas falas como uma réplica que
114
Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989
■1
devolve à personagem branca um significante Emanuel: “(...) Ainda apontam suas armas
vazio. O significante, em muitos momentos da inúteis(...) [sorri]. Não sabem que
peça, flutua sem ancorar-se no significado, recuperei meu tom de voz (...) ig
que foi barrado, interditado. O sentido este noram que reencontrei minhas
reotipado desliza assim sem encontrar refe próprias palavras no meu Exu
rente. Através da ironia, a personagem negra que resgatei.”0
apossa-se do discurso do outro, não para in- Esse “tom de voz” é o que enuncia, ao ní
trojetá-lo, assimilá-lo, mas para desrealizá-lo, vel do discurso, a nova dicção da personagem
devolvendo-o ao seu emissor desvestido do e do próprio Teatro do Negro.
seu sentido original, num efeito bumerangue:
Em Anjo negro, Nélson Rodrigues joga
Clay: Are you going to the party with me com o caráter convencional dos signos, cho
Lula? cando a platéia com a flutuação semântica das
Lula: (Bored and not even looking) cores negra e branca. O sentido deixa de ser
I don’t even know you. um pré-dado fixo, absoluto, sendo construído
Clay: You said you know my type de acordo com a oscilação e capacidade de
Lula: (Strangelly irritated) percepção e de apreensão da realidade por
Don’t get smart with me, Buster. parte das personagens. A oscilação cênica dos
I know you like the palm of my hand. macrossignos negro e branco desmascara a
Clay: The one you eat the apples with?8 ilusão dos paradigmas (mostrando-os como
ilusão mesmo) e desfaz a visão maniqueísta,
Manipulando o caráter convencional e ar
que vê na brancura o signo do bem e na ne
bitrário do símbolo, o autor provoca ora uma
grura o signo do mal.
hesitação no conteúdo semântico ancorado aos
signos negro e branco, ora inverte esse mesmo Na alegoria da peça, a noção de negativo e
sentido, deslocando para os signos da brancura positivo desloca-se dinamicamente entre os
os atributos pejorativos. protagonistas, Virgínia e Ismael, não se fixan
Esse descentramento no nível da linguagem do em nenhum dos dois. O significado ancora-
possibilita uma reorganização dos significantes se principalmente na relação que os une e no
dramáticos que constroem a persona negra. contexto que os constitui. Assim, qualquer
Na medida em que reconhece o poder de significado anteriormente preso às cores negra
construção e desconstrução da linguagem, a e branca torna-se ilusório, na medida em que a
personagem negra recusa referendar um dis criação de sentido e sua veiculação, na peça,
curso que quer constituí-lo à sua revelia, alie não se desvinculam da inscrição do desejo.
nando-o do seu desejo. Em algumas de suas melhores realizações, o
Em Sortilégio, de Abdias do Nascimento, à Teatro do Negro, no Brasil e nos Estados
recusa do estereótipo e da identidade forjada Unidos, opera uma ruptura, provocando um
no assimilacionismo segue-se a eleição de nova rico estrago nas convenções cênicas tradicio
imago de identificação para a personagem, nais. Na desconstrução da metáfora da bran
centrada na herança africana. A recuperação, cura como modelo obrigatório de identificação
a aprendizagem de uma memória cultural, an do negro, esse teatro realiza o que Deleuze e
tes abafada pela amnésia da assimilação, pro Guattari denominaram de “literatura menor”,
cessa-se no personagem Emanuel não apenas que “não é a de uma língua menor, mas antes o
pela reincorporação do substrato mítico- que uma minoria faz em uma língua maior”,
religioso mas, fundamentalmente, pela emissão sendo “a língua aí modificada por um forte
de um discurso que revela, na natureza da coeficiente de desterritorialização”.10
enunciação, o ritual de reconstrução da pró Via discurso cênico, o Teatro do Negro
pria personagem, ao longo da peça. provoca esse descentramento e postula uma
Estudos Afro-Asiáticos n-16,1989 115
nova sintaxe na fabulação do negro, critica-
sujeitos. Sua singularidade está, assim, em en
mente diferenciada de produções anteriores. A
cenar a identidade enquanto um discurso, uma
desconstrução do modelo plasmado na supre
linguagem que, em sua articulação, na relação
macia da brancura adquire assim uma função da rede de significantes, cria seus próprios
política em termos de uma coletividade: a mi
significados. Nesse sentido, negro e branco
noria negra. “Toda literatura menor é políti
sao máscaras, convenções, efeitos de lingua
ca”, segundo Deleuze e Guattari. “Tudo nela gem.
tem„Um car^ter político-coletivo de reconstru _ Dessa forma, no Teatro do Negro o sujeito
ção” e de “enunciação coletiva”.’1
não existe fora de um contexto e de um pro
Essa função política revela-se uma marca
cesso de construção. O sujeito negro só se tor
distintiva, não apenas nas peças, como também
na possível como elaboração em relação a ou
nos textos teóricos dos ideólogos do Teatro do
tros sujeitos, logo sua identidade é sempre
Negro, que fazem do teatro um veículo de
rearticulada também em processo, no jogo da
disseminação de uma contra-ideologia, pro
enunciação. Construir, portanto, uma identi
movendo uma fenda estrutural na história de
dade negra, quer para a personagem, quer para
nccionalização dramática do negro.
Ao publicar a primeira antologia de peças o teatro, é elaborar, inventar, um novo dis
do Teatro Experimental do Negro no Brasil, curso, com novos centros de referência.
O Teatro do Negro encena, portanto, um
Tfm961’ A^dias do Nascimento apontava o
sujeito em processo, cuja identidade não é pa
■^°mO Um ins^mento no processo da
consciência negra”, por via do qual recusa- radigmática mas de contornos deslizantes. As
va-se a “assimilação cultural, a miscigenação sim o reconhecimento de ser negro e de uma
possível ou impossível individualidade advém
jSdlda’ a humilhação, a miséria e a servi-
imamu Amiri Baraka, nos Estados também do reconhecimento do Outro, do dis-
m os, define o seu Teatro Revolucionário curso-outro que se quer desconstruir.
como um teatro político, que deve acusar e A experiência de ser negro, ou de tornar-se
atacar tudo o que merece ser atacado. Para n^ro’ encenada por esse teatro, exige a expe
riência da alteridade como valor. Nesse drama,
esse autor o Teatro do Negro deve ser:
o Teatro do Negro encena o que a psicanálise
A weapon to help the slaughter of these e a antropologia há muito também nos repe
dimwitted fatbellied white guys who some- tem: o conhecimento do Eu e a formação da
how believe that the rest of the world is identidade passam necessariamente pela des
here for them to slobber on.’”3 coberta do Outro e pelo reconhecimento da
alteridade. Se o palco do século XIX encenava
Nessa tentativa de usar o palco como vetor
a ilusão de um sujeito branco absoluto, agente
de modificação da cena teatral e do imaginário
e senhor de todos os destinos, e de um sujeito
social, o Teatro do Negro, em suas mais ricas
negro grotesco e caricatural, o Teatro do Ne
realizações, encena toda a problemática da
gro desmascara essas convicções, mostrando -
constituição do sujeito, rearticulando as no
ções e critérios de valor colados aos signos ne as como na verdade são: máscaras e modelos
que podem ser remodelados e, principalmente,
gro e branco. Numa atitude dialética, que
substituídos. Nesse teatro, fazer deslizar o sig
rompe com a noção de sujeito absoluto e de
nificado estereotipado é construir um discurso
substantivação das diferenças, esse teatro re
que prima pelo deslocamento dos enunciados
conhece o caráter de construção e de encena
pré-estabelecidos e pela, eleição de uma enun
ção que subjaz à formação da identidade dos
ciação desmitificadora.
116
Estudos Affo-Asiáticos n-16,1989
NOTAS
1 Armand Nivelle, “Para qué sirve la literatura comparada’’, in'. Manfred Schmeling, org.,Teoria y praxis de la
literatura comparada. Barcelona, Ed. Alfa, 1984, p. 208-209
2 Jean Genet, The bracks: a clown show. Nova Iorque, Grove Press, 1977, p. 3. (A tradução do trecho citado é
da autora do artigo.)
3 André Green, “Atomo de parentesco y relaciones edipicas”, in: Claude Lévi-Strauss, org., La identidad, se
minário. Barcelona, Ed. Petrel, 1981, p. 88.
4 José de Alencar, O demónio familiar, in:_Obras completas Rio de Janeiro, Ed. José Aguilar, 1960,
p.101-102.
5 Jurandir Freire Costa, "Da cor ao corpo: a violência do racismo” (prefácio), in: Neuza Santos Souza, Tornar-
se negro. Rio de Janeiro, Graal, 1983, p. 3-4.
6 Flora Süssekind, O negro como arlequim. Rio de Janeiro, Achiamé-Socii, 1982, p. 19.
7 Albert Memmi, Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. 2? ed., Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1977, p. 69.
8 Imamu Amiri Baraka, Dutchman, in: Selected plays and prose. Nova Iorque, William Morrow and
Co., 1979, p. 31-32.
10 G. Deleuze e F. Guattari, Kafka;por uma literatura menor. Rio de Janeiro, Imago, 1977, p. 25.
11 Idem, p 27.
12 Abdias do Nascimento, prefácio, in:et alii. Dramas para negros e prólogo para brancos. Rio de Ja
neiro, TEN, 1961, p. 32.
SUMMARY
This article offers a brief analysis of the identity cuses on the breakthrough which resulted from the
of the black “persona” in Brazilian and American new fictional representation of Blacks in Black Thea
theater. Utilizing a comparative approach, the text fo ter productions in both countries.
RÉSUMÉ
Ce travail présente une brève réflexion sur la de la négritude dans le traitement que la fiction donne
question de l’identité de la “persona” noire du théâtre à l’élément noir au sein de la dramaturgie de ces deux
brésilien et américain. Par une analyse contrastive, le pays.
texte met en relief la rupture provoquée par 1 théâtre
NOTAS
1 Manoel da Costa Talhão Jr. (autor) e Manoel Affonso da Silva Vianna (réu). Libelo cível, n2 /.871, caixa
1-725, galeria a, Arquivo Nacional (AN)
2 Robert Slenes, “Grandeza ou Decadência? O mercado de escravos e a economia cafeeira da província do Rio
de Janeiro, 1850-1888”, ín Iraci del flero da Costa, org.. Brasil: História Econômica e Demográfica São Paulo,
Instituto de Pesquisas Econômicas (USP), 1986
126
Estudos AJro-Asiáticos n? 16, 1989
3 Segundo Robert Slenes, os negros da cidade do Rio nas últimas décadas da escravidão sempre tiveram uma
chance mais do que razoável de conseguir a liberdade: nada menos do que 36,1% da população escrava da matrí
cula de 1872-1873 receberam a liberdade até a matrícula de 1886-1887. Esses 36,1 % são impressionantes se con
siderarmos que a percentagem de negros alforriados no mesmo período na província de São Paulo fo' de 11%, na
província do Rio de 7,8%, na província de Minas de 5,6%. Ver Robert W. Slenes, “The Demography and Eco
nomics of Brazilian Slavery: 1850-1888”. Tese de doutorado, Universidade de Stanford, 1976, p. 495, 501,
504,542.
4 Francisco Duarte de Souza Queiroz (autor) e José Moreira Velludo (réu). Ação ordinária, n- 266, caixa 1.521,
galeria n, AN.
5 Há três autos cíveis sobre o caso, com José Moreira Velludo c João Joaquim Barbosa como réus, sendo o autor
Manoel josé de Freitas Guimarães: a) Processo de ação de dez dias, maço 325, n- 7.323; b) Ação de Embargo, ma
ço 302, n9 6.850; c) Execução, maço 330, n- 7.652.
6 Bonifácio e outros escravos, maço n- 2, Arquivo do Primeiro Tribunal do Júri da Cidade do Rio de Janeiro
(APTJ).
7 Gazeta de Notícias, em 30.12.1877, p. 1, e Jornal do Commercio, em 30 e 31.12.1877, em ambos os dias na
primeira página.
9 Para outros casos semelhantes, ver: a) João, escravo, n9 828, maço 110, galeria c (AN): João deu uma facada
no dono da casa de comissões onde se encontrava para ser vendido e uma das explicações é que ele não queria ser
vendido para Cantagalo; b) Antônio, escravo, maço 16, APTJ: Antônio, que era padeiro, se portava mal, segundo
seu senhor, c foi conduzido a uma casa de comissões para ser vendido. O preto fugiu porque não concordava com
isso, brigando com guardas na fuga; c) Bráulio, escravo, maço n9 3, APTJ: Bráulio fugiu de seu senhor que o pu
sera no tronco porque ele pedira para ser vendido. O escravo consegue viver como livre durante seis meses, mas é
preso ao tentar retornar à Bahia, sua terra natal; d) Francclina, escrava, maço n- 4, APTJ: a escrava teria envene
nado sua senhora, que a maltratava muito. Antes Francelina já havia pedido para ser vendida, mas a senhora lhe
negara, apesar da concordância do senhor; e) Joaquim Africano, maço n9 8, APTJ: Joaquim teria agredido seu se
nhor, José Mattos, ex-escravo de Perdigão Malheiros, talvez por causa de dinheiro que este lhe tirara. Joaquim diz
que foi comprado por José Mattos contra a sua vontade; f) Josefa, escrava, caixa 3.696, n9 14.198, AM Josefa tenta
obter a liberdade alegando que sua senhora lhe obrigava a levar vida de prostituta. Antes a escrava estivera em ex
periência na casa de uma senhora, que acabou não consumando a compra por achar que Josefa estava doente; g) o
preto Pompeu, autor, João de Araújo Rangel, réu; libelo cível, n9 2.665, maço 923, galeria a, AN: Pompcu tenta
convencer a seu senhor a vendê-lo a alguém que lhe utilizasse no serviço de cocheiro. Esta lista de casos poderia
ser bem mais longa. Sobra a importância destes casos particulares na interpretação de dados agregados ou estatís
ticos, basta lembrar o livro recente de Célia Azevedo, que mostrou que o tema do “negro mau vindo do norte”
preocupou bastante os fazendeiros do sudeste na década de 1870. Significativamente, o tráfico interno de escravos
virtualmcnte cessou logo no início da década de 1880 Ver Célia Marinho de Azevedo, Onda negra, medo branco:
o negro no imagindrio das elites, séculoXIX Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
10 O tom geral deste pequeno artigo e os comentários finais sobre o sentido da liberdade para os negros tiveram
origem nas discussões c leituras do seminário ministrado pela professora Rebecca Scott, da Universidade de Mi
chigan, ao animado grupo de estudos de escravidão da Unicamp, em 1986. O que possa haver de interessante neste
texto deve-se também às “provocações” de Robert Slenes, Peter Eisenberg e Silvia Lara. Entre as leituras rele
vantes neste contexto, destaco: a) F olds, Barbara J., Slavery and Freedom on the Middle Ground: Maryland during
the Nineteenth Century. Londres e New Haven, Yale University Press; b) Foner, Eric, Nothing but Freedom:
Emancipation and its Legacy. Baton Rouge e Londres, Louisiana State University Press, 1983; c) Foner, Eric,
The Meaning of Freedom”, in Radical History Review, n9 39, setembro de 1987, p. 92 a 114; d) Berlin, L, Fields,
Barbara, Glymph, T., Reidy, J., c Rowland, L.S., Freedom: A Documentary History of Emancipation: 1861-1867.
Série I, volume I, “The Destruction of Slavery”, Londres, Nova Iorque, Cambridge University Press; e) Lit-
wack, Leon, Been in the Storm So Long: The Aftermath of Slavery. Nova Iorque Random House, 1979; f) Rose,
Willie Lee, “Jubilee and Beyond: What was freedom?”, in Sansing, David, ed.. What Was Freedom's Price? Uni
versity Press of Mississipi, 1978; g) Scott, Rebecca J., Slave Emancipation in Cuba: The Transition to Free Labor,
1860-1899" Princeton, Princeton University Press. 1985; K) Scott, Rebecca J., “Comparing Emancipations: are-
view essay”, in Journal of Social History, n9 20, primavera de 1987, p. 565 a 583
The goal of this article is to analyze the percep exchange of merchandise. The Blacks had their own
tions and attitudes of slaves whose ownership was ideas of what was fair, or at least tolerable captivity:
being transferred. The intensification of internal slave their emotional relationships had to be in some way
traffic in the 1870’s not only solved the problem of considered; punishments had to be moderate and ap
increased demand for labor in the coffee-producing
plied only when justly deserved; there were more or
regions of southern Brazil; it also did much to stimu
less established ways for Blacks to show their prefe
late the slave owners’ obsessive worry about “Bad
rences at the decisive moment of the sale. The internal
Blacks from the North”. In other words, the massive
slave traffic moved thousands of slaves who had been
transfer of Blacks from the northern provinces consi
forcably uprooted from their original homes, their
derably strengthened resistence to slavery among sla
families and their accustomed occupations the Sou
ves in the South. Renewed resistance amony slaves
theast. Many of these Blacks reacted with violence
was mainly due to the accute perception on the part of against their new owners, by attacking the owners of
newly transferred slaves of having been victims of brokerage houses, by picking fights and creating di
injustice, of not having had even their most long
sorder which would block their transfer to the coffee
standing rights respected by their owners. plantations, or by escaping and trying to return to
their original provinces. These “Bad Blacks from the
This suggests that the slav perspective of slavery
changed the transaction of buying and selling into North” explained their attitudes and motives in detail
in their questioning by court judges in civil and cri
something much more complex than just the simple
minal trials.
RÉSUMÉ
Les Négoces de l’Esclavage: Les Noirs et les Transactions d’Achat et de Vente
128
EstudosAfro-Asidticosn- 16, 1989
O "SAUDÁVEL Este trabalho apresenta alguns resultados
preliminares de uma pesquisa, ainda em anda
TERROR": mento, sobre as relações entre o sistema poli
REPRESSÃO POLICIAL cial do Rio de Janeiro e a sociedade urbana no
período do Império. Uma das bases metodoló
AOS CAPOEIRAS E gicas da pesquisa maior resume-se na frase de
João José Reis, que, ao pesquisar o levante dos
RESISTÊNCIA DOS malês em 1835 na Bahia, concluiu que “a his
ESCRAVOS NO RIO tória dos dominados vem à tona pela pena dos
escrivães de polícia”.1 A documentação exis
DE JANEIRO NO tente nos arquivos da polícia brasileira, desde
SÉCULO XIX* o estabelecimento do sistema em moldes buro
cráticos nos anos 30 do século passado, cons
titui uma rica fonte para se conhecer vários
aspectos da vida das camadas baixas da socie
Thomas H. Holloway*^ dade urbana, inclusive a dos escravos. Isso é
particularmente verdade no caso do Rio de Ja
neiro, onde o chefe de polícia e o comandante
da Polícia Militar desde o começo foram su
bordinados diretamente ao ministro da Justiça
do Império.2
Mas essas documentação, embora possa
abrir para a visão de hoje uma espécie de ja
nela para o passado dos grupos em geral sem
voz definida nas fontes históricas tradicionais,
também apresenta tropeços metodológicos a
serem assinalados.
Em primeiro lugar, a polícia atuava no do
mínio público - o que o antropólogo Robto da
Matta resume como o mundo “da rua”.3 Isso
implica que a vida particular, “da casa”, seja
nas dependências das oficinas e sobrados, seja
nos mocambos e cortiços das classes proletá
rias, em geral escapava da vigilância da polícia
e continua de acesso difícil para nós hoje.
Em segundo lugar, a polícia normalmente
só tomava conta do comportamento definido
no Código Criminal, nas posturas municipais,
no regulamento policial e na mente do próprio
agente policial como “não aceitável”.
* Uma versão preliminar deste artigo foi Convém lembrar que esses “procedimen
apresentada na IV Jornada de Estudos Ameri tos”, como diziam na época, compõem uma
canos da Associação Brasileira de Estudos fração pequena do comportamento social co
Americanos, 25-27 de maio de 1988, Mariana mo um todo. É fácil demais, baseando uma
(MG). pesquisa na documentão policial, chegar à
** Professor de História da Universidade conclusão de que “muitos”, ou “a grande
Cornell, Nova Iorque. maioria”, ou “todos”, dos grupos estudados,
Estudos Afro-Asidticos rí? 16,1989 129
praticavam as várias infrações à norma permi ao nível das atividades policiais, ou seja, dis
tida e, conseqüentemente, caíram nas malhas pensando as formalidades de processo judicial.
da vigilância. Deixando por um momento a Por outro lado, as muitas tentativas de re
linguagem da objetividade acadêmica, pode primir os capoeiras dão uma idéia da persis
mos dizer que as pessoas “boas”, via de regra, tência do fenômeno e sugerem a importância
não tinham muito a temer. As “más”, por outo da capoeiragem como contestação ao sistema
lado, podiam esperar o pior. Claro que a pró de controle social dentro do submundo dos es
pria definição do “mal”, como também as me cravos e seus aliados nas camadas baixas da
didas para o reprimir, mudam no espaço e no sociedade urbana. Tanto as atividades das
tempo, e a polícia tem um papel central nessa maltas organizadas como a técnica de luta em
tarefa. si fazem da capoeira (um termo que ia muito
Para não prolongar estas considerações além da prática do balé de artes marciais asso
preliminares, diria que começamos a recupe ciado hoje em dia com a palavra) o mais per
rar, através dessa documentação não propria- sistente e talvez o mais bem-sucedido esforço
menta a “vida” dos escravos e outros grupos para estabelecer e defender um espaço social
afetados, mas antes o funcionamento das ins por parte dos negros urbanos.® Percorrer o
tituições colocadas na primeira linha da guerra trilho das tentativas de restringir a capoeira
social travada entre a classe dominante, que gem ao longo do Império nos dará a oportuni
criou o sistema, e as classes a serem domina
dade de relancear vários outros aspectos da
das, nos campos de batalha que vinham a ser
relação entre polícia e escravos no período em
as ruas, praças e outros lugares públicos da que as instituições do Estado vêm reforçar, e
capital do Império.4 Na tentativa de dar várias
em certa medida substituir, o domínio tradi
amostras representativas das informações dis cional dos donos sobre sua propriedade huma
poníveis na documentação policial, não pode na.
rei demorar muito no contexto mais amplo, Em 1820, o castigo comum de um escravo
nem na interpretação e análise dos exemplos. preso devido à capoeira era de trezentos açoi
Um estudo adequado desses e de outros traços tes e prisão de três meses, pena que sofreram
da “pena do escrivão de polícia” só será possí Bernardo, da nação mina, e Estanislao, criou
vel no âmbito de um estudo mais aprofundado. lo.
• “Ao primeiro se achou um saquinho com
Entre os muito motivos específicos de re uma navalha de barba e um sovelão de pau,
pressão aos escravos, um dos mais comuns e e na ação de ser preso, pretendeu opor-se à
mais sérios era o de praticar capoeira. Apesar patrulha, chamando o seu companheiro (...)
de “praticar capoeira” não constar da lista e depois foram cercados de capoeiras, que
“tradicional” de crimes e não aparecer no Có atiraram muitas pedradas.”8
digo Criminal de 1830 nem no Código das Uma portaria de novembro de 1821, criti
Posturas Municipais da cidade do Rio de 1838, cando a proliferação dos capoeiras, “que estão
'as autoridades policiais emitiram uma série de perpetrando mortes e ferimentos”, afirmava
restrições do intuito de acabar ou pelo menos que os castigos de açoites eram “os únicos que
reduzir a incidência de um fenômeno consi os atemoriza e aterra”, e ordenava a Guarda
derado nefasto e perigoso, uma ameaça cons Real da Corte, antecessora da Polícia Militar
tante à tão procurada tranqüilidade pública. de hoje, a administrar castigos corporais “logo
Essas medidas, e os comentários que as acom que os pretos forem presos em desordem, ou
panham, mostram, por um lado, que o sistema com alguma faca ou com instrumento suspei
policial encarava a capoeiragem como um pro toso”.7 Essa ordem foi confirmada em porta
blema de comportamento inadmissível, a ser ria de dezembro de 1823 - e em março de
restringido e castigado na medida do possível 1826 o intendente de polícia da Corte mandou
Uma década depois, o ministro da Justiça exemplo de indisciplina (..) fazendo compa
aprovou o recrutamento para o Exército de nhia a indivíduos de péssima condição com os
quais se igualou na prática de atos indecoro
quatro homens que
sos”, o oficial foi repreendido severamente na
não obstante pertencerem à Guarda Na Ordem do Dia e preso por quinze dias na ca
cional, foram presos por fazerem parte do deia interna do Estado Maior, na Rua Evaristo
grupo de capoeiras que na noite de 29 de de Veiga.27
agosto de 1869 praticou distúrbios no Lar
go da Lapa”.24
O recrutamento forçado para o serviço mi À guisa de conclusão, além dos pontos de
litar, prática que aumentou durante a guerra interpretação já mencionados, podemos reite
de Paraguai, era usado através do Império rar que a capoeira persistiu através do Impé
para “limpar” as ruas da cidade dos elementos rio, apesar das muitas tentativas de repressão.
indesejáveis em geral, inclusive os capoeiras. Essas medidas iam do castigo individual de
Negando as denúncias de um jornal de que po açoites e prisão às eventuais investidas organi
liciais encarregados do recrutamento invadi
zadas para conter o fenômeno e prender os
ram uma igreja na véspera de Natal de 1871 à
participantes. A capoeiragem pode ser vista
procura de homens, o subdelegado da fregue
como um problema de controle social e segu
sia da Lagoa afirmou que os recrutados eram
rança pública, ou como uma técnica bem-
“reconhecidos capoeiras e capangas”.25
sucedida de resistência e de relativa autono
Um incidente em abril de 1870 mostra que
mia, dependendo do ponto de vista. Ela se
o confronto polícia versus capoeira continuava destaca entre as várias técnicas de resistência
sem trégua. O comandante da Polícia Militar
que os escravos do Rio de Janeiro praticavam,
informou ao chefe de polícia que
que vão desde a rebelião armada, embora em
escala menor e sempre reprimida pelas forças
“no conflito das capoeiras que se deu na
da ordem, passando pela fuga e formação de
frente do matadouro, acudiu a patrulha que
quilombos nos arredores da cidade, até o jeito
aí se achava, coadjuvou o inspetor do
quarteirão e lutou com o grande número de de “puxar o dia”, que deve ser visto como o
método mais disponível e direto de contestar o
capoeiras que se achavam reunidos, acu
dindo também as praças do quartel de Está- trabalho forçado.28
Estudos Afro-Asiâticos n-16,1989
136
do proprietário em relação a sua propriedade
Voltando ao tema da consolidação institu
cional depois da abdicação de Pedro I, inclusi humana.
Os resultados mais generalizados desse
ve nas instituições policiais, esses exemplos
processo histórico têm que esperar uma outra
também nos dão hipóteses importantes para oportunidade para serem analisados.30 Por en
melhor entender o desenvolvimento da nação
quanto podemos sugerir que as instituições e
independente, e a relação do Estado com a so práticas policiais no Brasil depois da indepen
ciedade.29 É fundamental nesse processo o
dência, produto da implantação das formas
aumento da intervenção da máquina estatal
institucionais “modernas”, reforçaram o con
não só nas ruas e praças da cidade, mas tam
trole tradicional dos dominadores sobre os
bém nas relações do dono com o escravo, tão
dominados, na mesma medida em que arroga
básicas na formação social do Brasil. As res ram para o Estado funções de controle até
trições, da década de 1830, ao castigo consi
então deixados em mãos dos proprietários e
derado “rigoroso” nem sempre foram aplica
seus agentes particulares.
das na prática e nem mesmo mantidas nos re
gulamentos policiais, quando as autoridades
acharam que foram necessárias medidas mais
enérgicos de repressão. Mas, de qualquer for O autor agradece à Comissão Fulbright do
ma, a elite política estabeleceu e manteve a le
Brasil o apoio financeiro, que possibilitou a
gitimidade da mediação do Estado, tanto para pesquisa em arquivos e bibliotecas relevantes,
controlar o comportamento não aceitável dos
bem como ao Centro de Estudos Afro-Asiáticos
escravos no espaço público da cidade, como e ao Arquivo Nacional pelo apoio logístico.
capoeira, quanto para restringir o livre arbítrio
NOTAS
8 José Alípio Goulart, Da palmatória ao patíbulo (castigos de escravos no Brasil). Rio de Janeiro, INL, 1971, p.
195. Este livro pioneiro cataloga muitas leis e avisos sobre o assunto, sem pretender aprofundar a avaliação da
aplicação das medidas legais na prática.
9 O regulamento do Calabouço de Corte, já em 1831, mandava que os açoites dados nos escravos seriam no má
ximo de duzentos, distribuídos a um máximo de cinquenta por dia, “em virtude de requerimento dos senhores ou
ordem escrita das autoridades”; AN U6 165 (OCP-C), 15.10.1831. Há uma recompilação destes regulamentos em
AN U6 173 (OCP-C), 2.8.1836.
10 AG/PMERJ, Correspondência recebida, 16.11.1832. Naquele tempo a Polícia Militar chamava-se Corpo
Municipal de Permanentes.
13 Os quatro documentos que tratam deste incidente se acham em AN, GIFI 5B 425 (Instituições Policiais),
3.1.1837.
16 AN, Códice 385, Receita de bilhetes de correção de escravos, Intendente Geral de Polícia, 1826. Veja Ka-
rasch, Slave Life, Tabela 5.1, p. 125, organizando os dados por sexo e número de açoites.
17 Relatório do ministro da Justiça, 1831, p. 11.
18 A taxa de pagamento por açoite fora abandonada com essas reformas, embora os donos pagassem $200 (du
zentos réis) por dia para o sustento, a pedido, dos escravos no Calabouço. O próprio Calabouço fora mudado do
morro do Castelo para o novo complexo penitenciário na atual Rua Frei Caneca, em 1837. Nas estatísticas que se
guem, deixo de lado os casos não especificados ou sem informação.
19 AN, Códice 398, Prisões no Rio, 1849-1850.
28 Para um estudo mais abrangente da resistência dos escravos, veja Clóvis Moura, Rebeliões da senzala. 4* ed..
Porto Alegre, Mercado Aberto, 1988.
29 Para uma análise do processo político da formação do Estado, veja José Murilo de Carvalho, A construção
da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro, Campus, 1980; e Ilmar Rohloff de Mattos, O Tempo Saquare-
ma. Brasília, Hucitec, 1987. Sobre o desenvolvimento do sistema judiciário, veja Thomas I ■ lory. Judge atui Jury
in Imperial Brazil, 1808-1871. Austin, University of Texas Press, 1981.
138
Estiulos Afro-Asiáticos n- 16, 1989
30 Sobre o funcionamento do sistema policial numa cidade provinciana, ver o estudo de Thomas H. Holloway,
“The Brazilian ‘Judicial Police’ in Floranópolis, Santa Catarina, 1841-1871”, Journal of Social History, 20:4
(1987), p. 733-756.
SUMMARY
This article presents preliminary results of a re years, mitigated the arbitrary application of excessive
search project still in progress, on police and society punishment, although day-to-day practice continued
in nineteenth-century Rio de Janeiro. Police docu to be repressive. Capoeira per se was not specifically
ments provide a ‘window” on the world of the lower outlawed, but it continued to be reason for police ac
classes, including slaves, while recognizing that the tion and arrest.
behavior reflected in these sources is a biased sample In one 1836 incident a Justice of the Peace, inves
of the universe of social activity. tigating a case of a master ordering a slave to be se
verely beaten, concluded that such brutal treatment
Among the many specific reasons for repression was justified in the case of capoeiras, whom nothing
of slaves, one of the most common and the most se would contain short of “a healthy dose of terror.”
rious was for the practice of “capoiera.” Today ca
By the 1850s police immediately punished those
poeira refers to a form of stylized martial art perfor
arrested for capoeira with 150 lashes. Of the slaves
med to rhythmic music, but in the 19th century the
arrested by police during 1850, 69 were for capoeira,
term was applied to organized groups (called “mal- and only 35 for escape or attempted escape. In the
tas”), primarily composed of slaves with the partici Year from June 1857 to May 1858, the slave jail of
pation of some free persons as well. Police reports in
Rio de Janeiro received 81 capoeiras, the single most
dicate that capoeiras, commonly armed with daggers
important reason for incarceration, accounting for 25
or razors, frequently engaged in physical intimidation
per cent of the total 329 slaves sent to the establish
or assault. Common targets were tavern cashiers and
ment in that period. Escape, in contrast, was the rea
police patrols.
son for 28 jailings, 8.5 per cent of the total.
The persistence of capoiera activity, despite re Despite frequent arrests and summary punish
current efforts as repression by Rio’s police, suggest ment, capoeira gangs continued to be active through
that it was a successful method of establishing and the end of the Empire. The police saw them as a
defending “social space” on the part of urban blacks. constant threat to public order. From the slaves’ pers
In the 1820s it was common practice for men arrested pective, it seems apparent that capoeira successfully
for capoeira to receive from 100 to 300 lashes in acted to resist the strict control over slaves’ lives, and
summary punishment. The criminal code of the Em to defend a certain degree of autonomy for the social
pire, promulgated in 1830, along with specific res world of slaves and their allies among free people of
trictions on the whipping of slaves in the next few the urban lower classes.
RÉSUMÉ
Cet article présente les résultats préliminaires d’un portements que ces sources reflètent offrent un exem
projet de recherche en coure sur la police et la société ple biaisé de l’univere de l’activité sociale.
de Rio de Janeiro au X1XÔ siècle. Les documents de Parmi les nombreuses raisons spécifiques invo
police offrent une “fenêtre” sur le bas monde, y com quées pour la répression des esclaves, l’une des prin
pris les esclaves mais il faut reconnaître que les com cipales et des plus sérieuses concernait la pratique de
____ L
NOTAS
1 Autos do inquérito da Revolução Praieira. Introdução de Vamirch Chacon. Brasília, Senado Federal 1979 p
388.
2 MELLO, Urbano Sabino Pessoa de. Apreciação da Revolta Praieira etn Pernambuco, 2- ed. Brasília, Senado
Federal, 1978. p. 15. A 1? ed. é de 1849.
3 A descrição e análise detalhadas dos episódios descritos neste texto aparecem em MARSON, Izabel A. O im
pério do progresso: a Revolução Praieira (1842-1855). S.Paulo, Brasiliense, 1987.
4 Os projetos de Vauthier são expostos em seus relatórios enviados à Presidência da província de Pernambuco,
publicados pe\a Revista do Arquivo Público de Pernambuco. Recife, Imprensa Oficial, 23 ed. 3(5): 141-215, I - e 2-
semestres de 1948.
5 MARX, K. - "O 18 Brumário de Luís Bonaparte” in: Manucristos econômicos e filosóficos e outros textos es
colhidos. S.Paulo, Abril Cultural. 25 ed. 1978, p. 330-331.
6 Diário Novo. Recife, Typ, Imparcial, de Luís Inácio Ribeiro Roma, 14, 16, 27, 28 e 30 de janeiro de 1846,
reproduz os interrogatórios feitos pelo chefe de polícia Antonio Affonso Ferreira. O tema do contrabando de es
cravos e sua importância na Rebelião Praieira foi apresentadado por NARO, Nancy P Brazils 1848' The Praieira
Revolt. Tese de Doutoramento, 1982, mimeo. O roubou de escravos na província tem sido estudado por Marcus
J.M. de Carvalho, “Quem furta mais e esconde: o roubo de escravos em Pernambuco 1832-1855”. Estudos Eco-
nômicos. I.P.E. - USP, n? especial, v. 17, p. 89-110, 1987.
7 Diário Novo, 14.1.1846.
8 A percepção do escravo enquanto coisa e pessoa ao mesmo tempo, assim como seu lugar na legislação colo
nial, na qual tem acesso a direitos e punições, foram termas brilhantemente analisados por LARA, Silvia Hunold
em Campos da violência - Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro. 1750-1808. Rio de Janeiro, Paz e
Terra 1988.
9 O Progresso. Revista Social, Lideraria e Scientifíca. Recife, Typ. de Manoel Figueiroa de Faria, 1846-1848.
3 tomos. A citação foi retirada da reedição feita em 1950 pela Imprensa Oficial do Estado de Pernambuco, com
supervisão de Amaro Quintas, t. II, p. 399.
The article focuses on the officially sanctioned workers who would be submissive to political domi
post-abolitionist process whereby an image of equal nation and judicial control.
citizenship between free men and slaves was consti Once recognized as political resources, the ideas
tuted. It analyzes the political conflict between libe of equality and of criminal citizenship were approa
rals (Praieiros) and conservatives (Guabirus) in the ched from three distinct angles. First of all, they were
province of Pernambuco between 1844 and 1852; arguments used bu party politicians in Pernambuco in
conflicts which were to lead to a number of social their struggle for power and domination. Thus, these
shocks, among them the Praieira Revolution of 1848- arguments appeared in speeches given at public mee
1849. The analysis demonstrates that in the middle of tings, in party platforms, in the use of slave testimony
the 19th century, with the decline of slave traffic and to incriminate political opponents, and even in the
the supression of slavery itself, it became necessary to Pronuncia, in which Chief of Policie JerAnimo M. Fi-
modify the constitutional definition of citizenship. gueira de Mello recognized the "rebellion” which led
Within this new concept, citizenship was no longer to armed struggle between Praieiros and Guabirus,
linked to the ownership of property, and was there and assured the 1849 victory of the Conservatives
fore applicable to both free poor men and newly or over the Liberals.
soon-to-be freed slaves. Given these historical con
Secondly, they were a reflection of the struggle
tingents, political party policies and imperial judicial
which pitted sugar cane mill owners (the heralders of
acts gradually introduced a new, though contradic
progress) concerned with expanding their enterprises,
tory, category of the “criminal citizen”: that of a
against sharecroppers and squatters, who lived on the
nonpropertied individual who was at the same time a
outskirts of the mill properties and resisted the loss of
partner of traditional property owners covered by ju
their properties and their rights; losses which did not
dicial equality, and a criminal; an unpredictable, dan
make them equal to the tend owners, but to free men
gerous threat to order and property, especially when
forced to work as salaried labor, or even as slaves.
he put his newly attributed theoretical rights - liberty
and equality - into effective action without the appro Thirdly, these new concepts were strategically
val or knowledge of his natural political leaders. used by the propertied elite in the process of creating a
Clearly the “equality” incorporated into this new pool of free laborers, trained to work within the ry-
concept of citizenship was actually part of a greater them of the sugar cane industry and to satisfy the ne
political project dedicated to overcoming slavery eds of wealth and power accumulation by the sugar
while at the same time creating a contingency of free and coffee barons.
RÉSUMÉ
Lors de l’abolition de l’esclavage au Brésil, une vant l’urgence croissante de la suppression du trafic
conception particulière concernant la citoyenneté et des esclaves et de l’esclavage lui-même, Vidés de ci
l’égalité entre hommes libres et affranchis acquit un toyenneté inscrite à la Constitution de l’Empire dut
caractère officiel. Le présent article retrace le pro subir d’importante aménagements.
cessus selon lequel s’est constituée cette conception En ses lieu et place surgit un nouveau concept qui
tout en analysant la lutte qui opposa les liberáux n’impliquait plus la possession de biens matériels et
(“praicros”) aux consrvatcurs (“guabirus”) dans la qui pouvait inclure aussi bien les hommes libres pau
province de Pemambuco entre 1844 et 1852 et qui vres que les esclaves affranchis où à afranchir. Face à
donne lieu à nombre da péripéties, parmi lesquelles la ces cotingences historiques, les projets politiques des
Révolution "Praiera” de 1848-1849. partis et les milieux juridiques de l’Empire engen
A partir de la seconde moitié du XIXe siècle, de- drèrent progressivement une nouvelle catégorie, en
156
Estudos Afro-Asidticos n? 16,1989
"Não sei se, como diz o provérbio, as
REVISITANDO A coisas repetidas agradam, mas creio
“DEMOCRACIA que, pelo menos, elas significam. E o que
procurei com tudo isto foi captar signifi
RACIAL”: RAÇA E cações." (Roland Barthes- Mitologias)
IDENTIDADE Neste artigo, pretendo demonstrar como as
discussões acerca do negro e das relações ra
NACIONAL NO ciais no Brasil vinculam-se à questão mais
PENSAMENTO abrangente da nacionalidade e quais as impli
cações desse fato para a compreensão do que
BRASILEIRO chamamos “ideologia racial brasileira”.1.
Pode-se observar que, pelo menos até a dé
cada de 30, todos aqueles que se propuseram
pensar a sociedade brasileira tendo como ob
Denise Ferreira da Silva*
jetivo definir uma “especificidade nacional”
tiveram como ponto de partida e/ou de chega
da um diagnóstico da situação racial no País.
Com as discussões sobre o negro e as rela
ções raciais iniciou-se o processo de constitui
ção das ciências sociais como campo de estu
do. Ao mesmo tempo, tais discussões foram a
base a partir da qual especulou-se acerca da
identidade nacional, no momento em que o
País estava em vias de constituir-se como na
ção capitalista independente. Nesse sentido,
procuro retomar aqui as principais teses do
pensamento racial brasileiro, com a preocupa
ção de pôr em destaque os projetos de nação a
elas subjacentes.
Não pretendo realizar um estudo exaustivo
de toda a produção intelectual do período
considerado, que vai até a década de 30, com a
publicação de Casa grande & senzala (1933),
mas apenas uma revisão de alguns aspectos do
pensamento racial brasileiro.
Nesse sentido, elegi como primeiro período
a ser analisado aquele em que o País passava
por profundas transformações e iniciava uma
nova fase já independente de Portugal. Essa
fase, que vai, aproximadamente, até a abolição
da escravidão, está marcada por uma dupla
preocupação. De um lado, a desagregação do
regime de trabalho escravo colocava no centro
da discussão o problema da formação de uma
* Mestranda em Sociologia no Instituto de mão-de-obra livre. De outro, o impacto das
Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e pes teorias do racismo científico apontava para
quisadora do CEAA. a impossibilidade de se construir uma nação
notas
1 Por ideologia racial brasileira entende-se um conjunto de idéias sempre recorrentes nas discussões sobre a
questão racial travadas fora dos círculos acadêmicos e do âmbito dos movimentos negros organizados. Tais idéias
são fruto do pensamento racial que será analisado neste artigo. Hoje cm dia elas estão popularizadas e podem ser
Agassiz.
Citado emCelia M.M. de Azevedo, Onda negra. . .., op.cit.,$- 80-
4
NOTAS
1 A Tarde, 12.2.1975.
2 Fred de Góes, O país do carnaval elétrico. Salvador, Corrupio, 1982, p. 19.
6 Celso F. Favaretto, Tropicália, alegoria, alegria, São Paulo, Kairós, 1979, p. 92.
7 Idem, p. 95.
8 A Tarde, 12.2.1975.
9 Renato Ortiz, “Carnaval: sagrado e político”, in .Peter Fry, Consciência fragmentada,. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1980, p. 20.
10 Maria Teresa Roxo Nobre, “Meandros da participação: formas de compartilhar espaço”, Ciência e Cultura,
vol. 30, n9 5,1977, p. 536.
11 Idem, p. 538.
12 Idem, p. 537.
13 Peter Fry, Sérgio Carrara e Ana Luiza Martins Costa, “Negros e brancos no carnaval da Velha Repúbli
ca”, in J. J- Reis, org.. Escravidão & invenção da liberdade: estudos sobre o negro no Brasil, São Paulo, Brasi-
liense, 1987, p. 245-6.
14 Cláudio Tuiuti Tavares, “Afoché- Ritmo Bárbaro da Bahia”, O Cruzeiro, 29.5.1948.
23 ATarde, 5.2.1975.
24 Idem, 12.2.1975.
25 Idem.
26 Interessantes comparações poderiam ser feitas com a repercussão que tiveram as escolhas dos temas Cuba e
Madagascar, rcspcctivamente, cm 1986 c 1988, pelo bloco afro Olodum.
27 P. Fry, S. Carrara c A.L. Martins Costa, “Negros c brancos. . .”, op. cit., p. 234.
28 A Tarde, 31.1.1979.
29 P. Fry, S. Carrara c A.L. Martins Costa, “Negros c brancos. . ,”,op.cit.
30 Beatriz Góes Dantas, Vovô nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil, Rio de Janeiro, Graal,
1988, p. 200-1.
31 A Bahia parece ser também um importante referencial de luta para os grupos c entidades negras, pela cons
trução que dela fazem enquanto “centro da negritude no Brasil". Ver Cactana Damasccno, Micênio Santos e So
nia Giacomini, “Um perfil das entidades dedicadas à questão do negro no Brasil”, Comunicações do Iser, n! 29,
1988,p.7.
32 Jornal da Bahia, 1.3.1981.
33 Antonio Risório, Carnaval ijcxâ. . ., op. cit., p. 17.
34 Idem, p. 69.
35 Jomalda Bahia, 9.2.1982.
36 A Tarde, 9.2.1986.
37 /dem, 4.2.1983.
38 Jomal da Bahia, 11.2.1987.
39 Maria Teresa R. Nobre, “Meandros da participação. . ",op. cit., p. 530.
40 No entanto, cm jornais do mesmo ano, leitores se queixam da violência: “Sr. Redator: Nunca violência no
Carnaval como neste ano. Foliã da festa momesca em Salvador desde 1973, nunca assisti tanta agressão. Mas em
diversas ocasiões, meu medo decorria da presença dos policiais. Onde eu via um PM, imaginava que alguma
confusão poderia acontecer, pois os policiais passavam agressivamente na multidão afastando todo mundo cornos
seus cacctetcs, que passavam a ser denominados de ‘fautas’. Um absurdo. Carnaval é festa. E festa no meu enten
der é sinônimo de alegria, não de briga(. . .)." Tribuna da Bahia, 19.2.1988, seção de “Cartas”.
185
Estudos Afro-Asiâticos n- 16,1989
SUMMARY
“^ Impressions: The ,.Blocos Afro„ ftom the pQint ^ vkw ^ ^ ^^ ^
RÉSUMÉ
TABELA 1
190
mo, no entanto, os estoques populacionais em pardo. Como indicado antes, essas proporções
cada grupo variam de região para região, as endogâmicas refletem em larga medida os as
proporções de casamentos endogâmicos tam pectos mais estritamente demográficos da po
bém variam amplamente. Se calcularmos as pulação, isto é, as variações regionais tanto no
proporções de homens casando com mulheres tamanho dos grupos quanto em suas “razões
no seu mesmo grupo de cor, obteremos para as de masculinidade”. De qualquer forma, a
diversas regiões os seguintes valores. consequência desses padrões de casamento
Novamente, parece existir um padrão espe inter-racial é a existência de diferenças muito
cialmente estruturado no sentido Norte-Sul, as significativas entre as regiões no que diz res
proporções endogâmicas entre brancos e pre peito aos produtos dessas uniões, isto é, no ní
tos sendo mais elevadas quanto mais ao Sul vel de miscigenação das populações.
a região e o contrário acontecendo no grupo A parte final deste artigo destina-se a ava-
TABELA 2
COR REGIÃO
MARIDO ESPOSA 1:NORTE 2N0RDESTE 3:CENTRO-OESTE 4:MG/ES 5: RJ &SP 7:SUL
TABELA 3
REGIÕES
%
COR DO MARIDO
NORTE NORDESTE C. OESTE MG/ES RJ SP SUL
Branco 64 71 79 87 86 91 96
Pardo 85 81 72 70 58 59 60
Preto 38 49 41 56 64 ‘ 63 64
NOTAS
1 Estes dois fatores conducentes a contatos sexuais entre os grupos raciais dominante e subordinado são desta
cados por Herbert M. Blalock Jr., Race and ethnic relations, Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1982, p. 41-3.
2 Marvin Harris, Patterns of race in the Americas, Nova Torque, Walker, 1964, p. 117.
3 Usando evidências do século XIX, Manuela Carneiro da Cunha critica a hipótese de Harris sobre a existência
de nichos ocupacionais específicos para os mestiços livres, mostrando que existia uma acirrada competição por
4 Veja.^exe^Io.F.M.Sa)^ ^
64 . „^“^ “’^ N“- B^ ~-^^, vo;
6 F.M. Salzano, “Em busca das raízes.. .”, op, dt., p. 52,
7
ElzaVer,
Berquó, exemplo,
por “ Thales
Nupcialidade dade Azevedo,
população negra no Brasilracial:
Democracia ideologia
”, Campinas, e realidaá.
mimeo, 1987 pP Óp°I,S’ „
Vozes’ 1975, e
8 Nelson
1987 do Valle Silva, “Distância social e casamento inter-racial no Brasil” • EstudnAfro-Asiáticos,
, p. 54-84. a a ■ n. 14,
9 Idem, p. 13-5.
10 Sabendo-se,
pode-se poréoutro
concluir que lado, que a maioria
substancialmente maior adesses
proporção está
casosde composta
crianç« por família
e jot^^e mU,heres’
socializados em condiçoes associadas a extrema pobreza. Ver Moema de Poli T Pa h pardos 3UC «s®© sendo
me de algumas questões”., EstudosAfro-Asiáticos, n. 13, 1987, p. 100-9. ’ neco’ A família negra: exa-
SUMMARY
This article analyses the racial breakdow of the More recent studies of inter-racial marriages have
Rmrilian population in an attempt to ascertain ten- shown a predominant tendency (80%) toward endoge
inconbinations between the groups. During nous racial unions. Variations in the proportion of
, neriod, racial intermixture was a fact of exogenous racial marriages can be explained by the
the reinfOrced by certain characteristics of relative differences in size of racial groups within the
Brazilian ’ omjc system and by the predominant
population as a whole and different male/female ra
016 white men in the population. The forma- tios.
number. mulattoe group has been explained in terms The findings in this article were based on the
tion of a1®diatc socio-economic function. With ti- PNAD-82 sampling, relating the color of individual
of its lations and marriage between persons of young people with that of their presumed biological
me, sexual r s has generated a color conti- parents. The foremost conclusions of the study are
different co ^pJc ^ classified.
that there are a greater number of children from exo
nuum by decline of slavery, racial intermixture genous unions where the mother is of lighter color
During used as the basis for pessemistic predic- than the father and taht individuals tend to assume the
was at ti"1®8, mre while at others was pragmatically mother’s color more than the father’s. It is more inte
dons of the ^^ since the 1930’5, the general resting to note that where the distinction between
accepted by social sciences has been to investigate head-of-household and spouse is ignored, there is a
tendency in of racial intermixture, following marked tendency toward a lighter colocr classification
the cultural ^^of Gilberto Freyre, who sought to of the offspring of unions with Blacks, and of the
in the foo® tight on miscegenation. The process of mulattoe classification in unions of this category, lea
shed a P03?VCifiif has been studied only by geneti- ding us to believe that the mulattoe group will be the
miscegenauon fastest growing in the near future.
cists.
Estudos Afro-Asidticos n- 16,1989
196
^— tv-
RÉSUMÉ
Cet article analyse la composition raciale de la po quence des thèses de Gilberto Freyre qui visaient à re
pulation brésilienne. Ce que veulent ses auteurs, c’est donner un sens positif aux mélanges raciaux. Le pro
identifier la tendance selon laquelle les groupes ra cessus de méssage, proprement dit, n’a été étudié que
ciaux se combinent entre eux. Les mélanges raciaux par des généticiens.
constituent une donnée de la réalité brésilienne depuis Les plus récentes études sur les mariages inter-ra
l’époque coloniale. Ils y étaient favorisés par les ca ciaux mettent en évidence une prédominance de l’en
ractéristiques socio-économiques du système et par dogamie raciale (80%). Les variations dans la propor
l’excédent numérique masculin au sein du groupe tion d’exogamie raciale des différents groupes de
blanc dominant. La formation du groupe mulâtre couleur peuvent être expliquées par les dissimilitudes
s’explique par la fonction socio-économique intermé entre les tailles relatives de ces groupes au sein de la
diaire qu’il exerce. Au long des années, les unions en population totale et par l’importance numérique des
tre les personnes diversement métissées’dnt engendré hommes chez chacun d’eux.
un continuum de couleurs selon lequel les personnes Pour cet article, on a travaillé sur un échantillon
sont classées. extrait de la Recherche Nationale par Échantillonnage
Lors de la crise finale de l’esclavage, les métissa de Domiciles de 1982 en comparant la couleur des in
ges provoquèrent deux types d’attitudes: tantôt ils dividus jeunes à celle de leurs probables géniteurs.
donnaient lieu à des conclusions pessimistes sur le Les principales conclusions que l’on puisse retirer de
futur du pays, tantôt ils étaient acceptés de façon cette analyse sont les suivantes: - les enfants de cou
pragmatique par les élites. À partir des années 30, la ples exogamiques sont plus numbreux quand la mère
tendance générale des sciences sociales a été d’orga est plus claire que le père; — les individus ont plutôt
niser des recherches sur les aspects culturels qu’impli tendance à être de la couleur de leur mère que de celle
quent les mélanges raciaux. Il faut voir là une consé de leur père.
202 Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989 Estudos Afro-Asidticos n- 16, 1989 203
e Sudeste (nesta destacando também São Ainda que as encontremos em maior nú
Paulo, como centro para o debate com F. Fer mero do que as brancas na zona rural, perce
nandes) -, refletindo diferentes níveis de de be-se que as famílias negras também estão,
senvolvimento econômico,52 a fim de verificar como aquelas, mais concentradas nas zonas
se o tipo de arranjo familiar predominante é urbanas — 62,5% no Brasil urbano, a maior
diverso nas duas regiões, segundo a situação proporção (27,3%) no Sudeste urbano e, a se
urbana ou rural do domicílio, e investigar se o guir, no Nordeste urbano (22,8%).
seu padrão conjugal também difere, para ver A distribuição dos tipos de famílias brancas
qual o impacto que isso traria para os níveis de e negras nas regiões Nordeste e Sudeste
desigualdade racial, medida por um indicador acompanha de perto o padrão que já havia sido
familiar de renda. Tentarei mostrar se, através atribuído em trabalho anterior53 ao Brasil co
desses dados, é possível dizer que a “organiza mo um todo: o da família conjugal com filhos
ção da família negra” em famflias conjugais” e em sua forma mais “restrita”, sem a presença
“estáveis” está associada a desenvolvimento de outros parentes — padrão que, ao que tudo
econômico (aqui representado pela região Su indica, enquanto estrutura de arranjo domésti
deste) e. conseqüentemente, a uma redução co, não varia segundo a cor das famílias ou re
das desigualdades de rendimento entre famílias gião em que se encontram, mesmo em São
brancas e negras. Paulo, como apontara F. Fernandes (ver Ta
belas 2, 2.1, 2.2 e 2.3).
O que parece acontecer no Sudeste e em
Caracterização geral das famílias São Paulo é um aumento relativo das famílias
brancas de casal sem filhos, acompanhado por
Os dados da Tabela 1 informam que quase uma proporção relativamente maior de famí
metade das famílias negras (45,5%) encon lias negras de mulher sem cônjuge com filhos.
tra-se no Nordeste e outros 33,6%, na região As famflias rurais, tanto brancas quanto ne
Sudeste, enquanto as famílias brancas con gras, mostram-se mais representadas nas fa
centram-se sobretudo no Sudeste (55,2%) - mílias conjugais com filhos do que as famflias
mais da metade - e, depois, na região Sul urbanas, confirmando as teses de que a chefia
(25%). feminina sem cônjuge com filhos é um fenô
Por outro lado, mais de 70% das famílias da meno mais urbano e que a assim denominada
região Nordeste são negras, como brancas são maior “estabilidade” da família rural - aqui
quase 70% das famílias que se encontram na compreendida por essa maior proporção de
região Sudeste, o que, de certa forma, também famílias “conjugais” —, se comprovada, pode
justifica a escolha dessas duas regiões para um ser tão válida para as brancas quanto para as
estudo comparativo. negras.
Não podemos desconsiderar, ainda, o peso
Estado conjugal
relativo dessas regiões dentro do Brasil. Sa
bemos que apenas na região Sudeste estão cer Colocados os limites de investigação da
ca de 46% de todas as famílias brasileiras e estabilidade de uma união pelo estado conju
que o número de famílias no Nordeste é 59% gal, este indicador mostra que 50% das famí
do número de famílias no Sudeste. Portanto, lias negras de casal com filhos estão unidas
uma análise de diferenciais regionais deve le pelo laço civil e religioso, ao lado de 75% das
var em conta que aquilo que se disser sobre famílias brancas (ver Quadro 1). O fato de as
famílias no interior da região Sudeste tem im famílias negras estabeleceram mais uniões só
pacto sobre um maior número de pessoas - no civil - seguidas das consensuais e depois das
sobre 55% das famílias brancas e 34% de to só no religioso - do que as famílias'brancas
das as famflias negras. pode ser avaliado juntamente com os dados de
TABELA 1
Distribuição percentual das famílias brancas e negras e composição racial por regiões
e situação do domicílio -1980
Distribuição percentual das famílias brancas e negras por tipos de família Distribuição percentual das famílias brancas e negras por tipos de família
segundo a situação do domicílio - Brasil segundo a situação do domicílio - Região Nordeste
TOTAL Total absoluto 24.977.406 14.022.134 10.706.949 TOTAL Total absoluto 6.707.660 1.802.424 4.869.484
Total relativo (%) 100,0 100,0 100,0 Total relativo (%) 100,0 100,0 100,0
Casal s/filhos s/parentes 11,9 13,3 10,1 Casal s/filhos s/parentes 10,2 10,8 10,0
Casal s/filhos c/parentes 2,0 1,9 2,1 Casal s/filhos c/parentes 2,5 2,5 2,4
Casal c/filhos s/parentes 60,8 61,4 60,1 Casal c/filhos s/parentes 59,3 58,6 59,6
Casal c/filhos c/parentes 8,7 8,2 9,4 Casal c/filhos c/parentes 9,7 9,8 9,7
Mulher chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 9,1 8,3 10,2 Mulher chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 10,0 9,7 10,1
Mulher chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 2,2 1,9 2,6 Mulher chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 2,8 2,7 2,8
Homem chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 1,4 1,2 1,5 Homem chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 1,4 1,3 1,4
0,4 0,3 0,5 Homem chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 0,5 0,5 0,5
Homem chefe s/cônj. c/filhos c/parentes
Outras famílias 3,5 3,5 3,5 Outras famílias 3,6 4,1 3,5
Homem chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 1,2 1,1 1,4 Homem chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 1,2 1,2
Homem chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 0,4 0,3 0,5 Homem chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 0,5 0,5
Outras famílias 4,0 3,9 4,0 4,5 5,1 4,2
Outras famílias
Fonte: Tabulações Especiais do Censo Demográfico de 1980 - IBGE. Fonte: Tabulações Especiaia do Censo Demográfico de 1980 - IBGE.
206
Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989 Estudos Afro-Asiáticos n- 16,1989 207
TABELA 2.2 TABELA 2.3
Distribuição percentual das famílias brancas e negras por tipos de família Distribuição percentual das famílias brancas e negras por tipos de família
segundo a situação do domicílio — Região Sudeste segundo a situação do domicílio - São Paulo
TOTAL Total absoluto 11.498.899 7.744.117 3.595.504 TOTAL Total absoluto 5.742.478 4.321.386 1.284.374
Total relativo (%) 100,0 100,0 100,0 Total relativo (%) 100,0 100,0 100,0
Casal s/filhos s/parentes 12,9 14,0 10,6 Casal s/filhos s/parentes 13,5 14,4 10,6
Casal s/filhos c/parentes 1,7 1,8 1,7 Casal s/filhos c/parentes 1,7 1,7 1,7
Casal c/filhos s/parentes 60,1 60,6 59,3 Casal c/filhos s/parentes 61,1 61,5 59,7
Casal c/filhos c/parentes 8,2 7,9 8,8 Casal c/filhos c/parentes 8,3 7,9 9,4
Mulher chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 9,3 8,5 Mulher chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 8,2 7,7 10,0
11,1
Mulher chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 1,8 2,6 Mulher chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 1,7 1,6 2,3
2,1
Homem chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 1,3 1,5 Homem chefe s/cônj. c/filhos s/parentes 1,2 1,2 1,4
1,4
0,5 Homem chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 0,4 0,3 0,4
Homem chefe s/cônj. c/filhos c/parentes 0,4 0,3
Outras famílias Outras famílias 3,9 3,7 4,5
3,9 3,8 3,9
Brasil
Fonte: Tabulações Especiais do Censo Demográfico de 1980, IBGE.
Brancas 100 14,1 21,3 8,5 50,2 5,9
Negras 100 22,8 26,3 2,0 40,2 8,7
QUADRO 2
Distribuição das famílias de casal com filhos por tipo de união segundo as regiões — 1980 Urbana
Brancas 100 14,8 21,9 9,7 48,2 5,4
TIPO DE UNIÃO Negras 100 24,7 27,2 2,6 37,8 7,7
REGIÕES CIVIL E SÓ
TOTAL RELIG. SÓ CIVIL RELIGIOSO CONSENSUAL Rural
Brancas 100 10,1 17,7 1.6 61,6 9,0
Nordeste Negras 100 17,2 23,9 0,4 47,0 11,5
Brancas 100 57,9 16,6 16,4 9,1
Negras 100 42,4 20,8 21,4 15,4
Até 3 SM
Sudeste Brancas 100 16,5 23,6 5,7 48,4 5,8
Brancas 100 78,0 12,9 1,6 7,5 Negras 100 22,6 26,9 1,5 41,1 7,9
Negras 100 60,4 20,0 4,3 15,3
-F de 3 SM
São Paulo
Brancas 100 5,2 16,4 13,4 60,9 4,1
Brancas 100 80,1 12,3 1,3 6,3
Negras 100 60,8 22,0 3,2 14,0 Negras 100 7,9 22,4 5,3 59,3 5,1
Fonte: Tabulações Especiais do Censo Demográfico de 1980, IBGE. Fonte: Tubulações Especiais do Censo Demográfico de 1980, IBGE.
210 Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989 Estudos Afro-Asiáticos n- 16, 1989 211
QUADRO 4
Distribuição das famílias de mulher chefe sem cônjuge com filhos por estado civil
segundo as regiões - 1980
ESTADO CIVIL
REGIÕES
DESO. E
TOTAL SOLTEIRAS SEPARADAS DIVORC. VIÚVAS S/DECL.
Nordeste
Brancas 100 14,3 26,7 3,4 44,4 11,2
Negras 100 20,4 29,0 1,0 37,3 12,3
Sudeste
Brancas 100 13,7 20,3 10,3 51,0 4,7
Negras 100 23,9 24,0 3,1 43,6 5,4
SP
Brancas 100 13,0 20,4 11,4 50,6 4,6
Negras 100 23,7 27,0 4,2 39,6 5,5
QUADRO 5
Famílias de casal com filhos e de mulher chefe sem cônjuge com filhos por cor e região
segundo classes de rendimento mensal familiar (em salários-mín.) - 1980
Casal c/filhos
ND Brancas 100 31,9 24,8 12,0 10,6 8,7 9,5 1,8 0,7
ND Negras 100 39,4 29,9 12,3 8,8 4,7 2,2 2,0 0,7
SD Brancas 100 5,0 14,8 14,4 21,6 23,3 20,2 0,3 0,4
SD Negras 100 10,7 25,2 20,2 23,0 15,5 4,6 0,3 0,5
Mulher chefe
s/cônj. c/ filhos
ND Brancas 100 39,6 20,5 8,4 7,4 6,2 3,8 12,4 1,7
ND Negras 100 49,2 20,9 7,1 4,3 2,1 0,6 14,3 1,5
SD Brancas 100 13,7 20,5 14,0 17,3 16,9 9,6 6,5 1,5
SD Negras 100 24,4 27,4 14,3 13,7 8,3 1,7 9,0 1,2
QUADRO 6
Tamanho médio e número médio de pessoas na força de trabalho das famílias conjugais
com filhos e de mulher chefe sem cônjuge com filhos, brancas e negras, por região
Casal com filhos 5,13 1,69 5,70 1,67 4,82 1,68 4,63 1,73
Brancas 4,84 1,69 5,52 1,64 4,65 1,67 4,52 1,71
Negras 5,53 1,68 5,76 1,68 5,19 1,71 5,02 1,81
Mulher s/cônj.
c/ filhos 3,42 1,32 3,59 1,17 3,32 1,42 3,25 1,52
Brancas 3,27 1,34 3,49 1,13 3,21 1,40 3,16 1,48
Negras 3,57 1,30 3,63 1,19 3,49 1,45 3,48 1,61
QUADRO 8
Número médio de pessoas na força de trabalho das famílias brancas e negras de casal
com filhos e mulher sem cônjuge com filhos por regiões e situação do domicílio
segundo classes de renda -1980
Casal c/filhos +
de 3 SM
Brancas 1.86 2.36 1.79 2.51 1.84 2.32 1.85 2.31
Negras 2.11 2.68 2.01 2.94 2.14 2.76 2.18 2.75
Mulher s/cônj.
até 3 SM
Brancas 1.07 1.34 1.03 1.34 1.07 1.26 1.08 1.351
Negras 1.18 1.43 1.16 1.46 1.19 1.34 1.21 1.41
Mulher s/cônj. +
de 3 SM
Brancas 1.91 2.66 1.71 2.79 1.92 2.64 1.98 2.66
Negras 2.49 3.07 2.23 3.16 2.59 3.16 2.70 3.08
QUADRO 9
Tamanho médio das famílias brancas e negras de casal com filhos e mulher sem cônjuge
com filhos por regiões e situação do domicílio segundo classes de renda - 1980
Casal c/filhos
até 3 SM
Brancas 4.59 5.25 5.26 5.76 4.42 5.06 4.25 4.74
Negras 5.16 5.72 5.47 5.82 4.78 5.52 4.57 5.08
- diferença de
tamanho 0.57 0.47 0.21 0.06 0.36 0.46 0.32 0.34
Casal c/filhos
+ de 3 SM
Brancas 4.67 5.76 5.19 6.63 4.59 5.68 4.52 5.38
Negras 5.54 6.85 5.90 7.24 5.32 6.67 5.23 6.22
- diferença de
tamanho 0.87 1.09 0.71 0.61 0.73 0.99 0.71 0.84
Mulher s/cônj.
até 3 SM
Brancas 3.02 3.54 3.36 3.68 2.93 3.40 2.83 3.25
Negras 3.39 3.74 3.59 3.74 3.18 3.64 3.06 3.44
- diferença de
tamanho 0.37 0.20 0.23 0.06 0.25 0.24 0.23 0.19
Mulher s/cônj.
+ de 3 SM
Brancas 3.57 4.77 3.85 5.05 3.51 4.80 3.48 4.63
Negras 4.50 5.46 4.66 5.47 4.42 5.61 4.40 5.23
- diferença de
tamanho 0.93 0.69 0.81 0.42 0.91 0.81 0.92 0.60
Famílias de casal com filhos por composição da força de trabalho segundo regiões -1980
Nordeste
Brancas 100 3,7 57,8 54,8 3,0 24,1 13,0 9,9 1,2 14,4 4,5 9,9
Negras 100 3,2 58,7 56,3 2,4 22,2 10,9 10,3 1,0 15,9 5,6 10,3
Estudos Afro- Asiáticos n? 16, 1989
Sudeste
Brancas 100 2,8 56,3 52,5 3,8 25,0 13,2 9,8 2,0 15,9 4,3 11,6
Negras 100 2,9 57,5 54,4 3,1 22,3 11,8 8,7 1,8 17,3 5,2 12,1
QUADRO 11
Famílias de mulher chefe sem cônjuge com filhos por composição da força
de trabalho segundo regiões -1980
TOTAL UMA PESSOA TRABALHA DUAS PESSOAS TRABALHAM TRÊS PESSOAS OU MAIS TRABALHAM
Nordeste
Brancas 100 31,2 43,7 26,3 17,4 15,7 8,9 6,8 9,4
Negras 100 28,7 44,5 30,4 14,1 16,4 10,7 5,7 10,4
Sudeste
Brancas 100 21,0 45,2 24,8 20,4 19,4 9,6 9,8 14,4
Negras 100 19,5 46,1 31,3 14,8 18,8 10,9 7,9 15,6
TIPO DE FAMÍLIA
NORDESTE
brancas NEGRAS SUDESTE
brancas negras
Casal com filhos
19«2 18,1
19,5 19,3
Fonte. Tabulações Especiais
do Censo Demográfico de 1980, IBGE.
QUADRO 13
221
Questionou-se o pressuposto que relaciona sas desigualdades se expressam e são mantidas.
üpos de família a situações sócio-econômicas e Ainda que a ótica da organização e desor
que acompanha essa perspectiva tendente para ganização familiares, por comportar outras
uma polarização, segundo o qual a “estabilida instâncias como relações entre os membros das
de” familiar chegaria para a família negra famílias,'caráter e durabilidade das uniões, de
junto com o desenvolvimento econômico, finição dos papéis conjugais etc., não possa ser
quando, ao estar mais próxima do modelo totalmente assimilada pelos dados levantados,
“branco” de organização familiar, as desigual estes indicam a necessidade de superação dessa
dades raciais seriam reduzidas. perspectiva polarizada da constituição da fa
Através da construção de tipos aproxima mília negra, assim como da crença de que a
dos com dados do Censo Demográfico de estrutura familiar está diretamente associada a
1980, mostrou-se, mediante os indicadores de situações sócio-econômicas nas quais a “orga
rendimento familiar, que as desigualdades ra nização” da família negra em famílias conju
ciais mantêm-se de forma semelhante em fa gais estaria vinculada à melhoria de suas con
mílias “completas” ou “incompletas”, em re dições de vida e à diminuição das desigualda
giões de diferentes níveis de desenvolvimento des raciais.
sócio-econômico, e que, ao contrário do que Na linha proposta por Billingsley,57 tudo
se supunha, elas chegam a ser mais acentuadas leva a crer que a questão da necessidade de
nos meios de maior “organização” familiar e a família negra se “estabilizar”, se “organizar”
de maior desenvolvimento econômico - que para sc tornar viável e se “integrar” à socieda
aqui foram identificados com famílias conju de abrangente seja mais um mito a ser supera
gais com filhos e com a região Sudeste do do, de forma a melhor contextualizar a família
País, onde destacou-se São Paulo. negra no Brasil, já que os dados comprovam
Levantou-se, ainda, algumas características que não se pode perder de vista a existência de
dessas famílias como estado conjugal e civil, uma instância própria das relações raciais, que
tamanho, composição da força de trabalho fa parecem estar determinando as desigualdades
miliar, taxa de atividade dos seus membros e e cujos mecanismos de reprodução vão além
categorias sócio-ocupacionais do chefe para das estruturas de família, situações e “oportu
tentar compreender as formas pelas quais es nidades” sócio-econômicas
NOTAS
Oliveira, Porcaro e Araújo, Repensando o Lugar da Mulher Negra”, Estudos Afro-Asiáticos, n. 13, 1987; R.
\ s “Escravidão e Família: Padrões de Casamento e Estabilidade Familiar numa Comunidade Escrava”
(Campinas’ Sécu\o XIX), Anais do IVEncontro Nacional de Estudos Populacionais, vo). IV, São Paulo, outubro de
1984.
ma P-PT- Pacheco, Aguentando a Barra: Uma Reflexão sobre a Família Negra de Baixa Renda, trabalho
2 no GT Temas e Problemas da População Negra no Brasil do VII Encontro Anual da Anpocs, Águas
apresen gp, outubro de 1983, e Família e Identidade Racial - Os Limites da Cor nas Relações e Representa-
de São _ DO de Baixa Renda, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia So-
7 Idem, p 168.
8 E.F Frazier, “The Negro Family. . ”, op. cit.. p. 137
9 C. Levi-Strauss, “Natureza e Cultura”, in C. Levi-Strauss, As Estruturas Elementares do Parentesco, Pelró
polis/São Paulo, Vozes/EDUSP, 1976.
24 A.J Me Queen, “The Adaptations.. .”, op. cit., p 93. Grifo meu.
25 F Fernandes, A Integração do Negro. . .. op. cit.. e I.M.F. Barbosa, Socialização e Relações Raciai
cit. -,op.
26 “The rural family is known to be better integrated than the urban family; this is partly because
e rural fa.
Estudos Afro-Asidticos n- 16,1989
223
mily has reUined more economic, recreational, and other functions, partly because r
and partly because social controls in general are stronger in rural arcas ” Cf J Tobv ? Y
op. ar., p 509 Differential Impact. .. .
“Ja salientamos que a permanência mais ou menos demorada em zonas rurais 1 .
negro ou do . mulato
. livres do passadoi rústico paulistano) facilitava a aquisição
. ' HUivalcnte
, - da ■ - do
, participação j
-
família imperantes em nosso mundoI agrário
z .
Os segmentos das ,levas migrantes * “non..
de uc padrões .de organizaçao
•• . da
- , . de
condiçoes e encontravam oportunidades .
, conquistar ,
uma fonte popuiaçaodc
permanente c satisfatória dc cor
anhoque tinham
obtinham
assim, também uma situação favorável à preservação e à consolidação da herança cultural tra^oHntada do mundo
rústico.” CF. F. Fernandes, A Integração do Negro. . ., op. cit., p. 211. H
30 “Cumpre assinalar, doutro lado, que o amasiamento não representava, por si mesmo, um obstáculo à estabi
lidade estrutural e à normalidade funcional. Vários casos conhecidos revelam que algunsnegros ‘direitos’ e ‘or
deiros’, ferrenhamente apegados ao código tradicionalista e à sua rígida etiqueta, punham em prática, conspicua-
mente, esse tipo dc arranjo matrimonial (. . .) Em sentido inverso, famílias que se organizavam de conformidade
com as normas legais podiam exibir um grau de instabilidade c dc desintegração só comparável aos casais amasia
dos ditos debochados.” F. Fernandes, A Integração do Negro. . ., op. cit., p. 200.
31 Idem, ibidem Gri fos meus
32 Idem, p. 211.
33 Oliveira. Porcaro e Araújo. "O Lugar do Negro na Força de Trabalho-, 1BGE-DEISO 1985
39 Z. C.
— Stack, “O Comportamento Sexual e Estrat' ■ o
M Rosaldo e L. Lamphere, A Mulher, a Cultura Sobrcv,vôncia ™ma Comunidade Negra Urban ■
icy, BMFanrtes. ...o. d,, M.D.P.T. Pacheco. A^doí^ ' ^ ,979; * “*"">£
ting equal pay with white workers It mcreases his chance of dyL eariy ando/ ’""’^ h'S°PPortuniticsof get-
the cemetery of his cho.ce. Thus, hterahy from thc crad]e to^/ ^ P'cvc"* him from being buried in
snecter of racism. It is true, of course, that many families esmne thf „ \ r 8 famiIy is threatened by the
that many families have shown an amazing ability to survive cotornTanXh'^ ” ÍSa,so ,ruc
. .-eles Still, when compared with white families r achieve in the face of impossible
position, and opportunities”. A Billingsley. BlackF^es. . *™ XX ST'^"7 aSSÍ8"Cd ÍnferÍOr status’
46 R. Farley e A.I. Hermalin, “Family Stability. . .” op. cit., p. 2. Ver, ainda, R.E. Bali, “Marital Status,
Household Structure, and Life Satisfaction of Black Women”, Social Problems, vol. 30, n. 4, abril, 1983; e S.
toe. Lanahan, “Family Structure. . .”., op. cit.
47 M.G. Castro et alii, “O Quadro das Famílias em Domicílios de Chefe Migrante e Natural”, FIBGE.mim^o,
^79, p. 4.
48 Ver Oliveira, Porcaro e Araújo, “O Lugar do Negro. . .”, op. cit.; Nelson do Valle Silva, “Distância Social
e Casamento Inter-Racial no Brasil", Estudos Afro-Asiáticos.n. 14, 1987; E. Berquó, Nupcialidade da População
Hegra no Brasil, NEPO/Unicamp,mímeot 1987.
49 Ver Nelson do Valle Silva, “Cor e o Processo de Realização Sócio-Econômica”, trabalho apresentado no
$T Temas e Problemas da População Negra no Brasil, IV Encontro Anual da Anpocs, outubro de 1980; Oliveira,
^Orcaro e Araújo, “O Lugar do Negro. . .”, op. cit.
50 A.M. Goldani Altman, “A Demografia ‘Formal’ da Família: Técnicas e Dados Censitários", ABEP, mimeo,
*984, p. 1288
51 Cf. Lewin e Ribeiro, “Família: Um Conceito em Crítica”, in M.G. Castro et alii, “O Quadro das Famí-
lla« . .”, op. cit.
$2 R.M. Porcaro, “Desigualdade Racial. . ,”,op.cit.
O que pode significar que o trabalho informal estaria incidindo de forma mais acentuada sobre os negros do
ödeste.
56 R.M. Porcaro, “Desigualdade Racial. . .”, Op. cit.,p. 196.
SUMMARY
The Racial Inequalities de in Two Kinds of Families
Using data from the 1980 Demographic Census, there is a clear similanty between female-h<.
’^s study offers a comparison of black and white fa milies in the Northeast and two-parent famiK ■ fa'
milies in two different types of domestic groups - fa distant southeastern region of São Paulo - m 016
milies consisting of a couple and their children, and nomic development is more accelerated in ere eco~
^Ogle-parent families consisting of a female and her higher and family groups more stable. ’ ^es ^
Mildren — in two distinct socio-economic regions —
^e Northeast and Southeast (specifically São Paulo), These differentials reflect certain conrt-
’he objective of the study is to verify the origin of ch are characteristic of these black famiii/ÜOns Whi
hypotheses which associate improvements in living arc larger in number and that they show a ^t theC
conditions of the black population and a consequent gree of activity among spouces and chi J ^^r d ’
diminishing of racial inequality, with a more “stable” as a greater average number of men^, n‘ ^
’ype of familial structure within areas of greater eco- force. When associated with the type * ’* the w??
^mic development. activity of the head of the household *
The study shows that these two models are linked lead to the conclusion that the black ^e^ °M
’° very specific socio-economic conditons in which, pies a constant position in Brazil ^P^o^ors
contrary to expectations, black families are closer to reproduced in different «o-econp^ty
"'hite families in the poorer Areas. More specifically, contexts. and is
^studos Afro-Asiáticos n- 16, 1989
225
O Centro de ^^pâ^
zou ora?“^^ A co^^os pro;
tf NOTÍCIAS DO CEAA sobre o Negro no Brasil^mposta P^^ni,
gamento dos proj M’naoga, O°Ú ^eisoo
RÉSUMÉ fessores Kab^le^ nove®'
Rarialés Touchant Deux Types de Famille Giralda Seyferth, Ron^ dia 3 to**,
do Valle Suva, ^““7U "ovar os seg®"
Les Inégalités bro de 1988 e decidiu apr
De famille élève seu e ses en- L
(quand la femme-^l Nord_Est)> et plus éloignés là i ProjetOS: • fro-brasUeirai”, ^
^ ^vail a pour but de vérifier ta fants et dans la ^æ0 omique est lc plus accéléré t
taines thèses qui associent 1’^°^Queu où le développement ^ paulo) ainsi que dans \
tions de vie de la populationnoire-ct, encor^ (dans les et les degrés d’organisation J
ce, la diminution des inégalités raciales de. les milieux où les r élevés ( uand les deux f
grande "stabilité” de structure des fend « ^ de la famille sont 1«
gré de développment économique du mil fournies époux élèvent leurs en reflet de certaines condi- I
se trouvent insérées. Sur la base de donnée Ces différences so ^.^ Celles-ci ï
par le Recensement Démographique JeJ’ ’ ^ et tions caractéristiques uses^ lc ^ d,activité des [
s’efforce de comparer la situation de fanull _ sont généralement n° tplus élevé et, en moyenne, 1 B£"?“AnS da W^tidade de negro .^P^
blanches dans deux types de ^ctt^ lc enfants et des femmes y ^ membres appartient i
celles qui réunissent époux et enfants et un nombre plus ^na socie œs données au type 1 * p^d:
chef de famille est une femme qui ?ève ^"afferent à la force de tra™« • des chefs de ces familles, |
d’insertion Pæ^'TL que la population noire sem- « como desafio Brasilândia Sarraf
fants. L’enquête touche deux le
entre elles par leur situation Sâo on est amené à conciur Ution brésilienne, une l
Nord-Est et le Sud-Est et met en relief le ble occuper, au sein d ^ en se rcproduisant, quels â
position qui se maint ^.^^ques et fami- •
Paulo. ni- Merca ^^dQ sobre iTS
Contrairement à ce que l’on ^“^.^TX’ires et que soient les conte
veau de vie et le statut racial des fanu’ta „ liaux.
blanches sont plus proches dans les milieux p
r
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negócio’ canoca ,
Jo^tSUo mulata”, de Sonia Mana
226
ébano
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NÚMERO ANTERIOR