Como Amar A Deus Sobre Todas As Coisas
Como Amar A Deus Sobre Todas As Coisas
Como Amar A Deus Sobre Todas As Coisas
Amar a Deus
Sobre Todas
As Coisas
Pulcher Scriptor
Introdução
Este livro nasce do desejo profundo de explorar e compartilhar aos meus irmãos cristãos o
mais importante dos mandamentos: amar Deus sobre todas as coisas. Fundamentado nos
ensinamentos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nas Sagradas Escrituras e nos
escritos dos Santos Padres, busco iluminar o caminho para uma relação mais íntima e
verdadeira com nosso criador, este livro também é para mim, que ainda estou desenvolvendo
meu amor pelo nosso senhor.
Que este livro seja um humilde instrumento para aqueles que buscam aprofundar sua fé pelo
senhor, sempre guiados pela luz da santa Igreja e pela graça de Deus.
“Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele.” (1 João 4:16)
1
A Natureza do Amor Divino
“Deus é amor” (João 4:8). Esta simples, mas profunda declaração, serve como alicerce para a
nossa compreensão da natureza do amor divino. Antes de tudo, devemos primeiro reconhecer
que o amor de Deus não é apenas uma característica entre muitas, mas a própria essência de
seu ser. É a fonte primordial de todo o amor verdadeiro e o modelo perfeito para o qual
devemos aspirar.
O amor de Deus se manifesta primeiramente no ato da criação. Como nos ensina o catecismo
da Igreja Católica (CIC) nos parágrafos 293-294, “O mundo foi criado para a glória de Deus”.
Esta glória consiste em manifestação e na comunicação de sua bondade, para as quais o
mundo foi criado. Deus nos criou “por amor” para que pudéssemos participar de sua vida e
glória. Este ato criativo é a primeira expressão do amor divino que podemos testemunhar e
compreender. Ao criar o homem à sua imagem e semelhança (Gênesis 1:27), Deus expressa
seu desejo de compartilhar seu amor conosco de maneira íntima e pessoal.
Contudo, a expressão máxima do amor de Deus se revela na pessoa de Jesus Cristo. Como
afirma o Evangelho de João: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça. Mas tenha a vida eterna” (João 3:16).
A encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus são o ápice da revelação do amor divino. O
CIC, nos parágrafos 458-460, ensina que o Verbo se fez carne para que conhecêssemos o
amor de Deus, para ser nosso modelo de santidade e para nos tornar “participantes da natureza
divina” (2 Pedro 1:4).
O amor divino possui características únicas que o distinguem de qualquer forma de amor
humano. É incondicional, como vemos na parábola do filho prodígio (Lucas 15:11-32), onde o
pai acolhe o filho arrependido sem reservas. É eterno como nos lembra o profeta Jeremias:
“Eu te amei com amor eterno” (Jeremias 31:3). É misericordioso, sempre pronto a perdoar,
como ilustrado no Salmo 103:8: “O senhor é compassivo e misericordioso, longânimo e cheio
de amor”. É fiel, permanecendo constante mesmo quando falhamos, como afirma Paulo em 2
Timóteo 2:13 “Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a
si mesmo”.
O salmo 136, com seu refrão repetitivo “porque o seu amor dura para sempre”, é um hino
poderoso às qualidades eternas e imutáveis do amor divino. Além disso, a famosa passagem
sobre o amor em 1 Coríntios 13, embora frequentemente aplicada ao amor humano, pode ser
vista como uma descrição perfeita do amor de Deus: paciente, bondoso, que tudo sofre, tudo
crê, tudo espera, tudo suporta.
Um aspecto crucial do amor divino é que, embora seja oferecido livremente a todos, respeita a
liberdade humana. O CIC, nos parágrafos 1730-1748, enfatiza que Deus criou o homem como
um ser racional, conferindo-lhe a dignidade de uma pessoa dotada de iniciativa e domínio dos
seus atos. A liberdade é um sinal eminente da imagem divina no homem. Deus quis “deixar o
homem entregue à sua própria decisão” (Eclesiástico 15:14), para que procure por si mesmo o
seu Criador e livremente chegue à total e feliz perfeição, aderindo a Ele.
Esta liberdade implica que o amor divino é um convite, não uma imposição. Deus nos chama
a uma relação de amor, mas respeita nossa capacidade de aceitar ou rejeitar esse chamado.
Como expressa belamente Santo Agostinho em suas Confissões: “Tu nos fizeste para Ti, e
inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti”.
2
O amor de Deus não é uma realidade abstrata, mas se manifesta concretamente na vida da
igreja. Os sacramentos são sinais visíveis e eficazes deste amor divino. No batismo, somos
adotados como filhos de Deus. Na eucaristia, recebemos o próprio Cristo como alimento
espiritual. Na Reconciliação, experimentamos a misericórdia e perdão divinos. Cada
sacramento é uma expressão tangível do amor de Deus por nós.
Além disso, a própria comunidade dos fiéis é chamada a ser um reflexo do amor divino. Como
ensina a Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a igreja, do Concílio Vaticano II, a
igreja é “como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o gênero humano” (LG 1). A vida em comunidade, marcada pelo amor
fraterno, é um testemunho do amor de Deus no mundo.
São João da Cruz, em sua obra “Cântico Espiritual”, oferece uma bela reflexão sobre a
natureza do amor divino: “O amor não consiste em sentir grandes coisas, mas em ter grande
desnudamento e paciência por Deus nas coisas adversas”. Esta perspectiva nos lembra que o
amor de Deus não é apenas um sentimento, mas uma realidade transformadora que nos leva a
uma entrega total de nosso ser.
Santa Teresa de Ávila, em “O Castelo Interior”, descreve o amor de Deus como um fogo que
consome a alma, purificando-a e elevando-a. Ela escreve: “O amor de Deus, quando é
verdadeiro amor de Deus, é impossível escondê-lo”. Esta visão do amor divino é central para
a compreensão católica.
O papa Bento XVI, em sua encíclica “Deus Caritas Est”, oferece uma reflexão sobre a
natureza do amor de Deus. Ele escreve “O amor de Deus por nós é uma questão fundamental
para a vida e coloca questões decisivas sobre quem é Deus e quem somos nós”. Bento XVI
enfatiza que o amor de Deus não é apenas Eros (Amor Apaixonado) ou Philia (Amor de
Amizade), mas principalmente amor Ágape - um amor objetivo que busca o bem do outro.
São Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, argumenta que o amor de Deus é fonte de
todo o bem no universo. Ele afirma: “O amor de Deus infunde e cria a bondade nas coisas”
(STI, q. 20, a. 2). Esta perspectiva nos lembra que todo o bem que experimentamos é um
reflexo do amor divino.
Compreender a natureza do amor de Deus é o primeiro passo para amá-Lo sobre todas as
coisas. Este amor infinito e perfeito nos chama a uma resposta de amor total e incondicional.
Como afirma o primeiro mandamento: “Amarás o senhor teu Deus de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Mateus 22:37).
À medida que aprofundamos nossa compreensão do amor divino, somos chamados a uma
transformação pessoal. São Paulo, em sua carta aos Gálatas, nos exorta a viver pelo Espírito,
cujo primeiro fruto é o amor (Gálatas 5:22). Este amor, nutrido pelo amor divino, deve se
manifestar em nossa relações com os outros e em nossa busca pela santidade.
Santa Catarina de Siena, em seu “Diálogo”, descreve o amor de Deus como um “fogo
devorador” que consome tudo o que não é divino em nós. Ela escreve: “Tu, Trindade eterna,
és como um mar profundo, em que quanto mais procuro, mais encontro, e quanto mais
encontro, mais Te procuro”.
3
São Boaventura, em seu “Itinerário da Mente para Deus”, apresenta o amor divino como o
centro de toda a criação e o objetivo final de toda busca espiritual. Ele afirma: “Deus é o
círculo cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em lugar algum”.
O amor de Deus também se manifesta de maneira especial em Maria, a Mãe de Jesus. Como
ensina o CIC nos parágrafos 493-494, Maria por sua fé e obediência, cooperou de maneira
singular com o amor salvífico de Deus. Sua total entrega ao plano divino - “Eis aqui a serva
do Senhor; faça-se em mim a tua palavra” (Lucas 1:38) - é um modelo perfeito da resposta ao
amor divino.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que se desenvolveu ao londo dos séculos e foi
especialmente promovida por Santa Margarida Maria Alacoque no século XVII, é outra
expressão poderosa da compreensão católica do amor divino. O coração de jesus,
transbordando de amor pela humanidade, nos convida a uma intimidade com o amor divino.
O Papa Francisco, em sua exortação apostólica “Evangelii Gaudium”, enfatiza que o amor de
Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta que deve ser vivida e
compartilhada. Ele escreve: “O kerygma possui um conteúdo inevitavelmente social: No
próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros”
(EG 177). Esta perspectiva nos lembra que o amor divino deve ser encarnado em nossas
relações e nosso compromisso com a justiça social.
A compreensão do amor divino também tem implicações para a vida de oração. Como ensina
o CIC nos parágrafos 2558-2565, a oração é um encontro vivo com Deus, uma resposta de
amor infinito de Deus. A contemplação, em particular, é descrita como um “olhar de fé fixo
em jesus” (CIC 2715), uma forma de imersão no amor divino.
O amor de Deus também se manifesta na criação e na ordem natural. Como afirma São Paulo
na carta aos Romanos: “Pois desde a criação do mundo e os atributos invisíveis de Deus, seu
eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por
meio das coisas criadas” (Romanos 1:20). Esta perspectiva nos convida a ver o mundo natural
não apenas como um recurso, mas como um reflexo do amor e da sabedoria divinos.
Chamando-nos a uma mordomia responsável da criação.
Em conclusão, o amor divino é a realidade mais fundamental do universo, a força que move
toda a história da salvação. É incondicional, eterno, misericordioso, e fiel. Respeita nossa
liberdade, mas nos chama constantemente a uma união mais profunda. Manifesta-se na
criação, na encarnação de Cristo, na vida da igreja e nos sacramentos. É o modelo para todo
amor humano e o objetivo final de nossa existência.
Compreender e responder a este amor é o coração da vida cristã. Como São João nos lembra:
“Nós o amamos porque ele nos amou primeiro” (1 João 4:19). À medida que aprofundamos
nosso conhecimento do amor divino, somos chamados a uma transformação radical em nossas
vidas em resposta a este amor incomparável. Este é o fundamento sobre o qual nós
construiremos nossa leitura de como amar a Deus acima de todas as coisas.
4
Cultivando o Amor por Deus em Nossa Vida Cotidiana
Tendo explorado a natureza do amor divino no capítulo anterior, agora nos voltamos para a
questão prática de como podemos nutrir e fortalecer nosso amor por Deus em meio às
demandas e desafios da vida cotidiana. Como nos lembra São Josemaría Escrivá, “A santidade
não consiste em fazer coisas cada vez mais difíceis, mas em fazê-los com cada vez mais
amor.”
O alicerce desse amor é a oração diária. A oração é, em essência, um diálogo amoroso com
Deus. Seja através da oração vocal, meditativa, ou contemplativa, estabelecemos um ritmo de
comunicação com o divino que permeia nosso dia. Este ritmo nos permite encontrar Deus não
apenas nos momentos de silêncio, mas em cada aspecto da nossa rotina.
Intimamente ligada à oração está a vivência dos sacramentos. A Eucaristia, fonte e cume da
vida cristã, nos une de maneira única ao amor sacrificial de Cristo. Através da participação
frequente na Missa e na adoração eucarística, nosso amor por Deus é alimentado e fortalecido.
O sacramento da Reconciliação, por sua vez, nos permite experimentar o amor misericordioso
de Deus, renovando nossa relação com Ele e nos inspirando a ama-Lo cada vez mais.
A Sagrada Escritura desempenha um papel crucial neste cultivo do amor divino. A Bíblia não
é apenas um livro de ensinamentos, mas uma carta de amor de Deus para a humanidade.
Através da prática de Lectio Divina, podemos mergulhar nas profundezas da Palavra,
deixando que ela molde nosso corações e mentes. Aplicar as Escrituras em nossa vida diária
nos ajuda a ver o mundo através dos olhos do Criador.
No entanto o amor a Deus não pode ser separado do amor ao próximo. Como nos ensina São
João, “quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João
4:20). Assim, os atos de caridade e serviço se tornam expressões tangíveis de nosso amor a
Deus. Nas obras de misericórdias corporais e espirituais, no cuidado com os pobres e
marginalizados, encontramos oportunidades concretas de amar a Deus através do amor ao
próximo.
O cultivo das virtudes é outro aspecto essencial deste caminho de amor. As virtudes teologais
- fé, esperança e caridade - nos orientam diretamente para Deus, enquanto as virtudes cardeais
nos ajudam a viver esse amor de maneira prática e consistente. Cada situação cotidiana se
torna uma possibilidade de praticar paciência, a humildade, a coragem, ou a temperança,
sempre com o olhar fixo no amor divino.
Em nosso caminho de amor, encontramos em Maria um modelo perfeito. Sua devoção total a
Deus, seu “sim” incondicional, nos inspira e nos guia. O Rosário, em particular, se torna uma
escola de amor, onde meditamos os mistérios da vida de Cristo através dos olhos de Maria. A
consagração mariana nos ajuda a aproximar de Deus, pois, como diz São Luís Maria Grignion
de Montfort, “a Maria é o meio seguro, fácil, curto e perfeito para chegar à união com Nosso
Senhor”.
Nosso trabalho e tarefas diárias, longe de serem obstáculos ao amor divino, podem se tornar
expressão desse amor. Ao oferecer nosso trabalho a Deus, transformamos o ordinário em
extraordinário. Cada tarefa, por mais mundana que pareça, pode ser um ato de amor. As
dificuldades e sacrifícios, quando oferecidos com amor, nos unem mais intimamente ao
mistério pascal de Cristo.
5
Por fim, o cultivo da gratidão nos abre constantemente para o amor de Deus. Reconhecer as
bênçãos diárias como expressões do amor divino nos mantém em um estado de abertura e
receptividade. A prática do exame de consciência nos ajuda a ver a mão amorosa de Deus em
todos os aspectos de nossa vida, levando-nos a uma atitude de louvor constante.
Como nos ensina Santa Teresinha do Menino Jesus, “O único modo de progredir no caminho
do amor é permanecendo pequeno e não acreditando que podemos fazer algo de grandioso,
mas sim fazer pequenas coisas com grande amor.” É nesta simplicidade e constância que
encontramos o segredo de cultivar o amor a deus em nossas vidas. Cada momento, cada ação,
cada encontro se torna uma oportunidade de crescer neste amor que dá sentido e plenitude à
nossa existência.
Assim, o amor a Deus não é uma realidade distante ou inalcançável, mas um chamado vivido
no aqui e agora, na simplicidade e na beleza do nosso dia a dia. É um caminho de constante
transformação, onde gradualmente aprendemos a ver e amar a Deus em todas as coisas e todas
as coisas em Deus.
6
O Amor de Deus em Face do Sofrimento e das Provações
O mistério do sofrimento tem sido uma questão central na experiência humana e na reflexão
teológica ao longo dos séculos. A tradição católica, enraizada nas Escrituras e desenvolvida
através dos ensinamentos da Igreja, oferece uma visão única sobre este tema. Não nega a
realidade da dor ou minimiza seu impacto, mas busca encontrar sentido e até mesmo graça em
meio ao sofrimento.
No coração desta perspectiva está a cruz de Cristo. O fato de que o próprio filho de Deus
experimentou o sofrimento em sua forma mais extrema transforma fundamentalmente nossa
compreensão da dor humana. Como São João Paulo II escreveu em sua carta apostólica
“Salvifici Doloris”: “Cristo não explica abstratamente as razões do sofrimento, mas antes de
tudo diz: ‘Segue-me!’ Vem! Toma parte com teu sofrimento nesta obra de salvação do mundo,
que se realiza por meio do meu sofrimento! Por meio da minha cruz.”
Esta visão não glorifica o sofrimento por si só, mas reconhece seu potencial transformador
quando unido ao sofrimento redentor de Cristo. O sofrimento, quando aceito em união com
Cristo, pode se tornar um meio de purificação, crescimento espiritual e até mesmo
participação na obra salvífica de Deus. São Paulo expressa esta ideia quando escreve:
“Completo na minha carne o que fala às tribulações de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja”
(Colossenses 1:24).
A vida dos santos oferece inúmeros exemplos de como o amor de Deus pode brilhar através
do sofrimento. Santa Teresa de Ávila, que suportou doenças crônicas e perseguição, escreveu:
“Quem tem a Deus nada lhe falta. Só Deus basta.” São Padre Pio, que experimentou tanto
sofrimento físico quanto espiritual, incluindo os estigmas, via sua dor como uma oportunidade
de se unir mais intimamente a Cristo. Santa Teresinha do Menino Jesus, em seus últimos
meses de vida marcados por grande sofrimento, demonstrou como o amor pode florescer
mesmo nas circunstâncias mais difíceis.
O Sacramento da Unção dos Enfermos é uma expressão tangível do amor de Deus em tempos
de doença e sofrimento. Este sacramento não apenas oferece cura física (quado é a vontade de
Deus), mas também proporciona força espiritual, paz e coragem para enfrentar a doença ou a
proximidade da morte. É um lembrete de que Deus não nos abandona em nossos momentos
mais difíceis, mas se aproxima ainda mais de nós.
A prática da gratidão mesmo em meio às provações, pode ser uma poderosa expressão de
amor e confiança em Deus. São Paulo exorta os tessalonicenses a “dar graças em todas as
circunstâncias” (1 Tessalonicenses 5:18). Esta atitude não nega a realidade do sofrimento mas
reconhece a presença constante de Deus mesmo nos momentos mais sombrios.
7
A oração intercessória é outra maneira pela qual experimentamos e expressamos o amor de
Deus em tempos de provação. Ao orarmos uns pelos outros, participamos do amor de Deus
pela humanidade e nos unimos mais intimamente a Cristo, o grande intercessor.
É importante reconhecer que o sofrimento pode, às vezes, nos levar a questionar o amor de
Deus. A tradição católica não evita estas questões difíceis, mas as enfrenta com honestidade.
O livro de Jó, por exemplo, lida diretamente com o mistério do sofrimento do justo. A
resposta de Deus a Jó não é uma explicação, mas um convite a uma confiança mais profunda.
O Papa Bento XVI, em sua encíclica “Spe Salvi”, oferece uma reflexão sobre o papel da
esperança cristã em face do sofrimento. Ele escreve: “Não é o evitar o sofrimento, a fuga
diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer,
de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor.”
Em última análise, a perspectiva católica sobre o amor de Deus na face do sofrimento e das
provações desafia-nos a confiar no amor de um Deus que não apenas compreende nosso
sofrimento, mas escolhe entrar nele para nos redimir. É um convite a ver nossas lutas não
como punição ou abandono, mas como oportunidades de crescimento, purificação e união
mais profunda com Cristo.
Este entendimento não elimina a dor do sofrimento, nem fornece respostas fáceis para todas
as nossas perguntas. Em vez disso, oferece uma visão que pode mudar nossa experiência de
sofrimento, permitindo-nos encontrar significado, propósito e até mesmo alegria em meio às
provações. Acima de tudo, nos lembra que, não importa o quão escura seja a noite, o amor de
Deus permanece constante, sustentando-nos, fortalecendo-nos e, finalmente, nos conduzindo à
luz da ressurreição.
8
O Amor de Deus e Nossa Relação com o Próximo
O amor de Deus, em sua essência, não pode ser separado do amor ao próximo. Este capítulo
ensina sobre a íntima conexão entre esses dois aspectos fundamentais da fé católica,
revelando como nosso amor por Deus se manifesta e aperfeiçoa através e nossas relações com
os outros.
Jesus, ao ser questionado sobre qual era o maior mandamento, respondeu com duas injunções
inseparáveis: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, toda a tua alma, e de todo o
teu entendimento” e “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:37-39).
São João, em sua primeira epístola, aprofunda esta conexão: “Se alguém disser: ‘Amo a
Deus’, mas odiar o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não
pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João 4:20). Esta passagem desafia qualquer noção de
espiritualidade divorciada das relações humanas concretas. O amor de Deus se encarna e se
verifica em todas as nossas interações diárias com aqueles que nos rodeiam.
A encarnação de Cristo serve como modelo supremo desta realidade. Em Jesus, Deus não
apenas nos amou de longe, mas se fez um de nós, compartilhando nossa humanidade em
todos os seus aspectos, exceto o pecado. Através deste ato amoroso, Deus eleva a dignidade
de cada pessoa humanam criada à Sua imagem e semelhança. Reconhecer e honrar esta
dignidade em cada pessoa que encontramos é uma expressão concreta de nosso amor a Deus.
As obras de misericórdia, tanto corporais, quanto espirituais, oferecem um guia prático para
viver este amor. Alimentar os famintos, visitar os enfermos, consolar os aflitos, instruir os
ignorantes - todas estas ações são formas de amar a Deus através do serviço ao próximo. Jesus
enfatiza este ponto em sua parábola do Juízo Final (Mateus 25:31-46), onde Ele se identifica
diretamente com os necessitados: “Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um
destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”
A tradição da Igreja nos oferece inúmeros exemplos de santos que encarnaram este amor
integrado a Deus e ao próximo. São Francisco de Assis, em seu abraço radical à pobreza e seu
serviço aos leprosos, demonstrou como o amor de Deus pode nos levar a atos extraordinários
de compaixão. Santa Teresa de Calcutá, em seu ministério aos mais pobres dos pobres, viu o
roso de Cristo em cada pessoa que servia. São Vicente de Paulo organizou esforços
sistemáticos para aliviar o sofrimento dos pobres e marginalizados, mostrando como o amor
pode se transformar em ação social.
O perdão é outro aspecto crucial desta dinâmica. Jesus nos ensina a perdoar “setenta vezes
sete” (Mateus 18:22), um número que simboliza perdão ilimitado. Este mandamento não
apenas ético, mas um reflexo do próprio amor de Deus por nós. Ao perdoarmos os outros,
participamos do amor misericordioso de Deus e crescemos em nossa capacidade de amar
tanto a Deus quanto ao próximo.
A vida familiar oferece um terreno fértil para o cultivo deste amor integrado. O Papa
Francisco, em sua exortação apostólica “Amoris Laetitia”, enfatiza como o amor conjugal e
familiar pode ser um reflexo do amor de Deus. Os desafios diários da vida familiar -
paciência, perdão, sacrifício - se tornam oportunidades para crescer no amor a deus através do
amor ao conjugue e aos filhos.
A doutrina da Igreja Católica estende este princípio do amor ao próximo para a bolha social e
política. O chamado à justiça social, à solidariedade com os pobres, à defesa da dignidade
humana em todas as suas formas, são expressões deste amor a um nível mais amplo.
9
O compromisso com o bem comum e a busca por estruturas sociais justas são formas de amar
a Deus através do amor à comunidade humana como um todo.
O diálogo ecumênico e inter-religioso também pode ser visto através desta lente do amor ao
próximo como expressão de amor a Deus. Ao buscar compreender e respeitar aqueles de
diferentes tradições de fé, estamos honrando a imagem de Deus neles e contribuindo para a
construção de uma cultura de paz e entendimento mútuo.
O cuidado com a criação, enfatizado pelo Papa Francisco em sua encíclica “Laudato Si”, é
outra dimensão deste amor integrado. Amar e respeitar o mundo natural não é apenas uma
questão de administração responsável, mas uma forma de honrar o Criador e amar nosso
próximo, incluindo as gerações futuras que herdarão o planeta que deixamos.
A prática da presença atenta e da escuta compassiva em nossas interações diárias é uma forma
simples, mas profunda, de viver este amor. Estar verdadeiramente presente para o outro,
ouvindo com atenção e empatia, é uma forma de honrar a presença de Cristo neles e de
crescer em nossa capacidade de amar.
É importante ter o reconhecimento de que este chamado ao amor integrado não é sempre fácil.
Amar o próximo, especialmente aqueles que nos desafiam ou nos ferem, pode ser
extremamente difícil. É aqui que a graça de Deus se torna essencial. Através da oração, dos
sacramentos e da comunidade de fé, recebemos a força para amar além de nossas capacidades
naturais.
Em conclusão, o amor a Deus e o amor ao próximo são duas faces da mesma moeda na
espiritualidade católica. Não podemos verdadeiramente amar a Deus se não amarmos nosso
próximo, e é através do amor ao próximo que nosso amor a Deus se aprofunda e se purifica.
Este amor integrado não é uma conquista instantânea, mas uma jornada de toda a vida, um
caminho de crescimento constante na graça e na virtude.
À medida que crescemos neste amor, nos tornamos mais plenamente quem somos chamados a
ser - relexos do amor de Deus no mundo. Cada ato de bondade, cada gesto de perdão. Cada
esforço para construir uma sociedade mais justa, se torna uma expressão tangível do nosso
amor por Deus. E assim, passo a passo, contribuímos para a construção do Reino de Deus, um
reino de amor, justiça e paz, que começa aqui e agora em nossas vidas cotidianas e se estende
até a eternidade.
10
O Amor de Deus e Nossa Jornada Eterna
Ao longo deste livro, exploramos as diversas facetas do amor de Deus e nossa resposta a ele.
Começamos examinando a natureza do amor divino, um amor infinito, incondicional e eterno
que é a própria essência de Deus. Vimos como podemos cultivar esse amor em nossa vida
cotidiana, transformando cada momento em uma oportunidade de comunhão com o Divino.
Enfrentamos o desafio de compreender e abraçar o amor de Deus em face do sofrimento e das
provações, descobrindo que mesmo nas horas mais sombrias, o amor de Deus permanece
constante. Por fim, exploramos como o amor de Deus se manifesta em nossas relações com o
próximo, chamando-nos a uma caridade autêntica.
Agora, neste capítulo final voltamos nosso olhar para o horizonte eterno, para o destino último
de nossa jornada no amor de Deus. Aqui, veremos como todos esses aspectos do amor divino
convergem para nossa vocação final: a união eterna com Deus.
O amor de Deus, que experimenta de maneira imperfeita nesta vida, encontra sua expressão
plena e perfeita na vida eterna. Como nos ensina São Paulo: “Agora vemos como em espelhos
e de maneira confusa; mas então veremos face a face. Agora meu conhecimento é limitado,
mas então conhecerei como sou conhecido” (1 Coríntios 13:12).
Esta plenitude não é apenas um estado passivo de contentamento, mas uma participação ativa
na vida divina. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: “Esta vida perfeita com a
Santíssima Trindade, esta comunhão de vida e de amor com ela, com a Virgem Maria, os
anjos e todos os bem-aventurados, chama-se ‘o céu’. O céu é o fim últimos a realização das
aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva” (CIC
1024).
Cada ato de amor que realizamos nesta vida, cada momento de oração, cada ato de caridade,
cada aceitação do sofrimento em união com Cristo, nos prepara para esta união eterna com
Deus. Como vimos nos capítulos anteriores, nossa vida cotidiana é oc ampo de treinamento
para a eternidade.
Quando cultivamos o amor de Deus em nossa vida diária, estamos, na verdade sintonizando
nossos corações com o ritmo do amor divino. Cada vez que escolhemos amar a Deus acima de
todas as coisas e ao próximo como nós mesmos, estamos nos aproximando mais da realidade
celestial.
11
3. A Visão Beatífica: Contemplando Deus Face a Face
O ápice de nossa jornada eterna é a visão beatífica, a contemplação direta de Deus face a face.
Como ensina o Catecismo: “Porque sua transcendência, Deus não pode ser visto tal como é, a
não ser quando ele mesmo abre seu mistério à contemplação imediata do homem e lhe dá
capacidade para isso” (CIC 1028).
Esta visão de Deus não é uma mera observação passiva, mas uma união íntima. São joão da
Cruz descreve-a como uma união de amor a qual a alma “se transforma em Deus por amor”. É
a realização plena daquilo que São Paulo descreve: “Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive
em mim” (Gálatas 2:20)
Na visão beatífica, experimentaremos o amor de Deus em sua plenitude, um amor que nos
preenche completamente e transborda para todos ao nosso redor. É o cumprimento perfeito do
duplo mandamento do amor que Jesus nos deus.
Na eternidade, o amor a Deus e ao próximo encontra sua expressão perfeita na comunhão dos
santos. Esta comunhão não é apenas uma reunião de indivíduos, mas uma união profunda em
Deus, onde o amor de cada um por Deus se reflete e se multiplica no amor mútuo.
Como ensina o Concílio Vaticano II: “Todos os que são de Cristo, tendo seu Espírito,
congregam-se em uma só Igreja e unidos estreitam-se mutuamente em Cristo” (Lumen
Gentium, 49) Esta união perfeita em Cristo é o cumprimento do que jesus orou: “para que
todo sejam um , como tu, Pai, estás em mim e eu em ti” (João 17:21).
Na comunhão nos Santos, o amor que cultivamos por nosso próximo encontra sua expressão
mais plena e perfeita. Não há mais barreiras de mal entendidos, ciúmes, ou conflitos. Apenas
amor puro, reflexo do amor de Deus.
O amor de Deus não só transforma nossas almas individuais, mas também toda a criação.
Como nos lembra São Paulo: “A própria criação será libertada da escravidão da corrupção,
para participar da liberdade gloriosa dos filhos de Deus” (Romanos 8:21)
A perspectiva da vida eterna não deve nos afastar de nossas responsabilidades terrenas, mas
sim nos inspirar a viver mais plenamente no amor de Deus aqui e agora. Como ensina o
Concílio Vaticano II: “A expectativa de uma nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas
antes ativar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova
família humana” (Gaudium et Spes 39).
12
Viver na esperança do amor eterno significa abraçar cada momento como uma oportunidade
de crescer no amor de Deus e do próximo. Significa ver cada desafio, cada sofrimento, cada
alegria, à luz da eternidade. Significa viver com um pé na terra e outro no céu, como os santos
nos ensinam sempre.
Agradecimentos
Com profunda gratidão que me dirijo a você, caro leitor e ao próprio Deus. A você, leitor,
agradeço por dedicar seu tempo a estes escritos, e por abrir teu coração às reflexões sobre o
amor divino. E a Deus, fonte inesgotável de todo amor e graça, ofereço minha sincera
gratidão. É seu amor, Deus, que me inspira, sua misericórdia que me sustenta e sua presença
que me guia em cada passo da minha trajetória.
13