COMUNICAÇÃO - NAYARA (1)
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política Sueli Carneiro, uma pessoa admirável. Mulher, negra, feminista, politizada e
amante não da sabedoria, mas das “sabedorias”, tendo em vista que o conhecimento não
é uno. O conhecimento é múltiplo.
Ao proferir tais enunciados, neste ambiente acadêmico, não sou eu quem falo.
Há uma multidão neste discurso. Há uma multidão em Sueli Carneiro. Enfim, cada
autor – cada orador - é uma multidão, pois nunca está sozinho.
Enfim, para contribuir com esta temática – de suma importância para os dias
hodiernos – é válido salientar que a discriminação racial baseia-se em um sistema
profundamente metafísico. De acordo com Sueli Carneiro, na obra Racismo, Sexismo e
Desigualdade Social, na sociedade brasileira verifica-se “a prevalência da concepção de
que certos humanos são mais ou menos humanos do que outros, o que
consequentemente, leva à naturalização da desigualdade de direitos”.
Ao longo da História, essas concepções essencialistas ganharam força, seja em
nome de religião ou de conhecimento científico. No fundo, existe uma divisão
ontológica: para afirmar o ser das pessoas brancas, o sistema nega o ser das pessoas
negras. É dessa forma que o biopoder se articula ao dispositivo de racialidade,
promovendo a vida e o bem estar das raças consideradas como superiores e,
consequentemente, a morte – física ou social – das raças classificadas como inferiores.
Na dinâmica do racismo, o ôntico se torna ontológico, ou seja, o particular
assume o estatuto de universal. Nas palavras da intelectual negra, “a busca da
compreensão histórica dos modos como se dá a negação do Outro não pode esquecer
também o contexto da modernidade ocidental, no qual contraditoriamente se articularam
ideias de autonomia, de secularização da vida e de afirmação do indivíduo com a
escravização dos africanos e indígenas [...]. Ao fazer do ôntico o ontológico do Outro, o
Eu hegemônico rebaixa o estatuto do ser desse outro”.
É preciso levar em consideração que o termo “raça” é ideológico. Sua utilização
não diz respeito à uma realidade natural, e sim, a uma classificação social que não está
isenta de questionamentos. Entre os elementos históricos que apontam para a
manifestação da racialidade, podemos destacar: as bulas papais e outros
pronunciamentos teológicos; os debates acadêmicos da Modernidade sobre a
humanidade dos não-brancos; a estigmatização da intelectualidade negra no cenário
acadêmico.
Acerca do último elemento, poder-se-ia dizer: “mas o que os africanos produzem
não é filosofia, não é ciência, não é conhecimento verdadeiro”. Diante desse mito,
devemos sempre indagar: afinal de contas, quem define o que é filosofia? Quem define
o que é ciência? Quem define o que é conhecimento? Toda visão de mundo é angular.
Quem profere um discurso está falando a partir da sua realidade. Nesse sentido,
devemos dar ouvidos aos privilegiados ou aos povos sistemática e historicamente
violentados.
Na luta contra o racismo, o povo negro deve ser considerado em sua
singularidade. Tratando-se de temas referentes à cultura afro, os negros são fontes
primárias, e não meros objetos. À vista da pretensa superioridade branca na academia,
ainda reverberam concepções ultrapassadas como o “mito da democracia racial” e uma
luta de classes que não considera a raça como fator determinante na produção das
injustiças sistemáticas. Sueli Carneiro, em seus estudos, considera que a racialidade é
manifestada em três campos de luta: o campo ontológico, o campo epistemológico e o
campo de poder.
Para melhor ilustrar essa conjuntura, optamos por incluir alguns dados
estatísticos que corroboram com o que acabamos de proferir: o racismo existe e se
manifesta de forma molecular, por isso, muitas vezes passa despercebido – tal como o
espião, o traidor, ou até mesmo um parasita.
Primeiro dado: De acordo com a Agência Brasil, uma pesquisa realizada pela
Rede de Observatórios da Segurança constatou que 4.025 pessoas foram mortas por
policiais no Brasil em 2023. Em 3.169 desses casos foram disponibilizados os dados de
raça e cor: 2.782 das vítimas eram pessoas negras, o que representa 87,8% das pessoas
mortas.
Segundo dado: em 2023, no estado do Acre, a alagação prejudicou, de forma
direta, mais de 38 mil pessoas de bairros periféricos e comunidades ribeirinhas na
capital Rio Branco. No interior do estado, mais de 9.500 pessoas perderam suas casas,
incluindo cidades como Epitaciolândia, Assis Brasil e Brasileia, na fronteira com a
Bolívia. Isso escancara o que se chama de “Racismo ambiental”.
Terceiro dado: conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, dos
mais de 850 mil presos no país, cerca de 70% são negros, o que corresponde ao total de
470 mil pessoas. Essa é a triste realidade do país que está entre as quatro maiores
populações carcerárias do mundo.
Perante essa realidade, o que fazer? Como a filosofia pode fornecer ferramentas
para o combate ao racismo, em todas as suas formas e manifestações sutis?
Não temos uma resposta pronta ou “receita de bolo”. Porém, afirmamos que toda
luta se dá no campo da linguagem e do conhecimento, portanto, apoiemos cada vez mais
o estudo das “filosofias africanas” e a criação de políticas públicas que favoreçam a
população negra. Que esse combate se estenda para além da teoria e dos conceitos, a
fim de que possamos contribuir para o respeito à dignidade desse povo tão rico em
saberes, que formou parte da cultura brasileira.