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INFORMAÇÕES TÉCNICAS
CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO

MANDATO

Vereador REVISÃO

William Siri (Psol) Larissa Rodrigues de Menezes

Chefe de Gabinete COLABORAÇÃO


Igor Marques Gentil Equipe Técnica
Anna Luíza Gaudini de Oliveira
Coordenação de Conteúdo
Filipe Luiz dos Santos
João Pedro M. Rocha
Gabriel Silva Cerqueira
Jefferson de O.Vinco
Coordenação de Mobilização
João Henrique Santos de Oliveira
Jefferson de O. Vinco João Pedro M. Rocha
Líbia Andrade Marquione

ELABORAÇÃO DA PESQUISA Lindalva Cabral

Anna Luíza Gaudini de Oliveira Naiara Silva de Carvalho

João Pedro M. Rocha Raiza Carolina Diniz Silva

Milena Cristina Rodrigues da Silva Rodrigo Ferreira Garcez

Naiara Silva de Carvalho Rosângela Martin


Raiza Carolina Diniz Silva Thamires Almeida
Talita Araujo de Lucena Vagner Cerqueira Thilia Filho
Vitor Zacharias
ARTE
Victória Rohan Sarmento Lopes

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1. AS ÁGUAS VÃO ROLAR: APRESENTAÇÃO
Os cursos d'água são fundamentais para as cidades, uma vez que fornecem recursos
hídricos para múltiplos usos, desde o consumo humano até a geração de energia e transporte.
Além disso, esses corpos d’água são importantes espaços socioeconômicos que permitem a
realização de diversas atividades, como a pesca, a aquicultura, o lazer, o turismo e
a recreação. Por último, mas não menos importante, esses rios, córregos e lagoas
são habitat natural de diversas espécies da fauna e flora, sendo nossa
responsabilidade a sua preservação.
Os recursos hídricos são essenciais, no entanto, dados do Ranking do Saneamento
2023 do Instituto Trata Brasil indicam que cerca de 11% da população da cidade não têm
acesso ao saneamento básico e mais de 26% do esgoto não recebe nenhum tipo de tratamento.
Esses números revelam que ainda há muitos desafios a serem enfrentados para garantir o
acesso universal aos serviços de água e esgoto.
Outro ponto preocupante é em relação a qualidade dos cursos d'água, pois segundo
dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a maioria dos rios e córregos da cidade do
Rio de Janeiro apresenta problemas ambientais, como o lançamento de esgoto e de resíduos
sólidos, a erosão das margens e a diminuição da vazão. Esses problemas têm um impacto
direto na saúde da população e dos animais que ali habitam.
O acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano fundamental,
assim garantir que todos tenham acesso a esses serviços é uma responsabilidade do poder
público. Além disso, é importante ressaltar que a preservação dos cursos d'água vai além de
questões ambientais, sendo também uma questão socioeconômica que impacta diretamente a
qualidade de vida das comunidades que dependem desses recursos para sua subsistência.
Este relatório é o resultado da fiscalização dos rios da Zona Oeste da cidade do
Rio de Janeiro, sendo um produto inédito na Câmara de Vereadores. A partir de uma série de
vistorias, levantamento de dados do orçamento municipal, pesquisas e
promoção da participação popular, pudemos traçar o estado atual destes rios e
propor soluções de melhorias. Sendo assim, o nosso mandato espera que os
resultados aqui adquiridos sirvam de subsídios para gestores públicos envolvidos na
formulação de políticas públicas de recuperação dos nossos cursos hídricos e promoção destes
como espaços de sociabilidade, garantia da biodiversidade e do bem-estar social.
Para tanto, o presente relatório, está estruturado em cinco seções além desta
apresentação e das considerações finais:

3
➔ primeiramente, para melhores compreensões, será exibido um panorama acerca da
geografia da Cidade do Rio de Janeiro;
➔ em seguida, apresentam-se os dados das fiscalizações realizadas pelo nosso
mandato nos rios da Zona Oeste do Rio de Janeiro;
➔ logo após, é demonstrada como se dá a gestão das águas de nossa cidade,
acompanhada de uma pesquisa sobre o programas Guardiões dos Rios;
➔ por fim, será apresentada uma análise orçamentária relacionada à pauta hídrica,
além de sugestões ao Poder Executivo a partir de propostas da sociedade civil.

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2. ENTRE SERRA E O MAR: A GEOGRAFIA DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO
Você já parou para pensar sobre a diversidade de paisagens da cidade do Rio de
Janeiro? Da Zona Oeste à Zona Sul, da Zona Norte ao Centro, a cidade apresenta uma grande
variedade de formações naturais, complexa ocupação dos territórios e densa formação urbana.
Mas antes, se esta é a primeira vez que você está aqui conosco, precisamos comentar que
nosso mandato tem realizado uma série de relatórios e dossiês com o intuito de auxiliar a
prefeitura nos diagnósticos dos serviços públicos oferecidos e entregar também para as
trabalhadoras e trabalhadores, estudantes e toda a população do Rio, um material que revele
as reais desigualdades que cortam nossa cidade. Acreditamos que esta é uma forma de luta e
cobrança junto ao Poder Executivo, visando a implementação de políticas públicas que
solucionem os problemas sociais e ambientais presentes em nosso dia a dia1. Depois de falar
tudo isso, chegamos a mais um relatório que consideramos ser de extrema importância para a
vida na nossa cidade.
Primeiramente, gostaríamos de pontuar que para estabelecer o diagnóstico de um
curso hídrico, é obrigatório averiguar profundamente o território por onde ele
percorre. Conhecer o relevo, a cobertura vegetal e a ocupação do terreno são
elementos fundamentais na avaliação de um rio. Nesse sentido, é necessário que
seja levado em consideração todo o seu percurso, desde a nascente, partindo das áreas mais
elevadas do território, até a sua foz, quando desemboca no mar e nas lagoas. Dito isso,
conhecer a geografia da cidade do Rio de Janeiro representa o ponto de partida para esta
análise.

1
Relatórios já apresentados pelo Mandato William Siri: Educação, Transporte, Esporte e Lazer, Lixões, Cultura, Guarda Municipal,
Ciclovias e Saúde. Todos podem ser encontrados no instagram @WilliamSiriRJ - no destaque Relatórios.

5
O relevo do município do RJ é muito característico, pois apresenta estreitas planícies
compridas e espremidas entre morros. Esta formação reduziu drasticamente a disponibilidade
de espaços viáveis e seguros para o estabelecimento da vida (moradia, comércio, indústrias
etc.) e este contexto explica o cenário urbano carioca marcado pela intensa ocupação em
regiões de extrema vulnerabilidade e risco. Deste modo, a análise do relevo da cidade deverá
considerar, sobretudo, o aspecto humano tendo em vista as vidas que ali estão.

Figura 1 – Maciços na cidade do Rio de Janeiro

Fonte: Mapa Turístico da Riotur

A cidade do Rio de Janeiro é constituída por três grandes Maciços que a dividem e
abrigam grande biodiversidade (figura 1). Na porção oeste do município, está o Maciço da
Pedra Branca que delimita a Zona Oeste. De um lado, está a vertente oceânica que abrange
desde o Recreio dos Bandeirantes, passando pelas “Vargens”, Barra da Tijuca até chegar na
grande região de Jacarepaguá. Ao todo vinte bairros2 compõem a Área de Planejamento 4.
Do outro lado do Maciço, estão os demais bairros que formam a Zona Oeste. Ao todo
vinte e três bairros3 que integram a Área de Planejamento 5. Estamos falando de uma região
que representa quase 50% do território de todo o município e abriga aproximadamente
2.700.000 habitantes.
Faz-se importante ressaltar que a Zona Oeste é a área com maior cobertura de
vegetação natural. Por isso, desde 1974, foi criado o Parque Estadual da Pedra
Branca, que busca preservar a biodiversidade da Mata Atlântica e seus
mananciais hídricos, justamente porque localiza-se em uma região com uma

2
Jacarepaguá, Anil, Gardênia Azul, Curicica, Freguesia, Pechincha, Taquara, Tanque, Praça Seca, Vila Valqueire, Cidade de Deus, Joá,
Itanhangá, Barra da Tijuca, Barra Olímpica, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Recreio dos Bandeirantes e Grumari.
3
Padre Miguel, Bangu, Senador Camará, Gericinó, Vila Kennedy, Jabour, Deodoro, Vila Militar, Campo dos Afonsos, Jardim Sulacap,
Magalhães Bastos, Realengo, Santíssimo, Campo Grande, Senador Vasconcelos, Inhoaíba, Cosmos, Paciência, Santa Cruz, Sepetiba,
Guaratiba, Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba.

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grande concentração populacional, o que coloca em risco este remanescente florestal (figura
2). Apesar disso, o referido parque enfrenta o avanço das construções irregulares, da
especulação imobiliária e da poluição cotidianamente.

Figura 2 – Localização do Maciço da Pedra Branca

Fonte: Imagem de satélite do Google Earth.

Ainda na Zona Oeste, temos o Maciço Gericinó, também conhecido como Serra do
Mendanha (figura 3). Essa é uma região de densa mata e com muitas nascentes de cursos
hídricos contribuintes do Rio Guandu, principal vetor do abastecimento de água da cidade do
Rio de Janeiro e de diversos municípios da Baixada Fluminense. Deste modo, assegurar a
biodiversidade local e a vazão dos seus rios garante o abastecimento da nossa cidade.
Além disso, o Maciço Gericinó também compõe as bacias hidrográficas de
importantes rios para o Estado do RJ, tais como o Rio Sarapuí e o Rio Iguaçu. Outra questão
de destaque é o seu alto valor geológico, haja vista sua formação única e por abrigar rochas
vulcânicas que comprovam a existência de um vulcão brasileiro.
Dadas essas especificidades, desde 1988, o referido Maciço tornou-se uma Área de
Preservação Ambiental (APA), com o intuito de proporcionar melhores condições de
preservação.
Em 1992, o Maciço do Gericinó/Mendanha foi
declarado como Reserva da Biosfera da Mata
Atlântica pela UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

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Assim, colaborando ainda mais para a manutenção dos seus sistemas
geo-hidrológicos, foi instaurado em 2003 o Parque Estadual do Mendanha, que visa proteger
o ambiente natural e oferecer uma área de lazer para os moradores locais.

Figura 3 – Localização do Maciço Gericinó

Fonte: Imagem de satélite do Google Earth.

Por temos também, o Maciço da Tijuca, que se estende por uma vasta área da cidade
abrangendo a Zona Norte, Centro e Zona Sul. Esta região carrega em sua paisagem as marcas
da exploração do carvão, do cultivo de café e de cana-de-açúcar, e da extração de lenha. Além
disso, nos ajuda a compreender a evolução urbana do Rio de Janeiro, pois foi sobre suas
encostas que a cidade começou a avançar. Hoje, a mata densa da Floresta da Tijuca, que
recobre a estrutura rochosa, nos ensina sobre a importância de proteger nossas florestas.
Em meados do século XIX, após intensa devastação da Mata Atlântica, o Rio de
Janeiro atravessou uma crise hídrica jamais vista, fazendo com que cariocas sofressem com o
racionamento. Com o objetivo de atenuar a falta d’água, D. Pedro II decidiu reflorestar a
região, garantindo a vitalidade de seus mananciais locais para o abastecer a cidade. Para tanto,
muitas chácaras de nobres que haviam se instalado nas encostas do maciço foram
desapropriadas, resultando no plantio de mais de 100 mil espécies ao longo de treze anos.
Este caso é emblemático e nos alerta sobre os benefícios da floresta tanto na preservação das
nascentes, como também no conforto térmico, que discutiremos adiante.
Atualmente, a Floresta da Tijuca é um combinado entre o reflorestamento e a própria
regeneração natural de sua mata. Muitos rios nascem nesse Maciço e atravessam a cidade,

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inclusive o Rio Carioca, que deu origem ao nome daqueles que nasceram no município do Rio
de Janeiro.
Figura 4 – Localização do Maciço da Tijuca

Fonte: Imagem de satélite do Google Earth.

Neste momento, pare um minuto e pense:

Essas perguntas servem para entendermos que o lugar em que estamos sofre influência
do relevo, da vegetação e dos cursos hídricos, que desempenham papel central na
determinação climática e térmica, impactando diretamente no seu cotidiano. Por este motivo,
são considerados fatores geográficos do clima4.

4
Vale destacar que esses não são os únicos fatores geográficos do clima. Para determinar condições climáticas, é preciso analisar,
além do relevo e da vegetação, os seguintes elementos: latitude, altitude, continentalidade, maritimidade, massas de ar, e as correntes
marítimas.

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A manutenção das matas garante a umidade necessária para sua evapotranspiração,
elevando-a até a atmosfera, retornando à superfície em forma de chuva. Este é o ciclo da
água, indispensável no ambiente para suprir as necessidades dos seres vivos. Sendo assim,
preservar nossas florestas representa proteger nossas nascentes e mananciais, além de
assegurar a reposição das águas ao solo, podendo tanto percorrer superficialmente como
alimentar os reservatórios naturais de águas subterrâneas.
Outro ponto importante diz respeito à influência da vegetação no conforto térmico,
sobretudo, em áreas densamente urbanizadas, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro.
Como já mencionado, a presença da vegetação melhora as condições de umidade no
ambiente. Mas, esse não é o único benefício da cobertura vegetal, visto que a presença de
árvores atenua a radiação solar a partir do sombreamento e, por consequência, há o
resfriamento do solo. Deste modo, a amenização da temperatura é notória, garantindo a
qualidade de vida da população, principalmente em cidades muito quentes, como a nossa
capital carioca.
A concentração de materiais que absorvem mais calor e possuem baixa capacidade
reflexiva, como asfalto e concreto, somados à retirada de áreas verdes resultam na formação
de ilhas de calor. Este fenômeno urbano afeta os climas locais e caracteriza-se pela elevação
da temperatura em determinada porção da cidade, em relação aos seus arredores mais
arborizados.
Analisando a figura 5, é possível identificar a variação térmica da cidade do Rio de
Janeiro e da região do Grande RJ. Quando sobreposto ao mapa dos Maciços (figura 1),
identifica-se que os três pontos em amarelo – que indicam as temperaturas mais brandas
(entre 27,1º à 31º) – estão justamente localizados sobre os Maciços mencionados. São eles,
respectivamente: (1) o Maciço da Tijuca; (2) o Maciço da Pedra Branca; e (3) o Maciço do
Gericinó/Mendanha. Deste modo, é possível comprovar que:

As regiões florestadas influem diretamente no


microclima e proporcionam redução significativa
da temperatura do seu entorno.

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Figura 5 – Variação da temperatura no Rio e Grande Rio

Fonte: https://www.data.rio/apps/o-rio-visto-do-espaco-ilhas-de-calor-urbano-e-mudancas-climaticas/explore

Outra influência do relevo no microclima diz respeito ao obstáculo que se constitui


essas formações rochosas, impedindo a circulação de massas de ar. A barreira física que esses
maciços representam sobre o território carioca, por vezes, dificulta o acesso de correntes
marítimas que trazem umidade para dentro do continente. A título de exemplo, podemos citar
o desconforto térmico relatado por muitos moradores dos bairros da AP5, que encontram-se
alocados atrás do Maciço da Pedra Branca.
A geografia do município do Rio de Janeiro, apesar de peculiar, apresenta questões
claras quanto aos seus fluxos naturais. Região litorânea, com áreas de densa Mata Atlântica,
temperaturas elevadas e chuvas recorrentes ao longo de todo ano, garantindo o abastecimento
das águas superficiais e subterrâneas. No geral, a equação resultaria em saldos positivos para
a manutenção do ecossistema local, certo? No entanto, estaríamos desprezando uma questão
imprescindível para o equilíbrio socioambiental: as ocupações humanas.
Começamos este texto apontando a presença de planícies estreitas entre os Maciços, e
destacamos a dificuldade da expansão urbana sobre esta topografia. Diante disso, temos uma
cidade marcada pela construção em áreas irregulares, como encostas e margens de rios. Na
maioria dos casos, é a população mais pobre que se instala nessas regiões, pois recorre a estes
espaços em virtude do baixo custo.

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Como vimos, a disposição dos Maciços sobre o território formam barreiras físicas, no
entanto, queremos destacar as barreiras imaginárias e simbólicas, pois muitas das vezes
são elas que definem a ação do poder público. A frase “existe vida após o túnel”
geralmente é atribuída aos moradores da Zona Norte e Central que buscam visibilidade frente
à atenção dedicada à Zona Sul. Quando atravessamos os túneis Santa Bárbara e Rebouças
percebemos claramente uma profunda desigualdade social e econômica da nossa cidade.
Diante disso, nos questionamos: e quanto aos moradores da Zona Oeste? Se há um
debate, extremamente pertinente, sobre as discrepâncias no olhar do poder público sobre as
Zona Norte e Zona Sul, imagina quando colocamos a Zona Oeste no centro desta discussão. O
abismo é ainda maior.
É importante trazer essa abordagem física e social para direcionar a apresentação deste
relatório, visto que a cidade como um todo apresenta características muito similares no seu
conteúdo paisagístico, e mesmo diante desses fatos, verificamos diferentes frentes de atuação
da Prefeitura na prevenção de desastres, por exemplo.
O que se pretende mostrar é que hoje enfrentamos, na verdade, o resultado de
uma sucessão de omissões no planejamento urbano do Rio de Janeiro ao longo dos anos.
Suas características físicas sempre apontaram para os perigos do avanço da cidade sem o
devido ordenamento do território, sendo incoerente, assim, nomear como desastre natural. Na
verdade, estamos diante de tragédias anunciadas.

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3. RESULTADOS OBTIDOS: FISCALIZAÇÕES DOS RIOS DA ZONA OESTE
A Zona Oeste, como já mencionada, por estar localizada entre Maciços, concentra
grande parte dos cursos d’água da cidade do RJ, que atravessam as baixadas de Guaratiba e
Santa Cruz.
Para auxiliar o nosso trabalho, utilizamos o documento da Fundação Rio-Águas
intitulado de “Um manual dos rios, canais e corpos hídricos da cidade do Rio de Janeiro”5,
que apresenta uma listagem completa com os 267 cursos d’água que atravessam nosso
município. A partir das unidades rochosas distribuídas pelo território, foram delimitadas três
macrorregiões drenantes. Isso quer dizer que os rios têm suas nascentes nas partes mais altas e
percorrem por três diferentes vertentes, formando suas macrobacias, até desaguar no mar ou
em lagoas que conduzem essas águas até o oceano. São elas: Bacia Oceânica, Bacia da Baía
de Guanabara e Bacia de Sepetiba.

“São rios, córregos, riachos, canais, valões e valas, que apresentam, geralmente,
um leito estreito e pouco profundo. Suas águas descem pelos diversos maciços
e deságuam na Baía de Guanabara; diretamente no Oceano Atlântico; na Lagoa
Rodrigo de Freitas; na Baixada de Jacarepaguá onde há cinco grandes lagoas ou
nas baixadas de Guaratiba e de Santa Cruz, seguindo em direção à Baía de
Sepetiba” (FUNDAÇÃO RIO-ÁGUAS, 2020).

Ao analisar a figura 6, percebemos como o território da Zona Oeste possui rios


contribuintes nas três macrobacias citadas.

Figura 6 – Macrorregiões de drenagem da cidade do Rio de Janeiro

Fonte: Plano Municipal de Saneamento Básico da Cidade do Rio de Janeiro – Manejo de Águas Pluviais.

5
Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/12762726/4321903/Arte_Livro_Rios_do_Rio_28x28CM_Fechado_Final_Atualizado_Abr_2021_final.pdf

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Por nossa região concentrar muitos corpos hídricos, se tornou necessário filtrar
aqueles que poderiam elucidar a real situação das águas e traçar um panorama geral do
ambiente. Desse modo, definimos alguns critérios para esta seleção.
Para começar, levamos em consideração as denúncias que recebemos,
recorrentemente, em nosso canal de comunicação Fale com
Siri (21) 99061-3265 , que apontam rios que transbordam em
chuvas mais intensas e/ou estão com acúmulo de lixo em suas
margens. Além disso, demos preferência aos rios primários, que são aqueles principais que
recebem as águas de afluentes e subafluentes, e também destacamos os rios canalizados que
cortam o núcleo urbano.
Precisamos deixar claro que em muitos casos, por se tratar de rios primários, nos
deparamos com longos cursos d’água que cruzam dois ou mais bairros. Por isso, optamos por
enumerar os trechos fiscalizados (tabelas no final da parte 3).

Assim, no período de 01 de dezembro de 2022 a 22 de janeiro de 2023, nosso mandato


realizou uma série de fiscalizações em diferentes corpos d'água6 situados na Zona Oeste do
Rio de Janeiro, sendo um dos poucos levantamentos qualitativos feitos na região.
A realização dessas visitas teve por objetivo entender o estado atual desses rios, bem
como os danos imputados à população, haja vista as recorrentes enchentes e os esforços que
são necessários para recuperá-los.
O presente trabalho consiste em um levantamento por questionário estruturado e
contou com uma equipe composta por quatorze profissionais que estavam identificados por
crachás com a logo da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
O questionário contém um total de quinze (15) questões que abordam temas sobre:
➔ as margens;
➔ assoreamento do leito;
➔ resíduos sólidos;
➔ aspectos da água; e
➔ animais.

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Para fins de simplificação consideramos, neste trabalho, todos os corpos d'água analisados como rios.

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O conjunto de perguntas envolvendo o tema AS MARGENS visa entender o tipo de
ocupação, cobertura vegetal e se há presença de erosão e de barreiras de proteção. As
temáticas ASSOREAMENTO DO LEITO e RESÍDUOS SÓLIDOS têm como intuito verificar a
“olhos nus” o grau de acúmulo de terra, lixo e excesso de matéria orgânica nos corpos
hídricos analisados. Já as questões sobre os ASPECTOS DA ÁGUA contemplaram análises
sobre odor, coloração, espuma e oleosidade a partir da percepção visual. Por fim, o bloco
ANIMAIS contou com uma questão sobre a presença de animais vivos nos rios analisados.

Além do questionário, nosso time conversou com moradores do entorno para ouvir um
pouco mais sobre a percepção deles sobre estes rios e lançamos uma campanha no “Fale com
Siri”, na qual recebemos diversos relatos, descritos no tópico ENCHENTES.
Sabemos que o conteúdo aqui exposto não responde todas as questões pertinentes ao
tema, visto que para isso é necessário investimento em pesquisa e análises laboratoriais por
parte do Poder Executivo, mas por se tratar de um importante registro do extenso trabalho de
fiscalização de um mandato parlamentar, esperamos que esse material seja útil para gestores,
formuladores de políticas públicas e especialistas da área para embasar futuros projetos.

Quadro 1– Quantidade de trechos fiscalizados por Região Administrativa

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol)

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Como resultado, construímos um mapa7 apontando todos os trechos de rios
diagnosticados por nossa equipe, a fim de espacializar e facilitar a interpretação do nosso
trabalho de campo. Dado que cada ponto georreferenciado apresenta fotos obtidas no dia da
visita, o mapa tornou-se uma ferramenta importante que auxiliará na orientação e na cobrança
ao poder público, com o intuito de que sejam atendidas as demandas por nós pontuadas em
cada trecho hídrico, garantindo qualidade de vida e preservação ambiental a nós, moradores
da Zona Oeste. Além disso, o acervo pessoal nos permitirá acompanhar o desenvolvimento
das ações traçando comparativos com as imagens obtidas durante o período de visitas a
campo.
Figura 7 – Mapa das visitas aos rios da Zona Oeste

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

● As Margens

De acordo com os questionários aplicados, 56,8% dos trechos dos rios analisados
possuem ao longo de suas margens algum tipo de ocupação (residencial/industrial/comercial)
e/ou matagal (gráfico 1). Em vista disso, vários moradores relatam a presença excessiva de
mosquitos e roedores, que do ponto de vista da saúde é preocupante, além do mau cheiro e
constantes enchentes.

7
Para acessar: https://www.google.com/maps/d/u/0/edit?mid=1lYa2NVHyInV5mmDsjxwycGjwp8MmY7M&usp=sharing

16
Gráfico 1 – Tipos de ocupação das margens dos rios

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

Em relação às margens com gramados (18,3%), verificamos que a maioria estava em


péssimo estado de manutenção, sendo necessários cortes e limpezas. As gramas em boas
condições foram encontradas em regiões consideradas “mais nobres”, ou em trechos situados
em local privado.
Por fim, foi possível constatar também que, infelizmente,
apenas 15,4% das margens dos rios da Zona Oeste são
compostas por vegetação nativa. Esses dados são alarmantes, pois
sabemos o importante papel que as espécies arbóreas desempenham
na natureza.
Sendo assim, reflorestar as margens dos rios, em especial os inseridos em área urbana,
é fundamental para proteger e recuperar as características ecossistêmicas da região, além de
beneficiar a população em torno desses cursos d’água. Todavia, é importante lembrar que
ainda não é possível refazer um ecossistema idêntico ao original, ou seja, a preservação
sempre será melhor do que a remediação.

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Figura 8 – Ocupação nas margens Figura 9 – Matagal nas margens

Rio Arroio Pavuna Rio Canal Cesarão

Figura 10 – Grama bem cuidada nas margens Figura 11 – Vegetação natural nas margens

Rio Jacaré Rio dos Porcos

Fonte: fiscalização do mandato do vereador William Siri (Psol).

O gráfico 2 indica que apenas 17,3% das margens dos rios observados possuem
árvores e arbustos de forma abundante. Esse baixo resultado vai ao encontro dos dados
expostos acima, que indicam o reduzido número de vegetação
natural/reflorestamento encontradas nas margens. Aqui é importante
destacar também que a arborização parcial (53,1%) não é um bom
indicativo, dado que muitos rios possuem árvores e arbustos em
apenas uma das margens e/ou com grandes espaçamentos. A falta de
árvores impacta não somente o meio ambiente, mas também resulta em uma piora da
qualidade de vida da população.
O gráfico 3, por sua vez, aponta que 48,1% das margens apresentam algum grau de
erosão. Essa alta porcentagem já era esperada, haja vista o intenso grau de remoção da
vegetação natural visto nos rios analisados. O processo de erosão é sempre preocupante, pois
gera uma série de consequências negativas, dentre elas, o assoreamento dos leitos, agravando
as enchentes. Um ponto de destaque é que a maior parte dos rios que não apresentavam
erosão estavam canalizados. No entanto, não entendemos isso como um fator positivo, pois a
impermeabilização dos rios não é benéfica ao nosso ecossistema.

18
Gráfico 2 – Cobertura de árvores e arbustos ao Gráfico 3 – Erosão nas margens
longo das margens

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

Figura 12 – Margens com poucas/inexistente árvores Figura 13 – Margens com muitas árvores

Rio do A Rio Branco

Figura 14 – Margens com erosão moderada Figura 15 – Margens com erosão acentuada

Rio Pavuninha Loteamento Caminho dos Fernandes

Fonte: fiscalização do mandato do vereador William Siri (Psol).

Outro ponto de observação é a presença ou não de barreiras de proteção nas margens


dos rios, que são importantes na prevenção de acidentes. De acordo com o gráfico 4, cerca de
80% dos cursos d’água analisados possuem alguma espécie de barreira, contudo, menos de
30% destas contemplam toda margem. Importante destacar que, infelizmente, apenas 23,2%
das barreiras de proteção nas margens dos rios são formadas por vegetação natural.

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Gráfico 4 – Existência de barreiras de proteção nas margens dos rios

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

Ainda em relação às barreiras de proteção foi possível verificar que uma parcela
significativa das cercas, grades e afins encontram-se em péssimas condições, oferecendo risco
a população.

Figura 16 – Barreira de proteção em más condições Figura 17 – Margem com barreira de proteção total

Rio Chacrinha Canal Santa Margarida

Figura 18– Barreira de proteção - cercas “vivas” Figura 19 – Margem sem barreira de proteção

Rio Cação Vermelho Rio Arroio Fundo

Fonte: fiscalização do mandato do vereador William Siri (Psol).

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● Assoreamento dos leitos

De forma simplificada podemos entender o assoreamento dos rios como o acúmulo de


sedimentos, tais como terras, lixos e matéria orgânica no fundo do leito. Isso é um grave
problema ambiental ocasionado, sobretudo, pela erosão nas margens dos rios, intensificada
pela diminuição das vegetação nativa. Em nosso levantamento,
identificamos que quase 80% dos rios da Zona Oeste
encontram-se com algum grau de assoreamento (gráfico 5). Em
vista disso, mais da metade dos rios em questão (58%) apresentam
o tipo de fundo composto por areia, terra, lodo e/ou lama (gráfico
6).

21
Gráfico 5 – Assoreamento dos rios Gráfico 6 – Tipo de fundo dos rios

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

Por fim, podemos destacar ainda que grande parte dos rios da Zona Oeste apresentam
níveis e fluxos de água baixos8 (gráficos 7 e 8). Esse fato está ligado diretamente ao elevado
grau de assoreamento dos leitos, que tendem a causar a seca dos cursos d'água e redução de
suas profundidades, favorecendo o transbordamento e enchentes.

Gráfico 7 – Nível de água Gráfico 8 – Fluxo de água

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

8
Em conversa com os moradores da região foi levantado também o problema de furto de água para venda em grande escala (água engarrafada e
caminhões pipa), o que necessita de estudo mais aprofundado para compreender o impacto direto na diminuição do fluxo de água nos rios e também um
rebaixamento do lençol freático.

22
Figura 18 – Assoreamento no rios - acúmulo de terra, lixo e/ou matéria orgânica

Rio Morto Canal Sernambetiba

Figura 19 – Fluxo e nível de água baixo

Rio dos Gatos Rio Jacaré

Fonte: fiscalização do mandato do vereador William Siri (Psol).

● Resíduos sólidos

O descarte inadequado de resíduos sólidos nos rios ainda é um problema crônico em


nossa cidade. Tal ação prejudica a sobrevivência da fauna e flora, tanto no curto quanto no
longo prazo, haja vista que que alguns materiais, como o plástico, demoram centenas de anos
para se decompor. O acúmulo destes resíduos nos rios proporciona também proliferação de
insetos, vetores de doenças e contaminação da água, gerando agravantes em relação à saúde
pública. Outra consequência é que os resíduos entopem as galerias pluviais, ocasionando
sérios problemas de saneamento, danos na infraestrutura e enchentes.
Infelizmente, por meio das fiscalizações do nosso mandato,
verificamos que mais de 70% dos rios da Zona Oeste apresentam
acúmulo de lixo a “olhos nus”, compostos por resíduos domésticos,
entulhos e/ou excesso de matéria orgânica acumulada (gráfico 9).

23
Gráfico 9 – Existência de resíduos sólidos a “olhos nus” nos rios

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

Ainda em relação aos resíduos nos rios verificamos que alguns pontos possuíam
ecobarreiras. Estas são importantes aliadas ao combate da poluição, pois “seguram” os
materiais, facilitando posteriormente seu recolhimento. No entanto, não podemos esquecer
que apesar de importante as ecobarreiras são medidas paliativas, ou seja, mais que suas
instalações, o poder público deve desenvolver projetos de conscientização e educação
ambiental para a sociedade, além de um plano de recuperação dos nossos corpos hídricos.

Figura 22 – Entulho nos rios Figura 23 – Excesso de matéria orgânica acumulada


nos rios

Rio do Anil Rio das Tintas

Figura 24 – Pontos de ecobarreiras

Rio Anil Rio Arroio Pavuna

Fonte: fiscalização do mandato do vereador William Siri (Psol)

24
● Aspectos das águas

A questão da qualidade da água nos corpos d’água de nossa


cidade é complexa. O tratamento de esgoto ainda não satisfatório, o
sistema de drenagem falho e a falta de controle dos resíduos sólidos
urbanos são alguns exemplos de fontes permanentes de
contaminação.
Sabemos que os nossos rios estão poluídos, mas em vista de nossa fiscalização
conseguimos compreender o tamanho real do problema: cerca de 80% dos rios da Zona
Oeste analisados apresentam cor escura, deixando nítida a
poluição local. Um ponto interessante dessa análise é que 100% dos
rios que têm águas clara/transparente estão situados na região
das “Vargens”, englobando os bairros de Vargem Grande,
Vargem Pequena e Camorim (gráfico 10). Todavia, vale ressaltar
que o fator “águas claras” não é definitivo para considerar se o rio está ou não com algum
grau de contaminação.

Gráfico 10 – Aspectos da água - cor

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol)

O gráfico 11 revela que uma parte significativa dos rios fiscalizados possuem saídas
de esgoto aparente. Sabemos que a ocupação irregular nas margens tende a ser um agravante
em relação ao despejo irregular de dejetos nos rios, sendo um problema de construção social.
Todavia, nos foi relatado que condomínios situados em uma área
“nobre” estavam lançando esgoto direto no Canal Olof de Palme,
sem tratamento prévio com fossa e filtro. Por consequência, de forma
majoritária, 71,6% dos rios analisados exalam forte odor de
esgoto, conforme mostra o gráfico 12.

25
Gráfico 11 – Saída de esgoto aparente Gráfico 12 – Aspectos da água - odor

Fonte: Elaboração própria com base nas fiscalizações do mandato do vereador William Siri (Psol).

Figura 25 – Água com cor escura/esgoto

Canal Olof de Palme Rio Caranguejo

Figura 26 – Água com cor clara/transparente

Rio Paineiras Rio Sacarrão

Fonte: fiscalização do mandato do vereador William Siri (Psol)

Por fim, ainda em relação aos aspectos das águas, identificamos também a presença de
espumas nos rios analisados.

26
Figura 27 – Presença de espuma na água

Rio Mineirinho

● Animais

Os corpos hídricos urbanos vêm sofrendo, em níveis alarmantes, perdas em sua


biodiversidade. Como demonstramos até aqui, os rios da Zona Oeste estão visualmente
poluídos, com a presença de espumas, manchas de óleo e águas escuras. Porém, mesmo em
meio ao caos existem vidas.
Em nossa pesquisa de campo, verificamos a presença de alguns animais, em sua
maioria aves (garças), mas também capivaras e jacarés. Infelizmente, esses animais estão
sendo vítimas das condições insalubres apresentadas e seguem embrenhados em meio a lixos
e entulhos.
Sabemos que a poluição dos rios é maléfica para o ciclo de vida e saúde desses
animais, que seguem nessa situação por falta de opção. Dessa forma, a recuperação desses
habitats é urgente, pois o bem estar dos animais silvestres urbanos também é protegido por lei
e cabe a nós todos a responsabilidade pela sua preservação.

27
Figura 28 – Aves nos rios Figura 29 – Jacaré nadando em meio aos lixos

Canal Santa Margarida Canal Sernambetiba

Figura 30 – Cavalo nas margens Figura 31 – Capivara nas margens

Rio Chacrinha Rio Pavuninha

Fonte: fiscalização do mandato do vereador William Siri (Psol).

● Enchentes: uma tragédia anunciada de todo verão

Todo final e começo de ano é a mesma coisa, não é? Os noticiários são tomados por
imagens de enchentes e deslizamentos em massa que assombram os moradores de toda cidade
do RJ, principalmente aqueles que vivem em áreas de risco.
Durante as chuvas mais intensas, sobretudo no período do verão, a topografia íngreme
e sem a devida cobertura vegetal fica mais instável e resulta nos desmoronamentos. Mas, isso
não livra quem está na parte baixa, dado que essas pessoas enfrentam o transbordamento dos
rios, como vimos aqui em sua maioria assoreados.
Conhecemos a realidade vivida pelos moradores da Zona Oeste. Sofremos
constantemente com as enchentes e acúmulo de lixo e entulho nas margens e
leito de nossos rios, por isso iniciamos nosso trabalho investigativo a partir
dessa região, que ocupa praticamente a metade do território da cidade.
Em nossa campanha do “Fale com Siri”, recebemos muitos relatos de transbordamento
dos rios. Moradores próximos ao Rio Cabuçu, na altura da rua Arthur Rios, afirmam que as
constantes enchentes chegam a ultrapassar os muros das casas, inundando-as. Outro morador
nos solicitou com urgência ecobarreiras nos rios que desembocam na baia de Sepetiba,

28
principalmente em Santa Cruz , aonde tem enchente nas comunidades da Av João XXIII, para
evitar assim que os resíduos cheguem na APA das Brisa e na restinga da Marambaia.
Algumas das denúncias se referiam também aos desvios do curso dos rios. Moradores
próximos a Estrada de Santa Cruz afirmam que empresas locais fizeram desvio no curso
original do rio local. Por esta razão, o Conjunto São Fernando enche até mesmo em dia de sol.
De igual forma, a população no entorno do Rio Cação Vermelho (altura nº 270) nos informou
que a própria Prefeitura, para atender os pedidos do proprietário do Sítio Martins, desviou o
percurso do rio.
Outro ponto de atenção foram as constantes queixas em relação à falta de bueiros na
Estrada das Agulhas Negras. Em vista disso, os moradores alegaram que casas que estão
apenas cinco centímetros abaixo do nível da rua alagam, mesmo tendo calhas e ralos
necessários.
Por fim, em nossa fiscalização no Rio Valqueire, cidadãos do entorno nos contaram
que em dias de chuvas a Avenida do Jambeiro fica toda submersa, não sendo possível
diferenciar onde a parte do asfalto termina. Por este motivo, no final do ano passado um
veículo acabou caindo no leito do rio, e, infelizmente, o motorista foi levado pelas águas.

Figura 32 – Denúncias da População no Fale com o Siri

Fonte: denúncias recebidas pelo mandato do vereador William Siri (Psol).

Para melhor entendimento, seguem abaixo as tabelas resumo das principais


características dos trechos dos rios fiscalizados, por Regiões Administrativas.

29
30
31
32
33
4. GESTÃO DAS ÁGUAS : A QUEM COMPETE A GESTÃO DOS RIOS?
A gestão dos recursos hídricos tem como objetivo garantir a disponibilidade e
qualidade da água para seus mais diversos usos, incluindo o abastecimento público,
saneamento básico, produção energética e a preservação do meio ambiente. Deste modo,
institucionalizar políticas públicas concretas configura o passo primordial na elaboração de
diretrizes e planos de ação visando, sobretudo, a segurança hídrica da sua população.
No ano de 2021, o Brasil enfrentou baixos níveis pluviométricos (de chuva), que
colocaram muitos reservatórios no volume morto, gerando preocupação sobre o possível
racionamento de água. As mudanças climáticas estão afetando diretamente o regime de
chuvas e, por este motivo, a segurança hídrica ganha protagonismo nas discussões ambientais
em escala global.

A garantia do acesso à água depende do fator físico do próprio meio ambiente e suas
dinâmicas, mas a partir do momento que estamos falando da água enquanto recurso, torna-se
necessário responsabilizar os órgãos competentes pela gerência de nossas águas. Sendo assim,
podemos afirmar que:
As falhas na gestão e no planejamento são os
maiores obstáculos enfrentados para garantir o
acesso democrático à água, em especial, água de
qualidade.

Por este motivo, culpabilizar somente o meio ambiente e o clima pela escassez é um
equívoco.

34
Você conhece a estrutura organizacional responsável pelo gerenciamento das águas no
Brasil e no Rio de Janeiro? No quadro a seguir, apresentaremos: a lei, o instrumento de gestão
e a agência reguladora nas esferas nacional e estadual, a fim de informar a sociedade civil a
quem compete a gestão das águas. Além disso, nos orienta, enquanto Poder Legislativo
municipal, na cobrança de ações e medidas.

Quadro 2 – Estrutura organizacional da gestão das águas

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da ANA e da AGENERSA.

Apesar do Brasil ser o grande manancial do mundo, detendo, aproximadamente, 14%


da água doce e 20% das águas subterrâneas do planeta, foi somente no final da década de
1990 que a política brasileira dedicou seu olhar à formulação de leis mais específicas sobre a
gestão hídrica. Até então, o único recurso legal em vigência era o Código das Águas9, de
1934, que priorizava a gerência dos recursos hídricos no setor elétrico, em virtude das
demandas econômicas deste período que impulsionou a industrialização brasileira, sobretudo
no ramo siderúrgico. Portanto, por muito tempo, o Brasil pautou a gestão hídrica apenas pelo
seu viés hidráulico.
Os anos 1990 marcaram uma ruptura sobre a questão ambiental. Foi em 1992 que o
Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. A Eco-92,
como ficou conhecida, foi responsável por introduzir debates acerca do desenvolvimento
9
Foi criado a partir do Decreto Federal 24.643, de 10 de julho de 1934.

35
sustentável. Nesse sentido, a proteção ambiental e a preservação de recursos naturais, tais
como a água, assumem a centralidade nas discussões e passaram a ditar um novo olhar na
formulação de leis no mundo.
Como resultado, em 1997, o Brasil constrói a Lei das Águas10, dando um grande passo
na evolução da gestão dos recursos hídricos no nosso país, priorizando o abastecimento
humano de modo democrático e a segurança hídrica, garantindo a renovação e durabilidade
deste recurso para gerações futuras. Assim, a análise parte de uma gestão integrada, ou seja, a
abordagem deve considerar três princípios fundamentais:

equidade social, eficiência econômica e


sustentabilidade ecológica.

Em continuidade, após ser institucionalizada em âmbito legal, a Lei das Águas


permitiu a construção de um instrumento de gestão – o Plano Nacional dos Recursos Hídricos
(PNRH) – que estabelece diretrizes e políticas públicas para melhoria da oferta de água,
atendendo as demandas exigidas. Para regular e fiscalizar as atividades dos serviços públicos,
surgem as agências reguladoras. Na esfera federal, quem realiza essa função é a Agência
Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)11, que também promove a coleta de dados
para o monitoramento dos níveis de rios e reservatórios de água em todo território. Apesar de
termos evoluído muito no quesito gerenciamento dos recursos hídricos, ainda há muito o que
fazer.

Quando falamos de Rio de Janeiro, o desafio de alcançar os ODS é ainda maior.


Segundo dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento de 2019 (SNIS 2019),
35,6% da população do estado do RJ não tem acesso à rede de esgoto. Para piorar o
10
Instituída pela lei nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997.
11
Anteriormente denominada de Agência Nacional das Águas, foi renomeada em julho de 2020, e incluiu o Saneamento Básico.

36
cenário, no município a falta d’água na Zona Oeste ganha destaque nos canais de
comunicação do nosso mandato.
Mas você sabe a quem compete o abastecimento de água e
saneamento básico no Rio de Janeiro? Seguindo a própria
reformulação na política de gestão hídrica em escala nacional, o
estado acompanhou as mudanças e instituiu a Política Estadual dos
Recursos Hídricos no ano de 1999. Mas, o primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos só
foi elaborado em 2014. Na contramão da estruturação organizacional, o estado do Rio de
Janeiro já tinha um agência reguladora antes mesmo de estabelecer um instrumento de gestão.
A Agenersa (Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de
Janeiro) foi criada em 2005 e até hoje é o órgão responsável na regulação e fiscalização das
atividades da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE).
É importante salientar que as políticas formuladas após a década de 1990 contribuíram
para a gestão descentralizada, integrada e participativa da água. Como resultado, comitês
estaduais e interestaduais foram criados. Os Comitês de Bacias Hidrográficas reúnem uma
comissão para discutir o uso da água nos municípios e/ou estados que estão inseridos nos
limites da bacia. No estado do Rio de Janeiro temos nove regiões hidrográficas.
O território do município do Rio de Janeiro abrange a Região Hidrográfica da Baía de
Guanabara e a Região Hidrográfica do Guandu. Estas são bacias fundamentais que
atravessam a região metropolitana e demandam uma troca e diálogo constante entre as esferas
municipais e estadual para garantir o bom gerenciamento das suas águas. E, justamente por
cortar importantes núcleos urbanos, apresentam os índices mais alarmantes de poluição.

37
Outro ponto de relevância diz respeito ao abastecimento da nossa cidade, que depende
do Rio Guandu. As águas seguem seu fluxo e não respeitam os traçados e limites desenhados
pelo mapa, por este motivo a articulação entre os poderes deve estar bem alinhada, a fim de
contribuir para a preservação do ecossistema como um todo.

Figura 31 – Mapa das regiões de governo e regiões hidrográficas do


Rio de Janeiro

Fonte:
https://www.researchgate.net/figure/Figura-2-Regioes-Hidrograficas-e-Regioes-de-Governo-do-estado-do-Rio-de-Janeiro_fig2_35051
3229

38
Nesse aspecto, a função da prefeitura é garantir a drenagem das águas das chuvas,
assumindo o compromisso nas ações de controle de enchentes na cidade. Como já
mencionado, o Rio de Janeiro cresceu sobre planícies estreitas, deste modo, muitos rios foram
canalizados a fim de atender a expansão urbana. Como consequência, há décadas a população
carioca sofre com transtornos e prejuízos irreparáveis. Por este motivo, acaba sendo atribuição
da prefeitura o manejo das águas dos rios para possibilitar o escoamento. Ou seja, mesmo que
institucionalmente os rios estejam sob a gerência do estado e da União, o Poder Executivo
Municipal deve atuar na mitigação de desastres como enchentes e inundações.
A Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro, Rio-Águas, surge em
199812 para atender ao Plano Diretor, que encarrega o município de gerir as águas pluviais e o
esgotamento sanitário. Atualmente, para atender esta demanda, a Rio-Águas presta serviços
de manutenção em rios e canais, como por exemplo: desassoreamento, desobstrução, limpeza,
reparo de trechos de galerias de drenagem e calhas de canais.
A drenagem das águas das chuvas fazem parte do conjunto de serviços prestados à
sociedade para garantir melhores condições de vida e saúde pública. Este é um dos pilares do
saneamento básico, que também inclui o abastecimento de água, coleta e tratamento de
esgoto, manejo dos resíduos sólidos e limpeza urbana. Em 2014, um decreto federal
estabeleceu prazo para os municípios elaborarem o Plano Municipal de Saneamento Básico
(PMSB), sem o plano a Prefeitura não pode receber recursos federais para saneamento básico.
Além dos desafios estruturais e burocráticos enfrentados pela cidade do Rio de Janeiro
para assegurar saneamento básico para todos, há duas discussões que merecem destaque e
movimentação popular. A primeira diz respeito ao Marco do Saneamento Básico, aprovado
em 2020 pelo Senado Federal, que coloca como responsabilidade o saneamento básico nas
mãos do governo local. A segunda discussão envolve os caminhos que a descentralização abre
para empresas privadas, por meio de concessões, assumirem o controle. Nossa preocupação
e luta é justamente pela garantia do direito ao saneamento básico, que pode ser
ameaçado diante da privatização deste serviço, onerando o consumidor final, além de
aumentar as desigualdades no oferecimento do serviço.

12
Instituída na Lei nº 2.656 de 23 de junho de 1998.

39
5. EMPREGO VERDE? O PROGRAMA GUARDIÕES DOS RIOS

Compreendendo o papel do poder executivo municipal, um programa foi desenvolvido


para possibilitar a gestão dos corpos hídricos com estreita contribuição da população local. O
programa chamado “Guardiões dos Rios”, consiste na contratação de agentes comunitários
que realizam a limpeza manual de rios e canais, o monitoramento e a manutenção de suas
margens. Vinculado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC), o programa
também visa promover a educação ambiental dos moradores, segundo o site da Prefeitura.
O projeto, a princípio, tem uma ideia interessante, embora sejam encontrados alguns
problemas durante sua execução. A captação de mão de obra local para a prestação de
serviços onde o poder público nem sempre chega é um ponto importante: além de gerar
emprego e renda, também aproveita-se o conhecimento do território, o livre acesso aos rios e
o sentimento de pertencimento e cuidado que os moradores possuem em relação ao local. É
muito importante envolver a comunidade nesse processo, dessa forma é possível também
promover educação ambiental, conscientização sobre a importância da preservação dos cursos
d 'água e a colaboração de todos os moradores.
Porém, já de início, chama a atenção a falta de informações sobre o projeto, que possui
pouquíssimos registros nos sites oficiais da Prefeitura.

A última notícia oficial é muito defasada, data de 2013, e cita 24 comunidades


atendidas por 196 guardiões, contratados por uma Organização Social a um salário de R
$840,00. Nosso mandato fez um Requerimento de Informações à SMAC, questionando
maiores detalhes e dados, mas seguimos aguardando resposta.
Infelizmente, a Prefeitura parece querer ocultar informações sobre o programa, quando
o correto é fomentar a visibilidade e a transparência nos serviços públicos. Desta forma, nossa
pesquisa incluiu outras fontes, como trabalhos acadêmicos, trabalhos de campo e conversas
com os próprios trabalhadores do programa, para compreendermos melhor seu
funcionamento.

40
Em nossas fiscalizações, conseguimos conversar com alguns guardiões, e assim obter
informações importantes. O Equipamento de Proteção Individual (EPI) recebido é composto
por luvas, galochas de plástico e óculos, considerado insuficiente pelos trabalhadores, que
lidam com vegetação densa e a presença de animais peçonhentos. Além disso, a única
ferramenta disponibilizada é uma enxada, enquanto uma roçadeira desempenharia um melhor
trabalho. Também ouvimos queixas sobre a falta de um local para armazenar as ferramentas
ao final do dia.
Em relação a alimentação, nos foi relatado a falta de um local para armazenar as
marmitas que os trabalhadores levam, e a comida acaba estragando nos dias mais quentes.
Outro ponto de destaque é que o salário relatado pelos guardiões é ainda menor do que o valor
citado pela Prefeitura em 2013: apenas R$600,00, sendo inferior à metade de um salário
mínimo dos dias atuais (R$1.320,00).
Além de gerar empregos e levar serviços a territórios muitas vezes não acessados pelo
Estado, o programa visa prevenir alagamentos, infestações de animais e insetos e a
proliferação de doenças. Nesse período de chuvas de verão, é ainda mais importante contar
com esse serviço, já que, infelizmente, é muito comum que o aumento no volume de água em
rios assoreados e poluídos gere alagamentos na cidade. Por tamanha relevância, o projeto
deveria ser progressivamente ampliado, pois a demanda é grande. Mas, para isso, é
fundamental um processo de seleção transparente, melhores condições de trabalho e
valorização do trabalhador.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho, empregos verdes são aqueles com


condições dignas de trabalho, que contribuem para preservar ou restaurar o meio ambiente.
Caso gerasse vagas de emprego mais justas, a ocupação dos Guardiões do Rio poderia entrar
nessa classificação, mas para tanto, é necessário, minimamente, uma remuneração adequada e
maior valorização profissional.
Na mesma linha, existem os programas Guardiões dos Ralos e Guardiãs das Matas,
criados mais recentemente. Sobre o primeiro, encontramos ainda poucas informações no
Diário Oficial, já o segundo se destaca por empregar lideranças comunitárias femininas para a
proteção e acompanhamento da Mata Atlântica em vinte e cinco pontos de nossa cidade.
Seguiremos acompanhando e cobrando para que, além do Guardiões dos Rios, tanto o

41
Guardiões dos Ralos quanto o Guardiãs das Matas sejam programas transparentes, com
melhores condições de trabalho e contribuam cada vez mais para a melhoria do meio
ambiente da nossa cidade.

● O contexto da emergência climática

É fundamental também considerarmos o estado de emergência climática que o mundo


enfrenta. Os cientistas já alertaram: o planeta está esquentando!
A elevação da temperatura gera a intensificação de fenômenos naturais
que se refletem em diversos problemas nas cidades. O aumento da intensidade
das chuvas e suas consequências, como enchentes e deslizamentos são algumas
das questões que prejudicam e vitimizam pessoas. Na cidade do Rio de Janeiro não é
diferente. Sabemos, ainda, que esses fenômenos geram impactos maiores e mais destruidores
nas periferias e favelas, onde moram os mais pobres, escancarando a desigualdade. Por isso, o
serviço de limpeza e manutenção das margens, dos cursos d'água e dos ralos da cidade,
especialmente nos locais mais vulneráveis, deve ser encarado como um investimento
fundamental para a redução de danos no contexto em que vivemos e no combate ao racismo
ambiental.
Essa é uma bandeira especial para nós:

Além disso, temos a lei que inclui a Educação Climática como tema transversal no
currículo das escolas municipais (Lei nº 7.523/2022), com o objetivo de conscientizar as
futuras gerações sobre a importância do tema para a preservação da vida no planeta. Também
é de nossa autoria a lei que cria o Dia Municipal de Luta Contra Mudanças Climáticas no
calendário da cidade (Lei nº 7.534/2022), instituindo o dia 20 de Setembro para ressaltar a
urgência de ações pela adaptação e mitigação de prejuízos.

42
A luta pelo Meio Ambiente passa também pelo mundo do trabalho, precisamos
adaptar vagas de emprego e investir nas funções que pavimentam o caminho da
sustentabilidade, com o claro objetivo de construir uma sociedade baseada na justiça
socioambiental.

43
6. TORNEIRA FECHADA: UM OLHAR NO ORÇAMENTO PARA GESTÃO
HÍDRICA

O Orçamento Público é um instrumento meio para a execução das mais diversas


políticas públicas, muitos dos debates e demandas da sociedade passam pela necessidade de
algum tipo de financiamento público, e com a gestão dos corpos hídricos de nossa cidade não
é diferente.
As ações de saneamento realizadas pela Prefeitura, principalmente sob a
responsabilidade da Fundação Rio-Águas, estão intimamente ligadas a um tema que,
infelizmente, é muito presente na vida do carioca, as recorrentes enchentes na cidade. A
percepção que fica é que todos os anos as fortes chuvas de verão pegam de surpresa a
Prefeitura, que não prioriza ações de prevenção e prefere gastar muito mais para remediar o
desastre.

As fortes chuvas são uma consequência cada vez mais presente das mudanças
climáticas e tendem a alterar o modo de vida da cidade, caso não haja um plano efetivo para
prevenção e mitigação dos seus efeitos.
Na cidade do Rio de Janeiro existem áreas mais suscetíveis a inundações,
representadas em vermelho no mapa da figura 34. A Área de Planejamento 5, que representa
bairros como Campo Grande, Bangu, Santa Cruz e Guaratiba, concentra um maior risco para
enchentes. A vulnerabilidade da Zona Oeste no que diz respeito às consequências das
tempestades foi um dos vários motivadores para a construção deste relatório. A fiscalização
dos corpos hídricos da região é primordial para um diagnóstico que corrobore com a
elaboração de políticas de prevenção a enchentes e controle de desastres.

44
Figura 34 – Mapas do Rio de Janeiro com a suscetibilidade para inundações (à esquerda) e deslizamentos (à
direita).

Fonte: Prefeitura do Rio – Planejamento Urbano

● Execução Orçamentária – Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de


Janeiro – Rio-Águas

A fiscalização da execução orçamentária das ações implementadas pela Fundação


Rio-Águas é um importante termômetro sobre o quanto a Prefeitura do Rio atua de fato na
drenagem pluvial (água das chuvas) e fluvial (água dos rios) da cidade, em especial da Zona
Oeste.
Não é novidade que o nosso município se beneficiou com um aumento considerável
de investimentos nos anos que antecederam a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas Rio
2016. No ano de 2014, por exemplo, as despesas com investimentos (obras, novos
equipamentos etc.) representaram quase 15% do orçamento total executado pela Prefeitura.
Na época, a Fundação Rio-Águas foi responsável pela construção de cinco grandes
reservatórios para o controle de enchentes da região da Grande Tijuca, sendo três
reservatórios na Praça Niterói, um na Praça da Bandeira e um na Praça Varnhagen.
Em 2013, o orçamento executado pela fundação ultrapassou os R$ 783 milhões
(gráfico 13), corrigidos pela inflação, no qual grande parte foi direcionado às obras na Tijuca
e recuperação socioambiental da Bacia de Jacarepaguá, fato que se seguiu até 2016, ano das
olimpíadas. Em 2017, foi notável a queda dos investimentos, sendo a Rio-Águas fortemente
impactada, pois naquele ano as despesas atingiram apenas 36% da previsão inicial aprovada
na Lei Orçamentária Anual (LOA).

45
Gráfico 13 – Orçamento previsto x realizado da Fundação Rios-Águas

Fonte: Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro.


Valores corrigidos pelo IPCA-E médio dez/2022

Já em 2022, apesar do crescimento, ainda estamos muito abaixo das reais necessidades
da pasta. Para efeitos de comparação, enquanto o orçamento da Rio-Águas em 2022 foi de R$
86,5 milhões, o prefeito gastou com publicidade R$ 46,5 milhões, ou seja, o equivalente a
mais da metade das despesas executadas por uma fundação tão importante para os cariocas.
Outra evidência do descaso com nossos recursos hídricos é que a Rio-Águas
sempre recebe mais créditos no orçamento nos meses em que mais chove, comprovando
que há uma escolha entre remediar ao invés de se precaver ao período de chuvas. Em
2022, por exemplo, o total de créditos adicionais ao orçamento da fundação foi de R$ 64,3
milhões, sendo que R$ 61,5 milhões foram concentrados nos meses de janeiro a abril. Neste
ano de 2023, após as fortes chuvas em fevereiro, a pasta já recebeu incrementos de R$ 36
milhões.
Vemos também pelo gráfico 13 que em nenhum dos últimos 10 anos o orçamento
executado pela Rio-Águas atingiu o montante previsto e aprovado pela Câmara Municipal nas

46
Leis Orçamentárias Anuais de cada ano. No período, a taxa média de execução (quociente
entre o que foi de fato realizado e o que estava previsto) foi inferior a 60%.

● Quais recursos financiam as ações da Rio-Águas?

Para melhor entender as causas de uma frustração tão grande entre o que é
previsto e o que é realmente executado, buscamos saber quais as principais fontes de
financiamento das ações executadas pela Rio-Águas ano passado. As despesas da
fundação foram estimadas em R$ 150 milhões na Lei Orçamentária Anual para 2022,
sendo que foram efetivamente realizados R$ 86,5 milhões (58%).
Conforme gráfico 14, é possível observar que R$ 50 milhões seriam provenientes
de receitas recebidas pela outorga da concessão dos serviços de saneamento, comumente
chamada de “venda da CEDAE”. Tais recursos foram recebidos pela Prefeitura,
entretanto, a maior parte permaneceu em seu caixa.

No caso dos Royalties do Petróleo, ocorreu uma situação similar. Foram


arrecadados quase R$ 80 milhões a mais dessa receita do que o estimado, mesmo assim a
Rio-Águas teve uma frustração de R$ 9 milhões nesta fonte de recursos.

47
Gráfico 14 – Fundação Rios-Águas: previsto x realizado

Fonte: Sistema de Informações Gerenciais da CGM-RJ.

Os R$ 32,3 milhões provenientes de Operações de Crédito já realizadas foram em


sua maior parte frustrados e não chegaram aos cofres públicos municipais. Esses valores
se referem a dois contratos de empréstimo, um ligado ao PAC II (Programa de
Aceleração do Crescimento) para obras na Bacia de Jacarepaguá e o segundo com a
Caixa Econômica Federal (CEF) pelo programa “Saneamento para Todos”, com obras de
esgotamento sanitário na Bacia do Cação Vermelho, em Santa Cruz.
Dos R$ 14,5 milhões provenientes do empréstimo com a CEF para a Bacia do
Cação Vermelho, chegaram apenas R$ 687,9 mil aos cofres da Prefeitura em 2022.
Cobraremos uma justificativa para a queda dessa arrecadação, que acaba por
prejudicar uma obra tão importante para a Zona Oeste.
Por fim, em 2012, foi firmado contrato no valor de R$ 133 milhões para
implantação de coletores tronco da rede de esgoto da Bacia do Cação Vermelho,
entretanto, o contrato foi rescindido com apenas R$ 33 milhões executados.

● Programa Controle de Enchentes

Um dos mais importantes programas executados pela Fundação Rio-Águas é o de


Controle de Enchentes. Segundo a Prefeitura, seu objetivo geral é “diminuir a frequência de
inundações por meio do controle dos pontos de enchentes e do adequado manejo hídrico nas
bacias hidrográficas da Cidade do Rio de Janeiro”13.

13
Objetivo geral do Programa Controle de Enchentes descrito no Plano Plurianual (PPA) 2018-2021 da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro.

48
Dentre as ações executadas pelo programa estão a “Implantação de sistemas de
manejo de águas pluviais e de infraestrutura urbana das bacias hidrográficas” e a
“Manutenção de sistemas de manejo de águas pluviais das bacias hidrográficas”. Esta última
possui como uma das principais metas retirar resíduos e sedimentos do fundo dos rios, desta
forma, permitindo um melhor escoamento da água para minimizar a possibilidade de
inundações.
Por ser um dos principais programas executados pela Rio-Águas, o Controle de
Enchentes possui uma trajetória de execução muito parecida com a da própria fundação,
apresentando gastos mais elevados nos anos que antecederam os Jogos Olímpicos por conta
da construção dos reservatórios na região da Tijuca (AP2).
Na série histórica apresentada no gráfico 15, notamos que os dois anos com o menor
patamar de gastos foram 2021 e 2017, respectivamente. Esses períodos apresentam um fato
em comum, são os primeiros anos de uma nova gestão na cidade, sendo 2017 com Crivella e
2021 com o retorno de Eduardo Paes à Prefeitura do Rio.

Gráfico 15 – Despesas empenhadas: Programa Controle de Enchentes

Fonte: Sistema de Informações Gerenciais da CGM-RJ.


Valores corrigidos pelo IPCA-E médio dez/2022

Em 2017, a Prefeitura enfrentou queda na arrecadação e quebra do ciclo de


investimentos por conta da finalização dos empreendimentos destinados à execução dos
megaeventos. A falta de priorização nos gastos em prevenção de enchentes culminou na
morte de dezessete pessoas em 2019, seis delas na Zona Oeste, segundo dados da CPI das
Enchentes realizada pela Câmara Municipal, com a presidência do Ver. Tarcísio Motta
(PSOL). Em 2021, Paes assumiu em um cenário de pandemia, mas ao mesmo tempo foi
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beneficiado pelas receitas extraordinárias da CEDAE, que naquele ano renderam R$ 4 bilhões
aos cofres públicos.

● Desigualdade no desassoreamento de rios da Zona Oeste

Como se não bastasse o impacto causado pela redução de recursos, o Programa


Controle de Enchentes é executado de forma desigual em nossa cidade. Na ação de
Manutenção dos Sistemas de Manejo de Águas Pluviais das Bacias Hidrográficas, a
prefeitura estipula metas sobre o volume de sedimentos e resíduos a serem retirados dos rios.

Não foram apresentadas metas realizadas para as Áreas de Planejamento 1 (Centro), 3


(Zona Norte exceto Tijuca) e 4 (Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Vargens).

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Quadro 3 – Volume de material desassoreado

Fonte: Relatório de Gestão e Avaliação do PPA 2021.

Ao analisarmos o acumulado de material desassoreado na cidade nos últimos nove


anos14, o estado de desigualdade não é diferente.

Do material total retirado dos rios de nossa


cidade, entre 2013 e 2021, a AP2 representou
quase 85%, enquanto a Zona Oeste (AP4 + AP5),
que possui extensa bacia hidrográfica, não
chegou a 8% (figura 35).

Figura 35 – Volume acumulado de material desassoreado em M³ nos últimos nove anos


consolidados (2013 a 2021)

Fonte: Relatório de Gestão e Avaliação do PPA (2013-2021).

14
As metas realizadas em 2022 ainda não foram publicadas, o dado mais recente disponível é referente ao ano de 2021.

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Nosso objetivo é dar visibilidade às desigualdades enfrentadas pela Zona Oeste da
cidade do Rio de Janeiro, somos contra a redução de orçamento para qualquer uma das outras
áreas e temos a ciência de que os pontos de alagamento são comuns em diversos bairros da
cidade, incluindo a Zona Sul. Mas, precisamos fazer a defesa para que a Zona Oeste também
esteja como prioridade nas ações do Poder Executivo.

Figura 36 – Intervenções realizadas pelo Programa Controle de Enchentes


nos últimos 10 anos

Fonte: Elaboração própria com dados do Sistema de Informações Gerenciais da CGM-RJ.

O quadro 4 apresenta a localização das obras executadas através do Programa


Controle de Enchentes nos últimos 10 anos. Ao todo, foram 160 instrumentos contratuais,
sendo dois rescindidos e seis suspensos antes do término da obra. As intervenções envolvem
projetos como canalização, desassoreamento e limpeza de rios, drenagem em ruas diversas e
manutenção de reservatórios de águas das chuvas.
Ao observarmos o valor total executado nos contratos por Área de Planejamento, é
nítido que, proporcionalmente à extensão territorial da AP5, o orçamento executado na região
está abaixo do que em outras áreas da cidade. Por sua vez, a AP4, também na Zona Oeste,
apresenta o menor valor médio executado nos contratos.

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Quadro 4 – Localização das obras executadas através do Programa Controle de Enchentes nos últimos 10
anos

Fonte: Sistema de Informações Gerenciais da CGM-RJ.

● Execução do Plano Rio Futuro – Recursos da CEDAE para obras no Jardim


Maravilha

A concessão dos serviços de saneamento, antes realizados pela CEDAE, no ano de


2021 gerou uma previsão de entrada de recursos da ordem de R$ 6,7 bilhões para o município
do Rio de Janeiro. No mesmo ano, a Prefeitura do Rio lançou o Programa Rio Futuro,
formado por uma série de projetos a serem custeados com as receitas provenientes da
CEDAE. Dentre os principais projetos estão as obras no Jardim Maravilha, com foco no Rio
Cabuçu-Piraquê, que teriam um custo estimado em R$ 300 milhões, e intervenções no
Sistema Lagunar de Jacarepaguá a um custo previsto em R$ 360 milhões.
Até fevereiro de 2023, já entraram quase R$ 5 bilhões dos R$ 6,7 bilhões esperados
pela Prefeitura. No entanto, as promessas feitas pelo Plano Rio Futuro caminham a passos
lentos. Em setembro de 2022, foi firmado contrato no valor de R$ 40,9 milhões entre a
Rio-Águas e a empresa Globo Construções e Terraplanagem LTDA. Este contrato
corresponde apenas à Fase I das obras no Jardim Maravilha, menos de 14% do investimento
total estimado. A Fase I tem prazo de término previsto para setembro de 2024, último ano do
terceiro mandato de Paes, o que indica que o projeto total na região não será finalizado neste
mandato.

● Governo Federal: redução de recursos para o Programa de Gestão de Risco e


Desastres

Outro ponto de atenção com relação às intervenções de macrodrenagem realizadas em


nossa cidade é a significativa redução do orçamento do Governo Federal destinado a estados e
municípios através do Programa de Gestão de Risco e Resposta a Desastres. Seja por meio de
convênios ou execução de obras, o programa, que já teve despesas de quase R$ 8 bilhões,
encerrou o ano de 2021 com uma execução de pouco mais de R$ 1,2 bilhão (gráfico 16).
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Para efeitos de comparação, os recursos provenientes de convênios com o Governo
Federal para a Rio-Águas chegaram a representar mais de 28% do orçamento da Fundação no
ano de 2012. Já em 2022, os convênios representaram menos de 1% do total.

Gráfico 16 – Governo Federal: Programa Gestão de Risco e Resposta a Desastres

Fonte: SIOPI
Valores corrigidos pelo IPCA-E médio jun/2022

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55
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES AO PODER PÚBLICO

A gestão dos recursos hídricos é uma questão crítica para o Poder Executivo
municipal do Rio de Janeiro, especialmente na Zona Oeste, onde a população tem
crescido de forma desordenada e desafia a capacidade dos sistemas de infraestrutura,
drenagem e saneamento básico. É necessária uma ação urgente e
coordenada para proteger as matas presentes nas margens dos rios, manter a
qualidade da água e prevenir o assoreamento, que é a maior ameaça à
sustentabilidade dos ecossistemas aquáticos.
Além do nosso trabalho de fiscalização, cujos resultados já foram expostos,
conversamos com atores de diversas organizações da sociedade civil que atuam
diretamente com a pauta dos recursos hídricos, dentre elas a Águas Resilientes, a
Defensores do Planeta e o Subcomitê do sistema lagunar de Jacarepaguá do Comitê da
Baía de Guanabara. O processo de escuta de quem vive e também trabalha
cotidianamente pela luta por melhores condições de vida, através da defesa dos recursos
hídricos, faz-se primordial para promoção de políticas públicas.
Neste processo, uma das soluções apresentadas é o investimento em tecnologias
sociais e sustentáveis que possam reduzir a carga poluidora nos rios e córregos da região,
bem como melhorar a capacidade de tratamento de esgotos domésticos e industriais.
Além dos benefícios ambientais, esses investimentos podem criar oportunidades de
empregos verdes e impulsionar o desenvolvimento econômico local. Para
tanto, programas como Guardiões dos Rios, Guardiões dos Ralos, Guardiãs
das Matas, devem ser estimulados e valorizados, com salário e condições
de trabalho dignas, tanto quanto a promoção de ações como ecobarreiras, recuperação de
nascentes, encostas e faixas marginais de proteção com reflorestamento de espécies
nativas.
Para o esgotamento sanitário, é necessário que a prefeitura amplie a discussão do
Plano Municipal de Saneamento Básico (em elaboração), na qual possam ser debatidas
soluções baseadas na natureza para alguns territórios, como a implementação de sistemas
de fossa ecológica de evapotranspiração (fossa verde, fossa de bananeiras) e maiores
projetos como tratamentos em wetlands, solução adotada no município vizinho de
Araruama.
Um interessante ponto trazido ao longo das conversas com as entidades civis foi a
importância da identificação dos rios ao longo do seu curso com placas, para que a

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população efetivamente conheça o curso d’água e valorize-o. Outra sugestão é a criação e
ampliação de programas contínuos de educação climática e ambiental, que podem ajudar
a conscientizar a população sobre a importância dos recursos hídricos e a necessidade de
proteger os ecossistemas aquáticos da região. Esses programas podem ser voltados para
escolas, comunidades locais e empresas, incluindo informações práticas sobre o uso
responsável da água e a destinação adequada de resíduos sólidos e líquidos.
Além disso, é importante promover a participação social na gestão dos recursos
hídricos da Zona Oeste. É preciso incentivar o envolvimento da
sociedade civil não só nos dois subcomitês de bacias que
atravessam a região, mas também cobramos que a prefeitura
participe ativamente destes conselhos e estabeleça um diálogo, algo que não acontece
atualmente. Ademais, é preciso também fortalecer a participação dos moradores nas
decisões e na fiscalização dos projetos de infraestrutura, bem como garantir que as
demandas e as preocupações do povo sejam consideradas no planejamento das ações do
poder público. Para isso, é necessário que haja conselhos municipais atuantes.
Para que a maior parte dessas ações sejam efetivamente realizadas, é necessário
que a Prefeitura dê a devida prioridade ao cuidado dos corpos hídricos no orçamento da
cidade. Este relatório foi lançado em março, propositalmente no dia mundial da água. A
partir de abril são iniciadas as discussões a respeito das diretrizes para a elaboração do
orçamento anual para 2024. Uma presença ativa da sociedade civil nas audiências
públicas acerca do tema é fundamental para que haja comprometimento por parte dos
órgãos ligados ao Poder Executivo e para que a Câmara Municipal, no papel de
representante do povo, seja uma aliada na cobrança da execução de políticas públicas.
Por fim, gostaríamos de registrar que ao longo do nosso trabalho de campo
avistamos algumas placas da prefeitura sinalizando, principalmente, o desassoreamento
dos rios. Entretanto, tais obras são paliativas, e não tratam a raiz do problema. Precisamos
urgente de um plano de recuperação e renaturalização dos rios de nossa cidade, para que
eles possam ser reintegrados de forma “viva” a nossa sociedade.

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ANEXOS

Quadro 1 – Contratos em execução pela Rio-Águas na Zona Oeste do RJ

Fonte: Sistema de Informações Gerenciais da CGM-RJ.

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