Psicologia Na Assistencia Social
Psicologia Na Assistencia Social
Psicologia Na Assistencia Social
Sumário
Agradecimentos............................................................................................... 9
Apresentação da Coleção
Ana Mercês Bahia Bock............................................................................ 11
Prefácio
Marcus Vinicius de Oliveira Silva............................................................ 15
1. o princípio da caminhada............................................................... 19
3. A Psicologia e o “social”................................................................... 51
Referências....................................................................................................... 129
Agradecimentos
A credito que toda obra é sempre fruto de “muita gente”. Gente que nos
auxilia com teoria e técnica e gente que nos sustenta pessoalmente com
seu acolhimento. Como diria Gonzaguinha, “aprendi que se depende sempre
de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições
diárias de outras tantas pessoas”. Por isso, agradeço com carinho àqueles que
contribuíram para construção deste livro, mesmo sabendo da difícil tarefa de
especificar aqui apenas algumas dessas pessoas.
Aos meus familiares, especialmente aos meus pais, Wellington Neves e
Noélia Neves, pelo amor e incentivo constantes.
Ao meu marido Leonardo Santos, pelo apoio expresso nas atitudes coti‑
dianas.
Aos meus irmãos e amigos, pela diferença que nosso convívio produz em
minha vida.
A Alessivânia Mota, por sua interlocução a este projeto e essa humani‑
dade sensível a convidar a minha humanidade.
A Renata Sá Nunes Barreto, pelo vínculo transformador.
Aos autores e autoras cujas obras me inquietaram, inspiraram, emocio‑
naram, enfim, foram essenciais para construção deste trabalho, em especial a
Ana Bock, Fernando González Rey e Jessé Souza.
A Marcus Vinicius de Oliveira Silva, por estar há tantos anos inspirando
com suas palavras e ações o compromisso social na minha atuação como
psicóloga brasileira.
10 LUANE NEVES SANTOS
Aos colegas e espaços institucionais que integrei e integro, que, seja pela
alteridade ou pela complementaridade, me auxiliaram a manter vivo o deba‑
te que aqui se apresenta, sendo fundamentais para minha constituição como
profissional e pesquisadora.
À Cortez Editora e ao Instituto Silvia Lane, em especial a Ana Bock pela
confiança e oportunidade de participar desta Coleção, tão significativa para a
Psicologia.
Agradeço a toda pessoa que me fez perceber que “é tão bonito quando a
gente pisa firme nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos. É tão
bonito quando a gente vai à vida nos caminhos onde bate bem mais forte o
coração”.
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Apresentação da Coleção
comum sua organização, por sua temática e sua necessária leitura crítica; além
disso, contêm referências para uma nova prática em seu campo e sugestões
de atividades e de leituras que podem diversificar o trabalho. A ousadia de
duvidar das certezas e de dar visibilidade a aspectos da realidade pouco co‑
nhecidos ou considerados unifica os autores em um único estilo.
Agradeço aos autores que confiaram a mim sua produção e aos parece‑
ristas/prefaciadores que com tanta atenção e competência ampliaram meu
trabalho.
Prefácio
semântica é tão rica na nomeação: “gente sem eira, nem beira”, “sem classe”,
“gentinha”, “gentalha”, “arraia miúda”, “proleta”, “povo”, “povão”, “gente humil‑
de”, “favelado”, “pobre”, “ralé”. Razão dos nossos medos, das nossas desconfian‑
ças, das nossas inseguranças, depositários de todas as nossas projeções do pior
que trazemos em nós, seres a quem atribuímos todas as nossas limitações e as
do país, objetiva e subjetivamente. Somos uma sociedade aprisionada por não
sermos capazes de reconhecer o que nos aprisiona, não sermos capazes de
fazer perguntas em face do que fizemos como modo natural de sermos uma
sociedade. Nós, brasileiros, só temos um enorme problema social: a desigual‑
dade social. Desigualdade que não enxergamos porque ali só vemos, merito‑
craticamente, uma “natureza”. Desigualdade que é como um câncer a corroer
as entranhas da nação.
Quando a ideologia turva e encobre, a única esperança é a de uma filo‑
sofia que seja crítica de si mesmo e seja capaz de afrontar os “ídolos da tribo”.
Modernamente é isso que se espera de uma Ciência que seja capaz de repre‑
sentar bem a reveladora tradição “galileica” comprometida com o que está
para além das aparências, disposta a contrariar as evidências mistificadoras
em nome de fazer exprimir o não percebido, o não visto, o não pensado. Nes‑
ta perspectiva, é desesperançosa a tradição intelectual brasileira quando se
trata da produção de versões explicativas da “questão brasileira”. Miscigenação,
patrimonialismo, cordialidade, “jeitinho”, “caráter” são tipos de categorias
disponibilizadas pelo melhor da nossa inteligência nacional, que encontrando
eco no senso comum, amalgamam um “mito de nação” do qual também fazem
parte a ideia de que somos uma nação alegre, sensual, afetiva, emotiva, solar,
pacífica e tropical que soube como nenhuma outra “misturar” raças, tempe‑
rando com cordialidade os conflitos.
E se no campo das ciências sociais são poucos aqueles que desafiam o
coro dos contentes, as psicológicas são cegas, surdas e mudas quando se trata
de oferecer contribuição para o desvelamento de nossas contradições sociais
mais intestinas. O casamento de um subjetivismo individualista com uma
perspectiva a-histórica e elitista a faz uma grande caucionadora do véu meri‑
tocrático que tudo encobre e tudo justifica socialmente: “Cada um está no seu
lugar, graças a Deus”! “Cada um está socialmente localizado, onde fez por
merecer”. “O que conta é a qualidade de cada indivíduo, o que ele é capaz de
A PSICOLOGIA NA ASSISTÊNCIA SOCIAL 17
fazer com o que fizeram com ele”; a sua capacidade de ser um organismo
“resiliente”. A ideia da igualdade de todos — e todas — perante a lei é irmã
carnal do “universalismo psicológico do humano” capaz de fazer abstrair
todos os “detalhes” definidores das condições concretas da existência que os
inscreve em culturas, classes, histórias étnicas, genealogia da sua posição nas
hierarquias, nas violências simbólicas e na engenharia das dominações de toda
ordem.
Estes parágrafos anteriores se impuseram a mim como necessários para
alertar o leitor acerca da importância da publicação que ora ele tem em mãos.
Nela, despretensiosamente e com a escrita clara de quem não tem nada para
esconder, a autora Luane Neves Santos desafia a si mesma para superar as suas
próprias cegueiras de “mulher brasileira” com sua trajetória ascendente de
classe; que se faz psicóloga através destas mesmas marcas. Ela se propõe por
meio da sua escolha temática — nessa oportunidade na qual se candidatou a
ampliar seu capital cultural pela assunção do primeiro degrau na carreira
científica — a deslindar as complexas tramas que instituem a sociedade bra‑
sileira como sexta economia mundial e oitavo lugar no campeonato mundial
de desigualdades sociais.
E o faz adotando no seu trabalho a perspectiva do diálogo interdiscipli‑
nar, acionando o melhor das “rebeliões teóricas” dos distintos campos disci‑
plinares que ela coloca para conversar. Escudada no sociólogo Jessé Souza,
uma das mentes mais lúcidas entre aquelas aplicadas na produção de “expli‑
cações sobre o Brasil” e dos autores nos quais ele se escora, compreende que
a tarefa intelectual no campo social tem as características de produção de
“recursos de guerra” pois, se as ideias não mudam o mundo em si mesmas, as
boas mudanças não podem ser feitas prescindindo de boas ideias que “cor‑
respondam aos fatos”. E os fatos recentes na vida política nacional têm evi‑
denciado todo tipo de resistência para que não seja superado o tempo dos
“pobres, honestos e limpinhos” mantidos no seu devido lugar.
De outro lado, aciona o pequeno time de psicólogos rebelados, que se
inscrevem entre os que recusam o lugar da psicologia como “dormente
ideológico” ou num lugar acrítico apenas como mais um recurso de domina‑
ção, buscando evidenciar que são nos próprios processos da vida social e
institucionais que se inscreve a produção das formas de subjetivação que
18 LUANE NEVES SANTOS
torna possível que uns e outros tenham seus scripts desenhados segundo o
grau de contingenciamento a que são submetidos pelas instituições sociais e
por estruturas injustas e injustificáveis.
E o faz cortando na própria carne. Primeiro, pela disposição de colocar
em questão os fazeres da sua própria profissão em xeque, já que biografica‑
mente teve vida profissional como psicóloga num estabelecimento hospitalar,
onde tinha entre sua clientela subcidadãos, e pôde vivenciar os modos como
as instituições tratam o tema da desigualdade: sem reconhecê-lo como tal.
Segundo, por sua disposição respeitosa de construção do trabalho empírico
junto a suas colegas, profissionais da Psicologia que se situam no fulcro da
estrutura desigual da sociedade brasileira, consubstanciado no espaço insti‑
tucional do SUAS, que é o locus do reconhecimento tardio da desigualdade
social como um problema não apenas dos que se encontram nas piores con‑
dições, mas, como questão estrutural, também necessita do engajamento do
Estado e da sociedade na sua superação.
Este trabalho contribui também para evidenciar as nossas lacunas teóri‑
cas; a necessidade de outras agendas de pesquisa que incluam os modos de
vida concretos de nossas populações de “desclassificados”. Mostra também o
quanto a formação e o preparo das nossas trabalhadoras psicólogas ainda se
encontram dissociados da realidade da vida da nossa gente e de nosso povo.
O quanto é profundo o abismo que nos separa das nossas clientelas, neste front
avançado, onde por mais evidente que a desigualdade se mostre, em todas as
suas facetas ela segue sendo ignorada como o fenômeno mais relevante.
Para mim, o livro fez refletir. As pessoas não são pobres porque ganham
pouco. Elas ganham pouco porque são pensadas como um tipo de gente que
não precisa de muito para viver. As pessoas não são desiguais porque são
pobres. As pessoas são pobres porque não são consideradas iguais, são pen‑
sadas como outra classe de humanidade. Gente que teima em se reproduzir a
despeito dos processos de negação histórica das suas existências.
O princípio da caminhada
A implicação, no campo das ciências humanas, pode ser então definida como
o engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em e por sua práxis cientí-
fica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passada e
atual nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sociopolítico em
ato, de tal modo que o investimento que resulte inevitavelmente de tudo isso
seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento.
pesquisa, que sofreu pelo menos três mudanças significativas até chegar aos
entrelaçamentos entre subjetividade e desigualdade social na vivência das
psicólogas no CRAS/SUAS. As leituras eram, por vezes, mobilizadoras e o
tema parecia delicado demais para ser enfrentado.
Hoje, percebo que estou completamente implicada nas pesquisas que
venho desenvolvendo, não só pela minha condição de psicóloga brasileira,
que vivencia a desigualdade social como uma realidade que a nenhum de nós
pode escapar, mas também pela maneira particular com que esse tema se
apresentou na minha história pessoal e familiar. Venho de uma família hu‑
milde que ascendeu socialmente ancorada na noção de que a união familiar,
associada a uma dedicação extrema ao estudo e trabalho, é central para o
crescimento das pessoas. Eu, particularmente, não vivi situações de pobreza
e privação, mas acompanhei desde cedo os relatos sobre as dificuldades e
humilhações vivenciadas por meus avós e a superação transgeracional empre‑
endida por meus pais e tios.
Do ponto de vista pessoal, apesar de não vivenciar a pobreza, pude ex‑
perienciar a desigualdade e as ressonâncias subjetivas dessa vivência. Duran‑
te minha infância, vivi em um bairro popular de Salvador e estudava perto de
minha residência. Nesse período, os contatos sociais eram restritos a esse ciclo
e, frente à condição econômica dos meus colegas, a minha casa parecia aos
meus olhos um castelo, o que fazia eu me sentir em uma posição de conforto
e distinção.
Com o passar dos anos e a priorização pelo ensino de qualidade como
um valor familiar, fui transferida de escola duas vezes, sendo esta última si‑
tuada num bairro de classe média alta de Salvador. Lembro-me do estranha‑
mento com o bairro, com a escola, com os hábitos e, sobretudo, com o modo
de tratamento entre as pessoas a partir da posição social que ocupavam. Entrei
em contato com uma realidade socioeconômica que eu não tinha parâmetros
para dimensionar, e percebi que, aos olhos de muitos, o meu “castelo” poderia
ser apenas um casebre.
Talvez por tais identificações, minha história profissional tenha sido
construída na assistência a populações vulneráveis socialmente, seja nos es‑
tágios que realizei em saúde mental e hospitalar no Sistema Único de Saúde
(SUS) durante a graduação em psicologia pela Universidade Federal da Bahia,
A PSICOLOGIA NA ASSISTÊNCIA SOCIAL 23