RASCUNHO DEPOIMENTOS jh
RASCUNHO DEPOIMENTOS jh
RASCUNHO DEPOIMENTOS jh
Foi um crime
chocante que impactou o país. João Hélio, de seis anos, foi
brutalmente arrastado por sete quilômetros pelas ruas do Rio de
Janeiro, após bandidos roubarem o carro de sua mãe enquanto ele
ainda estava preso ao cinto de segurança. Essa tragédia teve início
quando os criminosos abordaram a mãe de João, que estava com ele
e sua irmã mais velha no carro. Os criminosos expulsaram a mãe e a
irmã do veículo, mas João ficou preso ao cinto, e os bandidos
arrancaram o carro sem notar ou se importar com a presença da
criança. João foi arrastado por vários bairros, em um percurso que
terminou de forma trágica.
O caso começou a ser tratado na 30ª DP, passando pela 29ª e 28ª DP.
Dona Cristina, mãe de João Hélio, foi à 28ª DP. Minha irmã, que
morava na área, foi uma das primeiras a ver o corpo do garoto, o que
me chocou ainda mais, pois cresci ali e conhecia bem o local. Com o
avanço das investigações, conseguimos identificar rapidamente os
suspeitos, incluindo Diego, que morava a quinhentos metros do local
onde o corpo foi encontrado. A tragédia do caso de João Hélio ficou
marcada na minha memória. Embora tenha lidado com muitos casos
em meus trinta e dois anos de polícia, este me impactou
profundamente. Todos os policiais envolvidos estavam dedicados a
resolver o caso. Após algumas horas de trabalho intenso, obtivemos
várias pistas e, em menos de 48 horas, o pai de Diego apareceu na
delegacia, confirmando que seu filho estava envolvido. Ele estava
preocupado com a violência da comunidade contra sua família, que
estava sendo apedrejada. Essa preocupação levou a uma série de
eventos que culminaram na prisão dos suspeitos.
A investigação tornou-se um esforço conjunto, envolvendo policiais de
várias delegacias e até mesmo da polícia militar. Havia uma
determinação coletiva em solucionar o caso o mais rápido possível, e
todos estavam dispostos a sacrificar seu tempo e energia para
garantir que a justiça fosse feita. Este caso deixou uma marca em
todos nós. A dor pela perda de uma criança tão inocente nos uniu na
busca pela verdade e pela justiça. O impacto desse crime é algo que
não pode ser esquecido, e continuamos a lutar para que casos como
esse não se repitam.
O comandante do nono batalhão também estava presente, mas não
me recordo de seu nome. Nesse local, um orelhão em Madureira foi
fundamental para localizar o menor, Ezequiel. Diego e Tiago
abandonaram o corpo de João Hélio e deixaram o carro com Rosa
Cristina, sua mãe. Dentro do carro havia apenas uma nota de cinco
euros, que, para mim, simboliza o preço da vida de João Hélio. Após
deixarem o corpo, Diego e Ezequiel foram para Madureira, na Rua
Maria Freitas, conhecida por suas barracas. Eles trocaram os cinco
euros por dez reais e consumiram dois cachorros-quentes e duas latas
de refrigerante, o que, na minha visão, representa o preço da vida de
João Hélio, que teve um fim tão brutal.
Inicialmente, não tínhamos provas contra Tiago, que não confessou. À
medida que as investigações avançaram, ele acabou se
comprometendo. O táxi usado pelos cinco envolvidos — Carlos, Carlos
Eduardo, Ezequiel, Tiago e Carlos Roberto — era do pai de Carlos
Alberto, que o utilizava diariamente para trabalhar e foi chamado por
eles para participar do roubo, já que haviam participado de outros
assaltos em Madureira. Os dois foram os primeiros a serem presos e
levados à delegacia, onde começamos a investigação.
Fui à delegacia tratar de outro assunto com o doutor Hércules e, ao
saber do caso, disse que um dos rapazes estava mentindo. Não
lembro se era Carlos Eduardo ou outro, mas um deles estava na
delegacia alegando envolvimento com um táxi, tentando encobrir a
verdade. Informei ao doutor Hércules que tinha certeza de que isso
era uma tentativa de engano. Carlos Eduardo foi encontrado no Morro
da Congonha, uma comunidade em Madureira. Eles foram até lá para
pegar Carlos Eduardo e realizar o roubo. Quando ele percebeu que
tudo havia dado errado, voltou ao morro para criar um álibe. No
entanto, conseguimos quebrar essa versão. Ele alegou que não havia
saído do morro, mas conseguimos pegar o depoimento da namorada
dele, que confirmou que ele havia saído e voltado em um período
curto.
Os marginais são treinados para enganar, mas a verdade sempre
aparece. Um corpo arrastado por sete quilômetros fica extremamente
danificado. Aquela cena foi chocante para todos os envolvidos.
Aqueles que visualizaram o corpo, como Aldo, encontraram uma cena
difícil de lidar. Precisamos ser muito profissionais para não deixar que
isso nos afete e prejudique nosso trabalho. Acompanhei quase tudo.
Esse tipo de ocorrência nos machuca muito. Sou casado e meu
netinho se parecia muito com João Hélio, e em casa foi uma
choradeira só, pois todos o achavam parecido com meu neto. No
início, tive dificuldade em desenvolver meu trabalho; a voz estava
presa.
Nós, profissionais da polícia, sabemos que geralmente, quando uma
quadrilha aborda um carro e percebe que há uma criança, costuma
abortar a ação criminosa. Porém, nesse caso, não foi assim; eles
continuaram mesmo vendo que o garoto estava preso ao cinto.
Poderiam ter parado e jogado João Hélio para fora, como já aconteceu
em outros casos, mas não. Eles prosseguiram e tentaram se livrar do
corpo. Os motoristas que passavam pelo local e testemunharam a
cena ficaram respingados de sangue do garoto, o que foi um
momento extremamente chocante. As pessoas se aproximavam,
cheias de sangue. É algo que foge a todo entendimento.
Quando os envolvidos foram para o presídio, em questão de três ou
quatro dias, voltaram todos marcados, não porque tenham sido
agredidos, mas porque os próprios marginais do presídio não
aceitaram aquela conduta. Mesmo no mundo do crime, há um certo
respeito, e os marginais também têm família e filhos. Cabe a mim,
então, a difícil tarefa de colher o depoimento daquela mãe. O
cunhado dela, Gelson, marcou um encontro conosco. Fomos até a
residência dela, e ao chegarmos, era fora da delegacia. Fizemos
questão de estabelecer uma relação de intimidade, pois ninguém
queria entrar primeiro. Então, eu me ofereci para entrar. Minhas
primeiras palavras foram de pedido de desculpas, pois eu dizia que
noventa e nove por cento da dor era dela. Contudo, não podíamos
trazer de volta a vida do filho dela, e viemos para garantir que o um
por cento que restava não ficasse impune.
Estávamos lá eu, doutor Hércules, doutor Capotes, doutor Palácio e o
promotor doutor Márcio. Era como se todos estivessem em um estado
de choque. Quando sentei para abrir o notebook e preparar as
perguntas para a declaração, não consegui ter coragem de olhar para
ela. Rosa Cristina estava sentada à minha esquerda no sofá,
parecendo dopada. Pedi água e a empregada da casa me levou até a
cozinha. Fiquei sentado, suspirando para me recompor e tentar iniciar
a declaração, mas naquele momento, não conseguia pensar em como
fazer as perguntas que realmente precisávamos. O depoimento foi
interrompido várias vezes e foi muito difícil de realizar. Esse foi o
depoimento mais difícil da minha vida.
O grupo não invadiu a delegacia, mas a situação foi tão intensa que
não houve segurança suficiente. Pessoas influentes na época não
tomaram providências por causa da imprensa presente, incluindo
defensores públicos que tentavam proteger os autores. A revolta foi
imensa, e muitos se dirigiam a nós. Não podíamos deixar que isso
acontecesse, então conseguimos organizar um engarrafamento geral
naquela área. Nunca vi algo parecido. Ninguém reclamava, ninguém
buzinava, todos ficaram parados. À medida que avançávamos em
direção à perícia, a equipe da polícia era aplaudida. Fizemos o
percurso de Osvaldo Cruz a Cascadura, um trajeto longo de sete
quilômetros, parando e fazendo medições, e ninguém buzinou
durante o percurso. Fechamos o trânsito por completo, e isso foi um
fenômeno que repercutiu muito. As pessoas saíam de seus carros e
aplaudiam a polícia.