A Ciência do Direito e Thomas Kuhn
A Ciência do Direito e Thomas Kuhn
A Ciência do Direito e Thomas Kuhn
2 CONCEITO DE PARADIGMA
Em sua obra aqui estudada ele traz duas características que reputa
fundamentais ao paradigma: a primeira característica revela modelos construídos a
partir de pesquisas bem sucedidas, as quais, por seus resultados e conquistas,
conseguem convencer e atrair um grupo duradouro de novos adeptos, afastando-os
de outras formas de atividades científicas diferentes; em segundo lugar, paradigma é
algo consensualmente aceito como um padrão que se mostra apto a resolver todo e
qualquer problema que eventualmente venha desafiar o grupo de praticantes
daquela ciência.
3 CIÊNCIA NORMAL
Com isso, de início ele relaciona a ideia de ciência normal com a ideia de
quebra-cabeças, ensinando-nos, com essa ilustração, como se dá o processo de
resolução de problemas pela ciência normal, que se traduz em encaixar de forma
bem-sucedida2 cada peça do jogo com observância das regras postas pelos adeptos
do paradigma dominante e sem chance para sua alteração ou inovação3.
É por isso que Kunh (1998, p. 91) vai dizer que “essa profissionalização leva
a uma imensa restrição da visão do cientista e a uma resistência considerável à
mudança de paradigma. A ciência torna-se sempre mais rígida.”
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(KUHN, 1998, p. 177), “Aliás, no capítulo A Invisibilidade das Revoluções Científicas, Kuhn
traz o seguinte: “Sendo os manuais veículos pedagógicos destinados a perpetuar a ciência
normal, devem ser parcial ou totalmente reescritos toda vez que a linguagem, a estrutura
dos problemas ou as normas da ciência normal se modifique. Em suma, precisam ser
reescritos imediatamente após cada revolução científica e, uma vez reescritos, dissimulam
inevitavelmente não só o papel desempenhado, mas também a própria existência das
revoluções que os produziram [...] Deste modo, os manuais começam truncando a
compreensão do cientista a respeito da história de sua própria disciplina e em seguida
fornecem um substituto para aquilo que eliminaram.”
2
(KUHN, 1998, p. 58) “Pelo menos para os cientistas, os resultados obtidos pela pesquisa
normal são significativos porque contribuem para aumentar o alcance e a precisão com os
quais o paradigma pode ser aplicado.”
3
(KUHN, 1998, p. 58) “[...] o objetivo da ciência normal não consiste em descobrir novidades
substantivas de importância capital [...]”.
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4 ANOMALIAS
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KUHN,, op. cit., p. 92 “Quanto maiores forem a precisão e o alcance de um paradigma,
tanto mais sensível este será como indicador de anomalias e, consequentemente de uma
ocasião para a mudança de paradigma.”
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É por isso que Thomas Kuhn (1998, p. 112) sugere que “para uma anomalia
originar uma crise, deve ser algo mais do que uma simples anomalia.” Para a
eclosão de uma crise, antepasso do novo paradigma, deve ser algo que escape às
dificuldades normais de adequação entre o paradigma e o problema a resolver, por
exemplo. Na verdade, uma anomalia não passa de algo que ao fim e ao cabo não
resiste a uma análise mais aprofundada, sucumbindo-se ao processo normal de
encaixe das peças do quebra-cabeça.
5 CRISES
que gera uma certa perplexidade no cientista, criando assim um ambiente especial e
impulsionador5 para fazer prosperar novas descobertas.
5
(KUHN, 1998, p. 54) “Emergem apenas em ocasiões especiais, geradas pelo avanço da
ciência normal.”
6
Aula ministrada pelos professores Rodolfo Pamplona Filho e Nelson Cerqueira, na
disciplina Metodologia da Pesquisa em Direito, no Mestrado em Direito da Universidade
Federal da Bahia, em 23 ago. 2016.*
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É claro, todavia, que o resultado final desse embate de forças para a eleição
do paradigma dominante, embora beneficie a sociedade, não culminará em
manchetes de jornais e revistas ou necessariamente vai ensejar uma chamada em
cadeia nacional de rádio e televisão; talvez de início no máximo uma publicação
numa revista científica de renome e quem sabe depois um prêmio nobel, desses que
bem poucos de fora da academia tomam conhecimento. Conforme afirmou Kuhn
(1998, p. 145),
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Além de basear-se Kuhn, essa reflexão do prof. Cerqueira também encontra assento em
Paul Feyrabend (2007, p. 48) “Como descobrir a espécie de mundo que pressupomos, ao
agir como agimos? A resposta é clara: não podemos descobri-lo a partir de dentro.
Necessitamos de um padrão externo de crítica, necessitamos de um conjunto de
pressupostos alternativos [...].”
De igual forma o Prof. Cerqueira inspirou-se em Karl Popper (2004, p. 21), para quem “é o
cientista “não normal”, o cientista ousado, que abre as janelas e deixa entrar o ar fresco, que
não pensa sobre a impressão que causa, mas que tenta ser bem entendido.”
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Thomas Kunh (1998, p. 31) vai lembrar que os estudos sobre óptica física
antes de Isaque Newton eram extremamente desorganizados, assentados que
estavam em um apanhado de soluções individuais desprovidas de “um conjunto-
padrão de métodos ou de fenômenos que todos os estudiosos da óptica se
sentissem forçados a empregar e explicar.” Destaca que situações como esta são
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(WILBER, 1998, p. 29-30) “Esse “teorismo” também significa que a ciência era
presumivelmente arbitrária (ela seria o resultado não da evidência real mas de uma
estrutura de poder imposta), relativa (ela não revelaria nada de verdadeiram ente constante
na realidade, mas simplesmente coisas relativas à imposição científica do poder);
socialmente construída (não seria um mapa correspondente a uma realidade verdadeira,
mas uma construção baseada em convenções sociais), interpretativa (ela não revelaria nada
de fundamental sobre a realidade, mas seria simplesmente uma entre as muitas
interpretações do texto do mundo), carregada de poder (ela não se basearia em fato
neutros; ela não seria dominada por fato, mas simplesmente dominaria as pessoas,
geralmente por motivos etnocêntricos e androcêntricos); e não progressista (uma vez que a
ciência procede de rupturas e de quebras, não poderia haver progresso cumulativo em
nenhuma das ciências). Kuhn não confirmava nenhuma dessas visões”
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(WILBER, 1998, p. 31) “Essa espalhafatosa má intepretação de Kuhn tirou de cena as
provas da verdade, e todos os projetos egocêntricos imagináveis correram para ocupar o
vazio. A ciência foi reduzida a entulho ou, mais precisamente, a poesia.”
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(LIMA FILHO, 2016, p. 9) “A lógica das ciências sociais não é igual à lógica das ciências
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naturais. Leocádio.”
13
(KUHN, 1998, p. 225) “Para os nossos propósitos atuais, sugiro “matriz disciplinar”:
“disciplinar” porque se refere a uma posse comum aos praticantes de uma disciplina
particular; “matriz” porque é composta de elementos ordenados de várias espécies, cada um
deles exigindo uma determinação mais pormenorizada.”
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De qualquer sorte, o velho modelo hoje não vale mais para tudo, eis que de
outro lado já entrou no radar da jurisprudência o “paradigma” da juridicidade (ainda
princípio da juridicidade), algo mais amplo que o paradigma da legalidade, dado que
as discussões postas a acertamento ao Estado-juiz não mais se limitam à fria
legalidade, sendo – em grande parte - amplificadas em prestígio à força normativa
da Constituição.
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(BINENBOJM, 2008, p. 36-37) “Tal postura científica assenta na superação do dogma da
imprescindibilidade da lei para mediar a relação entre a Constituição e a Administração
Pública. Com efeito, em vez de a eficácia operativa das normas constitucionais –
especialmente as instituidoras de princípios e definidoras de direitos fundamentais –
depender sempre de lei para vincular o administrador, tem-se hoje a Constituição como
fundamento primeiro do agir administrativo.”
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“No Recurso Especial nº 1001673, o STJ assim decidiu “[...] 4. Cabe ao Poder Judiciário,
no Estado Democrático de Direito, zelar, quando provocado, para que o administrador atue
nos limites da juridicidade, competência que não se resume ao exame dos aspectos formais
do ato, mas vai além, abrangendo a aferição da compatibilidade de seu conteúdo com os
princípios constitucionais, como proporcionalidade e razoabilidade.”
“No mesmo sentido, no Mandado de Segurança nº 26.849, o STF pontuou que “[...]A rigor,
nos últimos anos viu-se emergir no pensamento jurídico nacional o princípio constitucional
da juridicidade, que repudia pretensas diferenças estruturais entre ato de poder, pugnando
pela sua categorização segundo os diferentes graus de vinculação ao direito, definidos não
apenas à luz do relato normativo incidente na hipótese, senão também a partir das
capacidades institucionais dos agentes públicos envolvidos.”
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(VIANNA, p. 576) “Os defensores desta posição consideram que a extensão da eficácia
dos direitos fundamentais às relações privadas, além de desnecessária, seria contrária à
própria natureza e ao âmbito de aplicação desses direitos, constituindo gravíssima ameaça
à autonomia privada, capaz de destruir a identidade do direito privado, além de conferir
exagerado poder aos juízes em detrimento do legislador democrático”.
18
(ABRANTES, 2005, p. 74-75) “a ideia de que os direitos e liberdades fundamentais se
impõem aos cidadãos nas suas relações interprivadas, constituindo um limite à autonomia
negocial, é originária da Alemanha. Já aflorada no domínio da Constituição de Weimar [...]
veio mesmo a transformar-se num “tema-paradigma” do Direito Constitucional e do Direito
do Trabalho nas décadas de 50 e 60.”
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A propósito, válido trazer aqui antes dos julgados, por sua pertinência com o
tema em foco, o magistério de Luciano Martinez (2013, p. 139) ao abordar o alcance
da proteção constitucional à liberdade sindical, nos seguintes termos:
E arremata o professor (2013, p. 140): “Quem, enfim pode negar que esses
atos jurídicos estão submetidos ao dever de conformação aos parâmetros fornecidos
pelas normas de direitos fundamentais?”
Portanto, à luz desse caso, pareceria cabível admitir a eficácia dos direitos
fundamentais entre particulares, inclusive nas relações laborais privadas, hipótese
em que um cidadão pode aferir se um determinado contrato – independentemente
de qualquer legislação mediadora – ofende ou não o texto Maior.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BILBAO UBILLOS, Juan María. Em qué medida vinculan a los particulares los
derechos fundamentales? In SARLET, Ingo Wolfgang (org) Constituição, direitos
fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 299-
338.
WILBER, Ken. A União da Alma e dos Sentidos. Tradução Afonso Teixeira Filho.
São Paulo: Cultrix, 1998.