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Formação docente

e educação inclusiva:
perspectivas e desafios
atuais
Douglas Manoel Antônio de Abreu Pestana dos Santos
Eurico Fiame Rodrigues

1
Cadernos de Estágio Vol. 5 n.1 - 2023 29
Resumo: Este artigo científico aborda a temática da formação docente no contexto da
Educação Inclusiva, explorando perspectivas e desafios contemporâneos. A inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares tem se tornado
uma pauta central na agenda educacional global. Nesse contexto, a formação adequada
dos docentes é crucial para garantir uma prática pedagógica inclusiva efetiva. O artigo
discute estratégias e abordagens atuais na formação de professores para atuarem em am-
bientes inclusivos, enfatizando a importância da sensibilização, competências específicas
e práticas pedagógicas inclusivas. Ademais, são apresentadas reflexões sobre os desafios
enfrentados pelos docentes e as demandas emergentes para aprimorar a formação e pro-
mover uma educação inclusiva de qualidade.

Palavras-chave: Formação Docente; Educação Inclusiva; Prática Pedagógica; Competên-


cias; Desafios.

Abstract: This scientific article addresses teacher education in the context of Inclusive Edu-
cation, exploring current perspectives and challenges. The inclusion of students with special
educational needs in regular schools has become a central issue on the global educational
agenda. In this context, adequate teacher training is crucial to ensure effective inclusive
pedagogical practice. The article discusses current strategies and approaches in teacher
education to work in inclusive environments, emphasizing the importance of awareness,
specific competencies, and inclusive pedagogical practices. Furthermore, reflections on the
challenges faced by teachers and emerging demands to enhance education and promote
quality inclusive education are presented.

Keywords: Teacher Education; Inclusive Education; Pedagogical Practice; Competencies;


Challenges.

Primeiras considerações
A Educação Inclusiva é um princípio que busca garantir a igualdade de oportunidades
educacionais para todos, incluindo aqueles com necessidades educacionais especiais.
Este artigo aborda a relação intrínseca entre a formação docente e a efetivação da Educa-
ção Inclusiva. A formação adequada dos docentes é fundamental para assegurar práticas
pedagógicas inclusivas eficazes, tornando-se um elemento crucial para o sucesso da inclu-
são de alunos com diversidade de necessidades no ambiente escolar.
Carneiro (2012, p. 9) nos ensina que:

Construir uma escola diferente implica um compromisso prioritário com a trans-


formação do modelo tradicional de formação de professores. É preciso ter co-
erência entre o que os educadores aprendem e o que queremos que ensinem.
Precisamos, dessa forma, promover discussões e possibilitar a construção de
parcerias entre a pesquisa científica e as práticas inclusivas. (Carneiro, 2012)

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A Educação Inclusiva representa uma mudança de paradigma no sistema educacional,
visando a integração plena de todos os alunos, independentemente de suas características
e necessidades. Esse modelo exige adaptações na forma de ensinar e aprender, promo-
vendo a diversidade e a igualdade de oportunidades no contexto educacional.
A formação docente é um pilar central na promoção da Educação Inclusiva. Professores
bem treinados e atualizados são essenciais para criar ambientes inclusivos e acolhedores.
A capacitação deve abordar não apenas conhecimentos teóricos, mas também competên-
cias socioemocionais e práticas pedagógicas inovadoras.
Uma verdade precisa ser dita: A área acadêmica da educação foi profundamente impac-
tada pelas transformações científicas e sociais que marcaram o final do século passado.
Globalmente, conceitos e paradigmas teóricos tradicionalmente considerados como a base
estável da educação formal enfrentaram uma crise de credibilidade, levando à introdução
de novas vozes e convicções no universo acadêmico da educação e em todas as áreas a
ela relacionadas de alguma forma.
Eventos como o ressurgimento de concepções sociointeracionistas da mente, silencia-
das por cerca de um século devido à ameaça que representavam para os alicerces da
sociedade moderna, e o surgimento de estudos que buscavam superar as limitações do
pensamento estruturalista, trouxeram transformações no perfil epistemológico do campo da
educação. Essas transformações ainda não foram completamente absorvidas pelos outros
segmentos da cultura científica.
Paradoxalmente, dentro dessa área, houve um prejuízo substantivo para as especiali-
zações acadêmicas ligadas à educação formal, especialmente no que se refere ao ensi-
no, associado a práticas escolares diretamente determinadas pelos valores da sociedade
industrial. O domínio acadêmico do ensino acabou se dissipando diante do que pode ser
chamado de preconceito contra o tecnicismo, em grande parte justificado por fatores sub-
jacentes. No entanto, a enorme lacuna entre os fatores que caracterizam o ensino como
objeto de preconceito e sua centralidade no processo de formação de professores justifica
sua recuperação, tanto do ponto de vista acadêmico quanto em relação à sua posição nos
currículos de formação de professores.
Além de outras justificativas, o que torna mais urgente a retomada dos estudos sobre o
ensino na sociedade brasileira contemporânea é o estado da educação formal (especial-
mente nas escolas públicas) diante da opinião pública. Assistimos ao ressurgimento, não
sem causar perplexidade, do mito do fracasso escolar resultante de patologias. Assim, res-
surge a medicalização do fracasso, exatamente a situação que foi objetivamente buscada
superar nos primeiros movimentos para subverter a educação tecnicista no século passado.
Este trabalho problematiza a situação atual dos professores diante da demanda por uma
educação comprometida com a inclusão social. Seu objetivo fundamental é caracterizar as
lacunas na formação do pessoal docente que têm levado à perpetuação do estado de fra-
casso escolar no país. Inicialmente, o texto apresenta argumentos para uma definição do

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conceito de fracasso escolar como vinculado a um processo social que impõe a exclusão
de certos segmentos da população, historicamente sujeitos à situação de marginalidade.
Esses argumentos visam anular, ou pelo menos enfraquecer, a concepção pública de
que o fracasso escolar constitui uma categoria natural cuja adoção pode ser considerada
parte de alguma predisposição ou anomalia geradora da condição de excluído. Em segui-
da, o texto retoma a questão da formação de professores, analisando as causas recentes
do preconceito contra o tecnicismo e o ensino, bem como as consequências objetivas para
a educação inclusiva da descontinuidade do interesse sobre o ensino. Finalmente, situa o
papel do professor na sociedade pós-industrial contemporânea, delineando, com base nos
objetivos da educação formal, a esfera de conhecimentos específicos que devem ser con-
siderados nos currículos das licenciaturas.

A inclusão e o fracasso escolar: de quem é a culpa?


Mendes (2002, p.79) nos traz uma importante reflexão ao dizer que:

[....] o professor da classe regular deve assumir a responsabilidade


pela educação de todos os seus alunos, tentando todas as estratégias
de ensino necessárias e possíveis antes de enviar qualquer aluno para
um programa mais segregado de ensino especial. (Grifo do autor)

A noção de “fracasso escolar” continua sendo um tema complexo e pouco definido na


literatura acadêmica. A falta de uma definição adequada decorre, em parte, do fato de que,
em nenhuma ciência, uma categoria que se baseia na frustração e na negação em si é
considerada um aparato teórico adequado. Teoricamente, o fracasso escolar é apenas
a negação da educação formal e nada mais, resumindo-se à definição genérica de “não
aprendizagem”. A partir desse ponto, encontram-se inúmeros estudos sobre os famosos
problemas de aprendizagem, baseados em uma lista de distúrbios cognitivos devidamente
categorizados na ordem da ciência. No entanto, a falta de clareza na noção de fracasso
escolar e a incorporação de diversos distúrbios de aprendizagem à cultura da educação
levam a uma situação prejudicial.
A maioria dos estudos sobre os distúrbios de aprendizagem parte do pressuposto de que
existem conteúdos escolares que devem ser ensinados e aprendidos, e que esses conte-
údos são a matéria e a finalidade da educação formal. Isso levanta questões polêmicas,
como qual quantidade de aprendizagem pode ser considerada satisfatória para não identifi-
car uma situação de fracasso escolar. Até que ponto um aluno deve ser capaz de expressar
o conteúdo programático nos instrumentos de avaliação para não ser considerado um fra-
cassado escolar? Um aluno que tirou notas cinco ou seis em todas as disciplinas ao longo
de sua trajetória escolar é um fracassado escolar? E o que dizer de outro que sempre tirou
10 em Língua Portuguesa e 2 em Matemática, obtendo uma média de 6 quando se calcula
a média das duas disciplinas?
Para nós, da área da educação, o fracasso escolar definitivamente não está relacionado

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apenas à não aprendizagem dos conteúdos programáticos, embora isso possa contribuir
para sua identificação em certas circunstâncias. Nas reuniões de Conselho de Classe, a
conduta socioafetiva do aluno muitas vezes tem mais peso na identificação do fracasso
escolar do que o desempenho nas provas. Um aluno que tira 10 em Língua Portuguesa e
2 em Matemática pode ser isento do rótulo de fracassado escolar se for reconhecido como
alguém que apresenta traços de socialização que atendam às expectativas da comunidade
escolar. No entanto, outro aluno com notas idênticas pode ser rotulado como fracassado se
sua conduta social não atender a essas expectativas. Nesse caso, os distúrbios de compor-
tamento são evocados como causas do fracasso.
No entanto, a definição de distúrbios de comportamento também é relativa. Normal-
mente, são rotulados como distúrbios apenas os casos de condutas que afetam a atenção
concentrada ou interferem na estabilidade da aula, causando algum tipo de desordem.
Dificilmente são considerados distúrbios de comportamento casos de sujeitos psicóticos,
perversos e antissociais, pois, de fato, esses comportamentos não afetam a aprendizagem,
a menos que representem uma ameaça à integridade física dos outros. Em última análise,
é difícil definir o fracasso escolar com base nos distúrbios que têm sido utilizados para
explicá-lo, pois a escola lida com padrões de tolerância que ultrapassam o conhecimento
científico que descreve os distúrbios por si mesmos.
O emprego do conhecimento científico pela escola, ao explicar comportamentos de fra-
casso, não está isento de alguma intenção de banir, seja para resgatar a normalidade do
contexto escolar ou para excluir o indesejável, ou ambos. Existe uma margem de tolerância
em que se separam os desejáveis dos indesejáveis, os redimíveis dos insuportáveis. Em
geral, os alunos caracterizados como sujeitos do fracasso escolar são, invariavelmente, os
indesejáveis e os insuportáveis. Os demais são tratados como bem-sucedidos ou como
apresentando traços peculiares que devem ser levados em conta no processo de avaliação.
A ambiguidade latente na noção de fracasso escolar, compartilhada por sujeitos sociais
dentro e fora da escola, permanece mesmo após a chamada internacional por uma educa-
ção inclusiva, ética e formalmente comprometida com a meta de acolher, por meio da es-
colarização, os sujeitos historicamente marginalizados. Embora a educação inclusiva tenha
motivações centradas na inclusão geral dos sujeitos sociais, foi absorvida de imediato pela
cultura da educação, erroneamente, como educação especial. A educação inclusiva ganhou
destaque na área de educação especial como um marco no processo de desinterdição do
aluno com deficiência e sua integração ao mundo comum.
No entanto, ao restringir os limites da educação inclusiva à questão da integração social
dos alunos com deficiência, permitiu-se que a escola adentrasse a era da inclusão sem pre-
cisar desconstruir os valores que segregam e excluem o indivíduo no cotidiano de uma ex-
periência em que nunca conseguem superar os limites do intolerável, do fracasso iminente.
O outro lado da educação inclusiva, comprometido com a formação escolar dos sujeitos
em demanda por inclusão social, permanece intocado até hoje. A margem de tolerância

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para as diferenças intelectuais e sociais.
A questão do fracasso escolar não pode ser atribuída exclusivamente a um único agente,
seja o aluno ou o professor. É um fenômeno complexo que envolve uma série de fatores
interligados, incluindo o ambiente socioeconômico, o sistema educacional, as políticas edu-
cacionais, a qualidade do ensino, a motivação do aluno, o suporte familiar, entre outros.
Aluno: O aluno desempenha um papel crucial no seu próprio processo de aprendizagem.
Sua motivação, esforço, dedicação aos estudos e interesse nas disciplinas são fatores
determinantes para o seu sucesso acadêmico. Se o aluno não se empenha, não participa
das aulas, não faz as tarefas ou não estuda, é provável que seu desempenho seja afetado.
Professor: Os professores desempenham um papel fundamental na educação dos alu-
nos. Eles são responsáveis por transmitir o conteúdo de forma clara e eficaz, motivar os
alunos, fornecer suporte, orientação e feedback construtivo. Um professor bem preparado,
engajado e comprometido pode fazer uma grande diferença no desempenho e na motiva-
ção dos alunos.
Ambiente Socioeconômico: O ambiente em que o aluno vive, sua situação socioeconô-
mica, acesso a recursos educacionais e oportunidades desempenham um papel significati-
vo no desempenho acadêmico. Alunos que enfrentam desafios socioeconômicos podem ter
mais dificuldades para se concentrar nos estudos e alcançar bons resultados.
Sistema Educacional: A estrutura e qualidade do sistema educacional, incluindo o currí-
culo, métodos de ensino, avaliação e recursos disponíveis, têm um impacto direto no de-
sempenho dos alunos. Um sistema educacional bem projetado e eficiente pode motivar os
alunos e facilitar o aprendizado.
Políticas Educacionais: As políticas governamentais e escolares também influenciam o
desempenho dos alunos. Investimentos em educação, políticas de inclusão, programas de
suporte ao estudante e iniciativas para melhorar a qualidade do ensino podem afetar posi-
tivamente o sucesso acadêmico.
Apoio Familiar: O apoio e envolvimento dos pais ou responsáveis na educação dos alu-
nos são cruciais. A família desempenha um papel importante na motivação, na criação de
um ambiente propício para os estudos e no estímulo ao interesse pela aprendizagem.
Recursos e Infraestrutura Escolar: A qualidade dos recursos e da infraestrutura da es-
cola, incluindo bibliotecas, laboratórios, salas de aula adequadas e acesso à tecnologia,
também pode afetar a experiência educacional dos alunos.
Portanto, a responsabilidade pelo sucesso acadêmico não pode ser colocada exclusi-
vamente em um único ator, como aluno ou professor. É necessário considerar uma abor-
dagem holística, levando em conta todos os fatores mencionados e buscar soluções inte-
gradas que melhorem a qualidade da educação e promovam um ambiente propício para o
aprendizado e o desenvolvimento dos alunos.
É justo considerar ainda, a importância da qualidade das relações interpessoais para o
desenvolvimento e aprendizagem na infância, como discutido pelos autores citados, traz à

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tona um aspecto crucial da educação: a interação social no ambiente escolar. Fica evidente
que não se trata apenas de transmitir conteúdo, mas de criar um ambiente propício para
o desenvolvimento das habilidades sociais e emocionais dos alunos, fundamentais para o
seu ajustamento escolar e desenvolvimento como indivíduos.
A relação entre as habilidades sociais e o desempenho acadêmico é um ponto de des-
taque. Não é suficiente apenas focar no ensino de matérias e conceitos; é igualmente vital
investir na formação de habilidades sociais, que são, afinal, a base para a integração efe-
tiva dos alunos na sociedade. As relações interpessoais, tanto com os professores quanto
com os colegas, desempenham um papel crucial nesse processo.
As habilidades sociais educativas dos professores emergem como uma peça-chave nes-
se contexto. São elas que podem promover um ambiente propício ao desenvolvimento das
habilidades sociais dos alunos, além de criar uma atmosfera positiva e facilitadora para a
aprendizagem. Portanto, a formação dos educadores, no que diz respeito a habilidades
sociais, deve ser uma prioridade, permitindo-lhes interagir de maneira construtiva com seus
alunos.
É preciso ainda considerar que a melhora nas habilidades sociais dos professores im-
pacta diretamente na qualidade da interação com os alunos. Professores mais hábeis so-
cialmente estão mais bem preparados para promover um ambiente inclusivo e positivo, o
que pode, por sua vez, melhorar o desempenho acadêmico dos alunos.
A interseção entre habilidades sociais, desempenho acadêmico e inclusão demanda uma
análise mais profunda e um compromisso constante para garantir um ambiente educacional
eficaz.
Portanto, a promoção de habilidades sociais não deve ser vista como uma tarefa adicio-
nal na educação, mas sim como uma parte intrínseca e integrante do processo educacio-
nal. Isso implica em uma mudança de paradigma, na qual a formação do professor não é
apenas sobre conhecimento acadêmico, mas sobre como criar um ambiente socialmente
rico e educativamente eficaz.
A qualidade das relações interpessoais não pode ser subestimada, pois é um fator crítico
para o sucesso educacional e pessoal dos indivíduos desde a infância até a vida adulta.
Apesar da importância destacada das habilidades sociais e da qualidade das relações in-
terpessoais no ambiente educacional, há uma série de desafios e problemas atuais que
podem comprometer esse ideal. É fundamental reconhecer e abordar essas questões para
avançar na promoção de um ambiente educacional mais inclusivo e propício ao desenvol-
vimento integral dos estudantes.
Tecnologia e Isolamento Social: O avanço da tecnologia e a proliferação das redes so-
ciais têm alterado a forma como as pessoas interagem, especialmente os jovens. Muitos
alunos estão cada vez mais imersos em seus dispositivos eletrônicos, o que pode levar ao
isolamento social e prejudicar o desenvolvimento das habilidades sociais essenciais para a
vida em sociedade.

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Bullying e Cyberbullying: O bullying, seja presencial ou virtual (cyberbullying), continua
sendo um problema sério nas escolas. O ambiente escolar, que deveria ser seguro e aco-
lhedor, muitas vezes se torna um lugar onde os estudantes enfrentam intimidação e discri-
minação, o que afeta negativamente suas habilidades sociais, autoestima e desempenho
acadêmico.
Desigualdade de Acesso à Educação: A desigualdade no acesso à educação de qualida-
de persiste em muitas partes do mundo. Alunos de comunidades marginalizadas enfrentam
barreiras significativas para receber uma educação de qualidade, o que limita suas oportu-
nidades de desenvolvimento de habilidades sociais e acadêmicas.
Inclusão e Diversidade: A diversidade de habilidades, necessidades e origens dos alunos
requer abordagens pedagógicas inclusivas e culturalmente sensíveis. No entanto, a falta de
recursos, treinamento e compreensão adequados por parte dos educadores pode resultar
em uma inclusão inadequada e prejudicar as interações sociais.
Pandemia e Ensino Remoto: A pandemia de COVID-19 levou a um aumento do ensino
remoto e da aprendizagem online. Embora essas modalidades tenham sido necessárias
para manter a continuidade educacional, muitos alunos perderam a interação presencial e
as oportunidades de desenvolver habilidades sociais essenciais.
Para superar esses desafios, é crucial que educadores, famílias, comunidades e políticas
educacionais trabalhem de forma colaborativa. Isso envolve a promoção de um equilíbrio
saudável entre o uso da tecnologia e a interação social, a implementação de programas de
prevenção ao bullying, o investimento em formação contínua para os professores e a cria-
ção de ambientes educacionais inclusivos e culturalmente sensíveis. É apenas abordando
esses desafios de frente que podemos verdadeiramente promover a importância das habi-
lidades sociais e das relações interpessoais para o desenvolvimento e a aprendizagem na
infância.

E a inclusão?
É preciso concordar que para:

[....] garantir maior equidade, desenvolvendo no ser humano valores


e atitudes de solidariedade, respeito e colaboração, assegurando,
assim, às pessoas com deficiência e total participação na socieda-
de, deve-se tornar prioridade para se alcançar uma sociedade mais
justa, integrada e democrática (Roth, 2006, p.114 Grifos do autor).

A tensão entre as margens de tolerabilidade da escola e o aluno, entendido como um du-


plo indivíduo-família, se manifesta de maneira evidente no processo de alfabetização. Esta
tensão é exacerbada pela presença generalizada de analfabetos e analfabetos funcionais,
um fenômeno que persiste mesmo após a implementação de práticas de ensino motivadas
pela inclusão das diferenças histórico-culturais e pela busca pela construção da escrita a
partir da compreensão de sua estrutura e função no contexto comunicativo.

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Durante o processo de alfabetização, parece haver uma diminuição do espaço para a
consideração de aspectos subjetivos na avaliação do aluno. Seu desempenho, em última
instância, é julgado com base no comportamento que apresenta no uso da escrita. Nesse
estágio, as dificuldades de aprendizado são frequentemente atribuídas à incompetência do
professor ou à suposta incapacidade do aluno, seja por imaturidade ou por algum tipo de
distúrbio intelectual ou comportamental.
No entanto, a aparente facilidade em julgar o sucesso ou fracasso na alfabetização pode
ocultar fatores mais complexos que vão além das habilidades do professor ou dos distúr-
bios de desenvolvimento. O custo da alfabetização, vivenciado pelos professores diante de
seus alunos, parece ser uma construção acadêmico-social. Esta construção está relaciona-
da aos fatores que perpetuam a ambiguidade nos parâmetros indicadores da condição de
fracasso escolar.
É importante destacar que a maioria dos sujeitos em situação de fracasso na alfabeti-
zação está entre aqueles que necessitam de inclusão, originários de diversas formas de
marginalidade. Essa observação nos leva a refletir sobre duas hipóteses insustentáveis: ou
a maioria dos professores que trabalham em contextos de educação inclusiva não possui
formação adequada, ou há uma quantidade significativa de brasileiros em situação de mar-
ginalidade que apresenta graves distúrbios de aprendizagem.
É mais plausível propor a hipótese de que o custo da alfabetização, que aflige muitos
professores diante de seus alunos, seja uma construção acadêmico-social. Isso é explicado
pelos mesmos fatores que perpetuam a ambiguidade nos parâmetros que indicam a condi-
ção de fracasso escolar. Essa ambiguidade também está relacionada à intolerância ao du-
plo familiar do aluno, cuja cultura vê na produção da escrita uma violência aos seus valores
e formas de pensamento. A escola, ao não compreender e não considerar essa perspectiva
cultural, perpetua essa violência.
A escrita não é simplesmente a união de letras conforme um código que associa letras a
sons. Também não é resultado de uma dedução lógica de uma estrutura que transpõe a fala
para a escrita. Fala e escrita são fenômenos linguísticos distintos e controlados por meca-
nismos mentais igualmente distintos. A comunicação falada permite o uso de mecanismos
narrativos, com baixo planejamento e controle lógico-sequencial nas relações de coerência.
Já a escrita exige mecanismos mentais ditos científicos, com alto planejamento e elevado
controle lógico-sequencial nas relações de coerência.
Os sujeitos de culturas que valorizam menos o modo científico de pensamento tendem a
enfrentar dificuldades na alfabetização, já que seus mecanismos mentais levam à constru-
ção de um código que não é reconhecido pelas regras canônicas do código escrito formal.
Isso não é um distúrbio de aprendizagem, mas muitas vezes é interpretado como tal, pena-
lizando tanto o indivíduo quanto sua cultura.
A zona de ambiguidade na crença em uma categoria de fracasso escolar esconde uma
zona de conhecimento que não tem sido desejada. Reflete a condição cognitiva daqueles

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que a cultura moderna não deseja emancipar. A normatização da educação contemporânea
não é derivada de expedientes do cotidiano social, mas sim da normatividade do pensa-
mento acadêmico. Esta impõe padrões de normalidade subjetiva que discriminam o que é
considerado certo ou errado, senso comum ou contrassenso, sujeito cognitivo ou sujeito
deficiente. É nessa normatividade que está a estagnação da educação para a inclusão
social.
Os sujeitos que não se enquadram na normalidade da razão moderna são considerados
impossíveis de aprender na literatura que forma os professores. Isso faz com que, espe-
cialmente na alfabetização, as produções gráficas dos alunos sejam vistas como anomalias
ou anormalidades intelectuais. Assim, o professor, mesmo diante do custo do fracasso do
aluno, muitas vezes interdita o aluno como anômalo, contribuindo para a perpetuação dos
mecanismos de banimento.
A tensão entre as margens de tolerabilidade da escola e o aluno como duplo indivíduo-fa-
mília é um fenômeno complexo que se manifesta de maneira acentuada durante o processo
de alfabetização. Este fenômeno está relacionado à persistência do fracasso escolar, mes-
mo com o advento de práticas de ensino orientadas pela inclusão das diferenças histórico-
-culturais. O custo da alfabetização, vivenciado por muitos professores, é uma construção
acadêmico-social relacionada a fatores complexos que vão além das habilidades do profes-
sor e dos distúrbios de desenvolvimento. A compreensão da escrita não deve ser reduzida
a simples códigos, e é fundamental levar em consideração as perspectivas culturais dos
alunos. Para avançar na educação inclusiva, é necessário superar essas.
As salas de aula continuaram a enfrentar desafios. Os professores, muitas vezes, sen-
tem uma incapacidade em ensinar efetivamente e, assim, acabam adotando um papel mais
próximo ao de tutores sociais. Eles acreditam que não serão capazes de transmitir conhe-
cimento suficiente aos alunos e, por isso, direcionam seus esforços para a formação de
hábitos sociais e valores, resultando em uma educação formal um tanto desviada e, por
vezes, frustrante para ambas as partes envolvidas.
Nos anos 2000, impulsionada por mudanças nas diretrizes legais para a formação de
professores, a comunidade acadêmica teve a oportunidade de corrigir as lacunas deixadas
pela abordagem tecnicista do século anterior. No entanto, as discussões sobre questões
práticas como a duração dos cursos, regime e carga horária de estágios, muitas vezes,
ofuscaram a discussão essencial sobre o conhecimento necessário para os professores se
tornarem agentes de uma educação inclusiva.
A compreensão de que uma formação estritamente técnica é prejudicial não é suficien-
te para entender a função do magistério como detentor de conhecimentos específicos. A
educação negligenciou o ensino como objeto de investigação e, ao torná-lo subsidiário,
também negligenciou o estudo teórico sobre as condições de aprendizagem em contextos
nos quais os sujeitos apresentam modelos cognitivos diversos. Como resultado, temos
professores conscientes de seu papel social e abertos ao diálogo, mas despreparados para

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serem agentes de educação formal.
A falta de preparo é evidente nas turmas, indicando que os professores muitas vezes
não têm a capacidade de atender às necessidades educacionais dos alunos que enfrentam
dificuldades. Além disso, a tendência de medicalizar o fracasso escolar ressurge, atribuindo
a supostas anomalias toda uma gama de fatos que os professores e seus mentores des-
conhecem.
Com isso, os avanços teóricos e das mudanças nas diretrizes educacionais, a prática
do ensino e a preparação dos professores continuam a enfrentar desafios substanciais. A
necessidade de integrar efetivamente teoria e prática, além de promover uma compreensão
mais profunda dos processos de ensino-aprendizagem, continua sendo um dos principais
pontos a serem abordados para melhorar a educação e atender às demandas de uma so-
ciedade em constante evolução.

Breves considerações - Desafios e Obstáculos na Formação Docente para Educação


Inclusiva
Concordando com Santos e Andrade (2022), é preciso fazer alguma coisa antes que o
processo de (des) simbolização da escola continue a ser um obstáculo. Apesar dos avan-
ços, persistem desafios significativos na formação docente para Educação Inclusiva, como
resistência a mudanças, falta de recursos e barreiras de acesso à formação. É crucial iden-
tificar e superar esses obstáculos para garantir uma formação docente eficaz.
A formação docente desempenha um papel fundamental no sucesso da Educação In-
clusiva. Investir em uma formação de qualidade, abrangente e contínua dos docentes é
crucial para garantir que todos os alunos tenham igualdade de oportunidades no processo
educacional. Educar os educadores sobre práticas inclusivas e promover uma mentalidade
inclusiva são passos importantes para alcançar uma educação verdadeiramente inclusiva
e equitativa.
Os papéis desejados para a figura do professor podem ser entendidos em dois planos
essenciais. No primeiro, estão os aspectos relacionados aos objetivos da educação formal
na formação do indivíduo, um papel exclusivo da escola e não da educação informal pro-
porcionada pela família e pela sociedade em geral.
Entretanto, é notável a escassez de estudos consistentes sobre esses objetivos, levando
o professor a acreditar que sua missão social se resume ao ensino de conteúdos progra-
máticos. Esta visão está em descompasso com a realidade contemporânea, onde a esco-
la deixou de ser a principal fonte de conhecimento, dada a abundância de outras fontes
acessíveis, como a televisão e a internet. A alfabetização, por exemplo, pode não ser mais
considerada um domínio curricular essencial, à medida que avanços tecnológicos alteram
a necessidade dessas habilidades.
Os objetivos da educação formal vão além dos conteúdos, incluindo a capacidade de
conhecer, não apenas saber, e tornar-se leitor do mundo. Esse “leitor” é alguém que inves-

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tiga, analisa, constrói hipóteses, avalia e transforma, buscando e elaborando ferramentas
para sua autonomia e emancipação futura. A escola deve desenvolver não apenas o conhe-
cimento factual, mas a capacidade de abstração, de ir além da percepção imediata, seja
através do devaneio lúdico ou do planejamento formal.
Além disso, é crucial para a escola desenvolver nos alunos a habilidade de transitar e
operar tanto na esfera do mundo narrativo e suas representações incidentais quanto na
esfera do mundo científico, com suas relações de causalidade mais rígidas. Isso implica
ensinar a matemática tanto de forma intuitiva quanto formal, e a linguagem tanto informal
quanto formal, adaptadas às situações específicas.
Considerando a formação própria para o magistério, é fundamental que os professores
estudem as estruturas e propriedades que caracterizam como os sujeitos pensam, perce-
bem e interagem socialmente. Isso os levará a não discriminar juízos e padrões de com-
portamento diferentes dos seus. Além disso, é necessário um estudo aprofundado sobre
parâmetros para o planejamento da educação formal, considerando a integração da prática
docente a um projeto de formação que perdura ao longo de toda a escola básica.
Nesse contexto, é crucial desenvolver um saber didático específico, indo além da prática
de ensino, que permita aos professores construírem um conceito de aula como uma ins-
tância mediadora na formação de leitores do mundo. Essa abordagem deve considerar o
planejamento do ensino como um levantamento das perspectivas que instituem o sentido
da aula, não apenas a sua forma, e abordar diversos aspectos específicos da profissão
docente.
É essencial reconhecer que a educação formal não se limita à transmissão de conteú-
dos e habilidades específicas. Ela deve capacitar os alunos a se tornarem leitores críticos
do mundo, capazes de operar tanto na esfera narrativa quanto na científica. Além disso, a
formação do professor não deve se restringir a técnicas de ensino, mas deve incorporar um
amplo entendimento sobre como os sujeitos pensam, percebem e interagem socialmente.
Somente através dessa compreensão holística, poderemos avançar em direção a uma edu-
cação inclusiva que verdadeiramente atenda às necessidades dos indivíduos e promova
sua emancipação na sociedade.

Referências
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Cadernos de Estágio Vol. 5 n.1 - 2023 41

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