SALVAMENTO PROVIDENCIAL NO MAR
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Pr. Marcelo Augusto de Carvalho
HISTÓRIAS - FUNDAMENTAL 0001
"Escusado é dizer que já durante todos os dias anteriores
foram muitas as orações feitas, mas minha mãe resolveu
passar toda a noite em súplicas a Deus, o que, com efeito,
fez.
Cedo de manhã, adormeceu exausta, sendo acordada pela voz
de meu pai, que dizia:
"- Minha esposa, parece-nos que avistamos ao longe a vela de
um navio.
"- Oh! exclamou minha mãe em tom abatido, este navio
passará como os demais que avistamos."
"Havíamos sido atormentados pela vista de muitos navios
que, quais pontos negros, apareciam no horizonte ocidental,
mas conservaram-se sempre a tão grande distância que não
nos foi possível chamá-los à fala, nem mesmo que eles vissem
nosso sinal de desespero. Depois, recordando-se de sua
ocupação durante a noite, ela acrescentou, arrependida: 'Não,
Deus me perdoe! é Ele quem ouviu a minha oração; o navio
virá em nosso socorro.
"- Não estejas demasiado certa, minha esposa, disse meu pai,
ternamente; pois, não quero que fiques desapontada.
Naturalmente, se for a vontade de Deus, o navio virá em
nosso socorro.
"É a Sua vontade, replicou confiadamente minha mãe. Estou
certa de que a salvação está próxima.
"Vestimo-nos o mais depressa possível e, em seguida,
subimos as escadas para o convés. Jamais me esquecerei da
cena que se desdobrou ante os meus olhos. Ali, ao lado do
navio de onde se avistava o objeto que esperávamos nos
trouxesse o almejado socorro, estavam reunidas todas as
pessoas de bordo. Não se falava nenhuma palavra, mas a
simples vista não se podia discernir coisa alguma; em silêncio
mortal o óculo de alcance do navio passou de um para outro,
a fim de todos olharem.
"Parece, de fato, um navio. Sim, agora estávamos certos de
que a nossa esperança havia tomado forma sólida. Mas viria o
navio em direção ao sítio onde nos achávamos? ou vêlo-
íamos desaparecer da vista como o navio dum sonho?
"Mas não; mais e mais o navio se aproximava de nós. Em
breve o enxergávamos a olho desarmado. Sinais, não os
podíamos fazer, pois estávamos demasiados fracos e
extenuados. O navio, porém, ia chegando, não obstante, em
linha reta. Finalmente nos deram voz:
"- Navio, olá!
"Mas nenhum dos homens a bordo tinha força suficiente para
responder.
"Apesar de não obter resposta, a embarcação continuava a
aproximar-se até chegar bem perto do nosso infeliz navio,
quando se arreou um bote no qual tomaram lugar quatro
homens, sendo um deles, ao que parecia, o comandante. A
suprema ânsia daquele momento acha-se-me impressa
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indelevelmente na memória, embora fosse eu naquele tempo
uma simples criança.
"O comandante foi o primeiro a abordar o nosso navio, e ao
subir ao convés, vendo a nossa miséria, tirou o chapéu e disse
em voz solene:
"- Agora creio que há um Deus no Céu!
"Verificou-se ser o navio um daqueles rebocadores que levam
outros navios para o porto. Por lei esses rebocadores estão
obrigados a não se afastar senão até certa distância do porto.
(Era pelo menos, assim naquele tempo.) Mas a narração que
nos fez o comandante foi assaz singular:
"Tendo ido até onde a lei lhe permitia, sentiu-se impelido, por
força inexplicável, a continuar a marcha, e isto apesar de não
se avistar ao longe nenhum navio. Seu piloto protestou contra
isso, lembrando-lhe a multa em que incorria.
"- Não posso resistir! Sou forçado a prosseguir viagem! foi a
única resposta.
"Pouco depois começou a sofrer um desesperado enjôo, coisa
que não lhe tinha acontecido havia vinte anos, e viu-se
forçado a retirar-se para o camarote; mas mesmo assim
recusou-se a voltar, dando ordens que se fizessem ao mar.
Então a tripulação rebelou-se, pois já começavam a sentir
falta de provisão, e resolveram assumir eles próprios a
direção do navio, julgando que o comandante perdera a
razão.
"Neste ponto a aflição que o atormentava tornou-se
agoniante, e implorou-lhes que continuassem a viagem,
prometendo que, se ao nascer do Sol do dia seguinte não se
lhes deparasse coisa alguma que justificasse a sua ação,
abandonaria o projeto e voltaria ao porto.
"A isto os tripulantes acederam, com relutância; e, ao clarear
o dia, o homem no cesto da gávea avisou que via, ao longe,
um objeto escuro e imóvel.
"- Aproai ao mesmo! exclamou o comandante
peremptoriamente. É isso mesmo o que procuramos.
"Nesse mesmo instante lhe passou o enjôo, e ele reassumiu o
posto de comando, como dantes. Quando, al alcançar-nos,
deu com os olhos sobre os corpos macilentos e nossa
desconsolada miséria, apossou-se dele com força irresistível -
embora tivesse sido ateu havia muitos anos - a convicção de
que um poder sobrenatural o havia guiado, e de que existia
um Deus no Céu. Mais tarde, quando soube como minha
extenuada mãe havia passado a noite em oração, ampliou a
sua fé a ponto de incluir o fato de ser esse Deus um Deus que
ouve as orações de Seus filhos e a elas atende."
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