Introduc3a7c3a3o Ao Estudo Do Direito Paulo Nader

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instrumentos de controle social possuem um valor próprio, bem definido, essas regras exigem um estudo

mais apurado, para se descobrir, na multiplicidade de suas espécies, uma unidade de propósito. Para
facilitar a nossa tarefa, adotamos, inicialmente, o método da exclusão. Os assuntos pertinentes à
segurança, sendo exclusivos do Direito, não podem participar dos objetivos dessas regras. Por outro
lado, somente a Moral e a Religião procuram o aperfeiçoamento do homem. Se colocarmos entre
parênteses o valor segurança e os referentes ao aperfeiçoamento espiritual do homem, atentando para o
fato de que são regras que orientam o comportamento interindividual, projeta-se o campo de
normatividade das Regras de Trato Social e singulariza-se o seu valor. A faixa de atuação das Regras
incide nas maneiras de o homem se apresentar perante o seu semelhante, e o seu valor consiste no
aprimoramento do nível das relações sociais. O papel das Regras de Trato Social é propiciar um
ambiente de efetivo bem-estar aos membros da coletividade, favorecendo os processos de interação
social, tornando agradável a convivência, mais amenas as disputas, possível o diálogo. As Regras de
Trato Social, em conclusão, cultivam um valor próprio, que é o de aprimorar o nível das relações
sociais, dando-lhes o polimento necessário à compreensão. Esse valor, contudo, não é de natureza
independente, mas complementar. Pressupõe a atuação dos valores fundamentais do Direito e da Moral.
O valor que as Regras de Trato Social traduzem constitui uma sobrecapa dos valores éticos de
convivência.

18.2. Alguns Aspectos Históricos. Na época em que os diferentes instrumentos de controle social
ainda se mantinham indiferenciados, era comum o legislador disciplinar os mais simples fatos do trato
social. Assim é que, em Esparta, conforme relato de Fustel de Coulanges, o penteado feminino era
previsto em lei; as mulheres, em Atenas, não podiam levar consigo mais de três vestidos em viagem;
enquanto a lei espartana proibia o uso do bigode, a de Rodes impedia que se fizesse a barba.16
A lei das Doze Tábuas, conforme Cícero narra em De Legibus, prova a intromissão do legislador em
assuntos reservados, hoje, ao exclusivo campo das Regras de Trato Social: “que as mulheres não pintem
as sobrancelhas nem façam queixume lúgubre nos funerais”.17 Uma outra lei romana determinou que os
elogios ao morto só poderiam ser feitos nas exéquias públicas e por intermédio de orador oficial,
limitado também o número de assistentes nos funerais, a fim de que a tristeza e a lamentação não fossem
maiores. A deusa Themis não estendia o seu manto apenas sobre as normas do Direito. Hirzel, citado por
R. Siches, destaca o fato de que a deusa era a personificação do bom conselho para todos os assuntos da
vida, significando, ao mesmo tempo, o símbolo da atividade do chefe da família patriarcal, que não
distinguia os conteúdos do Direito, Moral, Religião e Regras de Trato Social. Dike, uma espécie de filha
de Themis, mais tarde, foi a deusa ligada apenas à decisão judicial.
Léon Duguit, como lembra Bustamante y Montoro, viu um denominador comum em toda essa rede de
normas que governa a vida em sociedade. Era a norma da solidariedade, assim expressa: “não fazer
nada que atente contra a solidariedade social, em qualquer de suas formas, e fazer tudo que conduza a
realizar e a desenvolver a solidariedade social mecânica e orgânica”.18

18.3. Caracteres das Regras de Trato Social. Entre os caracteres principais das Regras de Trato
Social, apresentam-se: a) aspecto social; b) exterioridade; c) unilateralidade; d) heteronomia; e)
incoercibilidade; f) sanção difusa; g) isonomia por classes e níveis de cultura.

18.3.1. Aspecto social. Como a própria denominação induz, as regras possuem um significado social.
Constituem sempre maneira de se apresentar perante o outro . O indivíduo isolado não se subordina a
esses preceitos. Ninguém é cortês consigo próprio. Se a sua finalidade é o aperfeiçoamento do convívio
social, é natural que essas regras atinjam apenas a dimensão social dos homens.

18.3.2. Exterioridade. Via de regra essas normas visam apenas à superficialidade, às aparências, ao
exterior. Assim, por exemplo, são as normas de etiqueta, cerimonial, cortesia. Quando se deseja bom dia
a alguém, cumpre-se um dever social, que não requer intencionalidade. O querer do indivíduo não é
necessário. Há algumas normas, todavia, como as de amizade e companheirismo, em que se exige além
das aparências. Um gesto de consideração não espontâneo, desprovido de vontade própria, não possui
significado nas relações de amizade.

18.3.3. Unilateralidade. A cada regra correspondem deveres e nenhuma exigibilidade. As relações


sociais, fundadas nessas regras, não apresentam um titular capacitado a reclamar o cumprimento de uma
obrigação. As Regras de Trato Social são unilaterais porque possuem estrutura imperativa: impõem
deveres e não atribuem poderes de exigir.

18.3.4. Heteronomia. Os procedimentos, os padrões de conduta, não nascem na consciência de cada


indivíduo. A sociedade cria essas regras de forma espontânea, natural e, por considerá-las úteis ao bem-
estar, passa a impor o seu cumprimento. O caráter heterônomo dessas regras decorre do fato de que
obrigam os indivíduos independentemente de suas vontades. A cada um compete apenas a adaptação de
atitudes em conformidade com os preceitos instituídos.

18.3.5. Incoercibilidade. Por serem unilaterais e não sofrerem a intervenção do Estado, essas regras
não são impostas coercitivamente. O mecanismo de constrangimento não é dotado do elemento força,
para induzir à obediência. A partir do momento em que o Estado assume o controle de alguns desses
preceitos, estes perdem o caráter de Trato Social e se transmutam em Direito. Quando a lei estabelece a
indumentária dos militares, as normas que definem os uniformes e o seu uso não são Regras de Trato
Social, mas se acham incorporadas ao mundo do Direito.

18.3.6. Sanção difusa. A sanção que as Regras de Trato Social oferecem é difusa, incerta e consiste
na reprovação, na censura, crítica, rompimento de relações sociais e até expulsão do grupo. O indivíduo
que nega uma ajuda a seu amigo, por exemplo, viola os preceitos de companheirismo. A sanção será a
reprovação, o enfraquecimento da amizade ou até mesmo o seu rompimento. A apresentação em
sociedade com traje inadequado provoca naturalmente a crítica. O constrangimento que as regras impõem
é, muitas vezes, mais poderoso do que a própria coação do Direito. O duelo, hoje em desuso, é um
exemplo. Durante muito tempo existiu apenas como convenção social contra legem. O indivíduo preferia
romper com a lei a fugir da praxe social.

18.3.7. Isonomia por classes e níveis de cultura. As obrigações que as Regras de Trato Social
irradiam não se destinam, de igual modo, aos membros da sociedade. O seu caráter impositivo varia em
função da classe social e nível de cultura. Assim, não se espera de um simples trabalhador o trajar
elegante de acordo com a moda. Um juiz, porém, que se apresente socialmente com as vestes de um
andarilho provoca estranheza e reprovação. De um matuto do interior admite-se o linguajar incorreto,
mas de indivíduo com escolaridade, a pronúncia errônea ou a concordância incorreta conduz à crítica.

18.4. Natureza das Regras de Trato Social. Uma outra questão levantada na doutrina refere-se à
natureza das Regras de Trato Social. Constituem um tertium genus, ao lado do Direito e da Moral? Ou,
bem examinadas, se vinculam a um ou a outro compartimento ético?

18.4.1. Corrente negativista. Entre os autores que contestam a especificidade das Regras de Trato
Social, como principais nomes destacam-se: Del Vecchio e Gustav Radbruch. Para o jusfilósofo italiano,
as normas de conduta social ou pertencem ao campo do Direito ou ao setor da Moral. Ou as normas são
imperativas, característica da Moral, ou são imperativo-atributivas, peculiaridade do Direito. Em sua
maior parte, tais normas são “subespécies da Moral”. Em sua opinião, há certas regras que não revelam
imediatamente a sua natureza, mas, submetidas a rigoroso estudo, revelam-se portadoras apenas de
deveres, sendo, assim, imperativos morais; ou apresentam uma estrutura imperativo-atributiva, hipótese
em que se identificam como preceitos jurídicos.
Para Gustav Radbruch, os preceitos ordenadores da conduta social se bipartem, igualmente, entre os
setores do Direito e da Moral. O ponto de partida de seu raciocínio consiste na afirmação de que os
processos culturais visam a realização de um valor específico. Assim, o Direito se estrutura em função
da justiça; a Moral procura alcançar o bem e a Religião persegue a divindade. As Regras de Trato
Social, em sua concepção, não visam a um valor específico ou exclusivo, não constituindo, assim,
processo normativo de natureza própria.

18.4.2. Corrente positiva. Para Rudolf Stammler a distinção entre os dois processos culturais,
Direito e Convencionalismos Sociais, baseia-se nos diversos graus de pretensão de efetividade.
Enquanto o Direito é imposto coercitivamente, os convencionalismos são apenas orientações para o
comportamento social, que se acompanham apenas de uma pressão psicológica, sem contar com o
elemento força. Negou a possibilidade de uma diferenciação com base na matéria das Regras de Trato
Social, pois é comum um determinado conteúdo deslocar-se de uma espécie para outra. A etiologia das
normas, para ele, não pode igualmente servir de critério, pois tanto o Direito como as Regras nascem de
uma formulação reflexiva ou da prática consuetudinária.19
Felix Somló estabeleceu, como critério diferenciador, a origem dos preceitos. Enquanto as normas
jurídicas seriam criações estatais, os Convencionalismos Sociais emanariam da própria sociedade. Este
critério é falho, de vez que o Direito costumeiro não é uma criação estatal.

18.4.3. Conclusão. No tópico relativo ao conceito das Regras de Trato Social, deixamos clara a
nossa opinião acerca da natureza própria, singular, desse processo normativo. Reconhecemos também
que essas normas buscam um valor particular, que é o aprimoramento das relações sociais. Quanto às
argumentações expendidas pelos diversos autores, julgamos impossível a distinção com base apenas em
um ou outro critério. Concordamos com Stammler quando exclui a possibilidade da distinção com apoio
na origem das normas ou em relação ao seu conteúdo. Acompanhamos ainda o jusfilósofo alemão no que
se refere à coercibilidade como nota exclusiva do Direito. Não admitimos, contudo, a sua pretensão em
erigir este critério como o único e definitivo meio de se chegar ao conceito das Regras de Trato Social.
Este é alcançado pelo exame de caracteres, enquanto a sua distinção dos demais instrumentos de controle
social é atingida pelo confronto geral dos traços peculiares de cada um, assinalado no quadro que se
segue.

DIREITO MORAL REGRAS DE TRATO SOCIAL PRECEITOS RELIGIOSOS

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