Apostila Interpretação

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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA

FACULDADE CESUSC
CURSO DE DIREITO

APOSTILA UNIDADE 1
INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS

Prof. MSc. Mônica Niederle de Abreu

Florianópolis,
2016
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UMA REDAÇÃO CHAMADA PETIÇÃO INICIAL


Maria Emília Almeida Souza
Professora da FADIPA – Faculdade de Direito de Ipatinga.
Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino –
UMSA.
Co-autora do blog APRENDENDO PROCESSO E CIVIL
(www.aprendendoprocessocivil.blogspot.com)

RESUMO: Este artigo aborda a importância da petição inicial, sob o prisma das técnicas de
Direito e da Língua Portuguesa. A petição inicial, como peça de intróito do processo civil,
deve ser esmerada e bem trabalhada, a fim de ser bem trazida a lide ao Poder Judiciário.
Ausência de adequação técnica ou linguística pode levar o advogado ao insucesso da causa.
Neste artigo, de forma clara e objetiva, são trazidas as consequências de um texto mal
elaborado, bem como as vantagens da boa escrita e esmero na técnica jurídica. Além de
esclarecer sobre a importância de se fazer uma boa redação, o texto tem o intuito de
demonstrar, mesmo que celeremente, os requisitos da petição inicial.
PALAVRAS-CHAVE: Petição inicial. Inépcia. Emenda. Técnicas de Direito. Língua
Portuguesa.

1 Introdução
Assim como as crianças fazem redações sobre suas férias escolares e coisas afins, o
operador do Direito faz redações sobre a vida das pessoas que lhe confiaram seus destinos.
A diferença está no fato de as redações escolares serem desprovidas de qualquer cunho
profissional, responsável ou sisudo. Todavia, todas (redações escolares e redações do Direito)
são a materialização do arcabouço linguístico que a pessoa detém, o palpitar de ideias, a
expressão do ponto de vista, a coesão do raciocínio lógico.
As redações jurídicas são das mais variadas espécies: petições, sentenças, pareceres,
denúncias, queixas, votos e mais um sem-número de documentos que, em sua essência,
trazem o perfil de seu redator.
Este texto tem o intuito de discutir a redação jurídica denominada petição inicial,
utilizada no processo civil. Tal discussão será voltada para a importância de se confeccionar
uma boa peça vestibular, bem como as consequências drásticas que podem vir se o contrário
acontecer.

2 Desenvolvimento
Petição inicial é o texto que dá início ao processo civil, solicitando do Poder Judiciário
a solução de um conflito estabelecido entre as partes.
Para se entender a petição inicial, é necessário lembrar que a jurisdição, que é a atividade do
Poder Judiciário, é inerte, não sendo os processos instaurados de ofício, pelo próprio juiz.
Portanto, sem petição inicial, não se inicia um processo civil.
A petição inicial recebe muitos codinomes nas lides forenses, valendo ressaltar
“exordial”, “vestibular”, “atrial”, “proemial”, dentre outros tantos que a imaginação dos
autores possa permitir.
A importância da petição inicial está no fato de que, através dela, o Poder Judiciário é
introduzido às peculiaridades da lide. Ademais, com a exordial, aquele que deseja ver seu
conflito solucionado faz os argumentos necessários ao seu ganho de causa.
A redação de uma petição inicial não é de todo livre, mas, também, não é totalmente
restrita aos ditames legais. Cabe a cada advogado, ao elaborar sua peça, dar-lhe o seu
acabamento. Cabe aqui, lembrar que, pelas petições, um advogado pode mostrar-se zeloso,
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conhecedor do vernáculo, coeso e elegante. Ou não. Daí a necessidade de dar à inicial a


importância devida.
Para se elaborar uma boa peça de intróito, o advogado deve, antes de tudo, conversar
claramente com o cliente, anotando os pontos narrados, bem como todas as questões que
entende possam ser úteis ao confeccionar o texto exordial.
Após o atendimento ao cliente, deve-se buscar literatura jurídica atualizada, fazendo
pesquisa de decisões recentes acerca do tema, assim como do entendimento dos doutrinadores
mais balizados da área e questão. Assim, formar-se-á um raciocínio lógico-jurídico suficiente
para a defesa do cliente, bem como atento às possíveis impugnações da parte contrária.
Terminada a fase inicial, deve-se passar à materialização da peça. Nesse ponto,
cumpre informar que não se pode jamais esquecer o conteúdo do artigo 282 do Código de
Processo Civil. Ali se encontram os sete requisitos que a petição inicial, obrigatoriamente,
deve conter.
Em primeiro momento, deve-se fixar o juízo competente para o caso – utilizando-se os
critérios de matéria, valor da causa, pessoa, função do órgão julgador e território. Feita a
fixação, com endereçamento da petição ao juiz competente, deve-se fazer a qualificação
completa das partes. Qualificar é indicar as qualidades, segundo o dicionário Aurélio.
Portanto, qualificar as partes significa informar todos os dados possíveis para sua
identificação, tais como naturalidade, filiação, número de documentos, estado civil, endereço
e profissão.
Um aparte aqui deve ser feito, acerca do nome da ação que está se propondo. A praxe
forense faz com que os advogados, ao qualificarem as partes, indiquem que está sendo
proposta a “ação de ...”. Tal indicação do nome da ação, como já dito, se dá por praxe
forense, por costume e não por exigência legal. Se o advogado fizer uma correta explanação
dos fatos e o correto pedido, o juiz saberá o que fazer. Tanto que o artigo 282 do CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL não prevê a nomenclatura da ação como requisito da petição inicial.
Aqui, vale a máxima “daime o fato e dar-te-ei o Direito”.
Após a qualificação, devem ser apresentados os fatos que originaram e constituem a
lide. Jamais podem ser usadas palavras de baixo calão ou gírias. Deve-se cuidar para não
cometer erros de ortografia, pontuação e, especialmente, zelar por uma linguagem coesa,
escorreita, inteligível e, ao mesmo tempo, rica.
A transcrição de trechos de doutrinas, acórdãos, súmulas e artigos de lei não é
obrigatória. Todavia, enriquece o texto. Caso o autor da peça opte em usar este recurso, deve
destacar as partes transcritas, fazendo a devida citação da fonte.
Deve-se encerrar a parte de fatos e fundamentos jurídicos com um raciocínio
concludente, de modo a não parecer que cortou-se o discurso pelo meio. Alguns operadores
do Direito entendem que essa parte da inicial é a mais importante, pois, sem argumentos e
raciocínio lógico-jurídico, não se convencerá o julgador.
Por fim, devem vir os requerimentos, dentre os quais está inserido o pedido, e o valor
da causa. Os requerimentos são todas as solicitações que a parte faz ao juiz. Há requerimento
de benefícios da justiça gratuita, de condenação da parte contrária aos ônus sucumbenciais, de
citação do réu e de provas que pretende produzir. Esses dois últimos são requisitos essenciais
da petição inicial, previstos no artigo 282 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Junto com os requerimentos, como alhures dito, é feito o pedido, que é, em suma, o
que a parte quer que seja decidido pelo Poder Judiciário.
Pode haver, ainda, pedido liminar, ou seja, um pedido urgente, para que o juiz decida algo de
forma emergencial, até que o processo se finda.
Terminados os requerimentos, deve ser atribuído um valor à causa, conforme os
critérios estabelecidos pelo artigo 259 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, datada e
assinada a petição.
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Deve-se observar que, caso haja algum erro na confecção da peça proemial, pode-se
ter seu indeferimento, de imediato, com extinção do processo – que nem bem tinha iniciado -,
ou a determinação de conserto do vício em 10 dias. O indeferimento ocorrerá nos casos do
artigo 295 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, valendo ressaltar, dentre as demais causas
ali expressas, a inépcia da petição inicial.
Pensam de forma equivocada aqueles que acham que petição inepta é aquela que não
possui os sete requisitos do artigo 282. Na verdade, segundo o CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL, em seu artigo 295, uma petição é inepta quando lhe faltar pedido ou causa de pedir;
contiver pedidos incompatíveis entre si; contiver pedido juridicamente impossível ou da
narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão.

3 Conclusão
Desta forma, realizando um correto estudo do caso, embasando-se em doutrina e
jurisprudências sólidas e formando um raciocínio correto, não se corre o risco de ter uma
petição inicial indeferida, nem mesmo necessidade de sanar vícios antes da citação do Réu.
A petição inicial, vale dizer, é a peça que traz ao juiz os problemas de pessoas que
confiaram suas vidas (pessoais, financeiras, negociais etc) ao advogado. Dessarte, deve se ter
o maior zelo possível ao confeccionar a redação que será imprescindível no destino daquele
que o confiou ao advogado.

2. TIPOS DE TEXTOS

Texto é um tecido verbal cujas ideias devem estar entrelaçadas para formar um todo. É
uma unidade de significação cuja referência foi tematizada. Um texto exige, para sua
constituição, uma informação nova, pois a curiosidade do leitor só se satisfaz com a
informação nova. Se não há nada de novo para dizer, falta a matéria-prima do texto.
Texto é, então, a atividade comunicativa entre emissor e receptor, em diálogo íntimo,
repleto de emoções ou de reflexões, levando o pensamento humano a infinitas direções.
A noção de texto pode ser aplicada tanto para as manifestações orais como para as
escritas. Falamos ou escrevemos porque desejamos elaborar uma rede de significados com
vistas a informar, explicar, discordar, convencer, aconselhar, ordenar.
O termo texto é proveniente de textus-us, vinculado ao verbo latino texere, com o
sentido de tecer, enlaçar, entrelaçar, lembrando, por isso, o trabalho do tecelão em urdir os
fios para obter uma obra-prima harmônica. Assim também o autor de um texto tece as ideias,
enlaça as palavras e vai construindo com habilidade um enunciado (oral ou escrito) capaz de
transmitir uma mensagem, por constituir um todo significativo com intenção comunicativa,
colocando o emissor em contato com o receptor.
Para tanto, produzir um texto requer o conhecimento do código, para a combinação
satisfatória de signos de um sistema linguístico, a que se denomina competência, que irá
permitir o desempenho da atividade linguística. Além disso, a existência do texto está
condicionada a mecanismos de organização calcados em acertos quanto à adequação aos
destinatários. Quando falamos ou escrevemos estamos querendo comunicar intenções,
buscamos ser entendidos, desejamos estabelecer contratos verbais com nossos ouvintes ou
leitores. Daí pode-se afirmar que texto não é uma sucessão desconexa de frases ou
palavras enunciadas aleatoriamente.
É importante lembrar que nenhum texto é uma peça isolada, nem a manifestação da
individualidade de quem o produziu. De uma forma ou de outra, constrói-se um texto para,
através dele, marcar uma posição ou participar de um debate de escala mais ampla que está
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sendo travado na sociedade. Até mesmo uma simples notícia jornalística, sob aparência de
neutralidade, tem sempre alguma intenção por trás.
Já o contexto é entendido como todas as informações que acompanham o texto,
colaborando para sua compreensão: elementos verbais, paralinguísticos (ritmo, entonação, por
exemplo) e não-verbais (leituras comportamentais da mensagem) se entrelaçam para a
transmissão da mensagem.
Pode-se dizer, então, que a produção e recepção do texto se condicionam à situação ou
ambiência, vale esclarecer, ao conhecimento circunstancial ou ambiental que motivam os
signos e a ambiência em que se inserem, gerando um texto cuja coerência e unidade são
suscitados diretamente pelo referente.
Isso nos leva à conclusão de que, para entender qualquer passagem de um texto, é
necessário confrontá-la com as demais partes que o compõem sob pena de dar-lhe um
significado oposto ao que ela de fato tem. Em outros termos, é necessário considerar que, para
fazer uma boa leitura, deve-se sempre levar em conta o contexto em que está inserida a
passagem a ser lida.

O texto só cria sentido com o contexto.

a) Contexto imediato: refere-se aos elementos que seguem ou precedem o texto


imediatamente, incluindo as circunstâncias que o motivam. Dessarte, o título de uma
obra já pode passar informações sobre o tipo de texto; o nome do autor na capa de um
livro pode trazer previsões sobre seu estilo, sua ideologia política, seu ponto de vista.
b) Contexto situacional: trata-se do contexto estabelecido pelos elementos fora do texto
que lhe abrem possibilidades de maior entendimento. É um convite para explicar a
situação textual, acrescentando-lhe informações e experiências, quer histórias,
geográficas, psíquicas, entre outras, para que o leitor possa realizar uma “leitura” ativa
do texto, partilhado de forma íntima entre emissor e receptor.

Há de se considerar, ademais, que pode ocorrer cruzamento de textos; assim, o texto


de um autor pode ser retomado pelo texto de outro autor; pode-se manifestar a presença de um
texto em outros textos. A essa reutilização do texto, a esse jogo entre textos dá-se o nome de
intertextualidade.
E, ao dialogar com o leitor, o texto vale-se de inúmeras formas, sendo os gêneros mais
conhecidos a descrição, a narração e a dissertação, que, a bem da verdade, não existem de
modo isolado. O que ocorre é a presença dominante de um tipo.

2.1 A DESCRIÇÃO
A descrição é a reprodução de uma realidade – é a representação verbal de um aspecto
ou sequência de aspectos. Na descrição, o emissor provoca na mente do receptor uma
impressão sensível, procura fazer com que o leitor “veja” um objeto material.
Do conceito, apreende-se o objetivo da descrição: compor um “retrato” de uma ideia,
fazendo a representação simbólica da imagem por meio de palavras: seja a pessoa (vista em
seu exterior ou perscrutada no campo psicológico), seja o ambiente (físico ou emotivo), seja a
natureza (estética ou espiritual), o redator vai dando à linguagem impressões que permitam ao
receptor “ver” o que está sendo descrito.
A descrição é utilizada nos dicionários, permitindo que o leitor represente o objeto em
sua mente. A diferença entre esse tipo descritivo e o literário é que neste o emissor pode dar
ao objeto as suas impressões subjetivas (ou retratá-lo objetivamente), enquanto o tipo técnico
utiliza a linguagem denotativa, dando ao objeto ou ideia uma representação coletiva e
impessoal.
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Leia a amostra abaixo:


“Comprida, tortuosa, ora larga, ora estreita, a Rua do Siriri se estende desde o Alto de
São Cristóvão até a Avenida Barão de Maroim. Mas o seu trecho principal, porque mais
habitado, vai da Rua das Laranjeiras até a da Estância. Aí não há mais casas de palha. São de
taipa ou de tijolo, cobertas de telha. Às vezes pequeninas, porta e janela apenas, sem reboco,
pouco mais altas que um homem. Outras melhores, são largas, acaçapadas, com grandes
beirais. Aqui e ali, uma construção mais nova, de platibanda e enfeitada de cornijas, dá ao
local um tom mais elegante e mais alegre.” (Othon Garcia, 1975)
Armando Fontes faz uma descrição objetiva, tendo os adjetivos força denotativa e de
especificação. É como se o observador estivesse fora do campo de observação, registrando a
cena sem a interferência de suas emoções. Predomina linguagem rápida, com muitas elipses,
pintando os dados essenciais do objeto descrito.

O parágrafo descritivo na redação jurídica


A descrição é empregada largamente na redação jurídica porque a narrativa dos fatos é
tecida por meio da descrição desses fatos, buscando os elementos e pormenores que pintem o
quadro, segundo a versão da parte processual.
Valda Oliveira Fagundes (1987) demonstra que as narrativas da acusação e da defesa
são construídas pela descrição pontos importantes dos fatos e estes elementos descritivos
funcionam como argumentos (elemento dissertativo). Veja o discurso da acusação:
“Este é o acusado. Um acusado que vem aqui e mente. Se vossas Excelências observarem,
hoje ele diz que é casado. Consta no outro interrogatório que ele estava separado. Procura
modificar aquilo que já declarou para o próprio juiz, procurando confundi-lo, procurando
inverter pequenos detalhes para se amoldar a uma possível e imaginária tese de defesa. É um
elemento perigoso, mesquinho. Mesquinho porque quando de uma discussão com um
funcionário da SAMAE, por uma questão de água, sacou de um revólver e também atirou.”
Os dados descritivos do réu: mesquinho, perigoso, mentiroso, cruel, mau caráter,
violento têm a função de criar uma imagem simbólica do acusado como a de um elemento
pernicioso à sociedade, que deve ser punido.

2.2 A NARRAÇÃO:
Toda narração é a exposição de fatos (reais ou fictícios) que se passam em
determinado lugar e com certa duração, em atmosfera carregada de elementos circunstanciais.
Com isso, são elementos estruturais da narrativa:
• o quê: o fato que se pretende contar;
• quem: as partes envolvidas;
• como: o modo como o fato aconteceu;
• quando: a época, o momento, o tempo do fato;
• onde: o registro espacial do fato;
• porquê: a causa ou motivo do fato;
• por isso: resultado ou consequência do fato.
De acordo com a narrativa, podem estar presentes todos ou alguns desses elementos,
mas sempre há a necessidade de permitir ao leitor ter um registro da cena.
A característica básica da narrativa real é o verbo no perfeito do indicativo, que indica
ter ocorrido e consumado o fato narrado (estudei, sorri, peguei, fiz...). Também é
imprescindível o clímax, o momento de ápice da exposição do fato, que irá desembocar no
desfecho / solução. Vale destacar a importância da unidade, porque todos os fatos narrados
devem inter-relacionar-se em íntima conexão, sendo a disposição dos elementos responsável
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pela coerência textual. As frases podem ser curtas ou de extensão média, não sendo
adequados os períodos muito longos porque dariam ritmo lento e monótono à narrativa.
Veja um exemplo:
“Duas da madrugada. Às sete, devia estar no aeroporto. Foi quando me lembrei de
que, na pressa daquela manhã, ao sair do hotel, deixei no banheiro o meu creme dental.
Examinei a rua. Nenhuma farmácia aberta. Dei meia volta, rumei por uma avenida qualquer, o
passo mole e sem pressa, no silêncio da noite. Alguma haveria de plantão... Rua deserta. Dois
ou três quarteirões mais além, um guarda. Ele me daria indicação. Deu. Farmácia Metrópole,
em rua cujo nome não guardei.
- O senhor vai por aqui, quebra ali, segue em frente.
Dez ou doze quarteirões. A noite era minha. Lá fui. Pouco além, dois tipos
cambaleavam. Palavras vazias no espaço cansado. Atravessei, cauteloso, para a calçada
fronteira. E já tinha me esquecido dos companheiros eventuais da noite sem importância,
quando estremeci ao perceber, pelas pisadinhas leves, um cachorro atrás de mim. Tenho velho
horror a cães desconhecidos. Quase igual pelos cães conhecidos, ou de conhecidos, cuja
lambida fria, na intimidade que lhes tenho sido obrigado a conceder, tantas vezes, me provoca
incontrolável repugnância.” (Lessa, 1960)
O fragmento narrativo revela o tom irônico do jornalista que narra instantâneos de sua
própria vida, em ritmo dinâmico, com frases incisivas. Verifica-se que o exemplo terminou no
momento em que se iniciava a trama da narrativa.

IMPORTANTE: Toda narrativa tem uma ação, um acontecimento a ser contado, real ou
fictício, sendo a realidade marcada principalmente pelos verbos no pretérito perfeito. O
tempo imperfeito indica a continuidade da ação ou o imaginário. Pode haver, ainda, ação no
presente, trazendo para o agora as sensações de fatos passados. As circunstâncias de tempo e
de espaço fazem-se necessárias e acompanham a narrativa da ação rumo ao clímax que irá
estabelecer o ápice da tensão da trama a ser desenvolvida no desfecho.

O parágrafo narrativo na redação jurídica


Em uma petição inicial, a narrativa indica o tempo dos acontecimentos e demais
circunstâncias que permitam revelar como aconteceram os fatos e o porquê deles, para que
desta narrativa, se chegue logicamente a uma conclusão, resultado ou consequência do fato
vivenciado pelas partes envolvidas.
No relatório das sentenças, a narrativa deve contar os acontecimentos processuais com
precisão e objetividade, sob pena de nulidade, porque não há existir, neste momento,
expressões ou adjetivações que precipitem o decisório.

2.3 A DISSERTAÇÃO
A dissertação é o gênero mais complexo: exige do redator um posicionamento diante
de determinado assunto, quer expressando sua opinião, quer postulando uma tese. Para isso,
precisa desenvolver um raciocínio lógico bem estruturado, aduzindo razões, exemplos,
definições e contrastes, relacionando-os com a ideia central.
Com isso, não é possível dissertar sobre determinado assunto, sem conhecimento deste
e sem uma tomada de posição, já que a dissertação é a exposição de um tema apoiada em
argumentos. Em razão disso, mais do que em qualquer outro texto, o texto dissertativo
desenvolve a capacidade crítico-reflexiva, pela qual o redator explana com logicidade sua
ideia.
Os verbos assumem papel destacado na dissertação, devendo o redator evitar formas
como “podemos dizer, penso, pode ser, acho, acredito que” entre outras. Ao contrário disso,
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deve dar preferência a verbos de valor semântico preciso, representando de maneira clara a
ideia.
Veja os exemplos:
a) Penso que o descaso com o bem público é prejudicial à comunidade.
b) O descaso com o bem público resulta graves prejuízos à comunidade.
Pode-se perceber que o verbo RESULTAR estabelece uma relação causa/efeito,
dando ênfase ao aspecto resultativo.
É bom lembrar que a estrutura dissertativa já exige a exposição de um ponto de vista.
Portanto, é dispensável utilizar expressões que esclarecem ser a opinião do redator.
Por derradeiro, lembre-se de que a dissertação deverá defender uma opinião, um ponto
de vista ou uma tese; há, assim, uma ideia principal a que se subordinam os argumentos
secundários, estes utilizados com o fito de realçar a ideia-chave. Há, por isso, predominância
de períodos subordinados
A dissertação pode ser:
• expositiva: é a discussão de uma ideia, de um assunto ou doutrina. A intenção do
redator é expor um assunto, comentando-o.
• argumentativa: é aquela em que o redator se mune das técnicas de persuasão com o
objetivo de convencer o leitor a partilhar de sua opinião ou mudar de ponto de vista.
A dissertação possui três partes bem definidas:
• exórdio: parte introdutória, estabelece a ideia geral e motiva o destinatário;
• desenvolvimento: compreende a explanação das ideias e as provas de sua veracidade;
• peroração: é o fecho, a conclusão.

O parágrafo dissertativo na redação jurídica


Inegável é a importância da dissertação na comunicação jurídica: há sempre um
conflito a ser solucionado, colocando visões antagônicas em polos opostos.
Em todas as áreas do Direito, é a argumentação o recurso persuasivo, por
excelência, porque objetiva o convencimento da tese postulada. Não só as partes, mas
também o julgador precisa fundamentar seu posicionamento.
Em última análise, não há discurso sem o elemento dissertativo porque a neutralidade
absoluta não é encontrada sequer nas ciências sociais que a exigem, como no saber
sociológico. Como é natural a presença de diferentes opiniões para um só fato, a prevalência
desta ou daquela se dá pela força argumentativa obrigatória no discurso jurídico.

EXERCÍCIOS

1. Identifique os tipos de textos vistos, destacando as características que justificam sua


resposta:
a) Às quatro horas da tarde de 20 de maio de 1999, um Passat perdeu a direção numa das
curvas da estrada Grajaú-Jacarepaguá; um ônibus da linha 268, que subia, na direção oposta,
freou, mas não conseguiu evitar o choque lateral. Imediatamente os dois motoristas saíram de
seus veículos e socorreram o passageiro do carro, que apresentava uma fratura no braço. Uma
ambulância chegou vinte minutos depois, levando o ferido. Dois policiais já estavam no local
e registraram a ocorrência. O trânsito ficou interrompido por trinta minutos.

R:
_________________________________________________________________________
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b) Foi o excesso de velocidade, em uma pista molhada, que motivou o acidente. O Passat
tinha os pneus carecas e foi o responsável pela colisão. Não se pode culpar o motorista do
ônibus por imperícia, já que ele não tinha visão ampla da curva. As marcas de pneu no asfalto
provam a tentativa de frenagem. Ao motorista do Passat, portanto, cabe a responsabilidade
pelo ressarcimento dos danos materiais e dos custos do atendimento médico ao passageiro.

R:
_________________________________________________________________________

c) O Passat está colidido do lado do passageiro, com um ônibus da linha 268. O passageiro do
carro, com um braço quebrado, aguarda socorro, sentado na pista, apoiando as costas no
veículo. Dois policiais interrogam os motoristas, lavrando um boletim de ocorrência.

R:
_________________________________________________________________________

2. Faça um texto descritivo, um narrativo e outro dissertativo a partir da imagem apresentada.


Descritivo:
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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

Narrativo: __________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Dissertativo: ________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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3. Encontre trechos Descritivos, Narrativos e Dissertativos na Petição inicial abaixo. Nos


trechos narrativos, procure responder às perguntas:
• O que aconteceu?
• Quando?
• Por quê?
• Onde?
• Como?
• Quem está envolvido?
• Por isso...

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DO TRABALHO


DA VARA DE SALVADOR – BAHIA

Antonio Silva, brasileiro, solteiro, capaz, inscrito no CPF/MF sob o nº 001.002.003-04, CTPS
série A, nº 0001, residente e domiciliado na Rua Sampaio Moreira, nº 10, Bairro Aclamação,
Salvador – BA, filho de Maria Silva, inscrito no PIS sob o nº 122.002.0076, por seus
procuradores adiante firmados, advogados com escritório profissional na Rua das Nações, nº
13, Salvador-BA, onde recebem intimações e notificações, conforme instrumento de mandato
anexo (doc. 01), vem, perante Vossa Excelência, propor a presente

RECLAMAÇÃO TRABALHISTA

em face de Segura Transporte de Valores Ltda., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no
CNPJ/MF sob o nº 0001.0002/0001-50, estabelecida na Av. Mário Gomes, 28, Bairro da
Pituba, Salvador-BA. Código de atividade 10, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

1. REQUERIMENTOS PRELIMINARES

1.1. Inicialmente requer os benefícios da gratuidade de justiça, consoante dispõe o § 3º do art.


790 da CLT, haja vista não poder demandar contra sua ex-empregadora sem prejuízo do
sustento próprio e da sua família. Salientando que se encontra desempregado, até o presente
momento. Fazendo tal declaração ciente dos termos da lei.

1.2. É legitima a interposição da presente demanda, por força do parágrafo 3º do art. 625 da
lei 9958/00, em virtude do fato de que, até a presente data, não foi instituída Comissão de
Conciliação Prévia, seja no âmbito da Reclamada ou do Sindicato da Categoria Profissional
do Reclamante, motivo pelo qual deixou-se de observar o comando insculpido no artigo 625 –
D da CLT, Lei 9958/00.

1.3. Por outro lado, a exigência de comparecimento perante a comissão de conciliação prévia
como pressuposto para admissibilidade da reclamação trabalhista, ofende direta e literalmente
o disposto no art. 5º, Inc. XXXV da Constituição Federal, conforme entendimento adotado
pelo STF nas ADINs 2.139 e 2.160, desta forma, a submissão da demanda à comissão de
conciliação prévia, atualmente, é apenas uma faculdade da parte e não mais um pressuposto
processual de admissibilidade da demanda.

DOS FATOS

2.1 ADMISSÃO, FUNÇÃO, SALÁRIO E DISPENSA


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O Reclamante foi admitido, com o competente registro na CTPS, em 05/01/2009, para exercer
a função de Vigilante de Carro Forte, percebendo como último e maior salário mensal, a
quantia de R$ 600,00 (seiscentos Reais). Tendo sido despedido imotivadamente e sem pré-
aviso em 06/05/2009, sem pagamento das verbas rescisórias a que faz jus, inobservando-se,
destarte, o prazo estabelecido no § 6º do art. 477 da CLT, pelo que torna-se devida a multa
prevista no § 8º do mesmo artigo consolidado.

2.2. DISPENSA ARBITRÁRIA

O Reclamante foi dispensado de forma injusta, desleal e arbitraria, sob a alegação de JUSTA
CAUSA pelo fato de ter se envolvido em acidente de trabalho, ocorrido em 23/03/2009 às
12h30, quando ao se abaixar para apanhar o seu almoço que estava no interior do carro forte,
a arma que portava caiu do coldre e disparou, ferindo-o levemente na perna direita, conforme
relatório médico e boletim de ocorrência policial anexos (docs. 02 e 03).

Em consequência do acidente o funcionário foi encaminhado para Previdência Social,


conforme CAT anexa (doc. 04), emitida pelo empregador, ficando incapacitado para o
trabalho durante 40 dias.

Quando do seu retorno do INSS, em 04/05/2009, em consequência da alta médica, a empresa


reclamada ao invés de lhe dar o apoio necessário o dispensou sob a alegação de justo motivo
em razão do acidente ocorrido. Observa-se que o reclamante foi duplamente penalizado,
primeiro pelo acidente que o vitimou e depois com a atitude desumana da empresa que o
dispensou sem direito as verbas rescisórias, quando deveria lhe dar amparo.

2.3. DO DANO MORAL

Evidentemente, a atitude da reclamada deve ser repreendida por esta Justiça Especializada,
tendo em vista não ser concebível que o empregado que sofre acidente do trabalho, seja
dispensado sob a infundada alegação de justa causa, após a alta médica, ainda mais, quando a
alegação da dispensa motivada toma como parâmetro o acidente que o vitimou.

Pode-se imaginar a dor e amargura de um pai de família como o vindicante, que ao retornar
ao emprego após ter sido vítima de acidente do trabalho é dispensado de forma abrupta e sem
direito às verbas rescisórias e saque do FGTS com 40%, dentre outras verbas. Sendo certo que
a dispensa sob a alegação de justa causa, tem causado profundo abalo psíquico ao vindicante,
uma vez que além de não receber o que lhe é devido ainda passou a ser motivo de chacota
entre os ex-colegas de trabalho.

Vale enfatizar, que o fato de ser dispensado sem pagamento das verbas rescisórias, tem feito
com que o vidicante e sua família estejam a passar necessidades alimentares, bem assim,
todas as contas estão atrasadas, a exemplo de energia elétrica (a qual está na iminência de
sofrer interrupção no fornecimento), aluguel, escola do seu filho menor, tudo conforme
atestam os documento anexos.

2.4. DA ESTABILIDADE PROVISÓRIA

Destaca-se que o reclamante, quando da dispensa, gozava de estabilidade provisória no


emprego em face do que prevê o artigo 118 da Lei 8.213/91, que garante ao empregado que
20

sofre acidente do trabalho, a permanência no emprego pelo prazo mínimo de doze meses,
após a cessação do auxílio-doença acidentário. Assim, a dispensa foi arbitrária e deverá ser o
vindicante reintegrado ao emprego, sob pena de pagamento de todos os direitos trabalhistas
referente ao período estabilitário.

2.5. DA JORNADA DE TRABALHO - HORAS EXTRAS:

Desde a sua admissão, o Reclamante sempre prestou serviços em horários extraordinários,


porquanto laborava de Segunda à Sexta-feira das 08h00min horas às 20h00min horas, com
apenas uma hora de intervalo para almoço e, aos sábados laborava das 08h às 13h horas, sem
intervalo. Destacando-se que a reclamada nunca efetuou o pagamento das horas
extraordinárias.

Vale salientar, que as jornadas de trabalho constantes nos cartões de ponto não correspondem
à realidade, uma vez que a Reclamada só permitia as marcações e registros das horas normais,
sem a inclusão das horas extras.

2.8. DA EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS

Em virtude da prática de infrações às normas de proteção ao trabalhador, requer a Vossa


Excelência que se digne a comunicar os fatos aos órgãos competentes, para apuração das
infrações, nos moldes do art. 653 - consolidado, da CLT.

3. DOS PEDIDOS

Ex positis, requer a procedência da presente ação e a condenação da reclamada, imputado-lhe


as seguintes obrigações:

3.1. Anulação da dispensa motivada com a consequente reintegração do Reclamante às suas


funções e condenar a reclamada a pagar as seguintes verbas:

3.1.1. Salários vencidos a partir da data da dispensa – 06/05/09 e vincendos até a efetiva
reintegração, com a repercussão das horas extras habitualmente prestadas;

3.1.2 pagamento da verba referente às horas extras não pagas, com acréscimo de 50%, sua
integração ao salário e reflexo nas parcelas de: férias com 1/3, 13º salário, repouso semanal
remunerado e depósitos fundiários, com o consequente pagamento das diferenças que daí se
originam;

4. Não sendo possível, ou não querendo atender aos pedidos constantes dos itens 3.1 a 3.1.2
requer, alternativamente, a anulação da dispensa motivada, e que a Reclamada seja condenada
a pagar ao Reclamante os seguintes títulos, com juros e correção monetária:
4.1 - Indenize ao reclamante os 12 (doze) meses referentes à estabilidade, devidamente
acrescidos de férias com 50%, 13º salário, RSR, FGTS, multa de 40 % sobre o FGTS, média
de horas extras e RSR, contados a partir da data da dispensa;
4.2 - Aviso prévio com integração ao tempo de serviço;
4.3 – 13º salário proporcional;
4.4 - Férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional;
4.5 – Liberação do FGTS com multa de 40%,ou indenização equivalente;
21

4.6- Horas extras, com o adicional de 50%, sua integração ao salário e reflexo nas parcelas de:
aviso-prévio, férias com 1/3, 13º salário, repouso semanal remunerado e FGTS com 40%,
com o consequente pagamento das diferenças que daí se originam;
4.7- Multa de uma remuneração face ao atraso e não pagamento das verbas rescisórias, nos
termos do § 8º do art. 477 da CLT;
4.8 - Indenização por danos morais a ser arbitrada por Vossa Excelência em quantia não
inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais);
4.9- Pagamento das verbas rescisórias incontroversas, na primeira audiência, sob pena de
pagá-las acrescidas de 50%, conforme determina o artigo 467 da CLT;
4.10- Honorários Advocatícios de 20% sobre o valor da condenação;
4.11- Requer, ainda, que seja determinada expedição de oficio ao INSS e a DRT, para
apuração das infrações cometidas pela Reclamada, de ordem fiscal.

Ante ao exposto, requer que Vossa Excelência se digne determinar a Notificação da


Reclamada, na pessoa de seu representante legal, para que, no dia e hora designados por esse
M.M. Juízo compareça à audiência de Conciliação e Julgamento e, conteste, querendo, a
presente reclamatória, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria fática.

Protesta provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, especialmente,


depoimento pessoal do representante legal da Reclamada, sob pena de confesso, oitiva de
testemunhas, perícia, juntada de outros documentos e outros meios de prova, se necessários.

Dá-se à causa o valor R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Termos em que,
Pede Deferimento.

Salvador, 20 de março de 2012.

________________________
OAB/BA .....................

3 O PROCESSO DE LEITURA

Leitura é um ato individual de construção de significado num contexto que se


configura mediante a interação entre autor e leitor, e que, portanto, será diferente, para cada
leitor, dependendo de seus conhecimentos, interesses e objetivos do momento. Nesse sentido,
na interação do leitor com o texto, podem ocorrer variadas leituras, com significados
diferentes: pode ocorrer um simples reconhecimento de um sentido único até leituras que
permitam uma variação de sentidos de maneira bastante ampla.
Diz-se que a leitura é produzida. Ela é o momento crítico da construção do texto, pois
é o momento privilegiado do processo da interação verbal: aquele em que os interlocutores,
ao se identificarem como interlocutores, desencadeiam o processo de significação.
O leitor deve ser capaz de reconhecer os tipos de discurso e estabelecer a relevância de
certos fatores para a significação do texto objeto de sua leitura. Assim, um texto de ficção
exige do leitor diferente atuação de leitura que teria em relação a um texto científico; um texto
lúdico exige do leitor postura diferente da que teria em relação a um texto polêmico.
Os objetivos básicos da leitura são a assimilação, a busca de conhecimentos, a
preparação intelectual para posicionamentos críticos diante da realidade circundante.
22

Muitas pessoas dizem ter dificuldade de apreensão daquilo que leem, e tal fato se
deve principalmente à velocidade da leitura que imprimem ao texto que têm diante de si.
Às vezes, retornam seguidamente ao parágrafo ou ideia precedente, o que prejudica a
compreensão e amplia o dispêndio de tempo. Assim sendo, o primeiro obstáculo a vencer
é superar a lentidão na leitura, fazer uma leitura desobstruída.
Outro extremo é a leitura superficial, ultrarrápida. Evidentemente, a velocidade
de leitura depende de cada um, bem como do gênero de texto que se está lendo.
A leitura eficaz diz respeito à qualidade, enquanto a leitura eficiente se relaciona com
a quantidade. Pela primeira se almeja a exaustividade; pela segunda se busca alcançar maior
velocidade.
A leitura deve ser feita levando em consideração os seguintes passos:
• visão geral;
• questionamento despertado pelo texto;
• estudo do vocabulário;
• linguagem não-verbal;
• essência do texto;
• síntese do texto;
• avaliação.

Existem três tipos de leitor. A saber:


1. Leitor que privilegia o processamento descendente: apreende facilmente as ideias gerais e
principais do texto, é fluente e veloz. No entanto, tenta excessivamente adivinhar ideias sem
confirmá-las com o texto. Valoriza mais seus conhecimentos prévios que os do texto.
2. Leitor que privilegia o processamento ascendente: constrói o significado com base nas
informações do texto. Dedica-se pouco à leitura das entrelinhas. Tem dificuldades em
sintetizar ideias, pois não sabe distinguir ideias principais, relevantes, de ideias secundárias e
ilustrativas.
3. Leitor maduro: utiliza ambos os processos anteriores complementarmente. Tem controle
consciente e ativo de seu comportamento.
Segundo o primeiro tipo de leitor, tem-se de contextualizar o autor, o texto, situá-lo no
tempo e na corrente de ideias humanas. É o que faz uma leitura do tipo inspecional. Já o
comportamento do segundo tipo de leitor pertence à leitura cuidadosa, atenta às palavras
desconhecidas e às ilustrações. O terceiro combina os dois modos de leitura.
O leitor é competente, então, se diante de um texto, é capaz de perceber que lhe falta
algo: início, meio ou fim, ou seja, se o texto é completo ou incompleto. Também se revela
competente se é capaz de parafrasear o texto, resumi-lo dar-lhe um título ou, com base no
título, desenvolver um texto.

3.1 COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

Existem textos inteiramente inteligíveis ao leitor e textos cujo conteúdo não é


compreensível completamente. Isso porque podemos dividir a leitura em leitura informativa e
leitura interpretativa.
A leitura informativa compreende a seleção de ideias-chave do texto, possibilitando
um resumo do texto.
A leitura interpretativa exige o domínio da leitura informativa. Para isso, é necessário
o reconhecimento de determinadas capacidades de conhecimento, como a compreensão, a
análise, a síntese, a avaliação, a aplicação.
23

A compreensão caracteriza-se como capacidade de entendimento literal da mensagem.


O leitor preocupa-se em ver o texto segundo a óptica do autor e busca responder às perguntas:
que tese o autor do texto defende? De que trata o texto?
Já a análise envolve capacidade do leitor para verificar as partes constitutivas do texto,
de tal forma que possa perceber os nexos lógicos das ideias e sua organização. Nesse estágio,
é necessário responder à pergunta: quais são as partes de constituem o texto?
A síntese implica capacidade para apreender as ideias essenciais do texto. Nesse caso,
o leitor busca reconstruir o texto, eliminando o que é secundário.. Responde-se às perguntas:
quais são as ideias principais do texto? Como elas se inter-relacionam?
Por avaliação entende-se a capacidade de emissão de um juízo valorativo a respeito do
texto, Nesse estágio, responde-se às questões: o texto é passível de crítica? Há pontos fracos?
Há falhas na argumentação?
Finalmente, a etapa de aplicação caracteriza-se como capacidade para, com base no
texto, resolver situações semelhantes. O entendimento do texto possibilita a projeção de novas
ideias e a obtenção de novos resultados. Responde à pergunta: as ideias expostas no texto são
passíveis de ser aplicadas em que contexto?

EXEMPLO
O programa nacional de desenvolvimento dos recursos hídricos, o PRÓÁGUA Nacional, é
um programa do Governo Brasileiro financiado pelo Banco Mundial. O programa originou-se
da exitosa experiência do PRÓÁGUA/Semiárido e mantém sua missão estruturante, com
ênfase no fortalecimento institucional de todos os atores envolvidos com a gestão dos
recursos hídricos no Brasil e na implantação das infraestruturas hídricas viáveis do ponto de
vista técnico, financeiro, econômico, ambiental e social, promovendo, assim, o uso racional
dos recursos hídricos.

Assinale a opção correta em relação ao texto:


a) O governo brasileiro vem se mostrando atuante na implementação de políticas públicas que
promovam o desenvolvimento nacional.
b) Tanto o PRÓÁGUA/Semiárido como o PRÓÁGUA Nacional promovem o uso racional
dos recursos hídricos.

4 AS INFORMAÇÕES IMPLÍCITAS

Leitor perspicaz é aquele que consegue ler nas entrelinhas. Caso contrário, ele pode
passar por cima de significados importantes e decisivos ou – o que é pior – pode concordar
com coisas que rejeitaria se as percebesse. Portanto, um dos aspectos mais intrigantes da
leitura de um texto é a verificação de que ele pode dizer coisas que parece não estar dizendo:
além das informações explicitamente enunciadas, existem outras que ficam subentendidas ou
pressupostas. Para realizar uma leitura eficiente, o leitor deve captar tanto os dados explícitos
quanto os implícitos.

Observe a seguinte frase:


• Fiz faculdade, mas aprendi algumas coisas.

Nela o falante transmite duas informações de maneira explícita:


a) que ele frequentou um curso superior;
b) que ele aprendeu algumas coisas.
24

Ao ligar essas duas informações com um “mas” comunica também de modo implícito
sua crítica ao sistema de ensino superior, pois a frase passa a transmitir a ideia de que nas
faculdades não se aprende nada.

Não é preciso dizer que alguns tipos de texto exploram, com malícia e com intenções
falaciosas, esses aspectos subentendidos e pressupostos.
O que são pressupostos? São aquelas ideias não expressas de maneira explícita, mas
que o leitor pode perceber a partir de certas palavras ou expressões contidas na frase.
Assim, quando se diz “O tempo continua chuvoso”, comunica-se de maneira explícita
que no momento da fala o tempo é de chuva, mas, ao mesmo tempo, o verbo “continuar”
deixa perceber a informação implícita de que antes o tempo já estava chuvoso.
Na frase “Pedro deixou de fumar” diz-se explicitamente que, no momento da fala,
Pedro não fuma. O verbo “deixar”, todavia, transmite a informação implícita de que Pedro
fumava antes.
A informação explícita pode ser questionada pelo ouvinte, que pode ou não concordar
com ela. Os pressupostos, no entanto, têm que ser verdadeiros ou pelo menos admitidos como
verdadeiros, porque é a partir deles que se constroem as informações explícitas. Se o
pressuposto é falso, a informação não tem cabimento. No exemplo acima, se Pedro não
fumava antes, não tem cabimento afirmar que ele deixou de fumar.
Na leitura e interpretação de um texto, é muito importante detectar os pressupostos,
pois seu uso é um dos recursos argumentativos utilizados com vistas a levar o ouvinte ou o
leitor a aceitar o que está sendo comunicado. Ao introduzir uma ideia sob a forma de
pressuposto, o falante transforma o ouvinte em cúmplice, uma vez que essa ideia não é posta
em discussão e todos os argumentos subsequentes só contribuem para confirmá-la.
Por isso, pode-se dizer que o pressuposto aprisiona o ouvinte ao sistema de
pensamento montado pelo falante.
A demonstração disso pode ser encontrada em muitas dessas “verdades”
incontestáveis postas como base de muitas alegações do discurso político.

Tomemos como exemplo a seguinte frase:


É preciso construir mísseis nucleares para defender o Ocidente de um ataque soviético.
O conteúdo explícito afirma:
- a necessidade de construção de mísseis;
- com a finalidade de defesa contra o ataque soviético.

O pressuposto, isto é, o dado que não se põe em discussão é: os soviéticos pretendem


atacar o Ocidente.
Os argumentos contra o que foi informado explicitamente nessa frase podem ser:
- os mísseis não são eficientes para conter o ataque soviético;
- uma guerra de mísseis vai destruir o mundo inteiro e não apenas os soviéticos;
- a negociação com os soviéticos é o único meio de dissuadi-los de um ataque ao
Ocidente.
Como se pode notar, os argumentos são contrários ao que está dito explicitamente,
mas todos eles confirmam o pressuposto, isto é, todos os argumentos aceitam que os
soviéticos pretendem atacar o Ocidente.
A aceitação do pressuposto é o que permite levar à frente o debate. Se o ouvinte disser
que os soviéticos não têm intenção nenhuma de atacar o Ocidente, estará negando o
pressuposto lançado pelo falante e então a possibilidade de diálogo fica comprometida
irreparavelmente. Qualquer argumento entre os citados não teria nenhuma razão de ser. Isso
quer dizer que, com pressupostos distintos, não é possível o diálogo ou não tem ele sentido
25

algum. Pode-se contornar esse problema tornando os pressupostos afirmações explícitas, que
então podem ser discutidas.

Os pressupostos são marcados, nas frases, por meio de vários indicadores linguísticos,
como, por exemplo:
a) certos advérbios
Os resultados da pesquisa ainda não chegaram até nós.
Pressuposto: Os resultados já deviam ter chegado. ou Os resultados vão chegar mais tarde.

b) certos verbos
O caso do contrabando tornou-se público.
Pressuposto: O caso não era público antes.

c) as orações adjetivas
Os candidatos a prefeito, que só querem defender seus interesses, não pensam no povo.
Pressuposto: Todos os candidatos a prefeito têm interesses individuais.

d) os adjetivos
Os partidos radicais acabarão com a democracia no Brasil.
Pressuposto: Existem partidos radicais no Brasil.

RESUMINDO: pressupostos são ideias não expressas de maneira explícita, mas que o leitor
pode perceber a partir de certas palavras ou expressões contidas na frase. Assim, se o texto
informa que “semana que vem ainda não teremos motivos de alegria”, a expressão AINDA
indica que o atual momento é de tristeza, de adversidades. Se nos dizem que continuará
fazendo calor amanhã, o verbo continuar é um pressuposto de que a temperatura anda
elevada.

E os subentendidos? São insinuações contidas por trás de uma informação. Se o


pressuposto não pode ser discutido, já o subentendido depende do ouvinte ou leitor. O
emissor, ao subentender, coloca-se numa posição de segurança. Conforme a reação do leitor
ou do ouvinte, poderá dizer que o sentido de suas palavras era o literal e não o que foi
entendido. Suponha-se que alguém, numa festa de casamento, diga que gosta muito de
caipirinha quando está na praia. A frase pode levar ao subentendido de que essa pessoa
considera que lugar de caipirinha não é em festa de casamento. Se a audiência aborrecer-se,
ela poderá acrescentar que também não desgosta de caipirinha nas demais situações: “estava
apenas afirmando que gosto de caipirinha quando estou na praia”.

EXERCÍCIOS
Veja os textos abaixo e procure informações implícitas.

Pesquisa revela que só 19% usam camisinha


Um levantamento feito com trabalhadores de 120 empresas de 14 estados revela que o
brasileiro ainda está muito mal informado sobre as formas de contágio da AIDS. Segundo a
pesquisa, 71% dos 4941 entrevistados acreditam que doar sangue transmite a doença, quando,
na verdade, o perigo é receber o sangue de alguém que possui o vírus.
26

No tema prevenção, a situação também é preocupante: 96,4% dos pesquisados sabem que o
uso do preservativo evita a transmissão da doença, mas, mesmo assim, 47% responderam que
nunca usaram preservativo; 18% disseram que usam camisinha às vezes; e 19% afirmaram
usá-la sempre.
Mc Donald’s decide se pintar de verde
A rede de lanchonetes Mc Donald’s trocou o tradicional vermelho de seu logotipo por um
verde escuro para buscar imagem mais “ambientalmente amigável”, na Europa. A mudança
começa na Alemanha, onde cerca de 100 lanchonetes farão a mudança até o final do ano, de
acordo com a companhia. Hoger Beek, vice-presidente do conselho de administração da
companhia na Alemanha, diz que o objetivo da mudança é deixar clara a responsabilidade
com a preservação dos recursos naturais.

EXERCÍCIO - Decisão do juiz caso Richarlysson

Que nível de linguagem é utilizado no texto?


Que função da linguagem predomina no texto? Justifique sua resposta.
Encontre trechos descritivos, narrativos e dissertativos no texto.
Assinale alguns vocábulos característica de textos jurídicos.
Há a presença de intertextualidade?
Comente pelo menos 5 trechos que trazem pressuposição.
Qual o subentendido?
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30
31

5 COERÊNCIA E COESÃO

Como foi visto, o texto é um entrelaçamento de palavras que formam um enunciado,


por sua vez, associado a outros enunciados com o objetivo de transmitir uma mensagem.
Deste conceito, duas consequências são resultantes: a necessidade de coesão ou unidade, ou
seja, um nexo sequencial de ideias entrelaçadas e, também, a obrigatoriedade de coerência,
pois uma sequência de ideias deve dirigir-se a outras a ela pertinentes, com adequada relação
semântica.
A coesão não é só um processo de olhar para trás – anáfora, mas também o de olhar
para adiante – catáfora. Ainda assim, não basta juntar uma frase a outra para acreditar que se
escreve bem, pois além da coesão (elo), é preciso pensar na coerência – resultado da
articulação lógico-semântica, cuja estrutura é sinalizada pela interação verbal por meio de
palavras e frases capazes de compor um todo significativo e elegante.
Uma sequência de frases bem organizadas pode ainda não ser considerado um texto,
pois se esse conjunto for desconexo, nele a conjunção de caracteres que fazem de um
amontoado frasal um texto propriamente dito. Esse “ingrediente” é decomponível em dois
conjuntos de características denominadas: coesão e coerência textuais.

5.1 COESÃO

Veja o exemplo:
Era um dia claro e animado. Todos queriam desfrutá-lo ao lado dos pássaros e flores
em festa. Eu só queria isolar-me do mundo, fechada no escuro da decepção.

Observe agora:
Era um dia claro e animado, Parecia que todos queriam desfrutá-lo ao lado dos
pássaros e flores em festa, ou melhor, quase todos, porque eu não conseguia participar
daquele entusiasmo. Eu só queria isolar-me do mundo, fechada no escuro da decepção.

Comparando-se os dois textos, inegável é perceber que o segundo possibilita um


entrelaçamento de ideias mais vigorosos que o primeiro, pela preocupação com a unidade
textual.
Não é o texto, portanto, uma sequência de termos desunidos, soltos, cada qual atirado
num canto. Chapéus e vestidos soltos numa loja pouco servem; só adquirem valor quando
ajustados num corpo feminino que lhes dá graça e harmonia. Assim também funcionam os
elos coesivos, caminhando para trás e para frente, costurando perfeitamente o texto nestes
movimentos de vaivém, em conexão sequencial a que se chama coesão.

A coesão é sempre explícita, ligando o texto por meio de elementos superficiais que
expressamente costuram as ideias, dando-lhe uma organização sequencial.

Para isso, utilizamos


a) conectores substitutivos:
• Hiperonímia: substituição de um termo mais específico por outro mais amplo.
• Hiponímia: substituição de um termo mais amplo por outro mais específico.
• Nominalização: relação verbo à nome.
• Verbalização: relação nome à verbo.
• Perífrase: circunlóquio usado para estabelecer distinção em relação a algo / alguém.
32

• Repetição do nome próprio: geralmente de parte dele que o distinga.


• Termo-síntese: substitui termos por um vocábulo que seja capaz de sintetizar o que já
escreveu. É um aposto resumitivo.

b) conectores de referência
• Advérbios pronominais: sinalizadores espaciais
• Numerais substantivos: funcionam como termos sintetizadores
• Pronominalização: demonstrativos (isso), pessoais (-o), relativos (cujo)
o Pronomes pessoais (ela, -o, lhe..)
o Pronomes demonstrativos (isso, este, aquele...)
o Pronomes relativos (cujo, quanto, que, quem...)

c) Elementos de omissão
• Elipse do verbo: termo dedutível pelo contexto.
• Zeugma: termo retirado para evitar mera repetição.

d) Termos de referência
• Acrescentam ideias: e, além de, ademais, também...
• Relação de concessão: embora, não obstante, apesar de, conquanto...
• Oposição de ideias: mas, porém, contudo, entretanto, no entanto...
• Relação de conformidade: conforme, de acordo com, segundo, consoante...
• Relação de comparação: assim como, da mesma forma, tal qual...
• Constatação: de fato, realmente, é verdade, evidentemente...
• Explicação / causa: pois, porque, porquanto, devido a, em virtude de...
• Destaque: mormente, antes de mais nada, sobretudo, principalmente, máxime...
• Relação de temporalidade: antes que, enquanto, depois, quando...
• Conclusão de ideias: assim, destarte, portanto, assim sendo, logo...
• Relação de modo: desse modo, dessa maneira...
• Relação locativa: onde, aonde, donde.

5.2 COERÊNCIA

A coerência é a adequação dos elementos textuais em busca de uma unidade, em que


as ideias se compatibilizem.
Observe:
Fui ao cinema hoje, mas estou feliz.

Verifique: a conjunção “mas” cria uma expectativa semântica de oposição, inadequada


à ideia, por não haver relação lógica entre ir ao cinema / oposição a estar feliz. Mais próprio
seria, para compreender a enunciação, o emprego da explicativa “por isso”, relação semântica
compreensível e pertinente.
A coerência é resultado da estrutura lógica do texto. Independentemente dos elementos
ligativos presentes no texto, a continuidade de sentidos percebida pela organização de
estruturas subjacentes, assegura a unidade e adequação de ideias.
A coerência de um texto depende de:
• manter uma referência tematizada, as partes devem estar inter-relacionadas;
• expor uma informação nova e expandir o texto;
33

• não apresentar contradições entre as ideias;


• apresentar um ponto de vista, uma nova visão de mundo.
EXERCÍCIO
Leia o texto abaixo e verifique o papel das palavras de coesão. Identifique-as colocando o
valor de cada uma.

FALTA DE AUTORIDADE - Walter Ceneviva

De repente o Judiciário começou a ser apontado como um dos maiores vilões da crise
brasileira, em visão distorcida e errada de seu papel da vida nacional. Tenho criticado vários
atos e segmentos do Judiciário, cujo controle externo defendo. Recentemente escrevi que se
os juízes tiverem vontade de trabalhar – expressão com a qual sintetizei aspectos das
deficiências judiciais – resolverão muitos dos problemas sociais que enfrentamos na
atualidade. Assim sendo, sinto-me à vontade para negar que cabe ao Judiciário a maior culpa
pela crise.
Em primeiro lugar, tenha-se presente que grande número dos processos civis, fiscais e
trabalhistas tem origem em ilegalidades praticadas por administradores públicos, cuja visão
caolha faz com que queiram receber créditos governamentais, mas não queiram saldar os
respectivos débitos. Eles se esquecem da sabedoria de Vicente Matheus quando trata das facas
de dois gumes, pois o Judiciário eficiente tanto permitirá as cobranças reclamadas, quanto
forçará o poder público a parar com seus calotes e impedirá as ilegalidades cometidas.
Em segundo lugar, acentuo as omissões no cumprimento do dever legal dos outros
poderes. Exemplo mais gritante é do próprio Legislativo, que não aprovou as leis
suplementares da Carta de 1988.
O executivo, por seu lado, baixa instruções, decretos, portarias e toda sorte de medidas
administrativas, muitas das quais são flagrantemente ilegais. Forçam os contribuintes a se
defenderem em juízo. Agravam o congestionamento judicial. Nenhuma lesão ou ameaça de
lesão ao direito individual pode ser excluída de apreciação pelo Poder Judiciário na verdadeira
democracia. Se o Executivo quiser que as pessoas diminuam a corrida aos tribunais deve parar
com as ilegalidades.
Assinalo, ainda, a distância numérica entre o aparato judiciário brasileiro e o universo
ao qual ele deve atender. Há menos de 20 mil juízes para quase 350 mil advogados. O número
de processos em andamento se conta aos milhões (só na justiça paulista existem 4 milhões). A
deficiência não é culpa exclusiva do Judiciário, embora este tenha boa parte da
responsabilidade.
A máquina judiciária – fora das áreas da magistratura – é muito mal remunerada nas
justiças estaduais. A rotatividade é forte. A baixa remuneração, contraposta à mobilidade da
força de trabalho, lidando com leis e instruções frequentemente conflitantes, mais confunde o
processo judicial quando tratado por mão-de-obra desqualificada.
Necessário é lembrar da história recente do Brasil, na qual o Judiciário foi fonte
principal de defesa dos interesses individuais, ante o mau comportamento dos outros poderes.
Lembro o homicídio, ocorrido em 1975, cujo réu – que teve este mês presença
meteórica no Ministério da Agricultura – não foi julgado até o presente, como outro exemplo
de responsabilidade múltipla. A demora escandalosa não seria possível com o Ministério
Público, titular da acusação, atento e diligente. Nunca seria possível sob a legislação
aprimorada, sem prejuízo das garantias de ampla defesa, como tem acontecido no
frequentemente citado exemplo italiano. Também não seria possível, é evidente, se os muitos
juízes que passaram pelo caso tivessem tido vontade de brigar.
O Brasil precisa recompor as deficiências de sua economia em crise. A magistratura
deve participar desse esforço. Todavia, o brasileiro não pode supor que a lentidão do
34

Judiciário impede a recuperação. O exame atento mostrará a injustiça de lançar todas as


culpas sobre as costas dos magistrados. Inocentes, de todo, eles não são. Mas a culpa – se é o
caso de nos preocuparmos com culpas em pleno centro da tempestade – melhor será dividi-la
com os dois outros poderes, detonadores da confusão em que temos vivido e, portanto, sem
autoridade moral para criticarem os homens (e mulheres) da toga.

5.3 AMBIGUIDADE

Ambiguidade é o nome dado à duplicidade de sentidos, em que alguns termos,


expressões, sentenças apresentam mais de uma acepção ou entendimento possível. Em outras
palavras, ocorre quando, por falta de clareza, há duplicidade de sentido da frase. Apesar de ser
um recurso aceitável dentro da linguagem poética ou literária, deve ser na maioria das vezes,
evitado em construções textuais de caráter técnico, informativo ou pragmático.

É ambíguo o texto / sentença que pode tomar mais de um sentido; e deixar mais de um
sentido reflete algo que é incerto, hesitante, equívoco. Consequentemente, o uso da
ambiguidade resulta em má interpretação da mensagem.

A inadequação ou a má colocação de elementos como pronomes, adjuntos adverbiais,


expressões e mesmo enunciados inteiros podem acarretar duplo sentido, comprometendo a
clareza do texto. Na publicidade observamos o uso e o abuso da linguagem plurissignificante,
por meio dos trocadilhos e jogos de palavras, procurando chamar a atenção do interlocutor
para a mensagem. Caso o autor não se julgue preparado para utilizar corretamente a
ambiguidade, é preferível uma linguagem mais objetiva, com vocábulos ou expressões que
sejam mais adequadas às finalidades requeridas.

A ambiguidade é conseqüência de:


a) Homonímia: A propriedade de duas ou mais palavras, totalmente diversas pela
significação ou função, terem a mesma estrutura fonológica, os mesmo fonemas, dispostos na
mesma ordem e com o mesmo tipo de acentuação.
Ex: Vão = substantivo (O vão entre uma cama e outra é grande)
Vão = adjetivo (Isso tudo é vão, não vai resolver o problema)
Vão = verbo ir ( Eles vão ao campo ver a partida)

b) Polissemia: uma mesma palavra pode apresentar vários significados.


Ex: Ele ocupa um alto posto na empresa.
Abasteci meu carro no posto da esquina.

c) Má colocação do adjunto adverbial


Ex: Pessoas que consomem bebidas alcoólicas com frequência apresentam sintomas de
irritabilidade e depressão.
Para evitar ambiguidade: “As pessoas que, com frequência, consomem bebidas alcoólicas
apresentam sintomas de irritabilidade e depressão" ou "As pessoas que consomem bebidas
alcoólicas apresentam, com frequência, sintomas de irritabilidade e depressão".

d) Uso incorreto do pronome relativo


Ex: A estudante falou com o garoto que estudava enfermagem. Quem estuda enfermagem, a
estudante ou o garoto?
35

Para evitar ambiguidade: A estudante de enfermagem falou com o garoto; ou A estudante


falou com o garoto do curso de enfermagem

e) Má colocação de pronomes possessivos


Ex: A mãe pediu à filha que arrumasse o seu quarto. Qual quarto? O da mãe ou da filha?
Para evitar ambiguidade: A mãe pediu à filha que arrumasse o próprio quarto.

f) Erro de pontuação
Ex: Na verdade eu te digo hoje estarás no paraíso.
Para evitar ambigüidade: Na verdade, eu te digo, hoje estarás no paraíso. Ou Na verdade, eu
te digo hoje, estarás no paraíso.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO

1. Identifique no texto a seguir os termos que retomam as palavras em destaque:


“Carnaval de 2006, o Rio de Janeiro guardava a mesma magia de que Maria sentira ao chegar
lá no Carnaval de 96. Essa ausência, ao contrário de fazê-la esquecer o lugar, aumentou ainda
mais sua imensurável admiração pela metrópole praiana. A capital havia se tornado a
preferida dela, ainda antes de se apaixonar por João e, durante os próximos cinco anos, suas
afeições ficariam divididas entre os dois. Ambos a adoravam e eram, por sua vez,
reverenciados por ela, tornando-se absolutamente essenciais à sua vida. Com indisfarçável
felicidade, a jovem cantora não podia desprezar os carinhos de um sem a beleza urbana do
outro. Decidiu: seriam para sempre três em um.”

2. No texto a seguir, há um trecho que, se tomado literalmente, leva a uma interpretação


absurda. Identifique que trecho é esse, o que diz e qual seria a interpretação pretendida pelo
autor.
“A oncocercose é uma doença típica de comunidades primitivas. Não foi desenvolvido ainda
nenhum medicamento ou tratamento que possibilite o restabelecimento da visão. Após ser
picado pelo mosquito, o parasita (agente da doença) cai na circulação sanguínea e passa a
provocar irritações oculares até perda total da visão.”

3. A maneira como certos textos são escritos pode produzir efeitos de incoerência, como no
exemplo: “Zélia Cardoso de Mello decidiu amanhã oficializar sua união com Chico Anysio.”
(A Tarde, Salvador). Identifique no texto abaixo a incoerência presente e mostre as
modificações necessárias para resolver o problema.

“As forças armadas brasileiras já estão treinando 3 mil soldados para atuar no Haiti depois da
retirada das tropas americanas. A Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou o envio de
tropas ao Brasil e a mais quatro países, disse ontem o presidente da Guatemala, Ramiro de
León.”

4. Encontre os problemas de ambiguidade:


a) Carlos pediu a José para assinar o contrato.

b) O advogado disse ao réu que suas palavras convenceriam o juiz.


36

c) Macarrão levou Eliza Samudio para ser morta por amar Bruno, diz advogado do
goleiro.

d) Campanha contra a violência do governo do Estado entra em nova fase.

e) A empregada lavou as roupas que encontrou no tanque.

5. Os termos além de, no entanto, então, portanto estabelecem no texto relações,


respectivamente, de:

“Além de parecer não ter rotação, a Terra parece também estar imóvel no meio dos céus.
Ptolomeu dá argumentos astronômicos para tentar mostrar isso. Para entender esses
argumentos, é necessário lembrar que, na Antiguidade, imaginava-se que todas as estrelas
(mas não os planetas) estavam distribuídas sobre uma superfície esférica, cujo raio não parece
ser muito superior à distância da Terra aos planetas. Suponhamos agora que a Terra esteja no
centro da esfera das estrelas. Nesse caso, o céu visível à noite deve abranger, de cada vez,
exatamente a metade da esfera das estrelas. E assim parece realmente ocorrer: em qualquer
noite, de horizonte a horizonte, é possível contemplar, a cada instante, a metade do zodíaco.
Se, no entanto, a Terra estivesse longe do centro da esfera estelar, então o campo de visão à
noite não seria, em geral, a metade da esfera: algumas vezes poderíamos ver mais da metade,
outras vezes poderíamos ver menos da metade do zodíaco, de horizonte a horizonte.
Portanto, a evidência astronômica parece indicar que a Terra está no centro da esfera de
estrelas. E se ela está sempre nesse centro, ela não se move em relação às estrelas.”
Além de No entanto Então Portanto
(a) Conformidade (a) enfatiza ideia (a) consequência (a) adição
(b) Concessão (b) oposição (b) tempo (b) contradição
(c) Distanciamento (c) consequência (c) conclusão (c) efeito
(d) Comparação (d) constatação (d) explicação (d) conclusão
(e) Adição (e) adição (e) efeito (e) consequência

6. Relacione as colunas de acordo com a relação que a conjunção estabelece no período

(1) Adoram peixes, mas não gostam de pescar. ( ) relação de adição


(2) Vim cauteloso e não fiz barulho. ( ) relação de oposição
(3) Gritou, sim, que eu ouvi. ( ) relação de proporção
(4) À medida que envelheço, presto menos atenção ao que as ( ) relação de conclusão
pessoas dizem. ( ) relação de explicação
(5) O candidato não apresentou os documentos, portanto não
pôde entrar na sala de provas.

6 ESTRATÉGIAS DE LEITURA

O bom leitor utiliza estratégias de leitura e desenvolve habilidades linguísticas.


37

Podemos definir estratégias de leitura como operações regulares para abordar o texto.
Essas estratégias podem ser inferidas a partir da compreensão do texto, que por sua vez é
inferida a partir do comportamento verbal e não-verbal do leitor, isto é, do tipo de respostas
que ele dá a perguntas sobre o texto, dos resumos que ele faz, de suas paráfrases, como
também da maneira com que ele manipula o objeto: se sublinha, folheia sem se deter a parte
alguma, se passa os olhos rapidamente e espera a próxima atividade começar, se relê...
Para começar, o leitor eficiente faz predições baseadas no seu conhecimento de
mundo. Fazer predições baseadas no conhecimento prévio, isto é, adivinhar, informados pelo
conhecimento (procedimento que chamamos de formulação de hipóteses de leitura), constitui
um procedimento eficaz de abordagem do texto desde os primeiros momentos de formação do
leitor até estágios mais avançados. As predições não precisam ficar reduzidas apenas àquelas
baseadas em conhecimentos mais fechados, como as hipóteses a partir do conhecimento sobre
o gênero textual, mas podem ser questões muito mais abertas, como por exemplo, o assunto.
Para a elaboração de uma hipótese de leitura é necessário ativar o conhecimento prévio do
leitor sobre o assunto. Quanto mais o leitor sabe sobre o assunto, mais seguras serão suas
predições.
Outra estratégia interessante é elaborar um mapa textual. Esse mapa faz com que as
dificuldades na leitura sejam reduzidas: palavras-chaves e conceitos.
Após a elaboração de hipóteses e de posse o mapa textual, a primeira leitura do texto
fica muito mais fácil, o aluno pode começar a ler com um objetivo específico – confirmar ou
desconfirmar suas hipóteses.

1. Ter um objetivo
2. Fazer predições
3. Conhecer o vocabulário
4. Apreender o tema - Encontrar informações explícitas
4.1Segmentação
* Critérios baseados no tempo
* Critérios baseados no espaço
* Critérios baseados nas personagens
* Critérios baseados na temática
4.2 Expansão de palavras
* Por associação
* Por identidade
* Por oposição

As fantasias mortais – Isto é (fev 1984)

Predições:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
38

A lista de 86 animais considerados em extinção no Brasil, elaborada há onze anos pelo


Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), está incompleta: na relação falta a
ema. Esse parente de menor porte da avestruz africana, que em tempos remotos povoou os
campos sul-americanos, da Argentina ao Nordeste brasileiro, e ainda resistia há poucas
décadas no pampa gaúcho, também está desaparecendo. Não bastassem os caçadores,
apreciadores de sua carne macia, e os fabricantes de espanadores, em busca de suas penas, o
intensivo uso de agrotóxicos nas lavouras, durante os últimos dez anos, acelerou o processo
de rarefação da ema. A todos esses inimigos costumam juntar-se no início de cada ano, os
figurinistas do Carnaval – são poucos os que dispensam a leveza das plumas em suas
fantasias.
Embora desprezadas por carnavalescos célebres como o veterano Clóbis Bornay, do
RJ, que prefere penas da avestruz africana, as plumas da ema desfrutam de grande prestígio
entre os foliões mais modestos, sobretudo em decorrência de seu preço: em torno de 400
cruzeiros cada, contra até 7 mil pagos pelas importadoras. Em Porto Alegre, Chico Correa,
figurinista da escola de samba de Vila Restinga, uma das mais modestas do Carnaval gaúcho,
dá os retoques finais numa fantasia que leva quinhentas penas de ema. O figurinista recusa-se
a acreditar que os animais estejam sendo sacrificados. “As penas são apanhadas na época de
muda, uma vez por ano”, imagina ele.
Com efeito, pesquisas recentes dos professores Airton Batista dos Anjos e Henrique
Queirol Chiva, da faculdade de Zootecnia de Uruguaiana, no RS, na fronteira com a
Argentina, chegaram a números dramáticos. Ao vasculhar uma área de 2380 km2 – um terço
do município, os pesquisadores conseguiram contar exatas 2345 emas, ou 78% a menos que
as 10646 aves catalogadas há 30 anos na mesma região. Entre as causas do extermínio, o
delegado estadual do IBDF, João Pedro S Brochado, relaciona uma particularmente atroz:
“Muitas emas morrem em consequência de inflamações nas feridas abertas pelos que
arrancam suas penas para vendê-las no comércio”.

1. O texto acima é uma


( ) descrição ( ) narração ( ) dissertação

2. Qual o significado das palavras abaixo?


Rarefação ______________________________ Atroz ______________________________

3. COESÃO - As palavras abaixo se referem a quê?


Relação _____________________________ o figurinista ____________________________
Esse parente [...] ________________________ os animais
____________________________
esses inimigos _________________________ aves _________________________________
Os __________________________________ uma __________________________________
Uma das mais [...] ___________________________
39

4. COESÃO – Encontre os elos ligativos entre as orações abaixo, explicitando qual a relação
estabelecida por ele (se necessário, consulte os termos de referência na página 32):
“Embora desprezadas por carnavalescos célebres como o veterano Clóbis Bornay, do RJ, que
prefere penas da avestruz africana, as plumas da ema desfrutam de grande prestígio entre os
foliões mais modestos, sobretudo em decorrência de seu preço: em torno de 400 cruzeiros
cada, contra até 7 mil pagos pelas importadoras.”
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

5.Encontre alguns pressupostos


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________

Futebosta – por Luiz Carlos Prates (jun 2011)


Predições:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
40

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. Eu não quero me irritar. Eu aprendi que contando até 10 eu


tenho mais possibilidades de me controlar.
Eu estava lendo pela manhã uma entrevista do Lobão, Lobão o roqueiro. “Ah, mas o
Lobão só diz bobagens”. O Lobão não diz bobagens, ele fala de um modo inconveniente para
muitas pessoas porque ele diz verdades.
Mas ele falava de que o Brasil precisa encontrar o caminho da meritocracia. Isto é: dar
a cada um, segundo suas obras. Fez um trabalho bem feito? Aqui está o reconhecimento. Não
fez um trabalho bem feito? Aqui está a admoestação.
Digo isso para dizer o seguinte: não faz sentido que a Academia Brasileira de Letras, a
casa fundada por Machado de Assis, acabe de outorgar a medalha Machado de Assis para
Ronaldinho Gaúcho. Puxa, mas isto é desencorajar escritores, pensadores, gente que gosta da
Língua Portuguesa, que escreve, que a pensa, que a melhora. Ronaldinho Gaúcho é agraciado
pela Academia Brasileira de Letras com a Medalha Machado de Assis.
Se Ronaldinho Gaúcho entrasse aqui agora eu faria uma aposta com ele: três meses do
meu salário contra três do teu. Eu quero ficar rico. Então tá. Cite dois livros que você tenha
lido. Eu não estou sendo desdenhoso. E eu costumo dizer que Ronaldinho Gaúcho é um
peladeiro de pátio de colégio - nunca jogou nada. E a outorga se deve aos relevantes serviços
prestados à seleção Brasileira, a pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues. Mas o que
ele fez pelo Brasil? Professores, cientistas, assistentes sociais, gente maravilhosa que trabalha
anonimamente, que mudam os rumos da sociedade, pessoas que vão morrer anônimas, pobres,
sem nenhum reconhecimento. Ronaldinho Gaúcho agraciado com a medalha da mais alta
distinção da inteligência brasileira, a medalha Machado de Assis da Academia Brasileira de
Letras. Isso me descolossoa. Me tira a vontade. Me tira completamente a esperança de um
Brasil melhor.
Enquanto continuarmos a dar medalhas Cruzeiro do Sul para guerrilheiros que nunca
lutaram pela democracia, pela liberdade dos povos. Enquanto continuarmos a agraciar
cantadores de rap, hip hop, não sei o quê, com medalhas de distinção de SC ou do Brasil, nós
não vamos achar o caminho. E nós precisamos achar o caminho. E o caminho só pode ser
encontrado pela meritocracia. Nós precisamos elevar, distinguir, premiar, honrar os bons
alunos em sala de aula, os bons professores dentro da empresa, e assim em todas as instâncias,
os políticos honrosos. Nós precisamos descobrir nesse garimpo da vida e das relações
humanas os verdadeiros artífices de uma sociedade melhor.
Agora a Academia Brasileira de Letras se reunir na pompa do fardão para dar a
medalha machado de Assis para Ronaldinho Gaúcho? Eu tenho vontade de rasgar todos os
meus livros e de parar de estudar verbos irregulares. Eu sou um baita dum boca aberta.
Esperto é o Ronaldinho Gaúcho, que no condomínio dele não respeita ninguém. É samba, é
pagode a noite inteira. Mas sabe por quê? Porque falta homem no Brasil, homem que põe o pé
na porta e diz: “cala a boca, baixa o som e respeita.” Ou então: “me diz um livro que tu tenhas
lido”.

1. O texto acima é uma


( ) descrição ( ) narração ( ) dissertação

2. Qual o significado das palavras abaixo?


Meritocracia ______________________________ Outorgar
__________________________
Admoestação _____________________________ Descolossoa
________________________
41

Desdenhoso ______________________________ Artífices ___________________________

3. COESÃO - Encontre no texto alguns elementos coesivos. Pode ser pronome, conjunções,
substituições... (ver página 32)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

4. COESÃO – Qual a relação estabelecida entre as orações abaixo?


“Enquanto continuarmos a dar medalhas Cruzeiro do Sul para guerrilheiros que nunca lutaram
pela democracia, pela liberdade dos povos; enquanto continuarmos a agraciar cantores de rap,
hip hop, não sei o quê, com medalhas de distinção de SC ou do Brasil nós não vamos achar o
caminho.”

5. Encontre e comente alguns pressupostos


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___________________________________________________________________________

SEGMENTAÇÃO

Qual a ideia chave de um “bloco”? Uma vez identificada a palavra-chave, busca-se as


ideias secundárias. Essa seleção deve ser feita em todo o texto, possibilitando a elaboração de
um resumo.
A segmentação pode ser feita segundo quatro possibilidades: por espaço, por
tempo, por personagem ou por temas. A divisão torna mais claras as relações que se
estabelecem entre as partes de um texto e é recomendada para ampliar a eficácia na leitura.
Às vezes, a segmentação pode ser feita pelos parágrafos, mas nem sempre é assim,
pois um assunto pode ser tratado em muitos parágrafos.

1. Segmentação por tempo


A divisão do texto levando em consideração a cronologia dos acontecimentos permite que o
leitor tenha domínio sobre as transformações ocorridas. Nas narrativas, é relevante perceber
como as personagens se transformam, pois reside aí um de seus significados.
2. Segmentação por espaço
A segmentação por espaço destaca diferenças ou semelhanças de acontecimentos em variados
lugares. A divisão permite ao leitor comparar o que ocorre num lugar com o que ocorre em
outro.
3. Segmentação por personagens
As personagens e suas ações são elementos essenciais numa narrativa. Se ao leitor espaçam as
caracterizações delas, ele ficará privado de seu significado. Daí este tipo de divisão que tem
em vista destacá-las.
4. Segmentação por temas
A segmentação por temas visa distinguir ideias para que o leitor possa hierarquizá-las ou
perceber como se estruturam. Inicialmente o leitor distingue as ideias principais das
42

secundárias. Em seguida, pode distinguir as secundárias entre si. Analisa o nexo coesivo das
ideias e ordena a sequência delas.

[A ideia de que é possível salvar o ensino superior do país com a privatização das
universidades públicas não se sustenta como enunciação de um problema.] [Na verdade, o
sistema educacional brasileiro já é privado. Quase sete em cada dez brasileiros que
frequentam escolas em busca de um diploma de curso superior estudam numa faculdade
particular. São escolas, em alguns casos, de certa eficiência – caso de meia dúzia de
faculdades católicas, como a PUC do RJ e a PUC de Porto Alegre, e de exemplos isolados,
como a Escola de Engenharia Mauá e a Cândido Mendes, no RJ. Mas são escolas que
cumprem apenas um dos objetivos – o menor – de uma universidade, que é a formação de
profissionais.]
[No geral, elas se organizam como empresas, fazem do ensino superior um negócio
lucrativo e costumam formar profissionais como advogados, comunicólogos, bacharéis em
Letras. Essa opção se explica: é muito mais caro formar um médico do que um semiólogo.]
[O mais conhecido empresário do ensino, João Carlos Di Gênio, dono do Colégio Objetivo e
da Universidade Paulista, a Unip, reconhece a dificuldade que a escola privada tem de manter
certos cursos. “Demorei vinte anos para conseguir as condições necessárias para criar uma
universidade”, afirma. “E tem gente achando que pode abrir cursos e ensinar da noite pro
dia.”] [A Unip é um exemplo de sucesso do ensino superior privado, e o máximo que ela
consegue é formar dentistas e engenheiros. Nenhuma faculdade de Di Gênio se dedica à
pesquisa básica, a pedra angular da ciência. E raríssimas faculdades privadas produzem
qualquer tipo de saber acadêmico.] [Dos quase 600 trabalhos apresentados na última reunião
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), apenas oito são de autoria de
faculdades privadas isoladas. São trabalhos de uma fragilidade absoluta e que nada
acrescentam à ciência brasileira. A Universidade Santa Cecília dos Bandeirantes, por
exemplo, mostrou um trabalho intitulado “Das medidas assecuratórias: uma abordagem
sociossemiótica”. Só se compara em estranheza ao “resgate do texto bíblico na paródia
infantil contemporânea”, apresentado por professores da Faculdade Porto Alegrense de
Educação, Ciências e Letras.]

EXPANSÃO DE PALAVRAS
1. Por associação: associar é estabelecer correlações entre as palavras. Você deve
encontrar no texto associações ditadas pelo próprio texto, como verbos flexionados ou
palavras de um mesmo campo associativo. A ideia é expandir a palavra-chave.
2. Por identidade: encontre palavras que estabelecem níveis de equivalência no contexto
dado pelo texto. Podem ser adjetivos ou os “sinônimos equivalentes”.
43

3. Por oposição: Todo texto estabelece uma oposição. Procure determinar quais os
termos trazidos pelo texto que se estabelecem pela diferença.

Caravaggio começou a andar sobre o fio da navalha ainda adolescente, em Milão, onde torrou
a herança do pai e foi parar na cadeia pela primeira vez. Em Roma, onde chegou aos 20 anos,
caiu nas graças do cardeal Francesco Del Monte, que o abrigou em seu palácio. Enquanto
amadurecia e aprendia a pintar temas religiosos, o irrequieto pintor se comportava como um
bagunceiro de periferia. Uma noite, jogou um prato de alcachofras cozidas na cara de um
garçom na praça Navona. Noutra, apareceu apunhalado, mas disse à polícia que tinha caído
acidentalmente sobre sua espada.

Expansão de palavras:
1. Por associação

2. Por identidade

3. Por oposição

Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objetivo para viver noutro
mundo. A janela iluminada noite adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro
da vida subjetiva. Árvores ramalham. De vez em quando passam passos. Lá no alto, estrelas
teimosas namoram inutilmente a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da
lâmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa do seu corpo, está suspenso
no ponto ideal de uma outra dimensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há
lugar para dois passageiros: leitor e autor.
Expansão de palavras:
1. Por associação

2. Por identidade
44

3. Por oposição

ESQUELETO DO TEXTO

O programa nacional de desenvolvimento dos recursos hídricos, o PRÓÁGUA Nacional, é


um programa do Governo Brasileiro financiado pelo Banco Mundial. O programa originou-se
da exitosa experiência do PRÓÁGUA/Semiárido e mantém sua missão estruturante, com
ênfase no fortalecimento institucional de todos os atores envolvidos com a gestão dos
recursos hídricos no Brasil e na implantação das infraestruturas hídricas viáveis do ponto de
vista técnico, financeiro, econômico, ambiental e social, promovendo, assim, o uso racional
dos recursos hídricos.

Assinale a opção correta em relação ao texto:

a) O PRÓÁGUA/Semiárido é um dos subprojetos derivados do PRÓÁGUA Nacional.


b) O governo brasileiro vem se mostrando atuante na implementação de políticas
públicas que promovam o desenvolvimento nacional
c) A ênfase no fortalecimento institucional de todos os atores envolvidos com a gestão de
recursos hídricos é exclusiva do PRÓÁGUA/Semiárido.
d) Tanto o PRÓÁGUA/Semiárido como o PRÓÁGUA Nacional promovem o uso
racional dos recursos hídricos.
e) A expressão “sua missão estruturante” refere-se a banco mundial.

3.2 LEITURA CRÍTICA

Um leitor competente reconhece a incompletude do discurso, leva em consideração


pressupostos e subentendidos, o contexto situacional e histórico, a intertextualidade, explicita
os processos de significação do texto, os mecanismos de produção de sentido; enfim,
reconhece a formação discursiva (o que é possível dizer) e a formação ideológica. Por isso, tal
tipo de leitor é crítico e não mero reprodutor daquilo que o autor disse; ele confronta as
informações do texto com a realidade, constrói a leitura.
Um bom leitor é capaz de praticar os níveis de leituras: leitura elementar, leitura
inspecional, leitura analítica, leitura sintópica. São, pois, níveis de leitura informativa
pragmática, funcional, ou seja, leitura que, não obstante possa ser agradável e prazerosa, é
empreendida com finalidade prática, pois tem algum tipo de compromisso com o resultado
que o leitor espera de seu esforço. Nesse caso, lê-se para aprender. Importa também
questionar o que se lê. Vejamos pormenorizadamente:
45

1. Leitura elementar: leitura básica ou inicial. Ao leitor cabe reconhecer cada palavra de
uma página. Leitor que dispõe de treinamento básico e adquiriu rudimentos da arte de
ler.
2. Leitura inspecional: caracteriza-se pelo tempo estabelecido para a leitura. Arte de
folhear sistematicamente.
3. Leitura analítica: é minuciosa, completa, a melhor que o leitor é capaz de fazer. É
ativa em grau elevado. Tem em vista principalmente o entendimento.
4. Leitura sintópica: leitura comparativa de quem lê muitos livros, correlacionando-os
entre si. Nível ativo e laborioso da leitura.

Esses quatro níveis são cumulativos. Um leitor competente transita à vontade pelos
quatro níveis, com desenvoltura e autonomia. Assim, quanto mais se lê, mais apto se torna
para a leitura.

A leitura crítica exige reconhecimento da pertinência dos conteúdos apresentados: cabe


a verificação da unidade do texto, da coerência das ideias, do peso das argumentações.

EXERCÍCIO
Leia o texto abaixo atento às questões:
1. Unidade temática: qual o assunto central do texto?
2. Unidade estrutural: o texto apresenta boa sequência?
3. As informações apresentadas são confiáveis?
4. Opiniões apresentadas ou teses defendidas são convincentes?

Texto 1 - EM ESTADO DE CHOQUE


Carlos Alberto Di Franco

A sequência de crimes brutais praticados por crianças e adolescentes tem deixado a


população norte-americana em estado de choque. O último capítulo da nova patologia social,
o mais assustador de todos, apresentou um impressionante balanço final: 15 mortos e 28
feridos. Enquanto a pequena comunidade de Littletown, um subúrbio da capital do Estado,
Denver, tentava compreender o que se passara, em Washington o presidente norte-americano,
Bill Clinton, se declarava perplexo com o massacre na Columbine High School. Apesar dos
esforços das autoridades e dos meios de comunicação para encontrar explicações para o
horror, o real motivo do crime era apresentado como um mistério. Será? O mal existe e, sem
dúvida, tem algo de insondável. Mas a crueldade não é fruto do acaso. É o corolário de um
silogismo com premissas bem concretas. Violência transmitida, família dilacerada e educação
acovardada são, estou certo, o combustível que alimenta a paranoia.
"A chamada Era da Informação", afirma Mark Stein, colaborador da revista britânica
The Spectator, "é, na verdade, uma Era do Entretenimento, em que a violência passou a ser a
diversão mais rotineira de todas: na queda acelerada rumo a uma infância virtual, a violência
não exige causa, motivação, enredo nem personagens." E conclui: 'Todos os meninos
assassinos têm o olhar vago de uma tela vazia de computador."
Alguns setores do negócio do entretenimento, apoiados na manipulação do conceito de
liberdade de expressão, crescem à sombra da exploração das paixões humanas. Ao subestimar
a influência perniciosa da violência ficcional, omitem uma realidade bem conhecida da
psicologia: a promoção do sadismo como instrumento de diversão não produz a sublimação
da agressividade, antes representa um perigoso incitamento a comportamentos antissociais.
A onipresença de uma televisão pouco responsável e a transformação da Internet num
descontrolado espaço para a manifestação de atividades criminosas (a pedofilia, o racismo e a
46

oferta de drogas, frequentemente presentes na clandestinidade de alguns sites, desconhecem


fronteiras, ironizam legislações e chegam a ameaçar o Estado de Direito democrático) estão
na origem de inúmeros comportamentos patológicos. Barry Krinberg, presidente do Conselho
Nacional de Crime e Delinquência em São Francisco, ao comentar o anterior massacre de
estudantes numa escola de Arkansas, foi incisivo ao estabelecer uma relação direta entre
violência presenciada na mídia e a delinquência juvenil subsequente. "A violência na mídia
está provocando a morte de inocentes", afirmou.
O esgarçamento da família e a desestruturação da educação estão na outra ponta do
problema. "As crianças americanas", salienta Stein no artigo citado, "passam seus primeiros e
críticos anos em locais que são pouco mais que miniaturas de campos de refugiados. Se a
crescente falange de adolescentes assassinos deste ano deixa algo claro para nós, é o fato de
que cada vez mais pais não conhecem os próprios filhos." Não é difícil imaginar em que
ambiente afetivo terão crescido os integrantes da "máfia da capa preta". Na falta do carinho e
da orientação familiar, elementos indispensáveis ao bom desenvolvimento da personalidade,
as crianças crescem sem referenciais morais e ficam à mercê da babá eletrônica.
A crise de autoridade, na família e na escola, está produzindo uma geração perdida e
violenta. A formação do caráter, compatível com um clima de verdadeira liberdade, foi sendo
substituída pela acovardada tolerância que se traduz na crescente incapacidade de dizer não. O
resultado final da pedagogia da concessão está apresentando consequências dramáticas.
Chegou para todos a hora de falar claro. É preciso pôr o dedo na chaga e identificar o nexo de
causalidade entre a crise moral e os seus efeitos antissociais. "O papa expressa sua esperança
de que a sociedade americana reagirá a este último ato de violência, comprometendo-se a
promover e transmitir a visão moral que pode assegurar o respeito à dignidade inviolável da
vida humana." O telegrama enviado por João Paulo II revela o câncer que ameaça a opulenta
sociedade norte-americana: a crise dos valores.

Texto 2 - INFLUÊNCIA DOS JOGOS PERDE PARA A VIOLÊNCIA DA TV - Omissão


familiar, cenas agressivas e o isolamento criado pela Internet ditam comportamento jovem
Fábio Madrigal Barreto em O Estado de S. Paulo, 6/6/1999

Jovens assassinos em escolas norte-americanas, mortes sem motivo, pais apavorados e


apenas um suposto culpado: o computador. Jogos como Doom e Quake foram diretamente
relacionados ao recente massacre de Littletown por causa de seu excesso de violência, mas
essa acusação não convence especialistas e jogadores. Para os psicólogos, todo esse alarde
não é justificado, pela falta de provas, e o grande vilão que influencia o comportamento dos
adolescentes continua sendo a televisão.
"Não há dados com os quais se possa relacionar essas manifestações violentas com o
conteúdo dos jogos de computador ou videogame", diz o psicoterapeuta Haim Grunspum, que
acompanha os efeitos da influência eletrônica nos jovens desde 84. "Os jogos são utilizados
como forma de relaxamento e descarga emocional e não têm tanta força assim." A criação de
jogos como Doom e Quake é dividida entre dois países: Estados Unidos e Japão.
Segundo Grunspum, se a influência dos games violentos está diretamente relacionada
a atitudes descontroladas, deveríamos estar enfrentando uma epidemia de proporções
mundiais. "Mas o que estamos vendo é uma série de acontecimentos isolados em pequenas
cidades norte-americanas", argumenta.
"Os jogos são como filmes em que você não pode distrair-se senão perde algo
importante", diz o estudante Michel Vale Ferreira, que passou muito tempo matando monstros
e alienígenas nas telas de Doom. "É necessário matar o inimigo para chegar ao fim da fase e
não por alguma causa racista ou ideológica." Para o jogador Marcus Penna, a matança é
divertida pelo entretenimento, mas quando fica maçante ele prefere partidas de Tetris, por
47

exemplo; Doom é só mais um jogo e não tem condições de deixar alguém acostumado à
morte, pois é tudo fictício.
Aliada à força da televisão, a exposição constante a cenas violentas e a mortes cria um
problema social muito mais grave: a banalização da violência, ou seja, o adolescente passa a
encarar esse assunto com naturalidade. "Essa é uma das consequências mais perigosas da
exposição frequente ao conteúdo indevido tanto da TV quanto da Internet", comenta o
psicólogo. Dados de uma pesquisa recente de Grunspum indicam que até os 18 anos um
jovem brasileiro assiste a nada menos do que 200 mil cenas reais violentas na televisão e
outras 40 mil fictícias.
Os computadores têm uma parcela de culpa não em relação ao comportamento
violento, mas na mudança da estrutura familiar e no processo educacional. "Esta é a primeira
geração na história da humanidade em que os filhos têm vantagens sobre os pais, pois o
conhecimento possibilitado pela Internet supera o dos mais velhos", destaca Grunspum. A
presença do personal computer (PC) em casa já é responsável por muitas mudanças. "Há
menos de uma década, o programa familiar obrigatório era a reunião de todos os membros
para assistir à TV num único lugar. Agora, os PCs acabaram com isso, pois estão colocados
nos quartos das crianças, o que cria um isolamento inevitável."
Para Grunspum, houve uma renúncia dos pais por motivos que vão desde a falta de
tempo até a dedicação ao trabalho. "O pior problema é que essa omissão ocorre em fases
importantes da formação da criança e, quando ela mais precisa, a mãe e o pai não estão
presentes para produzir o que chamamos de fidelidade familiar", comenta o especialista. "A
ausência da autoridade familiar provoca outro fenômeno: o aumento da vontade de desafiar os
pais."
"Um dos meios de se evitar essa derrota declarada dos pais é o acompanhamento dos
jovens em suas atividades tanto no computador e na Internet quanto na escola", sugere
Grunspum. "Enquanto as crianças continuarem a ter seus mundos isolados na tela do
computador, os pais estarão perdendo a guerra, pois cabe aos mais velhos questionar as
atividades e atitudes da garotada."

REVISÃO PARA A PROVA

Leia o texto abaixo e responda as questões 1 a 5.

O célebre escritor francês Victor Hugo, em sua obra “Os Miseráveis”, conta-nos
inesquecível e emocionante passagem:
“Jean Valijean, tendo servido durante 19 anos nas galés (cinco por roubar um pão para
sua irmã e seus sete sobrinhos passando fome, e mais 14 por inúmeras tentativas de fuga)
acaba de ser libertado. Valijean é marginalizado por todos que encontra, por ser um ex-
presidiário, sendo expulso de todas as estalagens. Ele iria dormir na rua, mas é recebido na
casa do benevolente Bispo Myriel (conhecido como senhor Benvindo), o Bispo de Digne.
Mas em vez de se mostrar grato, rouba-lhe os talheres de prata durante a noite e foge. Logo é
preso e levado pelos policiais à presença de Benvindo. O Bispo salva-o alegando que a prata
foi um presente e nessa altura dá-lhe dois castiçais de prata também, repreendendo-o por ter
saído com tanta pressa que esqueceu essas peças mais valiosas. Após esta demonstração de
bondade, o bispo o “lembra” da promessa (que Valijean não tem nenhuma lembrança de ter
feito) de usar a prata para tornar-se um homem honesto.”
48

Sendo Jean Valijean rejeitado pela sociedade por ser um ex-presidiário, o Bispo
Myriel muda-lhe a vida. O personagem assume uma nova identidade para seguir uma vida
honesta, tornando-se proprietário de uma fábrica e prefeito. Ele adota e cria uma filha, salva
uma pessoa da morte e morre imaculado com uma idade avançada.
As tormentosas aflições da vida, a desordem e o embate entre indivíduos na sociedade
devem receber solução mais refletida e profilática do que o encarceramento do ser humano
nos porões de suas sombrias masmorras.
Nosso ainda vigente Código do Processo Penal de 1941, em seus artigos 386 e 387,
bem resume a que se presta a intervenção judiciária na discussão da infração penal: ou o juiz
condena ou absolve o agente. Noutras palavras, a lei penal brasileira veda terminantemente
outra solução para um processo penal. É vedado ao juiz promover a concórdia, resgatar a
dignidade, afagar traumas ou acalentar o marginalizado. O juiz do processo penal anda em
trilhos que o escravizam, que o levam a lugar nenhum. Não deve pela nossa lei penal, ousar o
magistrado a pacificar o conflito com o óbvio e o evidente. A evolução do sistema punitivo
estatal deve evoluir, para todos, sem distinção, para contemplar meios e recursos que
eficazmente ponham fim às causas e consequências da infração penal. A punição exemplar
depois de solucionada a falta cometida talvez seja um plus descartável.
O avanço destruidor do “crack” na sociedade e, principalmente, na célula familiar,
pode ser citado, talvez, como o maior exemplo de quanto o juiz brasileiro é refém de um
sistema processual penal que, definitivamente, não funciona bem. A sentença final, inflexível
e indiferente ao sentimento das partes espera do juiz outra coisa, mais simples, menos heroica.
Não se quer, aqui, abolir a pena privativa de liberdade. Mas não se pode ter em mente
a prisão como primeira e imediata resolução para o crime. Não se pode inocular o mesmo
antídoto para doenças diversas. Assim como a aspirina não cura o canceroso, a quimioterapia
não é indicada para a dor de dente. O Direito Penal não pode, em cruel rol taxativo,
estabelecer qual a melhor resposta para o crime praticado. Pode e deve, sim, estabelecer várias
alternativas, rotas de auxílio, atalhos para aplacar as consequências da infração e metas a
serem alcançadas. Jamais ousar impor ao magistrado que a primeira e a única opção, a mais
reluzente aos seus olhos, deva ser o encarceramento do ser humano.
O Ministério Público e a Defensoria Pública seriam os fiscais do acerto da profilaxia
judicial eleita no processo penal. O irresignado poderia se insurgir quanto à solução adotada
pelo juiz em cada caso concreto. A opção pela prisão do agente deverá ser a ultima ratio. A
prova dos nove do que diz aqui é muito simples. O que são as prisões hoje no Brasil? Escolas
do crime, às vezes com mestrado e doutorado.
A medicina psiquiátrica, a psicologia, a assistência social, a pedagogia, entre outras
tantas ciências complexas e salvíficas, despontam em nosso país, com excelentes e renomados
profissionais. Temos que abrir as portas dos fóruns a essa gente dedicada e qualificada, que
muitas coisas nos têm a dizer e ensinar. Assim como o inadequado uso de um antibiótico pode
aniquilar seus efeitos para sempre, a prisão, como resposta estatal para o crime, também pode,
para sempre, destruir um ser humano, por algo que muito bem poderia ser tratado e curado de
outra forma mais simples e eficaz.
O legislador deve confiar no Poder Judiciário, confiar na criatividade e experiência
dos juízes e tribunais. Autorizar que esses agentes promovam a paz social por todas as formas
possíveis, abrindo um leque infinito de opções para tanto. O rol de penas restritivas de direitos
inibe a criatividade dos juízes, não se presta para a infinidade de casos que se apresentam no
dia a dia, sem falar que são meramente substitutivas.
Enfim, esse é hoje o maior desafio que o Direito Penal deve enfrentar se quiser estar
afinado com a questão da dignidade da pessoa humana. Transformar a sentença penal em
instrumento efetivo e concreto de pacificação social, longe de paredões e cadafalsos.
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(Carlos Eduardo Rios do Amaral. Direito Penal deve dar alternativas em vez de respostas,
2012.)

Questão 1: Diferentes vozes ecoam no texto: a voz de Victor Hugo, escritor francês do
século XIX, e a de Carlos Eduardo Rios do Amaral, Defensor Público do Estado do
Espírito Santo. Temporalidades e temáticas aproximam-se para defender o posicionamento
de que:
(a) a privação da liberdade deve ser adotada em amplo espectro como medida profilática e
penal.
(b) As soluções refletidas devem ser adotadas para pacificar os conflitos e resgatar a
dignidade humana.
(c) As penas degradantes e os encarceramentos são medidas incontestáveis nas infrações
penais, a ultima ratio.
(d) O ser humano deve receber uma punição exemplar para pôr fim às causas e
consequências da infração penal.

Questão 2: Ao refletir sobre o Direito Penal, o autor do texto assume que a legislação
brasileira deveria:
I – Transformar a sentença penal em instrumento de pacificação social.
II – Assumir a prisão como instrumento exclusivo na resolução de todas as formas de
crimes.
III – Estabelecer alternativas consonantes com a dignidade da pessoa humana.
IV – Abolir a pena privativa de liberdade do rol das penas de profilaxia criminal.
Nas alternativas abaixo, assinale a opção CORRETA:
(a) Apenas a I está correta.
(b) Apenas a IV está correta.
(c) As questões I e III estão corretas.
(d) As questões II e IV estão corretas.

Questão 3: Considere os seguintes trechos:


“Noutras palavras, a lei penal brasileira veda terminantemente outra solução para um
processo penal. É vedado ao juiz promover a concórdia, resgatar a dignidade, afagar
traumas ou acalentar o marginalizado. O juiz do processo penal anda em trilhos que o
escravizam, que o levam a lugar nenhum.”
“O avanço destruidor do “crack” na sociedade e, principalmente, na célula familiar, pode
ser citado, talvez, como o maior exemplo de quanto o juiz brasileiro é refém de um sistema
processual penal que, definitivamente, não funciona bem.”
“Enfim, esse é hoje o maior desafio que o Direito Penal deve enfrentar se quiser estar
afinado com a questão da dignidade da pessoa humana. Transformar a sentença penal em
instrumento efetivo e concreto de pacificação social, longe de paredões e cadafalsos.”
A partir da leitura desses fragmentos, é possível depreender que:
(a) O crack tem efeito devastador na família e, por isso, pode e deve ser tratado com o
cárcere.
(b) As infrações relacionadas ao crack têm recebido tratamento diferenciado por parte dos
juristas por atingirem a base da sociedade, a família.
(c) O usuário de crack comete inúmeras infrações, mas, por ter família, ela é que deve se
responsabilizar pela regeneração do indivíduo, não os tribunais.
(d) Os juízes deveriam olhar de modo ímpar para as infrações relacionadas ao uso do crack,
tendo em vista que a prisão não resgatará a dignidade do infrator.
50

Questão 4: O texto lido é um artigo de opinião, um gênero por meio do qual se visa expor
um posicionamento diante de algum tema. Ciente disso, que função cumpre o resgate do
fragmento da obra literária, alocada no início do texto?
(a) Descrever uma situação que vem marcando a prática hodierna nos tribunais brasileiros.
(b) Argumentar em favor da carceragem como sendo hoje uma alternativa para as sentenças
jurídicas.
(c) Discutir a possibilidade de outras respostas para as sentenças proferidas em
intervenções judiciárias.
(d) Argumentar sobre o quanto a sociedade é retrograda em sua prática jurídica, quando
outras alternativas judiciais já se concretizavam há muitos anos.

Questão 5: Releia o trecho: “A opção pela prisão do agente deverá ser a utlima ratio. A
prova dos nove do que diz aqui é muito simples. O que são as prisões hoje no Brasil?
Escolas do crime, às vezes com mestrado e doutorado.” No texto, que função cumpre a
pergunta? Selecione a alternativa que NÃO proponha uma justificativa possível para seu
emprego:
(a) Introduzir uma nova abordagem a ser tratada no texto.
(b) Instigar o leitor à reflexão, resgatando-lhe o conhecimento de mundo.
(c) Chamar a atenção do leitor, mostrando-lhe que o artigo está sendo direcionado a ele.
(d) Simular uma interação com o leitor, levando-o a compartilhar da mesma opinião.

Leia o texto abaixo e responda as questões 6 a 11.

Biblioteca da infância
Eu era pequena, me lembro, no Bigorrilho. Na mesma rua que hoje virou um grande
corredor de corrida de carros cada vez mais vorazes de velocidade, a vida passava em outro
ritmo. Nessa rua brincávamos com os vizinhos, corríamos e apertávamos campainhas.
Primeiro veio a grande notícia, uma praça, onde era a caixa d’água do Bigorrilho, hoje,
pomposamente chamado de Reservatório Batel. E a grande novidade se alastrou pela rua,
onde ficávamos sabendo de todas as notícias do bairro. Inaugurou uma biblioteca!!!
Eu, já leitora voraz, assim como os carros nas ruas por velocidade, fiquei encantada!
Éramos pobres, não viajávamos nas férias e, livros, eu só ganhava no Natal. Aquela pequena
casinha que parecia antiga, amarelinha, ampliou meu mundo para além das ruas do
Bigorrilho.
Hora do Conto, aulas de flauta, de cerâmica, o curso de História da arte espanhola, El
Greco... Ainda lembro exatamente do quebra-cabeça com um a pintura de Arcimboldo. Foram
tantas as referências, não só literárias, que me acompanharam a vida toda!
Eu lia dois livros por dia, não podia perder tempo,e RAM muitos... Emprestava um de
manhã, lia durante o almoço, em casa. À tarde devolvia e logo pegava outro para a noite... A
minha velocidade era outra. Eu passava minhas férias inteiras lá!
Cresci, frequentei outras Bibliotecas, a Pública do Paraná, principalmente, mas a
Franco Giglio me acompanhou a vida toda. Ao visitar o Louvre, quando vi pela primeira vez
uma tela de El Greco, aquele momento emocionante me remeteu diretamente à Roseli e suas
aulas de arte.
Quando tive meus filhos e tentei descobrir qual herança eu deixaria para eles, pensei:
minha infância dentro daquela maravilhosa biblioteca. E criei a Bisbilhoteca, que é a minha
leitura da Franco Giglio, minha homenagem à biblioteca que me trouxe tanta alegria. E não
longe da original, no Bigorrilho, mesmo bairro onde nasci e cresci.
51

E, para além da nostalgia de uma infância em meio aos livros e à cultura dentro da
Franco Giglio, aquela biblioteca, assim como imagino que outras pela cidade, marcaram
infâncias, proporcionaram outras leituras do mundo a muitos adultos que hoje produzem e
transmitem essa paixão pelos livros a muitas outras crianças!
Passo quase todos os dias em frente à franco Giglio e observo o abandono. No início
achei que era por causa das obras da rua, mas logo se vê que aquela casinha de sonhos,
tombada, está jogada à própria sorte. Não temos mais Suzanas e Roselis, apaixonadas por
livros, crianças e cultura...
Temos pessoas que cumprem seu horário de trabalho. É certo que o mundo mudou e as
crianças não andam mais sozinhas pelas ruas, que as pesquisas são feitas em casa, na internet.
Mas a vocação de encontro e de lazer desses espaços públicos jamais deve ser perdida. As
bibliotecas, Casas de Leitura como são chamadas hoje, devem ser abertas todos os dias,
inclusive finais de semana, com uma programação atraente, trazendo crianças e suas famílias
para desfrutarem do que jamais poderiam ter em casa: a convivência com o mundo da cultura
e a convivência com outras pessoas.
(Cláudia Serathluk)

Questão 6: O texto pode ser dividido em etapas, que agrupam parágrafos. A caracterização
INCORRETA de um segmento do texto é:
(a) Parágrafos 1 a 4 – recordações da vida infantil
(b) Parágrafos 5 e 6 – passagem para a vida adulta
(c) Parágrafo 7 – reflexão sobre valores culturais
(d) Parágrafos 8 e 9 – volta ao passado infantil

Questão 7: A narradora critica, em várias passagens do texto, aspectos da vida moderna.


Assinale a alternativa que mostra o segmento em que essa crítica ocorre.
(a) Na mesma rua que hoje virou um grande corredor de corrida de carros cada vez mais
vorazes de velocidade, a vida passava em outro ritmo.
(b) Nesta rua brincávamos com os vizinhos, corríamos e apertávamos campainhas.
(c) Primeiro veio a grande notícia, uma praça, onde era a caixa d’água do Bigorrilho, hoje
pomposamente chamado de Reservatório Batel.
(d) E, para além da nostalgia de uma infância em meio aos livros e à cultura dentro da Franco
Giglio, aquela biblioteca, assim como imagino que outras pela cidade, marcaram infâncias.

Questão 8: “Primeiro veio a grande notícia, uma praça, onde era a caixa d’água do Bigorrilho,
hoje pomposamente chamado de Reservatório Batel. E a grande novidade se alastrou pela
rua... onde ficávamos sabendo de todas as notícias do bairro. Inaugurou uma biblioteca!!!”
Assinale a opção correta sobre os componentes do trecho acima.
(a) O adjetivo “chamado” se refere ao local denominado “Bigorrilho”.
(b)O advérbio “pomposamente” indica um elogio a uma grande obra pública.
(c) As duas ocorrências do adjetivo “grande” têm sentidos diferentes.
(d) O último período do fragmento mostra uma estruturação popular.

Questão 9: Uma biblioteca, como a citada no texto, tem funções variadas. É possível perceber
que a função mais importante para a autora do texto é:
(a) Preservar a cultura produzida por uma comunidade.
(b) Permitir a leitura de livros de difícil acesso.
(c) Possibilitar a convivência humana e cultural.
(d) Promover o conhecimento de arte clássica.
52

Questão 10: Ao dar o nome de “Bisbilhoteca” à sua biblioteca, a autora quer destacar:
(a) A infantilidade dos usuários.
(b) a curiosidade pelo saber.
(c) a utilidade da leitura.
(d) a necessidade do conhecimento.

Questão 11: “Temos pessoas que cumprem seu horário de trabalho”. Com essa frase inicial do
último parágrafo do texto infere-se que:
(a) há uma crítica aos funcionários públicos que só chegam atrasados.
(b) há um elogio aos bibliotecários que se dedicam à difusão da cultura.
(c) há uma ironia referente aos funcionários que não mostram amor pelo trabalho.
(d) há uma advertência às autoridades para que aumentem a fiscalização sobre os
funcionários.

Texto - A história do servidor público


Eliane de F. Boscardin
Na Roma Antiga, os Servidores do Estado, os que fundamentalmente, pelas qualidades
morais, representavam a Polis (cidade), eram investidos de certa autoridade. Tal condição,
compreensivelmente, produzia a cobiça e a inveja dos não eleitos, quer pelo reconhecimento
social conquistado, quer pelos inerentes privilégios dela decorrentes. No Brasil, o funcionário
público fez-se presente desde seu descobrimento. Pero Vaz de Caminha, os Governadores
Gerais e os juízes são exemplos de funcionários públicos.
O serviço público no Brasil expandiu-se em 1808, com a chegada de D. João VI e sua
família real, além das centenas de funcionários, criados, assessores e pessoas ligadas à corte
portuguesa que vieram com ele e se instalaram no Rio de Janeiro. A partir daí é que se iniciou
o processo de tomada de consciência da importância do trabalho administrativo, diante da
necessidade de promover o desenvolvimento da então colônia, de acordo com a diplomacia
real.
Proclamada a independência, o Brasil virou império, depois república e, ao longo da
história política do país, sempre estavam presentes os funcionários públicos, ajudando a
administrar a máquina que impulsiona o desenvolvimento da nação brasileira. É ao
trabalhador da administração pública que compete executar as ações que movimentam os
serviços básicos e essenciais de que necessitam os cidadãos em suas relações com o Estado
Brasileiro. O Estado não pode, por exemplo, criar uma lei, quem o faz é o deputado, o
vereador ou o senador; não pode recolher o lixo da rua, para isso precisa do lixeiro; não pode
dar aulas, para isso precisa do professor e assim por diante. Em termos gerais, portanto, o
funcionário público é aquele profissional que trabalha diretamente para o governo federal,
estadual ou municipal.
Um dos primeiros documentos consolidando as normas referentes aos funcionários
públicos foi o Decreto 1.713, de 28 de outubro de 1939. Por esse motivo, no ano de 1943, o
Presidente Getúlio Vargas instituiu o dia 28 de outubro como o Dia do Funcionário Público.
Em 11 de dezembro de 1990, veio a Lei 8.112, que alterou grande parte das disposições do
Decreto-Lei 1.713/39, substituiu o termo funcionário público por servidor público e passou a
ser considerado o novo Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. Esta lei inovou por
englobar os também Servidores Públicos Civis das autarquias e das fundações públicas
federais, entes pertencentes à administração pública indireta, mas que realizam atividades
típicas da administração, prestando serviços públicos.
53

Apesar das inovações trazidas pela Lei 8.112/90, os direitos e deveres dos servidores
públicos estão definidos e estabelecidos na Constituição Federal de 1988, a partir do artigo
39. Constam, ainda, nos estatutos das entidades para as quais trabalham.
A partir de 1990 o país começou a implementar políticas de ajuste e reestruturação do
setor público. Esta reestruturação resultou em medidas restritivas sobre o emprego público,
especialmente em nível federal, com as demissões de funcionários públicos não estáveis, a
limitação de novas contratações, o incentivo à aposentadoria, a terceirização de serviços, o
plano de demissão voluntária. Todas essas medidas, aparentemente, tinham como objetivo a
contenção de despesas e a "moralização" do setor público, mas vale observar que os cortes
indiscriminados de pessoal resultaram em prejuízo para a execução de atividades-fim como
educação e saúde, o que consequentemente interferiu na qualidade dos serviços públicos
essenciais prestados à população.

Questão 13: Identifique se são verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmativas com relação ao
texto
( ) A reestruturação do setor público a partir de 1990 afetou o desenvolvimento das atividades
relacionadas à saúde e à educação.
( ) Os funcionários que serviam o Estado na época da Roma Antiga não possuíam poder
frente à população local.
( ) O Presidente Getúlio Vargas instituiu o dia 28 de outubro como o Dia do Funcionário
Público porque foi pressionado pelos trabalhadores administrativos.
( ) Nos estatutos das entidades para as quais os funcionários públicos trabalham também
estão garantidos os seus direitos e definidos os seus deveres.
( ) O plano de demissão voluntária veio como uma das estratégias de reorganização do setor
público no país.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA, de cima para baixo.
(a) F – F – F – V – F
(b) F – V – F – V – V
(c) V – V – V – F – V
(d) V – F – F – V – V
(e) V – F – V – F – F

Questão 14: De acordo com o texto, é possível afirmar, em relação ao Brasil, que:
I. a consciência da importância do trabalho administrativo na esfera pública inicia a partir do
Decreto 1.713, de 28 de outubro de 1939.
II. com o governo do Presidente Getúlio Vargas, o emprego público passa a ter medidas
restritivas.
III. o Estado depende do servidor público para qualquer tipo de trabalho administrativo.
IV. todas as centenas de funcionários, assessores e pessoas ligadas à corte portuguesa
influenciaram na conscientização da importância do serviço público.
Assinale a alternativa CORRETA.
(a) Somente as afirmativas III e IV estão corretas.
(b) Somente as afirmativas I, III e IV estão corretas.
(c) Somente as afirmativas I, II e IV estão corretas.
(d) Somente as afirmativas II, III e IV estão corretas.
(e) Todas as afirmativas estão corretas.

Questão 15: De acordo com o texto 1, é CORRETO afirmar que:


(a) o cargo de funcionário público está restrito ao governo federal.
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(b) as medidas restritivas no setor público, implementadas a partir de 1990, não foram
positivas para algumas áreas essenciais dos serviços públicos.
(c) a implementação das políticas de ajuste e reestruturação do setor público foi de encontro à
contenção de despesas e à "moralização" deste setor.
(d) a Lei 8.112 alterou todas as disposições do Decreto-Lei 1.713/39 e, por isso, foi criado o
novo Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União.
(e) a necessidade de promover o desenvolvimento da colônia não influenciou a expansão do
funcionalismo público.

Questão 16: Identifique se são verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmativas com relação ao
excerto do texto 1.
“Esta lei inovou por englobar os também Servidores Públicos Civis das autarquias e das
fundações públicas federais, entes pertencentes à administração pública indireta, mas que
realizam atividades típicas da administração, prestando serviços públicos.”
( ) A conjunção “mas” pode ser substituída pela conjunção “por isso” sem prejuízo do
sentido do texto.
( ) A expressão “esta lei” retoma a Lei 8.112.

Questão 17: Leia a frase abaixo e assinale a alternativa CORRETA.


“Tal condição, compreensivelmente, produzia a cobiça e a inveja dos não eleitos, quer pelo
reconhecimento social conquistado, quer pelos inerentes privilégios dela decorrentes.”
O par quer ... quer expressa uma relação de:
(a) conclusão.
(b) alternância.
(c) explicação.
(d) adversidade.
(e) comparação.

Texto - A mídia e o servidor público


Eliane de F. Boscardin

Talvez o maior ícone da mídia, tratando-se de serviço público, seja hoje A Grande
Família. O protagonista, Lineu, é um servidor público "exemplar", segundo o senso comum
da população brasileira. Não aceita propinas; não chega atrasado; não falta ao trabalho. Muito
pelo contrário: vive o seu trabalho diariamente e, quem sabe, todas as horas do dia. De outro
lado, o seu chefe é o "modelo comumente apresentado" de servidor público. É o próprio
armador das "maracutaias"; o exemplo de como se utilizar do Estado para lucrar e tirar algum;
o estereotipado "esperto" que mora em um luxuoso apartamento com banheira de
hidromassagem. Lima Barreto não poupou o servidor público de suas radicais e irreverentes
crônicas. Em “O Trem de Subúrbios”, de 1921, Lima escreve:
O tal cidadão, que fala tão imponentemente de importantes questões administrativas,
é quase um analfabeto. O que fez ele? Arranjou servir adido à repartição que cobiçava,
deixando o lugar obscuro que ocupava, numa repartição obscura do mesmo ministério. Tinha
fortes pistolões e obteve. O diretor, que possuía também um candidato, para a mesma causa,
aproveitou a vaza e colocou de igual forma o seu. Há um fim de ano de complacências
parlamentares e todos eles arrancam do Congresso uma autorização, na cauda do
orçamento, aumentando os lugares, na tal repartição cobiçada, e mandando também
aproveitar os 'adidos'. Está aí a importância do homenzinho que não cessa de falar como um
orador.
55

Lima parece nos falar de hoje. A imponência do cidadão, um burocrata que não
respeita os outros trabalhadores e se aproveita do cargo que possui em repartições públicas
para "se dar bem". Não precisa ser corrupto; contudo, se for, tem de fazer algo para equivaler
à corrupção herdada pela própria sociedade.
Porém, esse não é nem o caso do "homenzinho" de Lima Barreto. É apenas um
"burocrata", que beira a imbecilidade que, não por meio do mérito, mas sim por meio das
relações pessoais (amizade, família ou sexo) ou do "jogo sujo da politicagem", conseguiu
galgar um espaço no serviço público.
Foi em 1951/52 que Armando Cavalcanti e Klécios Caldas escreveram Maria
Candelária, que obteve um sucesso notável graças ao embalo desse "hit carnavalesco" e por
sua letra que atingia, em cheio, o imaginário do povo da capital:
Maria Candelária / É alta funcionária,
Saltou de pára-quedas, / Caiu na letra O, oh, oh, oh, oh,
Começa ao meio-dia, / Coitada da Maria,
Trabalha, trabalha, trabalha de fazer dó, oh, oh, oh, oh,
À uma vai ao dentista, /Às duas vai ao café, /Às três vai ao modista,
Às quatro assina o ponto e dá no pé, / Que grande vigarista que ela é.
Crítica, "zombeteira", "malandra". Irônica, a letra mostra a funcionária pública
"padrão". Uma funcionária que nunca trabalha, vigarista, que está sempre nos "trinques" da
moda para, provavelmente, manter seu trabalho que não exige competência. Isso acaba
passando uma ideia de que servidor não é trabalhador.
Durante as últimas décadas, o Servidor Público tem sido alvo, por parte da mídia, de
um processo deliberado de formação de uma caricatura, que transformou sua imagem no
estereótipo do cidadão que trabalha pouco, ganha muito, não pode ser demitido e é
invariavelmente malandro e corrupto. Por isso é que ainda existe o preconceito em relação ao
servidor público.
Ao longo desses vinte e sete anos conheci muitos servidores. Admito que alguns
realmente representam a figura do cidadão que trabalha pouco, porém estes fazem parte de
uma minoria. A maioria dos servidores que conheço exerce com zelo as atribuições do cargo,
bem como, observam as normas legais e regulamentares, cumprem a carga horária e as ordens
de seus superiores. Para os servidores que não cumprem seus deveres, a Lei 8.112/90 prevê as
devidas punições e até demissão.
Após a Constituição de 1988 nasceu um "novo servidor", que convive, em muitos
casos, com o "velho servidor", aquele que não tem consciência da dimensão pública que sua
tarefa possui, qualquer que seja ela. O novo servidor é aquele conectado com o ideal público
presente no texto constitucional atual e tem a sua escolha determinada exclusivamente pelo
mérito que demonstrou em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Questão 18: Assinale a alternativa CORRETA que melhor resume o texto acima.
(a) O texto traz alguns exemplos de manifestações artísticas para ilustrar a imagem que o
senso comum possui do servidor público. Ao final, a autora defende seu posicionamento que é
contrário ao estereótipo construído socialmente.
(b) O texto mostra o quanto a televisão tem favorecido a imagem do servidor público honesto
e isso é fortemente criticado pela autora.
(c) O texto retrata a imagem do servidor público da década de 50 que é diferente da imagem
que se tem atualmente.
(d) A autora faz uma narrativa que conta sua trajetória no serviço público, para mostrar o
quanto a mídia está equivocada em relação à imagem do servidor público.
(e) O texto defende a imagem do servidor público do século passado e o do século atual
veiculada pela mídia.
56

Questão 19: De acordo com o texto, é CORRETO afirmar que:


(a ) após a Constituição de 1988, a imagem do servidor público passou a ser revista pela
mídia.
(b) os exemplos de manifestações artísticas trazidos pela autora – o seriado A Grande Família,
a crônica de Lima Barreto e a marchinha de Armando Cavalcanti e Klécios Caldas – servem
para mostrar o respeito da sociedade para com o servidor público.
(c) a autora, em seus vinte e sete anos de carreira pública, revela que a maioria dos servidores
públicos são tais quais os descritos pela crônica e pela marchinha de carnaval citadas.
(d) o preconceito que ainda existe em relação ao servidor público é devido ao processo de
formação de uma caricatura pela mídia, durante as últimas décadas.
(e) a autora mostra-se pessimista em relação ao caráter de “novos” servidores públicos, que ao
conviverem com os “velhos”, podem acabar cedendo ao assédio e ao poder.

Questão 20: Considere as proposições abaixo.


I. O tema central do texto é mostrar como a imagem do servidor público tem mudado ao
longo dos anos.
II. A autora do texto não se posiciona criticamente a respeito da imagem que a mídia tem do
servidor público.
III. A autora defende o fim do preconceito contra os servidores públicos.
De acordo com o texto, é CORRETO afirmar que:
(a) todas as proposições estão corretas.
(b) somente a proposição II está correta.
(c) somente a proposição III está correta.
(d) somente as proposições I e II estão corretas.
(e) somente as proposições II e III estão corretas.

Questão 21: Assinale a alternativa CORRETA, de acordo com o texto.


(a) O sujeito da oração “O protagonista, Lineu, é um servidor público ‘exemplar’, segundo o
senso comum da população brasileira” é somente Lineu.
(b) Em “um burocrata que não respeita os outros trabalhadores e se aproveita do cargo que
possui em repartições públicas para ‘se dar bem’”, que se refere, respectivamente, a burocrata
e trabalhadores.
(c) A elipse do sujeito em “É apenas um ‘burocrata’, que beira a imbecilidade” não causa
prejuízo à coesão do texto.
(d) No período “Durante as últimas décadas, o Servidor Público tem sido alvo, por parte da
mídia, de um processo deliberado de formação de uma caricatura, que transformou sua
imagem no estereótipo do cidadão que trabalha pouco”, que se refere a caricatura.
(e) Em “o ‘velho servidor’, aquele que não tem consciência da dimensão pública que sua
tarefa possui, qualquer que seja ela”, os pronomes sua e ela possuem o mesmo referente.

Questão 22: Assinale a alternativa na qual a palavra da direita substitui a da esquerda, no


texto, sem prejuízo do sentido.
(a) Propinas - Favores
(b) Mídia - Meios de comunicação
(c) Notável - Desprezível
(d) Trabalhador - Assalariado
(e) Tarefa - Dever de casa
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REFERÊNCIAS

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DEHAENE, S. Os neurônios da leitura, 2012.

FARACO, C. A.; TEZZA, C. Prática de texto para estudantes universitários. 19. ed.
Petrópolis: Vozes, 2010.

KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática,


1986.

KOCH, I. A coerência textual. 2004.

KLEIMAN, A. Oficina de Leitura: Teoria e Prática. 9. Ed. Campinas: Pontes, 2002.

MEDEIROS, J. B. Redação Científica. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010

PLATÃO, F.; FIORIN, J. L. Para entender o texto. 10. ed. São Paulo: Ática, 1995

SARAIVA, V. de P. Curso de redação jurídica. 3. Ed. Brasília, 2004

SCLIAR-CABRAL, L. Cátedra UNESCO, 2010.

SCHOCAIR, N. M. Português Jurídico: Teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

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