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TEORIA DAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS
AULA 3

Prof. André Mendes Pini


CONVERSA INICIAL

Esta etapa se debruça sobre o marxismo, uma tradição teórica


extremamente influente no pensamento das relações internacionais (RI), cujas
origens remontam ao campo econômico e sociológico. Desse modo, a etapa é
voltada à compreensão dessa corrente, desde seus aspectos clássicos até sua
influência nas RI contemporâneas.

TEMA 1 – O MARXISMO

O pensamento marxista antecede a criação das relações internacionais,


portanto primeiramente precisamos compreender que o marxismo não é uma
teoria de RI, mas sim uma tradição intelectual e teórica aplicada às RI. Marx, em
si, não refletiu acerca das RI, focando as relações de classe dentro dos Estados,
porém sua obra aponta para as consequências do alcance global do capitalismo
como força histórica que se tornou o modo de produção dominante (Nogueira;
Messari, 2005).
O marxismo advém do conjunto da obra não somente de Karl Marx, como
também de seu coautor no clássico O manifesto comunista, Friedrich Engels,
além de socialistas utópicos como Saint-Simon, Proudhon, Fourier e Owen
(Sarfati, 2005). Entender o contexto histórico no qual o pensamento marxista se
desenvolveu é essencial para a compreensão de seus princípios e ideias. A
metade do século XIX foi um período de expansão do capitalismo financeiro-
industrial pela Europa, fundamental para a internacionalização da sociedade
europeia no período. O desenvolvimento europeu estava associado à
industrialização, o que, consequentemente, gerava reflexões sobre as condições
de trabalho da massa de operários e as estruturas econômicas que impunham
aquele tipo de organização laboral.
Com base nisso podemos compreender o tipo de abordagem empregada
no pensamento marxista: o materialismo histórico. Esse conceito refere-se à
percepção inerente a Marx – herdada futuramente por outros autores marxistas
– de que o modo pelo qual a produção material de uma sociedade é realizada é
o fator determinante das dinâmicas políticas, econômicas, culturais, intelectuais
e sociais ao longo da história (Sarfati, 2005).
Isso significa que a história, para o marxismo, é determinada pela
interação inerente às atividades produtivas de uma sociedade, principalmente

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entre aqueles que são os proprietários dos meios de produção e a força de
trabalho. Nesse sentido, para analisarmos a história de sociedades
escravocratas, por exemplo, nosso olhar deveria recair sobre a relação entre
homens livres e escravos; em sociedades feudais, entre senhores feudais e
servos, e em meio ao capitalismo, entre burgueses e proletários (Sarfati, 2005).
Desse modo, podemos entender um dos principais conceitos importantes
ao marxismo: a luta de classes. Na abertura de O manifesto comunista, Engels
e Marx (1999) são enfáticos ao afirmar: “a história de toda sociedade até hoje é
a história de lutas de classes”. Essa frase demonstra o chamado determinismo
histórico inerente à teoria marxista, uma vez que considera as classes sociais
como a estrutura basilar das sociedades ao longo do tempo, sendo a história
fruto da constante luta entre essas classes.
Para Marx, portanto, a economia é o motor da história, e para
entendermos essa questão precisamos compreender o que Marx vai chamar de
infraestrutura e de superestrutura. A economia, a base material da sociedade,
é o que determinaria a infraestrutura das sociedades, como as forças produtivas
e as relações de produção. Essa infraestrutura seria o fator que define as
características da superestrutura. A superestrutura de uma sociedade são suas
instituições jurídicas, políticas e ideológicas (Sarfati, 2005). Ou seja, nos dias
atuais, em que a infraestrutura das sociedades é capitalista, o marxismo entende
que a justiça, a política e a ideologia dessas sociedades servem a sua classe
dominante: a burguesia.
O conflito entre aqueles que são proprietários e aqueles que não são os
proprietários dos meios de produção seria inerente à história, portanto,
inevitável. Além disso, para o marxismo, as mudanças de verdade nas
sociedades se dariam somente por meio da alteração da infraestrutura. Teria sido
o caso da mudança do feudalismo para o capitalismo, por exemplo. Além disso,
na visão marxista, mudanças na superestrutura são superficiais, ou seja,
eventuais reformas políticas ou judiciárias contemporâneas não seriam capazes
de superar o capitalismo, mantendo-se apenas como superestruturas voltadas à
defesa da infraestrutura da sociedade. Em resumo, portanto, quando Marx
afirma que a economia é o motor da história é a isto que ele se refere: somente
mudanças da infraestrutura levam a alterações históricas estruturais.
O marxismo argumenta que essas mudanças de infraestrutura têm origem
em contradições inerentes aos próprios sistemas, como, por exemplo, na

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ascensão de uma classe burguesa em meio ao feudalismo. O materialismo
histórico marxista trabalha, portanto, com uma noção dialética que é composta
por uma tese: o nascimento de um modo de produção; uma antítese: as
contradições desse modelo; e uma síntese: a crise do modelo e o surgimento de
um novo (Sarfati, 2005). A crise do capitalismo, portanto, viria com a estagnação
econômica, a concentração de capital e as quedas das taxas de lucro (Nogueira;
Messari, 2005).

TEMA 2 – O MARXISMO NAS RI

Para Marx e Engels, com base em sua concepção determinista, o


comunismo seria um movimento histórico inevitável, levando a uma sociedade
sem classes sociais e sem Estados Nacionais, portanto global por natureza,
embora sem relações internacionais. Em um mundo sem divisão de classes e na
ausência de Estados, não haveria relações internacionais, apenas relações entre
comunidades livres unidas por um mesmo sentimento de solidariedade humana
(Nogueira; Messari, 2005). Como assim?, pergunta-se um futuro
internacionalista. Vamos elaborar melhor esse ponto e usá-lo como gancho para
entender como o marxismo pode ser aplicado às RI.
Temos que compreender, de início, que Marx acreditava que a
emancipação da humanidade se daria apenas por meio da superação da
condição de alienação. A alienação é o que tornaria os indivíduos amarrados às
estruturas artificiais que limitam sua liberdade e compreendidas, com base em
uma visão alienada, como estruturas naturais. Se a superestrutura é
determinada pela infraestrutura, superar a condição de alienação significaria
compreender que ideias, regras e estruturas não são “naturais”, mas sim
construções pautadas pela influência do capital (Nogueira; Messari, 2005). Essa
reflexão nos ajuda a questionar, sob um viés marxista, a própria noção de
Estado-nação, tão naturalizada nas RI.
O Estado, para o marxismo, não seria uma estrutura “natural”,
responsável por garantir a segurança e o bem-estar da sociedade como um todo
frente a ameaças externas. Os marxistas veem o Estado como a entidade
responsável por assegurar os interesses da burguesia e manter uma ordem
jurídica e política responsável por assegurar a manutenção do modo de
produção capitalista (Nogueira; Messari, 2005).

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Outro elemento importante que deve ser compreendido acerca desse
tema é o nacionalismo. Após as Guerras Napoleônicas, que se encerraram no
início do século XIX, os Estados começam a ser identificados com os ideais
nacionalistas, em oposição às identidades dinásticas, religiosas ou mesmo
multiétnicas que predominavam na Europa até então (o que se deve
compreender sobre essa questão é que, por exemplo, um camponês que vivia
no interior da França no século XVIII se via muito mais como um católico súdito
da Casa Bourbon do que propriamente um francês). O que precisamos entender
é a seguinte questão: as identidades nacionais não são “naturais”, mas sim um
projeto político de organização da sociedade com base em ideais comuns, como
história, raça, etnia, religião, território, cultura etc.
Percebemos, portanto, que o nacionalismo é um tipo de identidade que
ganha força ao mesmo tempo que o capitalismo se consolida como a
infraestrutura dominante, em detrimento dos modelos feudais. Assim, podemos
considerar o nacionalismo parte da superestrutura gerada pela infraestrutura
capitalista. Os marxistas compreendem, de fato, que o nacionalismo foi um
projeto da burguesia para enfraquecer as identidades de classe na Europa do
século XIX. Como assim?, você pode estar se perguntando. Veja bem:
Marx defendia que um operário alemão, trabalhando em uma fábrica de sapatos
em Berlim, tinha uma identidade muito mais parecida com um operário francês
trabalhando em uma fábrica metalúrgica em Paris do que com o dono alemão
dessa fábrica de sapatos. Para Marx, ambos seriam proletários e essa identidade
de classe seria mais relevante do que as distintas identidades nacionais entre
esses operários. O nacionalismo, portanto, teria servido como um fator de
coesão social para atenuar as tensões vinculadas às lutas de classe. Você pode
até estar pensando que isso é irrelevante, mas para as RI essa questão é
fundamental e tem na Primeira Guerra Mundial seu ponto-chave.
Ao longo do século XIX as Internacionais Socialistas eram os movimentos
que representavam essa visão marxista pautada na identidade de classe,
organizando diversos partidos políticos – em sua maioria, de natureza operária
– em torno da bandeira proletária e da luta de classes. A Associação
Internacional dos Trabalhadores foi fundada em 1864, em Londres, tendo sido
chamada de Primeira Internacional Socialista para promover a solidariedade de
classe no seio do continente europeu, sendo uma espécie de partido
internacional do proletariado (Nogueira; Messari, 2005).

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Nos antecedentes da Primeira Guerra Mundial, houve o esgotamento da
chamada Segunda Internacional Socialista, com cisões pautadas justamente em
distintas concepções nacionalistas, principalmente aquelas vinculadas aos
alemães, que optaram por sua identidade nacional – apoiando a Alemanha na
Primeira Guerra Mundial – em detrimento de sua identidade de classe. Entende-
se, assim, que a Primeira Guerra Mundial teve, como uma de suas origens, as
rivalidades entre distintas nacionalidades, determinando a “vitória” do projeto
burguês em detrimento do projeto marxista vinculado à luta de classes (Saraiva,
2007). Essa questão também seria uma evidência do argumento marxista de que
o Estado capitalista moderno estimulava o nacionalismo e o patriotismo como
estratégias de divisão do proletariado (Nogueira; Messari, 2005).
O capitalismo, porém, teria, na própria Primeira Guerra Mundial, uma de
suas mais marcantes contradições, tendo em vista que um dos principais fatores
que levaram ao conflito foi justamente a disputa interimperialista entre grandes
potências, como a Inglaterra e a Alemanha. Não à toa, também a Revolução
Russa seria um resultado direto da Primeira Guerra Mundial.
Aqui entramos em uma interpretação importante do marxismo para o
principal tema das RI: as guerras. Para os marxistas, a guerra é uma
consequência natural no modelo capitalista, uma vez que o Estado é utilizado
para garantir os interesses da burguesia – a política externa de um Estado,
portanto, reflete os interesses dessa classe burguesa – que vê na expansão de
mercados um objetivo fundamental. Essa expansão capitalista colocaria os
Estados em choque uns com os outros, principalmente quando operando sob a
lógica do colonialismo e do imperialismo, assim as guerras seriam inevitáveis por
fazerem parte dos ciclos de expansão e retração do sistema capitalista (Sarfati,
2005).
Apreende-se, portanto, que, na visão marxista, a paz mundial será
possível somente com o fim do capitalismo e o estabelecimento do comunismo
internacional, uma vez que não haveria classes sociais, permitindo, assim, uma
solidariedade global (Sarfati, 2005).
Outra interpretação interessante que o marxismo oferece às RI é sobre a
noção de anarquia internacional, conceito-chave para diversas teorias das RI.
Para teorias como o realismo, a anarquia é o que ajudaria a explicar as guerras
entre os Estados, com base em concepções egoístas da natureza humana.
Porém, os marxistas interpretam a guerra como fruto da natureza econômica do

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capitalismo e da consequente luta de classes, tirando o foco da anarquia
internacional como o fator determinante para o acontecimento de guerras
(Sarfati, 2005).

2.1 A dimensão internacional da revolução

As obras de Marx apontam para a necessidade de uma estratégia


revolucionária de amplitude internacional de superação do capitalismo. As
Internacionais Socialistas, citadas anteriormente, foram um exemplo dessa
estratégia de fortalecimento da luta de classes em plano internacional (Nogueira;
Messari, 2005).
No marxismo, apreende-se alguns elementos-chave para a superação do
capitalismo (Nogueira; Messari, 2005):

• a organização das classes trabalhadoras em torno de partidos políticos


nacionais;
• o estabelecimento de uma solidariedade internacional na luta dos
trabalhadores;
• o envolvimento das classes trabalhadoras com a política internacional.

Desse modo, o marxismo entende que ocorreria a internacionalização da


luta de classes, assimilando os interesses dos trabalhadores e traduzindo-os em
estratégias políticas em escala global contra a “burguesia”, compreendida como
uma classe internacional (Nogueira; Messari, 2005).
Na visão marxista, o proletariado poderia alcançar sua emancipação por
meio de uma estratégia internacional, com os trabalhadores assumindo sua
condição de classe universal, de modo a alcançar a superação dos limites do
espaço nacional e a destruição do Estado burguês (Nogueira; Messari, 2005).

TEMA 3 – A TEORIA DO IMPERIALISMO

A principal corrente marxista que refletiu pela primeira vez sobre a


aplicação dos conceitos dessa teoria no plano internacional foi a idealizada pelos
teóricos do imperialismo, notadamente Lenin em sua obra de 1916 Imperialismo:
o estágio mais elevado do capitalismo.
Na visão de Lenin, o modelo capitalista de livre concorrência tenderia a
uma dinâmica de formação de oligopólios e, consequentemente, monopólios,
esvaindo sua dimensão competitiva e chegando ao estágio final do capitalismo:
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o imperialismo (Sarfati, 2005). Esse processo teria fundamento na concentração
crescente de produção e capital e na fusão do capital bancário e do capital
industrial, gerando as bases do capital financeiro internacional e levando ao fim
até mesmo das divisões territoriais entre os Estados em torno da burguesia
imperialista (Sarfati, 2005).
Essa internacionalização do capitalismo industrial-financeiro, na visão de
Lenin, teria uma natureza conflituosa, conforme as burguesias nacionais
colocassem o Estado como representante dessas disputas incessantes por
lucros. A busca por lucros, inerente ao modelo capitalista, levaria à guerra entre
grandes impérios, que se utilizavam do colonialismo e do imperialismo para
ampliar sua presença econômica e financeira globalmente, por vezes, por
exemplo, recorrendo também à expansão territorial, em busca de novas
matérias-primas e mercados (Sarfati, 2005).
Se a teoria do imperialismo colocava as causas da guerra na natureza do
capitalismo em si, claramente a solução para esse problema, proposta por Lenin,
viria da via socialista. Por meio da ação internacional do proletariado e de sua
tomada de poder – ainda que, de fato, isso implique um embate violento contra
a burguesia – o mundo seria conduzido a relações mais pacíficas conforme mais
Estados aderissem ao socialismo (Sarfati, 2005). Esse processo teria como
consequência a adoção do comunismo global, que resultaria no fim das guerras
no mundo, pois não haveria mais luta de classes (Sarfati, 2005).
A teoria do imperialismo refletia também sobre o papel que sobraria aos
Estados desvinculados do poder imperialista, a quem restava um papel
secundário na chamada divisão internacional do trabalho, basicamente como
produtores de matérias-primas e commodities. Esses tópicos serão importantes
para o próximo tema a ser abordado.

TEMA 4 – A TEORIA DA DEPENDÊNCIA

Se o marxismo não é propriamente uma teoria de RI, sua influência em


correntes teóricas que se debruçaram sobre fenômenos internacionais foi
flagrante, principalmente quando se pensa na corrente neomarxista. A teoria da
dependência (TD) destaca-se nesse sentido, sendo fruto do empreendimento
intelectual de influentes autores latino-americanos, como Fernando Henrique
Cardoso, Enzo Faletto e Hélio Jaguaribe. Destaca-se, portanto, a importância da
teoria da dependência como um corpo teórico que se debruçou sobre
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problemáticas da América Latina e, sob influência do marxismo, estruturou
diagnósticos para problemas estruturais na América Latina que reverberariam
não somente no campo acadêmico, mas também na condução de políticas
públicas em toda a região.
A teoria da dependência é anterior à criação do campo das RI na América
Latina, tendo sido desenvolvida, ao longo das décadas de 1950 e 1960,
originalmente na sociologia e na economia, porém seu olhar voltado a dinâmicas
internacionais logo influenciou as RI quando elas foram formalmente
estabelecidas na década de 1970.
Para traçarmos as origens da teoria da dependência precisamos
direcionar nosso olhar para a Comissão Econômica para a América Latina
(Cepal), órgão da ONU criado no fim da década de 1940 com o objetivo de
estabelecer diretrizes econômicas para a região. Liderada pelo economista
argentino Raul Prebisch e recebendo contribuições de brasileiros como Celso
Furtado, a Cepal foi fundamental para o estabelecimento de um pensamento
econômico voltado às necessidades e especificidades da América Latina.
Prebisch foi preponderante no estabelecimento de um diagnóstico de que
as teorias econômicas clássicas pouco tinham a contribuir para o
desenvolvimento latino-americano. Os ideais liberais voltados ao livre-comércio
e às liberdades do mercado serviriam, na visão cepalina, apenas para os
contextos europeu e norte-americano, portanto havia a necessidade de se
estruturar um pensamento próprio, pautado por conceitos particulares aplicados
às singularidades da realidade econômica da América Latina.
O diagnóstico cepalino envolveu a identificação de que havia trocas
desiguais entre o que a Cepal convencionou chamar de centro e periferia. O
centro refere-se aos países desenvolvidos, cuja matriz econômica é altamente
diversificada e industrializada e que são os responsáveis pela maior parte do
comércio internacional e dos ciclos de crescimento mundial. Já a periferia seria
composta pelos países do Terceiro Mundo, ou seja, de menor desenvolvimento
relativo, cuja característica principal seria matrizes econômicas voltadas à
produção de commodities, leia-se produtos agrários e matérias-primas.

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Crédito: MAEADV/Shutterstock.

Com essa questão, a Cepal chama a atenção para o fato de essas trocas
desiguais serem caracterizadas por um efeito de deterioração de seus termos.
Isso quer dizer que produtos industriais e manufaturados carregariam consigo
um valor agregado alto, com altas margens de lucro, enquanto os produtos
agrícolas e as matérias-primas têm como característica principal os valores
flutuantes, determinados pela oscilação de preços no mercado internacional.
Assim, se um país como o Brasil dependia da sua produção e exportação
de café para crescer, como foi o caso por tantas décadas entre o fim do século
XIX e o início do século XX, esse Estado estaria fadado à estagnação, uma vez
que o preço do café é determinado pelas lógicas de oferta e demanda. Nessa
dinâmica, mesmo quando o preço do café está alto e o país está lucrando com
sua exportação, a tendência é que isso não dure muito tempo, pois o mercado
vai se regular, uma vez que mais produtores vão produzir café, tentando
aproveitar-se desses altos preços. Logo, com o aumento da oferta no mercado,
o preço do café – e consequentemente o lucro dos produtores – vai cair. É o que
a Cepal chama de deterioração dos termos de troca, que levou economistas
cepalinos a questionar: quantas toneladas de sacas de café precisamos vender
para comprar um computador?

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Com base nesse raciocínio, a Cepal conclui que há questões econômicas
estruturais que condenam a periferia – e, portanto, a América Latina – ao
subdesenvolvimento. Mais que isso, com esse diagnóstico percebe-se que o
próprio desenvolvimento do centro só é possível mediante o
subdesenvolvimento da periferia. A solução para esse problema, na visão
cepalina, seria investir na industrialização como promotora do desenvolvimento.
Esse diagnóstico influenciou não apenas no campo científico, como na teoria da
dependência (TD), mas também na formulação de políticas públicas em toda a
América Latina, principalmente quando se pensa nos programas de
industrialização por substituição de importações (ISI).
A teoria da dependência, portanto, tem como característica a
transferência do conceito marxista de luta de classes para as dinâmicas das
relações entre o centro e a periferia (Sarfati, 2005). Por meio de obras como
Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique
Cardoso e Enzo Faletto, a TD é influenciada pelo pensamento cepalino e
desenvolve suas ideias particulares.
A TD observa duas dinâmicas de desenvolvimento: o doméstico e o
externo. O desenvolvimento doméstico segue os modelos marxistas por meio da
interação entre as classes sociais, enquanto o desenvolvimento externo é
produto das relações da elite do país com o restante do mundo, com a
apropriação da máquina do Estado para seus interesses (Sarfati, 2005). Com
isso, fica evidente que, por vezes, mesmo sob condições de subdesenvolvimento
interno, as elites burguesas de um país têm condições de enriquecer. Por
exemplo, no Brasil cafeeiro, a sociedade mantinha-se pobre e pouco dinâmica,
com salários baixos e poucas oportunidades de emprego, no entanto os grandes
proprietários de terras mantinham seus lucros, mesmo com as oscilações nos
preços do café. Iremos explorar mais essa questão na seção “Na prática” desta
etapa.
Os teóricos da dependência chamam a atenção para o fato de, no sistema
capitalista, os países serem desenvolvidos ou subdesenvolvidos de acordo com
sua posição na divisão internacional do trabalho. Desse modo, a periferia seria
altamente dependente do centro e, portanto, deveria adotar políticas que lhe
oferecessem maiores graus de autonomia. Essa autonomia, compreendida
como pré-condição para o desenvolvimento nos trabalhos de autores como Hélio
Jaguaribe, passaria, principalmente, pela consolidação da industrialização na

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periferia. Na América Latina, o modelo de ISI buscou consolidar esse processo
com a estruturação de indústrias locais com foco no abastecimento dos
mercados domésticos, principalmente quando se trata de bens de consumo não
duráveis.
No período, de fato, a industrialização era concebida como a única
alternativa ao desenvolvimento, porém o modo de conduzir esse processo era
divergente. Na Ásia, por exemplo, a industrialização foi voltada para a produção
de bens de consumo duráveis para exportação. O caso latino-americano, voltado
ao mercado doméstico, acabou encontrando seus limites nas crises econômicas
das décadas de 1980, que colocaram em evidência a vulnerabilidade da periferia
perante grandes crises econômicas globais.

TEMA 5 – A TEORIA DO SISTEMA-MUNDO

A teoria do sistema-mundo (TSM) (conhecida também como teoria do


sistema mundial moderno), primeiramente representa um empreendimento
teórico importante, pois é fruto do desenvolvimento e aprofundamento da teoria
da dependência sob novas perspectivas. Seu principal autor é Immanuel
Wallerstein, norte-americano influenciado pelas teorias latino-americanas,
principalmente a TD. Desse modo, entendemos, de início, que a teoria do
sistema-mundo, em particular, representa uma trajetória singular de elaboração,
pois, em vez de ser uma teoria elaborada no Sul com base em teorias
dominantes no Norte, é uma teoria do Norte influenciada por uma teoria do Sul.
A TSM desenvolve-se partindo do binômio centro-periferia da TD. No
entanto, seu principal aspecto de inovação é a incorporação de mais uma faixa
intermediária: a semiperiferia, que claramente remonta ao que seria a classe
média em sociedades capitalistas modernas, demonstrando, assim, a influência
do pensamento marxista e sua luta de classes na TSM. A semiperiferia traria
algumas das características de desenvolvimento do centro, como indústrias e
bolsões de tecnologia, ao mesmo tempo que compartilharia estruturas
periféricas, como alta produção de commodities e altos índices de pobreza e
desigualdade social.
A criação da categoria de semiperiferia por parte da TSM permite a
compreensão da posição de países emergentes na divisão internacional do
trabalho. Exemplos práticos altamente compatíveis com essa definição seriam
países como o México, a África do Sul, a Coreia do Sul e o Brasil. O caso
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brasileiro é emblemático da semiperiferia, pois exercemos o papel de periferia
perante a economia global, exportando matérias-primas para parceiros como os
EUA e a China, ao mesmo tempo que exercemos o papel de centro perante
países como Argentina, Bolívia e Paraguai, exportando bens manufaturados de
alto valor agregado e importando commodities.

NA PRÁTICA

A situação prática desta etapa será um estudo de caso sobre a República


Velha e a teoria da dependência. A compreensão das dinâmicas econômicas
desse período, que se estendeu entre 1889 e 1930, é fundamental para o
entendimento da inserção brasileira na divisão internacional do trabalho ao longo
do século XX. Desse modo, podem-se traçar as origens dos desafios inerentes
ao desenvolvimento brasileiro como, em parte, frutos das condições históricas
desse período.
Na teoria da dependência, é fundamental direcionar o olhar às condições
históricas que levaram determinados países a ocupar um papel específico na
divisão internacional do trabalho (Sarfati, 2005). Primeiramente, portanto, não
podemos esquecer da condição colonial à qual o Brasil (e toda a América Latina)
foi submetido por séculos. As mesmas elites econômicas do período colonial
seriam aquelas que manteriam o predomínio político e econômico no Brasil
independente, principalmente os grandes latifundiários aristocratas.
A República Velha é emblemática no que se refere aos diagnósticos da
TD. Isso ocorre porque, nesse período, uma elite agrário-exportadora produtora
de café dominou a vida política brasileira (lembram-se da política do café com
leite, em que Minas e São Paulo alternavam-se na presidência?). Esse período
histórico foi marcado pelo aprofundamento das desigualdades no Brasil e pela
acentuação da pobreza no país, consolidando o papel do Brasil no Terceiro
Mundo como um mero produtor de commodities. No entanto, o período também
marcou o aumento da riqueza das oligarquias cafeicultoras, o que nos leva a
questionar como isso foi possível.
A resposta para essa questão é emblemática acerca dos marcos teóricos
da TD e de suas influências marxistas. Primeiramente, devemos entender que,
no período, o Brasil ainda estava consolidando sua transição rumo ao
capitalismo, após centenas de anos em que o modo de produção refletia
estruturas coloniais, como a escravidão considerada como modo de produção.
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Portanto, observamos uma infraestrutura em transição de uma espécie de
feudalismo para o capitalismo. No entanto, diferentemente do que houve na
Europa, essa transição não foi fruto do embate entre aristocracias e a burguesia,
simplesmente porque, no Brasil, não havia uma classe burguesa consolidada.
Isso ajuda na compreensão de que as mesmas elites perpetuaram-se no
poder, mesmo com alterações na infraestrutura da sociedade. Assim,
entendemos que as elites nacionais apropriaram-se do aparato estatal e
utilizavam políticas públicas para garantir seus privilégios e diminuir as perdas
econômicas que sofriam com as oscilações do preço do café no mercado
internacional. Desse modo, a política cambial do período foi um instrumento
muito útil para essas elites manterem seu poder econômico, em detrimento do
bem-estar da sociedade.
O raciocínio era simples: se o preço do café no mercado internacional
caísse, as elites brasileiras desvalorizavam artificialmente o câmbio para evitar
prejuízos. Imaginemos que no cenário A 1 dólar equivalia a 1.000 réis. Se um
produtor de café produzisse 1 tonelada de café e o preço do café fosse 10
dólares por tonelada, esse produtor receberia 10 dólares, que seria convertido a
10.000 réis, certo?
Agora imaginemos um cenário B em que o preço da tonelada de café caiu
para 5 dólares por tonelada. No mesmo câmbio anterior, a mesma tonelada de
café exportado geraria apenas 5.000 réis às elites agroexportadoras. Porém,
com o recurso da desvalorização cambial, essas elites conseguiam lucrar até
mesmo com a queda do preço do café: alterando no cenário B o preço de 1 dólar
para 3.000 réis, ou seja, desvalorizando a moeda, os 5 dólares recebidos pela
tonelada de café exportada gerariam 15.000 réis. Entende? Mesmo com a queda
do preço do café, a desvalorização da moeda garantiu 5.000 réis a mais a essas
elites.
Percebe-se, assim, o modo pelo qual, de acordo com o marxismo, o
Estado serve aos interesses das elites dominantes. No caso da República Velha
era exatamente isso o que acontecia. Sucessivas desvalorizações na moeda
nacional garantiam os lucros das elites, enquanto que, com o dólar mais caro,
tornava-se mais difícil importar produtos essenciais ao dia a dia da sociedade no
geral, como comida. O custo, portanto, da manutenção da riqueza das elites era
o aprofundamento da pobreza doméstica e a acentuação da desigualdade social.
Agora imagine esse ciclo repetido por décadas e décadas e décadas.

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Assim, sob a visão da TD, a condição de periferia do Brasil estaria tanto
relacionada a sua posição na divisão internacional do trabalho quanto a um
histórico de apropriação, pelas elites domésticas, do Estado e das políticas
públicas voltadas a seus interesses particulares.

FINALIZANDO

Finalizamos esta etapa compreendendo os fundamentos básicos do


marxismo, assim como suas aplicações nas relações internacionais. Chamamos
a atenção para a luta de classes como o motor da história e o causador da
maioria dos conflitos internacionais, que, na atualidade, seriam causados pelo
modo de produção capitalista.
Debruçando-nos sobre as dinâmicas capitalistas sob um olhar latino-
americano, pudemos perceber também como o neomarxismo foi aplicado para
elucidar as condições de subdesenvolvimento de países como o Brasil,
principalmente devido a seu histórico como país produtor de commodities.

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REFERÊNCIAS

CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América


Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

ENGELS, F.; MARX, K. O manifesto comunista. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra,
1999.

JACKSON, R.; SORENSEN, G. Introduction to International Relations:


Theories and Approaches. Oxford: Oxford University Press, 2016.

NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes


e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

SARAIVA, J. F. S. (Org.). História das relações internacionais


contemporâneas: da sociedade internacional do século XIX à era da
globalização. São Paulo: Saraiva, 2007.

SARFATI, G. Teorias de relações internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

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