Tese - 11901 - Dissertação de Mestrado - Raiara K. C. R. 11.02
Tese - 11901 - Dissertação de Mestrado - Raiara K. C. R. 11.02
Tese - 11901 - Dissertação de Mestrado - Raiara K. C. R. 11.02
CENTRO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES
CURSO DE MESTRADO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
VITÓRIA
2018
RAIARA KELLEM CARDOSO ROCHA
VITÓRIA
2018
RAIARA KELLEM CARDOSO ROCHA
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________
Prof. Dr. Aparecido José Cirillo
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
_____________________________________________
Profª. Drª. Angela Maria Grando Bezerra
Universidade Federal do Espírito Santo
_____________________________________________
Prof. Dr. David Ruiz Torres
Universidade Federal do Espírito Santo
______________________________________________
Profª. Drª. Tailze Melo Ferreira
PUC Minas
Dedico a ti Wellington, cada sílaba deste
texto e cada gesto de amor que a vida
me permitir conceder sem a sua
presença.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, pelo amor incondicional e apoio fornecido ao longo de toda
minha trajetória.
Aos meus queridos irmãos: Rubia e Ruber; e ao meu cunhado Alessandro, pelo carinho
e companheirismo.
Aos amigos: Demetrius, Moisés, Luciana, Aline e Natália, por estarem ao meu lado nos
momentos difíceis.
Aos amigos do mestrado: Andreia, Sandro, Kamilla, Déborah, Mara, Diego, Rick e
Thaynã, pelo carinho e apoio.
A minha irmã de consideração, Maria Rosa, pela amizade e pelas tardes agradáveis
que passamos juntas nos últimos meses.
Aos membros da banca, Ângela Grando, Tailze Melo e David Ruiz, pelas pertinentes
sugestões e por toda a atenção dedicada a esta pesquisa desde a qualificação.
The 1960s were marked by major changes. Categorizations interspersed with the field of
art were flexibilized and practices that allowed reconfiguring the role of the spectator in
the works and artistic exhibitions were instituted. In this scenario of major modifications,
the Italian artist Michelangelo Pistoletto began the production of the Quadri specchianti
(Mirror Paintings), a series of pictorial and/or photographic images superimposed on
mirrored surfaces. The set of relations, proposed by Pistoletto, through the elements
chosen to compose the works, indicate the intention to carry out an interactive process
loaded with complexity, which became the starting point for reaching the objective of this
research: to investigate and to discuss participation of the spectator. In order to achieve
the purpose presented, and also to approach, more accurately, aspects related to the
works, the reflections were extended to include the institutional relations of the artist, the
poetics of creation of works and certain changes occurred in the process of interaction
of the public after the popularization of photography and social media.
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 1
INTRODUÇÃO
1
Quadri specchianti é a denominação italiana utilizada para fazer referência às obras em questão de
Pistoletto, que possuem titulações independentes. Em inglês, o termo usado é Mirror Paintings. Em
espanhol, a expressão geralmente é traduzida para cuadros espejos. Tendo em vista a polivalência da
palavra “quadro” (que permite englobar as mais variadas técnicas utilizadas pelo artista na produção dos
trabalhos), bem como a ação expressa na palavra “espelhado”, consideramos prudente traduzir a
expressão para Quadros espelhados. O termo, apesar de não ter sido incorporado à língua portuguesa
como tal, foi adotado para fazer referência às obras no decorrer do texto, bem como, particularmente
nesse caso, nas traduções de citações tanto do inglês quanto do italiano.
2
Imagem 01: Michelangelo Pistoletto, Attraverso la rete, lui e lei, 2008. Impressão serigráfica sobre
espelho de aço inoxidável, 250 x 125 cm (98 3/8 x 49 1/4 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
A razão pela escolha dos Quadros espelhados não se concentra apenas no meu
encantamento pelos trabalhos, mas no fato deles serem pertinentes e interessantes
para discutir a questão da participação. O jogo de relações, propiciado pelos elementos
presentes nas obras, possibilita a configuração de contextos interativos, potencializados
pela presença do reflexo do espectador na superfície espelhada. A inserção imediata
3
No capítulo III, estendemos a investigação sobre o processo de criação das obras, bem
como refletimos acerca de alguns aspectos do processo de participação do espectador,
discutindo temáticas e a disposição das obras no espaço expositivo. As entrevistas
2
Informações concedidas via email.
5
I. 1. Reflexões iniciais
3
Danto dá seguimento à observação com o seguinte trecho: “Continua a ser verdade que as obras de
arte constituem um conjunto restrito de objetos. O que mudou é que esses objetos não podem mais ser
identificados facilmente, uma vez que qualquer coisa em que alguém possa pensar pode ser uma obra de
arte, e aquilo que justifica esse prestígio não pode ser uma questão de mero reconhecimento” (DANTO,
2015, p. 18).
4
Ver, por exemplo, A tradição do novo, de Harold Rosenberg.
7
Quadro espelhado intitulado Attraverso la rete, lui e lei, de 2008, que representa a
imagem de um casal fisicamente separado por uma rede; é difícil não protagonizar
atitudes instintivas de interação com a imagem de uma jovem que aponta uma câmera
em sua direção, como ocorre em Ragazza che fotografa, de 2007; não estranhar sua
imagem refletida junto a figura de um homem preparado para lançar uma pedra em
Senza Titolo, de 2008, ou a figura de uma mulher que, de modo desajeitado, curva-se
frente à cruz de um suposto cemitério, como em Donna al cimitero, de 1974.
A Pop Art surgiu na Inglaterra, na década de 1950, e teve seu ápice nos Estados
Unidos, na década de 1960, a tendência é marcada por incorporar imagens do universo
do consumo e da cultura de massa (BARBOSA, 2010). Nas palavras do historiador
italiano Renato De Fusco (1988, p. 219), “[...] Pop Art pode ser designada no âmbito
social como reportagem irônica da civilização urbana”:
6
Grifo nosso.
10
oficial do artista, foram efetivadas após uma série de experimentos realizados ao longo
da década de 1960. No livro Arte contemporânea: uma história concisa, Archer
demonstra que os princípios duchampianos corroboraram de modo expressivo em
proposições artísticas oriundas das décadas de 1950 e 1960, o que explica a presença
intensiva da riqueza discursiva dos elementos e formas genuínos no período. Ao
abordar mudanças dessa natureza, Danto observa como elas contribuiram para a
reconfiguração de certas percepções e conceitos que circundavam o campo da arte:
Para Danto (2015), a mudança dos critérios utilizados para definir arte e a ampla
abrangência do que poderia ser considerado arte na década de 1960 deve-se a uma
possibilidade histórica. Ele explica que “[...] o prestigio da Brillo Box [seu grande objeto
de estudo] como arte dependia de fatores externos que não tinham sido estabelecidos
muito antes de 1964” (DANTO, 2015, p. XII)11. Ainda segundo o autor, “o trabalho só se
tornou viável como arte quando o mundo da arte – o mundo das obras de arte – estava
pronto para recebê-lo entre seus pares” (DANTO, 2005, p. 17).
11
Grifo do autor.
12
Ainda que os fotógrafos ligados aos movimentos de vanguarda tivessem conduzido novas maneiras de
pensar a fotografia, a fotografia não era vista como um meio artístico privilegiado. Permanecia ligada,
mas não imersa no campo da arte. De acordo com a artista brasileira Denise Gadelha (2007, p. 55), “um
dos primeiros indícios do papel que a fotografia viria a exercer na contaminação entre as categorias
artísticas teve lugar quando Rauschenberg e Warhol começaram a serigrafar imagens fotográficas em
suas telas”. Rosler (2001, p. 329) explica que os artistas pop, juntamente com os conceituais foram os
responsáveis por introduzir a fotografias nas galerias. A presença da fotografia nos espaços tradicionais
de exibição de arte, para o historiador norte-americano Douglas Crimp (2005, p. 68), representa a
declaração de sua autonomia. Uma vez pendurada na parede de um museu, a fotografia muda para
sempre (CRIMP, 2005, p. 69). A fotografia se desvincula de antigas funções para habitar o campo da arte
e não apenas estar a sua margem. Desse modo, a maneira de ver as imagens fotográficas pode ser
alterada e associada ao modo de “ver arte”, como indica o historiador: “Enquanto podemos ter olhado
outrora para as fotografias de Cartier-Bresson pela informação que traziam sobre a revolução chinesa ou
a Guerra Civil Espanhola, olhamos agora para elas por aquilo que dizem sobre o estilo de expressão do
artista” (CRIMP, 2005, p. 69).
12
13
Grifo da autora.
14
Tradução livre, original em espanhol: “[...] la carencia de un nuevo estilo artístico establecido, los
precios exorbitantes de las obras de arte tradicionales, el debilitamiento del domínio de los críticos
modernos, y la consiguiente incertidumbre de las galerías comerciales [...]”.
15
Tradução livre, original em espanhol: “En un nivel más básico de la sociedad, tal vez podamos buscar
la explicación en la reestructuración cultural que tuvo lugar durante este período del capitalismo
avanzado [...], un proceso acelerado por la creciente importancia que fueron cobrando los medios de
comunicación electrónicos (en los que las artes tradicionales son representadas, en lugar de ser
contempladas), por la consiguiente devaluación de las habilidades artesanales [...]”. Grifos nossos.
13
16
Grifos do autor.
17
Informação fornecida por Almerinda Lopes, na aula de Teoria e História da Arte Moderna
(PPGA/UFES), do dia 04 de julho de 2016.
14
18
Tradução livre, original em inglês: “This age of prosperity degenerated into social and political crisis
during the second half of the ‟60s [...]”.
19
A data leva em consideração que esse é o ano da publicação do manifesto Arte Povera: appunti per
una guerriglia, de Germano Celant e, como informa o galerista Fabio Sargentini (2012), o ano da primeira
exposição que levou o título de arte pobre: Arte povera e Im Spazio; organizada por Germano Celant na
Galeria La Bertesca, em Gênova. Sargentini (2012) explica que o título serve para distinguir os artistas
participantes. Ainda segundo o autor, a mostra foi dividida em duas seções: Arte Povera e Im Spazio, na
primeira estavam obras de Umberto Bignardi, Mario Ceroli, Paolo Icaro, Renato Mambor, Eliseo Mattiacci
e Cesare Tacchi; e na segunda Alighiero Boetti, Luciano Fabro, Jannis Kounellis, Giulio Paolini, Pino
Pascali e Emilio Prini.
20
Fala de Almerinda Lopes, na aula de Teoria e História da Arte Moderna (PPGA/UFES), do dia 04 de
julho de 2016.
21
A lista completa de exibições do artista encontra-se disponível no site de sua fundação:
<http://www.fondazionearchiviocapogrossi.it/mostre-capogrossi.asp>. Acesso: 21 Jul. 2018.
22
As obras do artista seguiram participando de exposições pelo país estadunidense nas décadas
posteriores. A intenção desse trecho é enfatizar as exibições realizadas antes e no ano que remete ao
surgimento da tendência poverista, uma vez que nos anos subsequentes é possível notar uma redução
considerável na periodicidade das mostras individuais de Pistoletto realizadas no país.
23
Exibições individuais realizadas no período mencionado: Michelangelo Pistoletto: A Reflected World,
Walker Art Center, Mineápolis, 1966; Kornblee Gallery, Nova York, 1967; Michelangelo Pistoletto, Hudson
Gallery, Detroid, 1967. A lista completa de exibições está disponível no livro Mirror Paintings, de 2011,
bem como no site oficial do artista. Dispon[ível em: <http://www.pistoletto.it/it/mostre.htm>. Acesso: 21
Jul. 2018. Convém mencionar que a última exibição citada, intitulada Michelangelo Pistoletto, realizada
na Hudson Gallery, está inclusa na lista do site, mas não no livro.
24
Exibições coletivas realizadas no período mencionado: International Exhibition of Contemporary
Painting, Carnegie Institute Museum of Art, Pittsburgo, 1964-1965; International ’65, Part I, Hudson
Gallery, Detroit, 1965; Beyond Realism, Pace Gallery, Nova York, 1965; Recent Acquisitions, The
Museum of Modern Art, 1966; The Object Transformed, The Museum of Modern Art, 1966; Color, Image,
15
and Form, The Detroit Institute of Arts, 1967; Paintings from the Albright-Knox Art Gallery, National
Gallery of Art, Washington, D.C., 1967; Highlights of the 1966-67 Art Season, The Larry Aldrich Museum
of Contemporary Art, Ridgefield, CT, 1967. A lista completa de exibições está disponível no livro Mirror
Paintings, de 2011, bem como no site oficial do artista.
25
O Expressionismo Abstrato se caracteriza por apresentar pinturas que dispensam técnicas e processos
acadêmicos usuais, geralmente as composições são constituídas em grande escala, o emprego de cores
é realizado de modo contingente e o uso do cavalete é eximido.
26
O artigo de Rosa Gabriella de Castro Gonçalves lida diretamente com essa questão. Contudo, para
compreender, de modo mais abrangente, a dimensão do suporte fornecido por Greenberg à arte abstrata,
recomendamos a o livro intitulado Clement Greenberg e o Debate Crítico, organizado por Glória Ferreira
e Cecília Cotrim, que reúne uma série de textos do crítico.
16
Pós-guerra, um propósito que como confirma Archer, estendeu para se servir de outras
tendências, como a Pop Art. Ao refletir sobre o que seria, nas palavras do autor, um
“jogo de poder”, Archer relaciona o anúncio de página inteira colocado na revista suíça
Art International, no verão de 1964, pelo negociante de arte Leo Castelli. Segundo o
autor (2012, p. 24-25), o anúncio mostrava a participação dos artistas de Castelli,
incluindo Robert Rauschenberg e Jasper Johns, na Bienal de Veneza e em outras
exibições “[...] como o mapa de um avanço militar, com os artistas abrindo caminho a
partir desses quatro centros rumo ao resto da Europa”.
Celant foi o responsável por nomear a tendência, apropriando-se do termo teatro pobre
do diretor polaco Jerzy Grotowski (POLANCO, 2003, p. 37)31. Em 1967, o crítico publica
um artigo na revista italiana Flash Art, intitulado Arte Povera: appunti per una guerriglia
(Arte Pobre: notas para uma guerrilha, em tradução livre), em que exprime objeção às
produções artísticas reféns do sistema e às expectativas convencionais da sociedade.
Para a historiadora de arte espanhola Aurora Fernández Polanco:
30
Germano Celant é quem aborda à influência de Piero Manzoni, Alberto Burri e Lucio Fontana no
desenvolvimento da Arte Povera. Abordaremos alguns aspectos acerca da produção desses artistas
adiante.
31
De acordo com Polanco (2003, p.37), “[...] Celant disse ter inventado o termo povera como
antidefinição, quase como uma condição nômade da criação [...]”. (Tradução livre, original em espanhol:
“[...] Celant dice haber inventado el término povera como antidefinición, casi como condición nómada de
la creación [...]”). Grifo da autora.
32
Tradução livre, original em espanhol: “Da la impresión de que el grupo que Celant organiza es en cierto
modo una estrategia, como si Italia se viera obligada a tomar una postura tras el éxito de Rauschenberg
en la Bienal de Venecia de 1964 y de la paulatina introducción del pop en el mercado italiano”.
33
Tradução livre, original em espanhol: “[...] en un contexto dominado por las invenciones y las
imitaciones tecnológicas, las posibilidades de elección son dos: la apropiación (la cleptomanía) del
sistema, de los lenguajes codificados y artificiales, en el diálogo con las estructuras existentes –tanto
sociales como privadas-, la aceptación y el pseudoanálisis ideológico, la ósmosis con cualquier
„revolución‟ – aparente, e integrada al momento-, la sistematización de la propia producción en el
18
Cullinan ressalta que a “Arte Povera [...] possuía duas agendas políticas inter-
relacionadas: uma verdadeira batalha artística mundial contra a hegemonia americana
e uma revolução romantizada que legitimou esta insurgência” (CULLINAN, 2008, p.
11)35. A “Arte Povera foi [...] a legítima defesa de uma cultura histórica que naufragava -
como foi a cultura europeia” (CELANT, apud CULLINAN, 2008, p. 18)36. Ao seguir, de
certo modo, na contramão da assimilação de aspectos relativos ao consumismo que
inundava a Itália, tais como a cultura de massa e a iconografia ligada à produção
tecnológica, certas produções artísticas ligadas à tendência, de fato, correspondem às
considerações de Celant. Nas palavras de Polanco:
Para tal, propunham uma “arte pobre”, geralmente concebida por meio do uso de
materiais e elementos estranhos ao espaço especializado da arte. De acordo com
Almerinda Lopes:
37
Tradução livre, original em espanhol: “Tenemos un pequeño grupo de italianos intentando huir de la
frialdad a la que la sociedad del espectáculo somete a todo sujeto que caiga en sus redes. Se trataba de
romper esas redes que hablan de la misma escisión que sintieron los románticos en la prehistoria del
mundo tecnificado”. Grifo da autora.
38
Fala de Almerinda Lopes, na aula de Teoria e História da Arte Moderna (PPGA/UFES), do dia 04 de
julho de 2016.
39
Tradução livre, original em espanhol: “El proceso como pobreza. Pobreza en cuanto al carácter efímero
de la experiencia, por el hecho de desconfiar de la obra acabada ligada al juego post-positivista
productor/producto”. Grifo da autora.
40
Tradução livre, original em espanhol: “Antiforma como pobreza [...]”.
41
Tradução livre, original em espanhol: “Conceptuales/pobres, pobreza en tanto precariedad, falta de
seguridad, duda ante el orden de los signos del discurso plástico visual”.
42
Tradução livre, original em espanhol: “[...] una búsqueda „pobre‟, entregada a la identificacíon entre
acción y hombre, entre comportamiento y hombre [...], entre hombre y mundo”.
20
Imagem 02: Pino Pascali, 32 mq di mare Circa, 1967. Chapa de aço galvanizado, água colorida com azul
de metileno, 30 reservatórios quadrados, 110 x 110 x 6,5 cm cada.
Roma, Galleria Nazionale d'Arte Moderna e Contemporanea, su concessione del Ministero per i Beni
Culturali.
Exposição: Dialoghi, Pino Pascali e Luigi Ghirri, Fondazione Pino Pascali, 2014.
Polignano a Mare.
Ph. Cosmo Laera.
43
Tradução livre, original em espanhol: “[…] basta con hojear un catálogo que reúna a los artistas bajo la
denominación arte povera para darnos cuenta de que no hacemos sino enfrentarnos a una serie de obras
cuyo único denominador común parece ser la diversidad más despiadada [...]”. Grifo nosso.
22
44
Informações concedidas via email.
23
Imagem 03: Giovanni Anselmo, Senza Titolo, 1968. Pedra, alface e fio de cobre.
Foto: © Giorgio Mussa.
Cortesia: Archivio Anselmo, Turim, Itália.
45
Tradução livre, original em espanhol: “Su existencia depende de nuestra intervención y de nuestro
comportamiento. No son productos autónomos, sino inestables; vivos en relación con nuestro vivir”.
24
Imagem 04: Jannis Kounellis, Senza Titolo, 1967. Estrela de ferro com maçarico, 150 cm.
Cortesia: Tornabuoni Art.
25
Imagem 05: À esquerda: Giovanni Anselmo, Senza Titolo, 1984. Pedra, tela, cabo de aço e nó corredio.
Foto: © Antxon Hernandez.
Cortesia: Archivio Anselmo, Turim, Itália.
Imagem 06: À Direita: Giovanni Anselmo, Grigi che si alleggeriscono verso oltremare, 1982. Pedra, cabo
de aço, nó corredio, ultramarino (acrylic ultramarine).
Foto: © François Lagarde.
Cortesia: Archivio Anselmo, Turim, Itália.
“Os artistas [...] estão envolvidos em uma série de práticas que reivindicam o ser mais
que o fazer [...]” (POLANCO, 2003, p. 11)46. Nessa perspectiva, as produções
demonstram a necessidade de envolver o público em situações que evocam a presença
por meio da exaltação da obra enquanto entidade. Tanto a adoção de grandes
dimensões quanto a propensão ao reducionismo parecem se apresentar como aliados
desse intento. A produção de Anselmo constitui um exemplo significativo de redução
em favor do engrandecimento do caráter existencial das composições. A título de
exemplo, podemos destacar os trabalhos que apresentam rochas suspensas no espaço
expositivo. Ao dependurar as rochas, o artista transfaz o local costumeiro do elemento,
46
Tradução livre, original em espanhol: “Los artistas [...] están implicados en una serie de prácticas que
reivindican el ser más que el hacer [...]”.
26
extingue sua indiferença e instaura a inquietude por meio da tensão provocada pela
viabilidade de queda da rocha. A tensão conduz à elevação da presença e do vigor,
uma sensação recorrente em obras ligadas a Arte Povera. Ao provocar essa percepção,
as composições parecem ir ao encontro da negação do pertencimento da obra de arte
às outras realidades e contextos. A existência é proclamada no aqui e no agora. Em
algumas propostas poveristas, esse aspecto atinge o extremo, como quando Kounellis
acomodou 12 cavalos na Galleria L’Attico, em 1969. A obra intitulada Cavalli exprime a
privação e a condescendência de seres dominados. A inarmônica relação dos animais
com o espaço expositivo, bem como suas inóspitas posições, presos frente às paredes
da galeria, como espectadores de uma fronteira intransponível, são inquietantes. A obra
não fornece apenas uma tentativa de ruptura com o deleite contemplativo na arte, mas
parece instigar questionamentos acerca da ideia de liberdade e autonomia existencial, o
que é tanto salientado na condição dos animais na galeria quanto na superposição da
determinação de Kounellis. A atitude que origina a obra não revela apenas a instituição,
propriamente duchampiana, de um elemento a um novo contexto, mas a subordinação
de organismos à condição momentânea de ser arte. Nesse sentido, a ação de Kounellis
se relaciona com a atuação dos “pincéis vivos”, que sob o comando de Yves Klein,
expoente do Novo Realismo, promoviam vestígios pictóricos em uma superfície
previamente preparada. Em ambos os trabalhos, a privação da autonomia se faz
presente ainda que a aparente condescendência das mulheres e dos animais utilizados
nas ações seja emitida.
p. 19)47. São eles, o italiano Piero Manzoni, o ítalo-argentino Lucio Fontana e Alberto
Burri, artista italiano ligado ao informalismo.
Imagem 07: Alberto Burri, Combustione, 1964. Plástico, acrílico e combustão s/ cardboard, 50 x 35 cm.
Cortesia: Tornabuoni Art.
O modo com o qual Burri lida com o espaço pictórico associa-se aos trabalhos de Lucio
Fontana intitulados Concetto spaziale, nos quais o artista realizou perfurações ou cortes
simétricos e calculados na tela. Para a historiadora de arte Barbara Hess (2014), “talvez
a mutilação da tela possa ser interpretada como uma fuga simbólica da premissa
29
50
Tradução livre, original em espanhol: “Algunos artistas – Pascali, Fabro, Paolini – han aprovechado y
radicalizado la experiencia de Fontana sobre las posibilidades tridimensionales de la tela y el bastidor”.
30
51
Grifo do autor.
31
52
Grotowski utilizou o termo “cleptomania artística” para criticar o hibridismo e a apropriação do Teatro
Rico, no artigo intitulado Em busca de um teatro pobre (presente no livro que possui o mesmo título e
reúne textos do diretor), publicado pela primeira vez em 1965.
32
Imagem 08: Michelangelo Pistoletto. Uomo Seduto, 1962. Papel de tecido pintado sobre espelho de aço
inoxidável polido, 125 x 125 cm. Coleção Privada, Bruxelas.
Foto: P. Bressano (na foto: Michelangelo Pistoletto sentado em frente à obra, Turim, 1962).
Site oficial do artista.
A trajetória de Pistoletto como artista teve início na década de 1950, quando ele
produziu e expôs uma série de autorretratos por meio da pintura (LE PRIME OPERE,
2007). Como demonstra a lista de exposições do artista, a primeira participação de
Pistoletto em uma mostra de arte deu-se em 1955, na exibição intitulada 95ª
Esposizione annuale della società d’incoraggiamento alle Belle Arti, realizada na cidade
de Turim. Poucos anos depois, Pistoletto estaria participando de exposições nos
Estados Unidos. Os acontecimentos que contribuíram para conduzir Pistoletto a esse
estágio tiveram início em 1963, quando o artista exibiu os singulares Quadros
espelhados, na Galleria Galatea, em Turim. Acerca dessa exibição, Pistoletto
(entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 79) explica que o então proprietário da galeria, o
banqueiro Mario Tazzoli, não apreciava as obras e sentia-se envergonhado por elas,
chegando a declarar tal sentimento ao empresário italiano Gianni Agnelli. Todavia, a
relação entre os galeristas e os Quadros espelhados viria a sofrer alterações
significativas, precisamente, após uma viagem de Pistoletto à Paris, descrita a Alain
Elkann (2014, p. 84-85), onde em uma visita à mundialmente conhecida galeria de
33
Ainda segundo Pistoletto (entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 85), pouco tempo após a
proposta de Ileana Sonnabend, em 1964, ele estaria participando de exibições junto
com artistas pop estadunidenses na Europa. Diante disso, Pistoletto constituiu uma
relação peculiar com a tendência que é geralmente compreendida, por exemplo, pelo
teórico Michael Archer (2012, p. 17), como um “fenômeno norte-americano”.
Analisando a lista de exibições de Pistoletto, é possível apontar uma série de mostras
coletivas cujos títulos constituem referências nítidas à tendência pop. Em meio às
exibições realizadas na década de 1960, estão: Dessin Pop, Galerie Ileana Sonnabend,
Paris, 1963; POP, etc. Museum des XX Jahrhunderts, Viena, 1964; Neuer Realismus
und Pop Art, Akademie der Kunste, Berlim, 1964; Pop Art, Nouveau Réalisme etc.,
Palais des Beaux-Arts, Bruxelas, 1965; Pop, Galleria Gian Enzo Sperone, Turim, 1965.
De acordo com Claire Gilman (2008, p. 1), “[...] Lucy Lippard solidificou a conexão [do
artista com a tendência] quando incluiu o artista em seu livro de 1966 sobre a Pop
Art”55.
53
Michael Sonnabend foi o segundo marido de Ileana Sonnabend. Antes, a galerista foi casada com Leo
Castelli.
54
Tradução livre, original em inglês: “Michael and Ileana Sonnabend were amazed and said they would
come to see my exhibit. A few days later they turned up in Turin, saw my work, and bought all of it, and
then they offered to buy me out of my contract with Tazzoli”.
55
Tradução livre, original em inglês: “[...] Lucy Lippard solidified the connection when she included the
artist in her 1966 book on Pop art”.
34
56
Tradução livre, original em inglês: “For some reason, plans for a solo exhibition at the Leo Castelli
Gallery never materialized. Instead, Sonnabend arranged for solo shows at Kornblee Gallery in 1967 and
1969. Pistoletto‟s early exposure both in Europe and New York culminated in an almost unprecedented
feat for a European artist: two solo exhibitions in major American museums less than six and nine years
after his artistic debut”.
57
O relato de Pistoletto não explica com exatidão o ano em que isso ocorreu, mas menciona que o
episódio precedeu a realização de sua exibição na Kornblee Gallery. Duas mostras individuais ocorreram
nessa galeria. A primeira foi realizada em 1967, no ano seguinte não existem registros de exposições
solo nos EUA. Após a segunda mostra, de 1969, ocorreu algo semelhante: houve uma pausa nas
exibições individuais do artista nos Estados Unidos entre 1970 e 1973.
58
Segundo Pistoletto (entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 92), o convite foi realizado um ano após a
abertura da Bienal de Veneza e de sua exibição na Galleria Del Leone, ambas em 1964.
35
nos Estados Unidos, entretanto, se ele quisesse continuar a ser, deveria ir para o país,
juntar-se à família e “esquecer-se de ser europeu”, caso contrário, não teria chance.
Acerca do relato, Alain Elkann questiona:
Para Pistoletto (entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 94), até certo momento, sua
presença talvez tenha sido oportuna, mas as premências haviam mudado.
Leo pensou muito no meu trabalho, mas ele queria que a minha arte
fosse considerada americana, porque isso atendia os requisitos
nacionalistas que ele próprio ajudara a moldar (PISTOLETTO, entrevista
a Alain Elkann, 2014, p. 94)60.
59
Tradução livre, original em inglês: Alain Elkann: “In short, Castelli told you that it was all about the
Americans in America at that time, so you should become American or you were finished. Did that seem
like a threat to you?”
Michelangelo Pistoletto: “Yes, but not from him. He was simply trying to tell me that at that moment the
situation was changing. What did they want in America with an Italian? Perhaps, up until the day before
the prize was given to Rauschenberg, having an Italian artist as a mark of an international spectrum of
views was useful. But as soon as they got the prize, I was no longer needed to show that Pop Art was
international”.
60
Tradução livre, original em inglês: “Leo thought highly of my work, but he wanted my art to be regarded
as American, because that complied with the nationalistic requirements that he himself had helped
shape”.
61
Cabe frisar que a produção dos Quadros espelhados não cessou nesse período, o que ocorreu foi a
produção paralela de obras que naquele momento, como explica Pistoletto (ver citação nesta página),
36
mais dessas obras para comercializar, enquanto ele queria “explorar as implicações”
das obras. “Em certo sentido, eu estava reagindo à ideia de fazer mais objetos para
vender. Os Minus Objects deram conta disso [risos]. Eles não eram muito populares”
(PISTOLETTO, entrevista a Michael Auping, 2011, p. 68)64. Pistoletto revela que Leo
Castelli assimilou as obras de modo negativo e a reação dos Sonnabends foi ainda pior:
Por outro lado, os Oggetti in meno conquistaram Celant. Vejamos o que diz Pistoletto:
“Germano Celant, em sua declaração de 1967, tomou os Minus Objects que criei de
1965 a 1966 como o ponto de referência inicial para a Arte Povera” (PISTOLETTO,
entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 133)66. É possível que a atração do crítico em
relação às obras, estivesse menos concentrada nos trabalhos e mais concentrada à
“reação” de Pistoletto ao poder do mercado, uma vez que a renúncia realizada pelo
artista viria a corresponder fielmente ao discurso de Celant (2003, p. 99) contra a
produção artística refém do sistema da arte. No trecho seguinte, o crítico descreve a
atitude de Pistoletto em relação aos Oggetti in meno, de modo a favorecer aspectos
análogos às suas considerações acerca da tendência poverista:
64
Tradução livre, original em inglês: “In one sense, I was reacting to the idea of making more objects to
sell. The Minus Objects took care of that [laughter]. They were not very popular”. Grifo nosso.
65
Tradução livre, original em inglês: “They just could not understand why I wanted to ruin myself that way,
after having established a reputation with the Mirror Paintings. For them it was impossible for an artist not
to be recognizable, something they didn't find in the Minus Objects. The more I tried to explain to them
that I had intended for the works to differ from one another for a specific reason, the worse it got”. Grifo do
autor.
66
Tradução livre, original em inglês: “Germano Celant, in his 1967 statement, took the Minus Objects I
created from 1965 to 1966 as the initial reference point for Arte Povera”. Grifo do autor.
38
Imagem 09: Michelangelo Pistoletto, Oggetti in meno, 1965/1966. Estúdio do artista, Turim, 1966.
Foto: P. Bressano.
Site oficial do artista.
67
Tradução livre, original em espanhol: “Pistoletto (al igual que Warhol, Mari y Grotowsky) se ha
planteado desde 1964 el problema de la libertad del lenguaje, no vinculado ya al sistema, a la coherencia
visual, sino a la coherencia „interior‟, y ha realizado en 1966 obras sumamente „pobres‟ […]. Se trata de
un trabajo que pretende registrar „la irrepetibilidad de cada instante‟ (Pistoletto), que presupone el
rechazo de cualquier sistema y expectativa codificada. Una actuación libre […] e imprevisible […], una
frustración de expectativas que permite a Pistoletto situarse siempre en la frontera entre arte y vida”. Grifo
nosso.
39
quanto aos estilos artísticos dignificados. Em 1967, Pistoletto defrontou uma escultura
de Vênus em tamanho real frente a um amontoado equivalente de tecidos: “trapos”.
Desse modo, apenas a parte detrás do corpo foi submetida ao olhar do espectador.
Tem-se a impressão de que a Vênus absorve a exclusiva função de evitar o despencar
dos trapos, que ao contrário da escultura, exteriorizam desordem e excesso.
Imagem 10: Michelangelo Pistoletto, Venere degli stracci (Vênus de trapos), 1967. Vênus clássica, trapos,
mica, 150 x 280 x 100 cm. Castello de Rivoli – Museo d‟Arte Contemporanea, Rivoli.
Foto: P. Pellion.
Site oficial do artista.
Assim como a maioria das obras do artista (se não todas), a Venere degli stracci possui
uma relação intensa com os Quadros espelhados. Em entrevista a Michael Auping,
Pistoletto (2011, p. 60) explica que utilizava trapos para limpeza dos espelhos e desse
modo, começou a acumulá-los, descobrindo como eles eram belos e diversificados.
Ainda segundo o artista:
40
68
Tradução livre, original em inglês: “The rags are the surface of society. They are an atomization of our
tribal image. They are how we stay warm and also how we decorate ourselves. If you cover a wall with
rags, you are making a reflection of society. If you cover a wall with a mirror, you do the same thing”.
69
Importante especificar que no trecho citado, o autor refere-se simultaneamente à obra O barroco e as
máscaras e aos Quadros espelhados, nos quais as imagens fotográficas são submetidas à manipulação,
assunto que abordaremos adiante.
41
70
Tradução livre, original em inglês: “Once we know that, our assumptions about the authenticity of
photography are called into question as well as the authenticity of our reactions to what we view”.
71
Tradução livre, original em italiano: “[...] la congiunzione di coppie di opposte polarità (statico/dinamico,
superficie/profondità, assoluto/relativo, ecc) [...]”.
42
fator que parece contribuir para a polissemia das obras, é a série de mudanças que
envolvem sua poética de criação. Entre elas, está a instituição do espelho como plano
de fundo e a substituição do processo pictórico pela fotografia serigrafada que, como
informa Gilman (2008, p. 58), ocorreu em 1971. De acordo com a autora:
O abandono da pintura pelo artista atinge o funcionamento das obras por meio da
fotografia, e sobretudo do espelho, uma vez que os elementos são capazes de não
apenas originar a concepção de aparência própria, mas de ficcionar sua projeção.
Apesar de Gilman (2008, p. 55), declarar na parte introdutória de seu texto que ao
examinar os quadros espelhados, assume uma posição de contraponto às
interpretações da Arte Povera e da Pop Art, a “extrema alternativa”, citada pela autora,
pode configurar uma das razões pelas quais as obras permaneçam habitando o
universo da Arte Pop.
Para Pistoletto (entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 85), havia um aspecto em comum
com a Pop Art: a objetividade.
72
Tradução livre, original em inglês: “In rejecting the heightened subjectivism of Informel painting, in other
words, Pistoletto appears to have capitulated to the alternative extreme - a world in which „real‟ life has
been entirely subsumed by appearance”.
73
Tradução livre, original em inglês: “We had something common – the concept of objective art.
Something is said to be objective if everyone can understand it, if it is a generally comprehensible
representation. Ours was an art that came after Abstract Expressionism, totally focused on subjectivity. In
this sense, there was a very clear affinity [...]”.
43
que, como observa Gilman, é frequente: “[...] apesar de uma admiração declarada pelo
trabalho dos artistas americanos, Pistoletto sempre se preocupou em afirmar sua
independência da estética Pop” (GILMAN, 2008, p. 54)74. De fato, Pistoletto empenha-
se muito mais em apontar as dessemelhanças do que as parecenças entre a Pop Art e
a concepção dos Quadros espelhados. Vide as divergências enfáticas apontadas pelo
artista a seguir:
74
Tradução livre, original em inglês: “[...] despite an avowed admiration for the work of the American
artists, Pistoletto has always taken care to assert his independence from the Pop aesthetic”.
75
Tradução livre, original em inglês: “[...] in my work there was none of the emphasizing of the
phenomenon of consumption, of the media-based glamour that was a common theme among the
American artists. The underlying iconographic theme in my work was the human being and everything
around it. An idea of the universe different from the consumerist one that the Americans were trying to
pass off as universal”. Grifo nosso.
76
Tradução livre, original em inglês: “[...] I was not as interested in discovering an aesthetic of
advertising”.
77
Tradução livre, original em inglês: “I don't feel like a Pop artist”.
78
Tradução livre, original em inglês: “[…] my mirror paintings don't fit into the concept of consumption
taken to extremes, do not reflected the system of artificial need of American Pop Art do”.
44
Ainda que a produção dos trabalhos envolva o uso da fotografia, a assimilação entre as
obras e a Arte Povera é possível em razão da problematização das noções existentes
de participação e da presença de um jogo de relações propiciado pela junção de
elementos detentores de características díspares: a superfície espelhada e a imagem
fotográfica e/ou pictórica. Por outro lado, a assimilação entre os Quadros espelhados e
a Pop Art é perfeitamente possível em razão dos elementos constitutivos e das
questões que podem ser abordadas tendo-os como ponto de partida. A exterioridade
dos Quadros espelhados, composicionalmente figurativa, pode ser coerente à Pop Art
em vários sentidos. Vejamos, de acordo com o sociólogo Pascal Gielen, “desde o
momento em que Pistoletto começou a usar o espelho, a sociedade entrou em seu
trabalho e se tornou seu tema principal” (2011, p. 101)80. Pistoletto (entrevista a Michael
Auping, 2011, p. 61-62), demonstra uma concepção semelhante ao afirmar que a ação
de sobrepor um espelho em uma parede cria “um reflexo da sociedade”. Desse modo,
as obras agregam, por meio do espelho, algo que sobrexcede o espaço circundante e
vai ao encontro da Pop Art: a projeção do espaço circundante no espelho, que reflete,
entre outras coisas, uma sociedade italiana em transformação devido à ascendência do
consumismo, consequência do repentino desenvolvimento econômico do país.
De fato, como ocorre com Pistoletto, certas proposições de artistas ligados ao grupo
poverista podem corresponder a aspectos desfavorecidos por Celant. Diante da
disparidade da produção, tanto de Pistoletto como de outros artistas ligados à Arte
79
Tradução livre, original em inglês: “Arte Povera, like the Mirror Paintings, is based above all on the
phenomenology of the existing”. Grifo do autor.
80
Tradução livre, original em inglês: “From the moment Pistoletto started to use the mirror, society
entered in his work and became his main subject”.
45
Povera, Celant, como informa Polanco (2003, p. 11), renuncia à etiqueta poverista no
ano de 1972. A autora comenta que o crítico declarou considerar a classificação “[...]
um clichê repetitivo e restritivo para o desenvolvimento das poéticas individuais [dos
artistas]”81 (POLANCO, 2003, p. 11). Entretanto,
[...] em 1985, em Nova York, no Institute for Art and Urban Ressources,
Celant recria o grupo na exposição The Knot Arte Povera at P.S.I [...],
com doze nomes inseparáveis a partir desse momento: Giovanni
Anselmo [...], Alighiero & Boetti [...], Pier Paolo Calzolari [...], Luciano
Fabro [...], Jannis Kounellis [...], Mario Merz [...], Marisa Merz [...], Giulio
Paolini [...], Pino Pascali [...], Giuseppe Penone [...], Michelangelo
Pistoletto [...] e Gilberto Zorio [...]. Todos eles têm desenvolvido sua
trajetória individualmente, o que não os impede de se encontrar de
tempos em tempos sob esse rótulo (POLANCO, 2003, p. 11)82.
81
Tradução livre, original em espanhol: “[...] un cliché repetitivo y restrictivo para el desarrollo de las
poéticas individuales”.
82
Tradução livre, original em espanhol: “[...] en 1985, en Nueva York, en el Institute for Art and Urban
Ressources Celant recrea el grupo en la exposición The Knot Arte Povera at P.S.I (El nudo arte Povera
en P.S.I), con doce nombres inseparables a partir de este momento: Giovanni Anselmo [...], Alighiero &
Boetti [...], Pier Paolo Calzolari [...], Luciano Fabro [...], Jannis Kounellis [...], Mario Merz [...], Marisa Merz
[...], Giulio Paolini [...], Pino Pascali [...], Giuseppe Penone [...], Michelangelo Pistoletto [...] e Gilberto
Zorio [...]. Todos ellos vienen desarrollando individualmente su trayectoria, lo que no les impide en
absoluto reunirse de vez en cuando bajo esta etiqueta”. Grifos da autora.
83
Citação literal: “Longe de evitar a tecnologia e a representação mimética, esses trabalhos imiscuem o
artifício, a simulação e a teatralidade” (GILMAN, 2008, p. 53). (Tradução livre, original em inglês: “Far
from eschewing technology and mimetic representation, these works deal in artifice, simulation, and
theatricality”).
46
domínio da Arte Povera, como Celant definiu e como tem sido entendido
desde então (GILMAN, 2008, p. 53)84.
De fato, como exemplifica Gilman (2008, p. 53) (por meio de uma sutil menção ao
catálogo recente de uma exposição organizada pela Tate Modern e pelo Walker Art
Center), muitas análises têm mais a intenção de “[...] levantar questões sobre a
legitimidade de Celant como porta-voz do que sugerir alternativas”85. Desse modo, a
autora denota uma crítica substancial às abordagens que unicamente direcionam a
produção dos artistas às análises de Celant. Afinal, as obras podem se associar, mas
não se constituir unicamente em análises do crítico. Uma abordagem jamais será
eficiente para abarcar a produção de um artista, uma obra de arte ou uma tendência; o
equivalente ocorre com nomeações dos movimentos, desse ponto deriva a
multiplicidade interpretativa dos Quadros espelhados e, como já indicado, o incômodo
de Celant.
84
Tradução livre, original em inglês: “[...] Arte Povera was emphatically anti-representational, responding
to the new consumer landscape by eliminating artifice and reclaiming the elemental facts of material
existence and human behavior. Poor objects, natural forms, and energetic forces: these were the domain
of Arte Povera as Celant defined it and as it has been understood ever since”.
85
Tradução livre, citação literal em inglês: “For instance, even the very worthy exhibition catalog for the
recent Arte Povera exhibition jointly organized by the Tate Modern and the Walker Art Center is more
intent on raising questions about the legitimacy of Celant as spokesperson than about suggesting
alternatives. Moreover, in emphasizing the Arte Povera artists‟ obsession with material experimentation
and process, it essentially adopts”.
47
Pistoletto é de fato um artista versátil. Desde o início de sua carreira, tem transitado
entre uma variedade de práticas artísticas que envolvem pintura, fotografia, instalação,
performance, teatro... entre outras. A profusão de linguagens e processos praticados
pelo artista italiano parece possuir raízes na versatilidade de sua formação artística,
que envolve a tradição da pintura figurativa italiana e experiências no universo da
publicidade86.
Para lidar com sua principal problemática, a existência humana, tema recorrente na arte
italiana, inicialmente, Pistoletto recorreu à pintura. Na explicação do artista:
86
Em entrevista a Alain Elkann, Pistoletto (2014, p. 12-23) relata ter começado a trabalhar ainda jovem
na restauração de pinturas antigas com seu pai, Ettore Olivero Pistoletto (pintor e restaurador), de quem
recebeu uma educação que envolvia técnicas acadêmicas (desenho, anatomia, uso da cor e claro-
escuro). Em seguida, o artista relata ter frequentado a prestigiada escola do artista gráfico turinense
Armando Testa, chegando a atuar no âmbito publicitário.
87
Tradução livre, original em inglês: “In the beginning I used paint as a means of liberation from
descriptive content, clotting it in large lumps that, however, took on the character of a self-portrait.
Through the self-portrait I sought my identity”. Grifo nosso.
48
88
Tradução livre, original em inglês: “I was exploring the relationship between the figure and the ground,
between the figure and the space in which it exist”. A presente declaração é feita após o artista negar
possuir interesses relativos a assuntos intrínsecos à Pop Art.
89
Tradução livre, original em inglês: “Everything that came after the Mirror Paintings had to do with
different ways of exploring space”.
90
Quando Alain Elkann pergunta a Pistoletto se alguém mais continuou nesse caminho, o artista
responde: “No ano seguinte, em 1965, o artista americano Joseph Kosuth criou Uma e três cadeiras: uma
fotografia de uma cadeira, a cadeira física e a definição do dicionário de uma cadeira. Em seguida, ele
publicou o ensaio „Arte Depois da Filosofia‟, considerado o manifesto da arte conceitual. Em 1964, Kosuth
tinha visto a exposição dos trabalhos de Plexiglas na Galeria Sperone” (PISTOLETTO, entrevista a Alain
Elkann, 2014, p.122). (Tradução livre, original em inglês: “The following year, in 1965, the American artist
Joseph Kosuth created One and Three chairs: a photograph of a chair, the physical chair, and the
dictionary definition of a chair. Then he published the essay „Art After Philosophy‟, considered the
manifesto of conceptual art. In 1964, Kosuth had seen the exhibition of the Plexiglas work at Sperone‟s
gallery”). Grifos do autor.
91
Tradução livre, original em inglês: “In 1964 I made a series using sheets of transparent Plexiglas. That
year they were shown at Sperone's gallery in Turin, accompanied by an essay that was a precursor of
conceptual art. In it, I wrote, „A thing is not art; but the idea expressed by that same thing may be‟. One of
these works was titled The Wall. It was a sheet of Plexiglas measuring 180 by 120 centimeters, and
because it was transparent you saw the wall through it. The part of the wall seen throught the Plexiglas
was art, while the rest of the wall obviously was not”. Grifo do autor.
49
No texto Le stanze, que possui o mesmo título das exibições, o artista disserta acerca
das ideias e problemáticas de cada uma das mostras. Sobre a primeira exibição,
Pistoletto relata:
92
A historiadora de arte Cristina Terzoni reflete sobre as doze exibições no artigo intitulado Michelangelo
Pistoletto: quartos de tempo. O texto pode ser acessado na íntegra por meio do link:
<http://wrongwrong.net/artigo/michelangelo-pistoletto-quartos-de-tempo>. Acesso: 27 Fev. 2018.
93
Tradução livre, original em italiano: “La primavera scorsa ho espresso il desiderio di fare questa mostra
vedendo i tre nuovi ambienti della Galleria Stein di Torino appena ultimati. Le aperture che immettono
successivamente nei tre locali sono centrate sulla stessa dirittura, creando una sequenza prospettica. Ho
visto in una di queste aperture la tipica dimensione dei miei quadri specchianti, cioè 125 x 230 cm, e ho
immaginato una superficie specchiante posta sulla parete della stanza di fondo, in modo tale da
continuare, virtualmente, la sfilata di aperture e di stanze. Prima di ora non avevo mai trovato il motivo per
esporre una lamiera specchiante sola e senza altro intervento”.
50
Imagem 11: Michelangelo Pistoletto. Le stanze. Outubro de 1975. Instalação. Galleria Christian Stein,
Turim.
Foto: P. Mussat Sartor.
Site oficial do artista.
comprimidos foi submetida por ele à manipulação do público nas ruas de Turim, dando
origem à ação94 intitulada Scultura da Passeggio (O‟ ROURKE, 2013, p. 20). A artista
Karen O‟ Rourke (2013, p. 20), observa que a obra “[...] foi um modo de se envolver
com o mundo fora de museus e galerias”95, um ponto de vista compartilhado e
defendido por Pistoletto, como demonstra o seguinte trecho de uma entrevista
concedida ao historiador de arte Ara H. Merjian:
No mesmo ano, em 1967 (pouco mais de cinco anos após a produção do primeiro
Quadro espelhado), Pistoletto anunciou um manifesto liberando seu estúdio para
apresentação livre de trabalhos artísticos (APPERTURA DELLO STUDIO, 2007). “Eu
queria envolver pessoas” (entrevista a Michael Auping, 2011, p. 69)98, explica o artista.
O ato de extrapolar as barreiras do recinto expositivo tem estado presente em muitas
obras e ações de Pistoletto. Esse processo de abertura e expansão gradativa parte de
questões suscitadas pelos Quadros espelhados. Na explicação do artista:
94
A ação já foi realizada novamente algumas vezes. Recentemente, inclusive, abriu a primeira exposição
individual do artista no Museo Nacional de Bellas Artes, em Havana, Cuba (25/11/2016 à 13/03/2017).
95
Tradução livre, original em inglês: “[...] was a way of engaging with the world outside museums and
galleries”.
96
A passagem da obra para o estúdio ocorre porque, como informa O‟ Rourke (2013, p. 20), “a bola de
jornal foi um dos oggetti in meno de Pistoletto [...]”. (Tradução livre, original em inglês: “The newspaper
ball was one of Pistoletto's oggetti in meno [...]”). Grifo da autora.
97
Tradução livre, original em inglês: “Now, I think it‟s very important that artists not only go on making
individual works but start to activate – to activate creativity in society, in social life. In this way I think the
Sfera, in leaving the studio space and going into the street, was a way of establishing this kind of
connection. I think that today we need to make young artists understand that they need to break out of
institutions and make work in the realm of society”. Grifo do autor.
98
Tradução livre, original em inglês: “I wanted to involve people”.
52
A abertura do estúdio, como indica Pistoletto (entrevista a Michael Auping, 2011, p. 69),
culminou na constituição do Lo Zoo. De acordo com o artista (entrevista a Michael
Auping, 2011, p. 69), tratava-se de um grupo que reuniu indivíduos provenientes de
linguagens artísticas diversas, mantendo-se ativo, como informa Pistoletto (entrevista a
Alain Elkann, 2014, p. 152) entre 1967 e 1971.
99
Tradução livre, original em italiano: “Aprire lo studio era un fatto tecnico. Del resto io ho avuto un
rapporto quasi costante con i giovani artisti di Torino. Per me era un modo di procedere. Dato che ho
„aperto‟ il quadro alla presenza e partecipazione di tutti, perché non „aprire‟ invece uno spazio fisico?”.
100
Tradução livre, original em italiano: “Molte persone che avevano letto il manifesto sono venute nello
studio e questo spazio è diventato veramente uno spazio meraviglioso. Rapporti quotidiani con gente che
aveva delle cose da mostrare, da fare. Hanno cominciato a proiettare i loro film, a recitare poesie, e
veniva il pubblico ad ascoltare, quindi c'erano questi incontri continui”.
101
Tradução livre, original em inglês: “We performed everywhere […]. We had no hierarchies. We
included people from the neighbourhood. It was a Mirror Painting totally expanded and extended through
society”.
53
Imagem 12: À esquerda: Annuncio apertura dello studio, 1967. Manifesto, Turim, 22 de dezembro de
1967. Descrição no anúncio: “Com esta exposição eu libero meu estúdio, que se abre para acolher os
jovens que querem apresentar seus trabalhos, fazer coisas, encontrar-se” (tradução livre).
Site oficial do artista.
Imagem 13: À direita: L’uomo ammaestrato, 1968. Mostra do grupo Lo zoo na praça, Vernazza, 17 de
agosto de 1968. Na imagem: Michelangelo Pistoletto, Gianni Milano e a primeira versão da obra
Monumentino (1968).
Foto: B. Scagliola.
Site oficial do artista.
iniciadas no ano de 1979. Na cidade de Atlanta, nos Estados Unidos, por exemplo,
Pistoletto (entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 180) relata ter atuado por dois meses e
meio, junto aos artistas convidados por ele: o músico Enrico Rava, o compositor Morton
Feldman e o diretor de teatro Lionello Gennero, de modo a envolver toda a cidade. O
Creative Collaboration e o grupo Lo Zoo possuem perfis semelhantes, sobretudo em
virtude da configuração (por meio da participação de diferentes tipos de artistas) e do
potencial de alcance de algumas proposições artísticas (por meio da realização de
ações em locais públicos). Propósitos nesse seguimento podem ser identificados em
larga escala na atuação da Cittadellarte.
De acordo com o site dedicado à instituição (acesso: 26 Jul. 2016), a Cittadellarte foi
criada “[...] como realização concreta do Manifesto Projetto Arte, com o qual o artista
Michelangelo Pistoletto propõe um novo papel para o artista: de colocar a arte em
interação direta com todas as áreas da atividade humana que formam a sociedade”103.
Sobre o Cittadellarte, Pascal Gielen ressalta que “[...] Pistoletto levou a sério a
consequência de seu olhar no espelho e o reestruturou em um gigantesco projeto social
103
Tradução livre, original em italiano: “[...] come attuazione concreta del Manifesto Progetto Arte, con il
quale l‟artista Michelangelo Pistoletto propone un nuovo ruolo per l‟artista: quello di porre l'arte in diretta
interazione con tutti gli ambiti dell'attività umana che formano la società”. Grifo nosso.
104
Tradução livre, original em inglês: “It is all one work. The mirror has expanded. I am no longer a young
artist only interested in his self-portrait. I am, however, still interested in exploring my relationship to
society. [...] We think about how art can bring people together and be a catalyst for positive
transformations in society. Cittadellarte is an instrument - the way the Mirror Paintings were an instrument
- for expanding the space of art”.
55
105
Tradução livre, original em inglês: “[...] Pistoletto has taken the consequence of his gaze into the mirror
very seriously and has restructured it into a gigantic social project - the completion of which is yet to be
known”.
106
Tradução livre, original em inglês: “[...] in a modest way escapes the world of fiction and theory to
realise itself in a concrete praxis”. Grifo nosso.
107
Tradução livre, original em italiano: “I quadri specchianti costituiscono il fondamento dell‟opera di
Pistoletto, sia della sua successiva produzione e attività artistica, sia della riflessione teorica nella quale
egli costantemente ad essi ritorna per approfondirne il significato e svilupparne le implicazioni”.
108
Mais que uma referência lógica aos elementos presentes nas composições, o termo Quadro
espelhado soa como a instituição de uma nova categoria técnica que engloba, simultaneamente,
56
Influenciado por seu pai, também artista e restaurador, Pistoletto iniciou suas práticas
artísticas utilizando a pintura (LA FORMAZIONE, 2007). Entre as opções referenciais e
processuais passíveis, a representação humana, precisamente o autorretrato, foi o
recurso adotado nos trabalhos iniciais (LE PRIME OPERE, 2007). Em entrevista ao
historiador de arte italiano Giovanni Lista, Pistoletto (1999, apud LE PRIME OPERE,
2007) explica que o conflito entre abstração e figuração “era a grande discussão, o
grande debate do momento”109. Ao refletir acerca dessas questões, o artista comenta
sobre a revelação que obteve frente à Flagellazione, do pintor italiano Piero della
Francesca: “[...] entendi que Piero della Francesca era tanto abstrato quanto
figurativo. Entendi, também, que o problema era outro, ou ao menos que não havia sido
expresso de maneira clara” (PISTOLETTO, 1999 apud LE PRIME OPERE, 2007)110.
Uma impressão similar é relatada pelo artista acerca do filme L’avventura (A aventura),
de 1960, do também italiano Michelangelo Antonioni. Para Pistoletto (apud LE PRIME
OPERE, 2007), ainda que o filme apresente personagens, ele é abstrato: “[...] o filme
mostra o ponto de convergência entre abstração e figuração, aquele ponto que já
estava presente em Piero della Francesca” (PISTOLETTO, 1999 apud LE PRIME
OPERE, 2007)112. Em meio a essas considerações, torna-se praticável deduzir que a
no espelho [...]”116. Ainda segundo o artista (1964, p. 1), o reflexo do espelho projeta
“[...] incógnitas e questões que o homem é levado a representar sob a forma de
imagens”117. Desse modo, Pistoletto (1964, p. 1) declara que fez da reprodução de sua
própria imagem sua primeira “questão” e que por algum tempo seu trabalho seguiu na
tentativa de aproximar a imagem oferecida pelo espelho daquela na qual ele havia
proposto.
116
Tradução livre, original em italiano: “[...] la prima vera esperienza figurativa dell‟uomo sia il riconoscere
la propria immagine nello specchio [...]”.
117
Tradução livre, original em italiano: “[...] incognite e questioni che l‟uomo è spinto a riproporre sui
quadri”.
118
Tradução livre, original em inglês: “Actually, the mirror was there all along. It was beside the canvas as
I was painting my self-portraits. Even though I was painting in a very loose, subjective way, I used a mirror
to see myself. So the mirror was always there, but it was a different reality. I didn‟t take it as seriously as
the painted image because I was interested as a young painter in projecting a subjective image into the
pictorial space”. Grifo nosso.
59
Imagem 14: Michelangelo Pistoletto, Autoritratto, 1956. Óleo e acrílico sobre tela, 140 x 90 cm. Coleção
do artista, Biella.
Foto: P. Pellion.
Site oficial do artista.
Imagem 15: Michelangelo Pistoletto, Esperimento, 1959. Acrílico, prata, corda, madeira e tela, 74 x 60
cm. Fundação Pistoletto, Biella.
Site oficial do artista.
Ao referir-se aos autorretratos de 1958, Marco Farano, no texto Le prime opere (2007),
ressalta que “a relação entre o sujeito e o espaço circundante leva o artista a
61
119
Tradução livre, original em italiano: “Il rapporto del soggetto con lo spazio circostante porta l'artista a
confrontarsi con la realizzazione del fondo”.
62
Em entrevista a Germano Celant, o artista sugere, entre outras questões, que tanto a
“redução das figuras para o tamanho natural” quanto a “remoção da expressividade”
foram impulsionadas pela exibição do artista irlandês Francis Bacon, realizada em
1958, na Galleria Galatea, localizada em Turim.
120
Tradução livre, original em italiano: “Tra il 1956 e il 1958 facevo quei ritratti, che col tempo diventarono
sempre più grandi, con un testone sempre più grande. (…) Successivamente, le teste si sono ristrette per
lasciar posto al corpo e allo spazio intorno. In questo tipo di riduzione della figura a dimensione reale sono
stato molto coadiuvato dalla mostra di Bacon alla Galatea. Vedendo Bacon ho percepito che il mio
problema, il mio dramma erano già lì, dichiarati, di un uomo alla ricerca della propria dimensione e del
proprio spazio, una gabbia di vetro impenetrabile, in cui l‟uomo viveva in uno stato talmente drammatico
da essere soffocato, da non aver voce e spazio. Era un uomo bloccato, braccato, malato, distrutto,
angosciato, splendidamente dipinto ma, in questo stato, terribilmente isolato (…) Ho continuato la mia
ricerca, condensando proprio il mio lavoro sull‟uomo, ma cercando di fare il contrario di Bacon: togliere
tutta l‟espressione e tutto il movimento dalle figure, così da raffreddare la drammaticità. (...) Ho continuato
a giocare la mia partita sul rapporto tra la massa di questa persona e il suo fondo così sono arrivato ai
fondi d‟oro, ai fondi neri. Facevo fondi che volevano essere luce, da cui la vetrata, o fondi assolutamente
automatici ed inespressivi. Erano migliaia di righette oppure erano superfici tipo lineolum, cioè fondi
64
Por meio das declarações e experimentos realizados pelo artista, torna-se possível
inferir que a superação de certas impraticabilidades implícitas da pintura, estava
presente no decorrer do processo de produção pictórica, o que pode ter contribuído
para a realização de novos experimentos.
decorativi anonimi e da questa anonimità del fondo mi aspettavo di veder accadere qualcosa”. Grifo
nosso.
121
Tradução livre, original em inglês: “Before I engaged a pure mirror image as a picture plane, I painted a
big, shiny black surface as a background for one of my self-portraits. I varnished it so it was very shiny.
When I looked into it, I could see my reflection. It was a revelation. I realised I didn‟t need another mirror.
The canvas had become the mirror. Then, I painted myself into my reflection. I felt that I was completely
projected into the painting and coming out of the painting at the same time. My image wasn‟t just on the
surface any more. It was coming out of the picture”. Grifos nossos.
65
Imagem 18: À esquerda: Michelangelo Pistoletto, Il presente - uomo di fronte, 1961. Acrílico e verniz
sobre tela, 200 x 150 cm. Coleção Romilda Bollati, Milão.
Foto: P. Pellion.
Site oficial do artista.
Imagem 19: À direita: Michelangelo Pistoletto, Il presente - uomo di schiena, 1961. Acrílico e verniz sobre
tela, 200 x 150 cm. Fundação Pistoletto, Biella.
Foto: P. Pellion.
Site oficial do artista.
122
Tradução livre, original em inglês: “I wanted to see the eyes, but I couldn‟t paint them”.
66
De acordo com Pistoletto (1966, p. 1), o fundo reflexivo da série Il presente permitiu
ainda protagonizar “[...] a relação de instantaneidade que se criava entre o espectador,
o seu reflexo e a figura pintada, [...] era a dimensão do tempo” 124, declara o artista. A
presença da reflexão no espaço pictórico possibilitou a reconfiguração do olhar de
Pistoletto sobre sua própria obra, tendo em vista que a projeção do espaço sobre a
imagem revelou a ele a ação do tempo nos trabalhos:
123
Tradução livre, original em italiano: “Nel quadro successivo girai la figura di spalle, perché ancora gli
occhi dipinti erano artificiali, mentre quelli del riflesso apparivano veri come quelli della figura che ora
stava sulla superficie del quadro guardando nel quadro. nfatti essa, essendo adesso girata nella mia
stessa direzione, possedeva i miei stessi occhi”.
124
Tradução livre, original em italiano: “Il rapporto di istantaneità che si creava tra lo spettatore, il suo
riflesso e la figura dipinta, in un movimento sempre „presente‟ che concentrava in sé il passato e il futuro,
tanto da far dubitare della loro esistenza: era la dimensione del tempo”.
125
Tradução livre, original em inglês: “I realised that what I was working with, in a large sense, was time. It
wasn‟t just about exploring my own image but the relationship between myself and the world in time. It
became less about trying to create a universal and timeless image and more about projecting a series of
moments”.
67
Era uma superfície firme, física e reflexiva. Não era apenas uma ilusão
do espaço, era uma projeção. Isso abriu tudo. Não refletiu somente a
mim, mas o lugar em que eu estava. O espaço pictórico se tornou muito
mais complicado e interessante (PISTOLETTO, entrevista a Michael
Auping, 2011, p. 64)126.
A alteração da superfície pictórica tradicional para o suporte de aço reflexivo revela uma
mudança extrema no processo de criação dos Quadros espelhados. Pistoletto já havia
utilizado cordas e madeira para constituição da superfície na obra Esperimento, no
entanto, o emprego dos materiais não levou a uma mudança permanente na
composição das pinturas subsequentes e nem foi suficiente para descartar o processo
da pintura na constituição do fundo. Ao definir o aço inoxidável como material invariável
dos Quadros espelhados, a constituição pictórica do fundo foi suspensa: o aço inox
tornou-se fundo e suporte das figuras.
126
Tradução livre, original em inglês: “It was hard, physical, reflective surface. It wasn‟t just an illusion of
space. It was a projection. That opened everything up. Not only did it reflect me but the room I was
standing in. The pictorial space had become much more interesting and complicated”.
127
Tradução livre, original em inglês: “By further opening up the image through the use of reflective steel,
Pistoletto freed his work from the pathological claustrophobia of Bacon‟s existential men as well as from
the decontextualized dumping ground of Informel angst”.
68
Imagem 20: Michelangelo Pistoletto, Lui e lei alla balconata, 1962-1966. Papel de tecido pintado sobre
espelho de aço inoxidável polido, 230 x 120 cm. Museo Civico d'Arte Moderna, Turim.
Cortesia: Museo Civico d'Arte Moderna, Turim.
O modo de inserção das figuras nas obras também sofreu mudanças (QUADRI
SPECCHIANTI, 2007). Um dos processos utilizados é descrito por Gilman (2008, p. 58)
como um “método de transferência complexo”. A curadora (2008, p. 58) explica que o
procedimento consistia em separar a figura e o fundo da fotografia, recortando seu
contorno para em seguida, cobrir as silhuetas com papel semitransparente e traçar a
imagem da foto no papel com tinta a óleo e lápis de cera. Esse processo teve início em
1962 e por meio dele os quadros espelhados foram produzidos por quase dez anos
(QUADRI SPECCHIANTI, 2007). Segundo Gilman (2008, p.57), “Pistoletto tem
69
Pistoletto (1964, p. 1) explica que a tentativa intuitiva de aproximar a imagem por ele
proposta da imagem do espelho culminou na sobreposição direta da figura na superfície
reflexiva. Assim, em 1971, Pistoletto começou a serigrafar as imagens diretamente na
superfície do espelho (GILMAN, 2008, p. 58). Afinal, como afirma o filósofo alemão
Walter Benjamin (1975, p. 12): “[...] o olho capta mais rapidamente do que a mão ao
desenhar [...]”. Por meio da mudança, o processo de constituição, envolvendo a pintura,
cedeu lugar à imediaticidade e praticidade das imagens fotográficas serigrafadas. Vale
ressaltar que a transferência de fotografias por meio da serigrafia, foi também um
método frequentemente utilizado por artistas ligados à Pop Art, como Warhol e
Rauschenberg. Desse modo, em termos de correlação técnica, as obras agregam ainda
mais equivalência à Pop Art, e é por meio da serigrafia que Pistoletto segue produzindo
os Quadros espelhados até os dias atuais. Gilman chama atenção para outros aspectos
responsáveis pela conformidade entre os quadros espelhados e a Pop Art:
128
Tradução livre, original em inglês: “Pistoletto has explained that he began using photography in the
mirror paintings in an effort to introduce even greater objectivity into his work [...]”.
129
Tradução livre, original em inglês: “When I asked Pistoletto why he abandoned his early procedure, he
explained that he was motivated purely by practical reasons, primary among them being the length of time
it took to produce the photo-based works”.
130
Tradução livre, original em inglês: ”In both appearance and procedure, the resemblance between these
stranded, static figures and Warhol‟s uprooted media icons is striking. More generally, while the mirror
paintings avoid consumer iconography, the rote translation of photographs onto the smooth vacuity of
steel suggests a world that Pop art also evoked, one in which the passive spectatorship of secondhand
images has replaced active participation in the construction of lived reality […]”.
70
Para Pistoletto (entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 111), a variação para a imagem
fotográfica propiciou uma combinação com as imagens projetadas nos espelhos.
Pistoletto (entrevista a Alain Elkann, 2014, p. 111) explica que ao contrário da pintura, a
fotografia “denota um momento preciso”, combinando assim com as imagens no
espelho, que em suas palavras, “reproduzem automaticamente uma realidade
variável”131. Outro aspecto favorável à mudança, citado pelo artista, é o fato de a
serigrafia criar uma imagem “[...] que parecia estar saindo do espaço do espelho, ao
invés de estar sobreposta a ele” (Pistoletto, entrevista a Michael Auping, 2011, p. 65)132.
De certo modo, isso ocorria nas obras da série Il Presente, entretanto, sem a mesma
exatidão reflexiva. Além dos benefícios relativos à praticidade no processo, o
desprendimento de Pistoletto em relação à pintura associa-se com atitudes
predominantes no campo da arte no início da década de 1970, tais como os observados
pela artista norte-americana Martha Rosler (2001, p. 329): a “[...] importância cada vez
maior dos meios de comunicação eletrônicos (em que as artes tradicionais são
representadas, em vez de contempladas)”134 e a “[...] consequente desvalorização das
habilidades artesanais [...]”135. De acordo com o teórico francês André Rouillé (2009, p.
21): “A fotografia superou seu antigo papel subalterno para tornar-se componente
central das obras: seu material”.
131
Citação literal em inglês: “A painting can be signed and dated, but it can‟t represent time directly. A
photograph, on the other hand, denotes a precise moment: inserted in my work, it combines with the
images reflected in the mirror, which automatically reproduce mutable reality”.
132
Tradução livre, original em inglês: “[…] that seemed to be coming out the mirror space, rather than
sitting on top of it”.
133
Tradução livre, original em inglês: “The serigraphic figure created an ambiguous transitional plane
between the space of the room where the viewer was standing and the background of the painting which
was a reflection of the room”.
134
Tradução livre, original em espanhol: “[...] la creciente importancia que fueron cambiando los medios
de comunicación electrónicos (en los que las artes tradicionales son representadas, en lugar de ser
contempladas)”.
135
Tradução livre, original em espanhol: “[...] consiguiente devaluación de las habilidades artesanales”.
71
Imagem 21: Michelangelo Pistoletto, Prost N.5, 2008. Impressão serigráfica sobre espelho de aço
inoxidável polido, 250 x 125 cm (98 3/8 x 49 1/4 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
O pesquisador Philippe Dubois (2012, p. 248) explica que “na fotografia o encontro
(com o real) sempre parece iminente, mas a distância sempre se revela exorbitante.
Jamais se incorpora”. Quase o oposto ocorre com o espelho. Pistoletto ressalta que o
reflexo do material permite uma relação ligada ao dinamismo e à mutabilidade. Nas
palavras do artista:
136
Grifos do autor.
137
Tradução livre, original em inglês: “The mirror tells the truth about birth and death. Every image that
appears immediately disappears. It takes the place of the previous image and then gives it up to the next.
Thus every image that is born simultaneously dies”.
138
Tradução livre, original em inglês: “In the Mirror Painting we find the relationship between two
extremes: one is the static character of the fixed image, presenting a single instant of time, and the other
is the variation caused by the continual succession of instants. The static figure is the product of a
photograph stuck on the mirror, while the figures in movement are the ones reflected in the mirror itself.
Thus the Mirror Painting is the place of connection of these polarities, immobility and movement [...]”.
Grifos do autor.
73
Por meio do contato do espectador com as obras, parece ser possível desestabilizar a
capacidade da fotografia de ordenar o visual, sua ligação com o passado e a ideia de
ser uma reprodução exata do referente. A fotografia se desvincula de determinadas
funções para habitar outras realidades por meio do espelho e da inserção do público.
III. 1. Transposição
Nos ícones a pessoa era Deus, Cristo, a Virgem Maria. Eram imagens
de pessoas colocadas no centro de um espaço que representava a
transcendência total, a do brilhante e reluzente fundo de ouro. O ícone
tinha dois elementos, o ser humano e a transcendência. Esse ícone
continha toda a cultura que me formou, me moldou, e me fez, e como
consequência, criou todas as questões que eu me encontrei precisando
resolver. Eram perguntas para as quais eu precisava encontrar minhas
139
Tradução livre, original em inglês: “[...] the first element I used to develop the research that led me to
the Mirror Paintings”. Grifo do autor.
75
Ao considerar que o ícone bizantino engloba a cultura responsável por sua constituição,
bem como ao elegê-lo o primeiro elemento de uma extensa pesquisa artística, Pistoletto
indica que sua declarada “[...] necessidade de expressar sentimentos e situações
particulares da condição humana [...]” (1959, apud LE PRIME OPERE, 2007), tem como
ponto de partida sua própria condição existencial. Não obstante, o início das práticas
artísticas dar-se por meio da produção de autorretratos. Como vimos, a primeira série
de Quadros espelhados, intitulada Il presente, foi originada em meio a produção dos
autorretratos. Após realizar experimentos utilizando ouro, prata e outros materiais para
compor o fundo, o artista utilizou uma película de pigmento preto envernizado, obtendo
reflexividade (IL PRESENTE, 2007). De acordo com Pistoletto (entrevista a Alain
Elkann, 2014, p. 100-105), “[...] a película de pigmento preto brilhante e reflexiva levou
ao desvelamento de todas as incógnitas mantidas em cheque nos fundos de ouro dos
ícones”141. Na sequência,
Segundo Pistoletto (2014, p. 100), “o espelho revela o que o ouro nos sugeria, mas ao
mesmo tempo ocultava: o universo de coisas que realmente existem”143.
140
Tradução livre, original em inglês: “In the icons the person was God, Christ, the Virgin Mary. They were
images of people placed at the center of a space that represented total transcendence, that of the bright
and shiny gold background. The icon had two elements, the human being and the transcendence. That
icon contained all the culture that had formed, molded, made me, and as a consequence created all the
issues that I found myself needing to resolve. They were questions to which I had to find my own answers,
as none of what was proposed to me led to real solutions”. Grifos nossos.
141
Tradução livre, original em inglês: “[...] the coat of shiny and reflexive black pigment led to the unveiling
of all the unknowns held in check in the gold backgrounds of icons”.
142
Tradução livre, original em italiano: “Pistoletto conduce una serie di esperimenti tesi a raggiungere il
massimo grado di quell'oggettività manifestatasi nei primi dipinti specchianti. [...] Individua infine
nell'acciaio lucidato a specchio il materiale più idoneo”.
143
Tradução livre, original em inglês: “The mirror reveals what the gold suggested but at the same time
concealed: the universe of things that really exist”. Grifo nosso.
76
Imagem 22: Exposição individual de Michelangelo Pistoletto na Galería Elvira González, Madri
(11/04/2012 - 17/05/2012). Obra fotografada: Uomo che lancia un sasso, 2010. Impressão serigráfica
sobre espelho de aço inoxidável polido, 250 x 150 cm (98,4 x 59 inches).
Cortesia: Galería Elvira González.
144
Tradução livre, original em inglês: “In the mirror, the universe that was suspended in the gold
background plunged to the earth and stayed there. The picture itself has its feet on the ground and the
floor continues in the picture. It could truly be said that the mirror painting descends from transcendence”.
145
Vale relembrar que o conceito da arte objetiva é considerado por Pistoletto a única semelhança entre
seu trabalho e a Pop Art (ver página 42).
77
Imagem 23: Michelangelo Pistoletto. Donna che indica, 1962/1982. Impressão serigráfica sobre espelho
de aço inoxidável polido, 250 x 250 cm (98 3/8 x 98 3/8 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
146
Tradução livre, original em inglês: “I used friends, people I knew. For one thing, they were convenient.
Then I began to think of the Mirror Paintings as a visual diary. I still think of them in that way, although I
have included a wider range of people”.
147
Tradução livre, original em inglês: “At a certain point, I didn‟t see them as individual portraits, but as a
portrait of interactions. There was my relationship with the figures printed on the mirrors, and then the
interaction between their imagery and the people who came to see the paintings, who were also reflected
in the mirrors”.
148
Tradução livre, original em inglês: “[...] Pistoletto‟s mirror figures become active participants - or actors
- in a predetermined scenario”.
79
Nesse sentido, o espelho permite que a cena constituída em Donna che indica, bem
como em outros Quadros espelhados, torne-se transmutável mediante o deslocamento
do público, como também indica Pascal Gielen:
Em outras palavras, Argan manifesta que tanto as imagens refletidas nos espelhos
quanto as figuras representadas sobrepostas a ele possuem um papel primordial na
condução do envolvimento do público. Julia Kleinbeck indica que a miscigenação de
imagens nas obras cria uma sensação de existência dúbia, por meio da seguinte
questão: “São os objetos dos espelhos que nós estamos olhando, ou são sujeitos
também, olhando de volta para nós?” (KLEINBECK, 2017, p. 158)154. Partindo dessa
percepção, torna-se possível inferir que as imagens podem agir como sujeitos que
“agem”, “observam” e “impulsionam” as atitudes do público.
Geralmente, os Quadros espelhados não são expostos de modo a isolar-se entre si.
Existe claramente, em muitos casos, a intenção de enfatizar a ligação entre os
trabalhos que se encontram em uma mesma exibição. A disposição das obras
potencializa as situações “enigmáticas e desconcertantes”, identificadas por Argan
(1992, p. 587). A exposição intitulada Trans Border Trans Limit Trans Gression,
realizada em 2008, na Galeria Luhring Augustine, em Nova York155, pode ser utilizada
como exemplo para elucidar esse aspecto. Em um dos repartimentos da exibição era
possível encontrar o Quadro espelhado intitulado Video ripresa, de 2008, que
152
Tradução livre, original em inglês: “Engaging with Pistoletto‟s works is like falling into the wonderland of
a crazed ventriloquist who invites you to partake in his live theatre that mesmerizes his viewer both
physically and metaphysically”.
153
Grifo do autor.
154
Tradução livre, original em inglês: “Are the mirrors objects we are looking at, or are they subjects as
well, looking back at us?”.
155
De acordo com o site da Luhring Augustine, o evento “[...] marca a primeira exibição individual do
artista em Nova York em 10 anos e é sua primeira com a galeria” (LUHRING AUGUSTINE, acesso: 13
Jul. 2018). (Tradução livre, original em inglês: “[...] marks the artist's first major solo exhibition in 10 years
in New York and is his first with the gallery”).
81
Imagem 24: À esquerda: Michelangelo Pistoletto, Video ripresa, 2008. Impressão serigráfica sobre
espelho de aço inoxidável polido, 250 x 125 cm (98 3/8 x 49 1/4 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
Imagem 25: À Direita: Michelangelo Pistoletto, Senza titolo, 2008. Impressão serigráfica sobre espelho de
aço inoxidável polido, 250 x 125 cm (98 3/8 x 49 1/4 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
82
Imagem 26: Michelangelo Pistoletto, Lavori in corso, 2008. Impressão serigráfica sobre espelho de aço
inoxidável polido (cinco painéis), 250 x 625 cm (98 3/8 x 246 1/8 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
Imagem 27: Visão da obra Lavori in Corso na exposição Trans Border - Trans Limit - Trans Gression,
realizada na Luhring Augustine, Nova York, 2008.
Cortesia: Andrew Russeth.
83
Trata-se, ainda, como indica Jeremy Lewison, de um convite para repensar questões
sociais complexas:
156
Tradução livre, original em inglês: “The prostitute is controversial because s/he harbors a number of
social taboos. While the prostitute constitutes an age-old profession, it is nevertheless not one that is
socially or morally accepted, because in the figure of the prostitute two ethical codes that are difficult to
reconcile melt together: love and money. Simultaneously tolerating and morally, even legally, rejecting or
condemning prostitution, suggests one of those peculiar contradictions on which every society balances.
Pistoletto's art constantly reminds us of this fact”.
84
nos convida a encontrar nossos elos com eles e ligações entre eles, a
questionar nós mesmos e nossa posição política, social e espacial, em
relação ao que percebemos (LEWISON, 2011, p. 32)157.
Imagem 28: Michelangelo Pistoletto, Prost N.3, 2008. Impressão serigráfica sobre espelho de aço
inoxidável polido, 250 x 125 cm (98 3/8 x 49 1/4 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
157
Tradução livre, original em inglês: “Pistoletto presents us with horizons that are continuously there in
the background but not necessarily those we choose to inhabit. He invites us to find our links with them
and connections between them, to question ourselves and our position, political, social and spatial, in
relation to what we perceive”.
85
Imagem 29: Michelangelo Pistoletto, Doppia direzione, 2008. Impressão serigráfica sobre espelho de aço
inoxidável polido, 250 x 125 cm (98 3/8 x 49 1/4 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
Imagem 30: Michelangelo Pistoletto, Vietnam, 1965. Grafite e óleo sobre papel em aço inoxidável, 220 x
120 x 2.2 cm (86 5/8 × 47 1/4 × 7/8 in.).
Foto: George Hixson.
Cortesia: The Menil Collection. Houston.
158
Tradução livre, original em inglês: “[...] it is not clear whether they are for or against the war”.
159
Em entrevista a Alain Elkann, Pistoletto (2013, p.13) relata que eventos diários ocorridos durante a
guerra causavam nele um sentimento de “medo contínuo”: “[...] Perto de nossa casa, aconteciam ações
partidárias absurdas e insanas represálias nazistas” (Tradução livre, original em inglês: “[...] around our
house there were absurd partisan actions and insane Nazi reprisals”). Em 1943, uma bomba atingiu o
estúdio do pai do artista, em Turim, o que fez com a família mudasse para Susa e permanecesse na
cidade até o fim da guerra (LA FORMAZIONE, 2007).
87
160
Tradução livre, original em inglês: “Yet each piece is more or less fiction. While the photographs are
based on life, the images are recreated in the studio, using friends and acquaintances as models. Thus,
for example, the prostitutes are colleagues from the Cittadellarte […]. The figures in Solidarity, which
include, among others, Pistoletto‟s wife, are also colleagues. They are as inauthentic as the Vietnam
banner. Once we know that, our assumptions about the authenticity of photography are called into
question as well as the authenticity of our reactions to what we view [...]. If Pistoletto is manipulating the
photographs [...] then he is also manipulating the viewer”. Grifo do autor.
88
161
Grifo do autor.
162
Grifo nosso.
163
Tradução livre, original em inglês: “At times we can feel excluded from the scene even if we are
reflected in it; for example, in Two People (1962), we appear to witness an encounter between a couple
who continuously ignore our presence. Our reflection may be inserted between them, but we can never
see them from the front and never break into their conversation. To be on the other side is an illusion. We
shall always remain isolated and alienated. Pistoletto points up the existential nature of being, where man
is alienated from himself and the world”. Grifo do autor.
89
164
Room é baseado no best-seller de mesmo título da escritora irlandesa Emma Donnoghue. O filme gira
em torno de Joy, sequestrada ainda na adolescência, e do filho Jack, nascido e criado por ela em
cativeiro. A narrativa é dividida em duas partes, a primeira refere-se à determinado período de ambos em
cativeiro, já a segunda, à adaptação de Joy e Jack ao mundo real após escaparem do sequestro.
90
expansão de um espaço reduzido; ou, principalmente, por meio de obras como Questo
spazio non existe, cujos dizeres favorecem o despertar para a realidade concreta,
mostrando-se, desse modo, análogos à refutação de Joy na cena descrita
anteriormente: “Nunca estamos em qualquer lugar, mas aqui”.
Imagem 31: À esquerda. Michelangelo Pistoletto. Questo spazio non existe, 1976. Espelho e letras
adesivas de vinil. Site specific dimensions. Obra n°70 from the yellow book “Cento mostre nel mese di
ottobre”, Turim, 1976.
Foto: Ela Bialkowska.
Cortesia: Galleria Continua, San Gimignano / Beijing / Les Moulins / Habana.
Imagem 32: À direita. Michelangelo Pistoletto. Questo spazio non existe, 1976. Espelho e letras adesivas
de vinil. Site specific dimensions. Obra n°70 from the yellow book “Cento mostre nel mese di ottobre”,
Turim, 1976.
Foto: Artnine.
Cortesia: Galleria Continua, San Gimignano / Beijing / Les Moulins / Habana.
91
Imagem 33: Michelangelo Pistoletto. Mirror Cage - Double Square, 1975-2007. Espelho, ferro.
5 elementos: 100 x 100 x 20,5 cm cada.
Foto: Oak Taylor-Smith.
Cortesia: Galleria Continua, San Gimignano / Beijing / Les Moulins / Habana.
165
Para Rancière, o “[...] dissenso não é o conflito de ideias ou sentimentos. É o conflito de vários
regimes de sensorialidade” (2012, p.59). Consideramos relevante mencionar que o filósofo utiliza a ideia
92
de dissenso para estreitar relações entre arte e política. Para o autor, “[...] o dissenso está no cerne da
política” (2012, p. 59): “A política é a atividade que reconfigura os âmbitos sensíveis nos quais se definem
objetos comuns. Ela rompe a evidência sensível da ordem „natural‟ que destina os indivíduos e os grupos
ao comando ou à obediência, à vida pública ou privada, voltando-os sobretudo a certo tipo de espaço ou
tempo, a certa maneira de ser, ver e dizer” (RANCIÈRE, 2012, p. 59-60). E conclui: “Arte e política têm a
ver uma com a outra como formas de dissenso, operações de reconfiguração da experiência comum do
sensível” (RANCIÈRE, 2012, p. 63). O grifo é do autor.
166
Foucault teoriza sobre a questão do espaço/lugar por meio da assimilação de suas diferenças com
categorias que apresentam dessemelhanças entre si. São elas: utopias: “[...] lugares que mantêm com o
espaço real da sociedade uma relação geral de analogia direta ou inversa” (FOUCAULT, 2009, p. 414); e
heterotopias: “[...] lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente
localizáveis” (FOUCAULT, 2009, p. 415). Para o filósofo, a “experiência mista” entre esses dois lugares
seria o espelho.
93
De certo modo, Umberto Eco nos fornece uma resposta acerca de como essa variação
de lugar é possível ao discutir sobre o sentimento de confiança existente na nossa
relação com o espelho. Dentre exemplos pertinentes, Eco (1989, p. 17) comenta que
“Confiamos nos espelhos assim como confiamos, em condições normais, nos próprios
órgãos perceptivos”. Portanto, o reconhecimento de nossa imagem no espelho, a
relação de envolvimento e a possibilidade ilusória de deslocamento permitida pelo
reflexo tornam-se possíveis em razão da confiança que constituímos na imagem
reflexiva. Para Pistoletto, a existência do espelho depende do reconhecimento de quem
olha ou, em outras palavras, de quem confia na imagem refletida.
Imagem 34: Fotografia feita por espectador, 2016. Obra fotografada: Michelangelo Pistoletto, I visitatori,
1962-1968. Papel de tecido pintado sobre espelho de aço inoxidável polido. 230 x 120 cm cada espelho.
Galleria Nazionale d'Arte Moderna, Roma.
Cortesia: Maria Cristina Gasche.
95
O título e a posição das figuras simulam a cena de uma exibição de arte, digamos,
correspondente aos moldes “tradicionais”: espectadores elegantemente vestidos, um
deles direciona seu olhar ao que poderia ser um dos trabalhos expostos, enquanto o
outro parece ler de modo despretensioso, informações adicionais num papel. A
presença do reflexo do público no espelho designa a intenção de converter o público
“real” em conteúdo a ser observado pelas figuras. O mesmo ocorre em Tre ragazze alla
balconata, de 1964; Cameraman, de 2004; Uomo in piedi, de 1982; Lui e lei alla
balconata, de 1966; I voyeurs, de 1972, e outros trabalhos. Neles, as figuras são
representadas como espectadores e a imagem do espectador “real” se faz presente
como obra e/ou alvo de olhares no espaço virtual do espelho. O funcionamento desse
jogo de variabilidade necessita do envolvimento do público na cena simulada.
Imagem 35: Michelangelo Pistoletto, I voyeurs, 1962-1972. Papel de tecido pintado sobre espelho de aço
inoxidável polido, 230 x 120 cm. Toyota Municipal Museum of Art. Toyota.
Site oficial do artista.
169
Os Bichos de Lygia Clark são esculturas de alumínio destinadas à manipulação do espectador: “O
„Bicho‟ tem um circuito próprio de movimentos que reage aos estímulos do sujeito. Ele não se compõe de
formas independentes e estáticas que possam ser manipuladas à vontade e indefinidamente, como num
jogo. Ao contrário: suas partes se relacionam fundamentalmente, como as de um verdadeiro organismo,
e o movimento dessas partes é interdependente” (CLARK, 1960, p. 2).
170
Os Parangolés de Hélio Oiticica são estandartes, tendas, bandeiras e capas, constituídas de tecidos
em cores vivas que, por meio da dança, se revelam instrumentos de participação sensorial.
171
Ver, por exemplo, os textos Nós somos os propositores, de 1968, e Nós recusamos, de 1966,
disponíveis no site oficial da artista: <http://www.lygiaclark.org.br/>. Acesso: 13 Out. 2017.
172
Luis Camnitzer aborda muitas dessas práticas de modo claro e sucinto, no texto intitulado Thinking
About Art Thinking, de 2008.
173
Ao atuar como monitora (mediadora, como era prudente denominar) em um museu de arte por quase
um ano, pude notar como a monitoria influencia o processo de interação do público.
97
As obras de Lygia Clark, Hélio Oiticica e ainda que de outro modo, os Quadros
espelhados de Pistoletto, contribuem para o protagonismo da experiência com a obra
de arte. Nessa contribuição, habita a principal semelhança entre as proposições. No
que se refere às distinções, elas obviamente não se atrelam tanto ao propósito, mas ao
funcionamento. Nos trabalhos de Pistoletto, não é a interação tátil que propicia a
transfiguração do espectador ou suas ações em elemento da obra, mas sim a imagem
refletida. O esquema de participação proposto por Pistoletto nas obras em questão,
bem como o de posterior interação do público, pode ser equiparado às ilusões óticas
propostas por obras ligadas à Op Art. As proposições, assim como os Quadros
espelhados, utilizam recursos visuais complexos, que permitem efeitos ilusórios de
movimento, potencializados por meio do deslocamento do espectador e de seu olhar
diante das obras.
Imagem 36: Luiz Sacilotto. Vibração ondular, 1953. Esmalte sobre madeira, 42,5 x 50,5 cm. Pinacoteca
do Estado de São Paulo.
98
174
Disponível em: <http://www.teleportacia.org/war/wara.htm>. Acesso: 19 Set. 2017.
175
A título de exemplo: “you want me?” (Você me quer?), “CAN anybody Kill you?” (Alguém pode matar
você?), “Who asks you?” (Quem pergunta a você?). Ás vezes, as sentenças redigem afirmações
complexas: “nobody here can love” (ninguém aqui pode amar), “or understand me” (ou me entender); ou
palavras confortantes - “All guys change, don’t worry, I’ll help you” (Todos os caras mudam, não se
preocupe, eu vou ajudar você), “We’ll start a new life” (Vamos começar uma vida nova).
176
Tradução livre, original em inglês: “[...] the mirror figures are homeless forms that occupy a reality that
intersects with but does not fundamentally coincide with that of the viewer”.
99
177
Grifo nosso.
100
Imagem 37: Fotografia feita por espectador, 2017. Obra fotografada: Michelangelo Pistoletto, Due ragazzi
alla fonte, 1962-1975. Impressão serigráfica sobre espelho de aço inoxidável polido, 230 x 125 cm.
Museu Coleção Berardo.
Cortesia: José Cirillo.
179
Tradução livre, original em espanhol: “En nuestra sociedad, las contradicciones entre aquello que el
arte proclama y las realidades de su producción y distribución son sobradamente claras. Mientras, por un
lado, el mito cultural afirma enfáticamente que el arte es un fenómeno humano universal que trasciende
tanto su momento histórico como sus condiciones de su producción y, sobre todo, la clase a la que
pertenecen quienes lo hacen y quienes lo patrocinan y que es, además, la expresión más alta de la
verdad espiritual e metafísica; por otro lado, el arte se muestra enormemente exclusivo en su recepción,
culturalmente relativo en sus intereses e indisolublemente unido a los grandes capitales y la clase media-
alta en general”. Grifo nosso.
103
Imagem 38: Michelangelo Pistoletto. Ragazza che fotografa, 1962-2007. Fotografia serigrafada sobre
espelho de aço inoxidável polido, 250 x 125 cm. Coleção Cittadellarte – Fundação Pistoletto, Biella.
Foto: Pierluigi Di Pietro.
Site oficial do artista.
180
Grifo nosso.
104
Imagem 39: Fotografia feita por espectador, 2017. Obra fotografada: Michelangelo Pistoletto, Due ragazzi
alla fonte, 1962-1975. Impressão serigráfica sobre espelho de aço inoxidável polido, 230 x 125 cm.
Museu Coleção Berardo.
Foto: Angela Grando.
Cortesia: José Cirillo.
No texto intitulado Double Reflections: art museums and the image of the beholder,
Julia Kleinbeck aprofunda questões suscitadas por retratos que mostram espectadores
em museus de arte. As reflexões da autora nos conduzem a crer que essas fotografias
representam uma ação ressignificativa e podem ser tratadas como desdobramento das
obras em si. A presença do quadro espelhado intitulado Ragazza che fotografa, na
exibição Année I. Le Paradis sur Terre, de Pistoletto, realizada no Louvre, em 2013, faz
parte das discursões da autora. A obra, como explica Kleinbeck, representa a figura de
uma espectadora levantando seus braços sobre a cabeça enquanto tira uma fotografia.
Nas palavras da autora:
105
181
Tradução livre, original em inglês: “The work, developed in the 1960s, duplicates the iconic Louvre
visitor, the one who single mindedly seeks the shortest way to Leonardo's Mona Lisa and, upon arriving, is
exclusively interesting in producing their own reproduction of the painting”. Grifos da autora.
106
Imagem 40: Michelangelo Pistoletto. Louvre (Prigione), 2013. Fotografia serigrafada sobre espelho de
aço inoxidável polido, 250 x 150 cm.
Foto: Ela Bialkowska.
Cortesia: Galleria Continua, San Gimignano / Beijing / Les Moulins / Habana.
a existência das fotografias nos espaços expositivos como parte da obra. Ao efetivar a
presença dessas ações (ou, pelo menos, algo que represente essa presença) no
campo da arte, o extrapolar de barreiras institucionais impostas entre as fotografias
realizadas pelo público e a obra de arte em si, é de certo modo, favorecida. Trata-se de
expor um fato já aprofundado pelo teórico de arte espanhol Juan Martín Prada (2010, p.
42-43): “[...] um novo regime visual está sendo imposto”182. Nele, “ver não é apenas
uma ação ou uma experiência, mas agora também um registro técnico simultâneo,
fixado em uma memória externa” (PRADA, 2010, p. 42-43)183.
No texto intitulado Camaradas do tempo, o crítico de arte alemão Boris Groys formula
um conceito de contemporaneidade tendo como base questões relativas ao tempo. Não
por acaso, a série de Pistoletto e a documentação de seu trabalho pelo público podem
se relacionar às considerações do crítico. Groys (2010, p. 120) equipara o ato de “[...]
postergar [...] decisões e ações para ter mais tempo para análise, reflexão e
consideração” à definição de contemporâneo, que para ele seria “[...] um período
prolongado, potencialmente até infinito, de adiamento” (GROYS, p. 120). Desse modo,
“[...] fazer arte contemporânea significa produzir tempo contemporâneo” (GROYS,
entrevista a Luiza Proença, 2010, p. 104). Na concepção de Groys, a arte com base no
tempo184, uma condição na qual os Quadros espelhados podem ser facilmente
inseridos, parece refletir essa conjuntura contemporânea. Na justificativa do autor:
182
Tradução livre, original em inglês: “[...] a new visual regime is being imposed”.
183
Tradução livre, original em inglês: “Seeing is not only an action or an experience, but now also a
simultaneous technical record, fixed in an external memory”.
184
Para exemplificar a arte com base no tempo, Groys utiliza a animação de Francis Alÿs Song for Lupita,
de 1998, entre outras ações. Vejamos: “Pode-se recordar aqui do Sísifo de Camus, um artista
protocontemporâneo cuja tarefa sem sentido nem objetivo de rolar repetidamente uma pedra enorme
para o alto de uma montanha pode ser vista como um protótipo para a arte contemporânea com base no
tempo. Essa prática não produtiva, esse excesso de tempo aprisionado em um padrão não histórico de
repetição eterna, constitui para Camus a verdadeira imagem do que chamamos „vida‟ – um período
irredutível a qualquer „sentido da vida‟, qualquer „realização da vida‟, qualquer relevância histórica”
(GROYS, 2010, p. 122).
108
185
Grifo nosso.
186
Tradução livre, original em inglês: “It is not museum space that is reproduced, but a specific kind of
interacting”.
109
187
Grifos nossos.
110
Uma vez que, “atualmente, a documentação de uma visita a uma exposição não
permanece no computador privado de um único visitante, mas é também compartilhada
com outros usuários” (KLEINBECK, 2017, p. 161)189, o potencial de alcance dessas
imagens torna-se infindável. De acordo com Groys:
[...] na virada do século 21, a arte entrou em uma nova era – uma de
produção artística em massa, e não só de consumo em massa de arte.
Fazer um vídeo e colocá-lo em exibição na internet tornou-se uma
operação simples, acessível a quase todos. A autodocumentação
tornou-se hoje uma prática em massa e mesmo uma obsessão em
massa. Os meios de comunicação contemporâneos e redes como
Facebook, MySpace, Youtube, Second Life e Twiter dão a populações
188
Tradução livre, original em inglês: “Since the beginning of the twenty-first century, the social web has
made platforms available by which the public and the pictures of an exhibition are at first de-
contextualised only to gain a new public having then been re-contextualised. Thus, the space coming to
pass are keenly denominated by Nina Gerlach as „hybrid exhibition spaces of the post-medial era‟”. Grifo
da autora.
189
Tradução livre, original em inglês: “These days, the documentation of a visit to an exhibition no longer
remains on the single visitor‟s private computer, but is also shared with other users”.
111
190
Na explicação do autor: “Exatamente por apenas se referir à arte, a documentação da arte deixa bem
claro que a arte em si não está mais disponível, mas sim ausente e escondida” (GROYS, 2010, p.125).
191
Grifo do autor.
192
A autora refere-se, de modo geral, às fotografias de exibições de arte que incluem os espectadores.
193
Tradução livre, original em inglês: “In most cases, these photographs attract us by means of their
aesthetics of „seeing-someone-seeing‟”.
112
194
Tradução livre, original em inglês: “[...] We see images of beholders and become beholders ourselves,
or better: observers”. Grifo nosso.
195
A escritora brasileira Vanessa Lubisco Silla informa que o termo Mise en abyme é usualmente
traduzido como narrativa em abismo. Ainda segundo a autora, ele foi “[...] usado pela primeira vez por
André Gide ao falar sobre as narrativas que contêm outras narrativas dentro de si. André Gide usou-o
para referir essa visão em profundidade e com reduplicação reduzida sugerida pelas caixas chinesas ou
pelas matrioskas (bonecas russas), promovendo o deslizamento do conceito para o campo dos estudos
literários e das artes plásticas em geral” (SILLA, 2015, p.13).
196
O linguista Ivo Di Camargo Júnior (2017) explica que Mise-en-scène é uma expressão passível de ser
traduzida como encenação ou posição de uma cena num filme. Ainda segundo o autor, “O Mise-en-
scène também pode ser relacionado com a realização fílmica do diretor ou a produção deste”, bem como
“[...] ser associado a tudo aquilo que está presente no enquadramento de uma cena, seja fílmica ou
teatral, como, por exemplo, decoração, figurino, adereços, atores etc”.
197
Tradução livre, original em inglês: “Yet, apart from aspects of perceptual theory, symbolic participation,
or phenomenology, there is something else to be said about the work: the so-called „installation shot‟
taken by a visitor and uploaded on Flickr makes it evident again that the beholder has, in the very moment
of art reception, always created new images. The photography that shows the image that is being
received yet also the beholders themselves becomes the pictorial theme. Indeterminable situations of
mise en abyme are the result. Spaces of perception, visual axes, and social conditions of aesthetic
reception seem to be endlessly crossing and intersecting. This is a mise-en-scène of the quarrel about the
„true place of images‟ [...]”. Grifos da autora.
198
Grifo nosso.
113
199
O contato que estabeleci até então com os Quadros espelhados deriva de fotografias das obras,
provenientes de catálogos de exposições e, principalmente, de fotografias feitas pelo público divulgadas
em mídias sociais. Isso explica o recorte desta pesquisa.
200
Na performance, o bailarino manuseia a reprodução de uma das esculturas da série Bichos, de Lygia
Clark, e permite que o público toque seu corpo.
114
201
Entre as obras que causam incômodo estão: Travesti da Lambada e Deusa das Águas, da artista
brasileira Bia Leite; Cenas do Interior II, da artista brasileira Adriana Varejão e Cruzando Jesus Cristo
com Deusa Shiva, do artista brasileiro Fernando Bari.
202
Nas palavras do autor: “O público em geral tem uma idéia inocente, altamente insuficiente, acerca da
experiência da arte. Acredita, entre outras coisas, que exista o connaisseur, o crítico de arte, alguém
autorizado a falar sobre os objetos de arte porque os conhece e os domina. Não existe nada disso, é
óbvio. Ninguém é connaisseur por princípio ou méritos pretéritos: só se conhece arte quando se a está
experimentando” (BRITO, 2005, p. 145). Grifos do autor.
115
Tal como observam autores como Julia Kleinbeck e Boris Groys, os novos meios de
produção e circulação inauguraram não apenas um novo modo de ver arte, mas um
novo modo de se relacionar com a arte. Com variações, Diana Domingues (2009, p.
35)204, Machiko Kusahara (2009, p. 368)205 e Arlindo Machado defendem a necessidade
de novos tratamentos para a arte e seu “sistema” na era dos recursos tecnológicos.
Machado (2009, p. 182) empregou o pensamento que Benjamin deu à fotografia, à arte
constituída por meio de tecnologias. Permitimo-nos aplicar as considerações de
203
Em sua página no Facebook, o MBL se define como “[...] uma entidade sem fins lucrativos que visa
mobilizar cidadãos em favor de uma sociedade mais livre, justa e próspera”, bem como se diz defender “a
Democracia, a República, a Liberdade de Expressão [...], o Livre Mercado [e] a Redução do Estado [...]”
(MBL, acesso: 06 Mar. 2018).
204
De acordo com a autora, “com a proliferação do uso da rede, entram para a problematização da arte
na internet as variáveis de trocas e fluxus de informações de natureza colaborativa de wikis, ambientes
multiusuários, jogos multiplayers e a validação de produtores anônimos. Noções estratificadas de original,
cópia, reprodutibilidade, aura, artista, público, curador, crítico, jornalista, marchand, galeria, cliente e
colecionador, sob a lógica mmm – museu, mercado, mídia -, devem ser revistas” (DOMINGUES, 2009,
p.35). Grifos da autora.
205
Kusahara menciona que “precisamos de uma nova abordagem para o paradigma da arte na era das
tecnologias de reprodução idêntica e generalizada. Nos setenta anos desde a análise de Walter
Benjamin, as tecnologias de reprodução – tanto digitais como industriais – ainda não encontraram seu
lugar adequado no mercado da arte” (KUSAHARA, 2009, p. 368).
116
Ainda que o surgimento da fotografia e sua imersão na vida cotidiana não possibilitaram
reverter muitos aspectos inerentes a certos discursos, os usos e funções da fotografia
permanecem polemizados e como afirma o historiador norte-americano Douglas Crimp:
[...] a fotografia é múltipla demais e útil demais aos outros discursos para
que as tradicionais definições da arte possam vir a contê-la em sua
totalidade. A fotografia sempre ultrapassará as instituições de arte,
sempre participará de práticas não-artísticas, será sempre uma ameaça
à insularidade do discurso de arte (CRIMP, 2005, p. 122).
A declaração de Crimp parece enunciar que os modos de relação do público com a arte
ainda não foram extintos, bem como a interferência do uso da fotografia (e,
consequentemente, das mídias sociais) no sistema de acesso e no processo de
participação do espectador. Afinal, como profere Machado:
206
Tradução livre, original em inglês: “The impact of his artistic innovation reaches far beyond that of an
alternative artist model, for the individual in the mirror as Pistoletto conceives it, also generates a different
image of humanity. The liberal conception of the individual is left behind without losing individuality as
such. Because the person looking into the mirror […] understands that he himself is part of a larger whole,
a common which is constitutive for the individual. The „I‟ is many. The subject is also always outside
himself. Or, the other and the others are always part of the individual”.
118
Imagem 41: À esquerda. Michelangelo Pistoletto. Prost N.1, 2008. Fotografia serigrafada sobre espelho
de aço inoxidável polido, 250 x 125 cm (96 1/8 x 48 inches).
© Michelangelo Pistoletto; Courtesy of the artist, Luhring Augustine, New York, Galleria Christian Stein,
Milan, and Simon Lee Gallery, London / Hong Kong.
Tal como ocorre com qualquer trabalho de arte cuja localização permita a realização de
fotografias, os Quadros espelhados de Pistoletto são frequentemente registrados pelo
público por meio de aparatos tecnológicos. Afinal, como afirma Kleinbeck (2017, p.
158), as obras “[...] inevitavelmente forçam o receptor a ser um produtor de imagens
[...]”207. A presença da superfície espelhada como elemento componente das obras
contribui para que as selfies208 representem uma parcela significativa dessas
207
Tradução livre, original em inglês: “[…] Pistoletto‟s Mirror Paintings inevitably force the recipient to be a
producer of images [...]”. Grifo da autora.
208
A palavra selfie foi definida pelo dicionário Oxford como “Uma fotografia que a pessoa tira dela
mesma, normalmente feita com smartphone ou webcam e compartilhada por meio de mídias sociais”
(OXFORD, acesso: 11 Mar. 2018). (Tradução livre, original em inglês: “A photograph that one has taken
119
of oneself, typically one taken with a smartphone or webcam and shared via social media”). O dicionário
Oxford elegeu a palavra como sendo a mais popular do ano de 2013.
209
Tradução livre, original em inglês: “[...] a premonition of selfie culture, where the viewer confronts her
own image in the picture plane”. Grifo nosso.
210
Tradução livre, original em inglês: “Mirror reflections invite the viewer to examine themselves and their
place in the world [...]”.
211
A autora constitui essa sentença no intuito de utilizá-la para apontar uma diferença entre o retrato
pintado e o retrato fotográfico. Contudo, o trecho relaciona-se intimamente com aos propósitos, relatados
por Pistoletto, que circundam a produção dos autorretratos pictóricos.
212
Tradução livre, original em inglês: “[...] projecting a subjective image into the pictorial space”.
120
Para Terzoni (2016), essa lei forneceria “[...] a possibilidade de deslocação do tempo e
de existência de universos paralelos proposta pela física quântica”, uma possibilidade
213
Tradução livre, original em inglês: “I came to the mirror in search of my identity. Who am I? What am I?
How can I establish my identity through art? Since I come from a totally figurative artistic culture, I took my
personal appearance as the image to identify. To do this I utilize the method of the self portrait, which
requires use of the mirror. The image of myself, portrayed life-size, remained fixed in the picture, while the
ground against which it was set became reflective. Into the mirror turned into work of art entered the world,
and so my self-portrait became a self-portrait of the world. Through him or herself the artist discovers the
other than self. The identity of my fixed image tallies with the identity of any other person who, looking in
the mirror, carries out the same process of establishment of an identity as I did”. Grifos nossos.
214
Tradução livre, original em italiano: “[...] incognite e questioni che l‟uomo è spinto a riproporre sui
quadri”.
121
que segundo a autora, “[...] Pistoletto parece ter interiorizado e cruzado com outro tipo
de viagem, a interior [...]”. A produção de selfies pelo público pode servir de suplemento
para a hipótese da historiadora.
Imagem 43: Fotografia feita por espectador. 2018. Obra fotografada: Autoritratto con occhiali gialli, 1972-
1973. Impressão serigráfica sobre espelho de aço inoxidável polido, 100 x 70 cm (39.4 x 27.6 inches).
Esta fotografia, de Cristiana Lazzari, venceu o concurso I Love Arte Fiera 2018, organizado pela Bologna
Fiera. A página do concurso na web cita a justificativa do diretor artístico para escolha da foto: “A imagem
foi escolhida porque interpreta o espírito da obra de Michelangelo Pistoletto, autor e sujeito do
autorretrato sobre o aço espelhado: a obra não vive sem o olhar daqueles que a tornam presente e ativa”
(ARTE FIERA, acesso: 28 Fev. 2018).215.
Cortesia: Cristiana Lazzari.
Margarida Medeiros atenta para outra questão na imagem fotográfica de si, ao propor a
seguinte reflexão: “O retrato fotográfico «pseudo-real», pseudo-especular, mas ainda
sim real e especular, vai permitir ao sujeitos jogar um novo jogo: o da inclusão mágica,
215
Tradução livre, original em italiano: “L‟immagine è stata scelta perché interpreta lo spirito dell‟opera di
Michelangelo Pistoletto, autore e soggetto dell'autoritratto su acciaio specchiante: l‟opera non vive senza
lo sguardo di chi la rende presente è attiva”.
122
E completa: “[...] ver e ser visto é como existir” (FONSECA, 2014, p. 4)216. Em meio a
esse contexto, era natural que a selfie assumisse um protagonismo suntuoso. O
historiador Francisco Custódio Júnior, explica que “[...] a exposição que a internet
possibilitou através das redes sociais foi um ponto determinante para popularizar as
selfies” (JÚNIOR, 2015, p. 8-9)217. A prática, segundo o autor, se tornou “[...] uma
maneira de expressão interpessoal individual” (JÚNIOR, 2015, p. 8). Podendo ser
também relacionada a “[...] uma necessidade premente e constante de autoafirmação
[...]” (ARAGÃO, 2015). As considerações dos autores indicam que atualmente
vivenciamos outra dimensão dada pelas selfies compartilhadas nas redes sociais pelo
público.
216
Grifo nosso.
217
Grifo do autor.
123
Navegando pela web à procura de escritos que abordassem relações entre o fenômeno
selfie e os quadros espelhados, nos deparamos com o relato de experiência de uma
espectadora no Milwaukee Art Museum, no qual, logo de início, deixa claro que quem
escreve não possui o costume de produzir muitas imagens de si. Contudo, aquela visita
ao museu tinha como um dos objetivos a produção de fotografias, propósito que ela
descreve como “expedição selfie”. A experiência permitiu a realização de críticas e
reflexões acerca da produção desenfreada de selfies imbricada na experienciação com
218
Grifos do autor.
219
Grifo do autor.
124
a arte, uma delas vai ao encontro de um aspecto descrito por Santos: a necessidade
forçosa de instalação dos realizadores das selfies em um determinado contexto ou
lugar. Vejamos o que escreve a espectadora: “[...] eu não acredito que eles [os
produtores das selfies] estão de fato interagindo com a peça o tanto quanto estão a
utilizando como suporte” (YOUNG ERIE)220. Nessa perspectiva, as selfies tornar-se-iam
equivalentes à “paisagem, monumento ou situação”, descritas por Santos. Miscigenam-
se, desse modo, o discurso da obra com a “expressão interpessoal individual” (referida
por Francisco C. Júnior), com a “necessidade de autoafirmação” (mencionada por
Soraya R. Aragão) e a “obrigação da autorrepresentação estética” (insinuada por
Groys) provenientes do público gerador das selfies. As fotografias permitem ainda, a
possibilidade de transfigurar um aspecto característico da selfie, descrito por Santos: o
espectador como primeiro plano. Em uma grande parte das autoimagens produzidas
por meio dos Quadros espelhados, as fotografias serigrafadas presentes nos trabalhos
passam a ser o primeiro plano da imagem. De todo modo, o processo cria um jogo
pautado na exibição de si a partir da obra, algo que como demonstrado anteriormente,
corresponde ao discurso e a poética de criação dos trabalhos. A conexão, contudo, tal
como demonstra a espectadora ao concluir seu relato de experiência no Milwaukee Art
Museum, não exime a possibilidade da manifestação de um sentimento de distância em
relação à arte:
220
Tradução livre, original em inglês: “[...] I don‟t believe that they are actually interacting with the piece as
much as using it as a prop”. Disponível em: <https://younganderie.wordpress.com/114-2/>. Acesso: 25
Fev. 2018.
221
Tradução livre, original em inglês: “While on my own selfie expedition I found myself thinking more
about myself than the art. Which piece would be the best to take a picture with? What will I look like? How
do I position myself with the art? And the final question I have to ask myself is: Was I really appreciating
the art?”. Disponível em: <https://younganderie.wordpress.com/114-2/>. Acesso: 25 Fev. 2018.
125
222
Tradução livre, original em inglês: “I had a lot of fun finding interesting ways to interact with the pieces,
but I don‟t think I was really focusing on the art or the artist or the meaning. I was excited when I did my
research and found that Pistoletto wanted an interaction between the pieces and the audience, but when
looking back at my selfie I wonder if I was really taking the art in? I see more of myself than the art. Even
in the photo itself I become the focus with just a glimpse of the art”. Disponível em:
<https://younganderie.wordpress.com/114-2/>. Acesso: 25 Fev. 2018.
223
Tradução livre, original em inglês: “The fact that anyone can be a producer and distributor of visual and
audiovisual materials of all kinds has led to an unstoppable, intense „amateurization‟ process of the
creative practices that statistically comprise a significant part of the contents available on-line”. Grifo
nosso.
224
Tradução livre, original em ingles: “For once the artistic intervention has been completed, the 'author'
stands aside, to have it filled by others: the ever-changing actuality in front of the mirror.
225
Tradução livre, original em inglês: “Pistoletto construes, as it were, open works of art based on a
consciousness of alterity”.
126
226
Tradução livre, original em italiano: “[...] un quadro specchiante è pronto a ricevere le immagini di
domani”. Grifo nosso.
227
A discursão faz parte do subcapítulo intitulado Apropriando-se da apropriação, do livro Sobre as
Ruínas do Museu, de Douglas Crimp.
127
(como por exemplo, da artista Sherrie Levine) que se apropriam de trabalhos que de
algum modo, já haviam utilizado o recurso da apropriação. O processo discutido por
Crimp vai ao encontro não apenas do processo de produção das obras em questão de
Pistoletto (que como vimos, utilizam reiteradamente, em diversas escalas, o recurso da
apropriação), mas também do processo de participação, uma vez que, como observa
Martín Prada: “A prática radical do apropriacionismo [...] caracteriza grande parte da
estética digital atual [...]” (PRADA, 2010, p. 47-48)228. Apesar de o autor utilizar a
afirmação para analisar a questão da apropriação em outros termos 229, a passagem
não deixa de chamar a atenção para a presença da apropriação no cenário atual de
popularização da fotografia e uso desenfreado das mídias sociais, que como vimos,
entremeia-se no processo de participação do espectador. Essa extensão possibilita, no
caso dos Quadros espelhados, uma peculiar inversão de papéis. Observemos, se
Pistoletto se apodera e se apropria, como já abordamos com base nas considerações
de Maffioletti, da imagem do espectador mediante a inclusão da superfície espelhada
como elemento dos trabalhos, o espectador, por sua vez, se apropria do objeto de
Pistoletto por intermédio dos registros fotográficos. É possível inferir que o projeto
poético de Pistoletto se completa no momento que cada visitante se apropria da
apropriação que a obra fez dele; essa reapropriação e ressignificação por parte do
agora coautor permite de certo modo, completar e materializar as possibilidades
sensíveis do objeto proposto pelo artista. Por consequência, o processo de participação
do espectador e a proposição das obras são simultaneamente englobados em um
constante e ininterrupto jogo de apropriações. Um aspecto em comum precede cada
ação apropriativa. Anteriormente, explicamos sobre como as fotografias sobrepostas às
obras são inseridas de modo preceder a presença do público. O semelhante ocorre
com as selfies produzidas a partir das obras. Afinal, uma vez que as selfies são “[...]
228
Tradução livre, original em inglês: “The the radical practice of appropriationism [...] characterises much
of current digital aesthetics [...]”.
229
O autor se refere ao que denomina “remixagem digital”. Em sua concepção, “‟Remixagem‟ digital é um
tipo de fusão, integração, sedimentação, um modo de navegar ou explorar inquisitivamente um mar de
imagens. A criação é assim identificada com diferentes formas criativas de absorção, assimilação, por
meio de ações intermináveis baseadas no reprocessamento de material visual preexistente [...]” (PRADA,
2010, p. 48). (Tradução livre, original em inglês: “Digital „remixing‟ is a type of merging, integration,
sedimentation, a way of navigating or inquisitively exploring a sea of images. Creation is thus identified
with different creative ways of absorption, assimilation, through endless actions based on the
reprocessing of pre-existing visual material [...]”).
128
230
A título de exemplo, vejamos a seguinte declaração: “Os Quadros Espelhados seguem os eventos à
medida que ocorrem, e os mesmos eventos são constantes no espelho, que é um registro contínuo da
existência. De certa forma, os Quadros Espelhados são meu diário” (PISTOLETTO, entrevista a Alain
Elkann, 2014, p. 245). (Tradução livre, original em inglês: “The Mirror Paintings follow the events as they
occur, and the same events are fixed in the mirror, which is an ongoing record of existence. In a way the
Mirror Paintings are my diary”). Grifo do autor.
231
Tradução livre, original em inglês: “The self-portraits are worlds - and decades - apart. But they are
threaded together by a timeless delight in our ability to document our lives and leave behind a trace for
others to discover”.
129
De modo geral, as considerações dos autores denotam que Pistoletto destina seu
“diário visual”, representado pelas imagens fotográficas, à interação com o mundo por
meio do espelho. O público protagoniza uma atitude equivalente ao direcionar, para
usar um termo de Raquel Fonseca, ao “centro da visibilidade global”, por meio da
disponibilização na rede, as fotografias por eles produzidas, de modo a exteriorizar,
problematizar, intensificar e perpetuar a interatividade.
232
Tradução livre, original em inglês: “They form a kind of diary of half a century, sometimes featuring
political facts, or intimate facts or everyday objects. Likewise, technological developments are given a
place in the mirror. [...] History literally invades Mirror Paintings. [...] Small and great histories are
appropriated in a singular way”.
233
Tradução livre, original em inglês: “A Mirror Painting is a means to orientation in the world, of
encouraging conscious experience of phenomena as experienced from the first person point of view,
invoking perception, thought, memory, bodily awareness and social activity. It is a work of art in the world
and the world in a work of art”. Grifo nosso.
130
234
Grifos nossos.
235
Grifo dos autores.
236
Grifo nosso.
131
A historiadora de arte Cristina Terzoni (2016) manifesta que “[...] a imagem reflectida
vive num outro mundo, um mundo paralelo”. A rede social permite avultar esse aspecto.
Nessa perspectiva, realidades paralelas são constituídas continuamente. O
existencialismo atua como singularidade regente nesse processo, que envolve a
poética de criação, a participação do público e a ação de proliferar imagens das obras
por meio da redes sociais. Tudo permanece em órbita da representação de si da
relação do sujeito com o mundo.
238
O vídeo da performance está disponível em: <https://vimeo.com/183991760>. Acesso: 26 Fev. 2018.
239
Tradução livre, original em inglês: “The physicality of the color and the virtuality of the mirror. All
together [...] made infinity and the finity”. A frase foi dita por Pistoletto em um vídeo no qual o artista fala
sobre a obra Eleven Less One. Disponível em: <https://vimeo.com/183992025>. Acesso: 26 Fev. 2018.
133
240
Tradução livre, original em inglês: “When I smash the mirror, the shards become physical elements,
and the broken pieces are left on the floor. However, I do not destroy the mirror; rather, I multiply it”. Grifo
nosso.
135
das técnicas artesanais [...]”, verificada por Rosler (2001, p. 329). Além disso, o
conjunto de temáticas das obras sofreu um processo de expansão após a adoção da
fotografia. Como observamos, o propósito de envolver o espectador nas cenas
propostas pelas obras e a intenção de estabelecer uma ligação entre os trabalhos no
espaço expositivo tornaram-se cada vez mais explícitos nas declarações, textos e obras
do artista. Contudo, essa relação agrega pontos peculiares, tendo em vista a presença
da simulação e de aspectos ilusórios/ficcionais, elucidados por autores citados nesta
pesquisa. Gilman (2008) destaca a presença da simulação nos Quadros espelhados.
Lewison (2011) elucida o mesmo aspecto ao manifestar que as imagens fotográficas
nas obras frequentemente envolvem a simulação de personagens. Foucault (2009) e
Eco (1989) suscitam aspectos que nos levam a crer que a imagem do espelho pode
propiciar uma relação ficcional e/ou ilusória. Diante dessas questões, tornou-se possível
concluir que o caráter objetivo das obras, aspecto favorecido por Pistoletto (entrevista a
Alain Elkann, 2014, p. 85), é constituído em meio ao uso de conjunturas ilusórias e/ou
ficcionais. Tal como inferimos, esse aspecto permite acrescer o caráter dúbio implícito
no processo de participação das obras: a possibilidade de propiciar simultaneamente a
interação plena por meio do espelho, e a situação excludente, suscitada por Lewison,
que ocorre por meio da consciência de que a presença do espectador no espelho que
compõe a obra é, fisicamente, inconcebível. Ao viabilizar a possibilidade de uma
interação vultosa sem o envolvimento tátil, as obras favorecem a miscigenação das
fronteiras entre o observar e o agir, o que configura, na concepção de Rancière (2012,
p. 23), o significado da emancipação do espectador. Um aspecto, de certo modo,
favorecido pela popularização do uso da fotografia nos espaços expositivos.
Os Quadros espelhados parecem abrir espaço para pensar que a arte contemporânea
aparenta estar, definitivamente, se esquivando de ser um território de especialistas. A
razão está na sua capacidade de provocar interações peculiares, bem como de permitir
a apropriação por parte do público, que deixa de ser mero espectador e assume um
lugar de coautoria na efetivação da proposta como obra. Os Quadros espelhados de
Pistoletto assumem-se completos quando tomados pelo voyeurismo e pelo narcisismo
de cada um que se coloca a ela, ou que a toma para si, em suas redes sociais. Desse
modo, torna-se possível considerar que as obras atingem a plenitude no contexto atual
do ciberespaço, evocando, de outro modo, o presente, referido pelo artista na
nomeação dos primeiros Quadros espelhados. O desejo inicial de Pistoletto “[...] de
exprimir sentimentos particulares e situações da condição humana [...]” (PISTOLETTO,
138
1959, apud LE PRIME OPERE, acesso: 25 Jul. 2016), bem como de projetar “[...] uma
imagem subjetiva no espaço pictórico” (PISTOLETTO, entrevista a Michael Auping,
2011, p. 64), encontram na vaidade que paira no campo das relações sociais em
tempos de uso desenfreado das redes sociais, o elemento que pode complementar
definitivamente a subjetividade como paisagem pictórica. Pistoletto não poderia, em
suas primeiras experiências com autorretratos reflexivos, imaginar que o desenrolar das
tecnologias levaria a cabo o seu projeto poético nessa dimensão.
Por meio de uma abordagem que inicia com o propósito de situar o artista no campo da
arte, passa pela poética de criação, pelos elementos constituintes das obras, pela
capacidade de suscitar diferentes modos e tipos de relação, e finaliza no contexto das
novas tecnologias; buscamos explicitar, por meio dos Quadros espelhados de
Pistoletto, a complexidade de nossas relações com a nossa própria imagem e com a
arte no contexto de popularização da fotografia e das mídias sociais. A razão está no
fato de considerarmos as obras uma metáfora da interação do público com a arte, uma
interação que assim como nos Quadros espelhados, pode envolver: a evidência das
139
Tendo em vista a complexidade da inserção das novas tecnologias e das mídias sociais
no processo de participação do espectador, compreendemos que as reflexões aqui
iniciadas necessitam ser desdobradas em pesquisas futuras. Desse modo,
pretendemos estender estudos exclusivamente para esse campo, abordando o assunto
de modo mais cuidadoso e substancial. As redes sociais, como espaço de
subjetividades compartilhadas, parecem estabelecer novos modos de apreensão e
circulação do objeto artístico. Esse é o horizonte de reflexões que agora assolam essa
pesquisa.
140
V. REFERÊNCIAS
ACTON, Mary. Learning to look at Modern Art. Londres e Nova York: Routledge, 2004.
ARAGÃO, Soraya Rodrigues de. Como as redes sociais revelam nossa necessidade de
auto-afirmação, 2015. Disponível em: < https://jornalggn.com.br/noticia/como-as-redes-
sociais-revelam-nossa-necessidade-de-auto-afirmacao>. Acesso: 13 Fev. 2018.
ARMAN.; et al. Os novos realistas (debate mediado por Sacha Sosnowsky). In: Gloria;
COTRIM, Cecília (Orgs.). Escritos de artistas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
BARBOSA, Enio Rodrigo. Andy Warhol:Um ícone do século XX. Revista Ciência e
Cultura. São Paulo, v. 62, n.2, 2010. Disponível em:
<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php? >. Acesso: 03 Mai. 2017.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia. Tradução de Júlio Castañon
Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. (Edição Especial Saraiva de Bolso).
BRITO, Ronaldo. Fato estético e imaginação histórica. In: BRITO, Ronaldo; LIMA Sueli
de (org.). Experiência Crítica. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2005.
CAMNITZER, Luis. Thinking About Art Thinking. In: e-flux journal #56, 2008. Disponível
em: <http://supercommunity.e-flux.com/texts/thinking-about-art-thinking/>. Acesso: 13
Out. 2017.
CELANT, Germano. Arte Povera: appunti per una guerriglia, 1967. Tradução de José
Luis Gil Aristu. In: POLANCO, Aurora Fernández. Arte Povera. 2ª Edição. Madrid:
Editorial Nerea, 2003. (Coleção Arte Hoy).
CHRISTIE‟S. Alberto Burri: Artist, Poet, and Creator of the New. Texto presente no site
oficial da casa de leilão Christie‟s. Disponível em:
<https://www.christies.com/features/Alberto-Burri-6584-1.aspx>. Acesso: 03 Mai. 2017.
CLARK, Lygia. Bichos, 1960. Texto presente no site oficial da artista. Disponível em:
<http://www.lygiaclark.org.br>. Acesso: 20 Abr. 2016.
______, Lygia. Nós recusamos, 1966. Texto presente no site oficial da artista.
Disponível em: <http://www.lygiaclark.org.br>. Acesso: 20 Abr. 2016.
______, Lygia. Nós somos os propositores, 1968. Texto presente no site oficial da
artista. Disponível em: <http://www.lygiaclark.org.br>. Acesso: 20 Abr. 2016.
CULLINAN, Nicholas. From Vietnam to Fiat-nam: The Politics of Arte Povera. October.
United States, n. 40, 2008. p. 08–30.
ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
FARANO, Marco. Apertura dello studio. Texto presente no site oficial de Michelangelo
Pistoletto, 2007. Disponível em: < http://www.pistoletto.it/it/crono07.htm>. Acesso: 01
Mai. 2017.
______, Marco. Le prime opere: la ricerca sull‟autoritratto. Texto presente no site oficial
de Michelangelo Pistoletto, 2007. Disponível em:
<http://www.pistoletto.it/eng/crono02.htm>. Acesso: 25 Jul. 2016.
143
FONSECA, Darci Raquel. Do retrato fotográfico ás faces virtuais nas redes. In: Encontro
Internacional de Arte e Tecnologia, 13., 2014, Brasília. Anais eletrônicos... Disponível
em: <https://art.medialab.ufg.br/up/779/o/art13_RaquelFonseca.pdf>. Acesso: 12 Fev.
2018.
FOUCAULT, Michel. Outros espaços, 1984. In: MOTTA, Manoel Barros da. Ditos &
Escritos III. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Tradução de Inês Autran
Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 411-422.
GADELHA, Denise. Á curta distância: relações entre imagem fotográfica e seu espaço
de apresentação. 2007. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais - Poéticas Visuais) -
Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
GIELEN, Pascal. An Ethical Appeal of Art: media, memory and the mirror. In: AUPING,
Michael.; GIELEN, Pascal.; LEWISON, Jeremy. Mirror Paintings. Ostfildern: Hatje
Cantz, 2011. p. 59-70.
GILMAN, Claire. Pistoletto‟s Staged Subjects. October 124. United States, Primavera,
2008. p. 53-74.
KLEINBECK, Julia. Double Reflections: art museums and the image of the beholder. In:
SAVINO, Melania.; TROELENBERG , Eva-Maria (eds.). Images of the Art Museum:
connecting gaze and discourse in the history of museology. Berlim/Boston: Walter De
Gruyter, 2017. p. 155-172.
KUSAHARA, Machiko. A arte dos dispositivos [device art]: uma nova abordagem para a
compreensão da artemídia japonesa contemporânea. In: DOMINGUES, Diana (org.).
Arte, ciência e tecnologia. São Paulo: Unesp, 2009. p. 367-393.
145
LIALINA, Olia. My Boyfriend Came Back from the War, 1996. Trabalho artístico (arte
digital). Disponível em: <http://www.teleportacia.org/war/war2.htm>. Acesso: 19 Set.
2017.
MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário. In: DOMINGUES, Diana (org.). Arte, ciência
e tecnologia. São Paulo: Unesp, 2009. p. 179-199.
MAFFIOLETTI, Claudio. Transient Reflections of One and Many: the idea of art,
participation and change in Pistoletto‟s work, 2011. Disponível em:
<http://www.academia.edu/11182000/Michelangelo_Pistoletto_-
_Transient_Reflections_of_One_and_Many_-_June_2011>. Acesso: 21 Fev. 2018.
POLANCO, Aurora Fernández. Arte Povera. 2ª Edição. Madrid: Editorial Nerea, 2003.
(Coleção Arte Hoy).
PRADA, Juan Martín. The Digital Nature of Image. In: Catálogo Prêmios de arte digital –
Universidad de Extremadura. Lúmen_ex, 2010, p. 41-52. Disponível em:
<http://www.eweb.unex.es/eweb/premiosartedigital/catalogo_lumen_ex_2010.pdf>.
Acesso: 12 Jul. 2018.
______, Juan Martín. Web 2.0 as a New Context for Artistic Practices. The Fibreculture
Journal, 14, 2009. Disponível em: < http://fourteen.fibreculturejournal.org/fcj-098-web-2-
0-as-a-new-context-for-artistic-practices/>. Acesso: 12 Jul. 2018.
147
PROENÇA, Maria Luiza., GROYS, Boris. Sinais fortes/sinais fracos. Entrevista com
Boris Groys. In: Caderno SESC/Videobrasil, n.6. Edição de Fernando Oliva. São Paulo:
2010.
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo, SP:
Ed. SENAC São Paulo, 2009.
SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artítica. São Paulo:
FAPESP, Annablume, 1998.
SARAMAGO, José. Depoimento em filme. In: JANELA DA ALMA. Direção: João Jardim
e Walter Carvalho. Produção: Flávio R. Tambellini. Filme. Brasil, 2001. 73 m, son.,
color.
SARGENTINI, Fabio. L‟Arte Povera è nata a Roma?- Per una controstoria dell‟Arte
Povera. Flash Art online, Março, 2012. Disponível em: <
http://www.flashartonline.it/issue/flash-art-n-300-marzo-2012/>. Acesso: 19 Set. 2017.
VANDYKE, Jonathan. Texto do artista no site Just Sixty Degrees. Disponível em:
<http://www.justsixdegrees.com/jonathan-vandyke/>. Acesso: 27 Fev. 2018.
VENÂNCIO, Paulo. A atualidade de Piero Manzoni. In: Piero Manzoni, São Paulo: MAM,
2015, p. 43-49. Disponível em: <http://mam.org.br/>. Acesso: 20 Jul. 2016.
______. Vídeo em que Pistoletto fala sobre a performance Eleven Less One, 2017.
Disponível em: < https://vimeo.com/183992025>. Acesso: 26 Fev. 2018.
WORTHAM, Jenna. My selfie, myself. The New York Times, Oct. 19, 2013. Disponível
em: <http://www.nytimes.com/2013/10/20/sunday-review/my-selfie-myself.html?smid=pl-
share>. Acesso: 14 Fev. 2018.