Resumo

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br/rbepid Revista Brasileira de Epidemiologia


https://doi.org/10.1590/1980-549720230060.2

ARTIGO ORIGINAL

Análise têmporo-espacial da mortalidade


por doenças cardiovasculares no Estado do
Ceará, Brasil, entre 2009 e 2019
Temporal-spatial analysis of mortality from cardiovascular
diseases in the State of Ceará, Brazil, between 2009-2019
Aldino Barbosa dos SantosI , Adriana de Moraes BezerraII , Lucas Dias Soares MachadoII ,
Naanda Kaanna Matos de SouzaIII , Vera Lúcia Mendes de Paula PessoaIV
I
Escola de Saúde Pública do Ceará – Fortaleza (CE), Brasil.
II
Universidade Regional do Cariri – Iguatu (CE), Brasil.
III
Universidade Federal do Ceará – Fortaleza (CE), Brasil.
IV
Universidade Estadual do Ceará – Fortaleza (CE), Brasil.

RESUMO

Objetivo: Analisar a distribuição espacial da mortalidade por doenças cardiovasculares nos municípios do Ceará entre 2009 e 2019.
Métodos: Estudo ecológico com enfoque espacial no estado do Ceará, considerando o período de 2009 a 2019. Utilizaram-se dados
de óbito do Sistema de Informação sobre Mortalidade e dados populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para
cálculos de taxas brutas e padronizadas de mortalidade por doenças cardiovasculares. Realizaram-se a análise temporal, pelo software
Joinpoint Regression Program 4.9.0, e a espacial da mortalidade média dos municípios. Os valores foram suavizados pelo método
bayesiano empírico local utilizando-se o QGIS 3.16. Para os aglomerados espaciais, adotou-se o Índice de Moran Global e Local por
meio do Moran Map e LISA Map, sendo as análises realizadas no TerraView 4.2.2. Resultados: Foram registrados 132.145 óbitos
por doenças cardiovasculares no período, com crescimento médio de 3% ao ano. Maiores taxas de mortalidade foram observadas
em homens, pessoas com idade ≥80 anos, raça/cor parda, casados, com menor escolaridade. Houve formação de aglomerados
de municípios com altas taxas de mortalidade nas regiões do Vale do Jaguaribe, Sertão Central, Centro Sul, Sertão dos Inhamuns e
Serra da Ibiapaba. Conclusão: Este estudo identificou os municípios com elevada mortalidade e expôs a necessidade de estratégias
alinhadas com a realidade e particularidades desses locais.
Palavras-chave: Doenças cardiovasculares. Mortalidade. Análise espacial. Estudos ecológicos. Epidemiologia.

AUTOR CORRESPONDENTE: Aldino Barbosa dos Santos. Rua Bem-te-vi, 193, Gereraú, CEP: 61880-000, Itaitinga (CE), Brasil. E-mail: [email protected]

CONFLITO DE INTERESSES: nada a declarar

COMO CITAR ESSE ARTIGO: Santos AB, Bezerra AM, Machado LDS, Souza NKM, Pessoa VLMP. Análise têmporo-espacial da mortalidade por doenças
cardiovasculares no Estado do Ceará, Brasil, entre 2009 e 2019. Rev Bras Epidemiol. 2023; 26: e230060. https://doi.org/10.1590/1980-549720230060.2

Esse é um artigo aberto distribuído sob licença CC-BY 4.0, que permite cópia e redistribuição do material em qualquer formato e para qualquer fim desde que
mantidos os créditos de autoria e de publicação original.

Recebido em: 14/05/2023


Revisado em: 15/10/2023
Aceito em: 16/10/2023

Análise têmporo-espacial da mortalidade por doenças cardiovasculares no Ceará. Rev Bras Epidemiol. 2023; 26: e230060 1
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INTRODUÇÃO de cardiovasculares em diferentes grupos populacionais e,


com isso, melhorar a qualidade de vida desses indivíduos.
Nas últimas décadas, a sociedade passou por uma série Assim, objetivou-se analisar a distribuição espacial da
de transformações demográficas, sociais e econômicas — mortalidade por DCV nos municípios do Ceará entre os
que incluem redução da fecundidade, aumento da expectati- anos de 2009 e 2019.
va de vida, rápida urbanização, estilos de vida inadequados,
entre outras — que resultaram em mudanças complexas nos MÉTODOS
padrões de saúde e doença, em que as doenças crônicas não
transmissíveis (DCNT) substituíram as doenças infecciosas Trata-se de um estudo ecológico de análise de dados se-
como as causas primárias da morbidade e mortalidade1,2. cundários em saúde com enfoque na análise têmporo-espacial.
Entre as DCNT, as doenças cardiovasculares (DCV) predo- Os dados referentes aos casos de óbitos de indivíduos
minam como a principal causa de morbimortalidade3. Desde por DCV foram obtidos no Sistema de Informação sobre
a década de 1960 elas são responsáveis por uma considerável Mortalidade (SIM), do Departamento de Informática do Siste-
carga de doenças no Brasil. Dos 72% das mortes decorrentes ma Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde (MS),
das DCNT, 30% foram por DCV, e o maior percentual dessas via Tabnet, por meio do local de óbito e local de ocorrência.
mortes ocorreu por doenças coronárias (32%), acidente vas- Já os dados populacionais utilizados como denomina-
cular encefálico (28%) e insuficiência cardíaca (18%)4-7. dor para fins de cálculo das taxas de mortalidade, conside-
Essas transformações no Brasil não seguiram um padrão rando-se a população de referência, são oriundos da base
linear e unidirecional. O país ainda apresenta importantes censitária de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e
variações devidas às diferenças demográficas e socioeconô- Estatística (IBGE) para o referido ano e de estimativas por
micas8. No entanto, embora não haja uniformidade, as DCV município, sexo e idade para os demais anos. Tomaram-se
aumentaram consideravelmente em todos os estados9. como lócus de análise os municípios do estado do Ceará,
Exemplo disso é o estado do Ceará, onde as taxas de localizado na Região Nordeste do Brasil.
mortalidade por DCV entre os anos de 1997 e 2017 aumen- Para a análise da tendência de mortalidade por doenças
taram consideravelmente, destacando-se as doenças cere- cardiovasculares no estado do Ceará, foi selecionado o perío-
brovasculares (34,2 para 54,7/100 mil habitantes), doenças do de 2009 a 2019 para melhor compreensão do desfecho
hipertensivas (5,2 para 22,2/100 mil habitantes) e doenças nessa série histórica, considerando-se as DCV como a princi-
isquêmicas do coração (21,5 para 53,5/100 mil habitantes)10. pal causa de óbitos. Para a população do estudo, seleciona-
Diante desse contexto, conhecer os fatores de riscos ram-se os indivíduos adultos, com idade igual ou superior a 20
em diferentes grupos populacionais auxiliará a equipe de anos, conforme dados disponíveis no Departamento de Infor-
saúde a proporcionar uma assistência efetiva e individuali- mática do SUS (DATASUS) para pessoas adultas, que foram re-
zada, com base na prevenção de complicações secundárias gistrados com óbitos pelas doenças do aparelho circulatório.
e intervenções direcionadas à prevenção de problemas po- Para a causa básica desses óbitos, foi adotado o capítulo IX
tenciais, além da conservação da estabilidade orgânica dos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), abrangendo
pacientes que sofrem com DCV11. todos os grupos de doenças do aparelho circulatório (I00 a I99).
Assim, é relevante o registro das informações produzi- Consideraram-se para a análise as variáveis: sexo; faixa
das em diferentes áreas de abrangência do Sistema Único etária; cor/raça; estado civil; escolaridade; óbitos por resi-
de Saúde (SUS), para possibilitar a coleta dessas informa- dência; ano do óbito; local do óbito; local de ocorrência;
ções pelos Sistemas de Informação em Saúde (SIS) e, com e causa do óbito segundo o Grupo CID-10, para todos os
isso, serem utilizadas para produzir os indicadores opera- grupos de doenças do aparelho circulatório.
cionais e/ou epidemiológicos12. As informações do perfil epidemiológico e frequência
Sob essa perspectiva, fica evidente a importância de estu- de óbitos por DCV foram compiladas, adotando-se o soft-
dos epidemiológicos em diferentes faixas etárias que visem ware Microsoft Excel 2019 for Windows. Assim, as variáveis
identificar os fatores de risco, os determinantes sociais e as nominais foram analisadas por meio da frequência abso-
populações mais vulneráveis13. Destarte, é possível inferir que luta e percentual de ocorrência na população em estudo.
a distribuição das DCV pode se apresentar de forma diferen- A mortalidade anual foi calculada utilizando-se o número
ciada, uma vez que o contexto no qual diferentes grupos po- total de óbitos no estado no numerador e a população do es-
pulacionais estão inseridos é variável, o que evidencia a neces- tado naquele ano como denominador, tomando-se como refe-
sidade de analisar espacialmente as configurações territoriais. rência para este coeficiente 100 mil habitantes. Já a mortalida-
Nesse sentido, o estudo demonstra sua relevância, de de cada município foi calculada com base na padronização
considerando-se que a necessidade de compreender as pelo método indireto, visto que esse processo de padronização
características epidemiológicas e espaciais das doenças projeta taxas específicas sobre a população em estudo para o
cardiovasculares no estado cearense poderá fornecer infor- apuramento dos óbitos. Por este método, utilizou-se o núme-
mações aos gestores e profissionais dos serviços de saúde ro médio de casos do período, dividido pela população do ano
para adotar estratégias que reduzam os riscos e mortalida- central (2014), multiplicado por 100 mil habitantes.

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Inicialmente, realizou-se a análise da tendência tem- soas com idade igual ou superior a 80 anos (43,08%), sexo
poral da mortalidade por doenças do aparelho circula- masculino (51,91%), cor parda (65,29%), casadas (42,39%),
tório, conduzida por meio de regressão por pontos de com pouca (um a três anos de estudo completos) (30,85%)
inflexão. Assim, foi avaliada a variação percentual anual ou nenhuma escolaridade (42,88%). Foi possível perceber,
(annual percent change) (APC) da tendência estudada, com ainda, que a maioria das mortes ocorreu dentro do am-
intervalo de confiança de 95% (IC95%) e significância esta- biente hospitalar (51,85%), seguido do domicílio (41,50%).
tística p<0,0514. A Tabela 1 explicita esses resultados.
Em seguida, realizou-se a análise da distribuição espa-
cial de mortalidade por doenças do aparelho circulatório
no Ceará. De início, criou-se o mapa coroplético da morta- Tabela 1. Perfil epidemiológico dos indivíduos que
lidade média de doenças cardiovasculares dos municípios foram a óbito por doenças cardiovasculares. Ceará,
cearenses. Como há probabilidade de identificar padrão Brasil, 2009–2019.
heterogêneo entre municípios, os valores municipais fo- Variáveis n %
ram suavizados pelo método bayesiano empírico local. Este Faixa etária (em anos)
método pondera o valor da taxa municipal em relação aos 20–29 1.285 0,83
municípios que fazem fronteira por meio de uma matriz de 30–39 3.064 1,97
proximidade espacial. 40–49 7.497 4,82
Para a identificação de aglomerados espaciais, utilizou- 50–59 14.593 9,39
-se o Índice de Moran Global e Local. O Índice de Moran 60–69 24.535 15,78
Global foi usado para testar a hipótese de dependência 70–79 37.523 24,13
espacial. O método identifica a autocorrelação espacial e ≥80 66.983 43,08
pode variar entre -1 e +1, em que os valores próximos a
Sexo
zero indicam ausência de dependência espacial, conside-
Masculino 80.711 51,91
rando-se significante p<0,05. Caso a hipótese de depen-
Feminino 74.766 48,09
dência seja aceita, utiliza-se o Índice de Moran Local (Local
Ignorado 3 0,00
Index of Spatial Association — LISA) para observar a presen-
Cor/raça
ça de agregados espaciais, dado p<0,0515.
Branca 42.333 27,23
Os resultados das análises acima foram demonstrados
Preta 5.840 3,76
pelo Moran Map e LISA Map. O Moran Map permitiu visuali-
zar graficamente o grau de similaridade entre vizinhos, sen- Amarela 399 0,26

do representado por quatro quadrantes: no primeiro estão Parda 101.518 65,29

os municípios com altas taxas e que estão próximos a mu- Indígena 243 0,16

nicípios com taxas igualmente altas (padrão espacial alto/ Ignorada 5.147 3,31
alto); no segundo estão os municípios que possuem bai- Estado civil
xas taxas e que são rodeados por municípios que também Solteiro 27.542 17,71
apresentam baixas taxas (padrão espacial baixo/baixo). No Casado 65.908 42,39
terceiro quadrante se encontra o padrão espacial alto/bai- Viúvo 47.483 30,54
xo e no quarto o padrão espacial baixo/alto. O terceiro e Separado judicialmente 4.462 2,87
quarto quadrantes apresentam áreas de transição epide- Outro 2.656 1,71
miológica por demonstrarem diferentes padrões15. Ignorado 7.429 4,78
As análises de padrão temporal foram realizadas pelo Escolaridade (em anos de estudo completos)
software Joinpoint Regression Program 4.9.0. As análises Nenhuma 58.066 42,88
espaciais foram realizadas no programa TerraView 4.2.2.
1–3 41.771 30,85
Por fim, os mapas temáticos foram criados no programa
4–7 20.476 15,12
QGIS 3.16. Os dados que foram utilizados para compor a
8–11 11.224 8,29
pesquisa estão disponíveis na internet de forma gratuita
≥12 3.869 2,86
para consulta. Nesse sentido, não há qualquer possibilida-
Local de ocorrência
de de causar danos físicos ou morais na perspectiva do in-
Hospital 70.212 51,85
divíduo e da coletividade. Desse modo, o presente estudo
Outros estabelecimentos de saúde 3.524 2,60
não precisou ser aprovado pelo Comitê de Ética.
Domicílio 56.190 41,50

RESULTADOS Via pública 2.202 1,63


Outros 3.206 2,37
Analisando o perfil de cearenses que foram a óbito por Ignorado 72 0,05
alguma DCV, constatou-se maior prevalência entre pes- Fonte: Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde; 2022.

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Entendendo as DCV como termo genérico que designa Mortalidade por doenças do aparelho circulatório

todas as alterações patológicas e doenças que afetam o Doenças cerebrovasculares 32,26%


coração e/ou os vasos sanguíneos, o gráfico abaixo (Grá- Doenças isquêmicas do coração 30,22%
fico 1) demonstra que as doenças cerebrovasculares e as Outras formas de doença do coração 16,11%
doenças isquêmicas do coração apresentam maiores pre-
Doenças hipertensivas 15,69%
valências entre as causas de óbitos por DCV, com 32,26 e
Doenças das artérias, das arteríolas e capilares 2,66%
30,22%, respectivamente.
Doenças cardíaca pulmonar e da circulação
1,67%
Destaca-se ainda alta prevalência para as doenças hi- pulmonar
Doenças veias, vasos e gânglios linfáticos,
pertensivas (15,69%) e outras formas de doença do cora- NCOP
0,89%

ção (16,11%), incluídas neste grupo as pericardites e ou- Doenças reumáticas crônicas do coração 0,32%
Outros transt e os não espec aparelho
tras doenças do pericárdio, as endocardites, transtornos circulatório
0,15%

não reumáticos das valvas, miocardites, cardiomiopatias, Febre reumática aguda 0,04%

transtornos de condução e arritmias, parada cardíaca, in- 0,00% 5,00% 10,00%15,00%20,00%25,00%30,00%35,00%

suficiência cardíaca, entre outras. NCOP: não classificadas em outra parte.



De 2009 a 2019 foram registrados no estado do Cea- Fonte: Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde; 2022.
Gráfico 1. Prevalência de mortalidade por doenças
rá 132.145 óbitos por doenças do aparelho circulatório.
cardiovasculares. Ceará, Brasil, 2009–2019.
A mortalidade média do período foi de 135,8/100 mil ha-
bitantes, com a menor mortalidade registrada em 2010
(115/100 mil habitantes) e a maior em 2019 (155,2/100
mil habitantes).
A análise do padrão temporal da mortalidade no perío-
do estudado teve crescimento significativo de 3% ao ano
(IC95% 2,2–3,8; p<0,001). Por esse motivo, a análise não
demonstrou a necessidade de inserção de pontos de infle-
xão. Dessa forma, a tendência foi explicada apenas por um
segmento de reta (Figura 1).
Quanto à análise espacial, observa-se pela Figura 2A
que os municípios cearenses apresentaram pelo menos
uma taxa de mortalidade de 65,7/100 mil habitantes.
O município de Deputado Irapuan Pinheiro, localizado na 
região Sertão Central, apresentou maior mortalidade do Figura 1. Padrão temporal da mortalidade por doenças
estado com 282/100 mil habitantes, seguidos de Orós na do aparelho circulatório. Ceará, Brasil, 2009–2019.

Figura 2. Taxa de mortalidade bruta (A) e suavizada pelo método bayesiano empírico local (B). 

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região Centro Sul, Piquet Carneiro também no Sertão Cen- a intensidade da significância estatística dos aglomerados
tral e São João do Jaguaribe na região do Vale do Jaguaribe. pelo LISA Map.
Com a suavização das taxas brutas pelo método baye- Dessa forma, ficam evidentes as altas taxas de morta-
siano empírico local (Figura 2B) é possível observar padrão lidade por DCV no estado cearense, com padrão tempo-
espacial mais aparente, com a agregação de municípios ral de mortalidade apresentando crescimento significati-
com maiores taxas de mortalidade nas regiões do Vale do vo nos últimos dez anos. As variáveis sociodemográficas
Jaguaribe, Sertão Central e Centro Sul. Também é impor- utilizadas para o estudo apresentaram consideráveis fre-
tante salientar municípios da região da Serra da Ibiapaba quências com as DCV, especialmente para as doenças cere-
com altas taxas bayesianas. brovasculares, doenças isquêmicas do coração e doenças
Identificou-se autocorrelação espacial pelo Índice de hipertensivas (Figura 1).
Moran Global (I=0,46; p=0,01), com evidências de auto- No que concerne à análise espacial com indicadores
correlação positiva. Dessa forma, entendendo-se o valor brutos, os resultados demonstraram heterogeneidade en-
de significância estatística do p<0,05, considera-se que tre as taxas de mortalidade por doenças do aparelho circu-
quanto menor esse valor maior a significância estatística e latório nos municípios do estado. Os agregados espaciais
maior a autocorrelação. encontrados pela suavização dessas taxas brutas de mor-
A aplicação do Índice de Moran Local possibilitou a iden- talidade mostram municípios de regiões próximas, como
tificação de clusters espaciais tanto de valores iguais altos Vale do Jaguaribe, Sertão Central e Centro Sul com elevadas
como de baixos. Assim, o padrão alto-alto foi identificado taxas de mortalidade, o que pode ser resultado de caracte-
principalmente no sul cearense, destacando-se as regiões rísticas sociais, demográficas e/ou ambientais semelhantes.
do Vale do Jaguaribe, Sertão Central, Centro Sul e Sertão
dos Inhamuns, assim como a região da Serra da Ibiapaba. DISCUSSÃO
Dessa forma, os municípios dessas regiões assemelham-se
por apresentarem valores altos de mortalidade por doen- As estatísticas de mortalidade se constituem como a
ças do aparelho circulatório. forma mais utilizada para conhecer as situações de saú-
Já o padrão baixo-baixo foi identificado no Litoral Nor- de de determinada população e traçar o planejamento
te e Grande Fortaleza, indicando semelhança dos muni- de ações necessárias para melhorar as suas condições
cípios dessas regiões para valores baixos de mortalidade de saúde16. Nesta conjuntura, os resultados do presen-
por essas doenças (Figura 3A). Na Figura 3B, identifica-se te estudo apontam para a ocorrência de altas taxas de


Figura 3. Aglomerados espaciais de mortalidade por doenças do aparelho circulatório no Ceará (A) e significância
estatística dos aglomerados (B).

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mortalidade por DCV no estado do Ceará. Tal achado vai por melhores condições e qualidade de vida. Assim, a litera-
ao encontro do estudo sobre a mortalidade por DCV na tura demonstra que pessoas com menor grau de instrução
população adulta nas microrregiões brasileiras, que afir- estão mais propensas a riscos de adoecerem23.
ma que a mortalidade por DCV ainda ocupa um lugar de Ao se analisarem os tipos de DCV que levaram à morte
relevância entre as causas de óbitos, apesar do vasto co- dessa população, nota-se que as mais prevalentes são as
nhecimento dos diversos fatores de risco implicados no doenças cerebrovasculares, doenças isquêmicas do cora-
desenvolvimento dessas doenças17. ção e as doenças hipertensivas. Esse resultado assemelha-
A melhoria das políticas públicas realizadas nas últimas -se a diversos estudos já mencionados anteriormente4-7,10,
décadas, bem como as melhores condições socioeconômi- estando tais doenças relacionadas com maiores números
cas de grande parte da população contribuíram para a di- de internações e óbitos por doenças do aparelho circula-
minuição dessas mortalidades. No entanto, ao analisar por tório, mostrando também relevância no cenário cearense.
unidade da federação, nota-se importante variação regio- Pesquisas realizadas nos últimos anos apontam para
nal, com estados menos desenvolvidos como os das Regiões um crescimento significativo nas taxas de mortalidade por
Norte e Nordeste apresentando menor redução6. Essa he- DCV nos estados das Regiões Norte e Nordeste do Bra-
terogeneidade da redução dessas mortalidades, junto com sil24,25. Tal achado assemelha-se aos encontrados no estu-
o crescimento e envelhecimento populacional, contribuem do em questão, mostrando que, apesar do maior acesso
ainda para a alta prevalência dos óbitos por DCV18. aos serviços de saúde, avanços nas tecnologias em saúde
Os padrões epidemiológicos da mortalidade por DCV e fortalecimento das políticas públicas nos últimos anos, o
encontrados no estado apresentam maior frequência en- número de pessoas que morrem por alguma DCV aumen-
tre idades mais avançadas. Esse fato pode ser justificado tou consideravelmente no estado cearense durante o pe-
pelo fato de o aumento na longevidade acarretar natural- ríodo estudado.
mente maior período de exposição aos fatores de risco. Esse fato pode ser explicado pelo fato de, ao longo dos
Evidencia-se a necessidade de um planejamento específi- anos, o sistema de informação sobre mortalidade estar
co para atender essa parcela mais envelhecida da popula- sendo aprimorado com o intuito de aumentar a sua cober-
ção19, visto que já é esperado um importante crescimento tura e melhorar a qualidade do registro das causas básicas
para as próximas décadas de idosos no estado cearense20. de morte na declaração de óbito24. Assim, o avanço nesse
Diante dos achados, pode-se perceber que a mortali- sistema possibilitou aumentar a captação dos óbitos e me-
dade por DCV se apresenta com maior frequência na po- lhorar a definição das causas básicas de morte na última
pulação masculina. Os homens estão mais expostos aos década, especialmente nas Regiões Norte e Nordeste.
fatores de risco cardiovascular como tabagismo, sedenta- Ressalta-se que essa variação não ocorre somente
rismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, hábitos entre países, regiões e unidades federadas, mas também
alimentares inadequados e sobrepeso. Esses comporta- no próprio estado, entre municípios. A exemplo disso, ob-
mentos expressam resistência ao cuidado em saúde e es- serva-se nos achados deste estudo, por meio do padrão
tão associados a fatores socioculturais e institucionais, o delineado entre os anos de 2009 a 2019 pela distribuição
que potencializa o contato com situações de risco e o desa- espacial dessas mortalidades no estado cearense, que as
fio de reconhecer as necessidades de saúde-cuidado, bem maiores médias de mortes se encontram em pequenos
como a busca pelas ações e serviços de saúde21. municípios do interior quando comparados aos demais
A maior mortalidade por DCV também apontou dife- municípios do estado.
renças importantes concernentes à cor/raça. Os pardos/ Em um estudo ecológico sobre a mortalidade por doen-
negros são o grupo mais vulnerável por apresentarem ças do aparelho circulatório e fatores associados em mu-
piores indicadores metabólicos e antropométricos relacio- nicípios do estado de Minas Gerais, identificou-se que os
nados às doenças cardiovasculares, como obesidade, dis- municípios pequenos enfrentam dificuldades para garantir
lipidemia, pré-hipertensão/hipertensão e circunferências uma assistência adequada, visto que apresentam desafios
aumentadas22. Esses achados corroboram os resultados que vão desde a estrutura física assistencial deficiente até
deste estudo, em que se identificou maior frequência de a limitação para qualificar e reter profissionais de saúde e
mortes nesses grupos, mais especificamente em indiví- de gestão26.
duos de cor parda. Os mesmos autores ainda pontuam que, como o trata-
Esta pesquisa também identificou maior frequência de mento das complicações dessas doenças frequentemente
óbitos por DCV em pessoas com menor ou nenhuma esco- é caro e depende de tecnologias sofisticadas específicas, a
laridade. Tais achados são importantes fatores de risco car- maioria dos municípios pequenos não dispõe desses servi-
diovascular, em que as taxas de mortalidade por DCV apre- ços ou de centros de referência. Isso os torna dependentes
sentaram correlação forte com indivíduos com menos de dos poucos locais externos que contam com esses tipos de
três anos de estudo. O maior grau de escolaridade reduz os serviços, como nas grandes cidades26.
riscos de desenvolvimento das DCV, pois é fator importante Este estudo ainda abre lacunas para que outras pesquisas
para o autocuidado com a saúde e pode favorecer a busca desta magnitude analisem espacialmente os óbitos por DCV

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em uma maior abrangência de anos, como também uma cardiovaBurden of Disease”iseaseeseeiseasArq Bras Cardiol
abordagem dos casos de internações para avaliar detalhada- 2018; 110(6): 500-11. https://doi.org/10.5935/abc.20180098
mente o processo de morbimortalidade dessas doenças. 6. Ribeiro ALP, Duncan BB, Brant LCC, Lotufo PA, Mill JG, Barreto
Vale salientar que esta pesquisa apresenta como fator SM. Cardiovascular health in Brazil: trends and perspectives.
limitante o uso de dados secundários, que podem agre- Circulation 2016; 133(4): 422-33. https://doi.org/10.1161/
gar vieses como sub-registro, ausência de informações e CIRCULATIONAHA.114.008727
inconsistências no preenchimento das causas de morte. 7. Oliveira GMM, Brant LCC, Polanczyk CA, Biolo A, Nascimento
Além disso, o método indireto utilizado para as estimativas BR, Malta DC, et al. Estatísticas cardiovasculares – Brasil
populacionais representa uma limitação, uma vez que o úl- 2020. Arq Bras Cardiol 2020; 115(3): 308-439. https://doi.
timo censo data de 2010. org/10.36660/abc.20200812
Outro aspecto que cabe pontuar está relacionado à fa- 8. Frans: EB, Passos VMA, Malta DC, Duncan BB, Ribeiro ALP,
lácia ecológica, em razão dos efeitos de agregação dos da- Guimar DC, 27” et al. Cause-specific mortality for 249 causes
dos, os resultados encontrados para a população podem in Brazil and states during 1990s for thesystematic analysis for
não se repetir em nível individual. Ressalta-se ainda que, the global burden of disease study 2015. Popul Health Metr
como a análise da mortalidade foi baseada apenas na cau- 2017; 15(1): 39. https://doi.org/10.1186/s12963-017-0156-y
sa básica de óbito e não nas causas múltiplas, pode haver 9. Mansur AP, Favarato D. Tenddoi.org/10.1186/s12963-01dade
subestimação das mortes por DCV, especialmente na po- por doenças cardiovasculares no Brasil, 1980-2012. Arq
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car os municípios prioritários entre as regiões do estado 10. Cears. Secretaria da Saúde. Doentim crônicas não
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cessidade de estratégias que vão de acordo com a realida- saude.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/9/2018/06/
de e particularidades desses locais. Assim, esta pesquisa DOENCAS_CRONICAS_NAO_TRANS_25_11_2020.pdf
serve de subsídio científico à organização e planejamen- 11. Soares RAQ, Silva SM, Fce.goAMS, Moraes APA, Soares
to de ações voltadas para a melhoria da atenção à saúde SG, Fernandes ITGP. Tecnologias em saes SG, Fernandes
nesses locais mais vulneráveis, fortalecendo e qualificando ITGPs/sites/9/2018/06/DOENCAS_CRONICAS_NAO_
os serviços de saúde, especialmente a Atenção Primária à TRANS_25_1Nursing 2020; 23(260): 3523-8. https://doi.
Saúde (APS), para garantir o acesso e acolhimento dessa org/10.36489/nursing.2020v23i260p3523-3528
população a esses serviços, como também promover a 12. Rede Interagencial de Informaal de Informaform.
saúde e prevenir os agravos decorrentes dessas DCV. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e
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ABSTRACT

Objective: To analyze the spatial distribution of mortality from cardiovascular diseases in the municipalities of the state of Ceará, Brazil,
between 2009-2019. Methods: This is an ecological study with a spatial focus on the state of Ceará, considering the period from 2009
to 2019. Death data from the Brazilian Mortality Information System and population data from the Brazilian Institute of Geography and
Statistics were used to calculate crude and standardized mortality rates from cardiovascular diseases. Temporal analysis was carried
out using the Joinpoint Regression Program 4.9.0 software and spatial analysis of the municipalities’ average mortality. The values
were smoothed by the local empirical Bayesian method using QGIS 3.16. For spatial clusters, the Global and Local Moran Index
was used through Moran Map and LISA Map, with analyses carried out in TerraView 4.2.2. Results: A total of 132,145 deaths from
cardiovascular diseases were recorded in the period, with an average increase of 3% per year. Higher mortality rates were observed
in men, people aged ≥80 years, mixed-race ethnicity/skin color, married, and with lower level of education. There was the formation of
clusters of municipalities with high mortality rates in the regions of Vale do Jaguaribe, Sertão Central, Centro Sul, Sertão dos Inhamuns
and Serra da Ibiapaba. Conclusion: This study identified municipalities with high mortality and exposed the need for strategies
aligned with the reality and particularities of these locations.
Keywords: Cardiovascular diseases. Mortality. Spatial analysis. Ecological studies. Epidemiology.

CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES: Santos, A.B.: Administração do projeto, Conceituação, Escrita – revisão e edição, Investigação. Bezerra, A.M.: Administração
do projeto, Conceituação, Metodologia, Software, Supervisão. Machado, L.D.S.: Análise formal, Conceituação, Curadoria de dados, Investigação, Metodologia,
Validação. Souza, N.K.M.: Análise formal, Curadoria de dados, Investigação, Metodologia, Validação. Pessoa, V.L.M.P.: Administração do projeto, Validação.

FONTE DE FINANCIAMENTO: nenhuma.

© 2023 | A Epidemio é uma publicação da

Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO

Análise têmporo-espacial da mortalidade por doenças cardiovasculares no Ceará. Rev Bras Epidemiol. 2023; 26: e230060 8

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