Natureza e Missão Da Teologia - Joseph Ratzinger

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 19

J oseph Ra tzinger

NATUREZA -
E MISSAO
DA TEOLOGIA

Tradução d e Carlos Almeida Pereira


Dados Internacionais d e Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasil eira do Livro, Sp, Brasil)
Ratzi nger. ] oseph Ca rdea l
N a tll reZ~1 e missão da teologia I J oseph Ca rdea l
Ratzin ger ; tradllçáo de Ca rl os Alm c ida Pereira . _
Petró po lis, RJ : Vozes, 2008.

Título o ri gin al: Wese n und Auftrag der T hcologic : Vers lI ch e


zu ihrcr O n sbestimlllllng im Dis put der Gegenwa rt.
ISBN 978-85-3 26-3635-5

I. Igreja Católica ~ Magisté rio 2. l eologia _ H istó ria 3.


' /i.:ologia católica 4. Tradição ( reo logia)
I, Título.

OH-00465
C DD-230

índices para catálogo sistemático:


I. Tco logia : Na tureza c Illissão : Cristian ismo 230 VOZES
Pe tró polis

Joseph Cardeal Ratzinger / Bento XV I,


Wesen und Auftrag der Tlzeologie

© Libreria Editl-ice Vaticana / SUMÁRIO


© Johannes Ve rlag Einsied eln, Freiburg 1993.

D ireitos de publicação em língua portu g uesa: Prefácio ,7


2008, Editora Vozes Ltda. r. As bases e os pressupostos do trabalho teológico, 11
Rua Frei LUÍs, 100 Fé, fil osofia e teologia, 13
25689-900 Petrópoli s, RJ l. A unidad e d e filosofia e teologia n o cristianismo primi-
Internet: http://www.vo zes .com.br ti vo, 13
Brasil
2. U ma distinção que transformou -se e m oposição, 15
'Todos os direitos, reservados. Nenhuma parte desta obra poderá 3. Tentativa de uma nova relação, 20
ser re produ zida o u transmitida po r qua lque r fo rma e/o u Observação final: g nose, fil oso fi a e teologia,
quaisque r meios (ele trônico ou mecân ico, incluindo (o tocó pia e Natureza e libe rdade do sistema acadê mico, 27
g ra vação) o u arquivada em qualque l' siste ma o u banco de dados
I . O d iálogo, 28
sem permissão escrita da Ed ito ra.
2. A libe rdad e, 30
3. O ce ntro : a ve rdade como fundam e nto e medida da
liberdade, 32
4. O cul to, 35
Editoração : Fernando Sergio O li vetti da Rocha li . Natureza e fo rma da teologia, 37
Projeto gráfico: be mbolado
Fundamento espiritual e lu gar da teologia na Igreja, 39
Capa: Bruno Marg iotta
I. O novo sujeito como pressuposto e fundamento d e toda
teologia, 43
2. Conversão , fé e pe nsam e nto, 48
3. O caráter eclesial da conversão e suas conseqü ências
ISBN 978-85-326-3635-5 (edição brasileira) pa ra a teologia, 50
ISBN 3-894 /1 -3 16-2 (edição alemã)
4. Fé, pregação e teologia, 52
5. Tentação e g randeza da teologia, 59
O pluralism o como questionamento à Igreja e à teologia , 63
ES1C li vro roi composto e impresso pela Ed itora Vozes Lula. 1. Os lim ites impostos às ex igências da Igreja e o pluralis-
Rll a Frei Luís, 100 - Petrópol is, RJ - Brasi l - CE P 25689-900 mo das decisões humanas, 63
Caixa Poslal 90023 - Tel.: (24) 2233-9000
Fax: (24) 223 1-4676
2. Pl u ra lismo n o interior da Igr ej a, 71
a) Igreja universal e igrejas particu la res, 73 b) Teologia
e teologIas, 77

111 . Aplicações, 85
PREFÁCIO
A "Instrução sobre a vocação do teólogo na Igrej a", 87
Observação preLim.inar, 87 Na Igreja, ou m es mo na socied ade ocide ntal como um todo,
a teologia e os teólogos passaram a ser hoj e um tema discutido
I . Apresen tação, 87
por todos, e tam bém um tema controvertid o. No mundo mo-
2. Pontos da discussão d o texto, 92 de rno, ao que me parece, o teólogo de pa ra-se com uma dupla
a) Auto ridad e só e m caso de defini ção infa lível ?, 95 ex pectativa. Ele deve, por unl 1ado, esclarecer racionalmente as
b) Magistério, uni versidade e meios de comunicação, 98 tradições do cristianismo , isolar nelas o núcleo que te m condi -
c) TI·adlção p rofética contra tradição episco pa l?, 102 ções de ser ass imil ado hoj e, e ao mesmo te mpo fo rçar à mode ra-
ção a institu ição da I grej a. Mas es pe ra-se d ele também que ao
meSlllO te mpo ele confira rumo e con teLldo aos anseios relig io-
sos e de transcen dência capazes de ser propostos hoje. Na socie-
dade mundial em fo rmação impõe-se, além disso, ao teólogo a
tarefa d e levar adiante o diálogo das religiões e de con tribuir
para o dese nvolvimento de um elhos mundial, que tenha como
ponto central os conceitos de justiça, paz e preser vação da cria-
ção. Por último o teólogo deve ria ser ainda algué m qu e trouxes-
se consolo às almas, que ajudasse os indi víduos a se auto-encon-
trare m e a superar suas pró p rias alienações, pois o mero consolo
cole tivo de Uln Inundo melho r e tuais pacífi co que viria a reali-
zar-se no futuro comprovou-se como de todo insuficiente.
Em todo este esfo rço, não raro a I greja como instituição, e
sobretudo o magisté rio d a I grej a Católica, é vista como um obs-
táculo co ncreto . O po nto d e pa rtida do magistério é que o "ser-
cristão" , e mais ainda o "se r-católico", poss ui um conteúdo de-
terminado , te ndo por conseguinte para o nosso pensar um a di-
re tri z que não pode se r manipulada à vo nt.ade , diretriz essa que
confer e ao d iscurso do teólogo seu peso próprio, acima de todo
discurso me rame nte político o u filosó fi co. A teologia - na visão
do magistério - não su rge p elo simples tato d e se imagina r qua n-
ta religião pode ser ex igida d o Home m, e mpregando para isso
ele mentos d a tradição cristã. Ela surge pelo fato de impor-se um
limite à arbitraried ade do p ensamento, pois adqui rimos conhe-

) oseph R a tzin ge r
Natureza e mi ss ão da te o logia

ara uma melhor compreen são da natureza do traba,lh o teológi-


('i lll c nt.o el e algo que não fo i imaginado por nós, mas nos fo i ma- - . d o nosso telnp o e para
pco nas circunstanClas apOla-Io em su a
.
nileSlado. Por isso nem toda teor ia religiosa p ode se r chamada
tarefa mais impo rtante , o se rviço ao conh~C1mento da verdade
de leologia cristã, ou teologia católica; a teoria que qu iser fazer
revelada, e a partir dela à unidade na Igr eja. .
jus a esta denominação precisa considerar como possuidora de Roma , na Festa d a Assunção d e Man a, 1992
.
sentido a norma ne1a contida. Joseph Cardeal Ratzmger
Levando-se em co nsideração a responsabilidad e da consci-
ência fre nte à verdade, qualqu er um é livre para pe nsar o qu e
lo r cap az de pensar e de dizer a p a rtir desta respon sabilidade.
Mas não é livre p a ra afirmar que o que ele diz r e presenta a teo-
logia católica. Existe aqui uma espécie de "marca registrad a",
uma ide ntidade histórica, que o m agisté rio te m consciência d e
ser chamado a d e fender. Mas este compromisso com a proteção
de uma identidade histórica (e que, como acreditamos, nos foi
dado por Deus) é sempre de novo efetivamente apresen tado como
uma agressão à liberdade de pensa mento, ainda mais quando
sobre a consciência atual muitas vezes esta ide ntidade é vista como
per turbação, com con teúdos que não agrad am aos nossos hábi-
tos d e p ensa r e d e viver. Q uando teólogos e nfrentam con testa-
ção por quer er em libertar-nos de ta is fatos desagrad áveis, o ma-
gistério passa a ser visto po r eles qu ase COlTIO uma ameaça pes-
soal.
Mas existe ta mbé m, na verdad e, uma posição dife re n te.
Muitos fi éis vêem no tr abalho dos teólogos de hoje uma ameaça
ao que eles consideranl sagrado. Os mé to dos da ciência racional,
quando aplicados in"estri ta me nte à fé. s~lO vistos como arrogâ n-
cia e presunção, que levam o HOlne m a ultrapassar se us limites e
a d estruir su as próprias bases. Em certas parcelas da Igrej a ma-
nifesta-se uma crescente desco nfia nça com relação à ação dos
teólogos, que parecem por d emais aliados ao p oder d o espírito
do te mpo.
Nesta situação torn ou-se u rgente um d iá logo sobre a teolo-
g ia, para esclarecer seus call1inhos e sua tarefa , como tambénl
pa ra definir se us limites. As di versas pa rtes d este livro su rg iram
a pa rtir d os d esafi os d este diálogo. Não constitue m n enhum tra-
tad o siste mático a respeito d a teologia, qu e me us d everes profi s-
sio nais impedem -me de ela bor ar. Esper o que as dife rentes abor-
dagens que delimitam o tema nas diversas partes, precisa mente
pelo rato d e não estarem fec had as, ta mbé m possa m contribuir
9
8
I
As BASES E OS PRESSUPOSTOS
DO TRABALHO TEOLÓGICO
FÉ, FILOSOFIA E TEOLOG IA

1. A unidade de filosofia e teologia no cristianismo primitivo


A relação entre fé e fil osofia parece, à primeira vista, uma
questão bastante abstrata. Mas não e ra lima questão abstrata para
os cristãos dos primeiros tempos da I greja. Foi ela que possibili-
to u as primeiras imagens de Cristo , pode-se mesmo dizer que
e m suas prime iras o rigens a arte cristã surgiu da pergunta pela
verdadeira filosofia . Foi a filosofia que deu à fé sua primeira vi-
são concreta. Af>, mais antigas pinturas cristãs qu e conheCelTIOS
são encontradas nos sarcófagos do tercei ro século ; seu cânon
imagético inclui três figuras: o pasto r, a orante e o EilósofOI . Este
é um co ntexto importante. Sig nifica que uma das raízes da arte
c ristã está na superação da mo rte. As três figuras r espOndelTI às
perguntas do ser humano sobre a morte. O sig nificado das duas
primeiras f:i guras não tem necessidade de explicação. Mesmo que
precisemos tomar cuidado com uma in terpre tação cristo lógica e
ecles iológica direta das figuras do pastor e da orante, é clara a
menção às bases da esperança cristã, presente nelas. Existe o
pastor, que mesmo em meio às so mbras da morte infunde confi-
ança, e que pode dizer: "Não te mo n enhum mal" (5123,4). Exis-
te a proteção da oração, que acompanha e protege a alma em
sua peregrinação. Mas que significado te m neste contexto o filó-
sofo? Sua fi gura cor responde à im age m do cínico, do fil ósofo-
a póstolo itinerante . O que a ele importa não são as doutas teo-
rias: "Ele prega porque a mo rte o persegue"' . Não vai atrás de
hipó teses, mas sim de superar a vida enfre ntando a Dlorte. O
f·ilósofo cristflo, como ficou dito , é representado de acordo com
esse tipo , e no e ntanto é d iferente. Ele leva em suas mãos o Evan-
,
ge lho, de ond e a prende não as palavras, mas sim os fatos . E O

I. Cf. F. Gerke. Chtisl us ill der s/Jiilal1lihPn P[aslik. rvlainz, ~ 1 1 948, p. 5. Cr. também F.
va n der Meer. Die UrsfJ1'ünge christlicher Kum/. Fre iburg, t 982, p. 51ss.
2. Ibid . p. 6.

N:ltl1T C Za e n';< ~"u d a


" ~~a teo 1o gia J os eph Ra rzi n g e r

vl'rdad e iro filósofo ' porque sabe d o lnlste ' , n.o d a more G ' k ções presentes neste contexto, o. filóso.fo. o ferecia o. esquema de
rl'S lIl1I e a visão do que const't' . ~
I UI o cnstao represent d '
e. el ' e
. , idé ias em que se po.dia entender qual e ra a ve rdadeira mensa-
:lllllqClI ssima arte, na seguinte frase" " O ' a d nesla
I rI) das com osi _ ," _ . : que se encontra no cen- gem de Cristo e da ressurreição .
, p çoes cllstas maIS antJgas não é o mundo d Bíb!' Tudo isto, como. é do conhecimento d e todos quantos com -
0 11 ~Il~ hlstó na sagrada, lHas sim O fiJóso[o, como I a 1 la partilham da vida do. mundo de h o.je com um mínimo. de aten-
1'I1/'151"'1/.1IS, a quem pelo Evalwelh r.' c ' nod elo do hO)f1O
'. ~ b o OI leIta a r evelação do \'el'd a- ção, não. é apenas coisa do passado. Depois que e m toda parte foi
cIC II o paral so"!I . abalada a segurança dada pelo cristianismo na questão. da morte
A fusão entre fil osofia e cristi anismo q ue a Ul'f: ' e do. caminho para a vida, vo.lta a cr escer por toda parte o. núme-
da m orte, se manifesta como imagem d'a ' qd , . ~ce a qll~stão
'd
vid a d H . veI a e ll a questao da ro dos "sábio.s", que oferecem como pro.duto a "filosofia". Para a
, r' o omem, lo.go atmge um a densidade ainda m aio.r. O filó- questão com que nos ocupamos, a relação entre fé e filosofia, isto
so o passa a ser a Imagem do. próprio. Cristo O q d ' pode ser de importância, na medida em que com isto volta-se a
re l) resent . r ~ " . . ue se eseJa
a i nao e a aparenCla externa de Cristo . lembrar m ais urna vez aos filósofos e teólogos prof:i ssionais o que
e o q , EI . I ' m as sIm quem
f. . ueI e rea ' me nte e ra: o perfe ito filósoDO. C l·'IStO.,
· co mo Ge rke em última aná lise, para alénl de toda sua e rudição, se espera
_01 mu a multo be m , a parece na roupagem daquele . d eles: a resposta às grandes questões da vida. A resposta à per-
co 4 A fi fi que o In vo.-
u. I 050 la, a busca do sentido em face da mo rte é a g unta: Como é mesmo que o ser-Homem se torna realidade?
tada agora como sendo a e r .' ' (: presen-
de Lá . EI P gunta sob, e Cn sto. Na ress urreição Co. mo. se deve viver para que o ser-H o m e m obten ha êxito? Acho
zal O e se a presenta como O fil ósofo qu e rea lm ente r ._ que em nossa pergunta precisamos ter se mpre este apelo diante
pond~ ~1LJdando. a mo.rte, e com isto mudando a vida. Aqui aqu~l~ do.s o.lhos, po.rque nele realme nte se toca naq uilo qu e constitui o
que Ja esd c: os apologetas era uma convicção tra nsfo rma-se elo. de união entre filo.sofia e teolo.gia. Mas a questão. d e como
co nte " I ' Jo'd? martlr
d mplaçao. " Justlno,
, na primeira m e tade do em se- ambas se relacionam concretamente, de como as difere ntes exi-
~~il~'a ~i~~~~fi~' h~vla car~cdte~'iz~do~o cristianismo com o a ve rda- gências racionais de ambas pod em ser assumidas, esta, na tu ral-
' c ' , e Isto pOl uas I azoes'. A t O
are ,a maIS ' .Impo.rtante m e nte, não. po.de ser respondida a pa rtir daqui , ela exige um esfor-
cio
' ,filI oso.
. ,o e pe rguntar po. I ' Deus.. A "mude
' . d o. ve rdadeiro fil óso-
fo. e vIver seg undo. 01 ço. m etódico próprio.
.',stCIO e' . -,ogos, e com Ele. Ja' que o significad o do ser
CI_ (: "VIve . r de caco I'd o com o L orTos os verchde iro f~'I ' r
sao os cnstãos .' , " .b ' (: S I OS010S 2. Urna distinção que transfonnou -se em oposição
_ ,e pai ISSO o Cristianismo é a ve rdadei ra fil osofi !;
C0 111 estas a firmações , q ue pocIe m parecer-nos
. abstr atas r a. . No início de sua história, como ouvimos, O cri stianismo con-
siderava-se a si próprio como filo sofia, ou lnesm O como a filoso-
fia por excelência. Será que se pode afirmar isso talnbém nos
du se nCla d e sentido, da desorientação e dos receios po. ' I ' dias de hoje? E se não., po.r que não o. po.demos? Que foi que
\locado f . I e a p l 0- mudo.u ? Co.mo. deve ho.j e ser melhor definida a relação e ntre
S, o ereCla um m e rcado abundante do I I"
ver. Assim com J ' J . _: qua se pOC la VI- ambo.s? A identificação entre cristianism o e fil oso. fia deve-se a
o l OJe, e a convocava nao so Illoedeiros Fdsos d
))a Iavra mas tambê I a um d eterminado conceito da f-iloso fia que aos poucos passou a
~l aque es que reaJme nLe estava m a ba lados
c
. ..' d
c qu e ,uu avam. Asslln, apesar d e to.das as d ecepções e fal sifi ca: ser criticado pelos pen sadores cristãos, se ndo d efiniti vamente
abando.nado no século. 13. A dife re nça e ntre um e outro., que é
:1. l bid., p. 7.
I. l iliel .. p. 8. obra antes de tudo de To.más d e Aquino, os di stingue mais ou
n. ( :f.() .I\l icll c l, lpd,oo o<p(cx. In: T hWNT 18r, R f' ~ . . m enos assim: Filosofia é a razão pura procurando responde r às
I I .l l. \'r1 11 BiLh ha s'll". Phil osOl, l ' C I ,. . ' :.l. e ..clcll clas Impo rtantes t.ambé m e m
, u e, 111sten tum M oncht . I . LI U questões últimas da realidade. Conheci mento filosófico. é soment.e
S/)I!III(I )','rlli. I'~ i ll s i cd e lll, ~ 1971 , p. 3']9-387.' .tllll. n . r . . \'on l~aiLhas<1 I· .
o. conhecimento a que se po.de chega r pela razão como tal, sem
14 15
Nn lll l'cza e missã o da t e o l ogia J os e p h Ra tzi n ge r

M ' I'l'('orre l'à revelação , Sua certeza provém unicamente do ar- zão inteira1uente neutra em relação à fé cristã, e se a filosofia não
g llllll'IIIO, e ~ uas afirmações valem tanto quanto os argumen tos, pode ter conh ecimento de nada que é dado ao pensa mento pela
J\ 1 'o logia, ao invés, é a realização co mpreen~iva da revelação de fé, então a tilosofia de um fiel cristão não pode deixar de parecer
I)e ll s; é a fe e m busca de compreender. Por conseguinte ela pró- um pouco fi ctícia. Mas será que efetivamente as respostas cristãs
. -
pna nao encontra seus conteúdos, mas os obtém da revelação, são d e tal natureza que fecham o caminho ao pensamento? Não
para e m seguida compreendê-los em sua ligação e em seu senti- poderiam as últimas r espostas, por sua nature.za, estar semp~e
d o inte rno, Com uma terminologia que teve início apenas com abertas para aquilo que não foi nem pode ser dito? Não pode ... a
l b más de Aquino, passou-se a fazer referência a esses dois terre- acontecer que a verdadeira profundidade e dramaticidade só
nos diferentes, lilosofia e teologia, como a ordem natural e a pudesse ser conferida às perguntas por estas respostas? Não po-
ordem sobrenatural. Estas distinções só passa ranl a ser inteira- deria ocorrer que elas radicalizassem tanto o pensar quanto o
mente claras na Era Moderna. Esta, então, projetou sua leitura perguntai; que os pusessem em andamento, em lugar de bloqueá-
sobre Tomás de Aquino, com isto conferi ndo-lhe uma interpre- los? O próprio Jaspers disse certa vez vez que o pensamento que
tação que o distancia mais fortemente da trad ição mais antiga do se desvincula da grande tradição cai numa seriedade tal que se
que o que pode ser encontrado nos simples textos •. torna vazid' . Não mostraria isto que o conhecilnento d e uma
Mas nossa atenção não precisa se ocupar aqui com estes pro- grande resposta, como a transmitida p ela fé, constitui mais um
ble mas históricos. De qualquer forma, é um fato que desde a estímulo do que um empecilho para as verdadeiras perguntas?
Idade Média tardia a filosofia é associada à razão pura e a teolo- Teremos que retornar mais adiante a estas considerações.
gia à fé, e que até o presente esta distinção marcou a imagem Neste momento, ao in vés, precisamos voltar-nos para a negação
tanto de uma quanto da outra. Mas uma vez feita esta distinção, da filosofia por parte da teologia. A oposição contra a filosofia ,
inevitavelmente surge a questão se filosofia e teologia ainda po- como pretensa destruidora da teologia, é muito antiga . Pode ser
dem ter unIa com a outra alguma relação m etódica, De iníci o encontrada de uma forma muito aguda em Tertuliano, mas vol-
isto é negado de ambas as partes, com fortes razões . Como exem- tou a se acender sempre de novo na Idade Média, alcançando
plo d a contradição por parte da filosofia, menciono apenas os uma notável radicalidade, como por exemplo na obra tardia de
nomes de H e idegger e jaspe rs. Para H eidegger a filosofia con- São Boaven tura9 . Uma nova era de contrad ição à filosofia em
siste essencialmente em perguntar. Quem ach a quejá conhece a favor da pura palavra divina teve início com Martinho Lutero.
resposta não pode ma is filosofar. A pergunta filosófi ca, do ponto Seu grito d e batalha sola scriptura não foi só uma declaração de
ele vista teológico, é uma lou cura, e por conseguinte fal ar de guerra contra a interpretação clássica da escritura pela tradição
uma filosofia cristã é como falar de um fe rro de madeira. Tam- e o magistério da Igreja; foi também uma declaração de guerra à
bém j aspers ach a que aquele que julga j á estar de posse da res- escolástica, ao aristotelislllo e ao platonislTIo na teologia, Incluir
posta fracassou como fil ósofo: o movimento aberto da transcen - a filosofia na teologia era para ele o mesmo que destruir a men-
dência é interrompido em favor de uma suposta certeza definiti- sagem da graça, por tanto destruir o próprio núcleo do Evange-
va' . Na verdade deve-se dizer: Se do filosofar faz parte uma ra- lh o. Filosofia é p ara ele a expressão do Home m que nada conhe-
ce da graça, e que te nta por si mesmo construir sua sabedoria e
~i. Com I'crerência aos ~roblemas históricos, cf r. va n Slee nbergh en . Die PhilosoPhie justiça. A oposição entre ajustiça das obras e ajustiça da graça,
111113. jaltr/lltndert. MHrllque!Paderborn, 1977 . • E, Gilson. Le Thomismc, Pari s, 5} 945,
., A. H a~t!Il. ThollUlS von Aquin geslern U'lld heute , Frankfurt, 1953, • Do ponto de vista
8. K. J aspel's e R. Bu ltmann. Die Fmge der Enlm)'l/wlogisienmg. Munique , 1954, ~. 12.
MSI C Ill{UICO, sobre a mesma questão: E. Gilson. Der Geisl derlllillelalterlichen PhilosoPhie.
1950.
ViC IIOI , C f. J. Pie per. Über die Schwierigkeit heule tU glauben - Au fsatze u nd Reden. Mumque,
7, Cf, J Pi eper. Jlerteidigungs1'ede für tiie PhilosoPllie. Muniqu e, 1966, p. l 28 . • W.M. 1974, p. 302. . _ .
9. Cf. J. Ratzi nger. Die Geschichlslheologie eles heiligen BOl/avenlura. Mumque/Zunque,
Nl'idl. ( :hl'islliche Philoxophie - ein e Absurd itat? Salzburg, 198 1.
1959, p. 140-1 6 1.

16 17

Nalllreza e missão da teologia J oseph Rat z in ger

'I "C segun d o Lutero rep resenta a separação entre Cristo e o fil osófico. De fato nem Lutero n e m Ba rth puderam suprimir O
(t Il! icrisLo, é p a ra ele como se fosse o m esmo que a oposição e ntre p e n sam e nto fil osófico e a h eran ça filosófica, e a histó l-ia da teolo-
" fil oso fi a e um p e nsamento baseado na Bíblia . Vista ass im , filo- g ia evan gélica é pelo me nos tão fo rte m e nte d ete rminada p e lo
solia é pura destruição da teologia 10. Em n osso século, com o sa- in tercâmbio com a filosofia quanto a da teologia católica.
bemos, foi Ka rl Barth qu em conferiu caráter mais agudo a este Não obsta nte, é possível se constatar aqui uma difere nça, cuja
p rOLesto contra a filosofia na teologia , com a objeção contra a análise ao mesmo te mpo nos leva ao ce rne do nosso problema. A
analogia entis, n a qual ele viu uma invenção cio anticristo, mas um exame mais acurado, a rejeição que se mantém e m múlLip las
ta mbém a (Inica e inabalável razão para não se tornar católico. variações, de Lutero a Barth, r efere-se não à fil osofia e m si, mas
Mas a analogia entis é ex pressão simplesm ente da opção o ntológica sim à meta física, elTI sua forma estabelecida por Platão e Aris-
da teologIa católIca para a síntese e ntre a idéia do ser na filosofia e tóteles. A atitude an timetafísica de Lutero permanece ainda subs-
a idéia de Deus na Bíblia. Contr a esta continuidade entre a busca ta lKialm ente presa à escolástica da Idade Média ta rdia, que
lilosófica das razões ú ltimas e a apropriação teológica da fé bíblica, era o que ele conhecia. Ela encontra seus li m ites na adesão ao
ele opõe a desconti nuidad e radical: a fé, segundo ele, desmascara dogma da Igreja primitiva. A o rtodoxia protestante, qu e cons-
como de ídolos tod as as image n s de Deus cri a d as pe lo pe n samen- truiu sua própria escolás tica, C0111 a fidelidade às antigas profis-
to. Ele não vive da ligação, mas sim d o paradoxo. Concebe o Deus sões ele fé atenuou mais ainda o que a posição ele Lutero possu ía
inteiramente difere nte, que não deve d esenvolver·se a partir do d e revolucionário, de nlodo que esta só veio a manifestar-se ple-
nosso pensame nto nem ser por ele ameaçado ll . na mente na segunda metade d a Era Moderna. Nela o pró prio
Assim O caminho p a rece estar bloquead o d e ambos os lados: dogma da Igrej a prinlitiva aparece como a quintessência da he-
a filosofi a defe nde -se contra os dados d o pe nsa mento con stituí- lenização e da o ntologização da fé . Efetivamente, tan to con1 a
dos pela fé; na pureza e liberdade d o seu p e n sa mento, e la sente- do utrina do Deus uno e trino q uanto com a profissão de Cristo
se prejudicada por eles. A teologia defende-se COntra os dados como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem o conte údo onto-
do con hecimento filo sófico, vendo neles uma ameaça à pureza e lógico das a firm ações bíblicas passo u a ocupar O centro do p en -
à n ovida d e d a fé. Mas na realidade o j){!thos d essas negações n ão samento e da fé cristã. A acusação d e h e lc ni zação , que d o mina a
consegue ser mantido. Co mo poderia o pensa mento fil osófi co ce na desde o sécu lo 19, vê nisto o d ista nci a m e nto da pura fé
pôr-se a cam in ho sem nenhum dado prévio? Desde Platão a Filo- bíb lica na salvação . O verd adeiro e le m e nto impulsionador é aq ui
so fi a vive u sempre do diálogo crítico com a g rande trad içrlO reli- a rt::je ição básica do pe nsam ento meta físico, ao passo que para as
giosa. Sua dignidade própria se mpre p e rmanece u ligada à di g- idéias hi stórico-fi losóficas a porta permanece amplamente aber-
nidade das tradições, a partir das quais luto u p e la verdade. Q uan- ta. Pode-se certamente dize r que a progr essiva substituição da
do fez com que este diá logo se calasse, logo e la veio ta m bém a metaHsica pela filosofia da história, qu e ocorre u depois de Kant,
sucum bir como fil osofi a. E vice-versa, na reflexão sobre a pala- também é substancialmen te determ inada po r estes processos na
vra revelada, simplesme nte a teologia não pode evitar compor- teologia, e que po r sua vez o desenvolvim ento fil osófico assiIn
Lar-se filosoficame nte. Desde que não se restrinja a recontar, a ocasio nado retroagiu fo rte mente sobre as opções teológicas l2 .
re unir unicam ente fatos h istóricos ma rgin ais, mas tente chegar à Na situação filosófica assi m surgida, pa ra muitos a única coisa
co mpree n são n o sentido próprio, ela ing ressa n o p e nsame nto filosoficame nte razoável parece ser a negação da o ntologia, o u
pelo menos a renúncia filosófica à o ntologia. Mas por o utro lado
I (). Cf: B. Lohse e Manin Luther. Eine Einfiihnmg in sein Leben "Uwl sein Wrrll. Muni-
que, ID8 1, p. 166ss. 12. Cf. agora a este respeito H . Thielicke. C{allhell /Ou/ J)rl/II('/I in rir,. NmZf'il. Tübingen,
I I. Sohre u raciocínio de K. Barth referente à analogia entis, <.:ompal·e-se antes de 1983. Também é instrutivo K. Asendorf. Lulher u.nrl H('~('{ - Un l.ersllchllngen zur
( 1Idl ) 11 . U. von Ba lthasar. Karl Ba"l"th. Einsiedeln, .1 1976. Grundlcgllng cincl" neuen systematischen Th eologie. \Viesbaden, 1982.

18 19
Natureza e missão da teologia Joseph Ratzin gc r

não se pode parar na renúncia à ontologia . Com ela cai ta mbém, e teólogos, foi necessário contrapor que ambas estão indissolu-
a longo prazo, a própria idéia de Deus, e e ntão passa a ser lógi- velme nte ligad as a esta dime nsão d o pensame nto, e indisso-
co, o u mes mo a ser a única coisa possível , construir a fé como luvelme nte inte rligadas entre si.
puro paradoxo, como o fez Barth, ou pelo me nos como O tentou Este diagnóstico, de início inteiramente genérico, precisa ago-
fa zer. Mas co m isto vo lta-se a rej e itar a aceitação inicial da razão. ra de ceru1. forma ser precisado e concretizado. U ma vez ultrapas-
Uma fé que se transforma em paradoxo a rigorjá n ão pode in- sada esta contradição dos opostos, a pergunta precisa agora ser
terp relar nem penetrar o mund o do dia-a-dia. E vice-versa, não formu lada positivamente: Em que sentido a fé necessita da filoso-
se pode viver na pura contradição. A meu ve r, isto mostra sufici- lia? De que maneira a filosofia está aberta para a fé e interiormen-
entemente que a questão da metafisica não pode ser excl uída da te disposta a dialogar com a mensagem da té? Desejo esboçar aqui
questão fi losófica sen do degradada a um resquício helenístico . com a maior brevidade três níveis de uma resposta.
Q uando se deixa de interrogar pela origem e o destino do todo,
a) Um primeiro nível da li gação entre as questões filosóficas
se está deixa~do de lado o que é própri o e característico do ques-
e teológicas nós já podemos e ncontrar quando consideralIlOs as
tlOn amento filo sófico. Apesar de na história, e nos dias de hoj e, a
im agens mais antigas da fé. Tanto a fe qu anto a fi losofi a estão
OPOSIÇão. contra a fil osofia na teologia ser em ampla escala ape-
voltadas para a questão primordial do Homem , a pergunta que
nas opOSIção co ntra a me tafísica. e não contra a fil osofia em si, o
lhe é dirigida pela morte. A questão da mo rte ,é a pe nas a forma
teólogo é o último a consegu ir separar uma coisa da o utra. E vice-
radical da pergunta pelo como do bem viver. E a pergunta pela
versa, o fil ósofo que deseje realnle nte chegar até às raízes não pode
orige m e o destino do Homem : d e onde ele vem e para o nde vai.
se desfazer do aguilhão d a pergunta sobre Deus, da pergunta so-
A morte é a perg unta que em última análise não pode ser repri-
bre a origem e o destino do ser e m si.
mida. e que se faz presente na existência humana COIDO Ul11 agui-
lh ão metafisico. O Hom em não pode deixar de interrogar -se
3. Tentativa de uma nova Te/ação
sobre o significado deste fim. Mas por ou tro lado, para todo aquele
Com as conside rações até aqui apresentadas começam os por que pensa, é claro que em última análise esta pergunta só pode-
esclarecer e m largos traços a dife re nça entre fil osofi a e teologia. ria ser respondida com fundamento por a lgué m que conh ecesse
Ao meSll10 tempo fi cou evidente qu e na hi stória de é:u nbas as o outro lado da morte. Mas a fé, sabendo que é dada a resposta
disciplinas esta disti nção ass umiu cada vez mais a forma de lima a esta pergunta, exige a atenção e renexão provocadas pela pe r-
opos ição. Mas ficou claro também qu e a oposição entre filoso fi a glll1ta. Tal resposta não implica de forma a lg uma no fi·acasso da
e teologia provocou modificações ne las próprias. No âmbito des- pergunta, como pe nsa jaspe rs. Pelo contrário, a pe rgunta fra-
le desenvolvimento, a fil osofia procura se mpre mais desfazer-se cassa quando não existe perspecti va de resposta. A fé o uve a res-
da ontologia, isto é, da qu estão qu e lhe é própria e primordial. A posta porque mantém viva a pe rgunta. Ela só pode r eceber a
leologia, por sua vez. e nvolve-se nesse processo dos fundame n- resposta como resposta quando consegue lev{I-la a uma relação
lOS. que a tornaranl possível e m sua tensão característica e ntre compree nsível com sua perg unta . Q uando a fe fala da ressurrei-
revelação e razão. Em o posição a isso di ssemos que a fil osofia, çflo dos mo rtos, não se trata de Lima afirm ação mais ou menos
como tal, não pode re nunciar à o nto logia, e que a teologia não é obscura sobre um lu gar futuro que não se possa controlar e so-
me nos depende nte dela. Excl uir a ontologia da teologia n ão li - bre um tempo futuro que nos é desconhecido, mas sim d e com-
be rl"a o pensamento filosófico, antes o paralisa. S uprimi r a onto- preender o ser do H omem no conjunto d a realidade. Aqui está
logia da filosofia n ão purifica a teologia, mas antes retira-lhe o em jogo também a questão básica da justiça, que é inseparável da
di"" ele debaixo cios pés. À comum oposiçfto contra a metafisica, questão da esperança; trata-se da relação entre história e ethos, da
'1"l' h~j c parece por vezes ser a verdade ira ligação entre filósofos relação entre o agir do Homem e a imutabilidade do real. Trata-se

20 21
Natureza e missão da teo l ogia
Jo s eph Ratzi n g cr

de perguntas que podem assumir fo rmas diferentes de um p eríodo to rno d os conceitos de logos e aletheia não p ode ser red uzid a a
para o utro, mas que substanciahne nte pennanecem as mesmas, e uma me ra a tribuição d e sentido hebraico, e m q ue logos ("sse
que só podem avançar pelo intercâmbio de pergunta e resposta, de a pe nas "palav ra" no sentido de um discurso histó rico de De us, c
pensamen to filosófico e teológico. Este diálogo do pensamento hu- aletheia apenas a confiabilidad e o u fidelidade. E vice-versa, pda
mano com os d ados da fé terá um determinado aspecto quando for mesma razão não se pode ac usar J oão de torcer o elemen to bíbli-
realizado como um d iálogo rigorosamente filosófico, e outro total- co pa ra o he le nista. Ele está dentro da tradição sapiencial clás-
men te d iferente quando fo r pensado como diálogo pro priamente sica. Justame nte nele se pode estudar o acesso interio r da fé bí-
teológico. Mas en tre un1 e o utro eleve ex istir alguma relação, em blica e m De us e d a cristo logia bíblica ao interrogar filo sófi co,
últim a análise nenh um pod e dispensar o outro inteiramente. ta nto em suas conseq üê ncias qua nto em suas o rigens .
l3

b) Do segu ndo nível d e li gação ta m bémjá se falo u antes: a fé A altern ativa se o mundo deve ser entendid o a partir de um
re presenta uma afi r mação fil osófi ca, quase que ontológica, quan- intelecto criado r o u de uma combinação de probabilidades den -
d o professa a existê ncia d e Deus, e de um Deus que te m pod er tro de algo que em si não possui sentido - também hoj e é esta
sobre a r ealidad e co mo um tod o. Um De us se m poder é e m si alternativa que constitui a pergunta detenninante para nossa com-
uma contrad ição. Se Ele não puder agir, fala r, e se não pude r- preensão d a realid ade, e a ela não se pod e fu gir. Qu e ~ , ao il:vés,
mos d irigir-nos a Ele, podemos considerá-lo como um a hi pótese quiser r edu zir a fé a um par adoxo o u a um mero sJn1bohslno
abstrata; mas isto não te m nad a a ve r com aquele que a fé dos histó rico, deixa de atingir a posição histó rico-re ligiosa da fé, pela
ho mens chama de "De us". Afirmar um Deus criado r e salvador q ual tanto os pr ofetas qua nto os a póstolos co mbate ra m. A uni-
par a O mun do in teiro ultrapassa a com unidade particular de ver salidad e da fé, pressuposta na ta rda m issio nária, só tenl sen-
religião. Ela não q ue r ser um símbolo d o in om inável, que nu- tid o, e só pode ser mo ralm ente j usüfi cada, se nela realtnente for
ma religião apar ece de uma fo rma e em outra d e Uln a fo rma super ado o simbo lismo das religiões e n: v i st~ d e u ma r<;sposta
d ifer en te. mas sin1 uma a firm ação sobre a pró p ria realidad e e m com um, em que t.:1. mbém se faz a pelo a razao comumtana do
si. Este ir rom per do pensamenLO de Deus pa ra Ul11a ex igê ncia H o mem. O nde este asp ecto comunitá rio esti ver excluído,já não
básica à razão hum ana é mu ito clara na crítica à rel igião dos ex iste mais ne nhuma comunicação da huma nidad e que chegue
prote las de Israel e dos livros sapie nciais da Bíblia . Quando ne- até às últimas conseqüências. Por isso, a partir da questão de
les são mor daz111ente ridicula ri zados os de uses a utofabricados, e Deus a fé te m que exp or-se à disputa tilosólica. Se desistir da
qua ndo a estes se opõe o ú nico Deus verdad e iro e rea l, esta mos ex igê ncia de racio nalidad e de sua afirm ação básica, ela não está
d ian te do l11esmo movimento es pi r itu al que pode ser enco ntra- se ret ra indo para uma fé mais pura, mas sim traindo um ele-
do nos pré-socráticos d o a ntigo iluminismo grego. Q ua ndo os me nto básico de si pró pria. E vice-versa, se a filosofia quiser p er-
profetas vêem no Deus de Israel a razão criado ra de tod a reali - manecer fi el à sua causa, te rá que expo r-se à exigência da fé
dade, trata-se clara mente de crítica rel igiosa e m favo r de uma para COln a razão. Ta mbé m neste nível o inte r-relacio n amento
visão correta da realidade. Aq ui a fé de I srael u ltrapassa clara- d e fil osofi a e teologia é in d isp ensável.
mente os limites de um a rel igião do povo; ela re p resenta u ma c) Po r último d esej aria pelo menos com po ucas frases mencio-
ex igência uni versal, o nde a uni versalidade está ligada à racio- nar a luta e m to rn o dessa questão d entro da teologia luedieva1.
nalidade. Sem esta crítica religiosa profética, o u ni versalismo cris- . . ."
Em Boaven tura e u enco ntro duas respostas prlnClpals a pe rgun-
I ~"O Leria per man ecido inin1agináve1. Nela preparo u-se no inte- ta se e po r que é certo tentar compreender a mensagem bíblica
ri o)' cio próprio Israel aq uela síntese elementa r entre o elemento com métodos d o pe nsam ento fil osófi co. A primeira resp osta ba-
g rego e o bíblico, pela qu al luta ra m os Padres d a Igreja. Po r isso
a ('(,' 11 1 ra lização da me nsagelll cristã no Evan gelho de J oão e m 13. Im portantes referên cias a t:Slas qu estões sâo ofer ecidas pOl" I-l , Gese. Ocr
Johannt:sprolog. I n: H . Cese. Z.nr biblischen 11teologie. Mu ni que, 1977 , p. 152-20 I.

22 23
N a tureza e missã o da te o l og i a
] oseph Rat z in ge r

s(;i ,~-se n~ma frase de IPd 3, 13, que na Idade Méd ia constituía o
ender. Q uer conhecer sempre melhor aq uele a quem a ma. "Bus-
t6p ' co c1",~SlCO que fornecia a base p ara a teologia sistemática
ca sua face", como sempre de novo di z Agostinho, baseando-se
c~mo tal: _EstaI se mpre prontos ~~ra vos d efende r contra quem
nos sahnosl6 . Amar é querer conhecer, e assim o buscar compre-
ped :, lazoes d e vossa es pe rança ". Aqui o texto grego é bem
m,IIS e xpressIvo que qualqu er t::adução. A qu em p e rgunta r pelo ende r pod e se r precisamente uma exigência do am or. Dito com
fogos da espel ança ,. d evem os fieIs da r sua apo-Iogia. O Logos pre- o utras palavras : En tre amor e verdad e existe uma ligação qu e é
Cisa ter sIdo tão assImilad o por el es que possa transformar-se e m importa nte para a teologia e a filosofia. A fé cristã pode dizer de
apo~logla ; a palavra passa a ser p elos cri stãos resposta à interro- si mes ma: Ache i o alnor. Mas o al110r a Cristo e ao próximo a
gaç_ao dos h omens. A prim eira vista isto pa rece uma fund amen- partir de Cristo só pode ter consistê ncia quan do for no mais p ro-
t~çao p~ra m ente ap ologética d a teologia e da procura pela ra- fund o d e si a mo r à verdade. O fato r missioná rio ganha aqui um
z~o ~a r-e. Tem-se q~e pode r expli car ao outro p or que se crê. A novo as pecto: O verdadeiro amor ao próximo que r d ar ao pró-
fe nao e pura deClsao, se o fosse ela não a tingiria o o utro. Ela ximo também aquil o que o Homem necessita de mais profun do:
que r e pode ser comp rovada. Q uer tornar-se compreensível pa ra conhecime nto e verdade . Nós havíamos partido mais acima da
o ~ utro . EXIge ser um Log0s.' e por isso sempre de novo poder qu estão da morte como aguilhão fi losófico da fé; descobrim os
~O l nar-se apo-Iog la. N um nJ vellnals profundo, no en tanto esta e ntão a qu estão de De us e sua exigência universal como lugar da
mte~pr~tação a pologética da teologia é missionária, e a conc;pçãO filosofi a na teologia. Agora podemos acrescentar, co mo te rceiro
mlSSlOnan a manlfesta, por sua vez, a natureza interio r da fé: e la só pon to: o am or, com o centro do ser -cri stão, d o qual "depe nde m a
P? de ser nli~si~nária quando reahne nte ultrapassa todas as tradi- Le i e os Pro fetas", é ao mesmo tempo amor à verdade , e só assim
ço~s e cOnStItul um apel? ~ raz~o, um voltar-se para a pró pria se Inantém como ágape a De us e ao Ho me m .
veldade',Tem que ser mlsslonán a ta mbém, u ma vez que o Ho-
mem est~ d ,;stmado a reconhecer a realidade e tem que, na sua
resposta as uJtlmas COIsas, comportar-se não ape nas tradicio nal- Ob servação final: gnose, f ilosofia e teologia
men;e mas ta mbél~ de acordo com a verdade. A fé cristã, com sua Por últim o eu gostari a de voltar mais uma vez ao início, à
e~!genCla ITIISSIOnan a, dIstancIOu-se da história das o utras re li- idé ia dos prime iros j)adres, de que o cristianismo é a verdadeira
glO:s; esta sua exigê ncia provém de sua cr ítica filosófica das re- filosofi a. O tto Mich el lembrou que a palavr a filosofia era evitad a
IiglOes, e só a part~r d aí pode ser fundamentada. O fato de hoj e o pelos gnósticos. A palavr a gnose representava para eles uma exi-
ele~,ento mlSSlonan o estar ameaçado de debilitar -se está associa- gência mais alta. A fil osofi a que se mpre perma nece inte rroga-
do li pe rda de filosofia que caracteriza a atual situação teológica. ção, esperand o uma resposta que sozinha ela não pode dar, n ão
Mas em Boaven tura amda pod e ser encontrad a uma outra sig nificava mui ta coisa para el es. Queriam te r um conhecime nto
~ ndamentação da teologia, que primeiro interpre ta numa dire- claro - conheci me nto que é pod er, com o qua l pode ser domina-
çao ~n te l ramente dife re nte, mas que mesmo assim confirma a do o mundo de um e ou tr o lado da morte". A gnose passa a ser
p artIr de dentro o qu e j á foi dito antes. O santo sabe que o in tro- a n egação da filosofi a, ao passo qu e a fé d efe nde a um só tempo
d uZll' a filosofia, na teologia nao é incontestado. Ele admite que o que a filosofia possui de gra nde e d e humilde. Não é algo mui-
eX,lste um ~ vlolenCla da razão, que não se pode harmo nizar co m to semelh ante a isto o que existe hoj e? Da ftlosofia pro priamen te
a fé .. Mas dIZ que também existe uma in terrogação por um outro dita, com sua ince rteza última, nós estamos fartos. Não quere-
motivo: Pode ser qu e a fé d eseje compreende r por amo r àquele mos fil osofia mas sim g nose, isto é, um conhecime nto exato, que
li que m e la de u seu consentimento . O amor procura compre-
l5
possa ser compr ovad o. A filosofia, e m larga escala, está cansada
14 . Hoa VC ll llll·a, Sento PJ"OQe1lL. qu 2 sed Con tra I
Ir" Ihid. , qu 2 ad G. 16. CC p. ex. En in ps 104 ,3 Chr XL, p. 1537 .
17 . CC sobre iSlO O . Michel. qHÀoooep(ct. l n: ThWNT I X 185, nO!..:"1 136.

24
25
N :1t u r e z a e m i sco;o
~.. d a t e o 1og ia

d e si p ró pria . Ela ta mbé m , afinal de conta · ' .


o utras disciplinas acadêmicas, ter o mesmo ~~ I~uel sei, COffiQO as
la nlbé m ser "exata" Mas. .d - r qu e e as. ue r
. a exatl ao será adqui ··d d
sua gTa nde z a ' . _ .: 11 a ao cu sto e
. , pOIS com IStO ela nao pod ' . I
ve rdad eiras questões En tã t .: b ~ _ e ra m a is evanta r suas
sim d o indi vidual M · H o am el~ nao trata rá m ais d o tod o, e N ATU REZA E LIB ERDADE DO SI STEMA ACAD ÊMI CO
.1 . as o ornem nao d e ve com eça ' fi d
SI ê ncio sobre aquiJo d e qu e n ão se po d e f.a l p . fil l~a n o e m
,'I '" . . b ar. 0 15 lcan a mos e m
~ ~dn cld o s~ l~e o qu e con.stitui verdadeirame n te o nosso se r l8 O adje ti vo "acad ê mico" provoca h oj e reações confli tantes.
Le mbra, e m pritneiro lugar, coisas velhas e e mpoeirad as. unla
( ueI e esta
n- ' J.o rm .:a a .e xatIdão e' erguI'd a a um va lo r tão a bsoluto.
I ao se pod e m aIS perguntar para alé m da " " teoria que se in stalo u e m seu próprio mundo privad o passando
Ho me m pe rde-se a si )ró rio ' ,~ g nose. exata, o ao largo d as exigências da realidad e. T alvez nos le mbre ta mbém
t - Ih _ . I P , pOIS enLao suas ve rdad eiras ques-
oes c sao re Uradas. J osef Pie per dis s e · . - que o fund ad o r da acade mia fo i Platão; m as o pla to nismo é visto
quase a pocalíptica ' " Pod ' . ' um a vez numa vlsao
d a história a rai z d.
e rIa pel feItame n te aco n tece r qu e n o fim
po r mui tos com o a fu ga para um mundo irreal d as idéias puras,
com o a essê ncia d e uma supe rada o rien tação do espírito , a pesar
tência _ e isto ~ t~~as as c01~as e a extrema ameaça d a ex is-
.. . que l lzer: o objeto específi co d a fil osofia - s' d e to d as as reabilitações de Platão que se pod e m obser va r, po r
l
pudesse se r vista por aqueles que crêem " 19 C .. I _o exemplo , na ciê n cia na tural ou na política , Foi a pe nas e m Uln
pre te ndia d escre ve r a situação resen te ' . o m .ISto e e n~o único te rre no que o brilho da palavra "acad ê mico" continuo u o
certame nte nao se a plica M. p . _ , a qu al esLa afirmaçao m esmo, ch egando até mesmo a cr escer : é qua ndo se rala d a " li-
I .d . as, na vlsao d e um fULuro possív I
e e conSI e ra um aspecto do tod I .. e, be rd ad e acad ê mica". Que deva existir um espaço Ji vr e p a ra o
d a IgreJ·a. a f ' ~ o que l OJe nos hga aos Padres
. • .' . e nao a m eaça a filo sofia, mas d efend · _. . .. espíri Lo, obed ecendo a pe nas às suas pró prias reg ras, se m esta r
eX lgen clas totalitá rias da g nose A fé d f d . e a con tl a as subo rdinad o a ne nhuma n o rma exte rna , passo u a ser importa n-
te m n ecessidade d ela. Precisa d eI. e e n e a fil osofi a, porque te numa socied ad e que de m od o geral se caracte ri za pe lo a pelo à
H o m em qu e· t .. a pOI que te m necesSidad e d o
111 e ll oga e procura' o I libe r dad e , m as que e m toda parte é d eLe rmin ad a ta mbém por
obstáculo não é . . "" : que para e a constitui um
. o lJl tell ogar lnas sim o fechar-se - d . víncul os que dificilme nte pode ríalTIos imaginar e m um mundo
ma is faze r l)ercrUnt'lS e q _ .I ' qu e nao aJeseJa pré-técnico. A palavra "liberdad e acad ê mica" preLe nde levantar
ti ( ue nao conSI( era '1 ve rdad
~1:,:~~~1 f~;~~~!v?L A fé lnão destrói a filos~fia, e la : ~I~~~dec~: um diqu e contra o omniabrangen te pod e r d a burocr acia , bem
com o co ntra a pressão provenie nte d a ditadura d as necessida-
, e que e a permanece fi e l a si própria.
d es. A lu La que se trava aqui conhece Illuitas mo d alidades . TraLa-
-:-::-:::--
I C .
-
. .
~
: om ISto estou aludll1do il frase fina l d ) T " . se, po r um lad o, da d e fe sa das disciplinas " inúte is" - as assinl
WII lgt!l1ste in. Lond res/No v'll o rqu 196 1 [ j ( _ r~clal/l,s loglco-phdo.wIJJuCl/s de L.
·. I r. • t!, a t!lllao-lnglêsJ ' "So b -. ·1 I ch a madas ciê ncias d o espírito - contra a pre potê n cia do útil. Mas
Se PO( t: laia 1-. sobre isto tem -se q' r· . I I " . le .lql.ll o (e q ue não
I" le Ical ca a( o Sem d ú 'd I as ciê ncias naturais lutam também pela liberdad e ele elas pró prias
· mge nslt!i n co rrespo nd e ao ino . á 1(6 ' VI a a g u ma a a lusão d e
' < 111m. ve 522) da me lho l d · · j·1
" glca, como ta m bé m m ístiC"} o\,r 'r
ló .. ' r I'a Iça0 I osófica e leo- d e te rmin a re m se u objeto, d e não ser e m obri gadas a receber or-
• . " . I genstem se coloca da 11 f
11I1SIIGI q Uilnd o rde l"c-se às leses d 1-' fi l esm a o r ma n a l l-acl iç.lo da
. I a 1 0 SO la como a escad ' > d . d e ns das exigências do m e rcado. E ex iste, p o r fim , O cla m o r pa r-
(CI P OI S ( e se haver "s ub'd o _ ' I, • • 1 q ue se e ve Joga l' lo ra
· . , • I rOl e .IS - pa ra a lé m d elas" (6 54) ' I· .. ticula r d os teólogos por sua libe rdad e acadê mica fre nte à insti-
10 111 ISIO Já li ca rc flll ada la m b é ' ' . ;- d . . . , I V as pI·eCl.sa me nle
'. .. ' . ll1 a 1eJelç.lo a me tafislca e s . I .. '
( 1.\ p.1 1 a O 1110 Illl ná ve l como ele " . .
r1. 1 St: l"1õ1' na vCl'da de 'nad a dize .p<l, I'l ece deXIgi r e m 6 .53· "O é d
ua co m p e la LI a nsfe re n- tuição d a I grej a, seu desejo de pod e re m d e te rminar suas pró-
, m lO o corre lO da fil oso- pri as questões e resultados, com o o faze m , po r exemplo, os filó-
(i C' IWi . 1 da ll;l!ll l'eza [ J" O '' · 1.. <1 em o que se pode dize l', po rlanto as leses d a
W. . .. . . sella na verd ade " pe rmi le perccb .
lI! g( ' II ~ ! elt1 CS l e não é O métod ' .. . Cl que mes mo para
I ~ I . II" . . , ,. . . . ~coll eto, J. O : J. Monod . Zufall und Notwendigkeil - Phil osoph ische Fragcn d e r modernen
•. lce P<; I . Ublllbr Sr.hwum!rkeltheUlezugla"
b
b 'I · 9
. m, I V lIJlIqu t', 1, 74 , p , 303.
Hio logie, Mu nique, 51973 (Pa ris , 1970), Cf. sobretud o p. 127 ss e 186 .

26
Nllturcza e m i ssã o da teologia
Joscph Ratzinger

s() f ()~. Dessa fo rma convém q


... . . '.. . ue se te nte uma refl exão básica so- um p oder -ser, e m q ue a pessoa é exigida como u m todo. O uvir
b , <.: d nat. ureza pnmItIva d o acadêmico .
sig nifica conhecer e reconhecer o OUlfO, deixá-lo pe netra r n o
Co mo deverá ser enfrentad a esta questão? Não seria m a d '
espaço d o p róprio e u, estar disposto a assimilar sua palav ra na-
ve rsas n~odalJdades d o acadêlnico por d ema is difere n tes' sa/-
q uilo que me é pró prio, e com ela o se u ser, deixando- me p or
que aq uI p ossa ser dad o algo pa recid o co m uma fundament~ ã~
minha vez assiln ilar po r ele. Após o alo de o uvir eu sou o utro,
c~nlL~m, Com .resp.ostas COlllll.ns.? É inegável a g rande variecf; de me u pró p r io ser foi e nriquecido e ap rofundad o, po r se haver
ddq utl o q ue se pl etende hOJe mel uir na liberdade acad ' .
Mas te n h I enuca. fu ndido com o ser do o utro, e no outro com o ser d o mu n do .
1 q ue aver a go assim co mo uma base COlnum se é
a palavra ". cf" . " , qu e Pa ra isto se pressupõe q ue a palavra d o ou tro no d iálogo
aca . e~l ~o te m realmente um sentjdo capaz de fun - refere-se não a pe nas a alguma coisa do que pod e se r conhecido,
dua menta r a eXlgenCla de uma d etermin ada forma d e liberdad
ma vez quea '.' I' _ e. o u das habilid ades, algu ma coisa d o pod er exterior. Q uan do fa-
cf , . s Valias rea lZaçoes co ncretas di verge m , tudo d e- la mos de d iálogo em sentido próp rio, n ós esta mos nos refe rindo
p~n e~m ultIma análise daquela exigência do espíri to feita a a uma palav ra e m que se manifest.:'l algo do pró p rio ser, e m que
SUaS} HO pnaS JIlterrogações e ao seu próprio caminh o, u e e-
la pl Jlnelra vez to mo u fonna e m Platão C . " . q p se manifesta a própria pessoa, de modo q ue a ume nta não a pe-
imedia . ' . ostalla, pOIS, se m de nas a q ua ntidade d o que se sabe e do q ue se p ode, mas o pró prio
. lo es ta I preocupad o e m da r respostas prá ticas, d e d escre-
ser-H o mem é tocado, e o poder -ser do H o mem se pu rifica e se
~el aquI algum~lS ~ropn ed ades esse nciais d aquilo que e m todas a profunda.
aS,vda~ le~a~es hlstoncas pode ma nifestar-se como a nat ureza d o Mas d esta forma se abre uma nova dimensão d o diá logo, do
acc:l e mlco-. ~
se u o uvir e do seu falar, à qual o Agostin ho dos p rim e iros tem -
pos atribuía um valor especial, ele cuja histó ri a de con versão está
1. O diálogo documen tad a de fo rma pa lpável e concreta nos diálogos com os
Comecemos a pa rtir d e fo ra o que na' o e' o amigos, q ua ndo a peque na academia d e Cassicíaco, como que às
' mesmo que se
cOI~eçal~ pe~a pura exte~i oridade. A academia, como pen sada apalpad elas, encaminhava-se pa ra aquele mo mento em que por
1'0 1 Platao, e em pnmem ssuna linha o lugar do d " 1 M fim p od eria ca ir em seu lneio uma p alavra n ova, desconhecida
que é m esmo o "di ál ", D '" Ia ogo. as o el e Platão, que pod eria se tran sformar em um a mudança d e vida.
c d . ,ogo . lalogo nao acontece simplesm ente
pe Io ,ato e se Ia la r. O mer f: I ' fi ,. An ali sand o re trosp ecti vam ente essas conversas, Agostinho che-
Diál O" '" '" ' o a a r e o IJTI e a ausenCJa d o di{tIogo.
o,?~ So se da quando ?cor re não ape nas o falar mas também ga ao resultado de q ue a co m unidade de amigos podia se o uvir e
~ O U ~ll , e qua nd o no OUv Ir reali za-se o encon tro, no encontro o se co mpreend er mutua mente po rque todos eles escu tava m o
~ e1acIOna mento, e no relacionamen to a compreen são com o apro nlestre interior, que é a verdade 3 . As pessoas pode m en tende r-se
l
IUll camentoe tr f - - d , - u mas às o utras po rque não são meras ilh as d o ser, mas estão e1TI
'. a ns O I maçao o se r. Tente mos compreender e m
' le u SIgnIficad o os dife rentes eleme ntos d o processo mencio n co muni caçáo na mesma verd ade . Enco ntr am-se tanto mais umas
c Os aqUI. a- com as o utras qu anto ma is e ntr am em co nta to com aquilo q ue
. , Tel~os aqui, e m primeiro lu ga r; o o uvilc É um processo de realmente as une, com a verdade . Sem este escu ta r in terio r da
dbc l ~.U I d, .de abnr-se para o difer ente, para os o utros. Procllre- base co mUIll , o diálogo permaneceria uma conve rsa d e surdos.
1Il 0~ 1,Il.l ~~I.na r a a r te que é alg uém saber escutar. Não se tra ta de Depara mo-nos aqui com uma situação q ue é de extrem a im -
lllll d lct Il!d ad e, como O ma nuseio d e uma máquina, mas sim de portância para o debate dos d ias atuais, e que mostra claramente
:l o A~ co nsid erações (Iue se seguenl d . .
. eVCnl-se no essencial li r I .
o I ~ I ~n 10 ( e J. Ple p c L
I ' "
11'1/\ h/'/\\I alwdl'll/isclt? Munique 2I 964 Cf . b _ 3. Sobre a ill osofi a da primeira fase de Agostinho, cf., por exe mplo , E. Kõ nig .
(: t·dil 11kvtl l. lll·jildisc hc n Frage. 'Mll ni q~t:=, i ~~~~ em R. Cuard llll. VemntworlulIg _ Augl/slil/us pltilosophus - Christlicher Gla ube u nd p hilosoph isch cs Den ken in de n
Frühschrinen Auguslins. ,M un ique, 1970.

28
29
Joseph Ratzinger
Natu r eza c m issão da te o log i:1

os pCl'lgos a que o diálogo está suje ito: as pessoas podem chegar em si mesma, quando deixa de ser merecedora de cmpe nho c
atenção, o conh ecime nto só poderá ser avaliado atra vés da utili-
a ~J 111 consenso porque existe a verdade comum ; mas o consenso
dade. Nesse caso ele já não se justifica por si mesmo, mas ape nas
lI ao pode ocupar o lugar da verdade. Nesse ponto que "
levo t' '. d _. ' Ja nos pelos obj etivos a cujo serviço se encontra. Passa, e ntão, a f~l zc r
. ~I a ~ ~ centl o a questao, façamos uma interrupção, para
pa rte dos objetivos e me ios, e isto sig nifica que de alguma rorma
conslde l atInas uma segunda caracte rística do acad êmico.
ele eSlá subordinado a alguma forma d e poder o u de co nquista
d o poder. Expressan do isto com o utras palavras: se o Homem
2. A libeTdade não pudesse de alguma forma reconhecer ele próprio a verda-
. Da essência do acadêmico, e do seu esforço por co mpreen - de, mas unicamente a utilidad e das coisas para isto ou para aqui-
dei, tem feito parte d esde sempre a liberdade , Liberdade , agui, lo, e ntão a norma d e todo agir e de todo pensar passaria a ser o
slgl1lfica essenCIalm ente duas coisas. Em prim el'l'o lug ' . uso e o consumo; então o Inundo se translormaria unicalnente
'b Td d " . areapos- em "matéria para a prática". Torna-se clara aq ui a inexorável e
SI I I a e de tudo pergun ta r, de di zer tudo qu anto na lu ta pe la
vel dade IJarecer mereced 01. d e ser d'Ito, d e ser perguntado e inevitável decisão que sempre mais profunda mente passou a ser
pens~do" . Até (~q~i nós nos e ncontramos claramente no âmbito o dilema da Era Moderna, e que hoj e é apresentada como seu
destino: será que a verdade é realmente acessível ao H o meln ?
d~;U1lo que h~Je e pelo menos teoricamente aceito e d efendido
Adianta procurá-Ia ? Será que a única salvação consistiria, talvez,
fip todos.. Mesmo assim preCIsamos perg un t'll" ' . Q ue é que JUSll-
'.
e m buscar a verdade, reconhecê-Ia como a ve rdad eira senhora
1C3 esta "be rdade, que e m ce r~as circunstâ ncias é lão p e ri gosa?
d os ho me ns, como a única coisa que salva? O u consistiria a ver-
~ua~ o.s~u .fundamen~o? E~t~ n~sco é assumido e m favor d e qu ê? dadeira libe rtação do Homem em abandonar a queslão da ver-
~ un l c~ I esposta sausfatona. e a seguinte: A próp ria ve rdade, dade, como fica claro na nova lógica d e Francis Bacon , qua ndo
pOI causa dela mesma, pOSSUI táo g rande valor gue justifica o ele desperta do sonho especulativo e fin alme nte ass ume em suas
~sco, ne~lhuma outra cOIsa o u pessoa seria capaz de justificá-lo. mãos o domínio das coisas para tornar-se o " mestre e senhor da
as aq Ui logo nos vemos envolvid os em um dramático con fli to nalureza"?' Seria válida a defmição d e Giambattista Vico, de que
com, t~das as estr~tégia s de mudança, ao mesmo tempo que nos verdad e é unicamente aquilo que é feito (e portanlo aquilo que
d e ~a, a mos tambem com a questão dos funda me ntos da nossa pode ser feilo), ou será válida a afirmação cristã de que a verda-
s?cledade. Tentemos, por isso, descrever com toda exatidão pos- d e anteced e o lazer?8 A liberdade que resulta do novo pe nsa-
slve l este ponto, que Josef Pieper de fin e como segue: "O mento de Bacon é a liberdade para fazer tudo e para reconhecer
d~stll1gue (o acadêm ico) é antes de tudo este estar livre de I:l~~ o sabe r e o poder co mo a única lei do Homem - uma libe rdade,
çao a ,qmllsquer
. eventuais
. , . fin alid ades de uso- um estai'
.: -I'Ivre que
g no enta nto, que a ntes não estivera em vigor, e que pôde ser apre-
co nsUtlu ~ verdad eira lI berdade acadêmica', e que. porta nto se ntad a como a verdadeira libe rtação na conduta do filho mais
por defin . ição se exting ue Iogo que as C1enClas
'. . passam a se r me-' novo, que toma posse da he rança e com ela parte para o d esco-
:;os objetos d e qua lquer g l:UpO, seja qual for sua o rganização"'. nhecido. Mas a liberdade para fa zer tudo, a libe rdade que não
Pode-se q.lI ~l e r tomar a hl o~ofi~ a seu serviço; mas o que é to-
mado a se i ViÇO de alguma coISa Já náo é fil osofia" 6. 7. No seu Nov/lm Orgmwm F. Bacon tentou d ar uma nova defin içflo d a essência da
A perg unla pela liberdade está inseparavelmente ligada à per- filoso lia. Ela já não pel'gun ta sim plesmente pela verdade mas sim pelo podei' e sa-
ber, pelo poder do H om e m sobre o mu ndo. Seu objetivo é co nqu islar o domínio
gunta pela verd ade . Q uando a verdade deixa de ser um valor sobre a nalu reza. Cf. J. Pieper, l.e.. nota 2, p. 20. A importflllcia de F. Bacon na
origem da Era Moderna é en faticamente d emonstrad a por M. Kriele. Befreiung und
4. ~~bre est~ Seçã? cf. J. Ratzinger. Freih eit und Bi ndu ng in der Kin:he
RatzlI1g<::l". Kt)"che-O!wmene-Poiiiik. Einsiedeln 1987 16r, 182 r:: [ • In : J.
f;olilische Aufkla.ru.ng. Freiburg, 1980, p. 78-82. Cf. ainda R. Spaeman n e R. Lõw.Die
5. L. c., p. 28. ' ,p.:.l- ..l, .•. c., p. 28. Frage Wo z'U~ Munique/Zurique, 198 1, p. I aos.
6. Ibk\., p. 29, 8. Cf. .I. Ratzinger. Einfü.Jmmg in das ChristenlU1It. Munique, 1968, p. 33-43 .

31
30
Na t ure z a e missão da t e ol o gia J o seph Rarzing e r

rcco nh ece mais nenhum comprolnisso com a verdade - com o com a clareza e severidade que lhe são próprias. Não foi por
pai - , vive sob a cotnpulsão de que o que agora d e termina o acaso que isto acontece u, pois aqui, nos dias de terror do Tercei-
Il o me m é unica mente o usar e o ser -usado. sendo por isso em ro Reich, o aspecto destrutivo da aliança entre razão, máquina e
ú ltima a nálise uma liberdade de escravo - mesmo que isto só política já se havia manifestado com absolu ta clareza. Aqui se
chegue a evide nciar-se mais tarde, e mesmo que dure até esgo- havia tornado manifesto o que é a razão quando os fins e a eficá-
lar-se, a ponto de chegar às bolotas dos porcos e de invejar os cia são erguidos à condição de único Deus, e com isto pôde-se
porcos por não estarem suj eitos à maldi ção da liberdade . Che- ver que unicamente o valor da verdade, seu caráter intocável, é
gou-se a esse pOl1to nos postos mai s avançados do dese nvolvi - capaz de salvar. O que Guardini disse então sobre a universidade
mento mod e rno, mas o c1aulor ecológico, contra o Homem mostra bem a essência do ve rdadeiramente acadêmico: "Se a
como destruidor do ser, não traz sa lvação enquanto a pergunta universidade possui um sentido espiritu al, é o de ser o lugar
pela verdade não for novamente co locada. "A verdade vos li- onde se pergunta pela verdade , pela pura verdade - não por
bertará" ao
8,32) - esta palavra do Senhor pode se r co mpre- causa de algum objetivo, mas por causa dela mesma: pelo fato de
endida hoj e de uma forma inteiramente nova na profund ida- ser verdade"lo. No contexto de nossas preocupações atuais, a
de e grandeza d e sua exigência. A verdade ira a lternaüva do mesma idéia foi formulada pelo bispo Hermann Dietzfelbinger,
nosso tempo passo u a ser e nlre a liberdade do fazer e a liber - ao recebe r o prêmio Romano Guardini. Nessa ocasião ele mos-
dade da verdade . Mas a libe rd ade do fazer que não se deixa trou como a questão da verdade estava sendo desviada para a do
tolher pe la verdade é a ditadura dos /ins, e m um mundo de valor, le lnbrando que de início as idéias das origens do nacional-
onde a verdade já se encontra a usente, e com isto a escravi zação socialismo foram vistas como "valores" sensatos e libertadores,
do H o me m sob a aparência de libertação. Só quando a verda- sendo desta forma legitimados. A frase de Carl Friedrich von
de ti ver valor e m si mesma, e quando ver a verdade for mais Weizsacker, ciú'lda então, merece ser repetida aqu i: "Afirmo que
importante d o qu e todos os êxitos e sucessos, só e ntão é que a longo prazo só pode prosperar uma sociedade orientada para
seremos livres. E por isso a li berdade verdadeira é apenas a a verdade, não para a felicidade" 11 .
liberdade da verdade. Mas isto , p recisamente no momento em que recordamos o
contexto da palavra de Guardini mencionada acima, significa o
3. O ceniTo: a verdade corno fundamento e medida da seguinte: A maior e a melhor defesa do Homem , e a melhor
liberdade defesa e purificação do mundo, ocorre quando se resiste ao do-
mínio do dogma da transformação, ou rnelhOl~ do dogma da
Com isto nós chega mos ao verdadeiro núcleo de nossas con- Eactibilidade, e se adere ao d ireito da verdade por causa dela
siderações: liberdade "acadê mica" é a liberdade para a verdade, e mesma. Pois q uando o Hom em torna-se verdadeiro, isto é, ao
o que a justilica é estar aí para a verdade, sem ter qu e preocu- mesmo tempo um pouco o mundo tornando-se verdadeiro, e
par-se com os fin s a alca nçar. A mulhe r d e Ló, que olha para quando o Home m se tor na verdadeiro ele se torna bom, e lá
trás, é transformada numa estátua d e sal; e o Odeu , depois de onde esse Homem se encontra o l1ltllldo se torna bOln. Tomás de
subir na luz, pe rde tudo quando procura garantir o êxit09 • Aqui no, como se sabe, definiu a verdade como O adequar-se do
TenLemos agora apreender com a máxima precisão possível espírito à realidade . A falha desta definição foi mostrada com
esLa idéia, para que possamos ver com clareza suas ex igências e muita clareza sobretudo na fil osofia personalista do período en-
implicações. Parece-me significativo o fato de Romano Gua rdini
ha vê-Ia fo rmulado uma vez enl conexão com a qu estão judaica, 10. R. Guardini, I.c., nota 2, p . 10.
11 . I-I. Dietzfe[binger. Dimensionen der Wahrheit. In: K<1th. Akadt!mie in B(l)'ern.
!I. J':s la illl<lg'Cll1 em Pi e per, p. 69, lemb rando K. Weiss. C h ronik 19~0/1981, p . 148- 156; citaçào 150.

32 33

N a ture za e mi ss ão da teolog i a Joseph Rat zinge r

Irc as guerras e no após-guerra 12 . Esta fórmula, ce rtamente, não nidade d a verdade, d e que por sua vez dependem a dignidad e
diz tudo , mas ela mostra alguns ele me ntos de decisiva importâ n- do Home m e do mundo, se não se ap re nde a ver nisto O ser e a
cia: perceber a ve rdad e é um processo que aj usta o Home m ao d ignidade do Deus vivo. Por isso em última análise o resp eito à
,
ser. E o ajuste entre o e u e o mundo. é a harmo nia, o ganh a r verdade é inseparável daquela atitude respeitosa que nós cha-
presentes, o ser purificado. Na medida em que os H o me ns se ma mos d e adoração. Verdade e culto estâo en tre si numa r elação
deixam conduzir e purificar pela ve rdade, eles e nco ntra m o ca- inseparável - um não pode realmen te prosperar sem o outro,
minh o não apenas para o seu verdad eiro eu, mas ta mbém para o co mo efetivamen Le tantas vezes chegaran1 a sepa rar-se no de-
tu. Pois na verdade eles se tocam, e é a in verdade, o u a ausência curso da história.
de ve rdad e, que faz com qu e se fechem um para o o utro . Cami-
nha r pa ra a verdade, de acordo com isso, signifi ca discip lina ; 4. O culto
quando a verdade purifica d o egoísmo , da co mpul são para a Com isto, em nossa p esquisa do acadêmico e da teo ria do
au t.o-s uficiê ncia, quando ela torna o H omem obed iente e confe- acadêm ico, chegamos j á a um último ponto de vista. Q ue a p ala-
re-lhe a coragem da hum ildade, isto sign ifi ca ta mbém que ela vra "Academia" te nha sido de início o nome de um templo pré-
ensina a perceber a paródia da liberdade presente na factib ilidade, urba no, antes qu e Platão criasse ali sua escola, p ode de in ício
e a paródia do di{llogo presente no palavreado supera a confu- não parecer muito significativo para a histór ia da nova institui-
são entre a usência de compromisso e li berdade, tornando-se as- ção. Mas considerando com mais atenção podere mos perceber
sim fecunda precisamente por ser amada sem ou tras intenções. aqui uma ligação mais profunda, que cer ta me nte não deixo u d e
Depois destas co nside rações. estamos preparados para dar ser importante para O fundador. Pois do ponto d e vistaj u rídico
um último passo. Precisamos ainda colocar a pergunta de Pilatos: a academia de Platão era uma associação d e culto. Dessa fo rma,
O que é a verdade? - se bem que de uma forma diferente do qu e a veneração das musas era uma componen te im portante da vida ;
fez Pila tos. Hermann Dietzfelbinger lembrou que o que a pe r- existia expressamente o cargo do p repar ado r dos sacriflci os " .
gunta de Pila tos possui de opressivo é que na realidade ela não é Isto é be m mais do qu e uma simples coincidência externa, p ossi-
uma pergunta, 111as siIn Ullla resposta. Ao qu e se apresenta com velmente uma concessão às estruturas sociológicas de e ntão. Em
a pretensào da verdade ele diz: Deixe de conversa - o que é a últim a análise, a liberdade para a verdade, e a liberdade d a ver-
verdade? Q ue remos antes ocupar- n os com o concreto. - É nesta dade, não pode existir sem que o d ivino seja reconhecido e ve-
forma que quase sempre a pergunta de Pilatos é fe ita hoje. Mas nerado. O estar li vre da obrigação de se r útil só pode se r funda-
ago ra ela tem que ser acolhida com toda ser iedad e: Como sabe- mentado , e só pode permanece r, se realm ente existir o que foi
mos que to r nar-se verdadeiro significa tornar-se bom, que exis- reti rado da propriedade e do proveito do Homem, se existir o
te a bond ad e e m si? Como sabemos que ela vale por si mesma, direito ma is elevado d e propriedad e cio di vino, a intocável exi-
sem que precise co mprovar-se pelos fi ns? T udo isto só ocorre gência da divindad e. "A liberdade da Theol'ia, diz Pieper, re por-
quando a verdade possui e m si mesma sua própria d ignidade, tando-se a Platão, "está indefesa e d esprotegida - a não ser que
qua ndo e la subsiste e m si mesma e possui ma is se r do que tudo o esteja especialmente incluída na proteção dos de uses"14. O ser
mais; quando ela pró pria é o chão que me suste nta. Q uando livr e da uti lidade, o estar livre dos objetivos do poder, só e ncon-
refletimos sobre a essência da verdad e, nós chegamos ao concei- tra sua garantia mais profunda na reserva do que não está su-
to de Deus. Não se pode por mui to tempo segurar o ser e a dig-

12. Cf. L. B. Puntel. Wa hrheit. In: 1-1 . Krings, H.1\'1. Baulll gé1rlner e Chr. Wi ld . 13. Picper, 1.c., p. 37s. Cf. H. Meinhard t.. Akademie. In : J. Rittcl- (cd.). HistOl1sches
IIrwdlJ/lrh j)hilosoj)hischer Grundbegriffe /11. Mu nique, 1974, p. I 649- J 668. Worterbuch der Philosophie J. Basiléia/St llugart, 197 1, p. 121 - 124.
14. lbid. , p. 36.

34 35
Natureza e mis s ão da t eo logia

IJord inado a nenhum poder humano: na Liberdade que Deus


I C I Il c d~1 em relação ao Inundo. Não é mera casualidade que a

li berdade da verdade se e ncontre em Platão, que por primeiro a


lormulou filosoficamente, mas também que se encontre substan-
cialmente no contexto da veneração, do cul to . Onde este não II
ex iste, aquela deixa de existir. Deixa tam bém de existir, evide n-
Lemente , onde as fo rm as de cu lto, apesar de mantidas, são
NATUREZA E FORMA DA TEOLOGIA
reinterpretadas dentro de um agir simbólico meramente social.
Mas tudo isso sign ifica que a pseudoliberdade anárq uica sempre
está em ação quando se negam as bases da ad oração, quando
deixa de ser aceita a li gação com a verdade, a ex igê ncia da ver-
dade. Hoje estas falsas liberdades são superpode rosas, e consti-
tuem a verdadeira a meaça à verdadeira liberdade. Quando nos
ocupamos com a salvação do Home m e do Inundo, esclarecer o
conceito de li berdade é uma das tarelás mais importantes.

36

Você também pode gostar