Minha Culpa - Mercedes Ron
Minha Culpa - Mercedes Ron
Minha Culpa - Mercedes Ron
Culpa
MERCEDES RON
Culpa mía
Copyright © 2017 by Mercedes Ron
Copyright © by 2017 by Penguin Random House Editorial, S. A. U.
© 2024 by Universo dos Livros
Tradução Diagramação
Wallacy Silva Nadine Christine
Ron, Mercedes
Minha culpa / Mercedes Ron ; tradução de
Wallacy Silva. –– São Paulo : Universo dos Livros,
2024.
400 p. (Série Culpados ; vol 1)
e-ISBN 978-65-5609-677-3
Título original: Culpa mía
NOAH
NICK
NOAH
Enquanto minha mãe saía, entrei no closet. Com raiva de tudo e todos,
comecei a procurar uma roupa que me agradasse e que parecesse
confortável. Também queria demonstrar o quanto eu podia ser adulta. Ainda
estava com o semblante de incredulidade e galhofa de Nicholas gravado na
minha mente, o momento em que me mediu inteira com aqueles olhos
claros e arrogantes. Ele olhou para mim como se eu fosse uma criança
pronta para ser assustada, e ele pareceu se divertir quando me ameaçou com
aquele maldito cachorro.
Minha mala estava aberta no chão do closet. Ajoelhei-me na frente dela e
comecei a fuçar as minhas roupas. Minha mãe certamente esperava que eu
descesse com alguma das roupas que ela havia comprado, mas isso nem
passava pela minha cabeça. Se eu cedesse em relação a isso, abriria um
precedente. Aceitar as roupas seria o equivalente a aceitar essa nova vida,
seria como perder a minha dignidade.
Com a cabeça explodindo de raiva, escolhi meu vestido preto dos
Ramones. Quem poderia dizer que ele não era elegante? Olhei ao redor em
busca de algo para calçar. Não era muito fã de sapatos de salto, porém, se
eu descesse usando meus tênis All Star, minha mãe com certeza perderia a
paciência e me obrigaria a trocar. No fim, escolhi umas sandálias que
tinham um saltinho pequeno, algo que eu poderia aceitar.
Aproximei-me do espelho gigante que havia em uma das paredes e me
observei com calma. Minha amiga Beth com certeza aprovaria, e, se não me
engano, Dan sempre tinha achado esse vestido muito sexy…
Sem pensar mais, soltei os cabelos e os penteei. Também apliquei um
pouco de manteiga de cacau nos lábios. Satisfeita com o resultado, peguei
uma bolsa pequena e fui para a porta.
Justo quando a abri, dei de cara com Nicholas, que parou um momento
para me observar. Thor, o demônio, estava ao lado dele, e não pude evitar
um passo para trás.
Meu novo irmão fake sorriu por algum motivo inexplicável e voltou a
medir meu corpo e meu rosto. Ao fazer isso, seus olhos brilharam,
revelando algum tipo de emoção obscura e indecifrável. Olhos que ficaram
tempo demais no meu vestido.
— Não ensinam as pessoas a se vestir na Imbecilândia? — ele disse com
sarcasmo.
Sorri de maneira angelical.
— Ensinam, sim. O professor era um babaca igual a você, acho que por
isso não prestei muita atenção.
Ele não esperava por essa resposta, e eu não esperava que um sorriso se
desenhasse naqueles lábios sensuais. Olhei para ele por um momento e
voltei a me assustar com sua altura e aparência forte. Estava usando calça
social e camisa, sem gravata e com os dois primeiros botões abertos.
Aqueles olhos celestes pareciam querer me atravessar, mas não me
intimidei.
Desviei o olhar para o cachorro, que agora, em vez de olhar para mim
com cara de assassino, abanava o rabo de felicidade, esperando sentado e
nos olhando com interesse.
— Seu cachorro está diferente… Vai pedir para ele me atacar agora ou
vai esperar a gente voltar do jantar? — Cravei meus olhos nele, sorrindo
com falsa amabilidade.
— Não sei, sardenta… Depende de como você se comportar — ele
respondeu, virando as costas e caminhando para as escadas.
Fiquei quieta por alguns segundos, tentando controlar minhas emoções.
Sardenta! Tinha me chamado de sardenta! Esse sujeito estava atrás de
problemas… problemas de verdade!
Fui atrás dele, convencida de que não valia a pena ficar brava com os
seus comentários ou os seus olhares, muito menos com a sua presença. Ele
era apenas mais uma das pessoas de que eu não ia gostar naquela cidade,
então era melhor ir me acostumando.
Quando cheguei ao térreo, não pude deixar de me surpreender de novo
com aquela casa magnífica. De alguma maneira, ela transmitia um ar
antigo, mas ao mesmo tempo sofisticado e moderno. Enquanto esperava
minha mãe descer, ignorando a pessoa que me fazia companhia, passei os
olhos pelo impressionante lustre de cristal pendurado no teto com vigas. Era
feito de milhares de pedacinhos de vidro, que caíam como gotinhas de
chuva congeladas. Dava a sensação de que queriam chegar ao chão, mas
tinham de ficar penduradas no ar por um tempo indefinido.
Por um instante, meu olhar se cruzou com o dele, porém, em vez de me
obrigar a desviá-lo, decidi mantê-lo até que ele decidisse parar de olhar para
mim. Não queria que ele achasse que me intimidava. Não queria que ele
pensasse poder fazer o que quisesse comigo.
Mas seus olhos não deixaram de me olhar. Pelo contrário, eles me
observavam fixamente e com uma determinação incrível. Quando pensei
que não ia aguentar mais, minha mãe apareceu com o William.
— Bom, todo mundo pronto — ele disse, olhando para a gente com um
enorme sorriso. Retribuí o olhar sem um pingo de alegria. — Já reservei a
mesa no clube, espero que estejam com fome — adicionou, andando até a
porta, de braços dados com a minha mãe.
Ela arregalou os olhos ao reparar no meu vestido.
— Que roupa é essa? — sussurrou no meu ouvido.
Eu fingi não ter escutado e segui para a saída.
Do lado de fora, o ar estava cálido e revigorante, e dava para ouvir o som
distante das ondas se chocando contra a costa.
— Você vem conosco no carro, Nick? — William perguntou para o filho.
Ele já tinha dado as costas para a gente e seguia na direção de um 4x4
impressionante. Um veículo preto e muito grande que brilhava, parecendo
ter acabado de sair da concessionária. Foi impossível não revirar os olhos…
Muito típico!
— Vou no meu — ele respondeu ao chegar à porta. — Combinei de
encontrar o Miles depois do jantar. Vamos terminar o relatório do caso
Refford.
— Tudo bem — o pai assentiu. Para mim, no entanto, estavam falando
grego. — Quer ir com ele, Noah? — ele adicionou um pouco depois, se
dirigindo a mim. — Assim, vão se conhecendo melhor — William disse
isso contente, olhando para mim como se tivesse acabado de ter a melhor
ideia do universo.
Meus olhos se dirigiram de novo para Nick, que olhou para mim
levantando as sobrancelhas, à espera da minha resposta. Ele parecia se
divertir com aquela situação.
— Não gosto de pegar carona com quem eu não sei como dirige —
respondi ao meu novo padrasto, desejando que minhas palavras tocassem
naquele ponto sensível dos rapazes quando têm sua habilidade de motorista
colocada em dúvida. Dei as costas ao 4x4 e entrei na Mercedes preta do
Will.
Nem sequer olhei em sua direção quando minha mãe e o seu marido
entraram no carro, e aproveitei a solidão do banco traseiro enquanto
percorríamos as ruas em direção ao clube de ricaços.
Eu queria, com todas as minhas forças, que aquela noite acabasse o mais
rápido possível. Queria acabar logo com aquela farsa de família feliz que
minha mãe e o marido tentavam criar, voltando assim para o meu quarto a
fim de tentar descansar.
Uns quinze minutos depois, chegamos a uma região afastada, rodeada de
campos muito bem cuidados. A noite caíra, mas um grande caminho
iluminado dava as boas-vindas ao Clube Náutico Mary Read. Antes que nos
deixassem passar, um segurança saiu de uma cabine elegante e se
aproximou para verificar os ocupantes do carro. Uma expressão evidente de
familiaridade apareceu em seu rosto quando ele viu quem estava dirigindo.
— Senhor Leister, boa noite, senhor, senhora… — ele adicionou ao ver a
minha mãe.
Meu novo padrasto o cumprimentou e entramos no clube.
— Noah, seu cartão de sócia chega na semana que vem, mas você pode
usar o meu sobrenome e eles a deixarão entrar. Ou então o da Ella — ele
disse, virando-se para a minha mãe.
Senti uma pontada no coração ao ouvi-lo usar aquele apelido… Era
daquele jeito que meu pai se referia à minha mãe, e tinha certeza de que ela
não gostava nada daquele nome… Eram muitas lembranças ruins, mas,
claro, ela não iria compartilhá-las com seu novo e incrível marido.
Minha mãe era muito boa em se esquecer das coisas dolorosas e difíceis.
Quanto a mim, eu as guardava todas, bem lá no fundo, até que explodia e
colocava tudo para fora.
Chegamos à entrada do luxuoso estabelecimento e paramos o carro bem
na frente. Um funcionário se aproximou para abrir a porta para mim e para
minha mãe, aceitou a gorjeta oferecida pelo William e levou o carro sabe-se
lá para onde.
O restaurante era incrível, completamente de vidro. De onde eu estava,
podia ver algumas mesas e os incríveis aquários cheios de caranguejos,
peixes e lulas, todos prontos para serem sacrificados e servidos como jantar.
Antes de nos atenderem, senti como se houvesse alguém atrás de mim. Tive
calafrios ao perceber uma respiração na minha orelha. Ao me virar, avistei
Nicholas perto das minhas costas. Embora eu estivesse de salto, ele ainda
ficava meia cabeça mais alto do que eu. Ele apenas baixou o olhar para
mim.
— Há uma reserva em nome de William Leister — informou William
para a garçonete que dava as boas-vindas aos novos clientes. O rosto dela se
alterou por alguma razão inexplicável e ela se apressou a nos deixar entrar
no estabelecimento lotado, mas ao mesmo tempo tranquilo e aconchegante.
Nossa mesa ficava em um dos melhores lugares, iluminada calidamente
com velas, como todo o restaurante. A parede de vidro oferecia uma vista
panorâmica impressionante do mar e fiquei me perguntando se isso de
paredes transparentes era mesmo tão comum na Califórnia.
Sinceramente, estava completamente alucinada.
Ao nos sentarmos, William e minha mãe imediatamente começaram a
conversar extasiados, sorrindo um para o outro com cara de bobos.
Enquanto isso, não pude deixar de notar o olhar de assombro e
incredulidade da garçonete em direção ao Nick.
Ele parecia não ter percebido, já que continuou girando um saleiro entre
os dedos. Por um instante, meus olhos se fixaram naquelas mãos tão bem
cuidadas, tão bronzeadas e tão grandes. Meu olhar foi subindo pelo seu
braço até chegar ao rosto, e depois aos olhos, que me observavam com
interesse. Prendi a respiração.
— O que vão pedir? — minha mãe perguntou, fazendo com que
desviássemos a atenção rapidamente para ela.
Deixei que escolhessem para mim, principalmente porque não conhecia
quase nenhum prato do menu. Enquanto esperávamos pela comida e eu
remexia distraidamente meu chá gelado com um canudinho, William tentou
incluir tanto o filho quanto a mim na conversa que mantinha com a minha
mãe.
— Comentei mais cedo com a Noah sobre os esportes que se podem
praticar aqui no clube, Nick — Will comentou, fazendo o filho desviar o
olhar que estava fixo na ponta do salão. — Nicholas joga basquete e é um
ótimo surfista, Noah — destacou, ignorando a cara de tédio de Nick e
virando-se para mim.
“Surfista.” Revirei os olhos de novo. Para meu azar, Nicholas me
observava. Com os olhos em mim, ele se inclinou sobre a mesa, apoiando
os antebraços sobre ela, e fui objeto de uma intensa análise.
— Você faz alguma coisa para se divertir, Noah? — soltou, fazendo o
possível para manter um tom amigável, embora eu soubesse que, no fundo,
ele tinha se incomodado com a minha expressão. — Você acha que o surfe é
um esporte estúpido?
Antes que minha mãe respondesse, e percebi que ela se preparava para
isso, rapidamente me inclinei como ele.
— Foi você quem disse isso, não eu — respondi, sorrindo com inocência.
Eu gostava dos esportes em equipe, com estratégia, que exigiam um bom
capitão, consistência e trabalho duro. Tinha encontrado tudo isso no vôlei e
tinha certeza de que o surfe não chegava nem perto.
Antes da réplica que ele com certeza já estava preparando, a garçonete
chegou e ele reparou nela de novo, como se já a conhecesse.
Minha mãe e William começaram a falar com animação quando um casal
de amigos parou para cumprimentá-los.
A garçonete, uma mulher jovem de cabelo castanho-escuro, usando um
avental preto, começou a colocar os pratos sobre a mesa e acabou batendo
sem querer no ombro do Nicholas.
— Perdão, Nick — ela se desculpou. Depois, sobressaltada, virou-se para
mim com uma cara de quem tinha cometido um erro brutal.
Nicholas também olhou para mim de imediato e entendi que alguma
coisa estranha estava acontecendo entre aqueles dois.
Aproveitando que nossos pais estavam distraídos, inclinei-me para tirar a
dúvida.
— Vocês se conhecem? — perguntei, enquanto ele enchia de água com
gás sua taça de cristal.
— Quem? — ele respondeu, se fazendo de sonso.
— A garçonete — respondi, observando o seu rosto com interesse. Não
transmitia nada: permaneceu sério e relaxado. Percebi que Nicholas Leister
era uma pessoa que sabia esconder muito bem os próprios pensamentos.
— Sim, ela já me atendeu mais de uma vez — afirmou, dirigindo os
olhos para mim. Ele me observou, quase me desafiando a desmenti-lo.
“Olha só, o Nick é um mentiroso.” Por que será que não me surpreendi?
— Sim, tenho certeza de que ela já o atendeu muitas vezes — declarei.
— O que está insinuando, irmãzinha? — ele disse, e acabei sorrindo
quando me chamou daquele jeito.
— Que todas as pessoas ricas como você são iguais. Acham que, por
causa do dinheiro, são os reis do mundo. Essa garota não tirou os olhos de
você desde que a gente chegou. É óbvio que ela o conhece — eu disse,
olhando para ele, irritada por algum motivo inexplicável. — E você não
teve nem sequer a dignidade de retribuir o olhar. É asqueroso.
Ele olhou para mim fixamente antes de responder.
— É uma teoria muito interessante e dá para perceber que você não gosta
muito das “pessoas ricas”, como você diz… Mas, claro, você e sua mãe
estão morando na mesma casa que a gente e se aproveitando de todas as
comodidades que o dinheiro pode oferecer. Se somos assim tão
desprezíveis, o que é que você está fazendo aqui? — ele perguntou,
medindo-me com desprezo.
Olhei para ele, tentando controlar as minhas emoções. Aquele sujeito
sabia o que dizer para me tirar do sério.
— Para mim, você e a sua mãe são ainda piores do que a garçonete — ele
continuou, se inclinando sobre a mesa para poder se dirigir exclusivamente
a mim. — Vocês fingem ser algo que não são em troca de dinheiro, são duas
interesseiras…
Aquilo foi demais para mim. Fiquei cega de raiva.
Peguei o copo que estava na minha frente e joguei todo o conteúdo na
cara dele.
Mas, infelizmente, o copo estava vazio.
4
NICK
NOAH
A última coisa que eu queria naquele momento era dever um favor para
aquele malcriado, mas estava ainda menos empolgada com a ideia de ficar
sozinha com a minha mãe e o marido dela, testemunhando os olhares
abobados dela e a abundância de dinheiro e influência dele.
Nicholas se virou, dando as costas para mim, e se dirigiu para a saída. Eu
me despedi da minha mãe sem muito entusiasmo e me apressei a segui-lo.
Consegui alcançá-lo na entrada do restaurante e fiquei esperando, de braços
cruzados, que trouxessem o carro.
Não me surpreendeu quando ele tirou um maço de cigarros do bolso da
jaqueta e começou a fumar. Olhei para ele enquanto colocava o cigarro na
boca e, segundos depois, soltava a fumaça com lentidão e fluidez.
Eu nunca tinha fumado, nem quando tinha virado moda entre minhas
amigas, que fumavam nos banheiros da escola. Não entendia a graça de
inalar uma fumaça cancerígena que não apenas deixava um cheiro
horroroso nas roupas e nos cabelos, mas também prejudicava todos os
órgãos do corpo.
Como se lesse meus pensamentos, Nicholas se virou para mim e, com um
sorriso sarcástico, me ofereceu o maço.
— Quer um, irmãzinha? — perguntou, voltando o cigarro para os lábios e
tragando-o profundamente.
— Não fumo… E, se eu fosse você, também não fumaria. Vai acabar
matando o seu único neurônio — falei, dando um passo à frente e me
posicionando de maneira a não olhar para o seu rosto.
Senti a sua presença atrás de mim, mas não me mexi. Acabei me
assustando quando ele soltou a fumaça bem perto do meu pescoço.
— Cuidado com o que fala… Senão posso deixá-la largada aqui para
voltar a pé — ele advertiu, no exato momento em que o carro chegou.
Ignorei a sua presença o quanto pude enquanto caminhava para o carro.
O 4x4 era alto o bastante para que ele visse absolutamente tudo se eu não
subisse com cuidado. E, enquanto entrava no carro, me arrependi de ter
calçado aquelas malditas sandálias… A frustração, a irritação e a tristeza só
foram se agravando conforme o jantar se desenrolava, e as cinco discussões
(no mínimo) que mantive com aquele imbecil tinham aflorado o pior do
pior que havia em mim. Pus rapidamente o cinto de segurança, enquanto
Nicholas arrancava com o carro, colocava a mão sobre o encosto de cabeça
do meu banco e se virava para dar ré e pegar o caminho da saída. Não me
surpreendeu ele não usar a pequena rotatória no fim do caminho, que estava
ali justamente para evitar a infração que ele estava cometendo.
Acabei emitindo um som de insatisfação quando chegamos à via
principal. Já fora do clube, meu pseudoirmão chegou a passar de cento e
vinte por hora, ignorando deliberadamente as placas indicativas de que a
velocidade máxima por ali era oitenta.
Nicholas olhou para mim.
— E agora, qual é o problema? — me perguntou com um tom cansado,
como se não me aguentasse mais. “Bem-vindo ao clube.”
— Não quero morrer nesta estrada por causa de um inútil que não sabe
nem ler uma placa de trânsito, esse é o problema — respondi, elevando a
voz. Eu já estava no meu limite; um pouco mais e eu ia acabar gritando com
ele como se estivesse possuída. Sabia que o meu temperamento não era
fácil. Uma das coisas que eu mais odiava em mim mesma era minha falta de
autocontrole quando ficava irritada, porque tinha a tendência de gritar e
insultar.
— Que merda há com você? — ele perguntou irritado, olhando para a
estrada. — Não parou de reclamar desde o momento infeliz em que nos
conhecemos, e a verdade é que pouco me importa quais são os seus
problemas. Você está na minha casa, na minha cidade e no meu carro, então
é melhor calar a boca até a gente chegar — completou, elevando o tom de
voz como eu tinha feito.
Um calor intenso me percorreu quando ouvi essa ordem saindo da boca
dele. Ninguém mandava em mim, muito menos ele.
— Quem você acha que é para me mandar calar a boca? — gritei, fora de
mim. Então, Nicholas girou o volante de repente e freou tão bruscamente
que, se eu não estivesse com o cinto de segurança, teria sido atirada para
fora do carro.
Enquanto me recuperava do susto, olhei para trás assombrada e vi que
dois carros desviaram com rapidez para a direita, evitando uma colisão com
a gente. As buzinas e os xingamentos que vieram depois me deixaram
momentaneamente aturdida e perdida, mas depois reagi.
—Mas o que foi isso?! — eu berrei, surpresa e aterrorizada, com medo
de que nos atingissem.
Nicholas olhou para mim com firmeza, muito sério e, para meu espanto,
completamente impassível.
— Desça do carro — disse, simplesmente.
Abri tanto a boca de surpresa que a imagem deve ter sido cômica.
— Você não pode estar falando sério… — respondi com um olhar
incrédulo. Ele me devolveu o olhar e continuou mudo.
— Não vou repetir — ele advertiu, no mesmo tom tranquilo e
completamente perturbador de antes.
Aquilo já estava passando dos limites.
— Então você vai ter que me tirar daqui, porque não pretendo me mexer
nem um centímetro — rebati, olhando para ele com a mesma frieza que ele
estava demonstrando.
Nisso, ele tirou a chave da ignição, desceu do carro e deixou a porta dele
aberta. Meus olhos se arregalaram ao perceber que ele estava contornando a
parte da frente do carro e se dirigia à minha porta.
Pelo jeito, ele realmente perdia o controle quando estava bravo e, naquele
momento, parecia mais irritado do que nunca. Meu coração disparou
enlouquecido quando senti aquela sensação tão conhecida e aterradora
dentro de mim: medo.
Ele abriu a minha porta com tudo e repetiu a mesma frase.
— Desça do carro.
Minha cabeça estava a mil por hora. Eu estava mentalmente cansada e ele
não podia me largar ali, no meio de uma estrada rodeada de árvores e
completamente no escuro.
— Não vou descer — respondi, brava comigo mesma ao perceber que
minha voz saíra trêmula. Um medo irracional crescia na boca do meu
estômago. Meus olhos percorreram rapidamente a escuridão ao redor do
carro e percebi que, se aquele idiota me largasse ali, eu estaria em maus
lençóis.
Então, ele voltou a me surpreender, de novo negativamente. Enfiou-se no
carro, soltou o meu cinto de segurança e me arrancou do meu lugar. Foi
tudo tão rápido que não consegui nem protestar. Eu não estava acreditando
naquilo.
— Você não tem cérebro? — gritei enquanto ele começava a se afastar de
mim, em direção ao assento do motorista.
— Vamos ver se você entende de uma vez… — ele disse por cima dos
ombros, com um semblante frio como uma estátua de gelo. — Não vou
deixar que fale comigo desse jeito. Tenho meus próprios problemas e não
preciso das suas merdas. Chame um táxi ou ligue para a sua mãe. Eu vou
embora.
Ao dizer isso, ele entrou no carro e deu a partida. Senti minhas mãos
começarem a tremer.
— Nicholas, você não pode me deixar aqui! — berrei ao mesmo tempo
que o carro começava a se mover, cantando pneu ao deixar o local onde
ficou meio segundo parado. — Nicholas!
Depois daquele grito, veio um silêncio profundo que fez meu coração
bater enlouquecido.
Ainda não era tarde da noite, mas não havia lua. Tentei controlar meu
medo e minha vontade irracional de matar aquele filho da mãe que me
largara no meio do nada no meu primeiro dia naquela cidade. Eu me
apeguei à esperança de que ele voltaria para me buscar, mas os minutos
foram passando e eu ficava cada vez mais e mais preocupada. Tirei o
celular do bolso e percebi que estava sem bateria: o maldito estava
desligado. Que desgraça. A única coisa que eu podia fazer, uma opção tão
horrível e perigosa quanto continuar ali de pé, era pedir carona na estrada
até que uma pessoa civilizada e adulta tivesse pena de mim e me levasse
para casa. Depois ia me vingar com gosto do idiota do meu irmão fake.
Aquele babaca não sabia com quem estava se metendo.
Vi um carro se aproximando na estrada. Vinha da direção do Clube
Náutico e rezei para que fosse a Mercedes do Will. Eu me aproximei o
máximo possível, com uma margem de segurança para não ser atropelada, e
levantei a mão com o polegar erguido, como tinha visto nos filmes. Sabia
que em boa parte das vezes a garota que pedia carona acabava assassinada e
jogada na beira da estrada, mas fui obrigada a deixar esses pequenos
detalhes de lado.
O primeiro carro passou sem ligar para mim, do segundo gritaram um
monte de insultos, do terceiro vieram todas as grosserias que eu poderia
imaginar e do quarto… O quarto parou no acostamento a um metro de onde
eu estava.
Com um sentimento repentino de desconfiança, eu me aproximei,
insegura, para ver quem era o indivíduo maluco, mas muito conveniente,
que tinha decidido ajudar uma garota que podia ser, sem nenhum problema,
facilmente confundida com uma prostituta.
Senti certo alívio quando desceu do carro um garoto mais ou menos da
minha idade. Graças às luzes traseiras do automóvel, consegui discernir os
cabelos castanhos, a altura e os trejeitos, naquele instante muito úteis, de
menino rico e de família boa.
— Você está bem? — perguntou ao se aproximar.
Quando paramos na frente um do outro, fizemos a mesma coisa: seus
olhos mediram o meu vestido de cima a baixo, os meus percorreram a calça
jeans cara, a camisa polo de marca e o seu olhar amável e preocupado.
— Sim… Obrigada por parar — eu disse, repentinamente aliviada. —
Um imbecil me largou aqui… — contei, sentindo-me envergonhada e idiota
por ter permitido que algo assim acontecesse.
O rapaz arregalou os olhos com surpresa ao ouvir a minha fala.
— Te largou? Aqui? — indagou, incrédulo. — No meio do nada, às onze
da noite?
“Por acaso eu estaria bem se tivesse sido largada no meio de um parque
no meio do dia?”, perguntei ironicamente para mim mesma, com um ódio
repentino por qualquer ser vivo do sexo masculino. Mas aquele rapaz
parecia querer me ajudar. Eu não podia parecer tão áspera.
— Você poderia me dar uma carona até a minha casa? — perguntei,
evitando responder à pergunta. — Como você deve imaginar, não vejo a
hora de esta noite acabar.
Ele olhou fixamente para mim e um sorriso brotou em seu rosto. Não era
um garoto feio, até que era bastante bonito, com cara de pessoa boa que
ajuda qualquer um em necessidade. Ou era isso, ou minha cabeça estava
tentando me vender uma realidade paralela na qual o mundo era todo cor-
de-rosa, com homens que tratam as mulheres com o respeito merecido em
vez de deixá-las largadas na estrada, de salto, no meio da noite.
— E se formos a uma festa muito legal que vai rolar em uma mansão na
praia? Assim você vai poder me agradecer pela coincidência maravilhosa
de nos conhecermos nesta noite — propôs, com um tom divertido.
Não sei se estava nervosa, com raiva acumulada ou com vontade de
matar alguém, mas acabei soltando uma profunda gargalhada.
— Desculpa, mas… não vejo a hora de chegar em casa para este dia
acabar… É sério, já tive o suficiente dessa cidade por uma noite —
respondi, tentando não parecer perturbada por causa da gargalhada.
— Tudo bem, mas você pode pelo menos me dizer o seu nome, né? —
ele disse, se divertindo com uma situação que não tinha graça nenhuma.
Porém, como disse antes, aquele rapaz era a minha salvação, então era
melhor eu ser simpática para não acabar dormindo com os esquilos.
— Meu nome é Noah, Noah Morgan — apresentei-me, oferecendo a
mão, que ele apertou imediatamente.
— Eu sou o Zack — falou com um sorriso radiante. — Vamos? —
continuou, apontando para o seu Porsche preto e reluzente.
— Obrigada, Zack — eu disse, de coração.
Sentei-me no banco do passageiro, surpresa por ele me acompanhar até a
porta e me ajudar a entrar, como nos filmes de que falei… Foi estranho.
Estranho e reconfortante. Aparentemente, contra todas as estatísticas, ainda
existiam cavalheiros. Mesmo que a extinção estivesse próxima, uma vez
que também existiam sujeitos como Nicholas Leister.
Quando ele se acomodou no banco do motorista, percebi de antemão que
não era como o Nicholas. Não sabia por quê, mas o Zack parecia ser uma
pessoa boa, um rapaz educado e sensato, o típico genro dos sonhos de
qualquer mãe. Coloquei o cinto de segurança e suspirei profundamente
aliviada ao ver que, no fim das contas, as coisas não tinham terminado da
pior maneira possível.
— Para onde? — perguntou, dando a partida no mesmo lugar onde o
Nicholas tinha desaparecido com seu carro há mais de uma hora.
— Você sabe onde fica a casa de William Leister? — perguntei, supondo
que naquele bairro todos os ricaços deviam se conhecer.
Minha companhia arregalou os olhos de surpresa.
— Sim, claro… Mas por que deseja ir para lá? — questionou,
assombrado.
— Eu moro lá — respondi, sentindo uma punhalada no peito. Embora
aquelas palavras machucassem a minha alma, eram a mais pura verdade.
Zack riu, incrédulo.
— Você mora na casa do Nicholas Leister? — indagou, e não pude evitar
contrair a mandíbula com força ao ouvir aquele nome.
— É ainda pior. Sou a irmã postiça dele — afirmei, sentindo nojo de
admitir qualquer grau de parentesco com aquele babaca.
Os olhos de Zack se abriram com surpresa e se desviaram da estrada para
me olhar fixamente por alguns segundos. Pelo visto ele não era tão bom
motorista quanto eu tinha imaginado.
— Não pode ser verdade… Sério mesmo? — ele perguntou de novo,
olhando de volta para a estrada.
Soltei um suspiro profundo.
— É sério… — afirmei. — Foi ele quem me largou no meio da estrada
— admiti, sentindo-me completamente humilhada.
Zack soltou uma risada um pouco ácida.
— Tenho pena de você — continuou, e me senti ainda pior. — Nicholas
Leister não é flor que se cheire — contou, reduzindo a marcha e diminuindo
a velocidade conforme nos aproximávamos da zona residencial.
— Você o conhece? — perguntei, tentando reunir na minha cabeça as
figuras do cavaleiro andante e daquele delinquente.
Zack voltou a rir.
— Infelizmente, sim — respondeu. — O pai dele salvou a pele do meu
em um problema meio feio envolvendo impostos há mais ou menos um ano.
É um bom advogado. E o maldito do filho dele sempre esfrega essa história
na minha cara. Estudávamos juntos e posso garantir que não existe pessoa
mais egoísta e babaca nesse mundo do que esse idiota.
Caramba! Pelo visto eu não era a única sócia do clube dos que odiavam
Nicholas Leister. Até me senti melhor ao saber disso.
— Queria ter algo de bom para dizer sobre ele, mas esse cara faz merda
com todas as pessoas que conhece. É melhor ficar longe dele —
aconselhou, me olhando de soslaio.
Revirei os olhos.
— Algo muito fácil, agora que moramos debaixo do mesmo teto —
comentei, sentindo-me pior a cada segundo que passava.
— Ele vai estar na festa. Então, se quiser ir, você pode dar o troco nele —
ele disse, fazendo piada, mas aquela informação era completamente
inesperada.
— Ele vai à festa? — perguntei, sentindo o fogo da vingança percorrer
todo o meu corpo.
Zack olhou para mim de um jeito diferente.
— Você não está pensando em… — começou a perguntar, olhando para
mim com surpresa e apreensão.
— Você vai me levar a essa festa — afirmei com a maior segurança do
universo. — E vou dar o troco nele.
NICK
“Merda!”
— O que você deu pra ela? — perguntei para o imbecil que eu segurava
pelo colarinho.
O idiota estava olhando para mim completamente aterrorizado.
— Responde! — berrei, amaldiçoando o dia em que tinha conhecido a
minha irmã postiça e também o inútil do Zack Rogers, por tê-la trazido para
uma festa como aquela.
— Que merda, cara! — ele disse, com os olhos arregalados. —
Burundanga — admitiu quando o pressionei contra a parede.
Merda… Era uma droga que uns babacas usavam quando queriam abusar
de alguma garota. Não tem cor nem cheiro, por isso era tão fácil de colocar
na bebida de alguém sem a pessoa perceber.
O simples fato de pensar no que poderia ter acontecido me tirou do sério
e não consegui me controlar. Que tipo de idiota era capaz de fazer uma
coisa dessas com uma mulher? Eu ia bater naquele babaca até deixá-lo
irreconhecível. Eu ia terminar aquela noite com as minhas mãos detonadas.
Dei tantos socos nele que perdi a conta.
— Nicholas, chega! — uma voz gritou às minhas costas. Minha mão
parou antes de ficar estampada novamente na cara daquele filho da puta.
— Se trouxer de novo essa merda para uma das minhas festas, a surra de
hoje vai parecer um carinho em comparação com o que vou fazer com você.
— Eu me aproximei para garantir que ele escutasse cada uma das minhas
palavras. — Ouviu?
O babaca saiu de perto de mim cambaleando e sangrando.
Virei e dei de cara com uma Noah completamente aterrorizada. Alguma
coisa aconteceu dentro de mim quando a vi com aquela expressão.
Desgraça, por mais que eu não a suportasse e tenha tido vontade de matá-
la, ninguém merecia ser drogado sem consentimento. A expressão de terror
no rosto dela demonstrava que, naquela noite, Noah tinha ultrapassado o
próprio limite.
Eu me aproximei dela, observando-a com cuidado e procurando amenizar
um pouco minha raiva. Quando cheguei perto o suficiente, ela recuou
alguns passos e ficou olhando para mim boquiaberta, assustada e trêmula.
— Porra, Noah! Não vou machucá-la! — eu disse, me sentindo um
delinquente, embora não tivesse feito absolutamente nada para ela.
Quando a larguei na estrada, imaginei que ela simplesmente ligaria para a
mãe e iria para casa com nossos pais. Não passou pela minha cabeça que ela
entraria no carro do primeiro imbecil que passasse, muito menos que viria a
uma festa tão pouco apropriada para uma garota como ela.
— O que foi que eu tomei? — perguntou, engolindo em seco e olhando
para mim como se eu fosse o próprio diabo.
Respirei fundo e olhei para o teto enquanto tentava pensar com clareza.
Meu pai tinha acabado de me ligar para perguntar onde diabos estava Noah.
A mãe dela estava preocupada, e eu respondi que retornaria o quanto antes,
que a Noah tinha ido comigo para a casa do Erik e que naquele momento
estava vendo um filme com a irmã dele.
Tinha sido uma mentira completamente improvisada, mas meu pai não
podia saber o que tinha acontecido naquela noite, muito menos onde eu
estivera. Eu já tinha me safado de muitas situações difíceis para que agora
ele percebesse que tudo continuava exatamente igual. Eu consegui manter a
minha vida privada nas sombras a muito custo… Não queria que alguém
como a Noah me atrapalhasse.
Em menos de um dia, ela conseguiu me tirar do sério mais do que
qualquer outra mulher que eu já tivera o prazer de conhecer.
— Você está bem? — questionei, ignorando a pergunta dela.
— Quero te matar — respondeu. Quando baixei os olhos, percebi que as
pálpebras dela estavam ficando pesadas. Merda, precisava fazê-la falar com
a mãe antes que a situação piorasse.
— Ah, claro… Melhor outra hora — rebati, pegando-a nos braços. —
Você vai ficar bem — tentei acalmá-la.
Quando chegamos ao meu carro, abri a porta do motorista e esperei que
ela se sentasse.
Então, peguei o celular.
— Você precisa falar para a sua mãe que você está bem e que ela não
espere acordada por você — pedi, enquanto procurava o número do meu pai
na agenda. — Diga que estamos vendo um filme na casa de uns amigos
meus.
— Vá à merda — ela soltou, jogando a cabeça para trás e fechando os
olhos com força.
Eu me aproximei e segurei o rosto dela com uma das mãos. Ela abriu os
olhos e me olhou com tanto ódio que fiquei com vontade de estraçalhar
alguma coisa aos chutes.
— Faça isso ou a coisa vai ficar feia de verdade — exigi, pensando em
como o meu pai reagiria se soubesse de tudo o que tinha acontecido naquela
noite. Sem falar na mãe da Noah.
— O que você vai fazer comigo? — ela perguntou, olhando para mim
com as pupilas cada vez mais dilatadas. — Vai me largar aqui para alguém
abusar de mim? — indagou com ironia. — Espera… Isso você já fez —
concluiu sarcástica.
Droga, eu merecia aquilo, mas estava sem tempo.
— Estou falando sério. Vai ser melhor para você se disser exatamente o
que eu pedi — adverti, enquanto ela colocava o celular na orelha.
Alguns segundos depois, pude ouvir a voz da Raffaella do outro lado da
linha.
— Noah, você está bem?
Ela olhou para mim antes de responder.
— Sim — respondeu, para meu alívio. — Estamos vendo um filme…
vamos chegar… um pouco tarde — continuou, com o olhar virado para o
teto do carro.
— Fico feliz que tenha ido, querida, você vai gostar dos amigos do
Nick… Desviei o olhar quando escutei aquilo.
— Claro — Noah afirmou, sem olhar mais para mim.
— Então, nos vemos amanhã. Te amo.
— Eu também, tchau — despediu-se, então peguei o telefone da mão
dela e o guardei no meu bolso.
Dei a volta no carro e me sentei no banco do motorista. Ficaríamos ali
para ver qual era a tolerância da Noah às drogas.
Eu me virei para ela.
— Estou com calor — ela disse, de olhos fechados. E, realmente, pude
ver o suor tomando conta da testa e do pescoço dela.
— Vai passar, não se preocupa — eu a tranquilizei, torcendo para minhas
palavras não me traírem.
— Quais são os efeitos dessa droga? — perguntou com a voz mole.
Titubeei por um momento antes de responder.
— Suor… calor e frio ao mesmo tempo… sonolência… — respondi,
desejando que aqueles fossem os únicos efeitos que ela sentiria.
Se ela começasse a vomitar ou apresentasse taquicardia, eu teria de levá-
la para o hospital e as coisas não iam acabar bem.
Ela estava com as bochechas vermelhas e seus cabelos já tinham
começado a grudar na testa. Percebi que tinha um elástico em um dos
pulsos.
Eu me estiquei por cima dela e peguei o elástico. O mínimo que eu podia
fazer era ajudá-la a ficar o mais confortável possível.
— O que você está fazendo? — perguntou, e notei o medo na voz dela.
Respirei fundo, tentando manter as minhas emoções sob controle. Nunca
tinha feito algo assim para uma mulher… e ver a Noah aterrorizada, com
medo de mim, doía como um soco no estômago.
Aquela adolescente tinha me esgotado em questão de horas.
— Tentando ajudar — respondi, enquanto juntava seus longos cabelos
loiro-acobreados em um coque improvisado no topo da sua cabeça.
— Pra isso você teria que desaparecer — rebateu, arrastando as palavras.
Acabei achando graça. Nunca tinha conhecido uma garota com tanta
audácia. Ela não sabia com quem estava se metendo, quem eu era, nem o
que eu era capaz de fazer… No fim das contas, era legal viver uma situação
nova.
Veio à minha cabeça a imagem dela depois que me deu aquele soco.
Tinha sido muito inesperado. E, além disso, o primeiro soco que eu tinha
levado em muito tempo…
Instintivamente, segurei a sua mão direita e observei as juntas dos dedos
inchadas. Ela deve ter usado toda a força que tinha para ficar com as mãos
daquele jeito, e senti pena dela. De repente me vi lhe ensinando como se dá
um soco bem dado.
Fiquei olhando para ela com certa preocupação. Agora, com o cabelo
preso, consegui reparar em alguns traços que não tinha apreciado antes. Ela
tinha um pescoço bonito e maçãs do rosto bem altas, salpicadas por
milhares de sardas. Sorri por algum motivo inexplicável. Ela tinha cílios
longos, que criavam uma sombra escura sobre suas bochechas, mas o que
chamou mais a minha atenção foi a pequena tatuagem embaixo da orelha
esquerda, no alto do pescoço.
Era um nó em forma de oito…
Meu olhar se voltou imediatamente para o meu braço, onde eu tinha
tatuado esse mesmo nó há três anos e meio. Era um nó perfeito, um dos
mais resistentes, e por isso mesmo tinha decidido tatuá-lo. Significava que,
se as coisas se entrelaçassem bem, com planejamento, o resultado podia ser
indestrutível. Não imaginava que ela pudesse ter tatuado aquele nó, nem
feito qualquer outra tatuagem. Não combinava com a imagem dela que eu
tinha na minha cabeça.
Com um dedo e com cuidado, acariciei aquela tatuagem, que era
minúscula em comparação com a minha, e senti como se a pele dos dois
tivesse se arrepiado.
Mesmo inconsciente, Noah se mexeu inquieta, e senti algo na boca do
meu estômago, algo estranho e incômodo.
Eu me virei para o volante e dei partida no carro, não sem antes pôr o
cinto de segurança nela. Meus olhos voltaram a pousar sobre a tatuagem por
uns segundos. Respirei profundamente e me concentrei na estrada. Por sorte
não tivera tempo de beber muito mais que uma dose e uma cerveja, então
consegui dirigir com tranquilidade até nossa casa.
NOAH
Sim, estamos na casa da Rose. Vou pedir para ele falar com
você.
Claro que estou! Não é a mesma coisa aqui sem você, minha
linda, mas tenho que ir. Logo eu te ligo, tá bom? Amo você.
NICK
Vinte minutos depois eu estava na porta da casa dela. Anna era o meu
contatinho favorito para noites como aquela. Ela era filha de um dos
banqueiros mais importantes de Los Angeles e nossos pais eram amigos dos
tempos de faculdade. Anna cresceu me torturando à medida que seu corpo
se desenvolvia, e eu fiquei à sua mercê quando era mais novo e não tinha
ideia de como lidar com uma mulher.
Aprendemos juntos, e um sabia como agradar ao outro. Além do mais,
ela nunca exigia explicações nem me desafiava.
Por isso, arrastei-a de volta para o quarto quando ela se aproximou e
abriu a porta para mim.
— O que está fazendo? — ela perguntou quando eu fechei a porta
rapidamente e a peguei nos braços.
— Vamos transar, o que você acha? — respondi, jogando-a na cama.
Anna sorriu e começou a erguer o vestido de maneira provocante. Ao
contrário de Noah, ela estava com o cabelo solto e usava um vestido tão
curto que nem precisei levantá-lo muito para chegar ao que me interessava.
— Vamos nos atrasar — ela reclamou, aproximando o rosto do meu e
beijando a minha boca.
— Você sabe que eu não me importo — respondi, levando-a ao êxtase e
adquirindo a calma que tanto desejava desde que aquela bruxa com sardas
apareceu na minha vida.
Quinze minutos depois, estava colocando a gravata e acendi um cigarro
na sacada da Anna.
Ela apareceu perto de mim, com o vestido de volta ao seu lugar, o cabelo
bem penteado e os lábios inchados dos tantos beijos que tínhamos dado.
— Como estou? — perguntou, grudando em meu corpo de maneira
provocante. Olhei para ela com atenção. Era bonita e tinha um corpo lindo.
Tinha o cabelo castanho-escuro, igual aos olhos… Sempre me intrigou o
fato de Anna não ter um namorado. Ela era bonita o suficiente para estar
com quem quisesse, mas… ali estava ela, perdendo tempo com alguém
como eu.
— Muito bonita — respondi, dando um passo para trás. Precisava de
alguns instantes de tranquilidade, terminar o meu cigarro e me preparar
psicologicamente para o que viria naquela noite.
— Está preocupado com o Ronnie? — perguntou, apoiando-se no
guarda-corpo e olhando para mim à distância. Ela entendia quando eu
precisava do meu espaço, quando eu queria ficar sozinho. Era por isso que
eu sempre a procurava.
Dei mais uma tragada e soltei a fumaça com tranquilidade.
— Não estou preocupado — disse. — “Irritado” seria a palavra.
Ela olhou para mim com curiosidade.
— Por causa da sua madrasta? — perguntou. Ela sabia do novo
casamento do meu pai e do pouco que eu tolerava aquela situação, apesar
de tentar esconder a minha insatisfação.
— Da filha dela — declarei, apagando o cigarro com a sola do sapato.
Ela levantou as sobrancelhas e me observou com interesse.
— Ela não sabe quem eu sou nem do que sou capaz — expliquei.
— Quer que eu esclareça as coisas para ela? — propôs, e só de imaginar
Noah e Anna se enfrentando fiquei com vontade de rir.
— Não. Só preciso que ela fique de boca fechada e longe das minhas
coisas — esclareci, virando-me para ela.
Ela assentiu e sorriu.
— Você não pretende levá-la para o mau caminho? — questionou, e por
alguns instantes me vi tentado a fazer exatamente isso.
— Pretendo mantê-la bem longe do mau caminho. Não quero que ela me
cause mais problemas como os de ontem à noite — especifiquei.
O vento bateu nos cabelos da Anna e pude ver o pescoço dela. Eu me
aproximei e afastei os fios suavemente. Então, meu cérebro procurou por
algo que não estava ali: a tatuagem, o nó. Não estava lá, mas naquele
momento eu queria beijar aquela tatuagem…
Eu me afastei, deixando-a com vontade de mais.
— É melhor irmos — falei, indo para a porta. — Ou vamos nos atrasar.
— Achei que não se importasse — Anna disse, um pouco incomodada.
— Não mesmo — respondi, ainda que, por um instante, eu não soubesse
ao que estava me referindo.
9
NOAH
NICK
Ohei para ela se afastando sem entender absolutamente nada e depois eparei
na mensagem embaixo da foto:
Quem diabos era Dan? E quem tinha mandado uma mensagem como
aquela?
Sem dar muita importância, abri a pasta de fotos do celular. Havia um
montão de fotos com uma garota morena, que, se eu não estava enganado,
era a mesma da foto que ela tinha recebido, e mais várias fotos com amigos
em um lugar que parecia ser uma escola. Então, encontrei a foto que eu
estava procurando.
O cara, o tal do Dan, segurando o rosto da Noah e a beijando, enquanto
ela não conseguia segurar o sorriso, com certeza ao perceber que estavam
tirando aquela foto… Ela tinha sido traída…
Bloqueei o celular e o pus no bolso. Não tinha a menor ideia do motivo
de estar com vontade de jogar aquele aparelho nas profundezas do oceano,
nem da razão de ter me incomodado tanto com aquela foto da Noah
beijando aquele sujeito. Mas eu queria quebrar a cara do primeiro babaca
que mexesse comigo naquela noite.
Fui para a mesa em que havia um papelzinho com o meu nome, além de
outros indicando que a Noah ficaria de um lado e a Anna, de outro. Na
minha frente ficaria o meu pai; a seu lado, sua mulher. Também haveria
mais dois casais, de cujos nomes eu não me lembrava, mas todos esperavam
que eu assumisse a identidade do encantador e perfeito filho de William
Leister.
Nem dois segundos haviam se passado desde que eu me sentara quando a
Anna apareceu ao meu lado. Senti o seu perfume assim que ela se
aproximou e me inclinei sobre a mesa para beber o vinho tinto cor de
sangue que fora servido em quase todas as taças.
— E a sua irmãzinha? — ela perguntou, com menosprezo.
— Chorando porque foi chifrada — respondi secamente, sem pensar.
Anna deu uma gargalhada, o que me irritou bastante.
— Não me surpreende. É uma criança — comentou, com um tom de
desprezo na voz.
Observei-a por alguns instantes enquanto analisava aquela resposta.
Transmitia muita antipatia em relação a alguém que ela só conhecia há dois
segundos, mesmo que não tivesse visto muita graça no soco que a Noah
tinha me dado na noite anterior.
— Vamos falar de outra coisa, porque já me basta o que eu tenho que
aguentar em casa — eu disse, colocando novamente minha taça sobre a
mesa.
Sem me dar conta, comecei a procurar por Noah pelo salão. A maioria
dos convidados já havia se sentado quando eu a avistei no bar, na outra
ponta. Ela esperou até que um garçom se aproximasse dela.
Eu me levantei quando percebi quem era. Caminhei a passos firmes,
decidido a evitar de todas as maneiras que o Mario conhecesse a minha
nova pseudoirmã, mas, quando cheguei, pude ouvir o que ela estava
dizendo.
— Te vejo na porta em cinco minutos…
— Em cinco minutos você vai estar sentada na limusine, esperando para
voltar para casa — eu a interrompi, parando ao lado dela e fulminando o
Mario com o olhar.
— Oi pra você também, Nick — ela me cumprimentou com um sorriso.
— Chega de palhaçada — ralhei. — Que merda está fazendo?
O Mario pertencia ao meu passado, não podia deixar que ele conhecesse
a Noah. Era arriscado demais. Ele sabia exatamente o que eu estava
pensando, e por isso mesmo não hesitou em tentar seduzi-la.
— O mundo não gira ao seu redor, Nicholas — Noah rebateu, e tive que
me controlar para obrigá-la a calar a boca. — Você pode devolver o meu
celular? — ela pediu, virando-se para mim com a mão aberta.
Olhei fixamente para ela. Não havia nem sinal das lágrimas que
estiveram em seus olhos poucos minutos antes. Parecia fria como gelo.
— É pra hoje, não pro ano que vem — adicionou, impaciente.
Eu estava chegando ao meu limite naquela noite. Mario soltou uma
risada e ao mesmo tempo levantou as mãos, como se estivesse se rendendo.
— Eu não me meteria com ela, cara — advertiu, como se a conhecesse a
vida inteira.
— Noah, chega de idiotice. Você nem conhece esse cara — eu disse,
tentando pôr um pingo de juízo em sua cabeça, enquanto tirava o celular do
bolso e o entregava para ela, com mais força do que o necessário.
— E você? Eu o conheço? — ela rebateu franzindo a testa, incrédula. —
Além do mais, para sua informação, vou para o tal racha que você quer
tanto manter em segredo — anunciou em seguida.
Arregalei os olhos, olhei para os dois lados e dei um passo na direção
dela.
— O que você fumou, menina? — disse, nervoso. — Você não vai pôr os
pés naquele lugar, está ouvindo?
Noah não se deixou intimidar pelas minhas palavras.
— Posso ir e não contar nada sobre o que fizermos esta noite, ou posso
ficar aqui e contar tudo para o seu pai. Você decide.
“Que merda!”
Não entendia por que ela estava daquele jeito. Tinha sido enganada pelo
namorado, qualquer garota normal estaria arrasada, chorando pelos
cantos… Tudo aquilo era para me desafiar?
Estava cansado daquela situação, não dava para continuar dependendo
dela. Dei as costas aos dois e voltei para a mesa. Minha maior preocupação
era que meu pai ficasse sabendo das coisas que eu fazia fora de casa.
Sempre tentei manter a minha vida familiar separada das outras esferas da
minha vida, mas agora tinha aquela criancinha irracional que não só não me
dava ouvidos, como também estava tentando se meter nas minhas coisas.
Levantei-me uma hora depois e me dirigi ao bar, onde meu pai e sua nova
mulher estavam bebendo e conversando alegremente com um casal de
amigos.
Quando viu que eu estava me aproximando, ele sorriu para mim; quando
cheguei, ele deu uma palmadinha no meu ombro. Aqueles gestos me
incomodavam. Eu precisava do meu espaço, e o fato de o meu pai invadi-lo
me deixava ainda mais bravo.
— Já estão indo? — perguntou, sem nenhum tom de reprovação. Bom,
isso significava que eu já podia ir embora sem problemas.
— Sim — respondi, deixando a minha taça sobre o balcão. — Amanhã
preciso acordar cedo para continuar trabalhando no caso — adicionei.
Meu pai pareceu conformado e assentiu com a cabeça.
— Noah já foi para casa, então, se você também está cansado, pode ir.
Concordei satisfeito e fui embora da festa, com Anna ao meu lado.
11
NOAH
Meia hora mais tarde, Mario pegou uma estradinha cercada de campos
áridos e areia vermelha e alaranjada. À medida que íamos nos afastando,
passei a não escutar mais o ruído dos carros na estrada principal, só uma
música repetitiva e cada vez mais alta.
— Você esteve alguma vez em um evento como esse? — Mario
perguntou, dirigindo com uma das mãos no volante e a outra apoiada
comodamente na parte de trás do meu assento.
— Já estive em vários rachas, sim — respondi com um tom um pouco
antipático.
Ele olhou para mim por alguns instantes e depois voltou a prestar atenção
na estrada. Então, consegui avistar ao longe um monte de pessoas, além de
luzes, que pareciam de neon, iluminando uma zona deserta repleta de carros
estacionados de qualquer jeito.
A música era ensurdecedora. Quando chegamos, vi pessoas entre vinte e
trinta anos bebendo, dançando e se comportando como se aquela fosse a
última festa da vida deles.
Mario estacionou o carro em um lugar perto de onde a maioria das
pessoas estava e desceu, esperando que eu fizesse o mesmo. Desci, sem
deixar de observar cuidadosamente tudo o que me cercava.
— Para onde você me trouxe? — não pude deixar de perguntar para meu
novo amigo. Ele, do meu lado, soltou uma gargalhada.
— Não precisa se preocupar. Esses são os espectadores. O pessoal mais
importante está ali — disse, apontando para a esquerda, onde um grande
grupo de moças e rapazes se apoiava em capôs de carros impressionantes,
tunados de mil maneiras, e cujos porta-malas emitiam uma música tão
horrível quanto a que tocava onde nós estávamos.
Percebi que havia muitas roupas de cores fluorescentes. A baixa
iluminação, composta principalmente por luzes brancas, fazia aquelas
roupas brilharem na escuridão da noite. Além disso, várias das mulheres
tinham pintado o corpo e o rosto com desenhos elaborados feitos com o
mesmo tipo de tinta.
— Você pensou em todos os detalhes, né? — Mario comentou, e eu olhei
para ele sem entender.
Ele apontou para o meu corpo, então entendi do que ele estava falando.
Aquele produto que a minha mãe tinha espirrado nos meus braços, pescoço
e cabelo agora deixava milhares de pontinhos fluorescentes brilhando na
minha pele clara. Eu estava ridícula.
— Acredite, eu não tinha a mínima ideia — falei, e ele deu uma risada.
— Era melhor que tivesse. Esse lugar não é para qualquer um. Sem
ofensas, mas você é… um pouco mais recatada do que a maioria das
pessoas daqui — ele disse, observando meu short e minha blusinha preta
simplória.
Estava mesmo parecendo um tanto recatada! Olhei para as outras garotas,
e bastava que tirassem as minissaias exageradamente curtas ou a parte de
cima dos biquínis que estavam usando como tops para que ficassem
completamente nuas.
— Não sei se sabe o que viemos fazer aqui, mas nesse ramo há muitos
grupos. Seu irmão é líder de um, e hoje é muito importante para todo
mundo que ele ganhe o racha contra o Ronnie — Mario me informou,
enquanto nos aproximávamos dos grupos com carros caros.
Nick era o líder de um grupo? Aquilo era bem inesperado, mas não me
surpreendia. Com o pouco que eu conhecia dele, fazia sentido que estivesse
metido em algo assim. Era violento, duro e intimidador, um lado que
conseguia esconder com uma facilidade espantosa sempre que estava com a
família. Pelo amor de Deus! Era um menino rico, essas coisas não
aconteciam no mundo dele… O que um rapaz cujo pai era um dos
advogados mais importantes do país fazia em um ambiente de tão baixo
nível como aquele em que eu estava naquele instante?
Mario parou perto de um pessoal barra-pesada, que me faria ter pesadelos
por um mês inteiro. Todos com tatuagens nos braços, roupas folgadas e um
monte de crucifixos e cordões grossos de ouro e prata no pescoço. As
garotas que estavam por perto também vestiam roupas provocantes, mas
não como as que estavam onde estacionamos o carro.
Mario seguiu diretamente na direção do grupo e, como amigos de longa
data, eles se cumprimentaram, trocaram socos amistosos e começaram a rir.
Fiquei surpresa ao testemunhar aquela cordialidade, já que, vistos de longe,
aqueles caras causavam verdadeiro pavor. Outra característica marcante de
todos é que usavam faixas amarelas fluorescentes amarradas nos
antebraços, pulsos e cabeça.
Percebi, então, que eram todos integrantes do mesmo grupo. O grupo do
Nick.
Quando terminaram de se cumprimentar, os rapazes olharam para mim.
— Quem é essa gatinha? — um deles gritou e todos riram, olhando
atentamente para mim. As pessoas não paravam de chegar, elas iam e
vinham, de um lado para o outro… Mas os que estavam reunidos ali não
tiravam os olhos de mim.
Não vi graça no comentário e me limitei a observar o autor da fala com
cara de poucos amigos. Mario tentou me ajudar no mesmo instante.
— Vocês não vão acreditar, mas é a nova irmã postiça do Nick — ele
revelou, acabando com a minha animação. Eu não queria que as pessoas
ficassem sabendo. Queria passar despercebida naquela noite, ou, pelo
menos, me divertir sem a pecha de “pseudoirmã gata e interesseira do
Nick”.
O pessoal riu com mais vontade ainda, se é que isso era possível,
enquanto as garotas reunidas ali me observavam com interesse renovado.
— Tragam algo para a nossa nova amiga beber! — gritou um rapaz negro
que segurava um copo vermelho em uma das mãos e abraçava a cintura de
uma garota muito bonita com a outra. Foi ela quem se virou, serviu alguma
coisa em um copo e se aproximou de mim. As outras pessoas continuaram
conversando e dançando ao ritmo da música estridente.
— Então, você é o novo rolo do nosso querido amigo? — ela perguntou,
medindo-me de cima a baixo. Eu fiz a mesma coisa. Se ela era descarada,
eu também podia ser. Ela era negra, alta e muito esbelta. Estava com o
cabelo preto dividido em mil tranças finas, que começavam no início da
cabeça e terminavam em sua cintura. Usava short branco e uma camiseta
azul-escura de marca… Hum… Aquilo, sim, era interessante.
— Irmã fake — corrigi, enquanto pegava o copo de plástico, observando
com cuidado e olhando para ela desconfiada. — Você não colocou nada na
bebida, né? — perguntei-lhe com malcriação. Não confiava naquelas
pessoas. Já tinha sido drogada na noite anterior e não queria que
acontecesse de novo.
— Que tipo de pessoa você acha que eu sou? — ela devolveu, ofendida
com a minha pergunta. — É cerveja. Se quiser algo mais suave, está no
lugar errado — ela disse, virando-se irritada e quase deixando suas tranças
baterem no meu rosto. Foi direto para o outro garoto negro, rebolando de
maneira sexy e fazendo com que vários rapazes olhassem desejosos para
ela.
Mario se aproximou de mim e me observou, divertindo-se.
— Não faz nem meia hora que você está aqui e já começaram as apostas
— ele me informou, dando uma gargalhada.
Olhei para ele com a testa franzida.
— Apostas sobre o quê? — eu quis saber.
— Sobre o tempo que vai levar para você largar o copo de cerveja e
voltar correndo para casa — ele respondeu, levantando as sobrancelhas.
Então, também tinha isso?
Olhei fixamente para ele e depois fulminei com o olhar todos os garotos
que olhavam para mim como se eu fosse sua nova fonte de diversão. Joguei
a cabeça para trás e comecei a beber o que tinham servido para mim
naquele copo, grande demais para se beber uma bebida comum.
Enquanto eu esvaziava o copo, os gritos foram ficando cada vez mais
fortes, e quando terminei, um pouco enjoada e com vontade de tossir, todos
os presentes começaram a aplaudir e a gritar, se divertindo.
Levantei o copo vazio com um sorriso satisfeito.
— Quem vai me servir mais? — perguntei, me sentindo completamente
livre e satisfeita por alguns momentos.
Os rapazes voltaram a dar risada e a mesma garota que tinha me dado a
cerveja se aproximou de mim, agora com um sorriso nos lábios.
— Meu nome é Jenna — apresentou-se, e me deu outro copo cheio. —
Se quiser mesmo se entrosar com o pessoal, solta o cabelo, beba isso e
gruda no cara que achar mais bonito. Exatamente nessa ordem.
Não pude deixar de gargalhar. Sério mesmo? E, se fosse, por que eu me
importaria? Tinha ido para lá com um único objetivo: me vingar de alguma
maneira do nojento do meu ex-namorado e da minha ex-melhor amiga,
então, se eu me soltasse e me divertisse naquela noite… que mal haveria
nisso?
— Acho que vou seguir o seu conselho — disse, enquanto tirava o
elástico do cabelo, deixava minhas mechas caírem naturalmente sobre meus
ombros e começava a beber algo muito mais forte do que uma cerveja.
Jenna olhou para mim divertida, enquanto bebia e dançava ao mesmo
tempo.
Onde estávamos, mal havia iluminação. Só se viam as faixas amarelas
fluorescentes e a pouca claridade produzida pelas luzes brancas à distância.
— Meu nome é Noah, aliás — apresentei-me, ao perceber que ainda não
tinha feito isso.
Ela sorriu para mim e pareceu bastante simpática. Então, se criou um
alvoroço. Os rapazes que estavam sentados nos capôs dos carros se
levantaram e caminharam na direção de um carro que, ao me virar,
reconheci de cara: o 4x4 do Nicholas.
— Lá vem o sonho e o pesadelo de qualquer garota que tenha olhos —
Jenna anunciou, se divertindo.
Olhei para ela e revirei os olhos mentalmente. O Nick era realmente
bonito, mas, quando abria a boca, dava vontade de sair correndo. Ou, pior,
de dar cabeçadas na parede.
Fiquei observando aquele carrão parar perto dos outros, depois ele e a
namorada puxa-saco descendo do carro. Todos os rapazes foram ao seu
encontro, como se ele fosse um deus ou algo parecido. Davam-lhe palmadas
nas costas e o cumprimentavam com os punhos cerrados à medida que ele
caminhava até chegar ao local onde estavam as bebidas alcoólicas.
Continuei bebendo sem tirar os olhos do Nicholas, contando os minutos
que levaria para ele se aproximar de mim e falar alguma besteira. Bem, era
isso que eu esperava, pois seria a melhor maneira de descarregar a
frustração.
Mas ele não fez isso. Pior: me ignorou deliberadamente por mais de meia
hora. No começo, fiquei surpresa, mas então grata, ao perceber que estava
me divertindo de verdade com a Jenna e a sua maneira enérgica de falar e
dançar ao ritmo daquela música agitada.
— Tenho que apresentá-la ao meu boy — ela disse, demonstrando que
seus quadris se mexiam melhor do que os da própria Beyoncé. Segui-a até
onde estava a maioria das pessoas. As outras garotas bebiam ou
conversavam entre si, e duas ou três dançavam com os rapazes que se
mostravam dispostos a isso.
O tal boy da Jenna devia ser aquele que a estava abraçando quando eu
cheguei, e ele estava imerso em uma conversa com o Nick.
Fiquei um pouco tensa ao chegar até eles, pois estavam um pouco
afastados dos demais.
— Lion! — Jenna gritou, jogando-se nas costas dele e o surpreendendo
com um beijo na bochecha. Ambos, Lion e Nick, se viraram para nós.
Nicholas cravou seus olhos frios nos meus.
— Essa aqui é a Noah — ela disse, girando-o para que ele me visse.
Lion, que era da mesma altura do Nick, era um afro-americano que
chamava muito a atenção. Tinha olhos da cor de limões maduros, tão verdes
como a hortelã dos mojitos que estávamos bebendo, e um corpo
perfeitamente esculpido, com músculos impressionantes e muito bem
trabalhados.
Sorte da Jenna!
— E aí, Noah? — ele respondeu com um sorriso amigável, mas sem
deixar de observar de soslaio o meu irmão fake.
— Muito prazer — devolvi, sorrindo de maneira agradável. Eu tinha
gostado bastante da Jenna e não queria que o namorado dela implicasse
comigo por causa das coisas que com certeza o Nicholas havia contado
sobre mim.
— Então até que consegue ser simpática — Nicholas comentou com
ironia, me observando incomodado e irritado. Preparei os ombros para
encarar o terceiro… na verdade, quarto assalto.
Não queria começar mais uma briga com ele, então optei por um gesto
universal: mostrei para ele o dedo do meio e me virei, indo atrás de algo
mais interessante para fazer.
Então, senti a sua mão agarrando o meu braço e me puxando para um
lugar escuro entre dois carros bem caros. Jenna e o namorado nos
observaram por um momento, até que ela virou o rosto dele e o beijou com
entusiasmo. Senti um aperto no peito ao ver como eles formavam um casal
lindo… Há umas quatro horas eu também achava que tinha o melhor
namorado do mundo a meu lado… e agora…
— O que você quer? — perguntei, descontando minha raiva nele. Ele me
empurrou na direção de um carro. Naquele exato momento eu estava presa
entre ele e a porta de uma BMW cinza.
Ele tinha trocado de roupa. Agora, estava usando uma calça jeans que
deixava sua cueca Calvin Klein à mostra e uma camiseta preta justa que
torneava seus braços musculosos.
Ele não respondeu, simplesmente olhou para mim por uns instantes para
depois pegar meu iPhone e colocar a foto que tinha partido meu coração
diante dos meus olhos.
— Quem são esses? — ele interrogou, como se de repente tivesse
interesse na minha vida particular.
Estiquei o braço para pegar o celular, mas ele o afastou sem deixar de
olhar atentamente para mim.
— Não te interessa — eu disse, com todo o desprezo que fui capaz de
expressar.
— Não? — ele alfinetou, calmamente. — Realmente, não me interessa.
Mas imagino que seja o seu namorado. Ou ex-namorado, se você tiver um
pingo de amor-próprio — ele continuou falando, como se de alguma
maneira achasse que eu queria a sua opinião sobre o que tinha acontecido.
— E, como todas as garotas são praticamente iguais, suponho que seu
objetivo hoje, além de encher o meu saco, seja se vingar desse babaca —
concluiu, me deixando momentaneamente calada.
Como ele sabia? Era assim tão óbvio que eu queria dar o troco naquele
idiota? Ele continuou:
— Então, eu me ofereço como voluntário. Vamos nos beijar, a gente tira
dez mil fotos, você vai embora daqui e volta para casa. — As palavras dele
me deixaram em choque. — Não quero que fique por aqui, Noah —
concluiu, olhando para o que estava às minhas costas.
Fiquei tão estupefata com aquela oferta que precisei de um tempo para
analisá-la. Beijar aquele idiota? Nunca! Mas pensando bem… Ele era
realmente muito bonito. Não que me agradasse muito, mas sabia que isso
mexeria com o idiota do Dan. Ele era convencido, se achava o sujeito mais
bonito da escola, e nada o afetava mais do que um cara que tivesse um
físico mais imponente do que o dele.
— Tudo bem — respondi. Ele olhou para mim, completamente surpreso.
Aparentemente, não era a resposta que estava esperando. — Quero que
aquele idiota se sinta o maior merda do mundo, e se para isso eu tiver de te
beijar — dei de ombros —, é isso que eu vou fazer. Mas não quero ir
embora. Estou me divertindo — falei, olhando fixamente para ele. Ele
franziu a testa, tentando me compreender. — Então, esse é o combinado:
você me oferece o seu corpo para eu poder me vingar daquele idiota do meu
ex-namorado e da minha ex-melhor amiga, e eu prometo nunca mais
aparecer em nenhuma dessas suas festinhas.
Quando terminei de falar, um sorriso surgiu em seu rosto. Olhei para ele
com a testa franzida. Do que ele estava achando tanta graça?
— Você é realmente surtada da cabeça, sabia? — ele disse, sacudindo a
dele com incredulidade.
— Estou me sentindo péssima, e quero que aquele babaca sofra tanto
quanto eu — justifiquei, notando a dor na minha voz.
Aquela foto não saía da minha cabeça, estava me atormentando. Não me
importava nem um pouco que este cara fosse meu irmão postiço, ou que
fosse o mais idiota do país dos idiotas… Eu só queria me vingar. Também
sabia que as bebidas que eu tinha consumido naquela noite estavam
influenciando minha tomada de decisão naquele momento, mas tampouco
me importava.
— Vai me beijar ou não? — indaguei, cansada.
Nick mexeu a cabeça de um lado para o outro, rindo de mim.
Fiquei brava, e então fiz o que queria fazer desde que o conhecera: ergui
a perna e dei-lhe um chute na canela. Ele soltou um grito, mais de surpresa
que de dor.
— Imbecil, para de dar risada! — soltei, nervosa. — Há milhares de
outros caras aqui… Se você não quiser, eu beijo outro — falei, decidida a
sair dali e fazer justamente aquilo.
Ele ficou sério de repente.
— Nada disso — respondeu, rudemente. — Quero que você suma da
minha vida o mais rápido possível, então venha cá — ele ordenou, me
puxando para a frente do carro. Ali, nenhuma pessoa da festa poderia nos
ver, e fiquei grata por isso. Sentei-me no capô, enquanto os olhos do
Nicholas percorriam minhas pernas até chegar aos meus olhos.
— Você deve estar realmente brava para fazer isso… — ele comentou,
pegando o iPhone e ativando a câmera.
— E você, realmente desesperado para me perder de vista — disparei,
olhando para ele sem qualquer traço de nervosismo. Era verdade que eu mal
conseguia suportá-lo. Não o aguentava… pior ainda, tinha desprezo por ele.
Por esse exato motivo, também estava feliz por saber que me aproveitaria
dele.
Ele não respondeu. Simplesmente pôs as mãos nos meus joelhos, abriu as
minhas pernas e se colocou entre elas. Suas mãos foram subindo pelas
minhas coxas, uma segurando o celular, a outra acariciando a minha pele
nua. A despeito de tudo o que a minha mente pensava ou queria, aquele
contato causou certo efeito no meu corpo.
— Vai logo — pedi. Os olhos dele brilharam incomodados, enquanto sua
mão esquerda agarrava fortemente a minha nuca e os seus lábios
carimbavam os meus de maneira brusca.
Acabei sentindo um friozinho na barriga. Seus lábios eram suaves e o
queixo me pinicava um pouco por causa da barba. Ele me beijou com raiva,
como se quisesse se vingar de todas as discussões que tínhamos tido desde
que nos conhecêramos. E então percebi que ele não estava tirando nenhuma
foto.
Eu o empurrei com todas as minhas forças e ele se afastou alguns
centímetros.
— Que tal tirar a foto? — sugeri, olhando para ele. Ele nunca tinha
ficado tão perto de mim, e pude ver como seus olhos eram claros, como
seus cílios eram longos… Ele era realmente muito bonito. Meu Deus, era
mais do que isso! Ele me deixava de perna bamba, apesar de, no fundo, eu
desprezá-lo.
— Que tal você abrir a boca para outra coisa que não seja dizer idiotices
e assim acabamos logo com isso? — ele replicou, e todo o meu corpo
estremeceu.
Ele ergueu o celular na altura das nossas cabeças.
Olhei para ele ao mesmo tempo que meus lábios se umedeciam de
maneira involuntária.
Então, ele me puxou em sua direção e me beijou. Pude ouvir o barulho da
câmera, e ele pôs a língua na minha boca e acariciou a minha nuca,
causando uma avalanche de sensações no meu estômago. Sem nenhuma
razão aparente, nossos lábios continuaram se movendo, unidos.
Eu estava gostando do que sentia naquele momento. Meu corpo inteiro
ardia de paixão naquele instante, e no fundo da minha alma percebi que
estava me vingando de verdade. Estava gostando daquele beijo… Azar do
meu ex-namorado!
Percebi as suas mãos nas minhas pernas de novo. Aquilo era pura e
simples luxúria. Nada mais. E ódio. Nós nos odiávamos, não nos
suportávamos, e tudo bem usarmos esse sentimento mútuo daquela maneira.
Ergui as minhas mãos e enfiei os dedos entre os seus cabelos escuros.
Dane-se a sensatez!
Suas mãos acariciaram a parte interna das minhas coxas e estremeci, com
partes inomináveis do meu corpo ardendo de desejo. Então, ele mordeu meu
lábio inferior, me fazendo tremer.
— Não pare — ordenei quando suas mãos subiram para a minha cintura.
Queria que ele continuasse, queria que me fizesse esquecer de tudo o que eu
estava sentindo naquele momento, que acabasse com a minha tristeza, me
livrasse de todos os meus demônios. Queria usá-lo para isso, queria usá-lo
como alguns caras usam as mulheres, eu queria…
Então, ele se afastou.
Abri os olhos, surpresa. Por que ele tinha parado?
— Você já tem a sua foto — disse, colocando o celular na minha mão.
Eu o observei com a respiração entrecortada, brava porque ele tinha
parado, brava porque ele tinha interrompido a única coisa que sabia fazer
bem, brava porque não o suportava e brava porque odiava tudo que vinha
dele, o pai, aquela maldita vida, e como tudo aquilo tinha mexido com a
minha realidade.
— Então é isso? — perguntei, incomodada. Notei que minhas bochechas
estavam ardendo, que meu corpo queria que ele continuasse me tocando.
— Tente ficar longe da minha vista hoje — ele advertiu, olhando para
mim com verdadeiro desprezo.
O que tinha acontecido? O que tínhamos acabado de fazer?
Olhei para Nick enquanto ele se afastava e eu sentia um frio estranho na
barriga.
12
NICK
Tinha vencido todos os rachas até ali. Lá perto, na outra pista criada no
deserto, os demais pilotos já tinham sido eliminados e só restava o Ronnie.
Não era de se estranhar: ainda que meu colega Kyle fosse muito bom,
Ronnie era um dos melhores.
A final se desenhava, e eu estava ansioso pelo resultado.
Faltavam uns vinte minutos para a corrida. Eu estava encostado no meu
carro, bebendo uma cerveja e fumando um cigarro. Noah permanecia por
perto com a Jenna. Considerando o pouco que eu tinha visto, as duas
estavam se esbaldando, bebendo e se divertindo muito. Eu entendia o que
ela estava fazendo; queria beber e esquecer do namorado, e eu a seguia com
os olhos, atento a qualquer movimento que fizesse.
— Você está estranho hoje — afirmou uma voz conhecida atrás de mim.
Eu me virei para Anna ao sentir a sua respiração cálida no meu pescoço.
Assim como eu, ela também estava diferente. Usava um vestido curtíssimo
e decotado, que deixava à mostra as suas pernas esbeltas. Olhava para mim
com desejo, como sempre ocorria quando estávamos juntos.
Virei-me para ela e a observei com calma.
— Não é uma das minhas melhores noites — esclareci, para que ela não
esperasse ser tratada com carinho.
— Posso fazer com que ela melhore bastante — ela respondeu, grudando
em mim e oferecendo uma vista privilegiada dos seus seios. — Você só
precisa vir comigo — adicionou com um tom sedutor.
Olhei cuidadosamente para ela. Ainda faltavam quinze minutos para o
último racha e a verdade é que não seria nada mal relaxar um pouco no
banco de trás do meu 4x4.
— Tem que ser rápido — eu disse, enquanto a puxava para o meu carro.
Quinze minutos depois, voltamos para onde as pessoas esperavam
ansiosas pela final. Transar com a Anna tinha me ajudado a espairecer. Eu
podia ter quem eu quisesse, não ia deixar que uma adolescente de dezessete
anos mexesse comigo…
Então eu a vi.
As pessoas tinham se afastado do local da largada e já se acercavam da
linha de chegada. Os únicos que sempre ficavam eram o Lion e a Jenna…
Mas não havia nem sinal do meu amigo em lugar nenhum.
A única coisa que vi antes que minha Ferrari preta partisse foi o cabelo
loiro-acobreado da minha pseudoirmã pelo retrovisor.
13
NOAH
Depois do que tinha acontecido com o Nick, decidi não me aproximar mais,
como ele havia pedido. Tinha sido estranho e prazeroso, mas bastou ele
abrir a boca para eu me lembrar da pessoa com quem eu estava fazendo
aquilo. Pelo menos tinha conseguido o que queria. Vinguei-me do Dan,
mesmo que no fundo eu soubesse que nada me faria sentir melhor, quando
duas pessoas tão importantes para mim tinham me enganado daquela
maneira.
A foto que o Nick tirou me deixou um pouco incomodada. Nunca tinha
tirado fotos com o Dan enquanto nos beijávamos… Além disso, acho que o
Dan nunca tinha me beijado daquela maneira. Quando olhei para a foto,
fiquei arrepiada. Nela, era possível ver os nossos perfis entrelaçados, os
lábios entreabertos do Nick nos meus enquanto aproveitávamos o momento,
de olhos fechados. Minhas bochechas estavam coradas, mas o semblante do
Nick era duro, frio e terrivelmente irresistível. Só pelo perfil já dava para
ver o quanto ele era atraente… O Dan ia subir pelas paredes. Eu sabia. Ele
era muito egoísta, mas normalmente dirigia esse egoísmo para outras
pessoas, não para mim.
Escrevi uma mensagem para mandar junto com a foto:
NICK
NOAH
Como a Jenna havia previsto, algumas horas mais tarde a casa se tornou
uma loucura. Não eram nem nove da noite quando a campainha começou a
tocar. Dezenas de pessoas carregando barris de cerveja começaram a entrar
pela porta. Ao ouvir a balbúrdia, Nicholas apareceu no alto das escadas e
pediu que todos os convidados entrassem e colocassem música para tocar.
A bebida começou a rolar como se fosse água e a música ressoou por
alto-falantes que eu não sabia nem onde estavam. Estava me sentindo
completamente deslocada com meu short de moletom e meu coque
malfeito. Jenna tinha ido para casa se trocar e ainda não tinha voltado, então
fui para o meu quarto vestir algo melhor e mais apropriado para aquela
noite. Procurei no meu closet alguma coisa que me deixaria confortável e
bonita ao mesmo tempo.
Encontrei um short preto que se adaptava ao meu corpo como uma
segunda pele e uma blusinha laranja que combinava muito com o bronzeado
que eu tinha conseguido nos últimos dias. Satisfeita, soltei o cabelo, calcei
sandálias baixinhas, porque não ia usar salto na minha própria casa, e saí
correndo quando ouvi novamente a campainha, que fazia um barulho tão
alto quanto a música.
Antes que eu chegasse lá, minha amiga já tinha entrado junto com o
namorado, Lion. Ver os dois juntos era um colírio para os olhos. Ela, ao
contrário de mim, tinha escolhido saltos enormes e, ainda assim, continuava
um pouco mais baixa que o namorado, que usava calça jeans e uma
camiseta preta larga.
Jenna se aproximou com um sorriso divertido.
— Você tá um arraso, gata — ela disse. — Já está de olho em alguém?
Você precisa de alguém para cuidar desse corpinho! — gritou, dando uma
gargalhada e me fazendo ficar vermelha, mas não consegui segurar a risada.
Jenna era um sopro de ar fresco, e, apesar de nos conhecermos apenas há
poucos dias, eu já sabia que podia confiar nela.
— Vamos beber alguma coisa, estou com a garganta seca — Lion propôs,
depois de ficar um tempo cumprimentando os presentes, que batiam os
punhos nos dele.
Já na cozinha, Jenna foi direto para o barril de cerveja e eu aceitei quando
ela me ofereceu um daqueles copos vermelhos com um líquido espumante.
A bebida estava ótima, gostosa e refrescante, e agradeci por ter aquela
distração e assim me esquecer por algum tempo do meu ex.
Continuei bebendo enquanto minha cabeça se afastava dos meus
sentimentos horríveis e do rosto do Dan, tão loiro e tão bonito, e da
lembrança das suas mãos me acariciando quando ficávamos sozinhos, ou de
quando ele beijava meu nariz no inverno e dava risada, falando que estava
parecendo uma rena de Natal. Me sentia uma idiota rememorando esses
eventos estúpidos, mas tinham sido nove meses da minha vida… Sei que
não era muito, mas foram intensos… Eu o amava… Fora o meu primeiro
namorado de verdade, e o fato de ter me traído com alguém tão
importante… Não, o simples fato de ter me traído…
Irritada, me virei e entrei na casa para pegar mais cerveja. Justo nesse
instante recebi um e-mail no celular. Achava que seria do Dan, mas, ao lê-
lo, entendi que era da mesma pessoa que tinha me mandado a foto do Dan e
da Beth se beijando. Quem quer que fosse, estava claro que gostava de me
atormentar, já que o assunto da mensagem era:
NICK
NOAH
Já tinha passado das onze e meia quando percebi que não ia conseguir
dormir. Desde o que tinha acontecido na noite anterior com o Nicholas, a
lembrança dos seus beijos e de suas carícias na minha pele não saía da
minha cabeça. Meus pensamentos só me levavam a ele e em nossos lábios
se unindo. Estava grata pela distração, porque era melhor do que me
afundar na tristeza e nas lembranças da minha vida antiga.
Não gostava de ficar sozinha em uma casa tão grande. Não fazia ideia de
onde estava o Nicholas, pois, mesmo tendo acordado às oito da manhã, não
cheguei a vê-lo saindo.
Não entendia por que diabos estava preocupada… Desde quando eu me
importava com o paradeiro dele? Com certeza ele estava transando com
alguma das garotas da sua lista de mais fáceis, sem nem sequer pensar no
que tínhamos feito na noite anterior. Será que só eu achava que tudo havia
sido uma loucura completa? Pelo amor de Deus, éramos irmãos, ou algo
parecido… Morávamos sob o mesmo teto e nos dávamos muito mal, tanto
que me irritava com qualquer lembrança relacionada a ele, menos a dos
beijos e carícias da noite anterior.
Eu estava carente. Minha mãe tinha viajado para o outro lado do país e
meus amigos da vida inteira estavam bem longe de mim. Tudo ali era novo
para mim, eu nem sabia como andar por aquela cidade tão grande. A Jenna
estava sempre grudada no namorado, então não dava para contar muito com
a companhia dela. Eu precisava estar com outra pessoa, conversar, ou pelo
menos não me sentir tão sozinha.
Pelo menos eu tinha conseguido conquistar o cachorro do Nick, o Thor.
Naquele instante, estávamos os dois deitados no sofá: ele apoiando a cabeça
peluda e escura no meu colo, eu fazendo carinho nas suas orelhas. O cão
não era nada do que o idiota do Nick tinha pintado; pelo contrário, era um
cachorro muito carinhoso e fácil de conquistar com uma caixa de biscoitos
caninos nas mãos. Era esse o tamanho da minha tristeza: minha melhor
companhia nessa casa era um ser de quatro patas que gostava de carinho nas
orelhas e cujo passatempo favorito era buscar as bolinhas que eu jogava
para ele.
Estava assistindo a um filme na televisão quando reparei que a porta da
entrada se abriu. Thor estava num sono tão profundo que apenas moveu as
orelhas na direção do som quando uma figura alta apareceu no hall. A sala
ficava colada na antessala.
Senti um frio na barriga quando vi quem era.
—Nick — chamei, quando vi que ele tinha intenção de subir. Ou ele não
havia percebido a minha presença ou simplesmente decidira não me
cumprimentar. Certamente, a segunda opção era a correta, e logo me
arrependi de tê-lo chamado.
Ele se virou para a sala e um segundo depois estava à porta, olhando para
mim.
Sob a luz tênue da televisão e da pequena luminária da entrada, só
consegui ver que ele parecia esgotado. Ele se apoiou na entrada e ficou me
olhando, com o rosto impassível.
— O que está fazendo acordada? — perguntou, alguns segundos depois.
Demorei para responder porque fiquei hipnotizada olhando para ele. Parecia
mais velho e mais cansado… Estava realmente atraente.
Tentei me concentrar no que ele tinha perguntado.
— Não estava conseguindo dormir… — respondi em um tom cuidadoso.
Acho que, desde que a gente tinha se conhecido, era a primeira vez que
conversávamos de uma maneira minimamente normal.
Ele assentiu, e seus olhos se desviaram para o Thor.
— Então, você o conquistou — disse, franzindo a testa. — Meu cachorro
é um traidor…
Sorri involuntariamente ao notar que aquilo o incomodava de verdade.
— Bom, não é fácil resistir aos meus encantos — falei brincando, e então
os seus olhos se cravaram nos meus.
“Merda.”
Depois de um silêncio incômodo, desviou o olhar para a televisão.
— É sério que você está vendo desenhos? — perguntou, incrédulo.
Fiquei grata por mudarmos de assunto.
— Mulan é um dos meus filmes favoritos — admiti em um tom sério.
Senti borboletas no estômago quando um sorriso se desenhou no rosto
dele.
— Eu entendo, sardenta. Quando eu tinha quatro anos, também era o meu
favorito — disse com sarcasmo, aproximando-se do sofá e se jogando do
meu lado. Apoiou os pés na mesa, ao lado dos meus, e por um instante
ficamos quietos assistindo ao filme.
Aquilo era estranho demais, e quando eu achava que não poderia ficar
mais incomodada, Nick se virou para mim e ficou me olhando. Permaneci
quieta, consciente de que ele estava bem perto de mim. Esse Nick ao meu
lado não tinha nada a ver com aquele que eu conhecera quando cheguei.
Parecia tão relaxado, sem aquele ar de desdém e superioridade… e percebi
que estava daquele jeito porque havia uma tristeza evidente no seu olhar.
— Onde você estava? — perguntei, sussurrando. Não sabia por que tinha
baixado meu tom de voz, mas me senti estranha perguntando aquilo. Não
queria demonstrar que me importava com o que ele andava fazendo.
Os olhos dele percorreram o meu rosto até voltarem a se concentrar nos
meus olhos.
— Fui ver alguém que precisava de mim — respondeu, e pelo jeito de
falar deu para perceber que não se tratava de ninguém da sua lista de
amigas. — Por quê? Ficou com saudade de mim? — disparou, um segundo
depois. Percebi que ele tinha se aproximado, mas eu não queria me afastar.
De alguma maneira, sua presença me dava vontade de sorrir e aliviava
aquela opressão no meu peito, aquela tristeza profunda que sentira o dia
inteiro.
— Não gosto de ficar sozinha numa casa tão grande — admiti, ainda
sussurrando.
Sua mão estava apoiada no encosto do sofá e perdi o fôlego quando senti
os seus dedos acariciando com cuidado o meu cabelo, depois a minha
orelha.
Estávamos nos olhando de frente e parecia que o tempo tinha parado.
Não estava mais ouvindo o filme nem mais nada além da sua respiração e
das batidas enlouquecidas do meu coração.
— Então ainda bem que eu já voltei — ele disse. Depois, inclinou-se e
pressionou suavemente os lábios contra os meus. Foi um beijo cálido e
cheio de expectativa. Fechei os olhos para me deixar levar pelo momento e
alguns segundos depois as minhas mãos subiram ao seu rosto. Senti sua
barba por fazer na palma da minha mão e acariciei-o até chegar aos
cabelos… Seus lábios ficaram mais insistentes até que entreabri a boca e
aquela língua me invadiu. Fiquei arrepiada quando ele baixou as mãos para
os meus ombros, passando pelas minhas costelas para chegar à minha
cintura.
Ele estava se comportando de uma maneira completamente diferente da
noite anterior. Estava me tocando com carinho e suavidade, como se eu
fosse ultrafrágil. Me percebi deixando escapar gemidos quase inaudíveis
quando os seus dedos seguiram pela minha cintura até chegar às minhas
costas. Eu me inclinei quase involuntariamente para que o meu corpo
ficasse ainda mais perto do dele, e depois agi quase sem pensar.
Eu me aproximei ainda mais e passei a perna por seu colo, montando em
cima dele. Nick olhou para mim hipnotizado e se afastou do encosto do sofá
para me apertar entre os seus braços. O beijo se tornou mais profundo, mais
desesperado; as mãos dele pareciam querer estar em todas as partes. Porém,
quando eu estava literalmente me derretendo, parei, separando bruscamente
a sua boca da minha.
Arregalei os olhos surpresa e com a mente em branco. Era isso que ele
provocava em mim. Ele fazia com que eu me esquecesse de absolutamente
tudo, e era disso que eu estava precisando.
Os olhos dele estavam fixos nos meus lábios, e senti a urgência que ele
tinha de voltar a beijá-los.
Ele se afastou alguns centímetros e me procurou com o olhar.
— Isso não é certo — ele disse, repentinamente sério. — Não me deixe
mais fazer isso. Você é minha irmã postiça e tem dezessete anos —
continuou, como se de alguma maneira isso fosse relevante. — Não vai
acontecer de novo — sentenciou, levantando-se e me deixando sentada no
sofá.
Olhei para ele, meio incomodada, meio ofendida.
Ele tinha me beijado e agora falava aquelas coisas? Queria que ele
voltasse, queria me sentir bem outra vez, precisava daquilo mais que tudo,
porque aquele dia tinha sido horrível, estava me sentindo uma merda, sem
ter ninguém para conversar ou para quem ligar. Todas as pessoas de quem
eu gostava estavam ocupadas ou tinham me traído.
Olhei fixamente para ele.
— Se não quer que aconteça mais, é só parar de vir atrás de mim. Até
agora, foi você quem começou todos os três beijos — joguei na cara dele,
levantando-me do sofá e passando esbarrando por ele. — Vamos, Thor! —
gritei para o cachorro.
Subi brava e desconcertada para o meu quarto. Bati a porta e me joguei
na cama. Depois de algum tempo, cheguei à conclusão de que realmente
seria melhor que aquilo não voltasse a acontecer.
A única coisa boa daquela visita à escola foi que, logo depois, minha mãe
e eu fomos comprar um carro para mim. Já fazia um ano que eu dirigia e
tinha doído na alma deixar a minha caminhonete no Canadá, então peguei
todas as minhas economias e, com a ajuda extra que minha mãe ia me dar,
ia comprar um carro seminovo para andar por onde quisesse pela cidade. O
William tinha insistido que poderia comprar um automóvel novo para mim,
em perfeitas condições, sem nenhum problema, mas aí tive que me impor.
Uma coisa era ele comprar coisas para a minha mãe e pagar a minha nova
escola, minhas roupas e tudo o mais, mas o carro quem compraria seria eu.
Também estava pensando em começar a trabalhar para cobrir os meus
gastos. Não estava feliz com a ideia daquele homem pagando
absolutamente tudo para mim, como se eu tivesse doze anos. Eu já era bem
grandinha, e podia arrumar um trabalho que me ajudasse a cobrir minhas
despesas.
Minha mãe não se opunha à decisão. Ela aprovava que eu quisesse
trabalhar, como já fazia desde os quinze anos. Eu gostava da sensação de
não precisar ficar pedindo dinheiro para fazer o que eu quisesse. Por isso
mesmo, ela tinha me ajudado a encontrar uma vaga de garçonete em um
local bem conhecido que ficava a uns vinte minutos de carro da nossa casa.
O nome do lugar era Bar 48, uma mistura de bar e restaurante. Obviamente,
eu não poderia servir bebidas alcoólicas, mas trabalharia como garçonete.
Já tinha tido essa experiência e me saíra bem. Ia começar na semana
seguinte, trabalhando à noite.
Não demoramos muito para escolher um carro. Na verdade, o importante
para mim era que funcionasse direitinho. Optamos por um Fusca que estava
em ótimo estado. Eu não entendia muito de modelos de carros, apesar de ter
facilidade em dirigir, mas esse era bem fofo e a cor vermelha ganhou meu
coração. Fiz o pagamento, assinei a papelada e me senti livre quando voltei
para casa dirigindo o meu próprio automóvel.
Achei graça ao estacionar o meu carrinho entre a Mercedes do Will e o
4x4 do Nick. Parecia quase uma metáfora de como eu me sentia naquela
família. Desci do meu carro com o humor ótimo, justo quando o Nicholas
estava saindo de casa, girando a chave de seu Range Rover nas mãos. Ele
tirou os óculos de sol para poder analisar a minha nova aquisição.
Sua expressão foi um misto de diversão e horror. Dei de ombros, pronta
para ouvir os comentários.
— Por favor, me diga que isso que você trouxe não é um carro —
suplicou, se aproximando e negando com a cabeça enquanto olhava de mim
para o Fusca com condescendência.
Não ia deixar que ele estragasse o meu humor, então simplesmente engoli
o sapo e preferi guardar todos os insultos para mim.
— É o meu carro, e quero que você pare de olhar para ele desse jeito —
disse, tentando controlar o nervosismo por estar à sua frente depois dos
beijos que trocamos no sofá na noite anterior.
Ele parecia contrariado. Sem pedir permissão, aproximou-se da dianteira
e abriu o capô para analisar melhor o carro.
— O que você está fazendo? — perguntei, indo em sua direção. Levantei
a mão para fechar o capô, mas o seu braço esticado o manteve aberto com
determinação, ignorando minhas tentativas inúteis de afastá-lo dali.
— O carro passou por uma revisão? — indagou, mexendo em peças do
motor que eu nem saberia nomear. — Essa carroça vai te deixar na mão no
meio da estrada. É perigoso só de olhar para ele. Não acredito que a sua
mãe deixou você comprar isso aqui — comentou, irritado.
— Se eu ficar na mão no meio da estrada, infelizmente não vai ser a
primeira vez, graças a você. Então não precisa se preocupar, pois eu me viro
— falei, tirando os dedos dele um por um do capô do carro. Depois, quando
ele finalmente se afastou, bati a tampa com força.
Ele cruzou os braços e me encarou.
— Se você estivesse com o seu celular, como qualquer pessoa normal,
não teria precisado entrar no carro de um estranho… Por que você não
supera essa história? — perguntou, exasperado. Percebi um sinal de
arrependimento em seu rosto quando mencionei o ocorrido.
— Você me jogou para fora do carro e meu celular estava sem bateria. De
qualquer maneira, tanto faz, né? Me esquece! — adicionei, querendo que
ele saísse da minha frente.
Ele me olhou como se eu o tirasse do sério. “Que ótimo, bem-vindo ao
clube”, pensei.
Quando me virei para me afastar, ele segurou o meu braço e me puxou,
me deixando diante dele.
Ele parecia estar em conflito, como se, de alguma maneira, não soubesse
o que fazer ou dizer na sequência. Alguns segundos depois, quando eu já
estava perdida no azul dos seus olhos e meu coração começou a acelerar,
ofereceu:
— Eu posso levá-la para onde você quiser — ele disse com a testa
franzida, como se eu não fosse acreditar que aquelas palavras tinham saído
da sua boca.
Demorei alguns segundos para responder.
— Não precisa — respondi, um pouco confusa com a proximidade e com
o que ele tinha dito. Nicholas Leister tinha acabado de ser gentil comigo?
“Acorda, isso não pode ser verdade.”
Por um momento ficamos em silêncio, um imerso no olhar do outro…
Estava com tanto frio na barriga que mal conseguia respirar. Como a
simples proximidade dele podia me deixar daquele jeito? Para onde tinha
ido o ódio que há pouco tempo eu sentia por ele? Por que, agora, a única
coisa que eu sentia quando ele estava por perto era um desejo obscuro e
incontrolável de beijá-lo, de me jogar nos seus braços como na noite da
festa, quando ele estava bêbado demais para se dar conta do que estava
fazendo?
A mão que apertava o meu braço se aproximou em um movimento quase
imperceptível. Agora, estávamos perto o suficiente para rolar alguma
coisa… Meu Deus, que lábios! Só conseguia pensar na língua dele
acariciando a minha e naqueles braços me apertando contra ele…
Então, justo quando achei que íamos nos beijar, o barulho de uma buzina
me fez dar um salto, e meu coração saiu pela boca. Nicholas simplesmente
virou o rosto para ver quem era.
Dei um passo para trás, tentando controlar a minha respiração, que estava
acelerada de maneira embaraçosa.
— Oi, Noah! — Jenna cumprimentou da janela do carro do Lion. Ele nos
cumprimentou do banco do motorista. — Nick, você não se importa se eu
convidar a Noah, né? — ela perguntou, olhando para o Nicholas, que tinha
levado as mãos à cabeça em um movimento que evidenciava sua frustração,
irritação ou descontentamento, não dava para ter muita certeza.
Ele voltou a olhar para mim durante alguns segundos, que pareceram
eternos.
— Você quer vir com a gente? — perguntou.
Não sei por que, mas a minha resposta foi automática.
— Claro — respondi, com o coração ainda disparado. — Quer dizer… ir
para onde mesmo?
Nick olhou para Lion de maneira misteriosa.
— Não sei se ela está preparada para algo assim… — Lion admitiu,
soltando uma gargalhada enquanto se aproximava para encarar a gente.
Nick se virou para mim e sorriu de uma maneira irresistível.
— Até que pode ser divertido.
Vinte minutos depois, descemos do carro do Lion em um lugar que
parecia um galpão abandonado. Havia muita gente do lado de fora,
rodeando carros de cujos porta-malas abertos emanava música no volume
máximo. Lembrei-me do dia dos rachas, mas o ambiente tinha algo
diferente. Ao chegarmos, os amigos do Lion e do Nick se aproximaram e
todos se cumprimentaram de maneira escandalosa. Jenna se aproximou e
me abraçou pelos ombros. Diferentemente de mim, ela portava um vestido
preto bem justo que deixava seus ombros e parte de suas costas descobertos.
Seus cabelos caíam ao redor de seu rosto em ondas graciosas e
cuidadosamente despenteadas, que davam a ela uma aparência espetacular.
Eu me senti completamente deslocada com os jeans e a blusa que eu tinha
vestido naquela manhã para a entrevista na escola, mas não havia nada que
eu pudesse fazer a respeito.
— Hoje você vai ver o meu boy em ação — ela anunciou, com um
sorriso no rosto e os olhos animados. — E o Nick também — adicionou, me
puxando para abrirmos espaço no grupo de amigos que haviam se juntado
ao redor do Nick e do Lion.
Quando nos juntamos ao círculo, consegui escutar o assunto do qual
estavam falando.
— O Ronnie não veio, nem ninguém do grupo dele — disse uma pessoa
que eu tinha visto no dia dos rachas. Nicholas estava apoiado no carro com
um cigarro nas mãos e, quando mencionaram o nome de Ronnie, seus olhos
vieram parar nos meus. Desta vez, não me olhava com rancor pelo que tinha
acontecido naquela noite, mas como se estivesse decepcionado por não
poder enfrentar o seu maior adversário. Na minha opinião, ele estava
completamente doido por querer enfrentar alguém que andava armado, mas,
observando o comportamento do meu irmão postiço, não me surpreendia
muito que ele quisesse briga com um cara daqueles.
— De qualquer modo, o Greg e o A. J. estão aí, e as apostas são altas —
continuaram explicando. No rosto do Nick, surgiu um sorriso de satisfação.
Então, saiu de perto do carro, jogou o cigarro no chão e deu um tapinha nas
costas do amigo.
— Então, o que estamos esperando?
A multidão ao redor soltou palavras de incentivo e lhe deu tapas nas
costas. Eu não estava entendendo absolutamente nada, mas comecei a me
dar conta de para onde a coisa estava indo… e não estava gostando nada
daquilo.
Todos os outros se afastaram da gente e entraram no galpão, cujas portas
já estavam abertas. Lá dentro, a música e o barulho das pessoas
aglomeradas eram ensurdecedores. Esse pessoal só fazia coisas
espetaculosas? Não dava para irem tomar um café ou simplesmente ao
cinema? Automaticamente, percebi que não. Nicholas não era o típico rapaz
que levava as garotas que conhecia para um encontro romântico… Nicholas
vivia aventuras perigosas e gostava de estar cercado de pessoas que
buscavam exatamente o mesmo… Então, que diabos eu estava fazendo ali
com ele?
Lion se aproximou do Nick em um momento e consegui escutar
exatamente o que ele disse:
— Deixa o A. J. comigo. Você sabe que eu quero acabar com ele desde a
última vez — falou. Nicholas assentiu, e os seus olhos voltaram a se fixar
no meu rosto. Eu estava calada, sem saber o que fazer.
— Eu vou primeiro, como sempre — ele disse, enquanto se aproximava
de mim e me empurrava pela cintura para um lugar um pouco afastado da
Jenna e do Lion. Senti um calafrio a partir de seu toque e revirei os olhos.
— O que você vai fazer? — questionei, me virando de frente para ele.
Ele parecia entusiasmado.
— Vou brigar, sardenta — anunciou, com um sorriso satisfeito. — Sou
bom nisso, e o pessoal gosta de me ver brigando junto com o Lion. Só
preciso avisar que vai ter muita gente, então não se separa do Lion até eu
terminar e voltar para ficar com você e com a Jenna.
Ele ia brigar… Trocar socos e pontapés com outro cara por pura
diversão… Bom, havia dinheiro envolvido, mas eu sabia que o Nicholas
não precisava de nada disso. Ele era milionário. Então, por que diabos ele
se metia nessas situações perigosas?
— Por que você faz isso? — perguntei, olhando para ele com
desaprovação e medo.
— Tenho que extravasar de alguma maneira — respondeu, olhando para
mim de forma estranha. Então, me deixou quieta onde eu estava, com as
pernas tremendo de medo do que eu estava prestes a presenciar.
18
NICK
NOAH
Sair naquela noite com o Nicholas tinha sido um erro. Ele era muito
atraente, e eu perdia o rumo quando ele me tocava ou beijava, mas não
gostava do jeito dele. Nicholas Leister frequentava o tipo de ambiente do
qual eu mantivera distância a minha vida inteira. Brigas, festas selvagens,
drogas e álcool: sempre tinha evitado esse tipo de coisa. Ainda estava me
acostumando com a minha nova vida; não fazia nem duas semanas que eu
tinha chegado e tudo havia mudado. A história do Dan ainda mexia comigo,
e começar algum tipo de relação com o Nicholas só piorava as coisas,
porque sabia exatamente o que alguém como ele queria de alguém como
eu… Talvez eu fosse antiquada, esquisita ou sei lá o quê, mas gostava das
coisas à maneira antiga. Queria que o rapaz que quisesse estar comigo
demonstrasse isso todos os dias; gostava de frases carinhosas, pequenos
gestos… e Nick era o oposto disso. Não estava preparada para ter o coração
partido de novo, e ele ainda estava machucado. Pior, parecia que eu nem
tinha coração, só milhares de caquinhos que tentava juntar com o passar dos
dias.
Por isso, disse a mim mesma que precisava tentar manter uma relação
normal com o Nick. Não podíamos ficar juntos, mas tampouco tínhamos de
odiar um ao outro. Todas as brigas e o morde e assopra que mantínhamos
desde que nos conhecêramos eram muito cansativos, e morávamos na
mesma casa, então o melhor era sermos amigos, se é que era possível ser
amiga de alguém que me deixava de pernas bambas.
Parei perto da porta de entrada do galpão, esperando que a luta do Lion
terminasse. Não estava nem olhando. Odiava confrontos físicos e que
houvesse quem gostasse desse tipo de coisa, inclusive ganhando dinheiro ao
apostar contra alguém, o que me soava desagradável e humilhante.
Nicholas passou do meu lado sem olhar para mim e foi para junto da
Jenna e dos amigos dele. Quinze minutos depois, Lion ganhou a luta.
Porém, diferentemente do Nick, que só tinha levado um soco, Lion levara
vários golpes no peito e estava com um corte bem feio perto do olho
esquerdo. A Jenna se atirou nos seus braços quando o viu e lhe deu um
beijo intenso, enquanto o pessoal comemorava com entusiasmo. Era isso
que o Nicholas queria que eu tivesse feito? Que eu me derretesse porque ele
era capaz de deixar um cara cair inconsciente? Ridículo… O Nick se virou
para mim quando nos dirigimos para a saída.
Ainda bem que aquele lugar era bastante grande, porque provavelmente
havia umas duzentas pessoas reunidas ali.
Ele se aproximou até conseguir pegar na minha mão e me levar para a
saída. Foi estranho sentir os dedos dele entrelaçados nos meus, mas ele fez
isso de uma maneira distante, como se por pura praticidade, já que assim eu
não me perderia no meio da multidão. Não era para demonstrar afeto.
Quando chegamos ao carro, olhei para ele atentamente.
Alguma coisa tinha mudado desde a conversa: Nicholas parecia bravo
comigo e estava fingindo que eu nem estava com ele. Essa postura dele me
machucou, mas eu não poderia esperar outra coisa.
Olhei distraidamente para a sua mão machucada. Havia um pouco de
sangue ressecado nos ferimentos que tinha sofrido ao bater naquele rapaz.
De repente, senti náuseas e falta de ar.
Que diabos eu estava fazendo ali?
Nicholas afastou-se de mim sem falar nada e se aproximou de seu
grupinho de amigos. Não vi Jenna em lugar nenhum e logo me senti
sozinha, em um ambiente que me assustava mais do que eu admitiria em
voz alta.
Vasculhei minha bolsa até encontrar o meu celular.
— O que você está fazendo? — Nicholas perguntou, aproximando-se
justo quando eu punha o aparelho na orelha.
— Chamando um táxi.
Antes que eu pudesse impedir, ele arrancou o celular da minha mão.
— Você está maluca? O que fazemos aqui é ilegal. Você não pode
divulgar a nossa localização, pois podem acabar nos denunciando.
Olhei fixamente para ele. Sim, ele era mais bonito do que qualquer cara
que eu já tivesse conhecido, mas não valia a pena passar por isso e me
meter em problemas para ter um pouquinho da sua atenção.
— Eu quero ir embora.
— Por quê?
Respirei fundo, tentando me manter calma.
— Porque eu não gosto do seu mundo, Nicholas — sentenciei, um
segundo depois.
Ele não pareceu ofendido pela minha resposta, mas demonstrou
indiferença.
— Você não serve para isso. Eu não deveria tê-la trazido.
Não servia para aquilo? Não foi o que ele falou que me incomodou, mas
o tom da sua voz.
— Eu decidi vir, e agora estou decidindo ir embora.
Nicholas soltou uma risada e olhou para mim com indulgência.
— Não sei o que eu esperava ao trazê-la aqui, mas não era isso. Achei
que você fosse mais forte, sardenta. Você demonstrou não ter medo quando
enfrentou o Ronnie. Não imaginei que alguns socos pudessem deixá-la
nesse estado.
Seus olhos percorreram o meu corpo. Será que ele conseguia perceber
que eu estava suando frio? E quanto as minhas mãos estavam trêmulas?
— Bom, acho que minha coragem vai e vem — comentei, dando um
passo adiante e abrindo a mão para que ele me desse o celular.
Nick fez o aparelho girar entre os dedos, ainda mergulhado nas minhas
feições.
— Estou muito curioso para saber onde você aprendeu a pilotar como fez
naquele racha…
Mantive a cabeça erguida e os olhos fixos nos dele.
— Foi sorte de principiante. Meu celular, por favor.
Um sorriso retorcido surgiu no rosto dele.
— Você esconde mais coisas do que eu imaginava, sardenta —
reconheceu, dando um passo na minha direção. Recuei, afetada pela
proximidade, e minhas costas bateram contra a porta do carro.
— Todos temos os nossos segredos — respondi, abaixando o tom de voz
e sentindo que minhas pernas estavam tremendo outra vez.
— Vou logo avisando que sou um ótimo detetive — disse, se inclinando
para me beijar. Eu o impedi com um empurrão que mal o tirou do lugar.
Aquela resposta tinha me tirado do feitiço que ele era capaz de lançar
sobre mim. Meu coração batia enlouquecido.
— Fica longe de mim, Nicholas — eu pedi, mais séria do que nunca.
A última coisa que eu queria era que alguém como ele soubesse do meu
passado. Entrei em pânico só de imaginar. Sempre guardei os meus
segredos a sete chaves, ninguém sabia de nada, mas agora morávamos sob o
mesmo teto, e algumas coisas eu não conseguiria esconder. Fiquei
preocupada por ele ter descoberto, em tão pouco tempo, que havia coisas
que eu não deixava ninguém saber.
— Você quer que eu fique longe de você? O seu corpo parece dizer o
contrário.
O maldito tinha uma capacidade de mexer comigo que ninguém mais
tinha. Com aquele corpo na minha frente, tão grande e masculino, eu me
sentia um animalzinho encurralado prestes a ser atacado. Eu me sentia
pequena e insignificante em comparação a ele e não gostava dessa
sensação.
Ele pôs as mãos nos dois lados da minha cabeça, criando uma espécie de
jaula ao meu redor.
— Está com medo de quê? — perguntou, olhando nos meus olhos. Sua
boca pairava sobre a minha, sua respiração acariciava o meu rosto. Tinha os
olhos tão azuis… Agora que ele estava tão próximo, pude ver que, no meio
deles, perto das pupilas, havia pequenos pontinhos de coloração verde-água.
— De você — respondi com um sussurro quase inaudível.
Nick sorriu. Parecia satisfeito com a minha resposta, e isso foi um balde
de água fria na minha cabeça. Dessa vez eu o empurrei com força e escapei
dos seus braços.
— Você é um cretino — ralhei, brava comigo mesma por ter sido sincera
com ele.
Nick deu uma risada.
— Por quê? Porque eu gostei de saber que você tem medo de mim? É
normal, sardenta. Já estava começando a ficar preocupado por você não ter
medo.
— Tenho medo de você me trazer problemas — menti, numa tentativa
desesperada de apagar o que havia dito antes. Estava dando poder demais
para ele.
— É algo que eu evito com bastante habilidade, então você não precisa
se preocupar.
— Esse é o problema. Não quero ter que me preocupar. Agora, me dá o
celular para eu conseguir dar o fora daqui.
Nicholas suspirou, embora continuasse com aquele mesmo sorriso
divertido nos lábios.
— Que pena você ser tão arrogante. Achei que pudéssemos nos divertir
juntos.
— Não existe esse “juntos”… nem nunca vai existir.
Vinte minutos depois, Jenna já tinha me deixado em casa. Voltei a
respirar tranquila e prometi não cair de novo na conversa dele. Nicholas e
eu tínhamos que ficar longe um do outro.
NICK
Estava bravo. Mais do que isso… Não sabia muito bem o que era aquilo
porque nunca tinha me sentido assim antes. Tampouco entendia por que
tinha deixado a Noah me dizer o que eu deveria ou não deveria fazer, ainda
que com isso eu pudesse tê-la como desejava… O fato de cada célula do
meu corpo se animar quando ela estava por perto não bastava para que eu
tivesse aceitado ajudá-la naquela farsa ridícula para se livrar do namorado.
Já fazia tempo que eu tinha superado essas bobagens do tempo de escola e,
para ser sincero, tudo podia se resolver de uma maneira muito mais rápida e
eficiente. Era só eu quebrar as pernas daquele idiota e expulsá-lo da minha
casa, por exemplo. A Noah teria o que queria e eu ficaria mais à vontade
com essa solução.
Entrei no carro, bati a porta com tudo e não parei para pensar que tinha
deixado a Noah a sós com aquele imbecil em casa. Depois de vê-la, não
acreditava que havia chance de algo rolar entre eles. Percebi que me senti
muito sozinho ao imaginar os dois juntos e pisei fundo no acelerador,
fugindo para o mais longe possível do lugar que se tornaria minha própria e
martirizante prisão, se eu não tomasse cuidado.
Desde que tínhamos nos pegado, tudo mudara. Aquela irritação que
sentíamos um pelo outro se transformara em um desejo incontrolável, que
me deixava em uma situação complicada. Não sabia o que eu queria, mas
tinha certeza de que começar a me relacionar com a Noah não era o mais
indicado para alguém como eu. Dava para perceber que a Noah gostava de
relacionamentos sérios, e minha relação com as mulheres nunca tinha sido
monogâmica. Eu gostava da variedade e fugia de compromisso com todas
as minhas forças. Nenhuma mulher merecia mais atenção do que eu estava
disposto a oferecer, e não deixaria que ninguém tivesse controle sobre mim
ou sobre as minhas decisões. Eu faria o que eu quisesse e com quem eu
quisesse. Noah Morgan me atraía como nenhuma outra garota, tinha que
admitir; eu a desejava com tanta força que doía ficar longe dela. Minha
mente criava tantas fantasias com ela que, quando estava por perto, eu
perdia a compostura e deixava meu corpo me guiar. Com a Noah era tudo
diferente, e por isso mesmo eu tinha que tomar cuidado.
Estacionei o carro quando cheguei na casa da Anna. Peguei o celular e
liguei para ela.
— Estou aqui fora — anunciei, quando a sua voz soou do outro lado da
linha. Já eram onze da noite, e alguns minutos depois ela saiu de casa e se
aproximou do carro com um sorriso que prometia muitas coisas.
Abri a janela ao perceber que ela não entraria no carro.
— Meus pais não estão. Você quer entrar? — perguntou, com um sorriso
ardente e sexy.
Não pensei duas vezes. Desci do carro e ela veio ao meu encontro. Antes
que eu pudesse dizer qualquer coisa, os lábios dela já estavam nos meus.
Ela sempre usava algum batom de sabor característico e eu nunca tinha me
importado… até esse dia. Eu me afastei e entramos na casa.
— Fazia tempo que você não vinha — comentou um momento depois, e
percebi os olhos dela cravados no meu rosto.
— Ando meio enrolado — respondi em tom cortante. Não conseguia
parar de pensar que a Noah ia dormir no quarto ao lado do ex-namorado
dela.
Entrei na sala à minha direita. Por algum motivo inexplicável eu não
queria subir para o quarto.
— Estava com saudades de você, Nick — Anna disse, sentando-se ao
meu lado.
Percebi suas bochechas coradas e seus lábios brilhantes e atraentes. Eu
me aproximei dela, colocando uma das mãos em seu joelho e fazendo
carinho em sua pele, do jeito que ela gostava.
— Você não deveria ter saudades de mim, Anna — adverti, com o olhar
fixo na escuridão dos olhos dela. — A gente não tem nada.
Notei uma tensão surgir em seus olhos, mas ela não deixou que aquilo a
afetasse. Nós dois sabíamos como era nosso relacionamento. Eu a tratava de
uma maneira especial, era verdade, mas desde o primeiro instante eu soube
que nunca seríamos nada mais do que já éramos naquele momento. Eu
nunca pertenceria a uma mulher, não deixaria que me machucassem outra
vez.
Os lábios dela alcançaram os meus e devolvi o beijo mais por costume do
que por verdadeiro desejo. Aquilo me incomodou. Anna era uma garota
muito bonita e atraente, a gente sempre teve uma química, maior do que eu
tinha com qualquer outra, mas daquela vez nada estava acontecendo… e
isso me deixou irritado.
Com a mão que estava livre, segurei-a pela nuca e a obriguei a me beijar
com mais intensidade. Anna era uma garota inteligente, sabia do que eu
gostava e como eu queria que ela se comportasse. Suas mãos me puxaram
pela camiseta e ficamos colados, sentindo o calor e o fogo dos nossos
corpos… mas não era aquilo que eu estava procurando.
Eu me afastei depois de um momento. Ela olhou para mim com os olhos
ardentes, querendo mais.
— Por que não subimos para o meu quarto? — ela propôs, com as mãos
coladas na minha camiseta. Eu a afastei de mim e me virei para a televisão,
que estava ligada.
— Não estou com vontade — respondi simplesmente.
Anna suspirou e pegou a bolsa que estava na mesa.
— Você quer? — ela ofereceu, mostrando o baseado entre os seus dedos.
Tirei um isqueiro do bolso da calça e me inclinei para acender o baseado,
que ela sustentava entre os lábios.
— Isso vai te animar — ela garantiu, passando o cigarro para mim um
segundo depois.
Naquela noite, deixei que meus problemas desaparecessem.
Voltei para casa umas três da manhã. Estava com dores pelo corpo
inteiro, parecia que tinha tomado uma surra. Ao passar pelo quarto da Noah
e notar a luz acesa por baixo da porta, uma onda de ira percorreu o meu
corpo. Se a luz estava acesa, ela estava acordada, e com certeza
acompanhada. Abri a porta sem hesitar, pronto para dar de cara com o
babaca que agora dormia sob o mesmo teto que eu.
Parei de imediato quando me deparei com a Noah dormindo
tranquilamente. Estava enrolada em um fino lençol branco, seus cabelos
loiros esticados sobre o travesseiro, seus olhos fechados e calmos. A luz da
mesinha estava acesa, iluminando de maneira tênue todo o quarto… e não
havia sinal do tal Dan.
Respirei fundo, tentando tranquilizar aquelas ondas de raiva que
percorriam meu corpo por ter imaginado milhares de cenas da Noah deitada
na cama com o ex-namorado, fazendo de tudo menos dormir. Mas ela tinha
medo do escuro, como descobri na primeira noite que ela dormiu em casa, e
tive uma sensação reconfortante ao me lembrar disso.
Fiquei olhando para ela dormindo; parecia tranquila, e sua respiração era
regular e sossegada. Nunca tinha parado para observar uma garota dormir:
era algo fascinante. Eu me aproximei um pouco mais, querendo comprovar
uma teoria. Automaticamente, ao chegar mais perto dela, meu coração
começou a se acelerar sem sentido nem lógica. Uma sensação estranha e
desconhecida percorreu o meu corpo e de repente me senti melhor…
incomodado, mas melhor. Minhas mãos queriam acariciar aqueles lábios
grossos e macios cor de cereja. Toda a minha anatomia queria entrar em
contato com aquele corpo e entendi que nada mudaria. Não fazia diferença
ficar com a Anna ou com qualquer outra garota… Nada seria tão intenso
quanto o que eu sentia naquele instante, por aquela garota que estava
dormindo diante de mim.
21
NOAH
Naquela manhã, acordei mais tarde do que o normal. Não sei se por causa
do redemoinho de pensamentos contraditórios que levei para a cama ou
porque sabia que o dia seria muito complicado, mas, ao me levantar e ver
que o céu estava nublado, soube que nada resultaria de bom do pedido de
favor que fiz ao Nicholas e de ter deixado que meu ex dormisse em casa.
Enquanto vestia um maiô e uma saída de praia, disse a mim mesma que
teria de aguentar só até as sete da noite. Depois, eu começaria no meu novo
emprego e poderia desaparecer, evitando o Dan sem problemas.
Além do mais, fiquei pensando bastante antes de dormir, e os únicos
sentimentos que sobraram pela pessoa que tinha sido tudo para mim eram
raiva e rancor. Estava brava, não queria nem olhar para ele. E, pior, me
sentia uma idiota por ter deixado que me beijasse. Não sei se era porque ele
não estava na minha frente no momento, por isso as lembranças que ele
suscitava não vinham à tona. De manhã, não queria nem olhar na sua cara.
Quando entrei na cozinha e o vi sentado à mesa, com uma xícara de café
e o olhar cravado no celular, não pude evitar fulminá-lo com os olhos. Ao
me ver, Dan ergueu o olhar e me observou passar por ele para ir até a
geladeira pegar o suco de laranja.
— Estava esperando você descer — ele disse, levantando-se da cadeira e
se apoiando no balcão ao meu lado. Eu o ignorei enquanto cortava uma
fatia de pão e a colocava na torradeira. — Os seus pais já saíram.
— Minha mãe — corrigi, irritada.
Dan suspirou e finalmente decidi olhar para ele. Seu cabelo loiro estava
ajeitado e ele vestia o seu melhor jeans e uma camiseta com uma frase
ridícula.
— Você não quer falar comigo? — perguntou, sem tirar o olhar de mim.
— Quero você de volta, Noah. Não atravessei um país inteiro para sair de
férias. Eu vim para conseguir o seu perdão.
— Não tenho nada para perdoar, Dan — rebati, contundente. — Você me
traiu, e não foi uma vez só. Eu recebi as fotos, nem sei quem as mandou,
mas imagino que tenha sido uma das suas amiguinhas. Elas nunca
aceitaram que estivéssemos juntos, e pelo visto a minha melhor amiga
também não.
Antes que Dan pudesse responder à acusação, Nick, de torso à mostra e
calças de pijama folgadas no quadril, apareceu na cozinha. Estava com o
cabelo bagunçado e os pés descalços… Foi difícil não compará-lo com
quem estava ao meu lado. Meu coração se acelerou à sua simples presença,
e Dan desviou os olhos para ver quem tinha chamado a minha atenção de
maneira tão absoluta.
Nick parou e analisou a situação. Mordi os meus lábios de nervoso. O
que será que ia acontecer agora?
Dan contraiu a mandíbula ao perceber quem era, e eu, pela primeira vez
desde sua chegada, senti forças para enfrentá-lo.
— E aí? Ainda não fomos apresentados — Nick disse, aproximando-se
da gente e estendendo a mão. Dan reagiu um segundo depois, e vi as veias
do braço do meu irmão postiço saltarem quando ele apertou com força a
mão do meu ex. Dan tentou esconder como pôde a expressão de dor que o
aperto de mão lhe causara, e fiquei inquieta. — Sou o Nicholas.
— Dan — meu ex respondeu, sem tirar os olhos do recém-chegado.
O que aconteceu em seguida deixou Dan completamente desnorteado:
Nick se aproximou de mim e se inclinou para me dar um beijo quente nos
lábios.
— Bom dia, linda — ele me cumprimentou com os olhos brilhando por
um motivo indecifrável.
Depois do beijo, serviu-se de uma xícara de café e foi para o jardim.
“Que maravilha, Nick. Obrigada por dar uma pedrada e sair de fininho.”
— O que significa isso, Noah? — Dan perguntou, com os olhos
faiscando.
Dei de ombros, sem olhar para o rosto dele.
— Significa que eu segui em frente — respondi, sentando-me na cadeira
e dando um gole no meu suco.
Dan me olhava ainda sem acreditar no que tinha acabado de presenciar.
— Você não demorou nem duas semanas para me substituir por um
bombadinho idiota?
— Você demorou vinte e quatro horas.
Dan se aproximou e segurou com força o encosto da cadeira diante dele.
— Eu sei o que você está fazendo. Eu mereço, você está pagando com a
mesma moeda, mas isso não muda nada, Noah: eu e você temos um
relacionamento.
— Tínhamos. Tínhamos um relacionamento — esclareci, me levantando
e elevando o tom de voz.
— O que mais preciso fazer para você me perdoar?
Dei uma gargalhada.
— Como assim, o que mais? — retruquei, sem acreditar no que tinha
ouvido. — Que merda você fez para conseguir o meu perdão, Dan? Aceitou
uma passagem de avião? Você é patético!
Sem deixar que ele respondesse, saí da cozinha e fui para o jardim. Nick
estava deitado em uma das espreguiçadeiras. Fui em sua direção e me sentei
ao seu lado. Ele tirou os óculos escuros e olhou para mim com o semblante
impassível.
— Já posso quebrar a cara dele? — perguntou, olhando fixamente para os
meus lábios.
— Acho que ainda não convencemos ninguém — afirmei, reparando em
seu corpo musculoso e bronzeado.
— Eu te chamei de “linda”… Pra mim, é como se eu tivesse pedido sua
mão em casamento, sardenta — respondeu, erguendo a mão e colocando
uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. — Seu ex está nos
espionando pela janela — adicionou, falando baixo.
— E o que você quer que eu faça? — perguntei, perdida no seu olhar.
— Tudo o que eu mandar — sussurrou, se inclinando para falar no meu
ouvido. — Faça carinho em mim.
“O quê?”
— Vai logo — ele me apressou, e senti um calafrio ao notar a sua
respiração na minha orelha.
Ergui a mão e fiz o que ele pediu. Sua pele estava quente, quase febril em
comparação com minhas mãos frias. Seus músculos se retesaram com
minhas carícias, e fui percorrendo com meus dedos as linhas marcadas do
seu abdômen.
Seus lábios mergulharam no meu pescoço, e estremeci ao sentir aqueles
dentes arranhando a superfície suave da minha pele.
— Agora, se incline e faça exatamente o que estou fazendo agora —
indicou com a voz tensa. Meus dedos tinham parado exatamente em seu
umbigo e ele impedira o meu avanço com a mão.
— Quer que eu beije o seu pescoço?
— Sim, sardenta — respondeu sobre os meus lábios. Estávamos a
centímetros de distância e senti meu coração parar e depois acelerar
vertiginosamente.
Pus a minha mão em sua nuca e virei o rosto até afundar a boca no vão
entre seu ombro e sua clavícula. Dei beijos suaves até chegar à mandíbula.
Enquanto isso, a mão dele tinha invadido a minha roupa e acariciava as
minhas costas. Dei o troco e mordi a orelha dele, puxando-a suavemente e
aproveitando bastante aquele teatro.
Meu Deus… Por que, de repente, eu não queria mais parar?
Nick retesou-se com as carícias da minha boca, afastou os meus cabelos e
beijou meus lábios. Meu corpo se arqueou contra o dele, buscando
desesperadamente um contato, e quando a língua dele entrou na minha
boca, eu juro ter achado que derreteria ali mesmo.
Ele colocou a mão na minha nuca e me imobilizou, enquanto a sua língua
circulava a minha, explorando-a sem descanso. De repente, eu precisava
tocá-lo, mas não porque ele estava mandando, nem para causar ciúmes no
Dan; precisava tanto quanto do ar para respirar. Baixei minhas mãos pelos
seus braços musculosos e depois pelo peitoral. Quando ele me puxou para
cima de si na espreguiçadeira, senti a sua ereção se cravando na minha
barriga e decidi me afastar.
Nick arregalou os olhos e vi que as suas pupilas estavam dilatadas. O
azul dos seus olhos tinha dado lugar a um olhar selvagem que me alertava
sobre coisas perigosas.
— Ele ainda está olhando? — perguntei ofegante.
Nick deu um sorriso divertido.
— Quem disse que ele estava olhando?
Arregalei os olhos e me virei para a cozinha. Não havia ninguém por lá.
— Você me disse que ele estava olhando pela janela!
— É mesmo? — respondeu com um tom inocente.
Fiquei de pé e o fulminei com o olhar.
— Você se divertiu o suficiente? — soltei, com os dentes cerrados.
— Não chegamos nem perto, linda — repetiu o adjetivo que tinha usado
na cozinha.
— Pode parar de fingir, Nicholas… Não tem ninguém por aqui para você
enganar.
Nick pendeu a cabeça para o lado e olhou para mim, sorrindo.
— Quem disse que estou fingindo?
A resposta me deixou surpresa e desconcertada. Que merda. Onde eu
estava me metendo?
Não sabia o que fazer. A casa era muito grande, mas não dava para
ignorar a presença do Dan, assim como a do Nicholas. Precisava fugir, fazer
o tempo voar até a hora de ir para o trabalho, então vesti um short esportivo,
uma regata e meus tênis da Nike, com a intenção de ir correr na praia.
Justo quando eu saía do meu quarto, a porta do quarto de hóspedes se
abriu e Dan apareceu para falar comigo.
Eu o ignorei deliberadamente e segui para as escadas.
— Noah, que merda. Espera — pediu, me alcançando no meio da escada.
— O que você quer, Dan? — disparei exasperada.
Ele pareceu hesitar por alguns segundos.
— Se você não vai nem falar comigo, não sei o que estou fazendo aqui
— ele disse, apertando os dentes com força.
— Você deveria ter pensado nisso antes de decidir vir e me colocar
contra a parede — respondi, dando-lhe as costas e terminando de descer.
Ele obviamente me seguiu.
— O que você quer que eu faça, então?
— Sinceramente? — eu disse, me virando para ele com os olhos
faiscando. — Quero que você dê o fora.
Dan apertou os lábios com força.
— Achava que, depois de nove meses juntos, ao menos poderíamos
tentar resolver as coisas.
Sério que ele tinha ficado triste com as minhas palavras? Justo ele?
— Não sou esse tipo de garota, Dan. Nem pretendo ser.
— Que tipo de garota?
— O tipo de garota que é traída pelo namorado e depois de três pedidos
de desculpa mixurucas decide fingir que nada aconteceu. Achava que você
me conhecia melhor, mas pelo jeito também estava enganada em relação a
isso.
— E o que você esperava que acontecesse? — ele gritou, surpreendendo-
me com tanta exaltação. — Que tudo continuasse como antes? Você foi
embora, caramba!
Meus lábios começaram a tremer. Eu já sabia que tinha ido embora, não
precisava que ele me lembrasse aos gritos.
— Exatamente, fui embora. Então, que diabos você está fazendo aqui?
— Não queria que as coisas fossem assim. Não quero que você fique
com o primeiro cara que vir pela frente só para me machucar. Mas deu para
perceber que você já fez isso.
Soltei uma risada irônica.
— É tão difícil assim para você aceitar que estou com o Nick
simplesmente porque quero estar com ele?
Dan olhou para mim condescendente.
— Olha só, Noah… Eu não sou idiota. Esse teatrinho que você está
fazendo com ele, o beijo na cozinha… Você acha que não percebi o que está
fazendo?
Senti que estava ficando vermelha, o que me deixou ainda mais brava.
— Você quer mesmo saber o que eu estou fazendo? — desafiei-o, dando
um passo em sua direção. — Tudo o que eu e você não fizemos. É isso que
eu estou fazendo.
Sabia que estava entrando em um terreno perigoso. O Dan era muito
ciumento e, pior, eu tinha certeza de que ele só tinha vindo para garantir que
manteria o controle sobre mim. Ele não conseguia aceitar que eu tinha
virado a página tão rápido, e isso era uma punhalada no seu maldito ego
masculino.
A ira apareceu em seus olhos castanhos e notei que tinha atingido seu
ponto fraco.
Antes que eu pudesse ouvir o que sairia dos seus lábios, Nick apareceu
na porta, viu a tensão ente nós, um diante do outro, e veio até mim, ficando
na minha frente e me escondendo com o seu corpo.
— Por que você não desaparece da minha vista? — perguntou, com um
tom calmo.
— Você está dando em cima da minha namorada? — Dan perguntou,
encarando-o. Vi que ele estava com os músculos tensos e a veia do pescoço
saltada.
— O que eu tenho com a Noah não é problema seu, babaca.
Dan parecia analisar o que deveria fazer na sequência. Eu entendia sua
hesitação, porque o Nick dava muito medo, ainda mais falando naquele tom
calmo e frio. Além disso, era mais alto do que o Dan, mais forte e maior.
Senti até pena do meu ex… mas não muita.
— Dan, é melhor você ir embora — afirmei, ao lado do Nick.
Não havia mais nada a dizer. A situação se tornara ridícula e, para ambos,
incômoda. Não só por eu fingir a existência de algo com o Nicholas, mas
também porque não reataríamos o nosso relacionamento. Ele mesmo o
dissera: eu tinha ido embora e ele tinha me traído. Não tínhamos mais o que
conversar.
Dan olhou nos meus olhos por um instante.
— Desculpe-me por tudo, Noah — falou, tentando ignorar a presença do
meu irmão postiço.
Mordi o lábio, que estava começando a tremer. Nunca achei que o que
tínhamos terminaria daquela maneira.
— Acho que somos o exemplo perfeito de que relacionamentos à
distância não funcionam.
Dan assentiu com os lábios apertados, se afastou e subiu as escadas,
imagino que para buscar as suas coisas.
Fiquei calada, olhando-o desaparecer.
— Vou me assegurar de que entre num avião — Nick falou do meu lado.
Eu já tinha esquecido que ele estava por perto, olhando para mim.
Tentei me recuperar; não queria que ele me visse daquele jeito, não
queria demonstrar tristeza por alguém que não merecia.
— Vou sair para correr — anunciei.
O que eu mais precisava era me afastar. Do Nick, do Dan, daquela casa,
de todo mundo. Dirigi-me para a porta, mas ele agarrou o meu braço e me
deteve.
— Você está bem? — perguntou, levantando meu queixo para olhar nos
meus olhos.
Nick estava preocupado comigo?
— Vou ficar bem — respondi, dando-lhe as costas e me afastando.
Corri na praia por uma hora e meia, pensando. Ou melhor, tentando não
pensar. Não podia negar a dor de saber que eu provavelmente não veria
mais o Dan, nem a Beth, nem ninguém. Não tinha mais motivos para voltar
à minha cidade, e isso acabou comigo. Meu namorado e meus amigos eram
os principais motivos para eu voltar para o meu passado, mas agora…
Corri e corri, até o meu corpo pedir para desabar na areia, exausto. Olhei
para o céu levemente nublado e me perguntei como tudo podia mudar tão
rápido. Em um minuto, você é uma pessoa; no minuto seguinte, já é outra.
Contra a minha vontade, meus pensamentos voaram para os beijos
trocados com o Nick naquela manhã. Levei as mãos aos lábios, quase
sentindo a boca dele na minha… Tinha sido tão intenso… De repente,
fiquei com medo, por me dar conta de onde estava me metendo. Precisava
ter cuidado: não queria voltar a me comprometer com ninguém, muito
menos com alguém como Nicholas Leister.
Precisava proteger o meu coração, e a melhor maneira de fazê-lo era
manter-me afastada de qualquer coisa que me fizesse sentir tanto com tão
pouco.
Não podia dar todo esse poder para o Nicholas, porque era justamente ele
quem podia me destruir.
Na volta, entrei no mar para refrescar o meu corpo aquecido pelo
exercício. Depois, enquanto caminhava pela orla para me secar, encontrei o
Mario, o garçom do grupo do Nick que tinha me levado para os rachas.
— E aí, irmãzinha do Nick — ele me cumprimentou, com um sorriso
perfeito, enquanto segurava pela coleira um cachorro ao seu lado, um
pastor-alemão lindo.
— E aí! — retribuí alegremente, enquanto me inclinava para fazer
carinho atrás das orelhas do cachorro.
— Cansada da família Leister? — perguntou, agora com um sorriso
divertido. Seus dentes eram muito brancos. O sorriso dele era contagiante.
— Até que dá para aguentar, mas ainda estou tentando me acostumar
com tudo — respondi com tranquilidade. Não queria incomodar o coitado
com os meus problemas.
Começamos a caminhar juntos.
— Posso lhe mostrar a cidade, se você quiser. Acho que você vai adorar
alguns lugares — ele se ofereceu, gentilmente.
Sorri de volta, agradecida, mas temendo que o Mario tivesse algum outro
plano para nós dois. Não que eu não gostasse dele, mas não queria me
complicar. Já tinha problemas suficientes com homens.
— Ainda não tive muito tempo para visitar os pontos turísticos, e agora
terei menos ainda, já que vou começar a trabalhar.
Mario se virou para olhar para mim.
— Nossa, que legal! Onde?
— No Bar 48, perto da orla. Hoje é meu primeiro dia — respondi, um
pouco nervosa.
Mario assentiu, pensativo.
— Conheço o pessoal de lá. É um lugar agradável — comentou,
franzindo um pouco a testa.
Então, chegamos ao pequeno morro, perto das escadas de pedra que me
levariam ao jardim de casa.
— Apareça para me visitar quando puder. Não poderei lhe servir um
drinque, mas acho que não tem problema bebermos um refrigerante — eu
disse, sorrindo.
Mario soltou uma gargalhada.
— Vou, sim — afirmou, com um brilho especial em seus olhos
castanhos. — E não se esqueça de que a minha oferta continua de pé —
adicionou, se referindo ao convite de antes.
Assenti sem querer me comprometer e me despedi com um aceno de
mão.
Quando subi as escadas em direção ao meu quarto, tive que passar pelo
quarto de hóspedes. Não havia sinal do Dan nem das coisas dele.
Será que eu era uma idiota por me sentir triste pela ausência de alguém
que tinha me machucado tanto? Em todo caso, não quis ficar pensando no
assunto. Entrei no meu quarto, tomei um banho e me vesti para ir trabalhar.
Quando cheguei ao Bar 48, estacionei o carro na parte da frente e entrei.
Era um lugar muito agradável. Havia quadros de bandas de rock nas
paredes e um palco num canto, onde imaginei que acontecessem
apresentações musicais. Havia mesas com cadeiras pretas espalhadas por
todo o local e um enorme balcão à frente de prateleiras com bebidas
alcoólicas. Quando entrei, a gerente, uma mulher gordinha, começou a
explicar o que eu teria que fazer.
— A gente costuma se trocar aqui. Já te dou uma camiseta — ela disse,
apontando para uma porta traseira que dava acesso a um pequeno depósito
que servia de vestiário. — Você tem que assinar aqui quando chegar e
quando sair. Se alguém fizer um pedido de bebida alcoólica, é só repassá-lo
para mim ou para alguma das suas colegas.
Assenti, contente, já que o trabalho era muito parecido com o que eu
tinha no Canadá. Ela me apresentou para as outras três garçonetes que iam
trabalhar comigo no meu turno, que ia das sete às dez da noite. Não era um
turno muito longo, mas valeria a pena com o dinheiro das gorjetas.
O tempo passou rápido e fiquei grata por ter algo para me distrair por
umas horas. Comecei a trabalhar logo, anotando pedidos e atendendo
clientes. As três horas passaram voando e, quando faltavam dez minutos
para eu ir embora, o Mario apareceu à porta.
Dei um sorriso para ele, surpresa por ter aparecido.
— Caiu bem em você — comentou, olhando para o meu uniforme, que
consistia em uma camiseta preta com o logo do bar e um avental branco
amarrado na cintura.
— Obrigada! Você quer alguma coisa? — perguntei gentilmente.
— Uma Coca-Cola seria ótimo — respondeu, com um sorriso talvez
grande demais desenhado no rosto.
— Do que você está rindo? — perguntei, enquanto abria a garrafa e
servia a bebida em um copo de vidro.
— Eu estava me perguntando por que você trabalha como garçonete, já
que todo mundo sabe que você não precisa disso.
— Não gosto de depender de ninguém, prefiro pagar as minhas próprias
coisas — expliquei, enquanto olhava às suas costas para ver se alguém
precisava de mim. Estava tudo tranquilo, então achei que não havia
problema conversar um pouquinho.
Eu gostava do Mario.
— A que horas você sai? — perguntou, depois de me fazer rir por alguns
minutos. Olhei para o relógio.
— Acho que… agora — respondi, pegando o copo dele.
— O que você acha de irmos ver um filme?
Depois de tudo o que tinha acontecido naquele dia, o que eu mais queria
era ir para casa e me jogar na cama. Olhei para o Mario. Ele era bonito,
simpático… Seria legal sair com alguém que não me trouxesse problemas,
que não fosse nem o meu ex nem o meu irmão postiço…
— Hoje não é um bom dia. Mas talvez em um fim de semana. O que
você acha?
Mario sorriu e se levantou.
— Vou cobrar.
Saímos juntos do bar, eu com a chave do carro na mão, ele com um
capacete de motociclista debaixo do braço. E posso garantir que a última
pessoa que eu esperava ver apoiada no meu carro era o Nick.
Parei por uns segundos e notei os seus olhos se desviando de mim para a
pessoa que estava ao meu lado. Seu corpo pareceu se tensionar, e mesmo à
distância pude ver os seus olhos faiscando de raiva, como eu já tinha visto
tantas vezes. Então, forçou um sorriso e se aproximou da gente.
Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele passou o braço por trás
dos meus ombros, me puxou para perto e me vi presa sob o peso do seu
corpo.
— E aí, linda — ele disse de novo, o que me fez revirar os olhos.
Mario olhou para a gente com curiosidade.
— Nick — ele o cumprimentou, sem deixar de olhar para os meus olhos.
Queria lhe dizer que aquilo não era o que parecia, mas o Nick se virou,
arrastando-me para o carro dele, e se despediu do Mario, acenando com
uma das mãos.
— Desculpa, amigo, mas minha garota e eu temos planos — falou.
— Você pode me explicar o que está fazendo? — ralhei, afastando-me
dele como pude e notando que o Mario já havia nos dado as costas. —
Ficou louco?
— Louco por você, linda — repetiu, pegando um cigarro e o acendendo
como se nada tivesse acontecido.
— Pode esquecer esse negócio de “linda”. Não combina com você —
alfinetei, cruzando os braços.
Nick soltou uma risada, sem tirar os olhos do meu corpo.
— Não, né? Acho que “gata” tem mais a ver — disse, com expressão
pensativa.
— E de onde veio isso? — perguntei, referindo-me àquela atuação diante
do Mario.
— Não é o que você queria? Que eu fingisse ser seu namorado?
Respirei fundo, tentando me acalmar.
— Na frente do Dan, Nicholas.
— Ah! — ele soltou, fazendo um som com os dentes. — Seja mais clara,
sardenta. Assim você me confunde.
Apertei os lábios com força e olhei fixamente para ele.
— Agora ele vai ficar com uma impressão errada — eu disse, sentindo a
eletricidade que surgia quando estávamos juntos. Minhas palavras
pareceram despertar o seu interesse.
— Impressão de…?
— Impressão de que está rolando algo entre nós.
— E o que importa o que aquele idiota vai pensar?
Seu tom de voz saíra duas oitavas mais grave, e nós dois percebemos.
— Não quero que ninguém ache que está rolando algo entre nós. Aquilo
com o Dan era necessário, mas agora ele já foi embora…
— Ele ainda não foi embora — rebateu, dando um passo na minha
direção e jogando o cigarro no chão. — Comprei para ele uma passagem de
avião, mas o voo só sai daqui a treze horas. Vai ser a viagem mais longa da
História.
Fiquei com um pouco de pena do Dan.Treze horas no aeroporto, depois
mais cinco horas de voo…
— Não concorda com o que eu fiz? — perguntou, se aproximando de
mim. — Se quiser, eu posso ir buscá-lo e vamos todos jantar juntos.
O sarcasmo daquelas palavras me fez sorrir.
— Obrigada por me ajudar a livrar-me dele — eu disse, ainda sem
acreditar que o Nicholas tinha feito algo por mim. — Você não precisava…
— Bom, os favores estão se acumulando. Nesse ritmo, você vai virar
minha escrava antes de completar vinte e dois anos.
Não achei muita graça na resposta, mas, de repente, só conseguia pensar
na boca dele beijando a minha, cobrando todos os favores que quisesse.
O maldito era incrivelmente atraente.
— Você não pode simplesmente fazer as coisas de maneira
desinteressada? — questionei, nervosa com a sua proximidade. Estava tão
perto que tive que inclinar a cabeça para trás para olhar nos seus olhos.
Nick deu risada, com os olhos fixos nos meus lábios.
— Eu não faço nada de maneira desinteressada, amor.
A última palavra quase me causou uma parada cardíaca, mas o pior foi
quando ele se inclinou, me pegou pela nuca e carimbou os lábios com força
nos meus. Ele me deixou sem palavras, sem pensamentos, sem nada.
Percebi que eu também tinha erguido as mãos e o puxava para mim.
Estava presa de novo entre ele e o carro. Com a outra mão, ele apertou a
minha cintura contra o seu corpo, e senti a rigidez daqueles músculos
resvalando a suavidade do meu corpo. Ficamos com a respiração ofegante.
De repente, eu queria mais, precisava de muito mais. O Nick causava
sensações em mim que até agora estavam adormecidas.
Senti a pressão do joelho dele entre as minhas pernas e um calor estranho
me percorreu por inteiro…
Então, quando eu achava que tinha sido teletransportada para um mundo
paralelo, o celular dele começou a tocar, nos despertando e nos
surpreendendo com a intensidade que aquele simples beijo tinha ganhado.
Nick se afastou de mim e colocou o celular na orelha. Quando nossos
olhares se separaram, dei-me conta de como estava me deixando levar
facilmente por aquelas carícias. Que merda, estávamos em um lugar
público!
— Eu já vou — ele disse, com um tom de voz muito diferente do que
havia utilizado para falar comigo há pouco.
Quando desligou, o clima ficou estranho.
— Preciso ir… tenho um compromisso — informou, com calma.
Simplesmente assenti.
— Nos vemos em casa — adicionou.
O que será que tinha acontecido para ele falar comigo em um tom tão
distante?
— Tchau, Nicholas — despedi-me, entrando no meu carro sem olhar para
trás.
Só não entendia por que, depois de tudo o que havia acontecido naquele
dia, essa sua atitude era o que tinha me deixado mais brava do que qualquer
outra coisa.
22
NICK
NOAH
Já havia se passado uma semana inteira desde que eu falara com Nicholas
pela última vez. Uma semana inteira desde que comecei a trabalhar, a
primeira semana em que não tinha recebido nenhuma mensagem do meu
ex, Dan, o que era ótimo. Depois do que aconteceu no estacionamento do
bar, o Nick estava me evitando de maneira quase insultante. Quando eu
acordava, ele não estava em casa; quando eu voltava do trabalho, às dez da
noite, minha mãe dizia que ele tinha acabado de sair. Era como se, de
repente, ele não quisesse mais me ver. E o pior de tudo é que eu estava
sofrendo com aquele distanciamento, de uma maneira inesperada. Meu
corpo queria beijá-lo de novo e ser abraçado pelos seus braços. Ao mesmo
tempo, eu estava enlouquecendo, achando que tinha feito alguma coisa de
errado, ou tentando descobrir por que ele estava sendo tão frio comigo
depois de compartilharmos momentos tão excitantes.
Eu sabia que ele tinha estado em casa, pois a minha mãe o via quase
todos os dias, mas só aparecia quando eu não estava ou voltava muito tarde,
depois de ter feito sabe-se lá o quê. Por isso, naquela tarde de sábado,
quando o meu chefe avisou que eu não precisaria trabalhar, porque o bar
ficaria fechado por três dias, tentaria me encontrar com ele de uma vez por
todas. Mesmo sem saber exatamente se ele apareceria em casa e muito
menos se eu queria mesmo voltar a estar diante dele.
Tentando fugir de qualquer conflito emocional que estivesse tomando
conta da minha mente, fui para a cozinha, pois tinha combinado com a
minha mãe de vermos uns filmes enquanto jantávamos juntas na sala.
Quando morávamos no Canadá, fazíamos isso quase todas as noites, mas,
desde que nos mudáramos, quase não tínhamos feito nada juntas. Minha
mãe estava sempre com o William, acompanhando-o em suas viagens de
negócios, fazendo compras e até ajudando a organizar muitos dos eventos e
festas que a Leister Enterprises promovia mensalmente. Mas naquela noite
ficaríamos juntas: William teria de ficar no escritório até mais tarde e, como
eu não ia trabalhar, nossas agendas se encaixaram.
Já eram mais de oito da noite, mas a minha mãe ainda demoraria um
pouco para chegar em casa, então decidi preparar carne assada com batatas.
Eu gostava de cozinhar. Não era nenhuma chef profissional, mas me dava
muito bem com o fogão. Estava cortando as batatas com uma faca parecida
com essas vendidas na televisão quando ouvi a porta da entrada se
fechando. Fiquei imediatamente tensa. Não sabia se era ele, mas meu
coração começou a bater acelerado quando escutei os passos pesados de
alguém se aproximando da cozinha.
Nós dois ficamos quietos quando nossos olhares se cruzaram na pouca
distância que havia entre a porta e o balcão da ilha da cozinha, onde eu
tinha deixado a faca. O seu olhar foi primeiro de surpresa, depois de
indiferença. Não tive muito tempo para me incomodar com aquela atitude,
pois fiquei hipnotizada ao ver como ele estava vestido: impecavelmente
arrumado, de terno preto, camisa branca com alguns botões abertos e o
cabelo cuidadosamente despenteado, destacando os olhos que faziam as
minhas pernas bambearem.
— Você não devia estar trabalhando? — perguntou alguns segundos
depois, quando nós dois, ou pelo menos eu, nos recuperamos do impacto de
nos revermos depois de longos sete dias. Ele entrou na cozinha,
contornando a mesa em que eu estava cozinhando para ir à geladeira, com
um ar distante e tranquilo.
— Estou de folga — balbuciei, ainda aturdida pela atração incrível que
eu sentia por ele. Meus dedos coçavam de vontade de despentear ainda mais
os seus cabelos e amassar aquela camisa passada com tanto cuidado.
— Fico feliz por você — ele disse, com tom educado.
— Por onde você andou? — perguntei, empregando mais força do que o
necessário ao usar a faca. Houve um som seco de metal contra a madeira e
cortei de uma vez a batata, deixando uma marca na tábua sem querer.
— Por aí — respondeu, às minhas costas. Não quis me virar para ele não
perceber como eu estava brava. Não queria que o Nicholas percebesse que
uma obsessão horrível tinha tomado conta de mim naqueles últimos dias.
Fiquei nervosa ao notar que ele estava olhando para mim, apoiado no
balcão, e eu sem poder me virar. — Você está com as costas queimadas —
ele comentou, depois de um incômodo silêncio.
Senti o seu olhar cravado na minha pele e fiquei ainda mais nervosa.
— Acabei dormindo na piscina — expliquei, cortando mais batatas e me
concentrando em seguir com a tarefa.
Então, eu o senti atrás de mim, com a sua respiração na minha nuca, até
que percorreu a minha pele queimada com o dedo, de um ombro até o
outro. Fiquei arrepiada e em silêncio, com a faca pairando sobre outra
batata.
— Você deveria ter mais cuidado — advertiu. Então, senti os seus lábios
cálidos entre meus ombros, debaixo da minha nuca.
Eu me assustei de tal maneira e fiquei tão alterada que quase cortei o
dedo. Os reflexos do Nick foram mais rápidos que os meus e ele
interrompeu o movimento, evitando o acidente. Estremeci ao notar a sua
mão agarrando a minha com força. Deixei a faca cair e me virei para ficar
de frente para ele.
— Por que você me evitou durante a semana? — perguntei, sem rodeios.
O seu semblante ficou tenso e a calidez que irradiava do seu corpo me
atingiu como uma onda de calor.
— Eu não fiz isso — respondeu, simplesmente.
Suspirei.
— Claro que fez. Faz uma semana que eu não o vejo e moramos na
mesma casa — eu disse, desviando o olhar.
Por que eu me importava? O que tinha acontecido com o Dan já não era o
suficiente? Por que eu entraria em outro relacionamento se já estava claro
que nada de bom sairia dele?
— Não tenho que lhe dar satisfação. Ando muito ocupado — falou,
dando um passo para trás e deixando um espaço entre nós, um espaço que
eu agradeci e odiei na mesma medida.
Apertei a mandíbula, sentindo o sangue ferver nas minhas veias.
— Ah, é? Então, espero que você continue ocupado por muito tempo.
Fiz menção de sair, mas ele me agarrou pelo braço com força, me
impedindo.
— O que você está insinuando?
Olhei para ele, sabendo que tinha reagido justamente como não deveria.
Ele fazia o que lhe desse na telha, e eu não tinha que me importar com isso.
Sim, a gente tinha se pegado várias vezes. Sim, eu sentia muita atração por
ele. E, sim, tinha ficado com saudades. Mas isso não acabava com todo o
mal que o Nicholas representava.
— Nada — respondi, com os olhos cravados na camisa dele. Por que eu
permitia que ele mexesse comigo?
— Você tem que ficar longe de mim, Noah — advertiu, alguns segundos
depois.
— É isso que você quer? — rebati, apertando os lábios com força.
— Sim, é isso que eu quero.
Se eu dissesse que aquelas palavras não me machucaram, estaria
mentindo. Não era preciso dizer mais nada. Eu me afastei, prometendo não
voltar a cair em sua lábia…
E foi péssimo cumprir essa promessa.
Meu trabalho era ótimo para me manter fora de casa e longe da carga
emocional envolvida em ignorar o Nick vinte e quatro horas por dia.
Naquela noite, a Jenna me ligou e me convidou para ir comer comida
mexicana com ela, e eu não via a hora de o expediente acabar. Tomei um
banho rápido e me vesti com um short e uma camiseta dos Dodgers que
tinha ganhado há muito tempo. Agora eu morava em Los Angeles, não
havia lugar melhor para usá-la. Prendi o meu cabelo em um coque bem alto
e nem me maquiei.
Não queria continuar pensando no pouco que faltava para começar na
escola nova, nem em como seria estranho estar rodeada de pessoas
desconhecidas em um ambiente cheio de riquinhos insuportáveis. Naquela
noite eu ia me divertir.
Quando estava terminando de me arrumar, bateram na porta do meu
quarto.
— Pode entrar! — gritei, enquanto calçava meu All Star, supondo que
seria minha mãe que viera perguntar como tinha sido o meu dia.
Eu estava errada. Quem apareceu foi o Nick. Eu o encarei, ainda com um
dos tênis na mão. Ele vestia calça jeans, camiseta preta e tênis. Estava com
os cabelos pretos despenteados, como sempre, e seus olhos azuis me
encaravam com frieza.
— O que você quer? — perguntei, tentando com todas as minhas forças
não mostrar o quanto estava ressentida.
— Que história é essa de que você vai sair comigo? — perguntou num
tom distante.
Cruzei os braços diante dele.
— Que eu saiba, vou sair com a Jenna, não com você.
Nicholas suspirou e observou a minha roupa.
— Eu também vou sair com a Jenna… e com o Lion, e com a Anna —
anunciou, enfatizando o último nome.
Merda, Jenna… Por que você não me avisou? Senti uma pontada de
ciúmes no estômago.
— O plano era eu sair pra me divertir, então por mim não tem problema
nenhum — respondi, cansada de discutir com ele o tempo todo, ou de nos
pegarmos e logo depois ficarmos bravos com aquilo. Era desgastante, e
precisávamos achar uma maneira de nos darmos bem. — Sendo assim,
vamos ficar em paz nessa festa — eu disse, forçando um sorriso nada
convincente. As palavras dele ainda me machucavam, assim como o fato de
ele não querer mais encostar em mim.
Ele me observou cuidadosamente, avaliando a minha oferta.
— Está propondo uma trégua, irmãzinha? — perguntou em um tom
estranho.
Respirei fundo, franzindo a testa ao ouvir sair dos seus lábios a palavra
“irmãzinha”.
— Exatamente — respondi, terminando de calçar meu tênis.
— Ótimo. Então, vamos no mesmo carro — determinou. Antes que eu
pudesse protestar, prosseguiu: — A Jenna falou que não pode vir buscá-la, e
é uma besteira sair com tantos carros se vamos para o mesmo lugar.
— Já que não tem outro jeito… — eu disse, pegando minha bolsa e
saindo pela porta.
— Um “obrigada” teria sido melhor — ele disse, passando do meu lado e
me ultrapassando para descer as escadas.
Prestei atenção nas costas dele, em como a camiseta marcava os seus
músculos enormes e torneava seus braços… Por que ele tinha que ser tão
bonito? Por quê?
Quando chegamos ao hall, percebi que não tinha dinheiro. Parei sem
saber muito bem o que fazer. Ainda não havia recebido o primeiro salário, e
desde que me mudara tinha gastado praticamente todas as minhas
economias.
O Nick já tinha descido as escadas externas para pegar o seu 4x4, que
estava estacionado na entrada, quando percebeu que eu não o tinha seguido.
— O que foi? — perguntou, franzindo a testa.
Não sabia o que fazer, e depois de alguns segundos de dúvida decidi
inventar uma mentirinha.
— Acho que perdi a minha carteira — eu disse, fingindo procurar algo na
minha bolsa. Odiava ter que fazer aquela ceninha e, se soubesse que não
tinha dinheiro, simplesmente teria ficado em casa. Mas essa era a última
coisa que eu gostaria de fazer naquele instante.
— Está me fazendo perder tempo por causa disso? — rebateu, e ergui a
cabeça para observá-lo.
— Não tenho dinheiro — eu disse, temendo que ele não tivesse
entendido a situação.
Ele revirou os olhos.
— Você já me fez perder mais de cem mil dólares. Acho que te pagar um
hambúrguer não vai fazer muita diferença. Vai logo, entra no carro —
pediu, acomodando-se rapidamente no banco do motorista. Em seguida, deu
a partida.
Senti um pouco de culpa, mas a lembrança do quanto eu não o suportava
fez com que aquele sentimento desaparecesse.
Já sentada no banco do passageiro, vi que tínhamos um trajeto de vinte
minutos até o restaurante. Observei em silêncio enquanto ele trocava as
marchas e mexia no rádio. Não tinha ficado a sós com ele desde aquele dia
do bar, e foi bem esquisito.
A rádio tocava os piores raps da História, mas ele parecia saber as letras
de cor, então decidi não reclamar daquela vez. Olhei pela janela para as
imensas casas por que passávamos e fiquei surpresa quando ele seguiu para
o norte em vez de para a estrada, em direção a um bairro próximo.
— Para onde vamos? — perguntei, curiosa.
— Tenho que buscar a Anna — respondeu, sem se virar para mim. Senti
um nó no estômago, mas ignorei a sensação como pude.
Ele, de alguma maneira, notou a minha mudança. A tensão e o incômodo
eram perceptíveis, e tudo o que havia acontecido entre a gente me veio à
tona.
— Sobre como a gente anda se tratando ultimamente… — ele disse,
então, em um tom distante, mas calmo. Senti que aquilo me deixaria tensa.
Não queria tocar no assunto. — Eu proponho que a gente tente se dar
melhor, como irmãos, e esqueça de tudo o que aconteceu antes.
Eu me virei, levantando as sobrancelhas.
— Você quer me tratar como a sua irmã depois de a gente ter se pegado
mais de uma vez? — questionei, incrédula.
Vi o seu rosto retesar-se, a mandíbula apertada e as veias saltando.
— Como amigos, então, caramba — ele respondeu, bravo. — Você é
impossível, só quero que a gente tente se dar melhor.
— Me tratar como irmã… — repeti, sentindo que ia me inflamando mais
e mais a cada minuto que passava.
Ele me fulminou com o olhar e eu fiz o mesmo. Por alguns instantes,
nossos olhos se encontraram, irados e ardentes de alguma emoção perigosa
demais para ser expressa em palavras.
— Sugeri que fôssemos amigos — ele advertiu, e o jeito como disse
aquilo, considerando o conteúdo da frase, me fez sorrir. Fiquei grata por ele
voltar os olhos para a pista.
— Tudo bem — concordei depois de alguns instantes. Imaginei que
tentar ser amiga do Nicholas seria melhor do que arrancar os cabelos vinte e
quatro horas por dia, mesmo que não desse para garantir que eu não o
desejaria sempre que o encontrasse. — Mas acho que “amigos” não é o
termo mais apropriado. Talvez “parentes distantes obrigados a se suportar”
— eu disse, mais contente com essa definição, porque “amigos” era uma
palavra muito forte. Quem quisesse ser meu amigo tinha que percorrer um
longo caminho. Eu não conseguia nem confiar na Jenna ainda, mesmo ela
sendo incrível desde o princípio.
Nicholas esboçou um pequeno sorriso, algo quase impossível de
interpretar, mas que estava lá.
— Também não gosto dessa história de parentes. Que tal
“pseudoparentes distantes obrigados a se suportar e a se pegar de vez em
quando”? — ele propôs, claramente zombando de mim.
Dei-lhe um tapa, e ele abriu um sorriso maior. Foi estranho, mas,
naqueles poucos minutos que levamos para chegar, senti que estava
completamente confortável ao seu lado. Tinha sido até divertido, de uma
maneira esquisita e inesperada.
Nicholas parou o carro na frente de uma casa bem grande, não tanto
quanto a nossa, mas o suficiente para deixar uma pessoa como eu de boca
aberta. Ele pegou o celular e ligou para alguém.
— Estou aqui na porta, pode sair — disse com um tom bastante frio,
considerando que nunca o tinha visto tão relaxado como nos últimos
minutos.
— Você é muito cavalheiro, sabia? — comentei, franzindo a testa
enquanto olhava para a porta da casa.
— Bobagem — respondeu, guardando o celular e dando partida no carro
ao ver que a porta se abrira. — Uma garota é perfeitamente capaz de sair da
própria casa sem ser escoltada por alguém.
Revirei os olhos enquanto observava o rosto da namorada do Nicholas.
Ela não era muito alta — eu devia ser um palmo mais alta do que ela —, e
nas outras vezes em que nos encontramos ela me pareceu arrogante e
convencida, entrando automaticamente na minha lista de inimizades. Ainda
lembrava do último comentário dela sobre o meu ex, o que fazia o meu
sangue ferver.
Foi engraçado notar os olhos dela se arregalando à medida que percebia
quem estava no carro. O seu rosto se transformou quando ela apertou os
lábios e me fulminou com o olhar. Ficou até feia.
Ela parou diante da minha janela, com a clara intenção de dizer algo.
Uma pena que eu não estivesse disposta a abrir o vidro. A meu lado,
Nicholas suspirou e precisou apertar algum botão para baixar a minha
janela, contra a minha vontade.
— O que é isso? — Anna perguntou, olhando incrédula para nós.
— Um carro — respondi, soltando uma risada.
Senti imediatamente um beliscão e, quando já me preparava para dar um
tapa no Nick em resposta, percebi que ele tinha achado graça no meu
comentário. Apesar do semblante sério, seus olhos estavam brilhando, com
vontade de dar uma gargalhada.
— Entra no carro, Anna — ele ordenou, fechando a minha janela.
Ela olhou para mim de novo, com vontade de me matar, e abriu a porta
traseira. Era óbvio que ela não estava acostumada a andar no banco de trás,
e foi engraçado ver pelo retrovisor a sua cara de criança contrariada.
Nick saiu com o carro e finalmente pegamos a estrada. Eu estava com
muita fome, e queria chegar o mais rápido possível. Além do mais, piadas à
parte, não estava gostando de dividir o carro com aqueles dois.
O silêncio tomou conta do ambiente. Só dava para ouvir o barulho do
motor, e dessa vez fui eu quem ligou o rádio, antes de cruzar os braços atrás
do banco e ficar olhando pela janela. Pela primeira vez, Anna parecia não
ter nada engenhoso ou estúpido para falar, e o Nicholas parecia mergulhado
nos próprios pensamentos, sem perceber o quanto era incômodo para mim o
fato de estar no mesmo carro que a idiota que ele pegava. Não fazia ideia de
que tipo de relacionamento eles tinham, mas não devia ser muito sério, já
que ele tinha me beijado várias vezes.
Fiquei feliz quando chegamos ao restaurante, que ficava nos arredores da
cidade, em uma avenida cheia de bares e movimentada. Avistei a Jenna e o
Lion na porta e, quando o Nicholas parou o carro, saí correndo na direção
dos dois.
A Jenna me deu um abraço e o Lion sorriu para mim com um semblante
frio, mas muito mais amigável que o do Nick. Ao lado dele, para minha
surpresa, estava o Mario. Já tinha ido me visitar várias vezes no bar e
conversávamos bastante. Ele sorriu, exibindo seus dentes brancos.
— Chegou a melhor garçonete da cidade! — gritou, me fazendo rir. Ele
também abriu um grande sorriso, que pareceu diminuir quando o Nick e a
Anna apareceram atrás de mim.
Observei como eles se olharam e percebi que o clima tinha ficado hostil.
— O que você está fazendo aqui? — Nicholas perguntou,
bruscamente.Vi-o franzir o cenho. Por que ele sempre tinha que se
comportar como um babaca?
— Acabamos de nos encontrar, e falei para ele ficar e jantar com a gente
— Jenna explicou, piscando para mim e claramente ignorando a tensão que
havia entre os dois.
Decidi intervir, antes que o meu irmão postiço começasse uma briga ali
mesmo. Conhecendo o seu histórico, não me surpreenderia.
— Que maravilha! — exclamei, me esforçando para abrir um sorriso.
Ao nosso redor, havia bastante gente fazendo fila para entrar no
restaurante. Por sorte não era um lugar elegante, então a minha roupa era
apropriada, ao contrário da roupa da Anna, que estava de salto e com um
vestido minúsculo. — Você vai ser o meu acompanhante hoje, Mario, assim
não fico segurando vela — eu disse com calma, olhando para os dois casais.
Os olhos do Mario se iluminaram e ele passou um braço por trás dos meus
ombros, para que eu me aproximasse dele.
— Excelente! — ele soltou, indo até o balcão para verificar as nossas
reservas. Antes de dar as costas para o Nicholas, percebi como ele estava de
cara fechada. E ele parecia mais do que incomodado.
Depois de alguns minutos, fomos levados a uma mesa redonda em um
lugar distante da agitação. Imaginei que os nomes Nicholas Leister e Jenna
Tavish tinham certo peso naquele estabelecimento.
Sentei-me entre o Mario e a Jenna, que, por sua vez, se sentaram perto da
Anna e do Lion. Assim, o Nicholas ficou de frente para mim. Depois de
alguns segundos, todos pediram suas bebidas e se fez um incômodo
silêncio. Nicholas estava tenso e olhava para o Mario com o semblante
sério, enquanto o Mario tentava manter a compostura para não mandar o
Nick à merda. Graças a Deus, a Jenna puxou conversa.
— Sabe, Anna — ela disse, dirigindo-se à garota enquanto sorria para
mim. Anna parecia estar furiosa com alguma coisa, e o olhar dela ia do
Nick para mim e depois para o Mario, como se de alguma maneira tentasse
descobrir o que estava acontecendo —, a Noah vai estudar na St. Marie.
Você devia apresentá-la para a Cassie. Elas provavelmente vão ficar na
mesma sala — afirmou, animada. Desde que eu tinha lhe contado que ia
para aquela escola, ela não parava de falar nisso.
— Quem é Cassie? — perguntei, tentando não deixar a conversa morrer,
já que a Anna não parecia muito animada com o assunto.
Ela tirou os olhos do celular e olhou para mim com um novo brilho
naqueles olhos castanhos. Estremeci. O que será que ela estava tramando
naquela cabecinha de boneca tonta?
— É a minha irmã mais nova — respondeu, olhando para o Nick. Ele
devolveu o olhar e se inclinou sobre a mesa, pegando na mão dela e a
apertando com força. Senti uma pontada de ciúmes.
— Mais nova? — repeti, incrédula. — Quantos anos você tem?
Ela lançou um olhar de superioridade para mim.
— Vinte — respondeu, olhando para o Nick, que agora estava com os
olhos cravados em mim. — Só falta um ano para eu terminar a faculdade —
ela declarou, com certo ar de soberba.
— Nem imaginava — comentei sem pensar, o que fez com que ela me
olhasse indignada e que Nick balançasse a cabeça, incomodado.
A meu lado, Jenna soltou uma risada nervosa.
— Eu queria saber uma coisa, Noah. Onde você aprendeu a dirigir tão
bem? — Mario perguntou, mudando completamente de assunto. Nicholas
desviou o olhar para ele, depois para mim. Sabia que tocar naquele assunto
deixaria o Nick de mau humor, já que o lembraria do carro que tinha
perdido por minha culpa.
— Em lugar nenhum. Venci aquela corrida por pura sorte — expliquei,
dando de ombros. Em seguida, servi-me de um canapé, que enfiei na boca
com nervosismo. Não queria que me perguntassem muito sobre o assunto.
Digamos que eu preferia guardar algumas coisas só para mim.
— Como assim? Foi alucinante! — Jenna comentou do meu lado. — Há
muito tempo ninguém chegava tão na frente do Ronnie, nem mesmo o
Nick… — ela começou, logo se calando ao ver o semblante do rapaz
sentado diante de mim.
— É sério que você quer que a gente acredite que você ganhou por pura
sorte? — Anna perguntou, com cara de gentileza fingida.
Nick se inclinou, apoiando os antebraços sobre a mesa, e cravou os olhos
azuis no meu rosto.
— Onde você aprendeu a guiar daquele jeito?
A pergunta foi tão direta que não admitia uma resposta que não fosse a
verdade nua e crua. Fiquei incomodada, não queria falar sobre algumas
coisas do meu passado… Decidi mentir.
— Meu tio era piloto da Nascar, e me ensinou tudo o que eu sei —
afirmei, olhando fixamente para o Nick.
Vi surpresa em seu rosto, além de alguns sinais de dúvida. Porém nesse
mesmo instante a garçonete chegou com os pratos que havíamos pedido.
Sempre gostei de comida mexicana, principalmente tacos, e aproveitei a
distração para puxar assunto com o Mario, que logo começou a conversar
comigo, como estávamos acostumados. Em certo momento, eu morri de rir
com alguma coisa que ele disse e que os outros não tinham ouvido, já que
cada um falava de uma coisa diferente.
Quando me acalmei e me inclinei para beber um pouco de suco, meus
olhos se encontraram com os do Nick, que, alheio à conversa que a
namorada mantinha com a Jenna e o Lion, parecia realmente incomodado
com algo.
Não entendia o que havia de tão incômodo, mas não iria perguntar. A
trégua que tínhamos combinado parecia tão frágil quanto uma linha de
costura que se partiria com facilidade se eu dissesse ou fizesse algo que o
deixasse bravo.
— A última festa na sua casa foi muito legal, Nick. A gente tem que
fazer uma ainda maior, e convidar todo mundo para fechar o verão com
chave de ouro — Jenna propôs.
Todos concordaram, e eu senti um arrepio no pescoço e nas bochechas ao
me lembrar do que tinha acontecido entre mim e o Nick naquela festa. A
primeira vez que nos pegamos de verdade.
— Você ficou vermelha, Noah — Jenna soltou, dando uma gargalhada.
Fiquei com vontade de morrer, principalmente porque meu olhar se
encontrou com o do Nick, que, por um momento, pareceu estar pensando
exatamente na mesma coisa que eu.
— É a pimenta — justifiquei, escondendo o rosto. Então, bebi a água que
restava das pedras de gelo do meu suco.
Alguns minutos depois pedimos a conta. Tinha me esquecido de que o
Nick ia me emprestar o dinheiro e houve uma situação desconfortável
quando o Mario se ofereceu para pagar a minha parte.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Nicholas interveio.
— Eu pago o seu jantar — disse, olhando para o Mario com firmeza e
sem dar brecha para nenhuma objeção.
Percebi que o Mario ia protestar, mas decidi me antecipar. A Anna
também parecia incomodada, principalmente porque o Nick não tinha
falado nada sobre pagar o jantar para ela.
— Eu perdi a minha carteira — expliquei para o Mario, tentando soar
indiferente.
— Então, eu faço questão. Nicholas, eu pago a parte da Noah — ele
afirmou, taxativo, desafiando Nick com o olhar.
Nick cerrou a mandíbula e um brilho obscuro surgiu em seu rosto.
— Tem certeza? — disparou, em tom maldoso. — Não gostaria que você
ficasse sem o dinheiro das suas gorjetas por causa de um jantar.
Arregalei os olhos, assustada com o que ele tinha acabado de dizer. Um
silêncio constrangedor tomou conta da mesa, e Mario parecia tenso como
um cachorro encurralado.
Percebi que um confronto era iminente e não fazia a menor ideia do que
fazer para evitá-lo.
Antes que o Mario reagisse, eu rapidamente peguei na sua mão por baixo
da mesa. Vi que ele ficou surpreso, mas um segundo depois apertou a minha
mão com força.
— Pague o que você quiser — ele disse, levantando-se e me puxando
com ele. Então, jogou uma nota de vinte dólares na mesa e se virou para
mim. Ainda estávamos de mãos dadas e notei que todos tinham reparado
naquilo. — Quer ir tomar um sorvete? — ofereceu, com a voz mais calma.
Gostei de como ele não foi levado pela raiva. O Mario não era um rapaz
violento, ainda que não lhe faltasse força para bater de frente com o Nick.
Sorri com vontade.
— Claro! — aceitei, virando-me para os outros. A Jenna parecia
perplexa, mas sorriu com cumplicidade ao ver nossas mãos entrelaçadas.
Então, nos despedimos — eu nem sequer olhei para o Nick — e saímos
do restaurante.
24
NICK
A imagem do meu punho se chocando contra o rosto daquele idiota não saía
da minha cabeça. Passei o jantar inteiro com vontade de jogá-lo na parede e
usá-lo como saco de pancadas. Não queria o Mario junto com a Noah,
ponto-final. Na verdade, não queria ninguém junto com ela, mas ainda não
tinha parado para analisar o motivo desse desejo. Durante o jantar, não
consegui parar de olhar para ela. O modo como ela ria, a facilidade de
puxar assunto com ele, diferente do que ocorria comigo, a maneira como
ela acariciava a nuca sem nem perceber, bem onde havia a tatuagem, em
movimentos que me deixaram doido durante a noite…
Depois de vê-la ir embora com ele, simplesmente me levantei e levei a
Anna para casa. Agora, estava a caminho de um dos pubs da cidade. Não
tinha ficado na casa da Anna, não podia mais suportá-la, provavelmente
porque tinha passado tempo demais com ela nas últimas semanas. Se eu não
quisesse deixá-la pensar que estava rolando algo sério entre nós, era melhor
procurar outra garota para me divertir. Com isso em mente, entrei no local
onde havia passado muitas horas da minha vida nos últimos anos. Ficava na
parte baixa da cidade, e os frequentadores eram tudo menos respeitáveis. Os
seguranças da entrada já me conheciam, por isso não precisei ficar na fila
do lado de fora para entrar. Lá dentro, a música era ensurdecedora, e as
luzes piscantes davam um toque soturno e estranho às pessoas que
dançavam, com seus corpos suados e entupidos de sabe-se lá quais tipos de
drogas.
Eu me aproximei do balcão e pedi um uísque JB, enquanto olhava para as
pessoas ao meu redor. No ano em que morei com o Lion naquele bairro,
longe do meu pai, do dinheiro e de tudo o que o sobrenome Leister
representava, eu havia deixado uma marca nas pessoas. Elas me
respeitavam e aceitavam minha presença, o que fazia daquele lugar uma
válvula de escape perfeita para todas as coisas que eu detestava na vida que
agora era obrigado a levar. Eu saí de casa no mesmo instante em que o meu
pai deixou de ter responsabilidade legal sobre mim. Nossa relação desde a
partida de minha mãe havia se tornado tão distante que cheguei a achar que
ninguém se importaria se eu desaparecesse para viver por minha conta. Mas
ele acabou mandando o seu chefe de segurança, Steve, atrás de mim. Foi
irônico ver aquele homem alto e bem-vestido aparecer na casa que havia se
tornado o meu lar. Mais irônico ainda foi perceber que ele precisou de
menos de três minutos para se dar conta de que, se quisesse me forçar a
voltar para casa, teria que trazer consigo um exército inteiro.
Steve trabalhava para o meu pai desde que eu era criança, e me conhecia
o suficiente para saber que ninguém poderia me obrigar a voltar se eu não
quisesse… Até que veio a história da minha irmã e precisei da ajuda do
meu pai, é claro.
No dia seguinte, todos os meus cartões de crédito tinham sido cancelados
e o dinheiro da minha conta-corrente estava retido. Tive que começar a
trabalhar na oficina do pai do Lion para ganhar a vida, e nunca me senti
mais livre e realizado do que naquela época.
Mas a vida naquela vizinhança podia ser difícil. Eu tomei a primeira
surra assim que cheguei, logo percebendo que morar naquela área sendo
filho de um milionário não iria acabar bem. A menos que eu me
transformasse em um deles. Comecei a treinar todos os dias; ninguém
encostaria em mim outra vez, pelo menos não enquanto eu estivesse
acordado para devolver o golpe. Lion me ensinou a me defender, a sair na
briga e como desferir um golpe. A primeira briga veio dois meses depois do
início do meu treinamento. Deixar um cara como o Ronnie estirado no
chão, ensanguentado, fez com que todos os presentes me respeitassem. Os
rachas e as apostas vieram muito depois, e a trégua entre mim e o Ronnie
tornou-se mais evidente à medida que íamos formando os nossos grupos.
Éramos eu e o Lion com o nosso pessoal de um lado e, do outro, o Ronnie e
os seus companheiros de droga e outros delinquentes. Ele logo entendeu
que seria mais rentável manter um trato cordial conosco, principalmente
depois que meu pai nos tirou da cadeia depois que fomos presos por
desordem pública.
Porém tudo mudou quando, um ano depois, precisei da ajuda do meu pai
pela primeira vez. Simplesmente não podia ignorar o fato de que tinha uma
irmã, e queria conhecê-la. Meu pai ofereceu me ajudar com o processo e
com a obtenção do direito de visitá-la. Em troca, eu teria que voltar para
casa, fazer faculdade e morar com ele por pelo menos mais três anos. Tive
que aceitar. Voltei para a mansão Leister e descobri que meu pai finalmente
demonstrava certo interesse por mim. Nossa relação melhorou, mas minha
vida continuou praticamente a mesma. Morava com o meu pai, mas passava
a maior parte do tempo com o Lion, bebendo muito, ficando doido e
entrando em confusão… Só precisava dormir na casa do meu pai e ir para a
faculdade. Ele não se metia na minha vida, nem eu na dele… e assim
seguíamos.
As lutas e os rachas se tornaram parte do meu dia a dia, e os grupos do
Ronnie e do Lion começaram a se enfrentar cada vez mais. Ainda que,
naquela época, não fôssemos nada do que éramos agora, eu sempre notei
um rancor escondido nos olhos do Ronnie. A trégua que mantínhamos
precisava ser prolongada, já que morávamos na mesma área e andávamos
praticamente com as mesmas pessoas. No entanto, o que havia começado
como uma rivalidade amistosa acabou se transformando em uma
animosidade mortal entre os grupos, com consequências tão perigosas como
as do nosso último encontro. O soco que eu havia lhe dado no dia dos
rachas simbolizava o convite a um desafio, e eu não tinha certeza de quando
se daria o desfecho. Ser derrotado pela Noah era a maior humilhação que
ele poderia ter sofrido, e eu sabia que logo teria que enfrentá-lo para
encerrar o conflito. O problema é que fazia muito tempo que o Ronnie tinha
deixado as brigas de rua e os duelos amistosos para trás. O fato de ele ter
atirado na gente comprovava que ele tinha ficado ainda mais perigoso no
último ano, e eu não conseguia tirar da minha cabeça um eventual encontro
do Ronnie com a Noah em algum momento próximo…
Por que a Noah foi inventar de fazer aquilo? Por que ela bagunçava tanto
a minha vida? Eu precisava tirá-la da cabeça, voltar para as minhas coisas,
me divertir como eu sempre havia feito, aproveitar a vida do meu jeito…
Uma loira usando um top minúsculo e uma calça de couro preta se
aproximou de mim no balcão.
— Oi, Nick — ela me cumprimentou. Ao vê-la mais de perto e ver a
tatuagem de dragão que tinha na clavícula, lembrei-me de que a gente já
tinha se pegado em algum momento. O nome dela começava com S:
Sophie, Sunny, Susan, algo assim.
Meneei a cabeça para cumprimentá-la. Não queria conversar. Não estava
de bom humor, mas queria fazer outros tipos de coisas. Ao perceber que ela
se aproximava descaradamente, não precisei me esforçar muito para que os
seus lábios encontrassem os meus.
Pus as minhas mãos em sua cintura e a puxei para mim. Ela cheirava a
vodca e outras bebidas. Era loira e tinha um corpo cheio de curvas,
esperando para serem acariciadas. Era exatamente daquilo que eu precisava
para aliviar a tensão acumulada nos últimos dias. Eu a peguei pela mão e a
levei para a parte escura do lugar, buscando algum canto mais reservado
que estivesse livre.
Mas, então, quando as luzes da discoteca começaram a projetar cores
diferentes nos cabelos loiros de Susan, a Noah me veio à mente.
Resmunguei com os dentes cerrados e empurrei a garota contra a parede,
um pouco mais violentamente do que o necessário, mas o seu suspiro de
prazer foi o combustível para que eu continuasse. Sentia o corpo dela
colado no meu em todos os lugares adequados, mas os lábios que se
mexiam com insistência não eram os que eu queria… Eu me afastei e a
beijei no pescoço. Tinha cheiro de cigarro e álcool. Afastei os cabelos e vi a
tatuagem de dragão… Não era a tatuagem que eu queria beijar, não era o
pescoço que me deixava doido de desejo…
Envolvi as duas mãos no rosto dela e não achei uma única sarda. Aqueles
olhos azuis não tinham cor de mel, nem estavam cercados de milhares de
cílios…
Eu me afastei.
— O que foi? — Susan perguntou, apoiando as mãos na minha calça e
me acariciando de maneira lasciva.
Segurei os punhos dela e os afastei de mim.
— Desculpe, tenho que ir embora — falei, dando as costas para ela. Não
fiquei nem para ouvir os protestos: precisava sair dali.
Ao deixar o local, entrei em um beco e continuei andando, tentando
ignorar aquele pensamento que não parava de me dizer que eu estava
realmente ferrado. Sentia-me tão bravo e ensimesmado que não percebi que
me aproximava do final do beco. Então, umas vozes conhecidas me fizeram
erguer os olhos, e fiquei tenso imediatamente.
Ronnie e três de seus amigos traficantes estavam apoiados em um carro.
Uma Ferrari, para ser mais preciso… A minha Ferrari. Parei, com os
punhos cerrados ao lado do corpo e uma raiva que com certeza eu teria
dificuldade para controlar.
— Olha só quem está por aqui! — Ronnie gritou, descendo do capô e
andando na minha direção. — O filhinho de papai — continuou, dando uma
gargalhada.
Os outros o seguiram. Eu sabia quem eles eram: dois afro-americanos,
cobertos de tatuagens e completamente drogados; o outro era um latino
chamado Cruz, conhecido por ser o braço direito do Ronnie.
— Veio me implorar para devolver o carro? — Ronnie perguntou com
um enorme sorriso. Eu adoraria acabar com aquele sorriso no soco.
— O carro que você ganhou trapaceando? — rebati com calma. — Quem
sabe correr com um carro desses o ajude a aprender a dirigir de verdade…
Você não vai querer perder de novo para uma menina de dezessete anos, né?
Senti um prazer enorme ao ver que meu comentário tinha mexido com
ele. Seu sorriso desapareceu e as veias do seu pescoço ficaram saltadas.
— Você vai se arrepender por isso — ameaçou, fingindo calma. —
Peguem-no! — gritou depois.
Eu já sabia que isso ia acontecer, percebi no instante em que os vi, por
isso tinha me preparado. Quando os dois traficantes se aproximaram, meu
punho voou pelos ares, e sorri ao perceber que havia quebrado o nariz de
um daqueles babacas. Alguém me atacou por trás, mas ergui o cotovelo
com força e voltei a atingir algo rígido, dessa vez a boca de alguém. Cruz se
aproximou para ajudar, não sem antes me dar a oportunidade de desferir
outro murro no valentão número um, bem no lado esquerdo do rosto. Então,
foi a minha vez de sofrer. Alguém me acertou no olho direito, tão forte que
cambaleei para o lado, não sem antes girar e dar um chute em quem tentava
me conter pelos braços. Resisti, mas três contra um era demais mesmo para
mim, ainda mais porque havia o Cruz, que era tão bom de briga quanto o
Lion. Eu teria acabado com ele de igual para igual, mas, com outros dois
segurando os meus braços, não havia muito que eu pudesse fazer.
Cruz começou a socar as minhas costelas, um golpe atrás do outro,
enquanto eu segurava a vontade de gritar e matá-lo com as minhas próprias
mãos. Ronnie se aproximou e cravei meus olhos nos dele, em uma clara
promessa de que aquilo não ia ficar assim.
— Diga à sua irmãzinha que não me esqueci do que aconteceu na corrida
— disse, e o rosto inocente da Noah surgiu na minha mente. Ronnie me
pegou pelos cabelos e aproximou o rosto do meu. Cheirava a cerveja barata
e maconha. — E diga também que, quando a gente se encontrar, vou dar o
troco, mas de um jeito bem diferente — ameaçou.
Eu via tudo em vermelho agora, e tentei me sacudir violentamente para
me soltar. Queria dar um jeito naquele filho da puta.
— Vou me enfiar no meio das pernas dela, Nick — garantiu, segurando
com força a minha cabeça e me impedindo de ir para a frente e afundar o
nariz dele dentro da cara. — E, quando eu fizer isso, ela vai ficar tão suja
que nem você vai querer chegar perto.
— Vou te matar — adverti. Três palavras e uma promessa.
Ele deu uma gargalhada e seu punho voou para o meu estômago. Todo o
ar que eu estava segurando escapou e tive que abaixar a cabeça para tossir e
cuspir o sangue que tinha na boca.
— É melhor não aparecer mais por aqui, senão eu é que vou te matar —
ele ameaçou, me soltando e me dando as costas. Ainda tomei mais um soco,
dessa vez bem no meio da boca, e tive que cuspir de novo para não me
afogar no meu próprio sangue.
Babacas filhos da puta.
Fui cambaleando até o carro e a duras penas consegui chegar em casa.
Estavam todos dormindo, pois já era mais de uma da manhã, mas, quando
subi para o meu quarto, vi que não havia luz sob a porta do quarto da Noah.
Não era possível que ainda não tivesse chegado… Abri a porta sem bater e
lá estava a cama dela, intacta.
Praguejei com os dentes cerrados enquanto entrava no meu quarto e
tirava a roupa, lutando contra a dor. Aqueles idiotas tinham me quebrado
inteiro, há muito tempo eu não tomava uma surra como aquela. Quatro
anos, para ser mais exato. Tinha sido um idiota ao perambular sozinho
naquele beco; praticamente me entregara de bandeja.
Entrei no banho e deixei a água levar o sangue e o suor do meu corpo.
Tinham me batido principalmente nas costelas e na barriga, então daria para
esconder os machucados com uma camiseta. O olho roxo e o lábio partido
eram outra história, e teria de pensar bem para achar uma explicação
plausível para o meu pai quando ele perguntasse — ou evitá-lo até que as
marcas desaparecessem. Eu não permitia que batessem no meu rosto com
frequência, mas, quando participava daquelas lutas de apostas, de vez em
quando um soco me pegava.
Não conseguia tirar da cabeça a ameaça que Ronnie fizera a Noah. Não
duvidava de que ele quisesse estrangulá-la com as próprias mãos depois
daquela humilhação pública ao perder o racha, mas a imagem daquele filho
da puta encostando nela me deixava tão doido que eu precisava me
controlar para não dar um soco no espelho.
Eu me enxuguei depressa e vesti uma calça de moletom. Fiquei sem
camisa porque uma das feridas ainda sangrava um pouco. Lavei a boca com
água e me certifiquei de não ter quebrado nenhum dente. Só o lábio estava
machucado. Não estava sangrando mais, e ficou em um tom vermelho-
arroxeado, assim como meu olho esquerdo, que era o que ia demorar mais
para melhorar.
Peguei o celular e saí do quarto com a intenção de descobrir onde diabos
estava a Noah. Enquanto isso, colocaria gelo nos hematomas. Cinco
minutos depois, quando eu estava saindo da cozinha com um pacote de
ervilhas no olho e o celular na orelha, a porta da frente se abriu com um
barulho baixo de chave, e a razão do meu mau humor surgiu.
O telefone dela estava vibrando e parou quando interrompi a chamada.
Então, ela ergueu o rosto e olhou para mim. Seus olhos passaram da
surpresa ao horror.
— Onde você estava? — perguntei, fulminando-a com o olhar.
25
NOAH
A última coisa que eu esperava encontrar quando entrei em casa era Nick
completamente destroçado. A surpresa de ver a sua chamada no meu celular
deu lugar ao horror em menos de um segundo.
— Onde você estava? — ele indagou de maneira intimidante, como
sempre. Aquela pergunta me deixou desconcertada por um instante, mas o
que mais me preocupou foi a sua aparência. Estava com o olho esquerdo
completamente roxo e o lábio machucado. Mas isso nem era o pior: em seu
torso despido, vi hematomas começando a se formar na pele bronzeada do
seu abdômen. Por um momento, a visão daquelas feridas me deixou
paralisada. Senti meu coração bater a mil por hora e o pânico me invadiu,
me causando enjoo. Não gostava de ver sangue e ferimentos, por isso fui
tomada por um zumbido nos ouvidos e tive que parar um pouco perto da
porta.
— O que aconteceu com você? — perguntei com a voz embargada.
Nicholas estava irritado. Dava para perceber pela maneira como apertava
a mandíbula e olhava para mim. Era como se, de alguma forma, eu fosse a
culpada por aquelas feridas.
— Eu lhe fiz uma pergunta — ele disse, jogando um pacote de ervilhas
congeladas sobre a mesa.
Sacudi a cabeça enquanto fechava a porta sem fazer barulho. Minha mãe
e o Will deviam estar dormindo e eu não queria acordá-los. Algo que não
parecia ser um problema para o Nick, considerando o volume com que se
dirigia a mim.
— Eu estava com o Mario — respondi, me aproximando. Apesar da
vontade terrível de me afastar correndo daquelas feridas, eu não podia
ignorar o estado dele. — O Lion e a Jenna se juntaram a nós um pouco
depois de tomarmos o sorvete. Aliás, por que isso importa? Já viu o estado
em que você está? — indaguei, sem perceber esticando o braço para tocar
um dos hematomas que ele tinha na lateral do corpo.
Sua mão voou até a minha para afastá-la. Porém, em vez de me dar um
tapa, que era o que eu esperava, ele me segurou com força, chegando a me
machucar. Ergui os olhos para ele e vi raiva e medo em seu olhar.
— Vamos para a cozinha, precisamos conversar — ele falou, me puxando
atrás de si. Involuntariamente, prestei atenção em suas costas despidas. Meu
Deus, dava para discernir cada músculo enquanto ele caminhava! Aquela
visão me deu vontade de acariciar a pele lisa do seu corpo. Dava para ver
outro hematoma em uma das laterais, e fiquei com tanto ódio de quem tinha
feito aquilo que perdi o foco. Nick acendeu apenas um pequeno abajur e
ficamos sob uma luz tênue enquanto ele se sentava em um dos bancos da
ilha da cozinha, ainda segurando a minha mão. Vê-lo naquele estado estava
me matando. Dava para perceber os seus olhos se apertando por causa da
dor que sentia a cada movimento que realizava, e eu imaginava maneiras de
fazê-lo sentir-se melhor.
— Você notou alguma coisa estranha hoje enquanto estava na rua? — ele
perguntou, com uma expressão de preocupação. — Alguém a seguindo ou
algo assim?
Não estava esperando por isso. Olhei diretamente para o rosto dele para
responder.
— Não, claro que não. Por quê? — devolvi a pergunta, incrédula.
Ele soltou a minha mão e desviou o olhar de mim, frustrado. Quis voltar
a sentir o seu contato, mas preferi ficar quieta.
— O Ronnie ainda não superou o que rolou no dia do racha — falou, e
compreendi a situação. — Ele quer se vingar, e não vai hesitar em machucá-
la se a vir de novo — adicionou, cravando os olhos azuis nos meus.
Fiquei abalada por um instante.
— Foi ele quem te deu essa surra? — perguntei, amaldiçoando aquele
desgraçado nos meus pensamentos.
— Ele e mais três amigos.
— Meu Deus, Nick! — disse, sentindo uma pressão estranha no peito e
arregalando os olhos de horror. Minhas mãos subiram inconscientemente
para o rosto dele, examinando os ferimentos. — Quatro contra um?
Ele ficou tenso quando o toquei, mas logo relaxou. Meus dedos apenas
roçaram as feridas, mas deixei que deslizassem por suas bochechas,
sentindo a pele áspera da barba por fazer que lhe dava aquele aspecto tão
amedrontador e ao mesmo tempo tão sexy.
— Você está preocupada comigo, sardenta? — perguntou, brincando.
Porém ignorei-o, pois percebi que tinha encostado em algum machucado, o
que fez surgir uma careta no seu rosto. Ele ergueu as mãos e as colocou
sobre as minhas. — Estou bem — adicionou, e vi que os seus olhos
percorriam o meu rosto involuntariamente.
— Você precisa denunciá-los — eu disse, me afastando e me sentindo
incomodada com o seu olhar.
Fui até a geladeira. Peguei o primeiro pacote que encontrei no congelador
e voltei para perto dele. Ele fez uma careta quando coloquei o pacote no seu
olho roxo.
— Não se denunciam caras como esses. Mas isso não é importante — ele
retrucou, pegando o pacote e o retirando do rosto para olhar para mim
direito. — Noah, a partir de agora, até a poeira baixar, não quero que vá
sozinha a lugar nenhum, está me ouvindo? — advertiu, com um tom de
irmão mais velho.
Eu me afastei, olhando para ele com incredulidade.
— Essa gente é perigosa e implicou com você… e comigo. Mas não me
importo de levar uma surra, eu sei me defender. Eles vão acabar com você
se a encontrarem sozinha e indefesa.
— Nicholas, não vão fazer nada disso. Eles não vão se meter em
problemas só porque eu feri o orgulho desse idiota — respondi, ignorando o
olhar ameaçador que ele lançou.
— Até resolvermos essa situação, não vou tirar os olhos de você. É
melhor ir se acostumando — ele falou, então.
Será que nunca nos daríamos bem?
— Você é insuportável, sabia? — retruquei.
— Já me chamaram de coisas piores — ele afirmou, dando de ombros e
fazendo uma careta segundos depois.
Respirei fundo várias vezes.
— Aplique compressas quentes nesses hematomas e ponha alguma coisa
fria no olho e no lábio — aconselhei, sentindo pena dele. — Você vai se
sentir muito mal amanhã, mas, se tomar uma aspirina e ficar de cama, deve
passar em dois ou três dias.
Ele franziu a testa enquanto um sorriso se desenhava em seus lábios.
— Você é especialista em surras ou algo assim? — ele perguntou,
brincando.
Simplesmente dei de ombros. Naquela noite, fui direto para a cama… e
tive pesadelos.
NICK
Ainda não sabia por que tinha convidado a Noah para passar o fim de
semana comigo nas Bahamas. O rosto dela simplesmente apareceu na
minha cabeça quando vi as passagens com tudo pago. Nem precisei fingir
dar ouvidos ao meu pai, quando ele sugeriu que eu levasse a Noah junto…
Já estava nos meus planos.
Desde que ela tinha relaxado, e nossa relação se tornara mais leve, não
conseguia tirá-la da minha cabeça. Ficava maluco só de pensar em deixá-la
sozinha, ainda mais agora que ela tinha sido ameaçada, sem falar da raiva
que tomava conta de mim quando eu pensava nela se aproximando de
qualquer outro cara. Só de imaginar que ela já tinha ficado com o Dan eu
ficava de mau humor, queria quebrar a cara dele por causa do que ele tinha
feito. No entanto, a traição não era o principal motivo, e sim os nove meses
que ele havia passado com ela, acariciando-a, beijando-a e, meu Deus,
tomara que sem tirar as roupas dela…
Imagens da Noah se entregando a alguém que não fosse eu me
atormentavam dia e noite. Nunca me considerei um homem ciumento,
provavelmente porque nunca tinha desejado que alguma garota fosse
minha, e aquilo estava me matando. A sua maneira de sorrir, o jeito
ingênuo… o que mais me atraía era o fato de ela ser sexy por natureza. Não
importava como se vestisse, se estava de maquiagem ou de cara limpa…
Sempre que meus olhos paravam para analisá-la, minha mente imaginava
mil maneiras diferentes de fazê-la suspirar de prazer. O que houve na
piscina teoricamente não deveria ter acontecido. Eu tinha prometido a mim
mesmo que não voltaria a me aproximar, mas era muito difícil. Na noite
anterior eu queria matá-la por tudo que ela causara com o Ronnie e por ela
ter saído com o Mario. Mas quando percebi o olhar horrorizado dela ao me
encontrar todo machucado, e quando ela acariciou a minha pele com
aqueles dedos cálidos… simplesmente tive que botar meu autocontrole à
prova para não devorá-la ali mesmo, no balcão da cozinha.
E o pior é que ela estava ficando confiante. Não ficava mais na defensiva,
nem tinha se importado de me acordar com um grito… Ela nem tentou se
afastar quando eu perdi o controle e a acariciei debaixo d’água. Ela tinha as
pernas tão bonitas, as curvas tão diabolicamente sexys…
E à noite ela ia sair com o idiota do Mario, um cara que não pensava duas
vezes quando o assunto era pegar as garotas e levá-las para a cama se
tivesse a oportunidade… Merda, ele era parecido comigo em
comportamento, mas não podia deixá-lo encostar na Noah, nela não; ela era
inocente demais, uma jovem mulher, uma garota que deixaria doido
qualquer sujeito que tivesse olhos.
Estava irritado por ela sair com ele no dia do meu aniversário. Eu a
queria para mim, queria mostrar para ela as coisas boas da cidade. De
repente, quis que a impressão que ela tinha a meu respeito mudasse. Eu não
aguentava o fato de ela achar que eu não a merecia.
Então, bateram à porta. Estava terminando de me vestir e simplesmente
gritei para que entrassem. Enquanto fechava os botões da camisa que usaria
naquela noite, certos olhos cor de mel me devolveram o olhar pelo espelho.
— Já voltou do seu jantar? — perguntei sarcasticamente, tentando conter
a vontade de ir até ela e obrigá-la a ficar comigo a noite inteira.
— Você vai comemorar o seu aniversário em alguma festa? — ela
questionou, ignorando a minha pergunta.
Eu me virei para ela, tentando demonstrar indiferença.
— Pensou que eu ficaria em casa vendo um filme, irmãzinha? — rebati
com maldade, aproveitando para vê-la franzir a testa. Os seus olhos ficavam
mais escuros quando ela fazia aquilo.
— Você podia ter me contado. A Jenna e o Lion achavam que eu ia, estão
esperando por você lá embaixo — ela disse, cruzando os braços sobre o
vestido preto que estava usando. Era bem justo, e parava só uns cinco dedos
abaixo do seu bumbum. Fiquei de mau humor ao imaginar o Mario
colocando suas mãos dentro daquele vestido.
— Não tenho tempo pra isso. Se quiser ir, é só ir. Seu nome vai estar na
lista — declarei, escarrando cada palavra. — Mas seu amiguinho não está
convidado, então você decide — frisei, me aproximando dela. Já que eu não
podia tocá-la, queria sentir aquele perfume que tanto me excitava.
— Você está me olhando como se eu fosse a vilã da história, mas eu nem
sabia que era o seu aniversário. O Mario me chamou para sair antes, não
posso dar um bolo nele — ela disse, contrariada e culpada.
— E você acha que ele não sabia? — falei, irritado e plenamente ciente
de que o Mario tinha planejado aquilo de propósito.
Ela virou os olhos por um momento, com uma expressão de surpresa e
irritação, que depois demonstrou certa culpa. Ela era adorável. Estava se
sentindo culpada por não ir à festa de alguém que ela nem conhecia direito.
Não consegui aguentar. Pus uma das mãos da cintura dela e a puxei na
minha direção. Os olhos dela procuraram os meus com dúvida e
expectativa.
— Vamos, sardenta. Vamos para a minha festa de aniversário — eu pedi,
afastando os seus cabelos dos ombros e dando neles um beijo rápido. Sorri
em contato com a sua pele ao perceber que ela tinha se arrepiado. Pelo
menos eu tinha certeza de que ela se sentia atraída por mim e que exercia
certa influência sobre ela, ou sobre o corpo dela.
— Você quer que eu vá? — perguntou com a voz entrecortada, enquanto
meus lábios subiam pelo seu pescoço.
Se eu queria que ela fosse? Era óbvio que eu não poderia encostar nela
naquela festa, ninguém podia ficar sabendo do que estava rolando entre a
gente, e vê-la por lá sem poder beijá-la como agora… seria muito
complicado.
— Claro que eu quero — respondi um pouco depois. Não sabia onde
estava me metendo, mas era melhor que estivesse lá do que eu não saber
por onde ela andava.
Ela virou o rosto e lançou seus lábios suaves contra os meus, em um
beijo rápido demais para ser aproveitado.
— Vou depois do jantar — disse, então, se virando para sair do quarto.
— O QUÊ? — soltei mais alto do que o necessário, segurando-a para que
ela não saísse.
— Nicholas, não vou dar o bolo no Mario. Vou um pouco mais tarde para
a festa. Além do mais, eu gosto de sair com ele, me faz bem — sentenciou.
Essa menina ia acabar comigo.
— Bom, faça o que quiser — murmurei, pegando a chave do carro e
passando por ela para descer as escadas.
Se ela não me priorizava em relação a um idiota como o Mario, eu
também não iria priorizá-la… Eu ia me divertir naquela noite e tirar a Noah
da cabeça.
Nem eu acreditava nessas palavras.
A festa seria na casa de um dos meus amigos do bairro, o Mike. Ele era
gente boa, um colega de faculdade que quase sempre oferecia a sua casa,
perto do lago, para esse tipo de festa. Jenna e Anna tinham cuidado da
decoração, que incluía desde balões vermelhos e pretos preenchidos com
gás hélio até todo tipo de bobagens decorativas. Por sorte, o mais
importante era responsabilidade do Lion, que junto com os outros rapazes
tinha enchido a casa de álcool, comida e mais e mais álcool. Assim que
cheguei, todos me desejaram feliz aniversário em uníssono. Cumprimentei
todo mundo e em menos de cinco minutos já estávamos todos dançando,
fazendo bagunça, nos jogando no lago e nos embriagando.
O melhor dessas festas era que sempre havia mulheres à minha
disposição, então escolhi o álcool como meu companheiro fiel e aproveitei
as duas dançarinas contratadas para animar o meu aniversário. Uma parte
de mim estava na expectativa da chegada da Noah, mas era uma parte
pequena, já que não faltavam distrações.
Uma das dançarinas, de cujo nome eu já tinha me esquecido, não saía de
perto de mim. A outra, uma ruiva bem jovem, desapareceu assim que elas
finalizaram a apresentação. O certo é que ninguém que tivesse o
cromossomo Y em seu DNA teria resistido àquela mulher, que não desistia
de tentar me levar para o banheiro. No entanto, um dos meus princípios era
não ficar nem com dançarinas, nem com prostitutas, nem com nada
parecido, então eu a repeli, tentando não ser muito grosseiro, e fui para a
parte de trás da casa. Dali, era possível ver o lago Toluca e o reflexo da lua
cheia na água. Muitos dos meus amigos estavam se divertindo na água,
arrastando garotas consigo. Nesse momento o Lion se aproximou, apoiou os
antebraços no corrimão de madeira e me observou atentamente. Ainda me
lembrava de quando o conhecera. Ele era muito mais corpulento e
intimidador, e graças a Deus nós dois tínhamos a mesma estatura, assim
pude olhar nos seus olhos antes que ele quebrasse a minha cara com um
soco. Nem lembro por que estava bravo comigo, acho que eu tinha pegado
uma garota com quem ele queria ficar ou algo assim. Foi engraçado porque,
graças aos meus reflexos, eu consegui me esquivar antes que ele me batesse
no meio da cara, e ele acabou atingindo a parede. A situação foi tão cômica
que não pude parar de rir enquanto ele reclamava de dor. Aparentemente,
ele também achou engraçado, e viramos melhores amigos desde então.
— Obrigado pela viagem, cara. Nunca fui a lugar nenhum com a Jenna e
finalmente vamos fazer alguma coisa só a gente — ele disse, com um
sorriso radiante. Meneei a cabeça enquanto dava um gole na minha cerveja.
A viagem… Sempre que pensava nisso, me lembrava da Noah.
— Sei que ela é sua irmã postiça e tal, mas… — Lion continuou, olhando
para mim com interesse e lendo os meus pensamentos — … por que você
convidou a Noah?
Pensei bem na resposta antes de falar. Nem eu sabia ao certo, mas a ideia
de ficar dois dias inteiros longe dela me deixava nervoso.
— Não quero que ela fique sozinha por aqui enquanto o Ronnie ainda
estiver bravo por causa do racha. Ele a ameaçou, e não posso deixar que
algo aconteça com ela — respondi, omitindo o detalhe de que, se ele
chegasse a olhar para ela, eu o mataria com as minhas próprias mãos.
Então, Lion se virou, dando as costas para o lago, e olhou para mim com
seriedade.
— Não sei exatamente o que você pretende, mas eu já percebi como você
olha para ela, Nick — ele disse com um tom frio. — Você não pode ficar de
casinho com ela, é a sua irmã postiça… Eu ando conversando com a Jenna,
e a Noah não é como as outras garotas… Você vai assustá-la — adicionou,
olhando para mim com firmeza.
Respirei fundo, tentando conter a vontade de mandá-lo à merda. Mas ele
tinha razão: a Noah era diferente. Dava para ver nos olhos dela, na sua
maneira de ser, em como ela não percebia o que causava ao seu redor… Era
ingênua e inocente demais, e eu poderia macular tudo aquilo muito
facilmente…
— Entendo o que está dizendo, mas não vai rolar nada entre a gente —
respondi, sabendo que uma parte de mim estava gritando “MENTIRA!”
com letras garrafais. — Somos apenas amigos, não dá pra ser de outro jeito.
Temos uma convivência, temos os mesmos pais… Seria insuportável se nos
odiássemos o tempo todo, por isso, decidimos tentar nos dar bem.
Lion pareceu aceitar aquela parte da história.
— Você deve saber onde está se metendo — advertiu. Em seguida, tirou
a camiseta com um único movimento e correu para onde todos
mergulhavam.
Não me importaria de ir com ele, mas estava de olho na entrada da casa,
esperando a Noah voltar daquele encontro ridículo. Então, eu a vi aparecer
com a Jenna. As duas estavam de braços dados, e um sorriso apareceu no
rosto da Noah quando ela me viu. Ficava radiante sorrindo daquela maneira,
e fiquei com vontade de atraí-la para mim, de beijar aquela covinha que
surgia em sua bochecha esquerda.
— Parabéns de novo! — ela exclamou contente ao se aproximar de mim.
Jenna nos observou com curiosidade e depois desviou o olhar para o lago,
de onde o Lion a chamava para aproveitar a água.
— Vocês vêm? — perguntou, olhando para nós. Noah olhou para baixo,
reparando na própria roupa, e negou com a cabeça.
— Eu não trouxe roupa de banho — falou, dando de ombros.
— Não seja recatada. Vá de calcinha e sutiã, dá na mesma — Jenna
rebateu, puxando-a pelo braço.
Fiquei nervoso ao imaginá-la só com as roupas de baixo, ainda mais se
despindo na frente daquele monte de babacas bêbados que estavam na
minha festa.
Noah ficou tensa, repentinamente incomodada.
— Nem pensar — impedi-a, puxando-a para mim. A Noah veio voando
para a lateral do meu corpo.
— Meu Deus, Nicholas! — reclamou, afastando-se de mim, mas
lançando um pequeno sorriso para Jenna. — Eu não estou com vontade,
mas vai lá. A gente se vê daqui a pouco — adicionou.
Jenna seguiu para o lago.
Inclinei a cabeça e não consegui segurar um sorriso. A Jenna era maluca,
mas eu gostava muito dela e não ficaria bravo por ela querer tirar a roupa da
Noah na frente de todo mundo. Eu me virei para ela e observei as suas
graciosas sardas, que mal podiam ser vistas por causa da pouca luz que
havia do lado de fora da casa.
— Deu tudo certo no seu encontro? — perguntei, sem esconder o
sarcasmo.
Ela sorriu para mim por alguma razão inexplicável.
— Deu tudo muito certo, mas isso não importa. Eu trouxe um presente
pra você — anunciou, e pude notar a emoção no seu olhar. Que vontade de
morder aqueles lábios.
Eu me apoiei no corrimão, olhando cuidadosamente para ela, e um
sorriso se desenhou no meu rosto.
— É sério? — perguntei, imaginando o que ela estaria escondendo com
aquele comportamento tão carinhoso, tão incomum para ela. — Estou com
medo do que possa ter trazido.
Então, percebi o seu semblante mudar… Será que tinha ficado nervosa?
Minha curiosidade aumentou de imediato.
— É uma besteira, mas depois de tudo o que aconteceu, e da noite de
ontem… — ela se justificou.
Olhei para ela sem entender, esperando que me desse o que tinha trazido.
— Está aqui. Acabei de comprar em uma lojinha, encontrei por acaso,
mas é o meu jeito de pedir desculpas…
De me pedir desculpas?
Apanhei o pequeno pacote e abri o embrulho creme… Era a miniatura de
uma Ferrari preta, igual à minha.
— Olha o bilhete — ela pediu, então, apontando para a parte de baixo do
carrinho.
Nele, pude ler, escrito com uma letra arredondada e muito pequena:
“Desculpa pelo carro, de verdade. Algum dia você comprará um novo.
Felicidades, Noah”.
A frase era tão descarada e ridícula que acabei dando uma gargalhada.
Ela começou a rir do meu lado.
— Eu estava te devendo uma Ferrari, né? — perguntou, dando de
ombros.
— Vou jogá-la no lago só por causa disso — ameacei, enquanto a puxava
e a erguia.
Ela começou a gritar como uma doida.
— Não, Nick! — protestou, dando risada. — Desculpa, de verdade!
— De verdade? — eu disse, abaixando-a lentamente e a colocando junto
do meu corpo, algo que eu queria desde que ela tinha saído para se
encontrar com o Mario.
Olhei ao redor e vi que não havia ninguém. Os outros estavam no lago ou
na casa, e nós estávamos no meio do caminho. Eu a puxei para uma árvore
e a encurralei com o meu corpo.
— O que você fez a teria deixado em apuros se eu não estivesse
morrendo de vontade de te beijar desde que você chegou.
Ela ficou nervosa, olhando fixamente nos meus olhos, e me lembrei do
que o Lion havia dito: Noah não era como as outras garotas.
Pus a mão na bochecha dela e acariciei aquelas sardas que eu tanto
adorava. A pele dela era alva como a neve e me inclinei para beijá-la e
sentir a suavidade daquele toque nos meus lábios. Beijei-a na bochecha,
bem no lugar em que se formava a covinha quando ela sorria, e depois a
beijei no pescoço, mergulhando meu rosto nela e saboreando aquela pele
doce. Ela soltou um suspiro quase inaudível e não consegui me segurar.
Nossos lábios se juntaram e, como sempre que isso acontecia, mil sensações
diferentes tomaram conta do meu corpo: nervosismo, calor e um profundo e
obscuro desejo. Colei o corpo dela no meu o máximo que pude,
aprisionando-a contra a árvore e sentindo como ela se derretia nos meus
braços.
A sua língua procurava a minha, e quando as duas se encontraram eu
quase morri de prazer. Ela me segurava pela nuca, me aproximando ainda
mais dela, e não consegui mais conter as mãos, que começaram a acariciá-la
descontroladamente.
Ela soltou um gemido abafado quando meus dedos começaram a subir
pelas coxas dela, até chegarem perto da calcinha. Meu Deus, eu queria que
ela me sentisse, queria fazê-la suspirar de prazer, queria ouvi-la repetir o
meu nome sem parar!
— Nick… — ela disse, ofegante.
— Se você pedir para eu parar, eu paro — falei, olhando nos olhos dela,
aqueles olhos que pareciam ter vindo do inferno para me torturar e me
deixar maluco.
Ela não falou nada, então continuei. Meus dedos afastaram o tecido da
calcinha e ela soltou um suspiro entrecortado contra o meu ombro. Ela
estava tremendo, e a segurei com o meu braço enquanto lhe dava prazer
com a outra mão. Fiquei olhando para ela durante todo o processo,
encantado.
Um minuto depois, tive que cobrir a sua boca com a minha para evitar
que alguém a escutasse.
Ela era perfeita… e eu tinha certeza de que estava me apaixonando como
um idiota.
27
NOAH
Evitei-o por uma hora e meia. Não queria nem sequer olhar para ele,
ficava nervosa só de pensar. Porém, às cinco da manhã, quando a maioria
dos convidados já tinha ido embora, sobraram apenas umas oito pessoas,
incluindo a Anna, o Lion, a Jenna, o Mike (dono da casa), uma tal de
Sophie, o Sam (amigo do Nick), o Nicholas e eu. A gente se reuniu na
imensa sala de enormes sofás brancos e nos sentamos em círculo. Eu fiquei
perto da Jenna e da Sophie, uma loira tingida que parecia bem tonta. O
Nicholas estava à minha direita, com o Mike entre nós, e agradeci por não
estar diante dele e ter de enfrentar aquele olhar.
Desde o ocorrido na árvore, ele não tinha olhado nenhuma vez para mim.
Parecia bravo ou aliviado por não ter que me fazer companhia. Eu sentia
uma pontada de dor toda vez que nossos olhares se encontravam e ele
desviava os olhos, ainda que uma parte de mim se sentisse aliviada. Preferia
que ele me ignorasse a ter de conversar sobre o que acontecera.
— Por que a gente não faz aquela brincadeira de antigamente? — a
Sophie propôs do meu lado.
— Verdade ou desafio? — a Jenna perguntou, dando uma risadinha. —
Cresce um pouco, Sophie.
— Não, vamos jogar — Mike disse com um olhar malicioso.
Fiquei imediatamente nervosa. Odiava aquela brincadeira. Uma vez,
escolhi desafio e tive que beber um copo de óleo de cozinha. Que nojo.
— Pega essa garrafa que está na mesa — Mike pediu ao amigo.
Um minuto depois, estávamos todos em volta de uma garrafa de cerveja
vazia. O Mike foi o primeiro girá-la, e a garrafa apontou para a Anna.
— Verdade ou desafio? — perguntou, com um sorriso insinuante. O
Nick, do lado dele, ficou inquieto.
— Hum… Verdade — ela respondeu, virando-se para o Nick. Tive que
desviar o olhar e gostaria de tapar os ouvidos, se isso não me fizesse parecer
ridícula.
— Fale sobre a última vez que você transou com alguém — o Mike
questionou, rindo abertamente.
Nossa, sério mesmo?
Um largo sorriso se desenhou no rosto da Anna. Fiquei incomodada com
o modo como os seus olhos procuraram os meus quando ela começou a
descrever o que fizera com o Nick.
— Foi no banco de trás de um carro — começou, dando risada e olhando
para o Nick e para mim. — Eu prefiro numa cama, mas…
Desviei o olhar. Por que me doía tanto ouvir aquilo? Por que, ao imaginar
as mãos dela no corpo do Nick, eu sentia vontade de levantar e lhe arrancar
os cabelos?
Então me adiantei e girei a garrafa. Não me importava se ela ainda estava
no meio da história, eu não queria saber dos detalhes.
Merda, a garrafa apontou para o Nick. Nossos olhares se cruzaram.
— Verdade ou desafio? — perguntei, de maneira um pouco brusca.
— Desafio, claro — respondeu, com os olhos cor de céu faiscando.
Pensei em algo que o deixasse bravo de verdade… Como, por exemplo,
tomar um copo de algum tipo de óleo. Mas, para minha tristeza, a Sophie se
adiantou e sugeriu o que ele deveria fazer.
— Tira a camiseta — ordenou, e percebi como ela o estava comendo com
o olhar. Eu revirei os olhos.
— Isso não é um desafio de verdade — rebati, fulminando-a com o olhar.
Nick sorriu, divertindo-se com a situação.
— Aprende a ser mais rápida, irmãzinha — aconselhou, e tirou a
camiseta. Eu e as outras três garotas do recinto ficamos de boca aberta,
completamente abobalhadas. Apesar dos hematomas e dos ferimentos da
surra do Ronnie, ele continuava incrivelmente atraente.
— Obrigada pelo colírio para os olhos, Nick. Agora, é a minha vez —
Jenna declarou, esticando o braço para fazer a garrafa girar.
Merda, apontou para mim. Fiquei nervosa só de pensar no que me
pediriam para fazer.
Jenna abriu um sorriso maléfico.
— Verdade ou desafio? — perguntou, com um brilho divertido nos olhos.
Sempre preferi a primeira opção.
— Verdade — respondi, dando de ombros.
— Qual foi a coisa mais cruel que você já fez na vida? — Jenna
perguntou, se divertindo. Ela achava que eu era uma boa menina, que nunca
tinha feito nada fora do normal… Se ela soubesse…
Todos se olharam dando risada e fiquei com vontade de lhes abrir os
olhos. Mas será que eu queria contar algo que me consumia por dentro
desde que eu tinha onze anos? Não, na verdade não.
— Eu roubei um pacote de doces de uma loja da minha cidade quando eu
tinha nove anos. Quando descobriram, tentei sair correndo e acabei
derrubando duas gôndolas cheias de produtos. Fiquei de castigo por um
mês, e desde então nunca mais roubei nada — contei, lembrando daquele
dia com carinho… A perseguição tinha sido a parte mais divertida.
Todos riram.
Agora, o outro amigo do Nick ia girar a garrafa. Eu não lembrava o nome
dele, mas ele tinha passado quase a noite toda olhando para mim.
A garrafa girou e girou até que, para meu desgosto, parou apontando
novamente para mim.
— Verdade ou desafio? — ele perguntou, com um sorriso esquisito.
Como eu já tinha escolhido verdade uma vez, decidi arriscar a segunda
opção.
— Desafio — respondi, sentindo um nó na boca do estômago.
— Tira o vestido — ordenou.
Senti todo o sangue do meu corpo subir para o meu rosto.
Não.
Eu não podia fazer aquilo; não com toda aquela luz ao meu redor e na
frente de todo mundo. Todos veriam a minha pele sem nenhum tipo de
impedimento.
Notei o Nicholas ficando tenso. Não acharia ruim se acontecesse alguma
que me livrasse daquele desafio.
— Posso trocar? — perguntei com a voz entrecortada. A Anna parecia se
divertir com a situação.
— Você é assim tão complexada com o seu corpo? É só um jogo —
alfinetou, olhando para os demais e rindo de mim.
— Sim, pode trocar — Nick resmungou, e nossos olhares se cruzaram.
As outras pessoas protestaram, mas o semblante do Nick se manteve
impassível e tiveram que ceder.
— Nesse caso, como não seguiu o combinado, temos de pedir algo mais
desafiador — Anna interveio, e juro por Deus que dava para ver como ela
estava adorando me fazer sofrer. Fiquei com vontade de levantar e dar com
a garrafa na cabeça dela. — Você vai ter que entrar nesse armário e ficar
com o Sam — ela disse, com um sorriso triunfal.
Como assim? Não planejava me enfiar em armário escuro nenhum…
Que merda, aquele dia estava indo de mal a pior.
— Ótimo! — o tal do Sam gritou.
Gostei de ver o Nick fulminando Sam com o olhar e com um semblante
perigoso. Aquilo estava ficando interessante.
— Tudo bem, mas vai ter que ser aqui mesmo. Não vou me enfiar em
armário nenhum — falei, desafiando todos os presentes.
— Por quê? — Anna questionou, contrariada.
— Ela tem medo do escuro — Nicholas soltou. Ergui os olhos na sua
direção, sem acreditar que ele tinha revelado aquilo assim, sem pensar duas
vezes.
Todos deram risada de mim.
— Meu Deus, você tem quatro anos? — Sophie caçoou ao meu lado.
Eu sabia que estava vermelha. Esse assunto era sagrado para mim. Só as
poucas pessoas que me conheciam de verdade sabiam daquele medo, e eu
nem me lembrava de ter contado isso para o meu pseudoirmão.
— Por mim, tanto faz o local, mas quero te beijar agora — Sam afirmou,
se aproximando de mim e rindo abertamente.
Não lhe faltava confiança, e eu tampouco me importava de beijá-lo. Era
só isso mesmo: um beijo. Fiquei de pé, sem olhar para as pessoas ao meu
redor.
Sam era loiro e tinha olhos castanhos. A Jenna já havia me contado que
ele estudava na nossa escola. Ele me lembrava do Dan. Aproximou-se e pôs
uma das mãos na minha cintura. As outras pessoas vaiaram dos lugares.
Enrubesci, sem dúvida, mas era melhor acabar logo com aquela bobagem.
Aproximei a minha boca da dele com a intenção de lhe dar um beijo
casto, só nos lábios, mas o espertinho empurrou a boca com força até que
meus lábios se entreabriram e a sua língua invadiu a minha boca. Não
houve nenhum tipo de reação da minha parte, e um segundo depois eu o
afastei com um empurrão.
— Já é o suficiente — disse, dando meia-volta e me sentando. Estava
brava e não sabia exatamente por quê.
— Você beija como um anjo, Noah — Sam sentenciou, rindo e voltando
para o seu lugar.
Então, Nick se levantou. Parecia nervoso com alguma coisa. Estava com
a testa franzida e os dois punhos apertados ao lado do corpo.
— Já está tarde, temos que ir — comentou, olhando apenas para mim. —
Esse jogo é uma bobagem.
Levantei-me e fui imitada pelos outros, que assentiram, já cansados de
uma festa tão longa. Vi o Nick vestindo a camiseta e ouvi a Sophie
suspirando ao meu lado, pesarosa.
Nós dois nos despedimos do Mike e da Sophie e nos dirigimos para os
carros. Graças a Deus, a Anna tinha ido com o seu conversível e não
tivemos que levá-la para casa. Entrei no carro do Nick depois de me
despedir do Lion e da Jenna, que prometeu me ligar cedo no dia seguinte
para fazermos as malas enquanto conversávamos. Sorri para ela, revirando
os olhos e pensando em como aquela viagem estava ficando cada vez mais
inapropriada.
Depois que o Nick se despediu da Anna, ele entrou no carro e deu a
partida em menos de um segundo. Não queria falar com ele sobre o que
havia acontecido, por isso estiquei o braço e liguei o rádio. Assim que
pegamos a estrada, ele esticou o braço e desligou o aparelho.
— Não gostei nem um pouco de você ter beijado o Sam — falou, e
percebi que ele estava batendo os dedos de maneira nervosa no volante.
— Era só a porcaria de um jogo. O que você queria que eu fizesse? —
respondi, lembrando do que a Anna tinha contado. Eu também não havia
gostado nem um pouco.
— Era só ter dito que não — retrucou.
— Eu disse não para o primeiro desafio. Além do mais, eu não fico
pedindo explicações sobre o que você faz ou deixa de fazer com a sua
namorada nem com as centenas de garotas que você pega bem debaixo do
meu nariz — falei, elevando o tom de voz.
— Eu nunca fiz nada disso — rebateu, me fazendo erguer as
sobrancelhas, incrédula. — E centenas de garotas é um pouco demais,
sardenta. Até mesmo para mim.
— E a Anna?
— O que eu e a Anna temos é… diferente. Porém, para deixá-la mais
tranquila, faz semanas que não fazemos nada — ele se justificou, tentando
ficar mais calmo.
— Mesmo que seja verdade, ainda que eu não acredite, você não precisa
ficar me dando explicações. Não estou com ciúmes — disse, cruzando os
braços e olhando para a escuridão da noite. A verdade era que, sim, eu
estava com ciúmes, mas nunca admitiria.
— Mas eu, sim — ele disse, então, virando o rosto para mim. — Eu estou
com ciúmes, muito mesmo, e nem sei direito por quê. Nunca na vida senti
ciúmes de alguém, Noah, e muito menos por causa de um idiota como o
Sam.
Arregalei os olhos, surpresa com a confissão.
— Você não deveria se sentir assim, ainda mais por causa de uma
brincadeira…
— E você acha que eu não sei disso? — ele me interrompeu, nervoso.
Neste momento, chegamos em casa. Nick abriu a porta e se fez um
silêncio entre nós. Antes que eu pudesse sair, ele pegou no meu pulso com
delicadeza e me obrigou a confrontar o seu olhar.
— Desculpe-me pelo que aconteceu lá perto das árvores. Acho que não
foi o que você esperava… Não era minha intenção assustá-la, nem que você
se sentisse incomodada.
Senti que estava derretendo, depois de ter me enfiado atrás de muros de
gelo.
— Você me deu a opção de pararmos, Nick, e eu não quis parar — eu
disse, nervosa. Senti uma carícia fugaz no meu pulso.
— Eu faria tudo com você, Noah, e você sabe disso… Mas não vamos
fazer nada enquanto esse medo com que você olha para mim não for
embora.
Que merda…
Depois disso, ele desceu do carro, e demorei para voltar a sentir o meu
coração bater normalmente.
NICK
NOAH
Nem sabia como tinha me deixado ser convencida a usar aquele vestido.
Era muito inapropriado, ainda mais porque deixava as minhas costas
inteiras à mostra. Precisei usar um sutiã especial e tudo, mas ainda me
sentia completamente nua. A Jenna era insuportável quando metia alguma
coisa na cabeça, mas uma parte pequena de mim, bem escondida, também
queria ver a reação do Nick diante daquele vestido. Durante o dia inteiro ele
havia se comportado como se fosse realmente meu amigo. Manteve as mãos
longe de mim e, por mais estranho e contraditório que pudesse parecer, eu
não tinha gostado disso.
Por isso, não entendi muito bem o seu olhar de desgosto quando nos
reunimos, em frente aos elevadores. Ele analisou o meu corpo com a testa
franzida, e por um momento achei que não tinha gostado de como eu
estava.
— Algum problema? — perguntei, decepcionada com o seu olhar. Não
tinha sido a reação que eu esperava.
— Você não vai ficar com frio? — indagou, com um brilho estranho nos
olhos.
— Vou ficar bem — afirmei, entrando no elevador assim que as portas se
abriram.
Ao meu lado, a Jenna usava um minishort preto e um top rosa muito
provocante. Ela estava muito mais exposta do que eu, mas eu não vi o Lion
fazer cara feia.
Os rapazes nos seguiram. Quando chegamos ao andar do restaurante,
fiquei novamente encantada com a decoração e o tamanho daquele lugar.
O Nick nos guiou até o restaurante, que ficava perto da piscina. Era
muito elegante, por isso usávamos roupas tão chiques, e adorei poder
aproveitar tudo aquilo com amigos e com o Nicholas. Essa era uma das
vantagens de a minha mãe ter se casado com um milionário: o luxo estava
sempre ao meu dispor.
Fomos acomodados em uma mesa muito aconchegante perto de um
caminho que levava aos jardins e à piscina. A vista era espetacular, e logo
estávamos jantando e aproveitando a conversa agradável e a comida
espetacular.
Meu celular começou a tocar, interrompendo a conversa. Eu continuava
recebendo ligações do número oculto, e alguém ficava só escutando do
outro lado da linha.
— Alô? — atendi, e automaticamente uma voz conhecida respondeu. Era
um dos rapazes com quem eu tinha jogado vôlei de praia. Se eu não
estivesse enganada, o seu nome era Jess. Ele informou o nome da balada e
disse para irmos para lá depois de terminarmos de jantar.
Quando contei para os outros, a Jenna ficou muito animada, mas o Nick
voltou a olhar para mim de maneira estranha. Que diabos estava
acontecendo com ele?
Peguei meu celular e mandei uma mensagem para ele. Sabia que aquilo
era ridículo, mas, se ele não parasse, terminaria estragando minha noite.
Como ele sabia que a Jenna tinha escolhido o vestido para mim? Era
assim tão óbvio que eu não gostava daquela roupa? A Jenna estava
incrível… Eu devia estar parecendo uma bonequinha grotesca se comparada
a ela.
Fiquei com os olhos marejados ao achar que estava fazendo papel de
ridícula. Queria impressionar o Nick e acabei fazendo exatamente o
contrário.
Deixei o celular na mesa, não pretendia responder. Nunca tinha sido uma
garota que se produz em excesso, mas também nunca dera importância ao
que as pessoas, muito menos os homens, pensavam de mim. Ter feito aquilo
por causa do Nick me fez sentir como uma idiota.
O celular tocou de novo, fazendo ainda mais barulho agora, pois vibrou
em cima da mesa.
Olhei a mensagem e senti um frio na barriga.
NICK
NOAH
O voo de volta para casa pareceu eterno. Não sei o que o meu rosto
transmitia, mas os três, incluindo o Nick, me deixaram em paz quase o
tempo inteiro. Quando deixamos a Jenna e o Lion em casa, um silêncio
incômodo tomou conta do carro. Fiquei olhando pela janela; não queria
estar ali, queria ficar o mais longe possível dele, estava me sentindo traída
como nunca. Por alguns instantes, achei que poderia alcançar a felicidade,
tocá-la com a ponta dos meus dedos. Começara a enxergar um futuro com o
Nick, mas tudo desmoronou na mesma velocidade com que surgira. Meus
olhos ardiam e eu sentia uma vontade terrível de chorar. Ainda tinha
vislumbres do Nick dando socos naquele rapaz, como se fossem cenas de
um filme de terror. E, para completar, ainda levava na mente a imagem do
Nick agarrando aquela garota. Entendi naquele momento que o que sentia
por ele era muito maior do que eu achava no início. Vê-lo com outra tinha
sido pior do que ver o Dan com a minha melhor amiga.
Senti uma lágrima escorrendo pela minha bochecha e, antes que eu
conseguisse enxugá-la, senti os dedos dele na minha pele, roubando algo
que não era seu. Afastei aquela mão com um tapa.
— Não encoste em mim, Nicholas! — ordenei, agradecendo por meus
olhos não derramarem mais lágrimas.
Ele devolveu o olhar e vi dor em sua expressão, mas era tudo mentira: o
Nicholas não sentia nada por mim. Demonstrara aquilo na noite anterior.
Então, ele parou o carro. Olhei para fora e vi que ainda não tínhamos
chegado.
— O que você está fazendo? — perguntei, me sentindo desorientada,
brava e confusa. Estava com todos os sentimentos à flor da pele, precisava
colocar uma distância entre nós.
Em seguida, ele se virou para mim.
— Você precisa me desculpar — pediu, com uma voz de súplica.
Neguei com a cabeça. Não queria continuar ouvindo, não queria estar
naquele carro com ele. Tirei o cinto de segurança e saí, sem me importar
com o fato de estarmos no meio da estrada.
Pude ouvi-lo me seguir o mais rápido que podia. Tentei me afastar, mas
ele me segurou pela mão e me encarou.
— Sinto muito, Noah — ele se desculpou. — Não queria fazer aquilo,
não estou acostumado — continuou, apontando para nós dois. — Você não
entende? Nunca senti isso por ninguém, ontem quando eu vi que… fiquei
fora de mim, e quando aquele idiota te beijou…
— E o que você acha que eu senti ao vê-lo quebrando a cara dele? —
gritei, tentando escapar. — Admiração? Gratidão? Não! Fiquei com medo!
Eu já te falei: violência não é para mim. E, para piorar, você ficou com
outra garota praticamente na porta do meu quarto!
Ao ouvir as minhas palavras,ele me soltou,como se tivesse sido
eletrocutado.
— Você está com medo de mim? — perguntou, com dor.
Sabia que estava a ponto de desmoronar, mas assenti, de qualquer
maneira. O Nicholas soltou o ar que estava segurando.
— Eu nunca encostaria um dedo em você… — garantiu, tentando me
alcançar. — Noah, não sei de tudo pelo que você já passou, mas precisa
saber que eu nunca te machucaria.
Neguei com a cabeça, evitando olhar nos olhos dele.
— Você já me machucou, Nicholas.
Ele ia falar alguma coisa, mas eu o interrompi.
— Por favor, me leva pra casa.
Percorremos o restante do trajeto em um profundo silêncio. Tiramos as
malas do carro e fui direto para o meu quarto, depois de cumprimentar
minha mãe e o William. O Nicholas nem entrou em casa. Só largou as
coisas dele e entrou no carro de novo. Eu já não me importava mais, nunca
me importei, era isso que eu continuava repetindo para mim mesma.
NICK
NOAH
NICK
Demorei quinze minutos para chegar. Havia gente por todos os lados, e
fui empurrando as pessoas para conseguir chegar à casa. Procurei a Jenna
na sala e na cozinha, e, quando ia pegar o celular para perguntar onde
diabos ela estava, avistei-a descendo as escadas.
— Onde ela está? — perguntei, furioso.
Não era culpa da Jenna, mas, que merda, não deveriam cuidar uma da
outra? Ela não estava mal; pelo contrário, parecia completamente sóbria.
— Nós a levamos para o quarto lá em cima — ela informou, e comecei
as subir os degraus de dois em dois. — Eu sabia que ela estava passando do
limite, mas ela não quis me ouvir, Nick — a Jenna continuou, mas a ignorei
até chegar no quarto.
Entrei e me ajoelhei perto da Noah. Ela estava com o rosto pálido e
suado, certamente por conta do esforço de ter vomitado por tanto tempo.
— Há quanto tempo ela está assim? — perguntei. Como ninguém me
respondia, olhei para a Jenna, furioso. — Há quanto tempo?
— Ela ficou vomitando por mais de meia hora, e faz uns cinco minutos
que perdeu os sentidos… Ou que ela dormiu… Não sei, Nicholas.
Desculpa, eu pedi para ela parar, mas…
— Tá bom, Jenna. — Fiz sinal para ela se calar e vi de soslaio que o Lion
tinha entrado no quarto.
A garota que estava junto da Jenna olhou para mim, determinada.
— Sou estudante de medicina. Pode se acalmar, a pulsação dela está
estável. Ela só passou do ponto e precisa dormir. Amanhã, ela vai acordar
com uma ressaca daquelas, mas vai ficar bem.
— Como assim, vai ficar bem? — quase gritei, enquanto colocava o
rosto inconsciente da Noah entre as minhas mãos e a observava, muito
preocupado.
— Está tudo bem. Leve-a para casa e fique de olho nela durante a noite
— a garota orientou.
E era isso que eu iria fazer.
— Desculpa, Nick… Não achei que fosse terminar assim — Jenna
repetiu, se sentindo culpada.
— Agora não me interessa o que você tem a dizer — rebati friamente,
enquanto me inclinava sobre a Noah e a pegava no colo, sem dificuldade.
Assustei-me ao notar que ela mal emitia ruídos, embora respirasse
normalmente. A cabeça dela se apoiou no meu ombro e me senti culpado
por não conseguir protegê-la outra vez. Ela estava daquele jeito por minha
culpa, mas algo não se encaixava. Enquanto descia as escadas com ela nos
braços, eu me perguntava o que teria acontecido para que ela decidisse se
embebedar daquela maneira.
Quando parei o carro na entrada de casa e me virei para olhar para a
Noah, fui acometido por uma espécie de déjà vu muito desagradável. Na
noite em que nos conhecêramos, ela terminara justamente daquele jeito,
mas porque colocaram uma droga na sua bebida. Também tinha sido minha
culpa, e me lembrar de como a tinha largado no meio da estrada me ajudou
a entender como eu tinha sido idiota com ela desde então. Eu não a merecia,
mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Estava apaixonado por ela.
Desci do carro e a retirei de lá com cuidado. Ela continuava
completamente inconsciente, e tive que entrar em casa e subir as escadas
apressadamente. Já estava muito tarde, e eu não queria que a Raffaella visse
a Noah naquele estado lamentável. Fui direto para o meu quarto, sem
pensar duas vezes. Eu ficaria de olho nela até que recuperasse os sentidos.
Quando a coloquei com cuidado na minha cama, lembrei-me de que eu
queria levá-la para lá desde que a vira com aquele vestido lindo, e agora ela
estava lá naquelas condições. Tirei os seus sapatos com cuidado e acendi a
pequena luminária que havia na mesa de cabeceira. Ela estava tão
inconsciente que nem sequer notara a completa escuridão que se assomou
ao nosso redor, e isso me fez sentir um aperto no peito que mal me deixava
respirar. E se ela estivesse pior do que aparentava? E se fosse melhor levá-
la ao hospital? Descartei aquele último pensamento, já que a Noah era
menor de idade e se meteria em um problemão se soubessem que tinha
consumido bebidas alcoólicas em excesso.
Ela estava com a roupa manchada de vômito e a pele arrepiada.
Friamente, comecei a tirar a sua saia, depois as meias. Fui pegar uma
camiseta minha, e antes de passá-la pela cabeça dela, algo chamou a minha
atenção. A Noah tinha uma cicatriz enorme em um lado da barriga… Fiquei
observando, com a mente completamente confuso. Como será que aquilo
tinha acontecido? Não era uma cicatriz normal. Era muito grande, e com
certeza ela tinha levado vários pontos. Deslizei o dedo pela superfície suave
daquela marca que atravessava o corpo mais espetacular que eu já tinha
visto na minha vida. Sonhando, a Noah ficou inquieta, e logo afastei a
minha mão do seu corpo.
Será que era por isso que ela nunca usava biquíni? Por causa da cicatriz?
Então, vários momentos e detalhes começaram a passar pela minha mente, e
tudo fez sentido. O motivo de ela sempre usar maiô ou de ficar nervosa se
eu mencionasse algo que envolvesse tirar a roupa; a razão de ter ficado
desconfortável quando pediram a ela que tirasse o vestido no jogo de
verdade ou desafio. Então, percebi que a Noah estava a milhares de
quilômetros de mim. Havia muitas coisas sobre ela que eu não sabia e senti
a necessidade de protegê-la de qualquer coisa que a preocupasse ou de que
ela tivesse medo. Passei a camiseta pela sua cabeça e a cobri com os
cobertores.
“O que será que tinha acontecido? Quem era a Noah Morgan de
verdade?”
Com essas dúvidas na cabeça, deitei-me ao lado dela, abraçando-a contra
o meu peito e desejando protegê-la de tudo e de todos, porque alguma coisa
tinha acontecido e eu acabaria descobrindo exatamente o quê.
35
NOAH
Eu estava com muito calor. Não conseguia enxergar nada ao meu redor, e
sentia como se estivessem me asfixiando. Rapidamente entendi por que a
temperatura parecia próxima dos quarenta graus. Eu estava sendo abraçada
por um corpo quente e enorme. Fiquei completamente confusa quando
meus olhos se depararam com Nicholas dormindo profundamente.
Como eu tinha chegado ali? E o que diabos eu estava fazendo na cama
com ele? Meus olhos percorreram o meu corpo. Vi que estava vestida, mas
com uma camiseta que não era minha, e muito grande, parecendo um
vestido.
Fiquei sem ar: alguém tinha tirado a minha roupa.
O pânico se apoderou de mim de maneira abrasadora. Minha respiração
se acelerou e me levantei como pude, apoiada na cabeceira da cama.
Nicholas abriu os olhos ao notar a minha movimentação, confuso por um
segundo, e logo em seguida se levantou e olhou para mim com precaução.
— Você está bem? — perguntou, analisando o meu rosto com cuidado e
calma.
— O que eu estou fazendo aqui? — questionei, torcendo para não ter
ficado bêbada a ponto de não conseguir me trocar sozinha em um banheiro.
— A Jenna me ligou e me pediu para ir buscá-la. Você estava
inconsciente — contou, olhando para mim de forma estranha. Estava
despenteado e tinha dormido com a mesma roupa que tinha usado no dia
anterior.
— E o que aconteceu depois? — interroguei, tentando manter a calma.
Ele me observou por alguns instantes, pensando nas palavras. Meu
coração se acelerou.
— Eu tirei a sua roupa manchada de vômito e a coloquei na cama —
respondeu, e meu autocontrole se esgotou.
Eu me levantei e fui para a outra ponta do quarto. Olhei para ele, sem
acreditar no que ele tinha feito.
— Por que você fez isso? — gritei, fora de mim.
O Nicholas não podia ter visto a minha cicatriz, não podia. Isso abriria as
portas de um passado para o qual eu não podia nem queria voltar.
Ele ficou de pé e se aproximou de onde eu estava, com cuidado.
— Por que você está assim? — falou, magoado e irritado. Eu mal
conseguia controlar a minha respiração. — Não sei o que tanto te preocupa,
mas espero que saiba que eu não me importo e que não vou contar para
ninguém… Noah, por favor, não olhe para mim assim. Estou preocupado
com você.
— Não! — gritei, furiosa. — Você não pode ficar preocupado por algo
que não entende nem nunca vai entender!
Eu precisava sair daquele quarto, precisava ficar sozinha. As coisas
estavam saindo do meu controle, nada tinha acontecido do jeito que eu
queria. Senti um nó no estômago e fiquei com vontade de chorar.
Olhei fixamente para ele. Nick parecia não saber o que fazer, mas ao
mesmo tempo tinha uma determinação no olhar.
— Não vou repetir: eu quero que você fique bem longe de mim.
O seu semblante se transformou. Pareceu furioso e se aproximou,
colocando meu rosto entre as mãos. Fiquei quieta, tentando controlar a
minha respiração e o nervosismo que me destruía por dentro.
— Entenda de uma vez: eu não vou a lugar nenhum. Vou ficar aqui, e
quando você estiver preparada para me contar o que aconteceu, vai perceber
que cometeu um erro grave ao desejar se manter longe de mim.
Dei-lhe um empurrão e fiquei grata por ele se afastar.
— Você está errado. Eu não preciso de você — rebati, pegando as minhas
coisas do chão.
Saí batendo a porta bem forte. Queria chorar, estava com vontade de
chorar sem parar e deixar sair toda a angústia que havia dentro de mim. O
Nicholas viu a minha cicatriz; agora ele sabia que algo tinha acontecido,
algo que eu não queria revelar, algo que me causava vergonha, algo que eu
tinha decidido enterrar nas profundezas do meu ser.
Com as mãos trêmulas, tirei a roupa e me joguei no chuveiro bem quente.
Queria esquentar meu corpo, fazer o calor me adentrar, porque estava me
sentindo gelada, uma pedra de gelo por dentro e por fora. Quando saí do
banho e vi um envelope branco sobre a minha cama, desmoronei. De novo,
não; outra carta, não, por favor, hoje não.
Peguei o envelope com as mãos ainda tremendo. Aquilo já era algum tipo
de assédio, eu precisava contar para alguém. Tirei o papel de dentro do
envelope e, com o medo tomando conta de mim, comecei a ler:
Quando chegamos em casa, fui direto para o meu quarto. William estava
na sala, reunido com um monte de advogados, e ao me ver apenas fechou a
porta, sem nem sequer me cumprimentar. Foi esquisito, mas tive que
enfrentar apenas a minha mãe ao chegar em casa.
Diferentemente das outras vezes, ela estava cansada e tinha olheiras
enormes. Quando me viu, me deu um abraço apertado. Não sei qual tinha
sido o motivo da discussão, mas sem dúvida era mais grave do que eu
imaginava.
— Você está bem, mãe? — perguntei, olhando fixamente para ela depois
que me soltou.
— Claro — respondeu, não muito convincente.
— Está tudo bem entre você e o Will? Você pode me contar — insisti,
tentando tirar algo dela.
Ela negou com a cabeça, abrindo o sorriso mais falso que eu tinha visto
em seu rosto em muito tempo.
— Está tudo ótimo, querida, não precisa se preocupar — afirmou.
Assenti, duvidando, mas não podia ficar insistindo. Tinha que abrir a
carta que o Ronnie havia me entregado.
Subi para o meu quarto e tirei a carta do bolso com os nervos à flor da
pele.
A carta continha uma simples frase:
Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto… Fazia tanto tempo que eu
não me lembrava daquilo…
O papai estava com um cheiro ruim, aquele dia não seria bom.
Sempre que o papai aparecia com aquele cheiro amargo, as coisas
terminavam mal. Os gritos começaram alguns minutos depois e
vieram acompanhados do barulho de algo se quebrando. Corri para o
meu quarto e me tranquei lá. Entrei debaixo dos cobertores e apaguei
a luz. O escuro ia me proteger, o escuro era meu aliado…
Voltei a mim e meu coração estava quase saindo pela boca. Aquilo não
podia estar acontecendo de novo. De repente, tive vontade de vomitar, e foi
exatamente o que fiz. Corri para o banheiro e botei para fora a pouca
comida que tinha ingerido naquele dia. Eu me apoiei no vaso sanitário e pus
as mãos entre os joelhos. Precisava me acalmar e recuperar a compostura.
Meu pai estava na cadeia, meu pai estava na cadeia… Ele não podia me
machucar, estava preso, em outro país, a milhares de quilômetros de
distância, muito, muito longe. Mas, então, quem faria algo tão horrível
comigo?
Ninguém conhecia o meu passado, absolutamente ninguém, só a minha
mãe, o Conselho Tutelar e o tribunal que havia julgado o caso e sentenciado
meu pai à prisão. Ele continuava preso, não?
Joguei água no rosto, tentando me acalmar. Eu não ia sucumbir, precisava
aguentar, tinha que aguentar, tinha que ser forte… Precisava de uma
distração… só uma.
Peguei o celular e fiz uma ligação.
— Jenna? Preciso da sua ajuda.
36
NICK
NOAH
Não houve mais cartas, mas a última ainda estava gravada nas minhas
retinas. A palavra “papai” tinha causado no meu cérebro uma resposta
imediata contra as lembranças infantis que eu tanto queria esquecer. Fazia
seis anos que eu não ouvia falar dele, nem sequer tinha escutado alguém
mencionar o seu nome. Conforme os dias, as semanas, os meses e os anos
se sucediam, minha mente criou uma carapaça que me protegia de qualquer
dor proveniente das lembranças, emoções e situações daquela etapa da
minha vida, que eu tanto queria deixar para trás. Não queria voltar para lá,
havia um antes e um depois. Minha mãe também passou pelo mesmo
processo naqueles primeiros anos. E, agora, tudo tinha voltado para
explodir na nossa cara.
O simples fato de recordar o que havia acontecido naquela época já
causava no meu corpo uma reação de medo muito difícil de relevar, por isso
recorri às festas, ao álcool e a todo o resto, como se fosse uma fuga. Eu
simplesmente não conseguia suportar aquilo. Não era forte o suficiente,
ainda não. Eu ainda era uma menina, ainda não passara tempo suficiente e
aquele período sombrio tinha que ficar escondido nas profundezas de um
poço em minha mente, e era por isso que eu estava me comportando como
uma idiota naquela semana. Eu sabia o que estava fazendo, e esses
momentos em que a minha mente ficava anestesiada por conta dos efeitos
do álcool eram os únicos nos quais meu coração e meu cérebro ficavam
tranquilos.
Graças a Deus, meus novos amigos não achavam estranho embebedar-se
quase todos os dias, então não tive que me esforçar muito para conseguir o
que queria. O único obstáculo era o Nick.
Desde que tínhamos voltado daquela maldita viagem, ele se comportava
como um típico irmão mais velho. Ele me repreendia quando eu bebia,
cuidava de mim quando eu estava bêbada e até chegou a me despir e me dar
banho para que eu não ficasse tão estragada por causa da noite anterior. Eu
sei, era ridículo, algo ridículo e muito confuso. Não queria que ele se
preocupasse comigo, simplesmente precisava enfrentar as coisas sozinha e
da minha maneira. Tinha presenciado várias vezes a minha mãe beber até
cair quando finalmente nos livramos do meu pai. Se isso a ajudava, por que
não me ajudaria também?
Com esses pensamentos, voltei para a escola no dia seguinte. Mal prestei
atenção nas aulas, estava sem comer desde a noite anterior. Meu estômago
se negava a se alimentar e minha mente estava adormecida, já que essa era a
única maneira de manter meus demônios sob controle. Naquele dia, a Jenna
me levou para casa, já que minha mãe havia saído com o William de novo,
e eles só voltariam depois de uns dois dias. Não sabia nem para onde eles
tinham ido, e não me importava. Às vezes, em alguns momentos do dia, eu
baixava a guarda e me lembrava das ameaças do meu pai, e o medo tomava
conta de mim até quase me sufocar. Mas ele estava longe, na cadeia, jamais
conseguiria encostar em mim. Sendo assim, como explicar as cartas que
Ronnie entregara?
Deixei a minha mochila em cima do sofá da entrada e fui direto para a
cozinha. Lá estavam o Nicholas e o Lion. Os dois olharam para mim assim
que apareci.
— Oi, Noah! — Lion me cumprimentou com um sorriso tenso.
A seu lado, o Nick me encarou por alguns segundos.
— Oi! Sua namorada acabou de sair daqui — contei, enquanto me
aproximava da geladeira e pegava a garrafa de suco de laranja. Na mesa, vi
restos do que eu imaginava terem sido sanduíches de queijo.Thor, o
cachorro do Nick, apareceu abanando o rabo.
— Thor, sai daqui — Nicholas ordenou com um tom seco.
Eu me virei para ele.
— Deixa ele, Nicholas. Não está me incomodando — comentei.
Ele olhou para mim apertando a mandíbula e se aproximou do cachorro.
Ele o pegou pela coleira e o levou para fora, ignorando a minha fala.
— Mas está me incomodando — afirmou.
Lion deu uma gargalhada.
— A tensão é palpável — comentou, se levantando. Eu o fulminei com o
olhar enquanto me sentava e levava uma uva à boca. — Tenho que te avisar,
Noah, que hoje é o dia dos novatos… Toma cuidado — ele aconselhou, e eu
fiquei quieta por um instante, olhando para ele.
— O quê? Do que você está falando?
Ele olhou para o Nick, que não pareceu ver muita graça no comentário.
— Hoje é a primeira sexta-feira da primeira semana de aula… Os
novatos recebem as boas-vindas, e você é uma novata… Só estou avisando
— explicou, dando risada. — A Jenna vai me matar por eu ter dito isso,
mas eu fico com pena.
— Ela não vai pra essa idiotice, então você não precisa se preocupar —
Nicholas falou para o Lion.
— Não sei se estou entendendo, mas há uma festa hoje à noite e é claro
que eu vou, Nicholas — garanti, olhando fixamente para ele.
Ele sustentou o olhar e negou com a cabeça.
— Sua mãe disse que você não pode sair hoje. Ela não quer que você
fique por aí quando ela não está em casa, então vou seguir as ordens —
comunicou, indiferente.
Eu dei uma risada irônica.
— E desde quando eu tenho que te obedecer? — rebati, comendo outra
uva. Estavam deliciosas.
— Desde quando eu fiquei responsável por cuidar de você. Você não vai
a lugar nenhum, então não perca o seu tempo discutindo comigo — ele
disse, confiante.
Aquilo era surreal. Desde quando eu tinha que fazer o que Nicholas
Leister mandasse?
— Olha só, Nicholas, eu faço o que eu quiser e quando eu quiser, então
pode esquecer esse seu teatrinho de guarda-costas porque eu não vou ficar
em casa numa sexta-feira à noite.
Levantei-me da mesa, disposta a sair. O Lion parecia estar se divertindo.
— Isso está parecendo uma partida de tênis — comentou, dando risada e
se calando quando o Nicholas lhe lançou um desses olhares que dizem “cala
a boca ou eu quebro a sua cara”.
Passei pelos dois e fui direto para o meu quarto. Precisava decidir o que
vestir.
A Jenna me ligou umas sete da noite. A festa dos novatos era uma
tradição da St. Marie e o mais interessante era que acontecia na própria
escola. Íamos à escola para dar a melhor festa da história. Os novatos do
primeiro ano ficavam responsáveis pela comida e pela bebida, e depois
tinham de limpar absolutamente tudo, e era por isso que a escola permitia
que a festa ocorresse. Por ser uma novata do último ano, precisava apenas
participar da parte divertida. Segundo a Jenna, o melhor era usar uma roupa
confortável, mas formal, então escolhi uma calça jeans preta e uma
camiseta regata. Calcei sandálias de saltinho baixo e deixei meu cabelo
solto. Eu estava muito bonita, mas demorei menos tempo para me arrumar
do que eu imaginava, e ainda faltava meia hora para me pegarem em casa.
Decidi descer até a cozinha para comer alguma coisa, mas, antes de
chegar às escadas, me deparei com o Nick, que me abordava todas as vezes
que eu saía do meu quarto.
— Você vai a algum lugar? — perguntou, me fulminando com seus olhos
claros.
Ele estava lindo e eu queria beijá-lo até ficar sem energias, mas a minha
mente desejava algo completamente diferente: odiá-lo até tornar a sua vida
insuportável, e era nessa vibe que eu estava.
— Você vai ficar me seguindo a noite inteira? — respondi, incomodada.
Eu tinha acabado de chegar perto das escadas, e ele estava alguns degraus
abaixo; por isso, os meus olhos estavam na altura dos dele. — Sai da minha
frente, Nicholas — mandei.
Cheguei à cozinha e comecei a preparar um sanduíche. Como eu
planejava beber naquela noite, era melhor estar com algo no estômago. Mas
não consegui terminar de cortar o pão. Mãos seguraram os meus braços, um
corpo surgiu rente às minhas costas e me pressionou contra o balcão da
cozinha. Senti-lo contra mim depois de tanto tempo me fez derrubar a faca
que eu estava segurando.
Percebi lábios no meu ombro despido e estremeci involuntariamente.
— Me solta, Nicholas — exigi, com a respiração ofegante.
Meu corpo queria aquele contato, mas a minha mente gritava: “Perigo!
Perigo!”. Senti os seus lábios na minha orelha e depois no meu pescoço. Ele
afastou os cabelos do meu rosto e o simples roçar dos dedos na minha pele
me fez fechar os olhos de prazer.
— Estou cansado desse joguinho estúpido — ele disse, apertando a
minha barriga e me puxando para si. — Não estava mentindo quando disse
que o que aconteceu nas Bahamas não vai acontecer de novo. Estarei a seu
lado sempre que você precisar, Noah… Eu quero você e sei que você me
quer…
Quando os seus lábios começaram a beijar todo o meu pescoço com
insistência, de cima a baixo, perdi o fio da meada. Era verdade que eu o
queria, e, enquanto ele me beijava, percebi que todos os pensamentos
relacionados ao meu pai ou à minha vida passada tinham desaparecido.
Nicholas Leister me distraía tanto quanto qualquer bebedeira, ou ainda
mais.
Joguei os braços para trás e toquei os seus cabelos com os dedos,
atraindo-o para a base do meu pescoço. Então, ele me agarrou pela cintura e
me girou, com um movimento rápido e intenso.
Trocamos olhares por alguns instantes, e fiquei assustada e excitada ao
identificar o desejo evidente naqueles olhos azuis.
— Você quer que eu te beije? — perguntou, então.
Que pergunta idiota era aquela?
— Fica em casa e vamos fazer muito mais do que nos beijar, eu prometo
— continuou, aproximando os lábios dos meus.
Aquela promessa me deu arrepios no corpo inteiro.
— Você está me chantageando? — questionei, entre surpresa e irritada.
Ele vinha se comportando muito bem comigo nos últimos dias e não
tinha brigado com o Ronnie no dia da entrega da última carta. No entanto,
eu ainda não sabia se estava disposta a perdoá-lo.
— Essa palavra é muito feia. Diria que estou tentando seduzi-la — falou,
aproximando sua boca da minha.
Tirei proveito da situação. Encurtei o espaço que havia entre nós e deixei
os lábios dele encostarem nos meus. Foi uma sensação vertiginosa e
maravilhosa ao mesmo tempo. Sempre que nos tocávamos, eu
experimentava milhares de sensações diferentes, e estava acontecendo de
novo. Mas algo tinha mudado: agora o Nicholas estava me beijando com
desespero. Fiquei assustada, mas quando pressionou seus lábios contra os
meus e pôs a língua profundamente em minha boca, simplesmente respondi
com o mesmo entusiasmo.
— Você vai ficar? — perguntou, então, se afastando de mim.
Nós dois estávamos ofegantes, tentando recuperar o ritmo normal de
nossas respirações.
Pus as duas mãos no peito dele.
— Eu vou para a festa, Nicholas — anunciei. — Obrigada pela distração.
E fui embora.
NICK
Quando cheguei na escola e não a vi, percebi que havia algo de errado. Não
sei se por instinto ou se porque uma vozinha na minha cabeça insistia que
algo estava acontecendo, mas desci do carro rapidamente e peguei a trilha
em direção à festa. Vi um monte de alunos nos arredores do ginásio e corri
direto para lá. Muitos dos presentes arregalaram os olhos ao me verem
chegar. Outros cutucaram os colegas com os cotovelos e apontaram para
mim. Então, vi a Jenna e o Lion vindo das arquibancadas da pista de
atletismo.
— O que você está fazendo aqui? — meu amigo perguntou.
— Vocês viram a Noah? — perguntei, sem nem cumprimentá-los. Estava
com um pressentimento ruim.
A Jenna deu de ombros.
— Estava lá dentro há uns quinze minutos.
Dei as costas para os dois e corri para o ginásio, quase tropeçando.
Quando entrei, todos continuaram olhando para mim, mas só consegui
ouvir os gritos que vinham dos fundos. Eram desesperadores. Senti tanto
pânico ao ouvir a voz dela gritando daquela maneira que perdi o controle de
mim mesmo.
— Onde você está? — perguntei aos gritos, enquanto seguia a sua voz até
a porta de um armário nos fundos. Ela estava lá dentro. Alguém a tinha
trancado, e ela estava gritando e batendo na porta, desesperada para sair.
— ME TIRA DAQUI!
Minhas mãos ficaram trêmulas, mas procurei manter a calma. Tentei abrir
a porta, mas estava trancada. Nunca tinha ficado tão furioso.
— Quem é o merda que está com a chave?
As pessoas ao redor se encolheram diante dos meus gritos, mas eu só
conseguia ouvir a voz de sofrimento da Noah dentro do armário.
A Cassie surgiu, parecendo completamente aterrorizada. Ela me entregou
a chave e por pouco não arranquei o braço dela ao apanhá-la.
— Foi só uma…
— Cala a boca! — gritei, e imediatamente enfiei a chave na fechadura,
abrindo a porta.
Só consegui ter um vislumbre dela antes de ela me abraçar e afundar a
cabeça no meu pescoço, soluçando, ofegando, tremendo aterrorizada.
A Noah estava chorando… Chorando. Desde que a conhecera, não a
tinha visto derramar uma única lágrima, nem quando foi traída pelo
namorado, nem quando brigamos nas Bahamas, nem quando ficava irritada
com a mãe, nem quando eu a tinha largado na estrada… Eu nunca a tinha
visto chorar, e agora ela estava se desfazendo em lágrimas nos meus braços.
Uma rodinha se formou ao nosso redor, com pessoas olhando para nós
em silêncio.
— Deem o fora daqui! — gritei, segurando a Noah. Ela estava tremendo
tanto que mal conseguia respirar. Todos permaneceram onde estavam. —
Falei para darem o fora! — berrei ainda mais alto.
Tinham prendido a Noah… Aqueles filhos da puta a tinham prendido em
um armário, completamente no escuro.
— Nick, eu… — Jenna começou a falar, olhando para a Noah com
preocupação.
— Me deixa. Pode deixar que eu cuido dela — ralhei, apertando a Noah
contra mim.
Quando as pessoas se afastaram, eu me sentei em um degrau das
arquibancadas e a coloquei no meu colo. Estava pálida e com o rosto cheio
de lágrimas… Aquela não era a Noah que eu tinha conhecido, era uma
Noah completamente destroçada.
— Nick… — começou a falar, soluçando.
— Fica calma — eu disse, sem afastá-la do meu corpo.
Eu estava com muito medo. Vê-la daquele jeito e ouvir os seus gritos de
horror realmente tinha mexido comigo. Todos os meus medos haviam se
tornado realidade e eu mal conseguia controlar os meus próprios tremores.
Queria apenas abraçá-la e senti-la nos meus braços… Por alguns segundos
achei que o Ronnie a tinha encontrado e machucado, ou algo pior…
Ela estava afundada no meu pescoço, e não parava de chorar.
— Faça com que eles vão embora… — pediu entre soluços, ainda
tremendo que nem vara verde.
— Eles quem? — perguntei, fazendo carinho no seu cabelo.
— Os pesadelos — respondeu, se afastando de mim e cravando os olhos
nos meus.
— Noah… você está acordada — eu disse, com o seu rosto entre as
minhas mãos e secando as lágrimas que escorriam pelas suas bochechas.
— Não… — ela disse, sacudindo a cabeça. — Preciso esquecer…
Preciso esquecer do que aconteceu… Me faz esquecer, Nick… Faz…
Então, ela aproximou o rosto do meu e me beijou. Um beijo úmido por
causa das lágrimas, cheio de tristeza e terror.
Eu a segurei pelos ombros e a afastei.
— Noah, o que está acontecendo com você? — questionei, abraçando-a e
acariciando as suas bochechas.
— Eu não aguento mais…
Eu a levei para o carro e aos poucos ela foi parando de chorar. No banco
do carona, permaneceu calada e melancólica, imersa nos próprios
pensamentos, pensamentos que certamente eram tão intensos e horríveis
quanto os que a tinham feito morrer de medo dentro daquele armário.
Eu não tirava as mãos dela; abraçava-a como podia e acariciava o seu
ombro enquanto dirigia com apenas uma mão. Ela não tentou me afastar;
pelo contrário, encolheu-se contra o meu corpo como se eu fosse um colete
salva-vidas. Eu reprimi a vontade de quebrar a cara de todo mundo naquela
festa estúpida porque antes precisava garantir que a Noah estivesse bem.
Quando chegamos em casa, eu a levei direto para o meu quarto. Ela não
parecia disposta a discutir comigo, então acendi a luz e acomodei o seu
rosto entre as minhas mãos.
— Hoje você me assustou de verdade — falei, olhando intensamente
para ela.
— Sinto muito — ela se desculpou, e vi os seus olhos se encherem de
lágrimas de novo.
— Não precisa se desculpar, Noah… — eu a tranquilizei, abraçando-a
contra o meu peito. — Mas você precisa me dizer o que aconteceu, porque
não saber está me matando e eu quero protegê-la de tudo que lhe causa
medo.
Ela negou com a cabeça.
— Não quero falar disso — disse, ainda apoiada em mim.
— Tudo bem. Vou pegar uma camiseta para você. Hoje você dorme aqui
comigo.
Ela não reclamou, nem quando a ajudei a tirar a roupa e a cobri com a
minha camiseta. Ela tirou a calça e se aproximou de mim. Ofereci minha
cama e ela se jogou nela. Fiz o mesmo e a trouxe para junto do meu peito,
algo que eu já queria fazer há muito tempo. Eu estava lutando contra os
meus sentimentos, tentando me enganar ao substituir o que eu sentia por ela
com rolos de uma noite só ou até ao evitá-la. Estava com medo de essa
sensação crescer demais, a ponto de me deixar fraco ou de as coisas não
acabarem bem. Mas eu não aguentava mais, estava apaixonado por ela, era
impossível fugir do que eu sentia, não podia nadar contra a corrente.
Decidir falar isso para ela, e abrir o meu coração depois de doze longos
anos.
Eu a peguei pelas mãos e a acomodei no meu peito, bem onde estava o
meu coração.
— Está ouvindo? — perguntei, enquanto ela me fitava com os olhos
arregalados. — Ele nunca tinha batido assim por ninguém, e só fica assim
quando você está por perto.
Ela fechou os olhos e ficou quieta.
— Sempre que te vejo fico morrendo de vontade de te beijar. Sempre que
sinto a sua pele eu sei o que quero fazer a noite inteira, Noah… Estou
apaixonado por você. Por favor, não saia mais do meu lado, você só está
nos machucando.
Ela abriu os olhos, e vi que estavam marejados de novo. Ela olhava para
mim com súplica.
— Eu tenho medo de que você me machuque, Nicholas — sussurrou.
Envolvi a cabeça dela com força e determinação.
— Prometo que eu não vou te machucar. Nunca mais — respondi, e
depois a beijei.
Eu a beijei como sempre quis fazer: com toda a paixão e com todos os
sentimentos que estavam dentro de mim. Eu a beijei como qualquer homem
deveria fazer pelo menos uma vez com uma mulher. Eu a beijei até que nós
dois estivéssemos tremendo na cama.
Eu me afastei e levei a boca ao seu pescoço, para sentir o seu gosto da
maneira que eu queria, como sonhava fazia tempo.
— Você me deixa doido, Noah — confessei, enchendo-a de beijos,
mordiscando a sua orelha e beijando a sua tatuagem.
Então, ela fez algo que eu não esperava: segurou o meu rosto com as
duas mãos e encostou a testa na minha.
— Se você me ama, precisa ouvir a história toda — ela disse. A
tonalidade mel dos seus olhos reluzia entre os cílios, e suas sardas eram
adoráveis, espalhadas pelas bochechas e pelo pequeno nariz.
— Pode contar. Seja o que for, vamos superar juntos.
Ela olhou fixamente para mim, tentando se decidir se prosseguia ou não.
Por fim, respirou fundo e falou:
— Quando eu tinha onze anos, o meu pai tentou me matar.
39
NOAH
Eu sabia que tinha chegado o momento de ser sincera, mas tinha medo de
desenterrar aquelas lembranças. Ficava louca de desespero só de pensar em
estar de novo em alguma situação parecida com a do armário… Mas o
Nicholas tinha acabado de confessar que estava apaixonado por mim, e eu
não consegui resistir àquela confissão.
— Meu pai era alcoólatra. Foi alcoólatra durante quase toda a minha
vida… Ele era piloto da Nascar. Falei que meu tio era piloto, mas na
verdade era o meu pai. Mas ele fraturou a perna em um acidente e teve que
largar as corridas. Isso o transformou. Parou de comer e de sorrir, deixou
que a raiva e a dor o consumissem, e depois virou outra pessoa. Eu tinha só
oito anos quando ele deu a primeira surra na minha mãe. Eu me lembro
porque estava no lugar errado, no momento errado, quando aconteceu. Eu
caí da cadeira após ser atingida por um dos golpes e acabei no hospital, e
até eu completar onze anos ele não voltou a encostar em mim. Já a minha
mãe apanhava quase todos os dias. Era algo tão rotineiro que acabou se
tornando normal… Ela não conseguia deixá-lo porque não tinha onde morar
nem um bom salário para me sustentar. Meu pai recebia uma indenização da
equipe pela qual tinha corrido, e assim conseguia nos sustentar, mas, como
eu disse, era um bêbado. Quando bebia, ele sempre descontava na minha
mãe. Ela quase morreu duas vezes por causa das surras, mas ninguém a
ajudava, ninguém lhe dava conselhos, e ela tinha medo de perder a minha
guarda se o denunciasse. Aprendi a conviver com aquilo e, sempre que
ouvia os golpes ou os gritos da minha mãe, eu me enfiava no meu quarto e
me escondia debaixo dos cobertores. Apagava todas as luzes e ficava
esperando os gritos acabarem. Mas houve uma vez que isso não foi
suficiente… Minha mãe tinha saído para trabalhar e se ausentaria de casa
por dois dias. Ela me deixou com o meu pai, pois, como ele nunca
encostava em mim, achou que eu não correria perigo…
Lembro como se tivesse sido ontem… Ele chegou bêbado e virou a mesa
com um golpe… Eu me escondi, mas ele me encontrou…
NICK
Transar com a Noah foi a experiência mais alucinante da minha vida. Ainda
nem acreditava que isso tinha acontecido, parecia um sonho. Eu pensava
nisso desde que a tinha visto pela primeira vez com um vestido justo, tendo
então me dado conta de como ela era bonita. Mas fazer amor com ela? Eu
ainda estava nas nuvens. Poder senti-la sob o meu corpo e acariciá-la do
jeito que eu quisesse tinha me dado mais prazer do que em todos os anos
que passei me relacionando com outras mulheres. Agora ela era minha,
minha para sempre, porque eu não ia deixar que escapasse.
Depois de tudo que tinha acontecido, e depois de tudo que ela havia me
contado, não sabia nem como tínhamos chegado àquele ponto, mas
finalmente conseguimos derrubar a barreira que nos separava desde o
início. A Noah teve uma infância horrível; tão traumática que, mesmo
depois de seis anos, ainda trazia consequências e inconvenientes à sua vida
cotidiana, e eu mal conseguia conter a vontade de ir atrás do babaca do pai
dela e matá-lo pelo que tinha feito. Também estava muito bravo com a mãe
dela. Que tipo de idiota deixa a filha de onze anos com um agressor? Não
queria que a Noah soubesse, mas eu achava a Raffaella tão culpada quanto
o pai. Mesmo assim, depois de tudo que ela havia revelado, eu continuava
com o pressentimento de que ela escondia alguma coisa. Não sabia muito
bem o quê, mas ainda havia um pouco de preocupação nos olhos dela, e eu
queria descobrir o motivo.
Neste exato momento ela estava dormindo nos meus braços. Voltei a
pensar no que tínhamos feito e quase a acordei para repetirmos a dose.
Havia uma luzinha acessa e, graças à iluminação, eu conseguia admirar o
quanto ela era linda. Era incrivelmente bonita, tanto que me deixava sem ar.
E o que falar do seu corpo… Poder tocá-lo e lhe dar prazer tinha sido uma
das coisas mais gostosas que eu havia feito em toda a minha vida… E como
aquilo me dera prazer.
Então, meu celular começou a vibrar. Não queria que a Noah acordasse,
então só o tirei de cima da mesinha para que vibrasse em silêncio. Quem
quer que fosse, poderia esperar…
Eu a abracei com força, atraindo-a para o meu corpo, e ela abriu os olhos,
ainda semiadormecida.
— Oi — ela disse em um tom muito agradável, que tinha começado a
usar comigo fazia exatamente um dia.
— Eu já disse que você é incrivelmente bonita? — indaguei, me deitando
sobre ela e aproveitando que ela já estava acordada. Já fazia pelo menos
uma hora que eu queria beijá-la.
Ela me devolveu o beijo de um jeito que apenas ela sabia fazer e me
abraçou, apertando os meus ombros.
— Você está bem? — perguntei, com todo o cuidado do mundo. Nunca
tinha ficado com tanto medo de machucar alguém, e, depois do que
aprendera sobre o passado dela, não queria que ela sofresse nem um
arranhão.
— Estou com fome — comentou, dando risada sob os meus lábios.
Olhei cuidadosamente para ela. Suas bochechas estavam tingidas com
uma cor rosada, quase febril, mas imaginei que fosse algo normal, uma vez
que não a tinha soltado durante a noite toda, enquanto ela dormia
profundamente perto de mim.
— Eu também — falei, beijando a sua bochecha e o seu pescoço, em um
ponto que eu sabia que a deixava louca.
Ela deu uma gargalhada e puxou o meu cabelo suavemente para que eu
olhasse para ela.
— Fome de comida — complementou, sorrindo para mim.
Como era possível que um sorriso pudesse me deixar tão completamente
doido?
— Tudo bem, vamos comer — cedi, puxando-a para o chuveiro.
Fomos juntos para debaixo d’água. Tomamos banho e deixei uma
camiseta minha para ela enquanto vestia uma calça de moletom. Não podia
estar mais grato aos nossos pais por terem viajado naquele fim de semana.
— O que você quer comer? — perguntei ao chegarmos à cozinha.
Ela se sentou à ilha.
— Você sabe cozinhar? — perguntou, aparentando incredulidade.
— Claro que sim, o que você achava? — rebati, sorrindo e pegando todo
o cabelo dela, de modo a formar um rabo de cavalo na minha mão. Daquela
maneira, era fácil puxá-la para trás e ficar com o caminho livre para beijá-la
como eu quisesse.
— Estou falando de algo comestível — pontuou, dando risada. Era o
melhor som do mundo. A sintonia perfeita para a manhã perfeita.
— Vou fazer panquecas pra você não reclamar — eu disse, me obrigando
a soltá-la.
— Eu ajudo — ela se ofereceu, dando um salto da cadeira e indo direto
para a geladeira.
Cozinhamos lado a lado. Eu fiz a massa e ela fez um creme de morango
para nós. Depois, sentamos à mesa e comemos, um do garfo do outro. Foi
delicioso sujá-la com a calda e depois lambê-la. Nunca tinha feito nada
parecido com ninguém e percebi que a comida ficava ainda mais gostosa
daquele jeito. Finalmente as coisas estavam como deviam: a Noah era
minha e estava feliz. E eu também estava. Depois de muitíssimos anos sem
confiar em nenhuma mulher, tinha encontrado uma complicada, mas tão
unicamente perfeita que conseguia me devolver a confiança e o amor que
tinham sido arrancados de mim tão cedo. E, pensando bem, a Noah e eu
tínhamos várias coisas em comum. Ela tinha perdido o pai com onze anos,
eu tinha perdido a minha mãe com doze. Nós dois havíamos sofrido quando
éramos crianças e agora tínhamos nos encontrado para que, juntos,
superássemos os nossos traumas.
— Tem algo que eu quero fazer — anunciou, enquanto comia o último
pedaço de panqueca. — Me dá o seu celular.
Sem imaginar o que ela queria, mas sem hesitar, entreguei o aparelho
para ela.
— Já que você é meu namorado… — ela disse, olhando para mim com
cautela. Eu sorri. Gostei daquele rótulo. Sim, eu era o seu namorado, e ela
era a minha namorada. Minha. Gostei de como soava —, vou apagar o
contato de todas as garotas do seu celular, menos eu e a Jenna — informou.
Eu comecei a rir.
— Você está dando risada, mas estou falando sério — ela disse,
desbloqueando o celular e acessando a minha agenda.
— Pode fazer o que quiser, eu não me importo — afirmei. — Mas não
apaga nem a Anne nem a Madison… Acho que você permite que eu
continue falando com a minha irmã, né? — questionei, levando os pratos
para a pia.
— Quem é Anne? — ela perguntou, torcendo o nariz.
Eu sabia que o nome era parecido demais com o da Anna, por isso, me
apressei a explicar.
— Anne é a assistente social que leva e busca a Madison quando nos
encontramos. Ela também me mantém informado sobre o que acontece com
a minha irmã e me liga quando acontece alguma coisa.
Ela assentiu e franziu a testa em seguida.
— Você tem uma chamada perdida dela, de uma hora atrás — a Noah
disse. Então, a tela se iluminou e, como se ela tivesse escutado a conversa,
o nome da Anne apareceu. — É ela de novo — anunciou.
Peguei o celular das mãos da Noah com o semblante preocupado. Era
cedo demais para a Anne me ligar.
— Nicholas? — falou a voz do outro lado da linha.
— O que aconteceu? — perguntei, sentindo o medo na boca do
estômago.
— É a Madison — respondeu calmamente, mas pude notar o timbre de
emergência em sua voz. — Ela está no hospital. Aparentemente,
esqueceram de lhe aplicar a insulina nas últimas vinte e quatro horas e ela
teve uma recaída… Acho melhor você vir para cá.
Quase quebrei o celular de tão forte que o estava segurando.
— O estado é grave? — questionei, sentindo o maior medo da minha
vida.
— Não sei de mais nada — ela respondeu.
Assenti e encerrei a chamada. A Noah estava olhando para mim, pálida.
Ela tinha se levantado e estava a meu lado.
— O que aconteceu? — indagou, com a voz preocupada.
— É a minha irmã. Ela foi internada, não sei o que ela tem. Acho que é
alguma coisa por não terem administrado a insulina… — respondi de um
jeito atropelado, enquanto pensava no que fazer em seguida. — Tenho que
ir — decidi.
Fui correndo para o meu quarto e a Noah me seguiu, mas naquele
momento eu só conseguia pensar na minha irmã de cinco anos e que algum
imbecil tinha se esquecido de lhe dar a medicação.
— Eu vou com você — ela afirmou.
Eu a observei por alguns segundos e assenti. Sim, eu queria que ela
estivesse comigo. Minha mãe estaria por lá… E fazia mais de três anos que
eu não a via.
41
NOAH
NICK
NOAH
NICK
Já haviam se passado uns vinte minutos desde a última vez que eu tinha
visto a Noah, e já estava com muita saudade. Passei os olhos pelo ambiente,
mas não a encontrei em lugar nenhum.
— Jenna, você viu a Noah? — perguntei para a minha amiga,
aproximando-me dela, que dançava e bebia alegremente. Parou e olhou para
mim.
— Quando eu voltei do banheiro, ela não estava mais por aqui. A Sophie
disse que ela tinha saído para procurar o celular — respondeu, olhando ao
redor, também atrás da Noah.
Decidi sair para procurá-la. Ela devia estar morrendo de frio, mas não vi
ninguém do lado de fora da casa. Procurei nas ruas laterais e no bosque que
havia na parte de trás, mas não encontrei nenhum sinal dela. Entrei de novo
e continuei a procurá-la, sentindo uma pressão muito desagradável no peito.
Ela não estava em lugar nenhum. Olhei em todos os cômodos, um por um,
enquanto ligava para o seu celular, mas nada… Ela tinha evaporado.
Desci correndo e me encontrei com a Jenna e com o Lion na entrada.
— Ela não está em lugar nenhum — a Jenna disse, olhando para mim
preocupada.
Senti um medo terrível tomar conta de mim. Corri para a parte de trás da
casa de novo. O Lion e a Jenna me seguiram.
Ao sair e chegar ao local onde tinha estacionado o carro, vi marcas no
gramado. Segui as pegadas com o coração na mão e encontrei os sapatos
dela, jogados de qualquer jeito. Meu medo ficou ainda mais intenso, quase
me deixando paralisado.
— NOAH! — gritei, desesperado, olhando para todos os lados.
— NOAH! — a Jenna e o Lion também começaram a chamar por ela.
Sem resposta.
A ameaça do Ronnie voltou à minha mente. E se aquele filho da puta a
tivesse sequestrado?
— Liga pra polícia — pedi para o Lion, assim que consegui me recuperar
do ataque de pânico que me dominara.
O Lion olhou para mim surpreso, mas pegou o celular alguns segundos
depois. Enquanto ele ligava, entramos de novo na casa. Fui direto para onde
o DJ estava e o obriguei a parar a música. Todos vaiaram, mas não me
importei.
— Alguém viu a Noah? — perguntei, subindo em uma cadeira e olhando
para aquele mar de pessoas, torcendo para que ela estivesse por ali e me
odiando por tê-la deixado sozinha.
Todo mundo começou a cochichar e a negar com a cabeça. Desci da
cadeira e levei as mãos à cabeça… Que merda… Que merda…
— Nicholas, calma — a Jenna falou a meu lado.
— Você não entende! — gritei, sem me importar que estivessem
ouvindo. — O Ronnie a tinha ameaçado, e agora ela sumiu.
Saí de novo para confirmar com meus próprios olhos que ela não estava
perto do meu carro, com o seu vestido preto justo e suas bochechas coradas,
olhando para mim como tinha feito naquela noite ao chegarmos àquela
maldita festa.
Não havia ninguém lá fora.
— Nicholas, a polícia — Lion informou, me entregando o celular. —
Querem falar com um familiar.
Peguei o celular e o levei ao ouvido.
— Minha namorada desapareceu. Vocês precisam vir até aqui — eu
disse, sabendo que a minha voz soava péssima.
— Senhor, calma. O que está acontecendo? — falou a voz do outro lado
da linha. A pessoa parecia calma, como se estivéssemos conversando sobre
o clima, sem entender que a razão da minha vida havia desaparecido.
— O que está acontecendo é que a minha namorada desapareceu, é isso
que está acontecendo! — gritei no celular.
— Senhor, calma, já mandamos uma viatura. Quando chegarem vão
vasculhar a região, mas antes de tudo o senhor precisa me dizer exatamente
onde a viu pela última vez…
Expliquei para o policial o que tinha acontecido, mas estava me sentindo
em um pesadelo, como se nada daquilo fosse real.
Em pouco tempo a viatura chegou, o que logo espantou todos os
convidados da festa. Mas não importava. Eu já sabia quem tinha sido o
responsável pelo sumiço da Noah.
— Você é…? — o policial perguntou, depois de ouvir o meu testemunho.
A situação era inacreditável. Eu precisava fazer alguma coisa, e rápido.
— Meu nome é Nicholas Leister — eu disse pela segunda vez naquela
noite.
Todas aquelas perguntas pareciam uma idiotice para mim. Precisávamos,
isso sim, ir atrás do Ronnie, onde quer que ele estivesse, e salvar a Noah.
— E você é o namorado dela, certo? — perguntou, olhando fixamente
para mim. Assenti impaciente, enquanto outros dois policiais conversavam
com o Lion e com a Jenna. — Noah Morgan… é menor de idade? —
indagou, um segundo depois.
Merda… Não tinha pensado nisso…
— Ela tem dezessete anos… Olha, ela é minha irmã postiça. Nossos pais
se casaram há alguns meses, e eu já disse que sei quem a sequestrou. Por
favor, é possível que a estejam machucando enquanto ficamos aqui
conversando.
O policial olhou para mim com cara feia.
— Para começar, não vou continuar falando com você porque você não é
parente da menor. Peço que ligue agora mesmo para os pais ou
responsáveis, para que eu informe o ocorrido… A lei diz que não podemos
iniciar uma busca antes de se passarem vinte e quatro horas, porque…
— Você está me ouvindo!? — gritei, perdendo a compostura. — Ela foi
sequestrada! Deixe de idiotices e faça alguma coisa!
Não percebi que tinha me exaltado demais com um policial até que ele
me segurou e me empurrou contra o automóvel.
— Ou você se acalma ou serei obrigado a prendê-lo — advertiu, me
apertando com força.
Reclamei com os dentes cerrados e ele me soltou.
— Agora, ligue para os pais dela. Ou eu mesmo vou ligar — adicionou,
tentando me intimidar com a farda.
Dei-lhe as costas resmungando, enquanto pegava o celular e fazia a
ligação, que foi atendida depois de quatro toques.
— Pai… Você tem que vir pra cá. Temos um problema.
NOAH
Acordei enjoada e com uma dor de cabeça muito forte. Olhando ao redor, só
consegui distinguir uma luz tênue e avermelhada, que iluminava o cômodo
em que tinham me deixado. Só havia uma cama, na qual eu estava deitada,
e uma cadeira velha em um canto. O cheiro era horroroso, parecia de xixi
de rato. Uma música de balada, vinda do lado de fora, me impedia de ouvir
qualquer coisa além da minha respiração acelerada e das batidas
enlouquecidas do meu coração.
Ao entender o que tinha acontecido, identifiquei o pânico tomando conta
de mim. Um zumbido familiar começou a ressoar nos meus ouvidos, e juro
que podia sentir o sangue sendo bombeado rapidamente por todo o meu
corpo, tentando seguir o ritmo do meu coração. Estava com um sabor
amargo na boca e fiquei com vontade de beber um copo de água gelada.
Não sei com o que me drogaram, mas fiquei completamente fora de mim.
Eu me levantei na cama, e então ouvi o ranger de correntes. Uma das
minhas mãos estava presa à parede com um cadeado. Tentei me soltar
usando a outra mão, mas foi em vão. Fazendo um esforço para me acalmar,
comecei a pensar em como poderia sair dali. Não tinha encontrado o meu
celular, então não poderia me comunicar com ninguém. Porém o que mais
me assustava era que o meu pai pudesse estar por trás de tudo aquilo.
Mas não era possível. O meu pai estava na cadeia. E, mesmo que tivesse
saído, era ridículo pensar que a primeira coisa que ele faria seria vir atrás de
mim para me sequestrar, como tinha acontecido. Comecei a me desesperar.
Sacudi o cadeado repetidamente, fazendo barulho e odiando as lágrimas que
embaçaram minha vista por alguns instantes. Como pude ter sido tão idiota?
Por que não levei aquelas ameaças mais a sério? Por que não falei sobre
elas com o Nicholas?
Nick.
Devia estar maluco naquele momento, e certamente se culpando pela
situação. Eu daria tudo para voltar no tempo e ter permanecido ao lado dele.
Eu não devia ter saído sozinha.
Quando enfrentamos situações extremas, pensamos nas coisas que
gostaríamos de ter dito para as pessoas que amamos, ou sobre como fomos
idiotas por nos preocupar com besteiras quando a vida pode ser tão
perigosa. Eu tinha sido sequestrada, e isso, sim, era algo preocupante.
Então, ouvi alguém abrindo a porta. A pessoa que apareceu me deu
calafrios de cima a baixo: Ronnie.
— Você está acordada… Ótimo — ele disse, entrando e fechando a porta
atrás de si.
A pouca luz que havia no cômodo me deixou ver claramente os seus
olhos escuros e caídos, e a cabeça raspada na máquina zero. Também
consegui ver uma tatuagem nova que ele tinha feito perto do olho direito:
uma serpente, tão ameaçadora quanto a sua própria aparência
amedrontadora e perigosa.
Ele avançou com cuidado e sentou-se a meu lado na cama. Tentei me
afastar o máximo possível no pouco espaço que eu tinha.
— Tenho que dizer que me deixa doido vê-la nessa cama, amarrada, ao
meu dispor — ele falou, analisando o meu corpo com olhos maliciosos.
Tinha sido uma péssima decisão usar aquele vestido justo, mas não podia
fazer muito mais além de tentar controlar a minha respiração e o medo que
me deixava paralisada na cama. — Não sei se já percebeu, mas o seu corpo
é espetacular — comentou, colocando a mão no meu tornozelo despido.
Tentei afastá-lo, mas ele me segurou com força contra o colchão. Meu
Deus, aquele cara podia fazer o que quisesse comigo!
— Sabe… Quando a desafiei naquele dia dos rachas, não imaginava que
pudesse ser filha de um grande piloto da Nascar… E, claro, fiquei muito
irritado quando você me venceu… Acho que as suas palavras foram,
exatamente, que eu deveria aprender a correr e que eu era um imbecil.
A mão dele começou a subir lentamente pela minha perna.
— Não encosta em mim — ordenei, sem conseguir me desvencilhar.
Queria que aquilo tudo fosse apenas um pesadelo. Queria acordar nos
braços do Nick.
— O imbecil vai dar o troco, linda — anunciou, subindo ainda mais a
mão e chegando à minha coxa. Eu me debati, mas ele subiu em cima de
mim e começou a me pressionar com o quadril. Lágrimas escorreram pelas
minhas bochechas enquanto eu tentava encontrar a minha voz para gritar.
— Tenho certeza de que o seu namoradinho não vai nem querer olhar para
você de novo depois que eu acabar com você… Você vai ficar tão suja que
nem eu vou querer de novo…
— SOCORRO! — gritei desesperada, me debatendo e tentando tirar o
Ronnie de cima de mim.
Ele deu risada enquanto me segurava contra o colchão com uma das
mãos e tirava o cinto com a outra.
— Ninguém vai escutar, sua tonta… Ou, pelo menos, ninguém que se
importe — ele disse. Depois, se inclinou para passar a sua língua nojenta
nos meus seios.
Virei a cabeça com desespero.
— NÃO ENCOSTA EM MIM! — gritei, aterrorizada.
Com uma das mãos, segurou o meu pescoço contra a cama; com a outra,
começou a levantar o meu vestido.
— NÃO! — berrei, me esgoelando. — ME SOLTA!
O aperto no meu pescoço ficou mais forte, o que me sufocava.
— Vou fazer de tudo com você e você vai ficar quietinha — sussurrou,
aproximando o rosto do meu.
A mão dele se afrouxou um pouco, mas o suficiente para que eu
conseguisse gritar de novo.
— ME TIRA DAQUI!
Então, a porta se abriu. A luz avermelhada e oscilante do lado de fora
iluminou o cômodo e a pessoa que apareceu me deixou mais impactada do
que o fato de eu estar prestes a ser estuprada: era o meu pai. Irreconhecível,
assustador. Fiquei quieta, olhando fixamente para ele, tão assustada que
nem sequer consegui continuar gritando para que alguém talvez me ouvisse
do lado de fora.
— Já é o suficiente, dá o fora daqui — falou a voz que me deixava
paralisada quando eu era criança, a voz que tinha ameaçado a minha mãe
milhares de vezes, a voz que me perseguia nos meus sonhos… A única voz
que eu ouvi na noite em que ele quase me matou, a mesma que me fez pular
pela janela…
O Ronnie reclamou com os dentes cerrados, mas, antes de sair, levantou a
mão e me deu um tapa no rosto de repente. Foi tão rápido e doloroso que
nem pude antecipar aquele movimento.
— Agora, sim, é o suficiente — esclareceu, de frente para o meu pai.
Em seguida, saiu do cômodo.
Meu pai não disse nada. Ficou olhando da porta, e me atrevi a olhar
fixamente para ele. Estava diferente… O cabelo, que costumava ser da
mesma cor do meu, agora estava branco e cortado muito curto. Os braços
tinham o dobro do tamanho de antes e estavam cheios de tatuagens. Não sei
o que ele tinha feito nos últimos anos, mas a sua aparência havia mudado
completamente. Estava mais assustador que o Ronnie.
Meu pai entrou e fechou a porta. Pegou a cadeira que estava num canto e
sentou-se à minha frente, apoiando os braços no encosto.
— Você cresceu bastante, Noah — ele disse, olhando fixamente nos
meus olhos. — Você tem muitas características da sua mãe, o que é…
simplesmente incrível.
Eu sabia que estava tremendo. A pressão no meu peito naquele momento
só era comparável à que sentia perto dele quando era criança. Agora, seis
anos depois, ela tinha voltado.
— Na noite em que me prenderam — ele disse, com os olhos fixos nos
meus —, perdi absolutamente tudo… E foi tudo por sua culpa.
Meu pai virou o rosto e respirou fundo.
— Ainda não consigo entender como uma coitada de uma criança pôde
fugir de mim. Nem a sua mãe era capaz de escapar quando eu descontava
nela as minhas frustrações. Com você, sempre foi diferente. Você era a
minha pequena, eu te amava, e prometi a mim mesmo que não a
machucaria. Eu sabia que você não era como a sua mãe. Você lutaria para
ser ouvida.
— O que é que você quer? — perguntei, tentando controlar os soluços
que ameaçavam escapar da minha garganta.
Meu pai voltou a fixar os olhos nos meus.
— O que todas as pessoas do mundo querem acima de tudo, Noah —
respondeu, com um sorriso horrível nos lábios. — Você tirou de mim tudo o
que eu tinha… A sua mãe, a minha casa, a minha liberdade… Quero
dinheiro. O mesmo dinheiro que agora sustenta a minha família. Achava
que seria difícil encontrá-las, mas foi só jogar o nome daquele babaca na
internet e os vi todos juntos, posando para as fotos como se fossem uma
grande família feliz. Quando cheguei à região, não demorei para descobrir
que o seu irmãozinho não se relaciona só com gente de bem. Eu estava
seguindo vocês quando vi a briga que ele teve com o Ronnie do lado de fora
de um bar. Só tive que explicar o meu plano pro moleque e ele se ofereceu
para ajudar…
Não acreditava no que eu estava ouvindo. Meu pai estava maluco… A
prisão o tinha deixado transtornado.
— Eu vou tirar tudo que eu puder daquele maldito que roubou a minha
mulher. E não sei nem o que dizer daquele filho da puta que andou se
esfregando em você na última semana.
Ele estava mesmo me seguindo… Achava que era coisa da minha
imaginação, mas agora eu sabia que estava certa. Ele devia ter passado
muito tempo planejando aquilo, e tinha me assustado com as cartas por
saber que a lembrança me aterrorizava mais do que qualquer outra coisa.
Olhei para o rosto do homem que tinha ajudado a me trazer ao mundo, e
nada mais. Eu o odiava, eu o odiava com todas as minhas forças… Se em
algum momento eu havia sentido algum carinho por ele, esse amor
desaparecera no instante em que ele encostou em mim.
— William Leister é um homem mil vezes melhor do que você. Você não
vale nada… Você se acha superior porque bate em mulheres? Eu te odeio! E
tenho certeza de que é tão idiota que com esse plano só vai conseguir voltar
para a cadeia, que é onde você deveria passar o resto da sua vida
miserável…
Falei sem nem parar para respirar. Não me importava o que ele faria
comigo. E, de fato, ele me escutou, e pude ver no seu rosto os sucessivos
sentimentos que foi experimentando até chegar à ira.
Ele se levantou ameaçadoramente e desferiu um soco no meu rosto. Perdi
o fôlego por causa da dor inesperada. Nunca achei que aquele homem fosse
encostar em mim de novo… Porém, mesmo depois de seis anos, mesmo
após termos ido morar em outro país, ele conseguiu me encontrar e colocar
as mãos em mim outra vez.
O segundo golpe chegou um pouco depois. Machucou meu lábio, e senti
o sangue deslizando aos poucos pelo meu queixo.
— Não abra essa boca de novo — gritou.
Depois, deu meia-volta e saiu, me deixando com os nervos à flor da pele.
As lágrimas começaram a cair.
Não sabia quanto tempo havia passado, mas estava semiadormecida por
conta do cansaço físico e mental das últimas horas. Eles me sacudiram de
repente e me acordaram. Senti colocarem um aparelho na minha orelha.
— Fala — meu pai mandou, em um tom furioso e irritado.
Eu daria tudo para estar com uma pessoa naquele momento. Tinha
sonhado com ele, e o simples fato de saber que ele poderia estar me
ouvindo me fez querer chorar até ficar sem forças. Eu precisava dele, queria
que me salvasse, queria que aparecesse por aquela porta e me desse um
abraço forte. Amava somente a ele e mais ninguém.
— Nicholas… — eu disse num sussurro abafado.
Um segundo depois, tiraram o aparelho da minha orelha e me deixaram
sozinha.
46
NICK
NOAH
Estava com o corpo doendo por ter ficado tantas horas deitada na mesma
posição. Cheguei a cochilar, mas o nervoso não me deixava perder a
consciência por mais de alguns minutos. Não sabia o que ia acontecer, mas
precisava urgentemente sair dali. O barulho incessante de música de balada
que eu ouvia ao fundo estava me esgotando. Isso sem falar daquele
quartinho claustrofóbico que mal tinha iluminação.
A certo momento, um pouco de claridade começou a entrar no cômodo.
Era proveniente da claraboia que havia em um canto. Eu estava começando
a cogitar a possibilidade de nunca me encontrarem. Aqueles pensamentos
trouxeram de volta o choro; o medo continuava presente em todo o meu
corpo.
O Ronnie havia voltado. Ficou me observando aos pés da cama, sem
encostar um dedo em mim, mas fazendo algo muito pior. Tinha decidido me
torturar um pouco, e apagou a luz avermelhada que ficava do outro lado do
cômodo. Com isso, fiquei no escuro por vários minutos, que foram os mais
aterrorizantes de toda a minha vida. Saber que ele estava ali, aos meus pés e
no escuro, podendo fazer o que quisesse comigo, era quase a mesma
situação pela qual passara com o meu pai, mas pior, porque dessa vez eu
não ia conseguir me defender, não tinha para onde fugir, estava acorrentada
à parede, ele podia fazer qualquer coisa comigo. A sua risada ao ouvir os
meus soluços e as minhas súplicas para que ele acendesse a luz ainda
ecoava na minha cabeça.
Depois que ele saiu, tentei ficar mais calma, e até consegui por algum
tempo. A música não parecia mais tão alta e houve um momento em que eu
pude ouvir apenas a minha própria respiração acelerada. Então, de repente,
ouvi uma movimentação no andar de cima. Era como se muitas pessoas
estivessem correndo sobre a minha cabeça. Então, do lado de fora, elas
começaram a gritar entre si, e se juntaram às suas vozes barulhos de tiros e
mais gritos. Fiquei tensa, com o coração na mão, até que meu pai apareceu
na porta com o rosto suado e uma expressão mais assustadora do que nunca.
Ele se aproximou de mim e me libertou das correntes com um
movimento rápido. Quando vi o que ele estava segurando, tentei me afastar
o máximo possível. Ele cravou o cano do revólver na lateral do meu corpo e
fiquei paralisada.
— É melhor você ficar bem quietinha — advertiu, me machucando com
a pressão da arma.
— Por favor… — supliquei entre soluços, compreendendo que aquele
homem era capaz de qualquer coisa.
— Cala a boca! — ordenou, me empurrando até uma porta e, depois, por
um corredor escuro.
Aquela ausência de luminosidade me deixou muito nervosa e o medo
tomou conta de mim, dificultando até o simples ato de caminhar. Eu estava
paralisada, simples assim; aquele homem endemoniado podia fazer o que
quisesse comigo sem que eu conseguisse me defender.
Ele continuou me empurrando pelo corredor até chegarmos a outra porta.
Ouvi vozes ao longe e, quando escutei alguém gritando “polícia!”, minhas
esperanças se renovaram. Meu Deus, tinham me encontrado!
A luz atingiu os meus olhos em cheio quando meu pai me empurrou por
aquela porta e saímos, adentrando um estacionamento abandonado ao ar
livre. Mas ele não esperava encontrar os vinte policiais que estavam lá,
cercando o perímetro e apontando suas armas em nossa direção. Meu pai
me puxou para si, apertando-me contra o seu peito, e fez ainda mais pressão
com a arma, que agora estava apontada para a minha têmpora.
— Abaixe a arma! — gritaram por um megafone.
As lágrimas escorriam descontroladas pelo meu rosto e meus olhos
buscavam por todos os lados a pessoa que poderia devolver o sentido para
tudo aquilo.
— Se eu me der mal você vai comigo, pequena — meu pai falou ao meu
ouvido.
Eu não disse nada. Não conseguia achar a minha própria voz, já que
meus olhos tinham encontrado a razão da minha vida: o Nicholas estava lá,
perto de uma viatura da polícia, e quando nossos olhares se cruzaram ele
levou as mãos à cabeça, desesperado, e gritou o meu nome. Ao lado dele
estavam a minha mãe e o William, e naquele momento percebi que queria
estar com aquelas pessoas pelo resto da minha vida. Finalmente entendi que
eles eram a minha família. Agora, depois de ter visto do que meu pai era
capaz, havia desaparecido completamente de mim a pequena parte que se
culpava por ele ter sido preso. Aquele homem não era o meu pai, nunca
seria, e eu não precisava dele. Eu já tinha na minha vida um homem que me
amava acima de todas as coisas e já era hora de retribuir aquele amor como
ele merecia.
— Abaixe a arma e ponha as mãos na cabeça! — outro policial gritou,
em alto e bom som.
— Por favor… me solta — pedi em um sussurro entrecortado.
Não queria morrer, não daquela maneira. Eu ainda tinha milhares de
coisas para vivenciar.
Então, algo aconteceu. Foi tudo muito rápido. Meu pai respondeu que
não me soltaria. A sua arma fez um clique agudo e ele a pressionou com
mais força ainda contra a minha têmpora. Ele ia atirar, meu pai ia me matar
e eu não poderia fazer nada. Um estouro me fez fechar os olhos com força,
esperando pela dor… que não chegou.
Os braços fortes que me seguravam se soltaram e senti alguém caindo a
meu lado. Olhei à minha direita e vi tudo vermelho… O sangue manchava o
chão junto ao corpo inerte do homem que tinha me dado a vida.
A primeira coisa que eu fiz foi me virar e sair correndo.
Não sabia exatamente para onde ir. A minha mente estava em transe,
totalmente em branco, e eu não pensava em absolutamente nada além de
continuar correndo. Fiz isso até que meu corpo se chocou contra algo
sólido. Dois braços me apertaram com força e imediatamente senti a
familiaridade de um corpo conhecido, cujo cheiro reconfortante me
acalmou.
— Meu Deus… — Nicholas exclamou perto do meu ouvido, me
apertando contra o seu peito.
Com aquela mesma força ele me levantou do chão. Naquele momento eu
percebi que estava a salvo. Não teria mais que me preocupar com a minha
segurança se estivesse com um homem como o Nicholas, não precisaria
tremer de medo ao ouvir a sua voz, nunca precisaria ter cuidado com o que
ele fazia ou dizia: aquele homem me amava mais do que a própria vida e
nunca seria agressivo comigo.
Ele me afastou para dar uma olhada no meu rosto e fiz uma careta de dor
quando os seus dedos roçaram o meu lábio machucado.
— Noah… — ele disse o meu nome, olhando nos meus olhos.
Vi a dor naquele olhar, o alívio por me ver de novo sã e salva, mas
também o ódio cego por perceber que tinham me machucado. Eu só
precisava da proximidade dele, e não me importei com a dor quando os seus
lábios se encontraram com os meus. Ele me apertou contra a sua boca, mas
me afastou com cuidado quando emiti um leve gemido de dor.
— Vamos ter tempo para isso, amor — ele disse, segurando meu rosto
com força. — Eu te amo tanto, Noah.
Senti tantas emoções ao ouvir aquelas palavras… As lágrimas voltaram,
junto com uma tremedeira que se apoderou das minhas pernas, agora que a
adrenalina percorrendo o meu corpo se estabilizava. Então, minha mãe
chegou e me apertou contra si, me afastando momentaneamente do Nick.
Eu a abracei com força, me sentindo em casa de novo, e pesarosa por ela ter
voltado a sofrer tanto com toda aquela situação.
— Minha menina… — ela disse, chorando na minha bochecha. — Sinto
muito, sinto muito… — ela repetia, com a respiração ofegante.
— Estou bem, mãe — garanti, sabendo que ela precisava ouvir aquilo.
O William também estava por lá, e nossos olhares se encontraram
enquanto eu abraçava a minha mãe. Assenti emocionada ao ver que também
havia lágrimas nos olhos dele. Ele se aproximou e nos envolveu com um
abraço reconfortante.
Quando os abraços acabaram, olhei novamente para o meu pai, que agora
era colocado em uma ambulância. Tinha levado um tiro no peito e ninguém
sabia se ia sobreviver… Tirei esse pensamento da minha cabeça. Em
seguida, vi a polícia retirando o Ronnie da casa, ileso e algemado. Naquele
exato instante, enquanto eu tentava assimilar o que se passava diante dos
meus olhos, o Nicholas segurou o meu rosto com doçura e me obrigou a
olhar para ele.
— Olha para mim — pediu, com a voz mais suave que eu já tinha
ouvido.
Percebi que ele estava com os olhos vermelhos e inchados. Tinha sofrido
tanto quanto eu pela situação, e me dei conta de que precisava dele por
perto para conseguir me recompor e juntar os cacos de tudo o que meu pai
tinha estraçalhado.
— Está tudo bem, você já está comigo.
As palavras dele conseguiram finalmente me acalmar.
— Eu te amo — falei.
Então, uma sensação estranha tomou conta de mim. Não sei se era
esgotamento ou uma resposta a tudo o que vivera nas últimas horas, mas de
repente não tive mais forças para continuar. Eu me agarrei à camiseta dele
quando as minhas pernas falharam e fechei os olhos, me deixando levar
pela doce tranquilidade da inconsciência.
48
NICK
NOAH
NICK