Tania Cristina Santos Boy Corrigida

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

TÂNIA CRISTINA DOS SANTOS BOY

Protocolo:
um gênero discursivo na pedagogia de leitura e escrita do teatro

SÃO PAULO
2013
TÂNIA CRISTINA DOS SANTOS BOY

Protocolo:
um gênero discursivo na pedagogia de leitura e escrita do teatro

SÃO PAULO
2013
TÂNIA CRISTINA DOS SANTOS BOY

Protocolo:
um gênero discursivo na pedagogia de leitura e escrita do teatro

Tese, versão corrigida, apresentada à Escola


de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo para a obtenção do título
Doutor em Artes Cênicas. A versão original
da tese encontra-se disponível tanto na
Biblioteca do Programa de Pós-graduação
quanto na Biblioteca Digital.

Área de concentração:
Pedagogia do Teatro

Orientadora: Prof.ª Dra. Ingrid Dormien


Koudela.

SÃO PAULO
2013
FOLHA DE APROVAÇÃO

Tânia Cristina dos Santos Boy


Protocolo: um gênero discursivo na pedagogia de leitura e escrita do teatro

Tese apresentada à Escola de Comunicações e Artes


da Universidade de São Paulo para a obtenção do
título de Doutor em Artes Cênicas
Área de concentração: Pedagogia do Teatro

Aprovado em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA
Profº Drª.Ingrid Dormien Koudela___________________________________________
Instituição: Universidade de São Paulo Assinatura:________________________
Profº Dr._______________________________________________________________
Instituição:____________________________ Assinatura:________________________
Profº Dr._______________________________________________________________
Instituição:____________________________ Assinatura:________________________
Profº Dr._______________________________________________________________
Instituição:____________________________ Assinatura:________________________
Profº Dr._______________________________________________________________
Instituição:____________________________ Assinatura:________________________
À Sofia,
a Claudinei
e aos meus pais.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os companheiros de jogo de cena e da vida que colaboraram com este
trabalho de forma direta ou indireta.
Agradeço a minha paciente e compreensiva orientadora Ingrid Dormien Koudela pela
lucidez e tranqüilidade com que me acalmou nos momentos de deslize. Obrigada Ingrid,
por ter partilhado comigo em todos esses anos experiências tão instigantes. Ao seu lado,
Ingrid, a teoria é encarnada no teatro.
Agradeço a sempre amiga Prof.ª Dr. Maria Lúcia de Amorim Soares, que me apresentou
Michael Foucault e se dispôs a colaborar tão firmemente no exame de qualificação.
Obrigada por não descansar os pés no riacho.
Agradeço a Prof.ª Dr. Maria Lúcia de Barros Pupo pelas palavras tão profundas na
banca de qualificação que muito contribuíram para o encaminhamento da pesquisa.
Agradeço a colaboração da minha irmã Roselaine na correção e formatação do trabalho.
Agradeço a paciência do meu companheiro Claudinei, o doce sorriso da minha filha
Sofia, a colaboração infinita da minha mãe e o apoio do meu pai.
Agradeço, enfim, a paciência de todos que suportaram uma companhia tão mal
humorada nesses anos de percurso tão turbulento.
RESUMO

BOY, T. C. S. Protocolo: um gênero discursivo na pedagogia de leitura e escrita do


teatro. 2013, 235 f Tese (Doutorado) - Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, São Paulo 2013.

A presente pesquisa estuda a criação de uma pedagogia de leitura e escrita no teatro


através da utilização da metodologia de ensino-aprendizagem com o uso do instrumento
de avaliação protocolo que pertence ao gênero discursivo e é proposto pela pesquisadora
Ingrid Koudela. O corpus da pesquisa participativa é composto por fragmentos dos
protocolos produzidos pelos alunos de Koudela em três encenações do curso de Teatro
da Universidade de Sorocaba que a pesquisadora acompanhou, e do curso da Pós-
Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. O
trabalho realiza um estudo sobre a escrita de Bertolt Brecht em seus diários, destacando
momentos da vida familiar, do trabalho, de suas posições políticas e do seu processo
criativo que são relacionados ao protocolo. Mostra o percurso do protocolo no Brasil na
proposta de Koudela. Estabelece as relações feitas por Koudela entre o Jogo Teatral, a
Fisicalização e a Avaliação do Sistema de Viola Spolin e ainda do Modelo de Ação
brechtiano na escrita do protocolo. Realiza uma retrospectiva histórica das contribuições
do protocolo em encenações, oficinas, cursos, palestras, entre outros. Com Vygotsky
compreende a colaboração da fala aliada a experiência prática. Com o pensar de Bakhtin
define o protocolo como gênero discursivo e desvela a contribuição da esfera artística
do teatro, do dialogismo e da polifonia em sua escrita. Conectado a Michael Foucault
compreende a Escrita de Si na ligação do protocolo com os hupomnêmata e a carta.
Finalmente, demonstra a criação da pedagogia de leitura e escrita no teatro através da
utilização da metodologia de ensino-aprendizagem com o uso do instrumento de
avaliação protocolo que é compreendido como um gênero discursivo.

Palavras-chave: Pedagogia do Teatro. Peça Didática. Avaliação. Gênero Discursivo.


Jogos Teatrais. Bertolt Brecht.
ABSTRACT

BOY, T. C. S. (2013). Protokoll - a pedagogy of reading and writing in theater.


2013, 233 f. Thesis (Doctoral) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2013.

The present research studies the creation of a pedagogy of reading and writing in drama
through the use of a methodology of teaching-learning with the use of the evaluation
instrument protokoll considered by the researcher Ingrid Koudela. The object of the
research is composed by pieces of protokoll produced by the pupils of Koudela in three
works at the Theater Department of the University of Sorocaba, and at the University of
São Paulo. The present research studies Bertolt Brecht, detaching moments of his
family life, his work, his political position and his creative process that are related to the
protokoll. The research does an analysis of the protokoll in Brazil as used by Koudela. It
establishes the relations done by Koudela between the Theatre Game and the evaluation
system by Viola Spolin. The research also does an historical retrospect of the
contributions of the protokoll staging and workshops. Vygotsky helps to understand the
contribution talking and writing allied to practical experience. Bakhtin helps to
understand the protokoll a kind of contribution for the artistic sphere of the theater by
the concepts of the dyalogism and the polyphony. Michael Foucault understands the
Writing of Self as hupomnêmata and letter. Finally, the research demonstrates the
pedagogy of reading and writing in drama through the methodology of teaching-
learning by the use of the evaluation instrument protokoll.

Keywords: Theater Pedagogy. Evaluation. Bertolt Brecht. Theater Games


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Montagem 2007 "Peixes grandes comem peixes pequenos" ......................... 12

Figura 2 - Montagem 2008 "Chamas na Penugem" ....................................................... 24

Figura 3 - Os alunos Ricardo Devito e Jane Kastorsky no jogo do espelho na


improvisação da cena teatral ‘Chamas na Penugem’ ..................................................... 65

Figura 4 - As alunas Bia Belde e Paola Bertolini no jogo ‘Siga o Seguidor’ ................. 66

Figura 5 - Os alunos na fisicalização do modelo de ação: provérbio ............................. 73

Figura 6 - Alunos da encenação ‘Chamas na Penugem’ na oficina de Maurício Maas . 75

Figura 7 - Alunos da encenação ‘Chamas na Penugem’ na criação da sonoplastia da


cena ................................................................................................................................. 76

Figura 8 - alunos na improvisação da cena com o modelo de ação: gravura da Ira ....... 84

Figura 9 - alunos na improvisação da cena com o modelo de ação: gravura da Preguiça


........................................................................................................................................ 84

Figura 10 - Leitura da imagem ‘Ladrão de Passarinhos’ da encenação “A Ferida


Woyzeck” ....................................................................................................................... 86

Figura 11 - O aluno Carlos Doles na criação do gesto da encenação “A Ferida


Woyzeck” ....................................................................................................................... 86

Figura 12 – Os alunos Mateus Martins e Madalena na criação do gesto na leitura da


imagem ‘Ladrão de Passarinho’ da encenação “A Ferida Woyzeck” ............................ 87

Figura 13 - Elaine Ferreira (blusa amarela) na oficina de Cantos de Trabalho e de Roda


com os alunos da montagem ‘A Ferida Woyzeck’ ....................................................... 102

Figura 14 - A aluna Melina Arochi no centro da roda na encenação “A Ferida


Woyzeck” ..................................................................................................................... 103

Figura 15 - Os alunos Daniel e Alexandre na criação da cena do vício da Ira ............. 104

Figura 16 - Leitura e debate na Roda do Grande Protocolo ......................................... 107


Figura 17 - A aluna Ivanise de Carlo lê na Roda do Grande Protocolo ....................... 108

Figura 18 - aluno Marco Palácio na criação da cena do vício da Ira da encenação


“Chamas na Penugem” ................................................................................................. 110

Figura 19 - O aluno Marco na cena da Ira durante o ensaio geral da encenação “Chamas
na Penugem” ................................................................................................................. 110

Figura 20 - Jaime Pinheiro (a esquerda) na criação da árvore da encenação “Chamas na


Penugem” ..................................................................................................................... 112

Figura 21 - ao fundo a árvore e o painel do cenário da montagem “Chamas na


Penugem” ..................................................................................................................... 114

Figura 22 - ensaio geral da montagem ‘Chamas na Penugem’ em 2008 ..................... 118

Figura 23 - Cena com o coro de Marie na encenação “A Ferida Woyzeck” ................ 127

Figura 24 - Montagem 2009 "A Ferida Woyzeck"....................................................... 162

Figura 25 - O ator Hamilton Sbrana como o padre que conduz a plateia pela cidade
durante a encenação ...................................................................................................... 168

Figura 26 – a pé da grande paineira, antiga parada dos tropeiros, a cena com parte do
sermão e música infantil ............................................................................................... 169

Figura 27 - Os atores Mário Pérsico e Hamilton Sbrana em frente a destilaria na cena do


'Sermão aos Peixes' ....................................................................................................... 170

Figura 28 - várias espécies de peixes surgiam pelo jardim da fazenda ........................ 171

Figura 29 - Joaquim Gama (camisa branca) com os alunos na leitura da imagem do


vício da preguiça........................................................................................................... 177

Figura 30 – no quadro vivo o gesto coreografado na cena do vício da avareza ........... 178

Figura 31 - alunos fazendo a leitura da imagem do vício da avareza ........................... 179

Figura 32 - coro de Maries e soldados .......................................................................... 184

Figura 33 - cena de Marie e Tambor-Mor .................................................................... 185

Figura 34 - O aluno Ricardo Devito entregando o protocolo ....................................... 198


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12
2. CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 24
2.1 BERTOLT BRECHT – UM DIARISTA ......................................................................... 25

2.2 PROTOCOLO - UMA PROPOSTA BRECHTIANA .......................................................... 56

2.3 A ORIGEM DO PROTOCOLO ..................................................................................... 58

2.4 O JOGO TEATRAL E O PROTOCOLO .......................................................................... 63

2.5 AVALIAÇÃO, JOGO TEATRAL E PROTOCOLO........................................................... 70

2.6 A FISICALIZAÇÃO NO JOGO TEATRAL ..................................................................... 72

2.7 O MODELO DE AÇÃO E O PROTOCOLO ..................................................................... 78

2.8 O PROTOCOLO E AS OFICINAS PEDAGÓGICAS DA LINGUAGEM TEATRAL .............. 95

2.9 O PROTOCOLO NO PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UMA ENCENAÇÃO ............................ 98

2.10 DEFINIÇÃO DE PROTOCOLO ................................................................................ 101

2.11 MUDANÇAS NO FORMATO DO PROTOCOLO ......................................................... 116

3. CAPÍTULO 2 .......................................................................................................... 118


3.1 PROTOCOLO – UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA........................................................ 119

3.2 A PALAVRA DO OUTRO NO PROTOCOLO................................................................ 122

3.3 PROTOCOLO – A FUNDAMENTAÇÃO DE UM GÊNERO DISCURSIVO ......................... 128

3.4 LÍNGUA, ENUNCIADO E INTERAÇÃO VERBAL ........................................................ 128

3.5 TEMA E SIGNIFICAÇÃO ......................................................................................... 131

3.6 PROTOCOLO - UM GÊNERO DISCURSIVO ............................................................... 133

3.7 A ESFERA ARTÍSTICA DO TEATRO NO PROTOCOLO ................................................ 136

3.8 O DIALOGISMO NO PROTOCOLO ........................................................................... 138


3.9 AUTOR E AUTORIA NO PROTOCOLO ...................................................................... 143

3.10 AUTOR-PESSOA E AUTOR-CRIADOR .................................................................... 148

3.11 AUTOBIOGRAFIA E BIOGRAFIA ........................................................................... 149

3.12 POLIFONIA NO PROTOCOLO ................................................................................ 152

3.13 A ESCRITA DE SI E O PROTOCOLO ...................................................................... 156

3.14 OS HUPOMNÊMATA, AS CARTAS E O PROTOCOLO ............................................... 159

4. CAPÍTULO 3 .......................................................................................................... 162


4.1 PROTOCOLO – A PRÁTICA DA METODOLOGIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DO TEATRO
.................................................................................................................................. 163

4.2 O PRIMEIRO CONTATO COM KOUDELA ................................................................. 164

4.3 O SURGIMENTO DO TEMA ..................................................................................... 166

4.4 OS PROCESSOS COM O USO DA METODOLOGIA ..................................................... 167

4.5 ‘PEIXES GRANDES COMEM PEIXES PEQUENOS’ – 2007 ....................................... 167

4.6 ‘CHAMAS NA PENUGEM’ – 2008 .......................................................................... 176

4.7 “A FERIDA WOYZECK” – 2009 ............................................................................ 183

4.8 CURSO ‘TEORIA E PRÁTICA DA PEÇA DIDÁTICA DE BERTOLT BRECHT’ DA PÓS-


GRADUAÇÃO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO
PAULO - 2011 ............................................................................................................ 191

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 198


5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA PEDAGOGIA DE LEITURA E ESCRITA NO TEATRO .... 199

BIBLIOGRAFIA* ...................................................................................................... 205


ANEXOS ..................................................................................................................... 215
12

Figura 1 - Montagem 2007 "Peixes grandes comem peixes pequenos"

1. INTRODUÇÃO

‘Em situações difíceis, anotar todas as possibilidades

e depois examiná-las a fundo.

No início, com pontos que indiquem o grau de sua aceitabilidade.”

(propostas para combater as nebulosidades dos sentimentos)

Bertolt Brecht 1995, p. 145


13

Em 2006, eu estava estudando para fundamentar a minha dissertação, quando fui presenteada
por meu marido com o livro ‘Diários de Brecht’ que ele encontrara remexendo as prateleiras de
um sebo. Livro interessante que trazia o registro da vida de Brecht escrito por ele mesmo.
Gostei de ouvir a voz de Brecht que escapava das linhas, gostei de conhecer o homem em sua
humanidade.
Então, no ano seguinte escrevendo a dissertação estava relendo algumas passagens do ‘Diários
de Brecht’ e quase cai da cadeira. No texto, Brecht demonstrava conhecer a obra de Plutarco,
filósofo grego que eu estava, naquele momento, estudando através do pensador Michael
Foucault. O filósofo francês buscara no mundo grego, os processos de escrita utilizados naquela
sociedade para fundamentar o conceito ‘Escrita de Si’. Eu estudava o conceito foucaultiano para
fundamentar a minha pesquisa sobre o Teatro Estudantil em que usava os protocolos.
Preocupada em compreender a escrita do protocolo, fiz uma conexão entre os estudos de
Foucault e o hábito de escrever diários de Brecht de quem vinha a proposta dos protocolos
utilizados por Koudela. Brecht tinha o hábito de escrever diários e no mundo grego, Sêneca e
Plutarco recomendavam o exercício da escrita diária. Acreditei que poderia haver uma ligação
entre as propostas e fui estudar os pensadores. Estava criada a conexão entre protocolo, Brecht,
Koudela e Foucault. Propus em minha dissertação a conexão entre os conceitos. Em minha
defesa, Ingrid Koudela destacou essa vinculação e sugeriu a continuidade das pesquisas.
Então, para compreender e fundamentar a escrita proposta por Brecht, que eu estava conectando
a Foucault, busquei no filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin os fundamentos teóricos que me
permitiam compreender os protocolos produzidos nos processos vividos na arte teatral seguindo
a metodologia de ensino-aprendizagem utilizada por Koudela. Também precisei abarcar a obra
de Koudela para compreender o caminho percorrido por ela na colaboração com a construção do
conhecimento na área da Pedagogia do Teatro.
Para pensar numa proposta de pedagogia de leitura e escrita no teatro, busquei definir o conceito
de pedagogia. Modernamente, associamos o termo pedagogia à compreensão da intervenção
intencional e do fenômeno educativo que promoveram a construção de um saber específico na
área da educação. No sentido etimológico, a palavra pedagogia tem origem grega e, na
antiguidade, era utilizada para identificar ‘aquele que conduzia a criança à escola’. Paulo Freire
(2002) afirma que o aprender precedeu o ensinar, ou o ensinar se diluiu na experiência de aprender,
nesse caminho compreendemos que a prática educativa como um fato social tem sua origem
ligada ao desenvolvimento da própria humanidade.
14

O pesquisador José Carlos Libâneo (1999) compreende que a pedagogia deve tratar da
problemática educativa e ser a responsável pela diretriz orientadora da ação, deve ainda se
ocupar, do ato educativo e da prática concreta que se realiza na sociedade.
O trabalho do pesquisador Humberto de Andrade Pinto, da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, mostra que, atualmente, há intensos debates sobre os conceitos que
definem a pedagogia. Pinto (2006) em sua tese entende a Pedagogia como uma ciência que
orienta e é produzida na prática do educador, que se consubstancia na sua ação e no seu fazer.
Identifica a especificidade da pedagogia, como ciência da educação, no movimento contínuo
entre a intenção clara do ‘para que fazer’ e do ‘como fazer’.
E ainda, com o pesquisador Schmied-Kowarzik (1988) compreendemos que a pedagogia
necessita ser simultaneamente um conhecimento para a educação, de modo que esta se efetive
pela práxis humana. Para Schmied-Kowarzik é no continuo movimento da e para a educação,
relacionando teoria e prática que a dialética se impõem como fundante da pedagogia, ao
relacionar teoria e prática.
Compreendendo que a pedagogia deve relacionar o saber teórico com a prática da ação
educativa, coadunamos com o pensar de Libâneo, Pinto e Schmied-Kowarzik sobre o conceito
de pedagogia, pois nesta pesquisa buscamos fundamentar a criação de uma pedagogia de leitura
e escrita no teatro através da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro que usa o gênero
discursivo protocolo. A metodologia proposta por Koudela na criação da cena teatral é pautada
pela relação da teoria com a experiência prática vivida no jogo teatral.
Pinto (2006) ressalta que é o educador que realiza a mediação da teoria pedagógica e a práxis
educativa. Assim, buscaremos compreender a colaboração do gênero discursivo protocolo no
processo pedagógico que se efetua no encontro do educador com o aprendiz na criação da cena
teatral. E ainda, a contribuição da reflexão crítica sobre a prática experienciada no jogo teatral que
permeia a escrita do protocolo que é pautado na intersecção da teoria com a prática.

Freire (2002, p.12) compreende o ensinar como criar as possibilidades para a produção ou
construção do conhecimento, pois para ele, não se transfere conhecimento. Freire afirma que
não há docência sem discência, que apesar das diferenças, as parte envolvidas no processo da
aprendizagem não se reduzem à condição de objeto, um do outro. “Quem ensina aprende ao
ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém.”
15

Na concepção freiriana a prática de ensinar-aprender é uma experiência total, diretiva,


pedagógica, estética, ética e quanto mais se exerce a capacidade de aprender mais se desenvolve
a “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 2002, p.12)

Segundo Freire (2002, p. 16):

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se


encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando,
reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me
indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo
e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda não conheço e comunicar
ou anunciar a novidade.

Vemos com o pensar freireano que o processo pedagógico é de interdependência entre educador
e aprendiz. Freire (2002) ressalta que social e historicamente, mulheres e homens são os únicos
seres que se tornaram capazes de aprender. E, para ele, aprender é uma aventura criadora,
aprender é construir, reconstruir e constatar para mudar.

A pedagogia do teatro é uma área de intensas pesquisas no Brasil e são muitos os pesquisadores
que colaboraram com a produção do pensamento acadêmico que definiu essa área que relaciona
pedagogia e arte teatral. Nesta pesquisa nos valeremos do pensar de Ingrid Koudela, Maria
Lúcia Pupo, Flávio Desgranges, Beatriz Cabral entre outros importantes pesquisadores. Assim,
buscaremos na relação estabelecida entre os envolvidos com os procedimentos de ensino-
aprendizagem da linguagem teatral e a possibilidade da construção do conhecimento na criação
de uma pedagogia de leitura e escrita no teatro.

A pesquisadora Maria Lúcia Pupo (1997) explica que a conexão entre a pedagogia e a arte
teatral está numa área do conhecimento internacionalmente conhecida como Teatro-Educação.
Para Beatriz Cabral (2008) os conceitos pedagogia do teatro e teatro como pedagogia estão na
esfera do Teatro na Educação e indicam a forma do professor direcionar sua prática,
identificando o método de ensino e planejando a partir dele. E vemos como afirma Pupo (2008,
p. 3) que a “Pedagogia do Teatro diz respeito à reflexão sobre as finalidades e as modalidades
implicadas em processos de aprendizagem envolvendo as artes da cena”, e ainda, que é um
terreno marcado pela interdisciplinaridade e constantes transformações.
16

Como pesquisadora e interessada na construção do pensamento sobre o binômio Teatro e


Educação, Koudela construiu uma larga produção de trabalhos acadêmicos e artísticos. Para
Koudela (2006b), essa é uma área de muitas polêmicas e na Associação Brasileira de Pesquisa e
Pós-Graduação em Artes Cênicas - ABRACE – participou juntamente com pesquisadores de
todo país, da criação de um grupo de trabalho denominado ‘Pedagogia do Teatro e Teatro na
Educação’. Esse Grupo de Trabalho buscou incorporar as novas dimensões das pesquisas das
áreas das artes cênicas conectadas, não só a educação, mas também a outros campos sociais nos
quais as artes cênicas se fazem presente.

Segundo Koudela e Santana (2006c) a terminologia Pedagogia do Teatro incorpora a


investigação tanto sobre teoria e prática da linguagem artística do teatro quanto sobre os vários
níveis e modalidades de ensino. Pupo (2001a) compreende que a educação é uma das óticas em
que se pode abordar a arte teatral, mas que há uma grande multiplicidade de relações possíveis
de se fazer conectado ao fenômeno teatral como: a política, a filosófica, a antropológica, a
psicanalítica, a literária, a histórica, entre outras. Pupo (2008) ainda enfatiza a grande
diversificação dos contextos nos quais as cenas se manifestam e reconhecem no fazer teatral
potentes eixos para a realização de suas atribuições: além de escolas, organizações não
governamentais, movimentos da sociedade civil e instituições voltadas à saúde.

Na visão de Brecht, a Pedagogia do Teatro, como destaca Desgranges (2006), deveria propor
uma aprendizagem que se efetivasse como processo de apreensão crítica da vida social. Deveria
ser um processo que possibilitasse ao indivíduo conhecer as coisas pela via da experiência
sensível. Deveria, ainda, ser um processo sem ponto final ou finalidade pré-estabelecida, mas
que se estendesse por toda a existência.

Koudela (2001) afirma que de acordo com Brecht, uma obra de arte deve influenciar todas as
pessoas, independente da idade, status ou educação todas as pessoas podem entender e sentir
prazer com uma obra de arte porque todas as pessoas têm algo de artístico dentro de si. Para
Brecht (apud KOUDELA, 2001, p.17) na arte,

democrático é transformar o pequeno círculo de iniciados em um grande


círculo de iniciados. Pois a arte necessita de conhecimento. A observação da
arte só poderá levar a um prazer verdadeiro se houver uma arte da
observação. Assim como é verdade que em todo homem existe um artista,
que o homem é o mais artista dentre todos os animais, também é certo que
17

essa inclinação pode ser desenvolvida ou perecer. Subjaz à arte um saber


que é saber conquistado através do trabalho.

A proposta de educar através da arte teatral relacionada ao jogo, para Koudela (1991) aponta
para um caminho de autoconhecimento, pois o conceito de aprendizagem representado por essa
via surge através do princípio da atividade do indivíduo, que passa a ser artesão de sua própria
educação ao estabelecer a relação dialética teoria/prática.

A arte é uma facilitadora das múltiplas formas de saber, é fruto de uma experiência de vida, de
um processo de criação do artista partilhada no seu tempo e espaço, dimensionando o homem
como ser social e cultural. E este homem como indivíduo, e também, no seu papel na sociedade,
tem atitudes perante a realidade e de suas funções estéticas que exigem toda a sua capacidade de
agir em determinado sentido. (BOY, 2007)

Como destaca a pesquisadora Terezinha Heimann (2003) a função estética está nas atitudes
humanas que o homem adota perante a realidade, é a chamada atitude estética sobre a qual
exercemos uma influência. Para Heimann a estética consiste em um conhecimento e um
domínio teórico da realidade, pois a estética têm fronteira e relações com várias esferas da vida
prática, relações com a arte e com a criação artística, com as ciências concretas de cada uma das
artes.

E nessa experiência com a estética, Japiassu (2007), diferencia duas modalidades presentes na
própria estética que são:

fruição e apreciação. A fruição deve ser entendida como atividade prazerosa


de interação do sujeito com diferentes manifestações espetaculares, algo
que se apóia exclusivamente na percepção atualizada (instantânea) dos
fenômenos observados/vivenciados; já a apreciação refere-se à percepção,
ou seja, à atividade metacognitiva (reflexiva) do sujeito sobre suas
percepções (atuais e/ou recordadas e/ou imaginadas).

Então o valor estético da obra está no envolvimento de interação que se estabelece entre o
sujeito e o objeto. A experiência estética acontece quando se consegue dominar os sistemas em
relação à obra ou ao acontecimento do espetáculo, e ainda, ao experimentarmos o prazer
desinteressado ao concentrarmos a nossa atenção na apreensão de um objeto.
18

Heimann (2003) ainda nos lembra de que o teatro é uma das práticas culturais que coloca os
artistas sempre em confronto com o espectador e consigo mesmo, pois é essa preocupação que
provoca a transformação em suas práticas, e inspira a criar resultados com efeitos estéticos. E
quando se fala em efeitos estéticos ou resultados alcançados em função da iluminação, de
adereços, ou do que o corpo provoca em cena como objeto de arte e de estética, pensa-se em
uma representação possível da transcendência e da beleza daquele momento singular da
experiência estética que visam satisfazer o ideal de beleza.

O pesquisador Francisco Duarte (2004) afirma que ao assumirmos uma imagem para depois
chegarmos à consciência sobre ele podemos encontrar, nesse caminho, a sensação básica para
que o homem possa vivenciar experiências subjetivas que afetam o interior humano, e que
gerarão efeitos estéticos, pois enquanto contempladores de arte utilizamos nossa percepção
estética aliada às nossas experiências e vivências. O prazer estético se manifesta em nosso
cotidiano, expressando-se de diferentes formas, embora suas raízes na análise subjetiva e na
interioridade só aconteçam quando estão em comunicação com alguém, e exigem diálogos e
controvérsias, pois são fontes inesgotáveis de interpretação de sentidos.

O Ensino de Artes no sistema educacional brasileiro deveria propor a educação estética, é o que
afirma Duarte (1983), pois os aprendizes poderiam experimentar a Beleza que nasce da relação
entre objeto e consciência, entre homem e mundo. A experiência da Beleza proporciona ao
homem a percepção do mundo.

O pensador e autor teatral Ariano Suassuna (2005) assegura que a Beleza é uma construção que
se realiza dentro do espírito do contemplador, certa harmonização de suas faculdades. E entre
estas, destacam-se a imaginação e o entendimento, e a harmonização entre elas é governada pelo
sentimento de prazer ou desprazer. A beleza é obra pura e exclusiva do espírito do sujeito, que a
fabrica interiormente, diante do objeto estético. Cabe, então, ao espectador da obra de arte a
contemplação e a fruição sabendo que a verdadeira Arte não imita, mas recria, deforma e
transfigura a realidade.

E, Suassuna (2005), ainda completa que a linguagem dramática procura um caminho de maior
comunhão com a realidade, e que essa comunhão, deve ser exatamente a necessária para
convencer o espectador de que esse mundo superior da Arte é ao mesmo tempo este mundo, o
mundo no qual vivemos. Mas, Suassuna ressalta que a linguagem do Dramático deve
transfigurar a realidade, pois Arte nenhuma imita rigorosamente e estreitamente a vida.
19

Para Koudela (2006), a imaginação dramática é parte fundamental no processo de


desenvolvimento da inteligência e deve ser cultivada por todos os métodos modernos de
educação.

Segundo Heimann (2003), há quem julgue ser arte todo objeto que possui qualidades artísticas e
estéticas, tendo, porém, na estética a sua função dominante dada pela intencionalidade do
artista. Afirma também, que em nosso cotidiano convivemos com uma infinita produção de
formas e conteúdos que exigem sempre mais de nossa sensibilidade estética, pois em quase
todos os espaços pelos quais circulamos estão presentes as questões da forma e do estético.

Em seu trabalho Ostrower (1986), afirma que o homem não deixa de conscientizar-se de sua
existência social, ainda que esse processo não seja vivido de forma intelectual. O modo de sentir
e de pensar os fenômenos, os próprios modos de sentir-se e de pensar-se, vivenciar as
aspirações, os possíveis êxitos e eventuais insucessos, tudo se molda segundo idéias e hábitos
particulares ao contexto social em que se desenvolve o indivíduo.

Para os pesquisadores Koudela e Santana (2005) a atual escolarização, cultura e economia


exigem dos educadores uma reavaliação de suas percepções. Koudela e Santana acreditam que a
produção acadêmica da área da Pedagogia do Teatro pode contribuir com a necessidade de
nossa sociedade contemporânea construindo pontes que conectem os indivíduos. Koudela
(2006) ressalta que vê um grande potencial na relação entre o teatro e a educação. Essa relação
pode ser desenvolvida em diferentes contextos através das mais diferentes abordagens e com
objetivos específicos.

Pupo (2001b) vê na ampliação do campo de atuação dos professores de teatro uma possibilidade
de rompimento com o modelo dominante de consumo espetacular em direção a uma prática
artística plena tecida junto a uma ação educativa, social e política que amplie a consciência de
quem a vive. Como defende o pesquisador Flávio Desgranges (2005), a capacidade de analisar
uma peça teatral não é somente um talento natural, mas uma conquista cultural, uma capacidade
que pode e precisa ser desenvolvida.

Seguindo esses pensadores, compreendemos aqui a importante colaboração da arte teatral em


nossa sociedade e das pesquisas pertencentes à área da Pedagogia do Teatro na qual se insere o
presente trabalho.
20

Esta pesquisa pretende contribuir com as investigações desenvolvidas na área da Pedagogia do


Teatro, pois busca compreender a colaboração da criação de uma pedagogia de leitura e escrita
no teatro na utilização da metodologia de ensino-aprendizagem com o uso do gênero discursivo
protocolo que é aplicado no processo de formação de aprendizes da linguagem teatral.

Neste trabalho os aprendizes se inserem em contextos de formação de professores licenciados


ou pesquisadores da arte teatral, mas a proposta metodológica aqui usada e a proposta da criação
da pedagogia de leitura e escrita no teatro podem ser aplicadas em qualquer âmbito que se
dedique a aprendizagem da linguagem teatral. As potencialidades do teatro, como mostram as
palavras das pesquisadoras Koudela e Pupo, estão presentes em diversos contextos do saber
humano e podem contribuir para a formação dos indivíduos na educação formal ou nas mais
diferentes esferas da sociedade.

O gênero discursivo protocolo utilizado na aplicação da metodologia de ensino-aprendizagem


do teatro proposta por Koudela, que é o corpus de análise da presente pesquisa, foi recolhido no
processo de criação de três encenações de Ingrid Koudela no curso de Teatro na Universidade
de Sorocaba. As encenações foram: em 2007 ‘Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos’, em
2008 ‘Chamas na Penugem’, e em 2009 ‘A Ferida Woyzeck’. Nesta pesquisa participativa, tive
a oportunidade de acompanhar os processos de montagem das encenações auxiliando a
professora Ingrid em diversas funções: iluminação, registro fotográfico dos processos, exercício
de jogos nas aulas e ainda recolhendo, lendo e analisando os textos escritos em forma de
protocolos produzidos pelos alunos ao longo dos anos. Os referidos protocolos foram analisados
sob o olhar da teoria selecionada para fundamentar a possibilidade da criação de uma pedagogia
de leitura e escrita no teatro.

Por sugestão da minha orientadora, também recebi os protocolos produzidos pelos alunos do
curso ‘Teoria e Prática na Peça Didática de Bertolt Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP. Não acompanhei as aulas do
curso todo, mas tive a oportunidade de conhecer os alunos no encontro do dia 31 de agosto de
2011. Nessa aula do curso participei da Roda do Grande Protocolo, ouvi a leitura e o debate dos
protocolos produzidos por eles naquele processo de aprendizagem da linguagem teatral, e
posteriormente pude conversar sobre a minha pesquisa. Os protocolos produzidos pelos
pesquisadores do curso da Pós-Graduação da ECA/USP enriqueceram e clarificaram a análise
21

realizada nesta pesquisa e também foram usados como exemplos nas apreciações do objeto do
presente trabalho, assim como os protocolos dos alunos da Universidade de Sorocaba - Uniso.

O curso de Licenciatura em Teatro/Arte Educação da Universidade de Sorocaba com a duração


de seis semestres propunha aos alunos do quinto período a participação no componente
denominado encenação, obrigatório na grade curricular com aulas em dois dias por semana.
Desde o início do curso na Universidade de Sorocaba, no quinto semestre havia a experiência da
montagem com a encenadora Ingrid Koudela. A proposta de Koudela sempre foi realizada com
o trabalho colaborativo na criação da encenação fundada na prática dos jogos teatrais. Os
modelos de ação escolhidos por Koudela para a criação da encenação eram apresentados aos
alunos no início do processo que na relação dos textos com os jogos construíam o texto
espetacular da encenação.

Desde o primeiro encontro era solicitado aos alunos para que escrevessem os seus protocolos a
partir da teoria estudada e da prática experienciada. As percepções, as descobertas, as dúvidas,
as ideias de cada um eram registradas em seu protocolo e compartilhadas na semana seguinte na
leitura e debate realizado na Roda do Grande Protocolo.

Essa roda era o momento em que a professora Ingrid no início da primeira aula da semana se
sentava em roda com os alunos e solicitava que cada um no momento que quisesse, lesse parte
do seu protocolo. Outro aluno que acreditasse que uma parte do seu próprio protocolo
conversava com o que fora lido, poderia fazer a sua leitura a seguir e assim sucessivamente. A
união dos fragmentos dos protocolos formava um protocolo coletivo no momento da aula. Não
era a palavra de apenas uma pessoa, mas muitas vozes se manifestavam no processo de criação
da cena teatral.

Durante o momento de leitura não havia comentário, apenas os fragmentos de leitura dos
protocolos. Um tempo, geralmente de quinze minutos era estipulado pela professora para a
leitura. Terminado o tempo combinado, tinha início o debate dos assuntos levantados na leitura.
Então, todos podiam conversar e debater as questões que interessavam ao grupo. Esse debate
também ocorria com um tempo determinado, findo o tempo tinham início as atividades
propostas para o dia. As aulas sempre ocorriam na segunda e terça-feira. Então, os alunos
escreviam um protocolo sobre os eventos vividos nos dois dias para ser lido na segunda-feira da
semana seguinte.
22

Para compreendermos o tema desta pesquisa, que é a criação de uma pedagogia de leitura e
escrita no teatro através da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero
discursivo protocolo fundamentado percorreremos o texto que está organizado em três capítulos.

No Capitulo 1 faremos um estudo sobre a escrita de Bertolt Brecht em seus diários. Veremos
destacados em fragmentos de suas anotações diárias os registros dos momentos de sua vida
familiar, seu trabalho, suas posições políticas e seu processo criativo. Conheceremos um homem
em busca da perfeição na escrita de sua obra. Então, posteriormente poderemos compreender a
proposta de escrita dos protocolos no trabalho de Brecht. Em seguida, iniciaremos o percurso
que busca a compreensão da origem do protocolo no trabalho de Brecht. Logo após,
conheceremos o primeiro contato da pesquisadora Ingrid Koudela com a prática do protocolo e
trilharemos com ela o percurso do protocolo no Brasil. Veremos a relação estabelecida pela
pesquisadora Koudela entre o protocolo e o Jogo Teatral do Sistema de Viola Spolin e as
contribuições indeléveis deixadas pelo jogo na escrita do protocolo.

Para compreendermos a escrita do protocolo, veremos a teoria encarnada em exemplos retirados


de fragmentos dos protocolos escritos pelos alunos de Koudela durante os processos vividos na
criação da cena teatral. Serão acompanhados os processos de criação, como já citado
anteriormente, das três encenações do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba, e do curso
da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Em todos
esses processos Koudela utilizou a metodologia de ensino-aprendizagem com o instrumento de
avaliação protocolo. Em seguida, veremos a colaboração da avaliação e da fisicalização do
Sistema Spoliano, e ainda do modelo de ação brechtiano na escrita do gênero discursivo
protocolo.

Poderemos ver também uma retrospectiva histórica das contribuições do protocolo em


processos de criação de encenação e em oficinas pedagógicas da linguagem teatral para
compreender a colaboração do protocolo na criação de uma pedagogia de leitura e escrita no
teatro. Finalmente, poderemos formular fundados no pensar de Bakhtin e Koudela a definição
do protocolo e vê-los corporificados nos exemplos presentes nos fragmentos dos protocolos dos
alunos da Professora Ingrid Koudela.

No Capítulo 2 veremos a fundamentação teórica do protocolo como um gênero discursivo


fundado no pensar de Mikhail Bakhtin relacionado ao francês Michael Foucault. Poderemos
compreender a colaboração da Palavra do Outro na escrita do protocolo. Em seguida,
23

acompanhados pelo pensamento do filósofo da linguagem Bakhtin compreenderemos os


elementos que compõem a escrita: a língua, o enunciado e a interação verbal, e ainda o tema e a
significação. Logo após, veremos a contribuição da Esfera Artística do Teatro e do Dialogismo
na escrita do protocolo produzido na criação da arte teatral.

Outros estudiosos brasileiros de Bakhtin elucidarão a compreensão dos conceitos de autor e


autoria, autor-pessoa e autor-criador, além de autobiografia e biografia e sua influência no
gênero discursivo protocolo. Bakhtin ainda nos permitirá compreender a Polifonia de vozes
presentes na prática do protocolo. Por fim, com Foucault poderemos compreender a colaboração
dos conceitos dos hupomnêmata e das cartas na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro
que utiliza o gênero discursivo protocolo.

No Capítulo 3 poderemos conhecer a prática da escrita do protocolo nas três encenações


desenvolvida pela pesquisadora Koudela na Universidade de Sorocaba nos anos 2007, 2008 e
2009, e também nas aulas de um curso no ano de 2011 na Universidade de São Paulo. Em todos
os processos serão destacados fragmentos de protocolos que clarificam e desvelam o uso da
metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o gênero discursivo protocolo. Finalmente,
teremos as considerações que este trabalho buscou realizar na proposta de criação de uma
pedagogia de leitura e escrita no teatro.
24

Figura 2 - Montagem 2008 "Chamas na Penugem"

2. CAPÍTULO 1

‘o mundo atual é passível de ser descrito para o homem atual

somente se for descrito como um mundo mutável’

Bertolt Brecht
(Conferência de Teatro em Damrstardt em 1955.

Ewen, 1991, p. 455)


25

Neste capítulo veremos o hábito de Bertolt Brecht em manter registros escritos sobre os
acontecimentos de sua vida e trabalho em diários preservados até os dias de hoje e que se
tornaram importante fonte de pesquisa. Em seguida veremos o nascimento da proposta do
protocolo, de Brecht a Koudela, e os caminhos percorridos pelo gênero discursivo até o
momento presente.

2.1 Bertolt Brecht – um diarista

Eugen Berthold Friedrich Brecht como foi batizado, nasceu em 10 de fevereiro de 1898 em
Augsburg, sul da Alemanha, filho de uma família burguesa, como afirma o pesquisador Frederic
Ewen (1991). Morreu Bertolt Brecht aos 58 anos em 14 de agosto de 1956 em Berlim,
conhecido como poeta, dramaturgo, diretor, autor, teatrólogo, ensaísta, pensador e crítico de seu
tempo.

Para o desenvolvimento desta pesquisa sobre a escrita de Bertolt Brecht utilizo os trabalhos dos
pesquisadores Werner Hecht e Herta Ramthun que coletaram o material no Arquivo Bertolt
Brecht da cidade de Berlim, Alemanha. Grande parte da obra do autor pode ser encontrada
nesse Arquivo. Muitos pesquisadores têm estudado, organizado o trabalho do ‘escrevinhador de
peças’ e descrito o hábito que ele tinha de escrever diários. O material pesquisado no Arquivo
era composto parte por diários escritos pelo próprio Brecht durante grande parte de sua vida e
também por outros materiais como agendas e todo tipo de folhas soltas que continham
anotações sobre eventos pessoais, de trabalho ou de fatos ocorridos na sociedade de seu tempo.

Nesta pesquisa utilizo os trabalhos de Hecht e Ramthun para compreender a contribuição da


prática da escrita de diário adotada por Bertolt Brecht no posterior desenvolvimento da proposta
do uso do instrumento de avaliação protocolo como metodologia de ensino-aprendizagem na
criação de uma pedagogia de leitura e escrita no teatro.

Em 1973, a obra ‘Diário de Trabalho’ organizada pelo pesquisador Werner Hecht foi publicada
pela Suhrkamp Verlag de Frankfurt, Alemanha, com a autorização de Stefan Brecht, filho de
26

Bertolt Brecht. A editora Rocco adquiriu o direito de publicação dessa obra no Brasil e dividiu
em três volumes que compreendem: volume I dos anos de 1938 a 1941, volume II dos anos
1941 a 1947, que foram publicados em 2002. O volume III que compreende os anos 1948 a
1955 e que não chegou a ser publicados no Brasil. Assim, para esta pesquisa, utilizei uma
publicação argentina comprada num sebo virtual. A obra foi publicada na língua espanhola pela
Ediciones Nueva Vision em Buenos Aires no ano de 1979. Essa publicação fez uma divisão
diferente dos períodos da publicação brasileira. Usei o volume III 1944-1955 que abrangia o
período que faltava para completar a pesquisa desenvolvida. Eu mesma realizei a tradução do
espanhol para o português dos fragmentos utilizados neste trabalho.

Em 1975, a mesma editora Suhrkamp Verlag e também autorizado por Stefan Brecht publicou o
livro “Diários de Brecht – diários de 1920 a 1922; anotações autobigráficas de 1920 a 1954”.
Esse livro organizado pela pesquisadora Herta Ramthun foi publicado pela L&PM Editores em
1995 no Brasil. O livro foi organizado pela pesquisadora através da junção dos manuscritos de
quatro diários do começo dos anos de 1920, além de outras anotações do próprio Brecht em
agendas e outras folhas guardadas no Arquivo Bertolt Brecht em Berlim e também de um
material cedido pela filha de Brecht, Hanne Riob.

O editor alemão do livro “Diários de Brecht” (1995) explica, em nota no próprio livro, que os
diários foram escritos na língua alemã e sem nenhuma margem no papel, utilizando sempre a
folha toda, pois foram escritos no período pós-guerra de grande escassez de matéria prima. O
editor, ainda, afirma que provavelmente as folhas tenham sido obtidas na fábrica de papéis em
que o pai de Brecht era diretor.

Bertolt Brecht foi muitas vezes descrito como sendo impaciente, genioso, e também como um
diarista compulsivo. Segundo, a orelha do ‘Diário de Trabalho’ volume I (BRECHT, 2002a),
ainda muito cedo Brecht começou a encher páginas e páginas de cadernos com registros de
impressões, fatos, acontecimentos e reflexões relacionados ao seu dia a dia. Aos 15 anos já
havia composto seu primeiro diário, que só seria descoberto na década de 1980 e que seria
publicado, no final daquela década, pela mesma Suhrkamp Verlag na Alemanha, mas ainda não
publicado no Brasil.

Segundo Frederic Ewen (1991), aos 19 anos Brecht entrou para a faculdade de medicina em
Monique, mas recrutado pelo Exército trabalhou como enfermeiro e nessa época compôs ‘A
Lenda do Soldado Morto’ poema que ganhou grande repercussão. Tempos depois retomou os
27

estudos, mas trocou a faculdade pela convivência com o meio artístico que efervescia em
Munique, estava escolhido o caminho que Bertolt Brecht percorreria durante sua vida dentro da
esfera da arte.

Brecht manteve o hábito de escrever diários durante toda a vida, mesmo no período de guerra e
de exílio manteve o registro escrito dos acontecimentos de sua vida familiar, de seus amigos,
seus amores, seu trabalho, suas posições políticas, suas preocupações e esperanças. Para um
estudo da importante obra deixada por Bertolt Brecht através do registro de seus diários,
agendas e anotações em folhas soltas, veremos agora uma seleção de fragmentos reunidos por
temas, para que possamos observar a colaboração da escrita na vida e no trabalho de Brecht e
relacioná-los, posteriormente, ao protocolo.

O primeiro tema sobre o qual foram recortados alguns fragmentos de registros presentes nos
diários é a importância que a escrita tinha na vida de Bertolt Brecht. Segundo uma anotação
feita por volta de 1923 na obra ‘Diários de Brecht’(1995), o autor nos revela o valor da escrita
em sua vida e o papel que ela desempenhava em seu cotidiano:

[...] estou anotando algo porque estou com a cabeça vazia e isso é para mim
a coisa mais saudável que há. (p. 145)

Muitos anos depois, em outro momento Brecht (1979) escreveu no dia 01 de janeiro de 1949:

[...] escrevo essas linhas, entre outras coisas, para clarear minhas ideias
sobre um determinado ponto [...]

E ainda, no dia 25 de dezembro de 1952, Brecht (1979) explicou sua relação com a escrita:

Que eu me recorde, jamais escrevi uma linha quando não me sentia


fisicamente bem. Somente o bem-estar confere a soberania que se requer
para escrever. Tem que se estar dos pés a cabeça no que se escreve, é
necessário sentar-se sobre o tema. Por outro lado, o fenômeno também se
produz mais ou menos pelo inverso; quando me sento à mesa, diante da
máquina de escrever, me sinto bem.
28

Percebemos que para Brecht, o ato de escrever o mantinha equilibrado, a escrita funcionava
como um organizador de ideias. Sua mente também ficava limpa ao escrever e isso o ajudava a
viver e trabalhar melhor. Em outra ocasião, Brecht mostra muita animação com a facilidade com
que estava escrevendo sua obra. Naquele momento a escrita tomava conta de sua vida, ele se
esquecia de outras obrigações, apenas o processo criativo da escrita o envolvia. Brecht (1995)
afirmou no dia 16 de setembro de 1921:

[...] estou bem disposto, não me interesso por nada, descuido de roupas,
comida, companhia e ao escrever tenho total tranqüilidade e equilíbrio.
Cada palavra rompeu sua casca, frases brotam direto do meu peito. Eu
apenas anoto.

Nesse registro Brecht nos permite ver o seu processo de criação ao escrever o texto teatral. Ele
demonstra preferência por andar em ambientes abertos enquanto trabalhava no seu processo
criativo. Brecht afirma gostar da indefinição, do momento em que o texto permanecia
incompleto a sua frente. Naquela circunstância o seu trabalho de escrita fluía, pois ele se
mantinha aberto ao que estava por vir. Brecht criava as linhas gerais da peça e depois ia
retomando e completando as partes. Ainda no registro do diário desse mesmo dia lemos:

Trabalho o dia inteiro na peça ‘O fim do mundo’ ou ‘O bosque’ ou


‘Espessura’ ou ‘Os hostis’ ou ‘George Garga’. Primeiro faço a cena
periférica ‘Água furtada com papéis de parede verdes’. Agora a linguagem
está melhor. Trabalho com folhinhas de papel bem pequenas e finas,
andando pela alameda; nenhuma linha em ambientes fechados. Faz um bom
tempo, eu ando durante horas por entre castanhas que estalam ao cair. Com
isso, avanço bem devagar porque demoro para decidir-me. Só na metade da
primeira cena é que concebo G. Garga por completo. Muito depois monto o
esqueleto da linha argumental, quase não lhe dando peso. Está tudo em
fluxo, adoro o indefinido. Entretanto, esboço frases de todas as cenas e
aparições isoladas. Tudo cresce, quase por si só, em direção ao centro,
como se eu escrevesse da memória [...]

Em outra passagem, Brecht reflete sobre o que podia escrever no diário, ele teme que sua escrita
seja usada contra ele, mas o exercício da escrita se mantinha em seu cotidiano e se mostrava de
suma importância em sua vida. Brecht (2002b) anotou em 21 de janeiro de 1942:

Nos últimos dias tenho passado os olhos por este diário. Naturalmente está
bastante distorcido, com receio de leitores indesejados, e terei dificuldade
29

em seguir sua diretriz um dia. Ele se mantém dentro de certos limites,


precisamente porque os limites estão ai para serem excedidos.

Nem sempre a escrita de seu trabalho fluía facilmente e em um momento de crise com a escrita,
Brecht (1995), no dia 8 de setembro de 1920, sentenciou:

[...] paira sobre mim qual adaga a incapacidade para fazer o quarto ato de
‘Tambores’[...].

Essa peça ‘Tambores da noite’ seria encenada em 1921. Em outra ocasião, desanimado com o
rendimento do seu processo de escrita Brecht (1995) anotou no dia 24 de setembro de 1920:

[...] não consigo terminar a última cena de ‘Baal’[...]

Em outra situação, sofrendo por estar muito cansado e com dificuldades para escrever Brecht
(1995) em 18 de maio de 1921 refletiu:

[...] a arte de escrever é a mais vulgar e banal de todas as artes. É


demasiado aberta, inequívoca e controlável. Ela aborda os pensamentos
mais fecundos de tal modo que eles se tornam [ ...] triviais e inúteis. Tanto o
posicionamento do escritor como seus esforços que também são impingidos
aos leitores, são manifestos. Não existe nenhum mistério e onde não há
mistério, não há verdade.

Percebemos o grande embate de Brecht com seu processo de escrita. Ele escrevia muito e
diferentes textos ao mesmo tempo. Na década de 1940, Brecht morando nos Estados Unidos da
América escreveu sobre como se sentia em relação ao seu trabalho na sociedade americana. Ele
reclama do sistema americano de produção de arte, no dia 27 de julho de 1942 Brecht (2002b)
escreveu:

Este diário sozinho contém muitos registros que mostram as tremendas


dificuldades em que estou metido, largado no centro mesmo do narcotráfico
mundial, no meio dos maiores tuis desse negócio [...]

Brecht também escreveu sobre seus hábitos de leitura, mostrando ser um ávido leitor em muitos
momentos. Ele ainda clarifica a importância dessas leituras em seu trabalho e a contribuição de
outros autores no seu processo de escrita, Brecht (1995) revelou no dia 4 de outubro de 1921:
30

Leio e releio o tomo de Rimbaud e tomo algumas coisas emprestadas.


Como tudo isso é incandescente! Papel iluminado! E ele tem ombros de
bronze! Sempre que trabalho, sempre que a lava flui, vejo o Ocidente em
um fogo sombrio e acredito em sua vitalidade. O Danton de Buchner no
Stadtheater. Um melodrama grandioso. Sem a plástica shakesperiana, mais
nervoso, mais intelectualizado, mais fragmentado, um cenário estático, um
panorama do ponto de vista filosófico. Tais coisas não são mais modelo,
mas sim uma coisa poderosa.

Pensando numa escrita que pudesse alterar certos comportamentos, no dia 01 de fevereiro de
1942 Brecht (2002b) escreveu:

Consultando-se muita gente seria possível bolar uma escrita social. No Bush
der Wendungen ‘Livro das Mutações’ as discussões em torno de uma
escrita poderiam render um bom capítulo.

Verificamos o tema da escrita nos fragmentos dos diários de Brecht, que nesta pesquisa, vão do
ano de 1920 a 1955, um ano antes de sua morte. Brecht se revela um diarista compulsivo, e
também descobrimos que ele criava os textos de suas peças, poemas, roteiros, entre outras
escritas, com muita urgência. Brecht demonstra certa angústia quando não escreve. As reflexões
presentes em seus diários nos permitem uma aproximação do processo da escrita brechtiana.

O segundo tema destacado entre os fragmentos é a vida familiar de Brecht. Encontramos muitos
relatos sobre suas relações familiares. Na obra ‘Diários de Brecht’ em que ele contava ainda
com seus 20 e poucos anos, Brecht fala mais abertamente de seus relacionamentos, mas com o
passar do tempo percebemos um Brecht um pouco mais cuidadoso ao relatar sua vida amorosa,
por exemplo. Ao longo dos anos, Brecht se mostra preocupado com seus filhos e em vários
momentos relata os acontecimentos vividos com eles.

No livro ‘Diários de Brecht’ encontramos o relato da morte da mãe de Brecht, Sophie Brezing,
que faleceu em 01 de maio de 1920 depois de um longo período de enfermidade, percebemos
31

em seus registros no ‘Diários de Brecht’ certa tensão existente entre ele e sua mãe. Brecht
(1995) escreveu uma anotação:

Minha mãe está morta desde ontem à tardinha, suas mãos esfriaram-se aos
poucos enquanto ela ainda ofegava... Eu a amava à minha maneira, mas ela
queria ser amada à sua. (p. 144)

Em muitas outras passagens dos diários, encontramos relatos sobre a vida dele com a mulher e
filhos. Em 1928, Brecht se casou com a atriz austríaca, Helene Weigel que se tornou a sua
grande companheira na vida e no trabalho. Brecht teve com ela três filhos: Stefan, Bárbara e
Hanne. Bertolt e Helene juntos organizaram em 1949 na República Democrática Alemã, o
Berliner Ensemble. Eles permaneceram em parceria até a morte de Brecht (EWEN, 1991).
Helene, conhecida como Helli, atuou em muitas peças de Brecht, ele demonstra em muitos
momentos grande admiração pelo trabalho artístico de Helene. Ao final da Segunda Guerra,
após o retorno a Alemanha, Brecht (1979) escreveu sobre Helli no dia 11 de janeiro de 1949:

A personagem de Mãe Coragem, criada por Helli chega a ser maravilhoso, é


de uma grande audácia.

Em outros registros de Brecht encontramos o relato sobre períodos difíceis para ele e sua
família, durante e após a guerra. Depois de muita privação de alimentos no período do exílio em
que a família Brecht morou em vários países europeus, a saúde de todos ficou bastante afetada.
Na passagem a seguir, Brecht se mostra preocupado com a saúde da filha Bárbara que chegara,
aos Estados Unidos da América em 1941, muito fragilizada e quase um ano depois da chegada
ao país ainda estava em tratamento. No dia 03 de maio de 1942 Brecht (2002b) escreveu:

Bárbara de volta de um acampamento de crianças nas colinas. Depois disso


e do tratamento de repouso no inverno engordou 15 quilos. Sedimentação
do sangue normal, não se ouve mais som algum.
32

Brecht escreveu em seus diários, muitas passagens sobre seu filho Stefan. Eles conversavam
muito e pareciam próximos. Quando Stefan foi convocado para servir o exército americano
ficou em treinamento no Camp Roberts. Numa licença do filho, Brecht desejava buscá-lo com o
carro da família, mas percebeu que o seu velho automóvel não aguentaria a viagem. Então,
desistindo da viagem, Brecht escreveu no dia 29 de outubro de 1944:

Queria ir buscar Steff que está de licença desde ontem. Tinha preparado
tudo na sexta-feira [...] como os anéis de segmento são novos, eu não
poderia fazer mais de 40 km por hora, havia forte nevoeiro em toda costa,
meu limpador de pára-brisa tinha pifado, as luzes se apagavam [...]

Numa carta endereçada ao filho Stefan que permanecia em treinamento no Camp Roberts,
Brecht (2002b) relata como a família se preparava para comemorar o natal no dia 18 de
dezembro de 1944:

[...] preparativos maciços para o natal se sucedem aqui em casa. Helli não
pára de costurar [...] Bárbara toma empréstimos que farão dela uma escrava
pelos próximos 50 anos. Todos esperamos que você esteja aqui para encher
o nariz com o aroma dos pinheiros [...]

Em outro momento, muito feliz por poder registrar que o filho Stefan iria para a Universidade,
Brecht (2002b) escreveu no dia 21 de janeiro de 1945:

Após seu basic training em Camp Roberts, Steff vai para a Universidade de
Chicago aprender japonês. Estamos muito contentes.

Após uma visita ao filho Stefan, que morava e estudava na Universidade de Chicago, mas que
se encontrava enfermo, Brecht (2002b) registrou numa anotação feita em meados do mês de
junho a julho de 1945:
33

De volta em 18 de julho, depois de visitar Steff em Chicago. Ele está


hospitalizado em conseqüência de constantes dores de cabeça e espera ser
dispensado do exército.

Morando na Alemanha, depois do seu retorno em 1948 e distante do filho Stefan que
permanecera na América, Brecht (1979) registrou no dia 13 de novembro de 1952:

Steff regressou com Alma de París. Passaram o verão aqui; ele tinha
intenções de completar sua tese em Harvard [...]

Mesmo longe, pai e filho mantinham contacto. No penúltimo ano de registros em seus diários,
Brecht (1979) escreveu no dia 8 de julho de 1954:

Steff fez chegar a mim, por via indireta, a grande e exaustiva defesa de
Oppenheimer. Este tratado colaborou com a primeira bomba atômica [...]

Em todos os diários encontramos esses momentos em que Brecht nos permite entrever o
convívio familiar. Temos os relatos dos fatos cotidianos, mas temos também o registro da
criação de muitas de suas obras. Os diários de Brecht misturam o cotidiano do homem, marido,
pai, funcionário e amigo com os relatos dos processos de criação do importante autor.
Relacionando os diários de Brecht aos protocolos, desvelamos a mistura de relatos de fatos do
cotidiano ao processo de criação da cena teatral vivido num grupo de aprendizes do teatro.

O terceiro tema presente nos diários de Brecht é sua vida amorosa. Em “Diários de Brecht”
(1995), obra que retrata o período da vida de Brecht entre os anos de 1920 a 1922 encontramos
o relato de seus dias com seus amigos e relacionamentos amorosos, ele revela sua vida amorosa
com ‘Bi’, Paula Banholzer, com quem teve seu primeiro filho, Frank. Esse filho de Brecht, já
adulto, morreu em 1943 como soldado na antiga União Soviética. No dia 20 de junho de 1920,
Brecht (1995) escreveu:

[...] Bi emagrece e tem pontadas no peito. Dr. Renner descobre um foco


infeccioso [...] os Banholzer aceitam isso com tranqüilidade [...] Que
família! Há um ano todos os domingos pertencem a Bi [...]
34

Ao mesmo tempo em que Brecht (1995) tem um namoro juvenil com Paula Banholzer revela ter
outros encontros amorosos como no dia 21 de junho de 1920 em que anotou:

[...] Anni Bauer aparece no ateliê [...] tomamos aguardente sob a luz da
lamparina [...] Eu dedilho no violão, a beijo [...]

Brecht (1995) ainda revela outro relacionamento amoroso no mesmo período, no dia 31 de
agosto de 1920 registrou:

Hedda [...] delira com o casamento, eu chamei o nosso relacionamento de


uma coisa intermediária entre o casamento e a aventura [...]

E em 23 de setembro de 1920, Brecht (1995) no registro do diário revela o fim de seu namoro
de juventude com Paula Banholzer:

Pego Bi em Buchloe para ir a Munique. Ela engordou, sente meu


desapontamento no primeiro momento, se torna sóbria e difícil. A noite é
turva, dormimos muito, sem poesia [ ...] a relação fica normal entre nós –
não melhor. A graça foi para o brejo [...]

No ano seguinte enquanto iniciava a produção de ‘Tambores na noite’ Brecht (1995) escreveu
sobre seu novo amor, a atriz Marianne Zoff, no dia 9 de fevereiro de 1921:

...] dancei com Marianne de rosto colado. Em seguida, cheios de


aguardente de bergamota, entramos em um carro e voamos para casa [...]
35

Brecht se casou com Marianne quando ela engravidou e em 1923 nasceu sua filha. Essa filha de
Brecht se tornaria mais tarde a conhecida atriz Hanne Riob. Em 1927, Brecht (1995) se
divorciou de Marianne Zoff.

Anos mais tarde, encontramos na escrita dos diários de Brecht uma postura muito diferente dele
em relação às anotações sobre sua vida amorosa, ele se torna muito mais discreto ao escrever
sobre seus romances. Outra conhecida amante de Brecht foi Ruth Berlau, uma atriz e jornalista
dinamarquesa. Eles se conheceram em 1933 em Thurô. Ruth acompanhou a família Brecht em
sua fuga pela Suécia e Finlândia. Também trabalhou e conviveu com Brecht na América, mas
aparece em seus diários discretamente, como colaboradora de suas peças e textos
cinematográficos. O romance entre eles não aparece de forma explicita em seus registros
diários.

Em 3 de setembro de 1944, deparamo-nos com um breve registro de apenas uma linha sobre a
hospitalização de Ruth. Aos 46 anos, ao contrário da forma como escrevera no passado, Brecht
(2002b) apenas anotou com muita discrição:

“Ruth é operada no Cedars of Lebanon.”

Nessa ocasião, Ruth que estava grávida fora internada inesperadamente para dar a luz. O bebê
de Ruth e Brecht nasceu prematuramente e recebeu o nome de Michael, mas viveu pouco
tempo.

Numa anotação de 1953 (1995) encontramos um registro de outra namorada de Brecht, mas ele
não cita o nome dela:

A namorada que tenho agora e que talvez seja a última, se parece muito
com a primeira [...] (p. 168)

Discretamente, Brecht relata o momento e as situações vividas com essa namorada, mas sendo
muito cuidadoso não revela sua identidade. Os destaques dos fragmentos dos diários de Brecht
aqui feitos nos permitem observar as mudanças na escrita brechtiana. Quando jovem, Brecht,
revelava sua vida pessoal sem resguardos, mas com o tempo os registros se tornam mais
cuidadosos, pois ele teme as consequências que seus registros podem trazer.
36

Nos protocolos escritos durante a criação da cena teatral, há muitos registros de acontecimentos
pessoais. Muitos desses fatos revelam as dificuldades de convivência no grupo e as experiências
pessoais na inter-relação como outros indivíduos do grupo. A escrita do protocolo permite a
expressão daquilo que o autor do protocolo deseja ressaltar no momento vivido.

O quarto tema encontrado nos diários de Brecht é a amizade e a convivência com seus amigos e
colaboradores em sua obra. Em seus registros Brecht cita muitos amigos com quem conviveu:
Walter Benjamin, Elisabeth Hauptmann, Martha Feuchtwanger, Alexander Granach, Langhoff
entre muitos outros que lhe oferecem abrigo durante os anos de fuga pela Europa, emprego e
acolhida nos Estados Unidos da América, e também na sua volta a Alemanha no período pós-
guerra.

Brecht escreveu sobre sua amiga e fiel colaboradora Margarete Steffin, Grete. Em seus diários,
Brecht registrou a fuga de sua família no período nazista de seu país acompanhada por Grete.
No dia 13 de maio de 1941 a família Brecht foi para Moscou. Grete que trabalhava para Brecht
e os acompanhava desde a saída da Alemanha com a saúde abalada, não tinha condições de
continuar a longa viagem até a América, por isso ficou na capital soviética. Em 29 de maio de
1941 numa anotação Brecht (1995) escreveu o momento em que levou Grete para o hospital:

[...] Ao meio-dia viajo com ela em uma velha ambulância para o sanatório
[...] ela tem que tomar oxigênio várias vezes [...] a visito às 5h. Está muito
tranqüila [...] Eu disse que viajarei, que recebi as passagens. Ela sorri e diz
com a voz profunda ‘Que bom’ (p. 164)

No dia seguinte em nova visita a amiga, Brecht (1995) anotou:

[...] Ela diz: “Vou em seguida, só duas coisas podem me deter: o perigo de
morte e a guerra” [...] (p. 164)

No mesmo dia, às 5 horas, a família Brecht partiu para tomar o Expresso Transiberiano para a
cidade de Vladivostok, pois de lá embarcariam num navio rumo à América.

No dia 04 de junho de 1941, às 9 horas, não mais resistindo aos males impingidos pela guerra,
Margaret Steffin faleceu. A família Brecht foi informada do acontecimento durante a viagem.
37

Amargurados ao saberem da morte de Grete, os Brecht embarcaram para os Estados Unidos da


América no último navio antes da invasão nazista à antiga União Soviética. (EWEN, 1991, p.
357-58).

Em seu diário no dia 13 de julho de 1941 Brecht (2002a) relatou a luta de sua família e sua
amiga Grete para fugir da Europa em guerra. Brecht escreveu em seu diário:

Em dezembro de 40 nos informaram de Estocolmo que tinham sido


concedidos a mim, a Helli e às crianças vistos de imigração do México.
Grete não obteve nenhum [...] Solicitei portanto vistos americanos, um
visto de visitante para Grete, já que ela não passaria no exame médico [...]
nossos amigos finlandeses insistiram para que partíssemos [...] Finalmente,
em 12 de maio, Grete recebeu, na condição de secretária de Hella [...]
Partimos no dia 13 [...] Em Moscou, Grete [...] baqueou. Ela foi para uma
clínica [...] Disseram que certamente seria possível conseguir uma
passagem para Grete num navio subseqüente se ela estivesse bem [...] Grete
se sentiu muito aliviada e decidida a melhorar para poder suportar a longa
viagem [...]

Ainda nos registros do dia 13 de julho de 1941, Brecht transcreveu em seu diário o telegrama
que recebera dos amigos de Moscou que cuidavam de Grete:

[...] Oito horas da manhã Grete recebeu seu telegrama e leu tranqüila. Às 9
horas da manhã ela morreu [...]

Em 21 de julho de 1941 a família Brecht desembarcou na Califórnia, Estados Unidos da


América onde amigos os aguardavam. No mesmo dia Brecht (2002b) escreveu em seu diário:

Chegamos a San Pedro, o porto de Los Angeles. Martha Feuchtwanger e o


ator Alexander Granach nos esperavam no cais. Elisabeth Hauptmann
conseguiu por meio de uma amiga alugar um flat para nós [...]

A família Brecht podia permanecer na Califórnia em Los Angeles, a cidade do cinema, onde
Bertolt Brecht poderia trabalhar como roteirista, ou atravessar o país e ir para a cidade de Nova
38

Iorque, onde também tinha amigos e havia uma intensa vida teatral. A amiga Martha
Feuchtwanger sugeriu que a família ficasse em Los Angeles e Brecht (2002b) anotou:

[...] Seu conselho é que fiquemos aqui, onde é mais barato do que em Nova
York, e onde há mais oportunidades de ganhar dinheiro.

Para Brecht a decisão foi muito difícil, ele precisava trabalhar para sustentar a família, mas se
mostrava bastante insatisfeito com o estilo de vida da sociedade americana e sentia a falta de sua
amiga e colaboradora Grete. Brecht (2002b) no dia 01 de agosto de 1941 escreveu:

[...] aqui a minha profissão é cavar ouro; os felizardos garimpam na lama


grandes pepitas do tamanho do teu punho e de que todo mundo fala durante
algum tempo; quando ando, ando nas nuvens como uma vítima da pólio. E
justamente aqui me falta Grete. É como se me tivessem tirado meu guia
bem na entrada do deserto.

Ainda em sofrimento pela morte de Grete, em agosto de 1941 Brecht anotou, em seu diário,
outra morte muito marcante em sua vida, a de seu amigo Walter Benjamim. Morte que ocorrera
um ano antes numa tentativa frustrada de ir para os Estados Unidos da América no dia 26 de
setembro de 1940.

Walter Benjamim se envenenou em alguma cidadezinha espanhola. A


guarda nacional deteve o pequeno grupo que ele fazia parte. Quando os
outros foram lhe dizer na manhã seguinte que tinham permissão de seguir
viagem encontraram-no morto [...] (BRECHT, 2002b)

Brecht ainda escreveria em vários momentos sobre a falta que sentia de sua colaboradora
Margaret Steffin. Quando completou um ano da morte dela Brecht (2002b) anotou no dia 04 de
junho de 1942 do seu diário:

“Aniversário de morte de Grete”


39

No dia 30 de junho de 1942 Brecht (2002b) sentido ainda muito ressentimento em relação à
morte de Grete, escreveu em seu diário ele escreveu:

Não fiz nada e não farei nada para ‘superar’ a perda de Grete. Que bem isto
faz, reconciliar-se com coisas que aconteceram? Há ainda muitas pontas
nessa corda, à espera de que as coisas se prendam nelas. Hitler e a fome
mataram-na [...] meus esforços para salvá-la foram derrotados, e não fui
capaz de tornar as coisas mais fáceis para ela. Devemos esquecer os
sucessos mas não os fracassos.

Percebemos pelos registros de Brecht a mudança em sua escrita ao relatar sua vida pessoal. Para
ele o hábito de escrever se manteve, mas se tornou discreto pela preocupação do que poderia
acontecer com esses escritos. As dúvidas, os sofrimentos, as angústias presentes nos diários de
Brecht também estão em muitos protocolos produzidos num processo de criação teatral. Muitos
protocolos trazem questionamentos, preocupações e as incertezas no embate vivido com a
aprendizagem da linguagem teatral. A expressão de suas dúvidas permite ao autor do protocolo
a oportunidade de pensar e discutir com o grupo suas preocupações e assim avançar em seu
processo de aprendizagem da linguagem teatral.

O quinto tema presente na escrita do diário de Brecht é a política. Durante o ano de 1933 a crise
política e econômica avançava sobre a Alemanha. No dia 28 de fevereiro desse mesmo ano a
família Brecht juntamente com muitos artistas e escritores fugiram do próprio país. Os que
ficaram caíram vítimas da tortura, prisão e assassinato. A família Brecht foi para Praga, Viena e
depois Zurique, onde encontraram outros exilados como Walter Benjamin. Depois para Carona
na Suíça, em seguida aceitaram um convite para ir à Dinamarca, lá moraram na ilha de Thüro e
depois na ilha Fünen. (EWEN, 1991)

Em meio aos graves acontecimentos na Europa a família Brecht foi obrigada a fazer diversas
mudanças, lemos nos diários de Brecht a descrição, os comentários e as reflexões feitas por ele a
partir desses acontecimentos. Brecht registrou em seu diário os eventos que levariam à
deflagração da Segunda Guerra Mundial, no dia 01 de setembro de 1939 Brecht (2002a)
escreveu:
40

Às 8 e 45 da manhã a Alemanha avisa todos os neutros que não devem voar


sobre o território polonês. Hitler discursa [...] no rádio, surpreendentemente
inseguro. O aplauso mais barulhento quando ele diz que os traidores só tem
que esperar a morte [...]

Esse foi o dia em que começou a invasão à Polônia e teve oficialmente início a Segunda Guerra
Mundial. Sobre esses eventos no dia 03 de setembro de 1939 Brecht (2002a) refletiu:

Só a noite é que todos começam a ver a terrível verdade. Isso foi quando
foram ao ar os boletins da rádio inglesa sobre a sessão da Câmara dos
Comuns. [...] O governo alemão quer a guerra, o povo alemão não. Os
governos da França e da Inglaterra não querem a guerra, os povos da França
e da Inglaterra querem, para deter Hitler.

Analisando a situação do início da Segunda Guerra Mundial, Brecht conjectura no dia 04 de


setembro de 1939 (2002a):

Eu estava inteiramente convencido de que os ingleses recuariam no último


minuto. Mas Churchill parece ter evitado isso. A questão é saber se irão
realmente à guerra. [...] A situação legal é que há paz na Polônia e o povo
está lutando, ao passo que no Ocidente a guerra foi declarada e a paz
prevalece.

E ainda no dia 05 de setembro de 1939 Brecht (2002a) escreveu sobre a sua surpresa pelo fato
da guerra ser declarada e não haver conflitos reais que demonstrassem o início desse
acontecimento histórico:

Fantasmagórica esta guerra que não está sendo travada [...]

Em outra época, Brecht (2002b) escreveu sobre a chegada de sua família aos Estados Unidos da
América. Sentindo-se pouco a vontade no novo país e ainda preocupado com a situação de
guerra na Europa Brecht escreveu no dia 09 de agosto de 1941:
41

Sinto-me como se me tivesse exilado de nosso tempo [...] A 15 mil


quilômetros de distância o sangrento massacre, que está decidindo nosso
destino de um lado a outro da Europa em seu ponto mais largo, é só um eco
na gritaria do mercado de arte daqui.

Brecht (2002b) recebeu notícias sobre o andamento da guerra e ao saber que sua querida cidade
fora bombardeada escreveu no dia 29 de agosto de 1943:

O coração pára de bater quando se lê sobre os ataques aéreos a Berlim.


Como não estão associados a operações militares, não se divisa da guerra,
só o fim da Alemanha.

Anos depois, quando finalmente chega o tão desejado fim da Segunda Guerra Mundial, no dia
08 de maio de 1945 Brecht (2002b) escreveu numa frase o resultado de tanta luta travada no
campo de batalha:

A Alemanha nazista capitula incondicionalmente [...]

Ao final da guerra, Brecht ainda exilado na América desejava voltar para seu país de origem,
Alemanha. Esse retorno demorou a se concretizar e quando ele finalmente conseguiu voltar,
encontrou a cidade de Berlim destruída pelos combates. No dia 27 de outubro de 1948 Brecht
(1979) escreveu:

[...] Berlim: o escombro de Postdam. Pela noite, sob as ruas em ruínas,


imersa no mais completo silêncio, rugem os aviões de carga da ponte aérea.
A luz é tão fraca que o céu estrelado pode ser visto da rua.

Em muitas passagens do seu diário encontramos o relato das condições em que viva o povo
alemão ao final da Segunda Guerra. Após seu retorno, Brecht rapidamente retoma o seu trabalho
no teatro alemão e inicia a montagem de espetáculos. Brecht revela os problemas que enfrenta
com seus atores anos após o final da guerra. Muitos estão doentes ainda em decorrência do
vivido no período da guerra. Em 21 de maio de 1951, Brecht (1979) escreveu:
42

A nova geração, nossos jovens atores, seguem sofrendo em maior ou menor


grau os efeitos da guerra. No ano passado, Braunbock sofreu um colapso
nervoso. São as conseqüências de uma fratura no crânio que sofreu em 1945
ao cair numa cratera de uma granada. A Rachel arrasta uma bronquite
crônica, A Hurwicz tem problemas cardíacos, Schaefer tem um pulmão só,
a Thalbach tem uma lesão renal, etc. [...]

As percepções, as reflexões, as críticas e as análises feitas por Brecht no período de guerra e


pós-guerra estão registradas em seus diários e guardam os pensamentos dele sobre as terríveis
experiências vividas nessa época. Nos protocolos produzidos nos processos vividos na criação
da cena teatral também podem aparecer reflexões acerca da situação política na sociedade na
qual está inserido o grupo do fazer teatral. Muitas reflexões estimulam o processo de criação
com a arte teatral.

O sexto tema encontrado nos diários de Brecht são os filmes e os livros. Nos ‘Diários de Brecht’
(1995) conhecemos o cotidiano de um jovem e voraz leitor que lê: Plutarco, Hegel, as cartas de
Van Gogh ao irmão, Shakespeare, os poemas e os diários de Hebbel, Rimbaud, Büchner, Marx,
Goethe, Shelley, Balzac, Cain, Coy, Hemingway, entre muitos outros.

Conhecemos também um Brecht que adora relaxar lendo um bom romance policial inglês, como
vemos no registro que Brecht fez em seu diário mostrando o seu cotidiano, sua rotina de
trabalho, alimentação, leituras, amigos e os passatempos. No dia 05 de setembro de 1944
morando nos Estados Unidos da América Brecht (2002b) escreveu:

Plano para o dia: levantar ás 7. Jornal, rádio. Fazer café na pequena chaleira
de cobre. Manhã: trabalho. Almoço leve ás 12. Descanso com romance
policial. Tarde: trabalho ou fazer visitas. Ceia às 7. Em seguida convidados.
À noite meia página de Shakespeare ou poemas chineses de Waley. Rádio,
romance policial.

Brecht também se mostra um espectador assíduo do teatro e do cinema, Brecht (1995)


demonstra ser um apaixonado pelo cinema, além de se revelar um fã de Charles Chaplin. Em 29
de outubro de 1921, escreve:
43

[...] Depois vejo um curta-metragem de Charles Chaplin. O título é ‘Álcool


e Amor’, é o filme mais comovente que já vi no cinema, e é bem simples.

Ainda sobre Chaplin, lemos no dia 24 de março de 1947 a seguinte anotação no diário de Brecht
(2002b):

[...] Muito impressionado com os dois filmes que vi nestas últimas semanas:
‘tempestade sobre a Ásia’ e ‘Monsieur Verdoux’ de Chaplin: este último
devia chamar-se ‘The Provider’.

Conhecemos através dos registros escritos nos diários as predileções de Brecht. Seus filmes, livros,
autores, que nos permitem uma aproximação com o repertório do autor. Nos protocolos escritos
pelos aprendizes da linguagem teatral nos mais diferentes grupos aparecem muitas citações de
leituras, músicas, filmes, espetáculos pertencentes ao repertório de cada indivíduo. Muitos
acontecimentos vividos no grupo permitem ao aprendiz a relação com outras obras e a reflexão
sobre elas, contribuindo com o seu processo de aprendizagem da linguagem teatral.

Finalmente, o sétimo tema recortado dos diários de Brecht é a sua própria obra. Lemos ao longo
dos registros presentes nos diários a escrita de várias peças teatrais, poemas, scripts, entre outros
trabalhos. Em 21 de julho de 1943 Brecht morando na América (2002b) fez uma retrospectiva
do que escrevera até aquele momento:

[...] em 10 anos escrevi as seguintes peças: ‘Cabeças redondas e cabeças


pontudas’, ‘Terror e miséria no Terceiro Reich’, ‘Vida do Físico Galileu’,
‘A alam boa de Se-Tsuan’, Mãe Coragem e seus filhos’, ‘Sr Puntilha e seu
criado Matti’, ‘Ascensão de Ui’, ‘As visões de Simone Machard’, ‘A
duquesa de Amalfi’ e ‘Swhweik’ repertório razoável para uma classe
derrotada

Apesar das muitas dificuldades, pois estivera exilado desde 1933 da Alemanha, Brecht
escrevera um grande número de obras mesmo tendo vivido até 1941 em condições pouco
favoráveis e extremamente instáveis no período de guerra na Europa. Somente durante a década
44

de 40 morando nos Estados Unidos da América é que Brecht passou a ter condições mais
estáveis para escrever.

Por meio dos registros nos diários acompanhamos o surgimento de muitas ideias de Brecht para
diversos trabalhos, algumas frutificaram outras ficaram hibernando, mas impressiona a
preocupação de Brecht em sempre melhorar a sua escrita. Ele retoma seus textos em diversos
momentos e reescreve buscando a perfeição. O trabalho de Brecht com a peça “A alma boa de
Se-Tsuan’ é de uma exaustiva e constante reescrita. Pelos registros nos diários acompanhamos
ao longo dos anos o embate de Brecht com essa obra.

Retomando o seu trabalho de escrita da peça ‘A alma boa de Se-Tsuan’ que começara no início
dos anos 1930, no dia 15 de março de 1939 encontramos uma anotação de Brecht (2002a) onde
ele escreveu:

Há poucos dias tirei da gaveta o velho rascunho de ‘A alma boa de Se-


Tsuan’ [...] são cinco cenas, quatro das quais aproveitáveis [...].

Dois meses depois, em maio de 1939, Pentecostes, Brecht (2002a) refletiu sobre o seu trabalho
com a peça ‘A alma boa de Se-Tsuan’:

[...] remoendo ‘A alma boa’. Como se pode introduzir a suntuosidade na


parábola?[ ...] A moça precisa ser uma pessoa vigorosa. A cidade precisa
ser um lugar grande, poeirento, inabitável. O inconveniente é o excesso de
ação. Nenhum espaço para a digressão e rodeio [...] Deve-se dar alguma
atenção à necessidade de enfrentar o risco da chinesice

Reescrevendo a mesma peça quatro meses depois, no dia 15 de julho de 1939 Brecht (2002a)
registrou sobre a peça ‘A alma boa de Se-Tsuan’:

‘A alma boa’. Retrabalhada mais uma vez a primeira cena. O principal era
dar algum desenvolvimento ao malvado Lao Go [...]
45

Seis meses depois, ainda não satisfeito com a peça ‘A alma boa de Se-Tsuan’, no dia 11 de
setembro de 1939 Brecht (2002a) analisou:

Estou meio atolado no trabalho sobre a parábola. A coisa não anda como
devia. Boa parte do trabalho é artificiosa demais, o todo não passa ainda de
um certo número de partes [...]

Mais de um ano depois de ter retomado a escrita da peça e analisando todo o trabalho que teve
ao escrever ‘A alma boa de Se-Tsuan’, no dia 20 de junho de 1940 Brecht (2002a) escreveu:

Mais ou menos terminada ‘A alma boa de Se-Tsuan’. O material


apresentava muitas dificuldades, nos (cerca de) 10 anos decorridos desde
que comecei a mexer com ele dei várias largadas sem conseqüência [...]

Percebemos a busca pela perfeição na escrita de seus trabalhos quando Brecht analisando todo o
tempo em que trabalhara na peça ‘A alma boa de Se-Tsuan’ ainda se sente insatisfeito. Brecht
(2002a) registrou no dia 20 de junho de 1940:

Um império mundial desmoronou e outro foi abalado em suas fundações


desde que iniciei a versão final, finlandesa, de ‘A alma boa de Se-Tsuan’.
Comecei a peça em Berlim, trabalhei nela na Dinamarca e na Suécia. Me
deu mais trabalho do que qualquer outra peça [...] É uma peça que precisa
ser trabalhada com perfeição, e não está.

Ainda preocupado com a peça ‘A alma boa de Se-Tsuan’, na qual permanecia trabalhando, no
dia 30 de junho de 1940 Brecht (2002a) reclamou sobre as condições em que estava escrevendo.
Em várias passagens dos diários, Brecht mostra que era seu costume fazer a reescrita de suas
peças a partir da experimentação no palco. Seus atores encenavam o texto no palco e Brecht
corrigia fazendo as alterações que acreditava serem necessárias até estar perfeito. Mas naquele
momento, Brecht escrevia sem poder experimentar no palco o texto com seus atores e isso
dificultava a correção do seu trabalho.
46

É impossível terminar adequadamente uma peça sem um palco [...] Como


vou descobrir se, digamos, a 6ª cena de ‘A alma boa de Se-Tsuan’ resiste ou
não a súbita compreensão por parte de Li Gung da base social da maldade
de seu amigo?[...] Fora Mãe e Cabeças Redondas, tudo o que escrevi desde
Joana não foi testado

Muito rigoroso e preocupado com certas peculiaridades sobre o texto da peça ‘A alma boa de
Se-Tsuan’, no dia 2 de julho de 1940 Brecht (2002a) comentou:

Ainda estamos matutando no problema: pão e leite, ou arroz e chá para a


parábola de Se-Tsuan [...]

Decorrido quase uma década de trabalho com a escrita da peça e comentando o grande trabalho
de corrigir certos detalhes de ‘A alma boa de Se-Tsuan’, no dia 9 de agosto de 1940 Brecht
(2002a) escreveu:

Fazer pequenas correções na Alma boa está me custando tantas semanas


quanto foram os dias que levei a escrever as cenas

Outras peças também tiveram o trabalho de reescrita de Brecht. Durante o ano de 1920
encontramos Brecht (1995) a escrever e reescrever as peças “Baal” e “Tambores na noite”.
Conhecemos por intermédio do seu diário os períodos em que a escrita era um sofrimento para
ele, e outros momentos em que a escrita fluía facilmente.

No dia 15 de julho de 1920 Brecht (1995) afirma que o texto da peça teatral está terminado:

[...] já está pronta impressão de ‘Baal’, tenho todas as provas.

Pouco mais de um mês depois, no dia 19 de julho de 1920 Brecht (1995) revela estar
preocupado e insatisfeito com a peça ‘Baal’ que já terminara:

[...] até a metade da semana escrevi a ‘Balada sobre muitos navios’ [...]
depois um quarto ato para ‘Tambores na Noite’, ato de encerramento. Ainda
na manhã de sábado, recriei o quarto ato dessa vez de maneira bem
diferente daquela de ‘Baal’, que agora percebo que estraguei totalmente. Ele
47

se transformou em papel, acadêmico, chato, barbeado e com traje de banho,


etc. Em vez de ser mais terroso, menos hesitante, mais atrevido, mais
simples! [...]

Brecht (1995) expõe em seu diário o trabalho de retomada e reescrita do que acreditava ainda
não estar perfeito em suas obras. No dia 3 de agosto de 1920 ele escreveu:

[...] refiz o início do terceiro ato de ‘Tambores na noite’ [...] agora está tudo
pronto [...]

Mas como um perfeccionista, dias depois, revela ainda não estar satisfeito e retoma a escrita da
obra, em 23 de agosto de 1920 ele escreveu:

[...] estou ditando ‘Tambores na noite’. O terceiro ato está bom, fora alguns
detalhes. O quarto um bastardo, uma droga [...] (BRECHT, 1995)

Alguns dias depois, encontramos Brecht (1995) no dia 2 de setembro de 1920 ainda trabalhando
em ‘Tambores na noite’:

[...] continuo matutando [...] é terrivelmente difícil fazer uma ligação


generosa e simples desse quarto ato com os três primeiros [...]

Na escrita de outra peça ‘O círculo de giz caucasiano’, encontramos o trabalho de reescrever de


Brecht ao longo de vários meses morando e trabalhando nos Estados Unidos da América. No dia
10 de abril de 1944 Brecht (2002b) escreveu:

Trabalhando principalmente em ‘O círculo de giz caucasiano’. Interessante


quanta coisa é destruída quando você se vê espremido entre ‘encomenda’ e
‘arte’. Sem entusiasmo dramatizo nesse espaço vazio e incerto.

No dia 06 de junho de 1944 Brecht (2002b) afirmou ter concluído a escrita dessa peça, ele
anotou:
48

Acabei ontem ‘O círculo de giz caucasiano’ e o enviei a Luise Rainer

Mas já no dia 15 de junho de 1944 Brecht (2002b) se mostra insatisfeito com uma personagem
da peça e refletiu:

De repente não me sinto mais satisfeito com Grusha no ‘Círculo de giz


caucasiano’. Ela devia ser simples e se parecer com a louca Grete de
Brueghel, uma besta de carga.

No dia 08 de agosto de 1944 Brecht (2002b) afirma que está tendo muito trabalho na reescrita
da peça e escreveu:

A reelaboração da figura de Grusha levou três semanas, uma trabalheira e


tanto, já que a figura mais simpática de Katya na primeira versão é muito
mais eficaz pra cá [...]

Como um autor extremamente rigoroso com a qualidade de sua escrita no final de julho de
1926, Brecht (1995) refletiu sobre os motivos que o levaram a escrever algumas de suas obras
até aquele momento. Brecht se mostra muito exigente consigo mesmo, ele é demasiadamente
crítico em relação a sua obra.

Hesito muito em me dedicar à literatura. Até agora fiz tudo com a mão
esquerda. Eu escrevia quando algo me ocorria ou quando o tédio ficava
forte demais. ‘Baal’ surgiu para por a pique uma peça fraca e de sucesso
devido a uma concepção ridícula do gênio de um homem amoral.
‘Tambores’ para ganhar dinheiro (a idéia foi essa, mas não rendeu nenhum
dinheiro). Com ‘Selva’ eu quis retificar os ‘Ladrões’ (e provar que a luta é
impossível por causa da insuficiência da linguagem). E ‘Eduardo’ porque
que queria encenar a obra Marlowe e ele não era suficiente [...] os sonetos
de puro tédio [...] ‘Um homem é um homem’ só para o teatro, mas o teatro
não é nada quando não existe apetite [...]
49

Brecht buscava escrever uma obra de qualidade superior, ele desejava falar sobre assuntos
essenciais, mas de uma forma leve. Em 1927, Brecht (1995) escreveu ‘O Voo no Oceano’, e
registrou num fragmento a seguinte anotação:

Eu gostaria de fazer uma arte que abordasse as coisas mais profundas e


importantes e durassem mil anos: e que não fosse tão séria. (BRECHT,
1995, p. 152).

Ainda na década de 1930, Brecht analisou o percurso da sua obra até aquele momento e viu a
importância de seu legado. Avaliando a sua produção artística Brecht (1995) registrou em 1934:

Eu sou escritor de peças [...] desde os meus 21 anos comecei a ser


conhecido por minhas obras literárias e por muitos outros trabalhos
relacionados” [...] Também já tenho discípulos [...]

Em outubro de 1948, Brecht retornou a Alemanha. Ele rapidamente organizou um estúdio de


teatro num antigo hotel para ensaiar e montar espetáculos. Brecht inicia nesse momento uma
fase de intensa produção artística. No dia 12 de dezembro de 1948 Brecht (1979) escreveu:

[...] Langhoff e eu estamos trabalhando no projeto de um teatro-estúdio,


vinculado ao Teatro Alemão. Primeiro ano: contratação de grandes atores
emigrados [...] organização de um grupo próprio [...] elaboração de uma
maneira de atuar épica e um teatro infantil [...]

Em 1949, Brecht já estava apresentando espetáculos. Em Pentecostes desse mesmo ano Brecht
(1979) escreveu:

[...] Mãe Coragem segue representando no teatro Alemão, diante de salas


lotadas. Helli tem oficinas no ‘möwe’, temos um grupo formado.
50

Durante os anos de exílio em outros países da Europa, Brecht fez algumas viagens a trabalho,
pôde mostrar a sua obra e difundir suas idéias sobre a arte teatral. Brecht (2002a) escreveu em
23 de abril de 1939:

Viagem para Estocolmo. Vistos conseguidos pelo comitê social-democrata


sueco em troca de conferências no teatro dos estudantes de Estocolmo [...]

Brecht (2002a) participou dessa Conferência no teatro dos estudantes de Estocolmo e divulgou
suas opiniões e no dia 04 de maio de 1939 registrou:

[...] Teatro experimental. O trabalho parece bastante útil [...] eu trouxe para
‘dentro do negócio’ os elementos épicos extraídos prontos do teatro de Karl
Valentim, do circo ao ar livre e do parque de diversões de Augsburg.
Depois havia os filmes especialmente os mudos dos primeiros tempos, antes
que o cinema começasse a copiar do teatro a arte dramática [...] a
conferência [...] apresenta os experimentos como indutores reflexões,
fixadores de metas, etc. Constitui uma boa introdução ao ensaio ‘Nova
técnica de representar’. (BRECHT, 2002a)

O citado Karl Valentim era um famoso clown por quem Brecht tinha grande admiração desde
sua juventude quando o conhecera na Alemanha.

No período de exílio nos Estados Unidos da América, Brecht sofreu grande decepção com o
teatro americano, viu sua obra ser criticada, incompreendida e desprezada. Brecht encontrou
pouco ou nenhum espaço para sua obra na América. Durante o período de guerra em que ficara
de um país para outro, Brecht escreveu muito apesar da situação não oferecer as melhores
condições de trabalho, ele produziu diversas obras. Já no período vivido na América e com uma
situação melhor, Brecht (2002b) se sentiu muito desmotivado e em seu diário refletiu:

Nota-se como a situação da arte dramática é bem diferente aqui e na


Escandinávia. Lá os obstáculos eram todos nitidamente políticos, e isso não
impedia ninguém de escrever. Aqui são agravados pelos decorrentes de um
teatro totalmente comercializado [...]
51

Ainda sobre o teatro feito na América, no dia 01 de novembro de 1941 Brecht (2002b)
reclamou:

Em nenhuma outra parte é mais difícil escrever sobre teatro do que aqui,
onde tudo que eles têm é o naturalismo teatral

Algum tempo morando nos Estados Unidos da América, Brecht bastante deprimido e
decepcionado, no dia 21 de abril de 1942, Brecht (2002b) escreveu:

[...] Na verdade há muitas coisas desde junho de 41 com que não consegui
me entender direito, coisas como a perda de Grete, o novo meio em que
vivo. Até mesmo o clima ameno daqui. E depois o jogo de roleta com as
stories, os confrontos com os bem-sucedidos e os malsucedidos, a falta de
dinheiro. Como conseqüência de tudo isso pela primeira vez em 10 anos
não estou trabalhando a sério em coisa alguma [...]

Muito desapontado com as condições de trabalho que se apresentam a ele, no dia 11 de maio de
1942 Brecht (2002b) escreveu:

Revy, o ator, acha que a menção a uma criança esperada no desfecho de ‘A


alma boa de Se-Tsuan’ poderia dar ao final aquele elemento positivo
mínimo de que todos sentem falta [...] Peça nenhuma pode receber os
últimos retoques sem ser posta à prova numa produção [...]

Nesse momento narrado, vemos novamente a importância da experimentação no palco como


parte fundamental no desenvolvimento do texto teatral de Brecht. Refletindo sobre a produção
artística no sistema americano, no dia 26 de junho de 1942 Brecht (2002b) escreveu:
52

Parece que a story que estou escrevendo com Lang (os reféns de Praga) tem
uma chance. Lang leu-a para um produtor que ficou impressionado. Como
odeio essas pequenas ondas de calor que atacam todo mundo logo que o
dinheiro surge no horizonte (ganhar tempo para trabalhar, morar melhor,
lições de música para Steff, nenhuma necessidade mais de caridade)

Sempre trabalhando, Brecht analisa suas obras e propõem a escrita de outras. No dia 30 de
outubro de 1942 Brecht (2002b) escreveu:

Discuti com Feuchtwanger meu plano de uma peça, Santa Joana de Vitry
(As Vozes). Examinado vários projetos (‘As viagens do deus da fortuna’ e
‘Uma mulher morta com carinho’) [...]

Ainda sobre o seu ofício de escrever, Brecht se mostra extremamente decepcionado com
atitudes do chefe do estúdio para quem trabalhava, e com as relações de trabalho no sistema
americano. No dia 24 de novembro de 1942 Brecht (2002b) registrou em seu diário:

A maneira particularmente rude como Lang rompeu nosso acordo no


sentido de dar a Weigel o papel de uma verdureira em nosso filme [...]

Nos diários também encontramos a descrição de Brecht no período em que morou nos Estados
Unidos da América sobre sua rotina de trabalho no processo de escrita de suas peças. No dia 25
de novembro de 1942 Brecht (2002b) refletiu:

Trabalhando regularmente na peça sobre Joana D’arc, agora As visões de


Simone Marchard, das 11 às 2 na casa Feuchtwanger em Sunset

Ainda sobre a escrita da obra de Brecht, encontramos nos diários o relato de que durante os anos
de exílio e em todos os lugares onde morou, Brecht produziu muitos poemas. Ele manteve um
53

registro desses poemas para que pudesse publicá-los posteriormente. Morando nos Estados
Unidos da América, no dia 26 de setembro de 1943 Brecht (2002b) anotou:

“Estou compilando os poemas que escrevi aqui [...]”

No ano de 1944, Brecht se mostra ocupado com a escrita de outro projeto, agora para o teatro.
No dia 10 de dezembro Brecht (2002b) escreveu:

Agora trabalho sistematicamente com Laughton na tradução e versão para o


palco da Vida do Físico Galileu [...]

Ainda morando e trabalhando na América e mesmo sem ter certeza de que sua peça seria levada
a termo Brecht dedica-se ao trabalho de escrever. No dia 23 de janeiro de 1945 Brecht (2002b)
revelou:

Começo a ópera ‘As viagens do deus da fortuna’.

Em permanente busca pela escritura de outra obra, Brecht (2002b) registrou em anotações que
vão de junho a meados de julho:

[...] termino o primeiro esboço da ‘Duquesa de Amalfi’ com Bergner [...]

Trabalhando em roteiros cinematográficos em Los Angeles Brecht se mostra consciente das


oportunidades que suas peças teriam na sociedade americana. No dia 24 de março de 1947
lemos a seguinte anotação no diário de Brecht:

Terminado o roteiro de ‘O Capote’ de Gógol para Lorre. Nenhuma


perspectiva para ele Hollywood, penso na Suíça. Mandei ‘Os dois filhos’
para Dudow em Berlim. [...]
54

Depois de seis anos morando e trabalhando nos Estados Unidos da América e com muitas
decepções, finalmente ele começa o seu caminho de regresso a sua pátria, encontramos uma
anotação em que Brecht está à véspera da sua partida de volta a Europa. Infelizmente, essa volta
não seria diretamente para a sua querida Alemanha, mas sim para a Suíça. O retorno ao seu país
de origem ainda teria a espera de um ano morando no país vizinho até o seu regresso final. No
dia 05 de novembro de 1947 Brecht (2002b) escreveu:

Quarta-feira parto para Zurique de manhã [...]

Apesar de escrever e trabalhar muito, o que ocorreria ao longo de toda a vida, Brecht (1995, p.
146) no início da carreira reclama num fragmento escrito por volta de 1923 sobre as suas
dificuldades financeiras:

“[...] Não consigo mais pagar o meu sustento com minha renda. O aluguel é
alto demais e devora a renda mensal de minhas apresentações em Frankfurt
[...]

Durante toda a vida de trabalho artístico, a situação financeira de Brecht alteraria com períodos
de altos e baixos, mas isso nunca o impediu de escrever. Em 1925 analisando sua obra
produzida até aquele momento Brecht (1995, p. 150) deseja num fragmento:

[...] Não tenho a menor necessidade de que algum pensamento meu perdure.
Mas gostaria que tudo fosse devorado, transformado, consumido.

Destacamos ainda, outros registros interessantes encontrados nos diários de Brecht. Pensando
sobre o que faria se tivesse um teatro a sua disposição, no dia 01 de setembro de 1920 Brecht
(1995) explicou uma idéia sua que gostaria de por em prática durante a apresentação das suas
peças teatrais:

[...] quando eu tiver um teatro em minhas mãos, contratarei dois palhaços.


Eles entrarão em cena entre os atos e se apresentarão ao público. Trocarão
opiniões sobre a peça com a platéia. Farão apostas sobre o desfecho [...]
falarão sobre os heróis como se fossem pessoas comuns [...] sobre ‘Baal’ na
parte final: ‘ele está apaixonado pelo porcalhão’. Com isso, as coisas do
55

palco devem voltar a ser reais. Diabos, as coisas devem ser criticadas, a
ação, as palavras, os gestos, não a execução [...]

Em outra anotação de 1926 encontramos a seguinte reflexão de Brecht (1995)

Abandono a literatura no dia em que não puder buscar mais nada nela.

As reflexões acerca das obras registradas nos diários de Brecht nos permitem a aproximação
com a produção artística do autor. Podemos analisar, a partir dos fragmentos dos diários de
Bertolt Brecht, que o hábito da escrita o acompanhou durante quase toda a sua vida, até mesmo
em momentos de grande dificuldade o exercício da escrita não foi abandonado. Acompanhamos
a vida de Brecht, através dos registros feitos por ele, desvelamos o seu processo de criação ao
trabalhar em suas peças, conhecemos o hábito de reescrita e a busca pela perfeição no seu
trabalho de ‘escrevinhador de peças’. Enfim, aproximamo-nos das dores vividas pelo homem
por trás do grande autor.

Nesta parte do estudo compreendemos a colaboração do hábito de Brecht em escrever diários e


poderemos agora relacionar ao posterior desenvolvimento da proposta de escrita do protocolo,
que funciona como um instrumento da avaliação do processo vivido na criação da arte teatral
proposto por Koudela na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro.

A próxima parte da pesquisa nos permitirá relacionar a importância dada por Brecht a escrita e
concretizada no ano de 1930 no registro das discussões promovidas após a apresentação da peça
“Aquele que diz sim” na escola Karl Marx ao desenvolvimento da escrita do protocolo. O hábito
e a importância dada à escrita se apresentam no registro dos eventos ocorridos naquela
apresentação. Há ainda, o fato de Brecht guardar os diários e todos os seus escritos durante toda
a sua vida revelando a importância que o exercício da escrita tinha para ele.

Os diários de Brecht trazem os relatos e as reflexões sobre os momentos vividos pelo autor. Os
protocolos também registram os acontecimentos e as reflexões de seus autores que estão
envolvidos com a aprendizagem da linguagem teatral. Buscaremos compreender neste trabalho
as características próprias do protocolo e assim poderemos diferenciá-los de um diário íntimo
pessoal. Faremos agora um percurso histórico da origem da proposta da escrita do protocolo.
56

Primeiramente, no trabalho brechtiano e posteriormente percorreremos a trajetória do protocolo


em solo brasileiro com o trabalho da pesquisadora Ingrid Koudela. Finalmente, poderemos
compreender as transformações tomadas pelo protocolo na proposta metodológica de ensino-
aprendizagem do teatro utilizada por Koudela.

2.2 Protocolo - uma proposta brechtiana

O termo protocolo no trabalho de Bertolt Brecht aparece na pesquisa de Ingrid Koudela (2007,
p. 21) sobre a peça didática. Nesse trabalho de Koudela encontramos a primeira citação da
utilização da palavra ‘protokoll’ pelo ‘Escrevinhador de peças’. Em sua pesquisa, Koudela
afirma que Brecht tinha uma preocupação em ‘protocolar’ as reações das pessoas submetidas
aos experimentos das Peças Didáticas: ‘Aquele que diz sim’(Der Jasager)/ ‘Aquele que diz
não’(Der Neinsager). Para Koudela isso revela que as peças didáticas têm um caráter científico
de uma proposta programática.

A primeira apresentação da Peça Didática ‘Aquele que diz sim’, segundo Ewen (1991)
aconteceu em 23 de junho de 1930 no Instituto Central de Educação e Instrução de Berlim. A
proposta dessa encenação surgiu de uma versão feita de uma peça japonesa da escola de teatro
Nô traduzida por Elizabeth Hauptmann.

A história escrita por Zenchiku chamada ‘Taniko’, narra a peregrinação espiritual de um mestre
e de um garoto que resolve acompanhá-lo para orar pela recuperação da mãe enferma. A jornada
revela-se muito árdua e o garoto adoece. Segundo a tradição ele deve ser jogado no vale. O
garoto aceita o seu destino e os outros peregrinos cumprem o costume. (EWEN, 1991)

A partir da tradução, Brecht criou uma versão modificada da fábula, pois segundo Koudela
(2001) Brecht queria testar e pesquisar determinadas atitudes. Na peça didática de Brecht a
história é de um professor que faz uma expedição para uma pesquisa com outros professores
que estão além das montanhas. O garoto acompanha para obter remédios e salvar a mãe, mas cai
ao longo do caminho. O costume exige que ele seja questionado se consente ser deixado para
57

trás. O garoto consente, mas com medo de morrer sozinho pede para ser jogado no vale, e isso é
feito.

A apresentação da peça ‘Aquele que diz sim’ despertou muitas discussões, mas Koudela (2001)
destaca que Brecht ficou surpreso com a aceitação da peça, principalmente pela Igreja. Segundo
Ewen (1991), Brecht deu real importância aos comentários dos alunos da Escola Karl Marx de
Berlim. Para Brecht as críticas nos protocolos dos alunos foram incisivas e sagazes. Segundo
Ewen (1991) os alunos da Escola Karl Marx de Berlim fizeram perguntas relevantes buscando
saber o motivo dos companheiros do garoto não poderem salvá-lo, questionaram se a decisão
era mesmo necessária, queriam saber o motivo do grupo não voltar levando o garoto e se a
vantagem da expedição era maior que o sacrifício do garoto, dentre outras questões.

Koudela (2001) destaca ter sido positivo o resultado da discussão a cerca da apresentação da
peça didática ‘Aquele que diz sim’ na Escola Karl Marx, pois os alunos não mostraram estar de
acordo com o que estava errado.

Os protocolos feitos pelos alunos da Escola Karl Marx sobre os experimentos ocorridos em
1930 foram registrados, mas somente em 1959 foram publicados como ‘protokoll’ no ‘Caderno
4’ dos Versuche. Em seu trabalho Koudela (2001, p. 89) afirma que “No ‘Caderno 4’ [...] foram
registrados excertos de discussões, a partir desta primeira versão de ‘Aquele que diz sim’ na
Escola Karl Marx, em Neuköln [...]”.

Posteriormente, Brecht retomou a peça didática ‘Aquele que diz sim’ e apresentou uma segunda
versão. Brecht ainda escreveu uma versão onde o garoto passa a dizer não ao costume, assim
temos ‘Aquele que diz não’. Na nova história, o garoto quando questionado se consente em ser
deixado para trás argumenta que não vê sentido no costume antigo e que era necessário um novo
costume. O costume de repensar a cada nova situação. O grupo da expedição fica convencido e
leva o garoto de volta à vila estabelecendo um novo costume.

Koudela (2001) ainda lembra que Brecht determinava que essas duas peças fossem apresentadas
em conjunto. Para Brecht as Óperas Musicais ‘Aquele que diz sim’ e ‘Aquele que diz não’ eram
destinadas a escola e o texto podia ser modificado, transformando o espectador em autor e
atuante.

Assim, no episódio da peça ‘Aqueles que diz sim’ encontramos o primeiro registro da palavra
protocolo utilizada por Brecht na relação da escrita com a produção teatral.
58

2.3 A origem do protocolo

Ingrid Koudela, profunda pesquisadora da obra de Bertolt Brecht, nos revela o seu primeiro
contato com a proposta de escrever o ‘protokoll’ no artigo intitulado ‘Um Protocolo dos
Protocolos’ no livro ‘Brecht na pós-modernidade’(2001). Foi na década de 1980, durante um
seminário na Universidade de Hannover, Alemanha, que a pesquisadora exercitou a prática da
escrita do protocolo através da proposta do Professor Dr. Florian Vassem, estudioso da obra de
Brecht.

Ingrid conta que nas aulas teóricas de estudo sobre a peça ‘Galileu Galilei’ de Bertolt Brecht, o
Profº Vassem solicitava a um estudante, ou uma dupla, ou até mesmo em trio, que escrevessem
um texto, o protocolo, que recuperasse o que fora tratado no encontro anterior. Então, o
protocolo era fotocopiado para todos os estudantes e lido por um aluno em voz alta na aula
seguinte enquanto todos acompanhavam a leitura com suas próprias cópias em mãos. Finda a
leitura, Ingrid explica que se seguia um momento onde todos podiam comentar o que fora
relatado no protocolo. Ingrid acrescenta ainda que os estudantes tinham grande prazer em
discutir o conteúdo dos temas levantados pelo protocolo a cada encontro. Essa foi a primeira
experiência de Koudela com a prática de escrita do protocolo.

No ano de 1988, Ingrid Koudela já desenvolvia no Curso de licenciatura em Artes Cênicas da


Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo a sua pesquisa na
experimentação da junção dos jogos teatrais com a peça didática de Bertolt Brecht. Segundo
Santiago (KOUDELA, 1992) a pesquisa na área de Teatro-Educação era desenvolvida com o
objetivo de contribuir com a sistematização da proposta que buscava no binômio ensinar-
aprender a experiência estética do teatro. Nessa época Ingrid Koudela sob a orientação do Profº
Jacó Guinsburg desenvolvia sua pesquisa sobre a Peça Didática de Brecht aprofundando o
estudo das possibilidades do trabalho iniciado pelo Profº Reiner Steinweg.

Em 1989, o Profº Steinweg coordenava as oficinas no Curso de Pós-Graduação em Artes na


Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e era um pesquisador que
buscara reconstruir a teoria das Peças Didáticas de Bertolt Brecht. O Profº Steinweg
(KOUDELA, 1992) sugeriu num artigo intitulado ‘Indicadores de um caminho pela Baalinésia:
59

por um teatro associal’ publicado em 1992, que se devia ao final de cada etapa de uma oficina
fazer uma reflexão/avaliação. Steinweg propunha a solicitação da escrita aos participantes da
oficina, e explicava que o indivíduo no exercício da escrita poderia refletir com maior precisão e
detalhe sobre a experiência. Steinweg determinava, ainda, que a escrita deveria ser explícita e
acessível a todos os participantes.

O registro mais antigo da proposta de escrita do protocolo encontrado nesta pesquisa foi em
1990 em que Ingrid Koudela solicitou essa escrita aos seus alunos dos Cursos de licenciatura e
Especialização em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo. Socorro Santiago era aluna no curso de Especialização na época e escreveu um artigo “O
Protocolo: instrumento de trabalho de Bertolt Brecht, um recurso metodológico” (KOUDELA,
1992) em que busca registrar a experimentação do jogo teatral com a peça didática no processo
de criação que resultou na encenação ‘Voo’. Santiago apresenta em seu artigo fragmentos como
exemplos de protocolos escritos durante o curso na ECA/USP. No dia 28 de junho de 1990 com
o Protocolo Nº 1, Santiago busca definir o que seria o protocolo:

[...] é uma reflexão sobre a aula anterior. / Tem ligação com Brecht./ É um
registro do processo. / É um material de documentação importante.

Santiago ainda destaca o protocolo nº 9 da mesma turma de Especialização em Artes Cênicas da


ECA/USP em 1990, o protocolo de Fernando Teixeira em forma de poesia sobre o encontro
anterior:

[...]
A aula teve início
Com todos deitados no chão
E com os olhos bem fechados
Ficando-se na escuridão
Se ouvia Cybele e entendendo
Que mesmo não estando vendo
usássemos a imaginação

[...]

E assim com o corpo esticado


Sentindo as partes tocando
Completamente no chão
60

Ele foi se acomodando


Ficando quieto um momento
Foi criando movimento
Até ir-se levantando

Depois de todos em pé
Cada qual num segmento
Era o olhar que determinava
Qual seria o movimento
E a câmara sendo o olhar
Aos gestos obturar
Pra não cair no esquecimento.

Afastando-se cada um
Isolava-se em seu lugar
E numa auto-observação
Todos foram procurar
As partes que dificilmente
Se olha ou mesmo sente
Tais como: sola do pé calcanhar...

[...]
O estudo assim se encerra
Onde tudo começou
Voltam todos pro lugar
Onde o exercício iniciou
Cada qual toma seu canto
E como num encanto
O que era sonho acabou.

Nos protocolos dos alunos do curso de Especialização da Escola de Comunicações e Artes da


Universidade de São Paulo destacados no livro ‘Um voo brechtiano’, Koudela apresenta um
novo elemento e que viria a marcar indelevelmente o protocolo, a dimensão prática.

No protocolo poesia do aluno Fernando Teixeira, destacamos os seguintes fragmentos:

[...] E assim com o corpo esticado/ Sentindo as partes


tocando/Completamente no chão/ [...] Era o olhar que determinava/ Qual
seria o movimento / E a câmara sendo o olhar / Aos gestos obturar / Pra não
cair no esquecimento. [...] As partes que dificilmente / Se olha ou mesmo
sente / Tais como: sola do pé calcanhar... [...]
61

No protocolo do Fernando Teixeira encontramos a descrição da experiência física, a sua


sensorialidade fora estimulada e isso imprimiu em sua vivência sensações que promoveram a
reflexão sobre o tema trazido pelo encontro vivido na arte teatral.

A proposta de escrita do ‘protokoll’ experienciada por Koudela com o Profº Vassem na


Alemanha era a partir de um estudo teórico. Modificando essa proposta inicial, Koudela (1999)
relacionou a peça didática ao processo de ensino com os jogos teatrais. Como afirma Japiassu
(2001, p. 62) “a prática sistemática da confecção de protocolos das sessões de trabalho com
jogos teatrais no Brasil foi inaugurada por Ingrid Koudela.” A escrita do ‘protokoll’ passou a
receber a contribuição da experiência sensório-corporal vivenciada na prática do jogo. O
‘protokoll’ que tinha apenas uma dimensão teórica passou a ter uma dimensão teórico-prática na
proposta de protocolo de Koudela. A pesquisadora não abandona a necessidade de estudos
teóricos, mas os relaciona a possibilidade de vivências físicas com o jogo no processo de
ensino-aprendizagem da linguagem teatral.

Para Koudela, (1999) o processo de conhecimento físico substitui a abordagem intelectual ou


psicológica. O gesto, tão importante no teatro, pode ser experimentado fisicamente no jogo, o
que promove a conquista gradativa da expressão física e impulsiona o processo de
conhecimento. A relação do texto da peça didática com a metodologia do jogo teatral permite
que a realidade adquira textura e substância.

Koudela (1999, p. 119) afirma que “a tematização do modelo de ação se dá através do jogo
teatral e da avaliação reflexiva. A interação no jogo leva a uma multiplicidade de imagens e
associações, que são experimentadas corporalmente, através da linguagem gestual”.

Koudela ressalta a colaboração da reflexão no processo de ensino-aprendizagem. Essa reflexão


do processo vivido pode ser registrada na escrita do protocolo após cada encontro em que a
prática do jogo teatral na sua relação com o texto é experienciada. Spolin (2003), explica que
experienciar é penetrar no ambiente, é envolver-se total e organicamente com ele. Isto significa
envolvimento em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo. O protocolo depois de escrito é
lido para o grupo que pode discutir e refletir sobre o momento vivido na aprendizagem da
linguagem teatral. A pesquisadora destaca ainda que:

O protocolo revelou-se como um instrumento de avaliação radicalmente


democrático. Na documentação do trabalho, é possível identificar que o
protocolo instrui os momentos do processo e muitas vezes propulsiona a
investigação coletiva. A síntese da aprendizagem, concretizada através do
62

protocolo, tem também a importante função de aquecer o grupo, promover o


encontro e auxiliar na delimitação do foco da investigação (KOUDELA,
1999, p. 56)

Koudela estabeleceu para o protocolo a proposta de um novo formato, no qual o protocolo é


compreendido como uma escrita que recupera os eventos vividos no encontro anterior de um
grupo envolvido com a arte teatral, mas essa escrita pode ser criativa, ela pode trazer ideias que
funcionam como uma mola propulsora no processo de criação.

Em sua pesquisa de mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Lúcia


Lombardi (2005, p. 110) afirma que “os protocolos nasceram da abordagem brasileira do jogo
teatral, unindo o Protokoll de Brecht, à identificação de Koudela com a pedagogia freireana”.
Lombardi ressalta que Koudela relacionara o seu modelo de avaliação ao relatório bimestral
escrito em 1978 por Madalena Freire sobre um trabalho que desenvolvia numa pré-escola em
São Paulo. Koudela (2001, p. 88) garante:

Identifiquei na pedagogia freireana o paradigma para uma busca do


conhecimento em que a autoridade intelectual e moral é substituída pela
interação e investigação. Não é possível falar em avaliação sem considerar a
postura educacional que lhe imprime significado. Não é possível falar de
um instrumento de avaliação, como é o protocolo, sem considerar questões
de ordem metodológica que lhe dão sentido e forma. Ao focar o protocolo
como objeto ora em discussão, é preciso considerar ainda a
interdisciplinaridade de uma atividade de uma atividade que busca
correspondência entre teatro e educação.

Vemos aqui que Koudela revela sua identificação com o pensar de Madalena Freire e que ela
passa a usar as propostas freireanas em seu trabalho. Lombardi (2005) afirma que o protocolo é
uma síntese da aprendizagem materializada na escrita, ressalta ainda que o protocolo que é um
instrumento de reflexão e avaliação, e uma reflexão-na-ação.

O protocolo tem a função de promover a avaliação reflexiva individual no momento da escrita e


coletiva no momento do debate. O protocolo é uma escrita marcada pela experiência prática
vivida na relação sensório-corporal do jogo teatral com o texto que funciona como modelo de
ação.

Compreenderemos agora, a colaboração do jogo teatral na escrita do protocolo.


63

2.4 O jogo teatral e o protocolo

O Sistema de Jogos Teatrais desenvolvido por Viola Spolin presente no livro ‘Improvisação
para o Teatro’ foi publicado pela primeira vez nos Estados Unidos da América em 1963. No
Brasil foi traduzido por Ingrid Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos e publicado
em 1979.

Várias experimentações práticas com o Sistema de Jogos Teatrais ocorreram nos anos de 1978-
79 conduzidos por Koudela. O Grupo Foco foi formado, além de Koudela por outros
pesquisadores e posteriormente integrados à Cooperativa Paulista de Teatro no desenvolvimento
de oficinas com os jogos. Ingrid Koudela deu prosseguimento a essas oficinas com o Sistema de
Jogos Teatrais nos anos 1981-82 com a Associação Paulista de Teatro para a Infância e
Juventude. Em 1982 Ingrid Koudela defendeu sua dissertação de mestrado ‘Jogos Teatrais, um
processo de criação’ na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Koudela (2006) destaca que o objetivo do sistema de atuação por meio dos jogos é a
transmissão de uma proposta em que todos os que desejarem se expressar através do teatro
possam fazê-lo: sendo profissionais, amadores ou mesmo crianças.

Ingrid Koudela, em sua pesquisa de doutoramento, fez a junção dos textos das peças Didáticas
de Bertolt Brecht com o Sistema de Jogos Teatrais proposto por Viola Spolin. Essa junção
trouxe a dimensão prática para o trabalho com o texto. A experiência sensório-corporal
enriqueceu a vivência dos textos de Brecht. Segundo Spolin (2003) o processo de atuação no
teatro deve ser baseado na participação em jogos, pois, o participante teria a possibilidade de
desenvolver liberdade apesar do limite das regras estabelecidas na relação do jogo. Os jogos
teatrais são sociais e baseados em problemas a serem solucionados.

Na proposta de junção do texto com o jogo teatral, Koudela (2006), afirma que é o orientador de
um grupo que deve selecionar de acordo com a necessidade, o jogo mais adequado. A
pesquisadora destaca que para cada necessidade há um jogo específico que pode colaborar no
desenvolvimento das habilidades exigidas. E há ainda, a possibilidade de utilizar uma
determinada sequência de jogos ou usar os jogos de forma estanque.
64

O Sistema de Jogos Teatrais propõe uma aprendizagem não-verbal, segundo Koudela (2006) é
por meio da solução de problemas que o aprendiz conquista o conhecimento da matéria e da
experimentação direta dos jogos e adquire liberdade. O foco é ao mesmo tempo um catalisador
para o jogo e uma forma de criar unidade orgânica na improvisação. O processo de jogos
teatrais visa à efetivação da passagem do jogo dramático para a realidade objetiva do placo.

Desde sua publicação o Sistema de Jogos Teatrais tem sido amplamente divulgado e utilizado
no Brasil. A proposta da escrita do protocolo não é dependente do uso dos jogos teatrais, mas é
bastante comum a utilização do protocolo no trabalho com os jogos. Ingrid Koudela se valeu do
protocolo para registrar as suas propostas com os jogos teatrais em encenações, oficinas,
experimentos e aulas em diversas instâncias.

O protocolo como uma escrita sobre eventos vividos num grupo da esfera teatral recebeu a
marca do conhecimento construído por meio dos Jogos Teatrais. Na escrita do protocolo
encontra-se a descrição dos jogos e as descobertas feitas na avaliação da vivência sensório-
corporal experimentada. Veremos agora, em alguns fragmentos de protocolos destacados a
reflexão promovida pela aprendizagem do jogo. Todos os protocolos selecionados e citados,
aqui nesta pesquisa, foram escritos pelos alunos da pesquisadora Ingrid Koudela, ao longo de
mais de 30 anos, durante processos de criação de diversas montagens ou cursos, em que ela
aplicou a metodologia de ensino-aprendizagem com o uso do instrumento protocolo.

No processo de criação da encenação ‘Chamas na Penugem’ do curso de Teatro da


Universidade de Sorocaba, em que Koudela utilizou o protocolo, vemos a citação dos jogos
teatrais do Sistema de Spolin na prática do grupo. A aluna Edilaine Faria escreveu no dia 26 de
fevereiro de 2008:

[...] jogos... que foram propostos como Siga o Seguidor e o Espelho,


evidenciaram a busca individual e ao mesmo tempo coletiva das duplas de
se integrarem com o parceiro, através de movimentos leves, sutis, que
nasciam lentamente e se entrelaçavam. [...] Tudo pode se resumir ou se
completar a um processo de integração orgânica dos atuantes de se entregar
ao jogo. [...]
65

Figura 3 - Os alunos Ricardo Devito e Jane Kastorsky no jogo do espelho na improvisação


da cena teatral ‘Chamas na Penugem’

A aluna Edilaine afirma que houve grande entrega aos jogos por parte dos alunos, que a sua
utilização promoveu integração e tornou os movimentos dos jogadores orgânicos. Edilaine pôde
refletir em seu protocolo sobre a prática do jogo teatral e também o processo de criação da
encenação. Posteriormente, Edilaine ainda discutiu com todo o grupo a sua análise do processo
vivido no debate na Roda do Grande Protocolo.

Na encenação ‘Chamas na Penugem’, do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba,


Koudela propôs o Jogo Teatral ‘Blablação’ para resolver um problema surgido no grupo e a
aluna Jane Kastorsky no dia 26 de março de 2008 escreveu:

Como Ingrid sentiu que o grupo, no geral, apresentava muita dificuldade


com a blablação, propôs a jogo do ‘Tradutor – intérprete’, isso utilizando os
sete vícios. Então, em alguns momentos tínhamos pessoas de três vícios
diferentes conversando em blablação. Foi um exercício interessante que nos
auxiliará muito em nosso trabalho de criação.
66

A escrita do protocolo fazendo a análise da proposta de um determinado jogo aplicado por


Koudela permitiu a aluna Jane refletir sobre a colaboração desse jogo na solução de um
problema durante a criação de uma encenação. Jane compreendeu que é o orientador do grupo
que deve selecionar, de acordo com a necessidade surgida no processo, o jogo teatral que
colaborará com a aprendizagem da linguagem teatral. Essa rica experiência foi ainda
compartilhada com os colegas de grupo promovendo um amadurecimento de todos os
envolvidos no processo de montagem.

Na encenação ‘Chamas na Penugem’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba, Koudela


propôs o jogo teatral ‘Siga o Seguidor’ para desenvolver a criação dos seres elementais que
eram personagens da gravura de Peter Brueghel que servia de modelo de ação para o processo
de criação da montagem, a aluna Paola Bertolini escreveu no dia 01 de abril de 2008:

O siga o seguidor propunha movimentos parecidos e contínuos. [...] havia


certa identidade corpórea [...] naqueles movimentos que se transformava ao
fazer o Elemental. O meu corpo ao receber, a princípio, se tornava
mecânico e mesmo havendo partituras que foram criadas na aula passada, o
movimento tanto o meu quanto o dela foi passando do mecânico para o
orgânico, natural [...]

Figura 4 - As alunas Bia Belde e Paola Bertolini no jogo ‘Siga o Seguidor’


67

Em seu protocolo a aluna Paola refletiu sobre a sua relação com a parceira de jogo na criação
dos gestos da encenação. Paola afirmou ainda que continuara os movimentos criados no
encontro anterior, o registro no protocolo permitiu a recuperação dos gestos experimentados
anteriormente e um progresso nas descobertas feitas. O protocolo funcionou como propulsor no
processo de criação, pois permitiu a recuperação e proporcionou o avanço na aprendizagem da
linguagem teatral.

A colaboração do jogo teatral na experiência do aluno fica evidente na reflexão promovida pela
escrita do protocolo da aluna Ana Érica Soares da encenação ‘A Ferida Woyzeck’ do curso de
Teatro da Universidade de Sorocaba que anotou no dia 17 de fevereiro de 2009:

O estado de jogo nos deixa apto a receber melhor as coisas ao nosso redor.
Estado de alerta, e abertos a novas possibilidades de jogo. [...] Acho que se
continuarmos investindo nesse lado participativo temos muito a crescer
como jogadores e atores.

A aluna Ana Érica teve a experiência sensório-corporal na execução do jogo teatral e


compreendeu as mudanças ocorridas em seu próprio corpo, e ainda, a colaboração dos jogos na
escrita do protocolo que propiciou a ela a reflexão sobre a experiência vivida. A aluna afirmou
que estava em estado de alerta e aberta para a aprendizagem da linguagem teatral.

A aluna Fernanda Souza no dia 11 de fevereiro de 2009 da encenação ‘A Ferida Woyzeck’ do


curso de Teatro da Universidade de Sorocaba escreveu em seu protocolo:
68

A aluna Fernanda reflete em seu protocolo sobre a experiência sensório-motor ocorrido no


grupo e sobre a aprendizagem com o jogo. Fernanda assegura que no jogo realizado em dupla
não havia um condutor, mas sim uma interação entre os jogadores, que a solução estava no
contato com o parceiro de jogo. A aluna compreendeu a autonomia criada por cada aprendiz na
proposta do Sistema de Spolin. Fernanda, ainda pôde compartilhar com o grupo suas
descobertas. As reflexões presentes na escrita do protocolo permitiram o amadurecimento na
aprendizagem da linguagem teatral.

O aluno Ramon Ayres no dia 11 de março de 2008 da encenação ‘Chamas na Penugem’ do


curso de Teatro da Universidade de Sorocaba escreveu em seu protocolo:

Lemos os protocolos, foram muito interessantes os levantamentos sobre os


conceitos dos jogos, conseguimos identificar os problemas surgidos no
69

foco. Falamos também dos conceitos do quem e onde, que apareciam nas
improvisações, falamos também que muitas vezes foram utilizados como
quem a infantilidade do grotesco já discutido em aulas anteriores. [...] A
discussão foi muito importante para o processo ensino-aprendizagem dos
alunos, colaborando para que a montagem não seja apenas um espetáculo
para ser apresentado, mas também para ser usado como embasamento
teórico [...]

O aluno Ramon compreende a importância do protocolo na sua formação, pois ele percebeu que
não está apenas montando um espetáculo obrigatório no curso de sua graduação, mas ele
percebe que há uma proposta metodológica na construção do conhecimento e que o protocolo
colabora para a aprendizagem da linguagem teatral que relaciona teoria e prática.

O fragmento do protocolo do pesquisador Adalberto Pinheiro do curso ‘Teoria e Prática da Peça


Didática de Bertolt Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo registrou no dia 14 de setembro de 2011 a sua experiência com o
jogo teatral:

[...] Peixes grandes comem peixes pequenos – IMPROVISAÇÃO DO


TEATRO PARA O TEATRO, criamos um “apertadinho” e observamos,
descrevemos, demos zoom, minimizamos, maximizamos nossas alegorias
por meio do pensamento.
Ingrid: - Vamos para prática, que deixamos de fazer aula passada!
Caminhada no espaço, andar, caminhar, tropeçar, acelerar… tentamos
novos caminhos por meio de várias sensações aguçadas pelos pés. Nossaaa,
pensar com os pés, emocionar-se com eles… ter a vida facilitada por nossas
próprias ações. [...]

O pesquisador Adalberto registrou em seu protocolo a sua relação com os primeiros jogos
orientados por Koudela. Ele, também, cita a gravura ‘Peixes grandes comem peixes pequenos’
obra de Peter Brueghel que fora lida no encontro anterior e com a qual jogara na criação da cena
teatral. O pesquisador demonstra compreender a colaboração da experiência sensório-corporal
promovida pelo jogo teatral. Ele reflete em seu protocolo a experiência prática vivida.

Os protocolos destacados registram a experiência com os jogos e permitem o exercício da


reflexão posterior aos momentos vividos. Os alunos lembram as regras dos jogos, analisam a
execução no grupo e compreendem a colaboração dos jogos no processo de construção da cena
teatral e da própria formação.
70

No jogo teatral é o gesto que cria a realidade dos objetos e situações. O jogo torna manifesto o
gesto espontâneo para só posteriormente promover a decodificação do significado. Tornar
consciente o significado pode estabelecer a comunicação com a plateia. Os protocolos registram
as experiências corporais vividas na prática do jogo teatral e permitem a reflexão posterior
individual e coletiva que promove o avanço no processo de aprendizagem da linguagem teatral.

Compreenderemos agora a fundamentação do Sistema de Jogos Teatrais de Viola Spolin que


explica a avaliação e a sua relação com o protocolo.

2.5 Avaliação, jogo teatral e protocolo

A avaliação é uma parte importante do Sistema dos Jogos Teatrais, é o momento em que
jogador e plateia conversam sobre o que realmente foi comunicado na prática do jogo. Segundo
Spolin (2003), a avaliação deve ocorrer ao final de cada momento em que a solução do
problema de atuação acontece, e ainda, que o exercício da avaliação pode terminar com a
reticência de alguns alunos no momento de expressar seus comentários.

Koudela (2008) afirma que a avaliação no jogo teatral não deve ser um julgamento ou uma
crítica. A avaliação deve nascer do foco e visar o seu restabelecimento, pois quando o jogador
trabalha no foco do jogo, toda a plateia compartilha e discute o jogo durante a avaliação.
Koudela ressalta que nenhum jogador será ridicularizado, menosprezado ou manipulado se as
perguntas da avaliação forem baseadas no problema (foco). Koudela assegura ainda, que a
confiança nos parceiros de jogo crescerá e formará uma parceria onde todos serão livres para
assumir a própria responsabilidade ao praticar o jogo.

O professor não deve assumir para si o momento da avaliação, para Spolin (2003), ele deve
fazer parte da plateia juntamente com os alunos. A avaliação deve ser um momento de
compartilhar promovendo nos alunos que estão na plateia a passagem de observadores passivos
a participantes ativos do problema.

Sobre a avaliação, Spolin (2010) lembra ao diretor de um grupo teatral que


71

Ao transcender a crítica (opinião pessoal) e ao avaliar com base no que


funciona e no que não funciona, você descobrirá sua nova função como guia
e poderá levar o grupo até o espetáculo, pois as necessidades do teatro são o
verdadeiro mestre. (p. 24)

Em sua prática com os jogos teatrais, a pesquisadora Ingrid Koudela passou a compreender o
momento da avaliação como uma situação em que pode ocorrer um avanço no processo de
aprendizagem da linguagem teatral. Koudela (2008) afirma que

As propostas de avaliação do coordenador de jogo deixam de ser


retrospectivas (o que o aluno é capaz de realizar por si só) para se
transformarem em prospectivas (o que o aluno poderá vir a ser). A
avaliação passa a ser propulsora do processo de aprendizagem. (p. 25)

A compreensão de Koudela de que a avaliação é uma prospectiva propõem uma alteração na


concepção, pois a pesquisadora passa a entender a avaliação como parte do progresso do aluno
na aprendizagem e também no exercício da criação da cena teatral. O momento da avaliação não
apenas olha para trás, mas é capaz de lançar para o futuro, pois é a partir do momento da
conversa em que ocorre a consciência do vivido que o aluno pode avançar na aquisição da
linguagem teatral.

Em seu livro ‘Jogos Teatrais’, Koudela (2006) relata que as suas primeiras experiências
realizadas com crianças e adolescentes na utilização do Sistema dos Jogos Teatrais de Viola
Spolin ocorreram nos meses de outubro e novembro em 1978. O curso ocorreu no Teatro Studio
São Pedro na cidade de São Paulo patrocinado pela Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia.

Nos referidos cursos, o momento da avaliação ocorreu de forma que as crianças responderam as
perguntas e os pesquisadores puderam constatar que o grupo sustentara o foco das atividades. O
mesmo ocorreu no grupo de adolescentes, até que houve uma surpresa no 10º encontro. Os
adolescentes solicitaram uma avaliação do processo aos pesquisadores, eles queriam
compreender o que se pretendia com aquele curso.

Então, os orientadores pediram aos adolescentes um depoimento individual por escrito


respondendo a duas questões. No encontro seguinte, houve um amplo debate envolvendo o
72

questionamento dos adolescentes. Koudela (2006, p. 79) afirma que o fato do grupo ter
questionado clarificou que “havia continuidade entre as percepções alcançadas nos encontros e a
realidade de cada participante.”

A escrita no processo de avaliação não está prevista no Sistema de Jogos Teatrais de Viola
Spolin, foi uma alteração feita pelos pesquisadores no decorrer do curso, a necessidade de
trabalhar com uma reflexão individual posterior ao momento vivido exigiu uma solução
diferenciada.

Percebemos a presença da escrita, mesmo que de forma fortuita, logo no início das
experimentações com Sistema de Jogos Teatrais pela pesquisadora Koudela. Veremos ao longo
do tempo a proposta do exercício da escrita ganhar espaço e força no trabalho da pesquisadora.
Compreenderemos agora o conceito da fisicalização e sua colaboração na escrita do protocolo.

2.6 A fisicalização no jogo teatral

No jogo teatral o aluno executa fisicamente as propostas, é no corpo que as ações se


concretizam, e elas são vividas e praticadas por meio das brincadeiras que tem regras claras e
estabelecidas. Para Spolin (2003) a realidade é conhecida, pois o mundo físico é capturado e
expresso pelo artista que comunica sua intenção para a plateia através do seu corpo. O artista
captura e expressa o mundo físico e comunica para a plateia por meio da linguagem física no
palco. O ator empresta-se a esse trabalho e a expressão física cria a realidade.

O termo fisicalização se refere ao nível físico em que o material é apresentado na cena. É a


experiência pessoal concreta que permite a fisicalização e dela depende o desenvolvimento
posterior do aluno, pois cria um vocabulário de trabalho necessário e objetivo.

É a contribuição da fisicalização no jogo teatral que ocorre a promoção da experimentação no


plano sensório-corporal e há o enriquecimento da escrita do protocolo com a vivência prática do
aluno. É pelo exercício da escrita que o aluno reflete sobre a experiência do plano físico e
depois pode debater com o grupo com o qual compartilhou a experiência prática, permitindo a
ele avançar coletivamente em sua compreensão do processo vivido.
73

No protocolo que registrou o processo da encenação ‘A Ferida Woyzeck’ do curso de Teatro da


Universidade de Sorocaba onde Koudela propôs um jogo teatral para trabalhar o gesto e o
‘mostrar’, a aluna Natália Gregório escreveu no dia 27 de abril de 2009:

[...] Construímos uma imagem corporal, com ‘Onde’, ‘Quem’ e o ‘O quê’ e


mostramos para a sala, como tableau vivant (quadro vivo). [...] Nesse jogo
com provérbios surgiram várias imagens corporais. [...] O gesto resume e
faz uma síntese do momento. Observamos todos os grupos e foi proposto
que imitássemos um gesto do outro grupo que nos marcou. [...] Nasceram
vários gestos, mas na reconstrução do gesto do outro aparece o gesto
significativo, o gesto social para Brecht. ‘O gesto diz mais que palavras’
disse Ingrid Koudela [...]

Figura 5 - Os alunos na fisicalização do modelo de ação: provérbio

No processo de fisicalização da cena, a aluna Natália experimentou a criação de gestos


significativos na vivência com o modelo de ação de um provérbio proposto pela professora, essa
experiência a levou a uma posterior reflexão sobre a concretização da ação e na criação de um
74

vocabulário gestual necessário ao trabalho do ator. A aluna refletiu ao escrever seu protocolo e
debater o assunto com o grupo na Roda do Grande Protocolo.

Buscando trabalhar com o plano físico e possibilitar a experiência sensório-corporal no processo


de criação da encenação ‘A Ferida Woyzeck’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba,
Koudela propôs o jogo da ‘Troca dos Quem’ e a aluna Giovana Lourenzetti refletiu na escrita do
seu protocolo do dia 18 de fevereiro de 2009:

[...] Depois o Carlinhos e o Fábio jogaram e conseguiram montar imagens


muito rapidamente. De uma cena de fé e devoção evoluíram para matar um
pássaro, depois um funeral, depois Cachorros, galinhas, sambistas, uma
situação de assalto, um ônibus circular e um videogame humano. O jogo
atinge sua naturalidade quando não hesitamos em deixar vir à tona as
imagens [...]

A reflexão da aluna Giovana demonstra a sua compreensão do processo vivido na fisicalização


da cena teatral. Os alunos Carlos e Fábio tornaram concretos os gestos para a plateia através da
ação física criada no jogo. A junção da reflexão com a prática na escrita do protocolo permitiu o
entendimento da proposta metodológica utilizada por Koudela.

Na encenação ‘Chamas na Penugem’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba a aluna


Alessandra Costa refletiu sobre o processo de fisicalização do gesto lido no quadro de Peter
Brueghel trabalhado na montagem e escreveu no dia 01 de abril de 2008:

Ator, compositor construindo seu próprio gesto, identificando uma reação


física que pretende explicar mais uma construção de uma partitura se
fechando na leitura dos quadros [...]

A partir da experiência da leitura de imagem do quadro de Brueghel a aluna Alessandra refletiu


em seu protocolo e no posterior debate sobre o ator compositor e a criação da partitura dos
gestos na experiência da fisicalização. Essa reflexão permitiu a aluna um avanço na
aprendizagem da linguagem teatral.
75

A proposta de Koudela para a sonoplastia da encenação “Chamas na Penugem’ era trabalhar


com a percussão corporal. Devido a essa proposta ocorreu uma oficina com o ator e músico
Maurício Maas do Grupo Barbatuques. A partir da experiência vivida na oficina a aluna
Alessandra Costa do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba no dia 07 de abril de 2008
escreveu:

Um novo processo para montagem a partir da utilização do corpo como


meio de sensibilização para o processo ensino e aprendizagem. A música
passa a ser um estímulo [...] a improvisação utiliza, explora o movimento
corporal, a imaginação e a criatividade, a consciência de espaço e tempo, a
flexibilidade e agilidade, a coordenação motora, a expressão corporal [...]
Uma tomada de consciência corporal [...] a percussão corporal, explorar
todos os sons possíveis de se extrair do corpo e da voz [...] Para chegar
nesta concepção a maneira didática fundamental foi a concentração para
você ouvir seu corpo [...]

Figura 6 - Alunos da encenação ‘Chamas na Penugem’ na oficina de Maurício Maas


76

Figura 7 - Alunos da encenação ‘Chamas na Penugem’ na criação da sonoplastia da cena

O corpo para a aluna Alessandra se tornou produtor de outros códigos não pensados
anteriormente por ela. Na experiência da fisicalização do sensório-corporal e posteriormente na
escrita e debate do protocolo, a aluna pôde tomar consciência sobre as possibilidades do corpo
que modificaram sua compreensão do processo de ensino-aprendizagem do teatro.

A pesquisadora Heloíse Vidor do curso ‘Teoria e Prática da Peça Didática de Brecht’ da Pós-
Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo no dia 17 de
agosto de 2011 escreveu:

Ando pelo espaço (e adoro o que vem) sentir a substância que está no
espaço, meu corpo, minha pele, meus poros em contato com a substância.
Saio da substância, entro e sou levada pela substância… Ando pelo espaço e
vejo o espaço, e vejo os outros e volto a atenção para mim. E num trio deixo
a substância, o espaço, o meu corpo e o corpo dos outros conversarem,
tentando afinar o nascimento dos gestos e das palavras. Que deliciosa a
sensação da palavra PARIDA pelos três!

As palavras da pesquisadora Heloíse expressaram a sua alegria em jogar. As experiências físicas


sentidas em seu corpo promoveram reflexões sobre o processo vivido, pois seu corpo de atriz
criou a realidade da cena teatral que pôde comunicar à plateia a realidade do palco. Na escrita
77

do seu protocolo Heloise pôde refletir sobre o momento experienciado e compartilhar com os
companheiros de jogo na Roda do Grande Protocolo.

Também sobre a fisicalização no jogo teatral, a aluna Vanessa Bordin do curso ‘Teoria e Prática
da Peça Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo no mesmo dia 17 de agosto de 2011 escreveu:

Espelho A e B foi bom para começar o contato com o colega estabelecendo


o jogo. Porque depois o espelho Siga o Seguidor exigia uma cumplicidade
maior entre os jogadores, não que o outro não exigisse, mas como alternava
quem comandava o movimento, era mais fácil não se perder no jogo. No
caso do Siga o Seguidor os dois jogadores tinham que estar muito
conectados para ir percebendo o tempo do outro e deixar o jogo fluir. Penso
que depois dessas duas modalidades do jogo de espelho, fazer ele com sons
ou palavras é ótimo, porque é como se fosse uma fase a mais do jogo, foi
difícil, mas no único momento que conseguimos foi mágico, pois estávamos
muito conectadas e a palavra nasceu do impulso do movimento que nos
levava.

A pesquisadora Vanessa reflete em seu protocolo sobre os jogos teatrais aplicados na


concretude física do corpo. A pesquisadora compreende as dificuldades encontradas no jogo e
afirma ser necessário o estabelecimento de uma conexão entre os jogadores. Vanessa ainda
comenta que quando as dificuldades são superadas o processo é enriquecedor. A escrita do
protocolo permitiu a pesquisadora escolher o que desejava refletir partindo do momento
experienciado.

Nos fragmentos dos protocolos destacados encontramos a contribuição da reflexão escrita a


partir da experiência física vivida no jogo teatral permitindo várias situações como a criação dos
gestos, das partituras, das imagens e da percussão corporal. Os aprendizes demonstraram que a
prática permite a compreensão do significado da ação física, das possibilidades de criação e do
enriquecimento trazido pelas experiências na fisicalização em sua formação. Todas essas
reflexões registradas nos protocolos permitiram o avanço do aprendiz que viveu a experiência, e
pode ainda proporcionar a releitura do protocolo promovendo novas reflexões. A leitura e o
debate do protocolo na Roda do Grande Protocolo permitem reflexões e avanços nos colegas de
turma que ouvem e discutem coletivamente as experiências vividas no processo de criação da
cena teatral.
78

São muitas as propostas que servem de modelo utilizada por Koudela para criar a cena teatral,
veremos agora a colaboração do modelo de ação na escrita do protocolo.

2.7 O modelo de ação e o protocolo

Uma característica marcante na escrita do protocolo é a contribuição do modelo de ação adotado


em um processo de criação com a linguagem teatral. O modelo de ação pode variar, mas a sua
interferência é determinante e deixa marcas na criação da escrita do protocolo produzido como
resultado de uma vivência com a arte teatral.

O modelo de ação é o texto adotado para ser imitado num processo de criação da cena teatral.
Koudela (2007) no seu estudo da peça didática de Brecht destaca que o texto tem a função de
desencadear o processo de discussão através da parábola. Brecht utilizava modelos de ação
(textos), e ele considerava o texto como introdução da improvisação.

Na proposta brechtiana, conforme Koudela (2007), o texto não transmite o conhecimento por si
mesmo, mas visa provocar um processo, por cujo intermédio o conhecimento poderá ser
atingido. A fidelidade ao modelo de ação não significa a realização do texto em função dele
mesmo. O texto deve ser transportado para uma ação prática a partir da qual os jogadores
vivenciam e investigam as contradições com o próprio corpo. O modelo de ação propõe aos
jogadores um caso social que não se relaciona, necessariamente, com a experiência pessoal de
cada participante.

Koudela (2007) destaca que no trabalho com as peças didáticas de Brecht os atuantes ensinam a
si mesmo. Eles aprendem por meio da conscientização de suas experiências.

O processo de aprendizagem promovido pela conscientização das experiências vividas está


presente na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com a utilização do gênero
discursivo protocolo. Nesta pesquisa, foram estudados quatro processos de criação com a
79

linguagem teatral desenvolvidos pela pesquisadora Ingrid Koudela e em todos esses processos,
Koudela utilizou a metodologia do uso do protocolo.

Para compreender na escrita do protocolo as marcas da interferência dos diferentes modelos de


ação adotados, foram comparados os quatro processos e as propostas de modelo da ação
utilizadas em cada um.

Os protocolos analisados foram escritos durante os processos de criação das encenações


produzidas com alunos do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba: em 2007 ‘Peixes
Grandes Comem Peixes Pequenos’; em 2008 ‘Chamas na Penugem’; em 2009 ‘A Ferida
Woyzeck’; e ainda os protocolos produzidos em 2011 nas aulas no curso ‘Teoria e Prática da
Peça Didática de Brecht’ do curso da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo.

Na encenação do ano de 2007, houve um rico processo dialógico entre os textos propostos na
criação da encenação. Os modelos de ação utilizados em ‘Peixes Grandes Comem Peixes
Pequenos’ foram: a gravura com o mesmo título da encenação de Peter Brueghel e o quadro
‘Angelus Novus’ de Paul Klee, e os quatro textos: ‘Se os tubarões fossem homens’ de Brecht,
‘Aquário’ de Guimarães Rosa, ‘Sermão aos Peixes’ de Antônio Vieira, e ‘Anjo Triste’ de
Walter Benjamin.

Os protocolos resultantes do processo de criação da encenação trouxeram as marcas do


dialogismo dos textos utilizados através de muitas citações dos mesmos. O texto espetacular da
encenação trazia a mistura entre os modelos de ação propostos e encontramos nos protocolos os
fragmentos de todos os modelos.

No exemplo do fragmento do protocolo da aluna Stela Coelho escrito no dia 02 de outubro de


2007 encontramos uma reflexão sobre a variedade de textos que compunham a proposta dos
modelos de ação:

[...] Vivemos em mundo fragmentado, nosso pensamento não é sempre


linear, quanto mais na criação artística. Fragmentação: partimos de um
quadro para a bíblia, da bíblia para o aquário, do aquário para a árvore, da
árvore para os tubarões e dos tubarões para os anjos do mal. Surge o
“DIABÓLICO-SIMBÓLICO-APOSTÓLICO-ROMANO-AQUÁTICO-
CRÍTICO’, genial! E um pouco assustador quando isso é dito por uma
mulher-lenda de dois metros de altura juntamente com a frase: ‘-Agora
somos todos peixes e vamos para o mato. ’ [...]
80

A aluna Stela cita em seu protocolo a grande quantidade de textos utilizados no processo de
criação da encenação. A forma como ela organiza a citação dos textos denota que para ela a
quantidade era assustadora e que a deixou perturbada. Mas no final a experiência foi positiva,
pois ela encerra o protocolo se perguntando e respondendo:

[...] E o que ficou? Um gostinho salgado do infinito mar que mergulhamos e


uma concha guardada na estante de uma onda cheia de vida que passou,
deixou marcas na areia e partiu para o oceano.

A proposta de escrita do protocolo permitiu a Stela a reflexão de todos os elementos que


colaboraram na construção da encenação e ela compreendeu que a experiência fora
enriquecedora.

Em outro exemplo, no protocolo da aluna Rogéria Sabino da mesma encenação e dia


encontramos os seguintes fragmentos:

No dia 27/02/07 começamos a viajar no mundo de Peter Brueghel, vimos


vários quadros dele [...] quando nos deparamos pela primeira vez com o
quadro ‘Peixes grandes Comem Peixes Pequenos’ a primeira vista não senti
nada [...] no dia 20/03/07 lemos pela primeira vez o ‘Sermão de Santo
Antônio aos peixes’ do Padre Antônio Vieira. Daquele quadro que pensei
que não tinha nada a ver, junto com o texto do Guimarães Rosa, passamos a
viver em um mundo aquático, onde tudo pode acontecer. Começamos a
brincar com o texto, fazíamos improvisações em cima dele e foi surgindo
coisa que até hoje não consigo explicar. Fomos tirando do texto os
personagens “Peixes” [...] A frase deste texto ‘Aquário” de Guimarães
Rosa que mais gosto é: “Não é só o sal que diferencia rio de mar: mas o
irremediável” [...]
81

A aluna Rogéria explica em seu protocolo que vários modelos de ação fizeram parte do
processo. Por esse motivo, ela se mostra surpresa pelo grupo ter conseguido realizar o
espetáculo. O protocolo da Rogéria ficou com muitas citações como o processo vivido na
criação da encenação e permitiu a ela compreender a colaboração de cada elemento proposto
pela encenadora.

Em 2008, na encenação ‘Chamas na Penugem’ os modelos de ação propostos pela pesquisadora


Koudela foram: as sete gravuras de Peter Brueghel com os sete vícios capitais e o texto
descritivo de Ingrid Koudela. Os alunos, orientados pelo pesquisador Joaquim Gama (2010),
realizaram as leituras de todas as gravuras e improvisaram na criação das cenas no formato
‘Tableau Vivant’. Os protocolos resultantes desse processo apresentavam as marcas da
descrição como no modelo de Brecht, o que denota a força do modelo de ação utilizado no
processo de criação do espetáculo.

No exemplo do protocolo da aluna Ismália Ferraz do dia 29 de abril encontramos a presença de


descrição:
82
83

A aluna Ismália escreve seu protocolo a partir da vivência com o texto descritivo de Brecht
sobre as gravuras de Peter Brueghel. Ismália coloca fragmentos das imagens acompanhadas de
fragmentos de textos descritivos e depois suas reflexões. Encontramos neste protocolo a forte
presença da marca do modelo de ação que entrara no texto espetacular da encenação.

No exemplo do fragmento de protocolo da aluna Ivanise de Carlo do dia 28 de abril de 2008


encontramos a presença da descrição:

[...]
Terça:
Leitura de protocolos
Comentários:
- seqüência e fluência das entradas e saídas;
- máscaras;
- Cd trazido por Tânia Boy – analisado por Marco, ilustrativo para a nossa
apresentação;
[...]
Amanda (aquecimento): em círculo, dar oito pulos para frente, para a direita
e para a esquerda, sacudir todo o corpo, sair para o abraço intencional,
fazendo caretas para o outro, voltar ao círculo. Imaginar que se tem uma
rosa nas mãos, como que tirada de dentro de cada um, oferecer para o outro.
Sair do círculo e escolher alguém para assumir seu lugar, trocar com o outro
Elemental, ainda no círculo, o gesto de cada um. Fechar com a dança de
roda. [...]

A aluna Ivanise utiliza em seu protocolo o gênero descritivo, ela usa verbos no infinitivo para
expressar os comandos dados e transmite a sua intenção ao se valer da descrição para apresentar
as atividades realizadas no encontro.

Ainda no processo de criação da encenação “Chama na Penugem”, encontramos no protocolo


do aluno Rodrigo Cintra uma reflexão sobre as diferenças trazidas por distintos modelos de
ação. No fragmento de protocolo destacado a seguir temos o fato dos alunos terem
primeiramente trabalhado com a leitura e a improvisação da gravura sobre o vício da ‘Ira’, e
num segundo momento, do mesmo encontro, com a leitura e improvisação da imagem da
gravura sobre o vício da ‘Preguiça’. Então, o aluno Rodrigo escreveu em seu protocolo no dia
27 de fevereiro de 2008:

[...] Percebemos principalmente quando fomos para a cena construir e


representar a imagem da Ira, a diferença desta para a da Preguiça. Enquanto
na Ira nossos músculos ficam tensos, enrijecidos, dando-nos a sensação e a
vontade de agir, de continuar, de complementar a ação e o movimento, na
84

Preguiça, sentimos nosso corpo relaxado e solto, sem vontade de agir e se


movimentar, apenas relaxar prazerosamente!

Figura 8 - alunos na improvisação da cena com o modelo de ação: gravura da Ira

Figura 9 - alunos na improvisação da cena com o modelo de ação: gravura da Preguiça


85

O aluno Rodrigo no seu protocolo reflete sobre o processo experienciado no seu próprio corpo
na fisicalização do gesto. A escrita do protocolo e seu posterior debate sobre as vivências
sensório-corporais proporcionadas pela prática da improvisação da cena permitiram a ele
aprender pela conscientização da experiência vivida.

A escrita do protocolo proporcionou ao aluno um momento de recuperar os fatos e refletir sobre


a experiência com o modelo de ação. Rodrigo percebeu as transformações ocorridas em seu
corpo quando houve mudança de proposta no modelo de ação.

Em 2009, na encenação ‘A Ferida Woyzeck’ os modelos de ação propostos por Koudela foram:
o texto ‘Woyzeck’ de George Büchner, o quadro ‘O Caçador de Passarinhos’ de Peter Brueghel
e Cantos de Trabalho da Cultura Popular Brasileira.

O modelo de ação da leitura de imagem do quadro ‘Ladrão de Passarinho’ de Peter Brueghel foi
relacionado ao jogo teatral na pesquisa do gesto e da fisicalização. A leitura foi utilizada no
processo de criação da personagem Woyzeck. Em relação a esse momento, a aluna Natália
Velden escreveu em seu protocolo no dia 11 de março de 2009:

Leitura de Imagem ‘Ladrão de Passarinho’ de Peter Brueghel. Cada um faz


uma leitura da obra. [...] A partir da primeira leitura [...] a turma criou um a
situação de um ‘Quem’ ‘Onde’ e ‘O quê’. O resultado foi de ladrões e
cúmplices, ladrões e inocentes. [...] O jogo do espelho – proporcionou
vivenciar a situação do quadro, criando a cena com três momentos que se
uniram. [...] a proposta de duplas criarem ‘Quem’ são eles, de ‘Aonde’ eles
vem e para ‘Onde’ irão? [...] A cada momento de experimentação sobre a
obra de Brueghel, é feita uma associação em relação a Woyzeck [...]
86

Figura 10 - Leitura da imagem ‘Ladrão de Passarinhos’


da encenação “A Ferida Woyzeck”

Figura 11 - O aluno Carlos Doles na criação do gesto


da encenação “A Ferida Woyzeck”
87

Figura 12 – Os alunos Mateus Martins e Madalena na criação do gesto na leitura


da imagem ‘Ladrão de Passarinho’ da encenação “A Ferida Woyzeck”

A aluna descreve o processo de criação vivido sob a orientação da pesquisadora Koudela, a


escolha dos jogos teatrais foram relacionados à leitura da imagem que era o modelo de ação na
criação dos gestos da personagem na encenação. Os protocolos ficaram mais descritivos nos
dias trabalhados com a proposta de leitura de imagem, na qual era solicitado aos alunos que
descrevessem o que viam na imagem. Assim, apreendemos a importância da colaboração do
modelo de ação na escrita do protocolo.

No exemplo do fragmento de protocolo da aluna Giovanna Laurenzetti escrito no dia 10 de


março de 2009 encontramos a descrição através de citações dos eventos ocorridos em aula:
88
89

A aluna Giovanna apenas cita o que ocorreu no encontro, ela busca nessa citação descrever o
que acontecera no trabalho desenvolvido na criação da encenação. O modelo de ação se faz
presente no protocolo através dessa breve citação de fatos que está fortemente relacionado a
forma como foi desenvolvida a leitura e a descrição feita da imagem estudada no processo.

Em outro exemplo, temos um fragmento do protocolo da aluna Natália Gregório, da mesma


encenação. Ela refletiu sobre a contribuição da experiência com o modelo de ação no dia 13 de
abril:

Discutimos também sobre seus modelos de ação, em que podemos utilizar


de obras de arte, fazer sua leitura, contextualizar e montar uma peça teatral.
Começamos a jogar! Todos espalhados pela sala [...] Trabalhamos o plano
sensório-corporal com o acréscimo de sons e palavras.

A aluna Natália reflete em seu protocolo sobre a experiência da relação do jogo teatral e o
modelo de ação. Ela compreende o processo vivido e a sua colaboração na sua própria
formação. A escrita do protocolo cria a oportunidade para a reflexão e discussão do rico
processo vivido na criação da cena teatral permitindo ao aprendiz o aprofundamento na
construção do conhecimento.

Ainda na encenação ‘A Ferida Woyzeck’, a pesquisadora Koudela também se valeu do modelo


de ação dos Cantos de Trabalho no processo de criação. Os cantos da Cultura Popular Brasileira
foram relacionados ao texto de Büchner. Então, encontramos em muitos protocolos momentos
em que os cantos aprendidos são citados e até transformados. É possível encontrarmos paródia
de algumas músicas no jogo com o texto de Büchner.

No exemplo do fragmento do protocolo da aluna Fernanda Brito do dia 2 de março de 2009


encontramos a citação de trechos das músicas aprendidas e reflexões sobre como trabalhar com
as músicas na encenação:

É de lei e é de vera
É de lua é de luar
Quando o Nêgo velho canta, faz as estrelas brilhar.
E a lua canta junto, como o velho no congá...
90

[...]
E assim na marcha lenta da congada, iniciamos cada um dos dias de nosso
trabalho. Meio que como para aterrar o que ainda estava aéreo, trazer o
corpo a atenção necessária, ou a boca, incontrolável e barulhenta, ao
silêncio. [...],

‘Xô, xô pavão
Sai de cima do telhado
Deixa esse menino dormir sono assossegado
Esse menino não é meu, deram para eu criar... ’

Sem querer as comparações, e tentativas de encaixe com o texto de estudo


começam a surgir involuntariamente. Uma palavra, uma partitura, qualquer
coisa que remeta ao texto é algo a ser aproveitado.
Com a seleção de músicas fica mais fácil colocar no devido lugar o que
cabe e o que não cabe. [“...]

A aluna Fernanda registra em seu protocolo fragmentos das músicas aprendidas e reflete sobre
as possibilidades com o texto de Büchner. A aluna cita em seu protocolo trechos da música ‘É
de lei e é de ver’, além da música ‘Xô pavão’ que entrou no texto espetacular final da
encenação. O último verso da música ‘Xô pavão’ citado por Fernanda, “... Esse menino não é
meu, deram para eu criar...” não faz parte da música original, ela criou o verso inspirada pela
peça de Büchner, na qual a paternidade do filho de Marie é questionada. As influências dos
modelos de ação propostos apareceram nos protocolos produzidos a partir da experiência vivida
e os protocolos ficaram mais musicais.

A música também foi determinante no encontro do dia 24 de agosto de 2011 no curso ‘Teoria e
Prática da Peça Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo. Nesse curso o objetivo final não era uma encenação, a cada
encontro Koudela propunha um modelo de ação relacionado ao texto brechtiano para que os
pesquisadores pudessem conhecer as muitas possibilidades na criação da cena teatral.

No exemplo do fragmento do protocolo do pesquisador Adalberto Pinheiro encontramos um


poema criado por ele em que há a citação de trechos dos Cantos aprendidos no encontro:

‘POEMAS DIDÁTICOS

[...]
MENOS A SÉRIO
Bate o monjolo no pilão,
O segredo é a observação,
É assim, é assim, é assim,
É assim que minha mãe
91

Lava a saia.

‘Bate o monjolo no pilão’ e ‘Lava a saia’ são dois cantos que o pesquisador Adalberto aprendeu
no encontro anterior do grupo que também propunha a execução de gestos. Os cantos
funcionaram como modelo de ação para a criação das cenas experimentadas no encontro do
grupo. Esse modelo de ação deixou marcas na escrita do protocolo que foi quase cantado na
Roda do Grande Protocolo.

No fragmento do protocolo do mesmo encontro da pesquisadora Heloize Vidor encontramos


uma citação da partitura da música ‘Bate o monjolo’ e da letra de ‘Maçariquinho’ também
aprendidas no encontro:

[...]

MAÇARIQUINHO

Em círculo, cantamos a música e um jogador no centro da roda “mostra


como a mãe lava a roupa” e os outros jogadores repetem o seu movimento,
trocando sempre o jogador que fica no centro.
Maçariquinho na beira da praia,
Como é que sua mãe lava a saia (bis)
É assim é assim é assim ô lêlê,
É assim que sua mãe lava a saia. (bis)
[“...]

A pesquisadora Heloíse colocou em seu protocolo os fragmentos das músicas aprendidas


misturadas as descrições de como se executavam os movimentos relacionados às músicas que
também foram aprendidos no encontro. Os gestos foram ensinados juntamente com as músicas.
Então, Heloíse sentiu a necessidade de registrar as letras e os movimentos, ela trouxe para o seu
protocolo os sons que ecoavam dos momentos vividos com as músicas. Há neste exemplo uma
92

forte amostra da interferência do modelo de ação proposto no encontro e se fez presente na


escrita do protocolo.

Ainda em outro exemplo de protocolo, agora da pesquisadora Lígia Helena do mesmo encontro,
temos uma grande citação de partes das músicas, descrição dos eventos e fatos imaginados pela
autora, tudo foi misturado às reflexões que ela fez:

Bate o monjolo no pilão


Pega mandioca pra fazer farinha
Onde foi parar meu tostão
Ele foi para a vizinha
Ei, Ingrid!
Oláaaa Ricardo!
Alô, Heloíse!
Oba, Igor!
Como está senhorita Vanessa!
Fala Jorge!!!
Boa tarde Luciano!
Cadê a Dani???
Oi Naila!
Beleza Dal!
E vocês dois? Vocês sabem quem vocês são? Sabem? Será o Alexandre
Falcão Zé Celso passando por aqui, fumando um, tomando um vinho e
pegando na bunda de todos? Será um Cadu cafetinado, cafetinando,
cafetão?
Bate o monjolo no Pilão
Pega a farinha pra fazer mandioca…
Não, não é isso. Já estou esquecendo a letra, como é que eu faço pra anotar
na hora do exercício ein? Alguém está gravando?
Texto na mão, texto nos olhos, texto na boca, texto no ouvido, você está de
acordo? Então seja você o aviador que nós seremos o coro.
Gestos, ações e reações, reações individuais, coro de indivíduos, indivíduos
num coro, alturas, espaços, corpos espalhados. Difícil, difícil, será que eu
vou lá? Será que eu me arrisco a ser aviador e estar de acordo? Será que
estou de acordo?
Pé!!! Intervalo, eu preciso tualetar. Subo cantando.
Bate o … no pilão…

Onde foi parar meu tustão

Ele foi parar na vizinha
Ahn, na vizinha???
Voltamos pega-pega. Pega e vira líder e coro, líder e coro, coro, coro! Opa,
agora sim somos um coro. Agora sim estamos de acordo. Estamos de
acordo? Estamos nos ouvindo, estamos ouvindo o aviador, ouvimos tanto
que até pegamos ele no colo, voa aviador, voa!
E a Ingrid integra o coro cantando de novo:
Bate o monjolo no pilão
93

Pega mandioca pra fazer farinha


Onde foi parar meu tostão
“Ele foi para a vizinha”

Podemos perceber pelo protocolo da pesquisadora Lígia Helena que o modelo de ação proposto
para o trabalho com a linguagem teatral interfere na escrita dos protocolos que registram os
eventos ocorridos. As músicas são citadas no protocolo, pois a forte presença no momento
vivido no encontro deixou marcas na pesquisadora e para transmitir a sua intenção em recuperar
a experiência vivida, Lígia reproduz fragmentos musicais misturados aos comentários que
transmitem a alegria experienciada naquele momento.

Em outro encontro com mesmo grupo de pesquisadores, a proposta de Koudela foi a leitura de
imagem. Os pesquisadores realizaram a leitura da gravura ‘Peixes Grandes Comem Peixes
Pequenos’ e improvisaram com os jogos teatrais na criação da cena. A pesquisadora Daniele
Marques no dia 14 de setembro de 2011 descreveu em seu protocolo as cenas criadas por cada
grupo:

[...] Pés – caminhada – apoios – deformação da base que leva à deformação


do resto.
Siga o seguidor com transformação dos movimentos, das ações, tendo a
imagem “peixes grandes comem peixes pequenos” como tema, como pano
de fundo. Tema: imagem “Peixes grandes comem peixes pequenos”. Gestos
e atitudes vão se transformando. Congelamos um gesto e depois, um grupo
de cada vez, mostrou a partir do gesto congelado a seqüência de ações.
No jogo siga o seguidor vivenciamos a experiência de construir junto um
personagem. O personagem surge naturalmente. Não somos nós a construir
a personagem, mas ela que se constrói através de nós.
Primeiro grupo – um trio: comiam com expressão de grande prazer, abriam
a própria barriga, arrancavam novamente a comida e a comiam novamente.
Ruminação? Gula. Ganância. Autofagia?
Segundo grupo – dupla. (eu e Nayla): um peixe comendo o outro,
sutilmente. Grande tensão interna. A dominação não é escancarada. Corrói.
Violência velada. Brasileira.
Terceiro grupo – dupla. (Adalberto e Ricardo): comiam um ao outro através
dos movimentos com os braços – ou tentavam se comer, meio sem mira.
Nhac! Nhac! Os braços se desencontravam de um lado e do outro. Parecia
uma brincadeira de palmas.
Quarto grupo – dupla. (Igor e Jorge): pescavam mui violentamente,
pareciam martelar com a vara. Agressividade. Virilidade. Embora os
movimentos fossem sincronizados (à medida do possível dentro do jogo),
eles pareciam competir. Quem pescará primeiro?
94

Quinto grupo – dupla. Lígia e Cadu: dois peixes-voadores-bufões. Muito


engraçados. Eu ficaria a tarde toda observando a refeição deles. [...]

A pesquisadora Daniele apresentou em seu protocolo a experiência vivida seguindo o exemplo


da descrição feita na leitura da imagem realizada durante o encontro, assim ela fez a descrição
dos eventos ocorridos. Também pôde refletir sobre as cenas criadas a partir do modelo de ação
proposto por Koudela. Daniele se surpreendeu, se divertiu, se emocionou com as muitas
possibilidades nascidas do jogo teatral com o mesmo modelo de ação, a gravura de Brueghel.

A pesquisadora Naila Broisler registrou em seu protocolo sobre a mesma experiência no dia 14
de setembro de 2011:

[...] A partir da imagem do pintor Pieter Bruegel intitulada “Peixe grande


come peixe pequeno”, tive, ou melhor, tivemos que vê-la, descrevê-la e
também entende-la, para que assim pudéssemos ir para a prática. Mas
prática, como assim? Vou praticar o quê, pensei? [...]
Siga o Seguidor, foi esse o início. Em dupla com a Danielle, sinto que
estabelecemos algo singelo, de movimentos e sons alternados. Eles eram
contidos, mas ao mesmo tempo, parecia que estávamos prestes a explodir.
Não uma explosão literal e óbvia, mas uma explosão interna, como se
fossemos peixes pequenos que não tivessem mais força para resistir aos
peixes grandes. Será que a Danielle sentiu a mesma coisa, me perguntei
naquele momento?
95

[...] E eu lá pequena, pequena... peixe pequeno. Será que é preciso ter


tamanho para ser grande? Somente a força não basta? Mas qual é a minha
força? Em qual situação eu a mostro? Tenho que usá-la para me defender?
Para me proteger? Ou é preciso vencer?
Desta vez eu me senti comida, mas ainda, com ou sem forças, estou viva.
Estou aqui. Não estou

A pesquisadora Naila, além de escrever em seu protocolo suas inquietações sobre a relação do
jogo com o modelo de ação, também sentiu a necessidade de colocar uma fotografia da cena
criada na aula que reproduzia parte da gravura de Brueghel. A imagem trabalhada na criação da
cena a inspirou na utilização da fotografia em seu protocolo.

Percebemos pelos exemplos citados que dependendo do modelo de ação proposto no encontro o
protocolo muda de formato, isto é, o gênero escolhido para transmitir a intenção do seu autor
varia de acordo com e experiência vivida no encontro do grupo do fazer teatral.

Assim, podemos compreender que a colaboração do modelo de ação proposto em uma


experiência com a linguagem teatral interfere na escrita do protocolo produzido como resultado
do processo vivido, e pode ainda, promover a reflexão sobre a contribuição dessas experiências
em sua formação e saber que as possibilidades de criação são infinitas.

2.8 O Protocolo e as Oficinas Pedagógicas da Linguagem Teatral

No livro ‘Jogos Teatrais’, Ingrid Koudela (2006) relata as oficinas que realizou desde o ano de
1978 trabalhando com a linguagem teatral. A pesquisadora mostrou a realização das primeiras
oficinas com o Sistema de Viola Spolin e no convênio firmado com a Cooperativa Paulista de
Teatro, e posteriormente com Associação Paulista de Teatro para a Infância e Juventude.

Muitas oficinas foram destinadas aos mais diferentes grupos de aprendizes: crianças,
professores, atores, pesquisadores, diretores e autores. Em muitas dessas oficinas, Koudela
96

mostrou interesse no desenvolvimento de pesquisas na relação dos jogos teatrais com o teatro
para a infância e a juventude. Koudela (2006, p. 104) afirma que “o sistema de Spolin veio ao
encontro da necessidade de articular o processo de criação, fornecendo instrumentos para a
condução do trabalho realizado em grupo e para a leitura do jogo cênico.”

Desde as primeiras oficinas, Koudela registrou através da escrita a experiência vivida nos
encontros. As crianças das oficinas em 1978 tiveram seus desenhos e escritos registrados e
publicados na intenção de mostrar o resultado dos trabalhos realizados. Esses registros
permitem até hoje o acesso através de sua publicação no livro ‘Jogos Teatrais’ (2006a) ao que
foi vivido naquelas oficinas.

No livro ‘Texto e Jogo’ (1999) Ingrid Koudela registrou as oficinas que organizou e ministrou
na cidade de São Paulo, com três turmas diferentes Oficinas Pedagógicas realizadas em 1992, a
fim de desenvolver as possibilidades de sua pesquisa sobre as Peças Didáticas de Brecht no
Brasil. Para registrar e apreender o desenvolvimento das experiências com as peças didáticas
nessas oficinas, Koudela utilizou duas formas de coletar os dados: a primeira através de
gravações mecânicas das avaliações e comentários dos grupos, e a segunda foi através da
proposta de escrita do protocolo.

Koudela (1999) explica que a cada novo encontro na oficina dos grupos pesquisados

Um dos participantes ficava encarregado de fazer a síntese da discussão do


processo por escrito, manifestando suas impressões e dando um depoimento
sobre o trabalho realizado em grupo. Esse protocolo era lido em voz alta na
oficina subseqüente, sendo que uma cópia era distribuída para cada jogador,
que por sua vez podia introduzir correções e comentários. (p. 20)

Koudela (1999) utilizou fragmentos desses protocolos para descrever, explicar e analisar os
procedimentos realizados nas oficinas, permitindo ao leitor do seu trabalho um
acompanhamento próximo ao momento vivido pelo grupo estudado. O protocolo escrito no
calor da ocasião busca apreender e capturar o que é próprio do teatro, a efemeridade do
momento presente. As Oficinas Pedagógicas, ministradas por Koudela (1999), foram realizadas
com três grupos distintos.
97

O primeiro foi o grupo de sete alunos do Curso de Licenciatura em Artes Cênicas da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com o qual Koudela trabalhou o
fragmento ‘O Maligno Baal, o associal’. Destaco, agora, alguns fragmentos dos protocolos dos
alunos dessas oficinas:

Em roda no chão, discutimos o jogo da semana passada [...] A discussão


desafiava a construção de gestos e atitudes [...] O KI fez com que dois
jogadores ficassem em continência. Dois soldados e dois generais se
cumprimentavam, através de um aperto de mão. Foi uma construção muito
clara, pois havia relação entre a atitude física [...] (KOUDELA, 1999, p. 45)

No fragmento do protocolo percebemos que os alunos debateram em roda a experiência vivida


no encontro anterior com o texto da peça didática através do jogo teatral. Esse momento
funcionou como uma avaliação do que fora realizado no encontro anterior. É fundamental a
avaliação no processo de conhecimento, permitindo a tomada de consciência e a submissão de
um exame do material gestual experimentado na prática. A criação do gesto e a experiência
física permitiram aos alunos à compreensão da proposta do experimento. Outro fragmento que
Koudela (1999) destaca com esse grupo:

Sentados, uns ao lado dos outros [...] chamava a atenção, no espaço mais
amplo [...] lá estavam os trabalhadores braçais, e aqui estávamos nós,
pensadores [...] a voz próxima da instrução da Ingrid nos guiava através do
aquecimento visual [...] (p. 45)

A utilização no processo da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero


discursivo protocolo permitiu ao grupo recuperar os eventos, debater e partir de determinado
ponto para novas experimentações. No fragmento do protocolo encontramos os alunos em roda
compartilhando e avaliando o momento vivido, esse exercício de conscientização permite o
domínio na produção do conhecimento. No jogo teatral ‘Aquecimento Visual’ percebemos a
contribuição da educação da sensorialidade na experiência corporal aliada a consciência social e
histórica da realidade vivida.
98

O segundo grupo era formado por jovens da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo que trabalhou com a cena ‘A água partilhada’ de a ‘Exceção e o
Regra’, e finalmente o terceiro grupo formado por professores que participavam de um projeto
da Fundação para o Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo, Koudela trabalhou
com as cenas “A segunda investigação’ e ‘O Exame’ da Peça Didática de Baden Baden sobre o
Acordo.

Em todas as oficinas realizadas pela pesquisadora Koudela percebemos a importante


contribuição do protocolo no registro e desenvolvimento do trabalho pedagógico. As primeiras
oficinas ainda não utilizavam o protocolo, mas Koudela sempre mostrou o cuidado em registrar
os eventos, as falas e o material produzidos pelos participantes. Como uma pesquisadora,
Koudela se valeu da escrita para registrar suas experiências e desenvolver análises científicas
sobre a arte teatral.

Com o passar dos anos, Koudela deu maior valor ao registro escrito nos protocolos dos
aprendizes e passou a utilizar a metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com a escrita do
gênero discursivo protocolo.

2.9 O protocolo no processo de criação de uma encenação

No trabalho desenvolvido por Koudela observamos a contribuição do protocolo durante o


processo de criação de uma encenação e como registro para posterior estudo do processo vivido.
Desde 1991, Ingrid Koudela desenvolveu um significativo número de encenações que contaram
com a colaboração do uso do gênero discursivo protocolo na metodologia de ensino-
aprendizagem do teatro. Isso permitiu o registro de diversos processos que resultaram em
pesquisas, artigos, ensaios, dissertações, teses, enriquecendo o meio acadêmico com importantes
reflexões sobre o fazer teatral. Em todas as encenações a pesquisadora Koudela não abandona o
pensar e a promoção da reflexão acadêmica em suas propostas.
99

Em 1991 trabalhou no experimento de uma encenação que desenvolvia suas pesquisas sobre as
Peças Didáticas de Bertolt Brecht, Koudela (1992) realizou um projeto intitulado ‘Voo’. Nessa
encenação utilizou como modelo de ação o texto e a música da peça didática ‘Voo sobre o
Oceano’ e das máximas extraídas da ‘A Peça didática de Baden Baden sobre o Acordo’. A
proposta do projeto era aliar o Sistema de Jogos Teatrais de Viola Spolin à Peça Didática de
Bertolt Brecht com os alunos do Curso de Especialização em Artes Cênicas na Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

O resultado desse experimento está registrado no livro ‘Um vôo brechtiano’ publicado em 1992.
Nesse trabalho a pesquisadora Koudela fundamentou a análise da encenação, resultado do
projeto, e buscou através da divulgação da teoria e da prática renovar os processos pedagógicos
da educação político-estética.

A encenação ‘Voo’ foi apresentada num estilo coral, com a participação de seis atores dentro da
proposta de teatro improvisacional. Os atores se revezavam no papel do Aviador, que era
identificado pelo uso de uma máscara de mergulho. O trabalho com o texto da peça didática
visou completar o procedimento com o estranhamento. A música foi adaptada por Wanderley
Martins que fez também a direção musical.

A encenação foi apresentada: em Ribeirão Preto na 1ª Jornada de Teatro-Educação realizada


pelo Centro cultural Cândido Portinari, promovida pela Secretaria da Cultura do Estado de São
Paulo; e em Antonina, Paraná no 1º Festival de Artes da Universidade do Paraná. Juntamente
com as apresentações, nas duas oportunidades, se realizaram oficinas sobre os procedimentos de
introdução ao texto de Brecht. Essas oficinas, além da apresentação da encenação,
demonstraram o interesse da pesquisadora Koudela em contribuir com a construção do
pensamento acadêmico sobre a arte teatral. Posteriormente, a encenação teve uma pequena
temporada no Teatro da Universidade de São Paulo, com apresentações entre os dias 15 e 25 de
agosto de 1991.

O processo de montagem da encenação ‘Voo’ foi marcado pela escrita do protocolo. Segundo
Santiago (KOUDELA, 1992) a responsabilidade da escrita do protocolo era combinada no
início do encontro, que podia ser de uma pessoa ou mais, dependendo da proposta do encontro.
O responsável tomava notas durante o desenvolvimento das atividades. Depois realizava a
escrita do protocolo relatando os momentos vividos. Santiago, ainda destaca que utilizou os
protocolos escritos durante o processo de criação da encenação ‘Voo’ no primeiro semestre de
100

1991, para demonstrar a importância do instrumento e permitir a compreensão pelo leitor do


processo vivido na criação do experimento.

No dia 01 de março de 1991 o aluno Indalécio Santana foi o responsável pela escrita do
protocolo do encontro:

“ Tarde morna
CYBELE APRESENTADA PEDE O PANO
Propõe que se faça um círculo com próprio
E cada qual escolha um lugar lá dentro
Anunciando um nome, seu dono deve emitir
Frases curtas, de movimento, com dinâmicas
diferenciadas,
Os outros devolvem o sinal.”

O protocolo registra o início do processo de criação da encenação ‘Voo’. No dia 10 de maio de


1991, o mesmo aluno Indalécio Santana escreveu no protocolo:

Ingrid propôs a leitura de chegada no aeroporto Le Bourget. Aproveitamos


o embalo e já cantamos a música também; [...] Ingrid propõe então pesquisa
de som e ritmo com matracas. E lá vamos nós lá fora catar madeirinhas. Na
volta já trazíamos o som que os paus produziam quando batia um no outro.
Aí foi um tal de – faça assim e que eu faço assado – que ótimo! - assim é
mais legal! – faço nesse tempo e você faz dobrado! E manda som, ritmo;
que deu numa dança.

No protocolo de Indalécio encontramos a descrição dos procedimentos metodológicos utilizados


por Koudela e também as impressões do aluno ao experienciar as propostas sensório-corporais
que promoveram reflexões sobre o processo vivido.

Desde o início da década de 1990, muitas montagens realizadas pela encenadora Ingrid Koudela
se seguiram com o passar dos anos. Na cidade de Sorocaba desde sua chegada à Universidade
de Sorocaba em 2006, a cada ano a pesquisadora pôde desenvolver suas propostas de
encenações, apresentar e registrar suas pesquisas em diversas publicações contribuindo com o
101

pensamento acadêmico. Assim, percebemos a colaboração do protocolo ao registrar o processo


vivido e promover a reflexão influenciando todos os envolvidos no processo.

2.10 Definição de protocolo

O protocolo como um instrumento de avaliação do processo vivido utilizado na metodologia de


ensino-aprendizagem do teatro da linguagem teatral é um texto, compreendido como um
conjunto coerente de signos (Bakhtin, 2006), produzido a partir dos eventos vividos em uma
determinada data por um indivíduo participante de um grupo da esfera artística do teatro. O
texto do protocolo é primordialmente escrito, mas pode apresentar-se através de outras
linguagens como: cenas, vídeo, música, fotografia, dança, desenho, canto, jogo, enfim é a
manifestação de uma ideia provocada pelo evento do encontro ocorrido com o grupo do fazer
teatral numa determinada data.

Há uma grande diversidade de grupos que se valem do uso do protocolo, como: alunos de
escolas e universidades, grupos de aprendizes fora do âmbito escolar; e há também grupos de
atores amadores, profissionais e pesquisadores.

Um exemplo de protocolo que utiliza a linguagem da cena teatral ocorreu com o aluno Robson
Catalunha da encenação “Peixes Grandes comem Peixes Pequenos” do curso de Teatro da
Universidade de Sorocaba no dia 21 de março de 2007. Ele apresentou o seu protocolo através
de uma cena criada por ele e encenada no momento da Roda do Grande Protocolo com a ajuda
de colegas que foram dirigidos por ele naquele momento. A cena consistia numa fila de cadeiras
nas quais, Robson colocou outros atores e ele narrava a história que criara enquanto seus
colegas faziam o que ele indicava. A cena apresentava peixinhos numa fila em busca de
cuidados médicos no sistema público de saúde. Robson apresentava uma crítica à condição de
todo o sistema nacional de saúde. A cena estava descrita em seu protocolo, mas foi encenada
naquele momento. A ideia da cena partira dos acontecimentos vividos no encontro da semana
anterior a sua apresentação, onde o grupo do aluno Robson trabalhara com parte do texto de
102

Brecht “Se os tubarões fossem homens” que falava sobre a saúde dos peixinhos que eram
cuidados para posteriormente serem comidos pelos tubarões.

Um exemplo de protocolo que utiliza a linguagem do clipe aconteceu com o aluno Fábio Fioreli
da encenação “A Ferida Woyzeck” do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba no dia 09
de fevereiro de 2009. Fábio criou um clipe com fotos tiradas por ele mesmo da oficina que
ocorrera no encontro da semana anterior com a pesquisadora Elaine Ferreira que trabalhara com
Cantos de Trabalho e de Roda. Além das fotografias tiradas, Fábio também gravara Elaine
cantando as músicas. A partir desse material, o aluno montou um clipe e na hora da Roda do
Grande Protocolo ele ligou o computador do teatro que estava conectado ao data show e sem
aviso prévio exibiu o seu protocolo. Ao final do debate enquanto eu recolhia os protocolos,
Fábio entregou a esta pesquisadora um CD com o clipe gravado e esse foi o seu protocolo
daquele encontro.

Figura 13 - Elaine Ferreira (blusa amarela) na oficina de Cantos de Trabalho e de Roda


com os alunos da montagem ‘A Ferida Woyzeck’

O protocolo que utiliza a linguagem do canto se fez presente através da aluna Melina Aronchi
da encenação “A Ferida Woyzeck” do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba que no dia
103

04 de março de 2009 apresentou o seu protocolo em forma de quadrinhas. Melina a partir da


experiência vivida com a Roda de Versos ensinada pela pesquisadora Elaine Ferreira, escreveu a
história das personagens Woyzeck e Marie em forma de versos e cantou para a sala na hora da
Roda do Grande Protocolo. O texto do seu protocolo e a forma como foi apresentado causou
uma comoção nos outros alunos da turma que a aplaudiram ao final de sua “leitura” cantada.

Eu conheço um bom homem


Pobre soldado trabalhador
De tanto comer ervilhas
Matou seu lindo amor

Marie não é moça quente


Assim não irá mais me trair
Pois se alguém tentar beijar
Lábios frios irá sentir

Não comerei mais ervilhas


quero do sangue me livrar
nosso bebê está sozinho
mamãe não mais ele verá

Figura 14 - A aluna Melina Arochi no centro da roda na encenação “A Ferida Woyzeck”


104

Gostaria de destacar ainda, o protocolo que utiliza a linguagem da imagem criada pelo aluno
Daniel Gouveia da encenação “Chamas na Penugem” do curso de Teatro da Universidade de
Sorocaba no dia 25 de março de 2008. Daniel trabalhara na semana anterior com o aluno
Alexandre Ventris, da mesma turma, o tema da ira a partir da leitura da gravura de Peter
Brueghel, o velho.

Figura 15 - Os alunos Daniel e Alexandre na criação da cena do vício da Ira

Na criação da cena Daniel fizera o gesto de chutar com a planta do pé o rosto do aluno
Alexandre e ficar congelado nessa posição. Então, na criação do protocolo do encontro vivido,
Daniel pintou com tinta vermelha a sola do próprio pé e o imprimiu numa folha sulfite branca e
em torno da imagem escreveu diversas palavras como: ira, vícios, voz, duplas, atitudes,
grotesco, sete, força, urso, entre outras.
105

Protocolo do aluno Daniel sobre o encontro em que trabalhou com o vício da Ira
106

O protocolo do aluno Daniel era composto por imagem e palavras escritas que traziam o tema
do encontro vivido no fazer teatral, como a imagem do pé impressa no papel era muito forte, o
denominamos protocolo imagem. Nesta pesquisa, não nos deparamos com nenhum protocolo
composto apenas de imagem e sem o uso da palavra, por isso nos valemos do protocolo do
aprendiz Daniel para analisar a potência da imagem que pode surgir num protocolo. É muito
comum ocorrer o surgimento de protocolos imagem num processo de aprendizagem da arte
teatral. O aprendiz pode trazer o tema do encontro vivido no grupo representado numa imagem (
fotografia, desenho, colagens, entre outras possibilidades) que da mesma forma trará o tema do
encontro vivido e será compreendido como um enunciado que pode ser lido e compreendido
pelos companheiro de grupo do fazer teatral.

Esses são alguns exemplos de formatos dados aos protocolos no processo de criação de uma
montagem teatral. É importante ressaltar o valor da data no protocolo, pois são os eventos de um
determinado encontro que promovem a manifestação de uma ideia que pode ocorrer através de
uma linguagem que varia de acordo com a intenção do autor.

O protocolo é criado por seu autor depois de um encontro vivido com o grupo no qual o
indivíduo está inserido. Também está relacionado a uma experiência prática. É de real
importância observar essa característica do protocolo, pois sua escrita está interligada a uma
experiência sensório-corporal. Não parte, portanto, apenas de estudos teóricos, mas sim, como
destaca Koudela, de uma proposta com o jogo teatral.

A metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do protocolo propõe dois


momentos distintos: primeiro um momento individual, onde o protocolo é criado após os
eventos vividos num determinado encontro. E o segundo quando é compartilhado com o grupo e
discutido.

O protocolo como texto escrito, pode ser compreendido pelo pensar de Bakhtin (2006b) como
um ato de fala impresso é, portanto, um elemento da comunicação verbal. É ainda, objeto de
discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira
ativa, para ser comentado e criticado. É orientado em função de intervenções anteriores na
mesma esfera artística do teatro, tanto as do próprio autor como as de outros autores
participantes do grupo. O discurso escrito é parte integrante de uma discussão, ele responde a
alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio,
107

motiva a criação no processo vivido. Segundo Koudela( 2001), o protocolo aponta para o futuro,
funciona como uma mola propulsora no movimento da criação artística teatral.

A aluna Sílvia Regina da encenação “A Ferida Woyzeck” do curso de Teatro da Universidade


de Sorocaba no dia 04 de março de 2009 escreveu em seu protocolo:

Fizemos a leitura dos protocolos da semana anterior, foi uma pena eu não
ter me lembrado dos meus, pois tinham coisas que a Fezinha pontuou sobre
as pessoas não se exporem o que acontece comigo, mas pelo menos
consegui falar sobre a minha inibição.

Figura 16 - Leitura e debate na Roda do Grande Protocolo

Sílvia reflete sobre o fato de não ter levado o protocolo da semana anterior. Ela queria ter lido o
enunciado do seu protocolo, pois ele continha comentários sobre suas dificuldades em se expor
na hora da cena que se conectariam aos de outra colega de turma que também refletira o tema.

A mesma aluna Sílvia, na semana posterior, escreveu no dia 11 de março de 2009:

Fizemos a leitura dos protocolos, que só veio acrescentar, pois havia


deixado passar vários pontos importantes como a neutralidade do ator, o
ponto zero, isso nem tinha me passado pela cabeça foi muito importante a
colocação dos colegas.
108

A afirmação feita pela aluna Sílvia no enunciado do seu protocolo clarifica a importância da
recuperação dos eventos vividos feita pelo protocolo, pois eventos e reflexões que ela não
pensara anteriormente, mas que outro colega de turma trouxe a fez refletir. A troca de
experiências refletidas promovida pelo protocolo contribui para o desenvolvimento coletivo do
grupo que avança em suas descobertas durante o processo criativo.

A aluna Jane Kastorsky da encenação “Chamas na Penugem” do curso de Teatro da


Universidade de Sorocaba no dia 30 de abril de 2008 escreveu:

[...] na leitura dos protocolos [...] tivemos o brilhante depoimento da


Ivanise, [...] achei perfeito e muitas das suas inquietações eram minhas
também, enxerguei-me diversas vezes durante seu relato [...] foi muito
bacana [...]

Figura 17 - A aluna Ivanise de Carlo lê na Roda do Grande Protocolo

A aluna Jane se identifica com as questões levantadas pela colega Ivanise e o compartilhamento
de dúvidas a faz ter mais coragem de continuar em suas reflexões e experimentações na criação
da cena teatral.
109

A metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo


institui a prática da leitura e escrita e permite o avanço da linguagem teatral na coletividade. A
experiência de um colabora com a aprendizagem do outro.

As preocupações com o processo de montagem também estão presentes nos protocolos como as
da aluna Ivanise de Carlo da encenação “Chamas na Penugem” do curso de Teatro da
Universidade de Sorocaba que no dia 23 de abril de 2008 escreveu:

[...] isso não apareceu nos protocolos, talvez tenhamos caminhado


aceleradamente no último encontro, algumas pessoas caminharam e outras
estão tentando entender o que estava rolando [...] talvez tenha sido um
bombardeio que tenhamos que decupar em partes [...].

A aluna revela as dificuldades em se trabalhar com um grupo tão grande de alunos, cerca de 40
indivíduos, e como os ritmos podem ser diferentes para as pessoas envolvidas no processo. A
colaboração da reflexão criada pela metodologia do ensino-aprendizagem do uso do protocolo
permite o avanço do aluno em seu processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem
teatral em consonância com os colegas de grupo. O conhecimento das dúvidas e descobertas dos
colegas facilita o relacionamento grupal.

Há também, muitos momentos em que os protocolos trazem situações de desabafo como o


ocorrido com o aluno Marco Palácio da encenação “Chamas na Penugem” do curso de Teatro
da Universidade de Sorocaba que no dia 19 de março de 2008 escreveu:

Estou cansado e nauseado, resolvi vomitar tudo nesse protocolo [...] peguei
justamente o pecado que não tem nada a ver comigo, a Ira... tenho meus
momentos de ira [...] mas minha ira é passageira e depressiva [...]
110

Figura 18 - aluno Marco Palácio na criação da cena do vício da Ira da encenação “Chamas na
Penugem”

Figura 19 - O aluno Marco na cena da Ira durante o ensaio geral da encenação


“Chamas na Penugem”
111

O aluno estava extremamente preocupado com a cena que assumira na montagem. Ele
acreditava não ser capaz de realizá-la, mas ao expor suas dificuldades recebeu um apoio maior
do grupo e durante o processo de criação do espetáculo ele conseguiu fazer a cena do vício da
ira. Tempos depois, Marco revelaria para o grupo sua alegria em ter enfrentado suas
dificuldades.

O protocolo é um enunciado criado por seu autor para ser compartilhado com o grupo do qual
participa e é criado depois de ocorrido o encontro do fazer teatral. O autor decide o que quer
dizer daquele encontro vivido, o que deixou marcas ou o provocou e sobre o qual resolveu
pensar. No princípio do protocolo está o compartilhamento da experiência vivida e como o
indivíduo se sentiu provocado pelos eventos.

No momento combinado com o grupo, o protocolo é compartilhado com os outros indivíduos.


Mas ninguém é obrigado a compartilhar se não se sentir a vontade para fazê-lo. O protocolo
pode ser apresentado na sua totalidade ou em parte, como for acertado com o grupo.

O protocolo parte dos eventos ocorridos no encontro vivido, mas não precisa ficar preso ao
relato do real. Pode seu autor ficar livre para criar e expressar como foi provocado pelos eventos
vividos no encontro em determinada data e que deu origem ao protocolo. O já citado protocolo
cena do aluno Robson Catalunha apresentava uma situação criada por ele e não o que realmente
ocorrera no encontro anterior. Os eventos vividos no encontro o motivaram a criar a cena
teatral, mas era fruto da sua imaginação e não descrição da realidade.

A aluna Ismália Ferraz da encenação “Chamas na Penugem” do curso de Teatro da


Universidade de Sorocaba inspirada pela criação do cenário da montagem que era composto por
um painel e uma grande árvore criada pelo artista e professor do curso Jaime Pinheiro, no dia 04
de junho de 2008 apresentou o seu protocolo em forma de poesia concreta.
112

Figura 20 - Jaime Pinheiro (a esquerda) na criação da árvore da encenação “Chamas na Penugem”


113
114

O enunciado do protocolo da aluna Ismália ganha a forma de uma árvore estilizada impressa no
papel. Inspirada pela grande árvore que compunha o cenário do espetáculo, a aluna mistura a
citação de elementos presentes na gravura de Brueghel usada como modelo de ação para a
criação da cena teatral, com o posicionamento em formato de cebola dos atores no palco durante
a cena inicial, e ainda com as impressões pessoais que tocaram sua sensibilidade. Ismália de
forma criativa expressa sua percepção do momento vivido no encontro. O protocolo da aluna
não cumpre o papel de relatar a realidade, mas como os eventos vividos a afetaram e como
autora do protocolo ela busca a melhor forma de expressar essas impressões.

Figura 21 - ao fundo a árvore e o painel do cenário da montagem “Chamas na Penugem”


115

No compartilhamento do protocolo ele é apresentado ao grupo. A pesquisadora Ingrid Koudela


propõe uma leitura fragmentada, cada indivíduo lê um trecho que deseja ressaltar do seu próprio
protocolo, podendo ler outro trecho em outro momento se assim o desejar. Depois de iniciada a
leitura, cada indivíduo escolhe o momento em que quer ler o seu texto, encaixando-o na
corrente de ideias formada pela leitura na Roda do Grande Protocolo. Temos, assim, um
momento único e irreptível na “escrita” de um grande protocolo formado pelos fragmentos dos
enunciados que cada indivíduo criou.

No segundo encontro realizado no dia 10 de fevereiro com o grupo de alunos do curso de Teatro
do ano de 2009 da Universidade de Sorocaba, a aluna Giovanna Lourenzetti da encenação ‘A
Ferida de Woyzeck’ escreveu em seu protocolo:

Cheguei um pouquinho atrasada, estavam sendo lidos os protocolos e, aliás,


de uma maneira dinâmica, em que trechos de cada protocolo eram lidos
alternadamente por seus autores possibilitando uma costura no diálogo.

A aluna Elizângela Albertin revela sua surpresa com o formato da Roda do Grande Protocolo,
mas também demonstra sua compreensão da formação de um novo protocolo, pois naquele
momento ocorria a construção de um protocolo coletivo. As junções dos fragmentos dos
protocolos individuais constituem a força da coletividade presente no processo de criação da
encenação proposta pela pesquisadora Koudela.

Depois de determinado o tempo estabelecido pela professora Koudela para a leitura dos
protocolos, é aberto um momento para discussão dos temas levantados. O que ocorre então é
uma conversa sobre o que foi proposto por todos os protocolos apresentados pelos indivíduos do
grupo. O processo de criação da encenadora Koudela é colaborativo e as discussões e a
oportunidade de expressar as próprias ideias no debate dos protocolos permitem a criação de
uma unidade no grupo, pois todos podem conhecer as propostas dos parceiros da montagem.

A pesquisadora Lúcia Lombardi (2010) que estudou a colaboração do protocolo na formação


reflexiva do professor ressalta em seu artigo “Jogos Teatrais na formação de Pedagogos” que:

Na proposição koudeliana a prática é o motor da reflexão: a partir dela é criado um


espaço para reflexões críticas sobre o trabalho, para o desenvolvimento de
116

habilidades metacognitivas, onde os sujeitos refletem individual e coletivamente


sobre suas estratégias de resolução de problemas e tomam consciência dos passos
durante o processo de aprendizagem. (p.1)

A reflexão feita após a apresentação do protocolo é fundamental no desenvolvimento da


metodologia de ensino-aprendizagem do teatro proposta pelo uso do instrumento de avaliação
protocolo. Na discussão promovida pelo protocolo, os indivíduos podem conhecer as dúvidas,
as preocupações, os avanços, e as descobertas dos outros componentes do grupo, assim como as
suas próprias que se intensificam, se organizam e reorganizam no seu próprio pensar. (BOY,
2007)

2.11 Mudanças no formato do protocolo

As primeiras Oficinas realizadas em 1978 aconteceram com o propósito de testar o Sistema de


Jogos Teatrais para crianças e adolescentes. Essas Oficinas ocorreram no Teatro São Pedro na
cidade de São Paulo e foram ministradas por Ingrid Koudela e Eduardo Amos, mas os
protocolos ainda não foram utilizados. Os pesquisadores se valeram de desenhos com as
crianças em alguns encontros e com os adolescentes foram utilizados questões para que eles
respondessem.

Nas Oficinas ocorridas nos anos 1979 e início dos anos 1980, com os diretores, atores e
escritores foram colhidos depoimentos algum tempo depois para que se registrasse o resultado
do trabalho realizado.

Na década de 1980 Koudela (1992) conheceu, na Alemanha, a proposta do Professor Vassem de


protocolo. Nessa proposta apenas um protocolo era escrito registrando o ocorrido no encontro,
ressaltando o fato de que não havia a experiência prática, o curso do Profº Vassem era teórico.
Um ou mais aluno ficava responsável por escrever um único protocolo que era lido no encontro
subseqüente e os colegas podiam fazer adendos que eram completados ao texto original.
117

No Brasil, Koudela começou a aplicar a proposta de Protocolo em 1990 na Universidade de São


Paulo, mas alterando a proposta do Profº Vassem, Koudela relacionou o protocolo à experiência
sensório-corporal do jogo teatral. Nessa época apenas um protocolo era escrito registrando os
eventos ocorridos no encontro. Um ou mais alunos criavam o texto do protocolo e liam para a
turma no encontro seguinte que também podiam complementar o texto criado.

Ao longo dos anos 1990, Koudela aplicou a proposta de protocolo em diversas oficinas e cursos.
Utilizou o instrumento de avaliação para registrar as experiências, analisar teoricamente e
produzir pesquisas acadêmicas que muito contribuíram para o desenvolvimento da área da
Pedagogia do Teatro.

Com o passar dos anos, Koudela deu um novo formato a proposta do protocolo. A pesquisadora
passou a propor que cada um escrevesse o seu próprio protocolo e no momento da leitura e
comentários sobre o texto, criou a leitura fragmentada formando um novo protocolo, mas agora
coletivo. Esse novo formato deu voz a todos os participantes que podiam a cada encontro
expressar suas ideias, dúvidas, descobertas, sugestões, etc. Esse novo formato permitiu a
polifonia de vozes que puderam se mostrar e compartilhar o momento vivido. Também o debate
se mostrou mais enriquecedor, pois vários temas surgiam na leitura e podiam ser discutidos por
todos.

A leitura fragmentada não permite a exclusividade de apenas uma voz ou tema, pelo contrário,
muitos assuntos são propostos e assim não há a centralização na opinião de apenas um aprendiz.
A multiplicidade das experiências refletidas permite o avanço de todos, pois quem não tinha
pensado num determinado assunto passa a refletir a partir da leitura do protocolo de um
companheiro de turma.
118

Figura 22 - ensaio geral da montagem ‘Chamas na Penugem’ em 2008

3. CAPÍTULO 2

“A arte deveria ser um elemento didático,

mas seu objetivo é causar prazer”

28 de dezembro de 1952

Brecht (1979, p. 331)


119

Neste capítulo faremos a importante fundamentação teórica do gênero discursivo protocolo,


com o pensar de Mikhail Bakhtin, e também veremos a compreensão dos elementos que
compõem a escrita. Desvelaremos ainda, com o pensador russo, a contribuição da Esfera
Artística do Teatro, do Dialogismo e a colaboração da Palavra do Outro na escrita do protocolo
produzido na criação da arte teatral. O pensamento bakhtiniano ainda elucidará os conceitos de
autor e autoria e a polifonia de vozes presentes na escrita do protocolo. Finalmente, com
Michael Foucault veremos os conceitos dos hupomnêmata e das cartas na metodologia de
ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo.

3.1 Protocolo – uma proposta pedagógica

Para compreendermos a contribuição da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro


proposta pelo uso do instrumento de avaliação protocolo, buscaremos no filósofo da linguagem
Bakhtin a fundamentação teórica para a análise do protocolo na criação de uma pedagogia de
leitura e escrita no teatro.

Até meados dos anos 70 do século XX, Mikhail Mikhálovich Bakhtin escreveu uma importante
contribuição para o estudo da linguagem. Ele e seus colaboradores, do chamado Círculo de
Bakhtin, trabalharam no sentido de fundamentar essa área do saber humano. Muitos dos
conceitos formulados por eles modificaram a compreensão da forma como a linguagem opera
nas sociedades humanas.

As ciências humanas, segundo Bakhtin (2006a), nascem como pensamento sobre os


pensamentos dos outros e os textos que registram esses pensamentos são criados num sistema de
signos aceitos num determinado grupo. Bakhtin ressalta ainda que o sentido de cada texto, isto
é, a intenção em prol do qual foi criado, é individual, único e singular.

De certa forma, na compreensão bakhtiniana (BAKHTIN, 2006a), todo texto sempre é criativo e
revela um indivíduo livre. O homem na criação do seu texto, falado ou escrito, exprime a si
mesmo e a sua humanidade, pois o indivíduo que é escritor é aquele que tem o dom do falar
indireto, de apresentar em seu próprio texto a fala de outros indivíduos.
120

Podemos encontrar no protocolo da aluna Amanda Sobral da encenação “Chamas na Penugem”


do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba escrito em 13 de fevereiro de 2008 a citação
das falas de várias pessoas que participavam juntamente com ela do grupo que criava a
encenação:

[...] a professora Ingrid nos pedia uma caminhada o mais natural possível
[...] A professora Ingrid propôs uma reflexão [...] eu citei o ator Yoshi Oida
que relata em seu livro ‘O ator invisível’ a importância de trabalhar corpo e
mente [...] a professora Ingrid comentou sobre a capacidade do ator em se
doar ao trabalhar para um objetivo coletivo [...] o Ramon ressaltou a
questão das tensões percebidas nas caminhadas [...] Flávio ao meu lado
reparou que no quadro os únicos a praticarem o coito propriamente dito
eram dois cachorros [...] Robson Roso me mostrou a capa do filme que
dizia ‘O homem é estomago e sexo’.

No fragmento do protocolo da aluna Amanda, encontramos alguns exemplos da citação da fala


indireta, pois ela registrou a fala de vários colegas da turma além do autor estudado. Esse
processo de escrita a partir da experiência vivida num grupo permitiu a aluna recuperar as
palavras dos outros componentes do grupo e ainda do autor estudado. A partir dessa
recuperação de dados, Amanda pôde refletir no momento do debate vivido com os outros
componentes do grupo.

Como ressalta Bakhtin em nossos enunciados cotidianos citamos as falas de outras pessoas. Os
protocolos dos alunos aqui pesquisados recuperam as falas dos colegas, dos professores, dos
autores estudados, entre outros, e a partir desses fragmentos podem refletir suas experiências
vividas no processo de criação teatral.

Para haver compreensão do autor de uma obra, Bakhtin (2006a) revela que precisamos ver e
compreender outra consciência, a consciência do outro e seu mundo, outro sujeito que é o autor.
O pensador afirma que o evento da compreensão é sempre dialógico, pois é sempre um correto
reflexo do reflexo. É um reflexo através do outro, é um objeto refletido.

O fato do autor do protocolo trazer a “fala” de outras pessoas participantes do processo de


montagem para o seu texto não tira a sua importância, nem o torna menor. A seleção das falas
revela a intenção do autor que ao organizá-las de determinada forma dá significados e mostra a
sua compreensão dos fatos vividos promovendo a recriação e a reflexão sobre o processo de
121

criação no teatro. Cada texto sempre cria algo novo e singular, segundo Bakhtin (2006a), nunca
é apenas um reflexo. Na verdade também se cria o objeto no processo de criação, cria-se o
próprio poeta, a sua visão do mundo e os meios de expressão.

A língua e a palavra são quase tudo na vida humana na concepção bakhtiniana. Para Bakhtin
(2006a) o significado da palavra só pode ser definido com o auxílio de outras palavras da
mesma língua e nas suas relações com elas. Só no texto e através dele o significado das palavras
cria uma relação com o conceito ou imagem artística ou com a realidade concreta.

Michael Foucault (2004, p. 146), em sua pesquisa sobre a escrita no mundo grego afirma que
“nenhuma técnica, nenhuma habilidade profissional pode ser adquirida sem exercício”, e o
filósofo ainda destaca que o grego Sêneca sentenciava que “é preciso ler, mas também
escrever”. Podemos encontrar no protocolo do aluno Ricardo Devito da encenação “Chamas na
Penugem” do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba escrito no dia 26 de março de 2008
um exemplo de um indivíduo que reflete sobre as técnicas e habilidades desenvolvidas durante a
formação de sua futura profissão.

Após a leitura dos protocolos, durante sua análise, se mostrou claro que
quaisquer referências que aproxime o modelo de ação às questões e
conceitos religiosos se distanciam da proposta do processo de montagem. A
exposição de cenas visualizadas na encenação ‘Paixão de Cristo’ nos serviu
como referência para a compreensão do conceito de Tableau Vivant [...]
Penso que esta proposta evidencia a busca da investigação de uma forma
própria [...] o repertório de muitos atores se mostrou determinante neste
processo

A colaboração do protocolo se evidencia pela recuperação dos fatos vividos e na reflexão


promovida durante o domínio de técnicas e o desenvolvimento de habilidades presentes no
processo de ensino-aprendizagem da arte teatral.

O material primordial na comunicação da vida cotidiana, segundo Bakhtin (2006b), é a palavra,


é justamente nesse domínio que a conversação e suas formas discursivas se situam. A palavra
está presente em todos os atos de compreensão e de interpretação. A palavra é uma espécie de
ponte lançada entre mim e os outros, ela é um território comum do locutor (quem fala) e do
interlocutor (com quem se fala).

A palavra, neste trabalho, interessa para compreender a colaboração da metodologia de ensino-


aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo na criação de uma pedagogia
122

de leitura e escrita no teatro. O protocolo registra a palavra do seu próprio autor e dos outros no
processo de interação verbal existente num grupo de indivíduos envolvidos com a arte teatral.
Por meio do exercício da mistura leitura/escrita presente nos protocolos, pode-se compor
combinações infinitas entre a diversidade de materiais (músicas, imagens, danças, poesias,
filmes, gestos corporais, entre outros) trazidos no processo do fazer teatral. Veremos agora,
como a palavra dos companheiros de cena participam da escrita do protocolo.

3.2 A palavra do outro no protocolo

Para compreendermos o protocolo, é necessário entendermos que ele tem o seu tema, ou seja, o
seu ponto inicial, promovido pelo momento vivido com um grupo de pessoas que estão unidas
pelo fazer teatral. Os protocolos são produzidos por seus autores depois de uma experiência
prática compartilhada com um grupo de indivíduos. É recorrente, portanto, o protocolo trazer as
palavras das outras pessoas participantes do processo vivido, ou ainda, de pessoas que não
estavam naquele momento experienciado, mas que de alguma forma se conectaram ao tema
trazido pelo encontro. A palavra presente no protocolo pode ser de um texto lido ou ouvido,
dentro ou fora do próprio grupo, mas é comum a palavra de outrem ser transmitida no protocolo.

Destacamos agora alguns exemplos que mostram a palavra do outro no enunciado do protocolo.
A aluna Ivanise de Carlo da encenação “Chamas na Penugem” do curso de Teatro da
Universidade de Sorocaba no dia 21 de maio de 2008 escreveu em seu protocolo:

A Paola começou a ler ‘Fênix chama-se o pássaro que a cada quinhentos


anos incendeia a si mesmo e renasce das próprias cinzas [...]’ –Tá o que é
fênix? Tem uma lenda atrás disso?

Ivanise destaca em seu protocolo a fala de uma colega de turma para ressaltar a sua surpresa
diante de um tema que desconhecia até aquele momento. A fala da colega a faz perceber a
necessidade da realização de pesquisas no processo de criação da cena teatral.
123

Em outro exemplo, a aluna Maria Madalena Soares da encenação “A Ferida Woyzeck” do curso
de Teatro da Universidade de Sorocaba no dia 04 de março de 2009 traz em seu protocolo a
palavra da própria professora Ingrid para expressar sua intenção:

Como a Ingrid, havia falado, o protocolo não precisa ter várias linhas, uma
linha pode dizer o que ocorreu na aula, neste dia posso dizer com duas
palavras ‘harmonia/interação’.

É a fala indireta da professora Ingrid que a aluna Maria Madalena destaca no seu protocolo
elaborado no processo de ensino-aprendizagem do teatro instituído pelo uso do gênero
discursivo protocolo, ela cita a fala que reforça a mensagem que desejava transmitir aos colegas.

No protocolo da aluna Elizângela Albertin da encenação “A Ferida Woyzeck” do curso de


Teatro da Universidade de Sorocaba do dia 18 de março de 2009 temos a exemplificação dos
protocolos que citam fragmentos de outras obras. No protocolo da aluna há a citação de um
poema de Fernando Pessoa e um trecho da obra de Viola Spolin:

‘Quando o verão me passa pela cara,


A mão leve e quente de sua brisa,
O que penso eu do mundo?
Seu lá o que penso do mundo!
Penso com os olhos e com os ouvidos.
E com as mãos e os pés
E com o nariz
E a boca.
Sou místico, mas só com o corpo.
Minha alma
É simples.
Fernando Pessoa’[...]

‘Aprendemos através da experiência, e ninguém ensina nada a ninguém’


Viola Spolin [...]”

A aluna Elizângela destaca em seu protocolo as palavras de outras pessoas que não estavam
envolvidas no processo, mas que de alguma forma para ela as ideias transmitidas por esses
autores se conectaram ao tema do encontro vivido e ela decidiu trazê-las para comunicar a sua
intenção.
124

No exemplo a seguir a aluna Maria Cristina Miyoshi da encenação “Chamas na Penugem” do


curso de Teatro da Universidade de Sorocaba no dia 04 de fevereiro de 2008 também destaca
em seu protocolo a fala de um autor:

[...] Estar neutro sem terem planejado nada antes, apenas estar ali no agora
desenvolvendo um relacionamento espontâneo? [...] Segundo Yoshi Oida,
esforço, treinamento, estudo e trabalho são as coisas nas quais devemos nos
concentrar. Depois de um longo período de servidão, surge um tipo de
liberdade [...]

A aluna Maria Cristina cita a fala do autor Yoshi Oida, estudado na sala de aula, para ratificar
sua análise do processo vivido na criação da encenação. A compreensão da palavra do outro no
nosso próprio discurso é fundamental no estudo do protocolo, pois como afirma o pensador
Bakhtin que estuda o problema da transmissão da fala dos outros, do exame das palavras e dos
discursos de outrem, esse é um dos temas mais essenciais da fala humana:

Em todos os domínios da vida e da criação ideológica nossa fala contém em


abundância palavras de outrem, transmitidas com todos os graus variáveis
de precisão e imparcialidade. Quanto mais intensa, diferenciada e elevada
for a vida social de uma coletividade falante, tanto mais a palavra do outro,
o enunciado do outro, como objeto de uma comunicação interessada, de
uma exegese, de uma discussão, de uma apreciação, de uma refutação, de
um reforço, de um desenvolvimento posterior, etc., tem peso específico
maior em todos os objetos do discurso. (BAKHTIN, 1998, p. 138 e 139)

O protocolo como um discurso que parte de um momento vivido numa coletividade artística do
fazer teatral traz a palavra de outrem proferida no cotidiano de um grupo. Essa palavra pode
assumir diversas intenções na interação verbal, pode concordar, confirmar, recusar, reforçar,
reiterar, completar o discurso do seu autor no processo de aquisição, desenvolvimento e
vivência da linguagem teatral.

Bakhtin (1998) pensa sobre o tema do sujeito que fala e como sua palavra está dentro da esfera
extraliterária da vida e da ideologia. O pensador afirma que ouvimos em nosso cotidiano falar
do sujeito que fala e daquilo que ele fala. Transmitimos, evocamos, ponderamos, julgamos as
palavras dos outros, as opiniões, as declarações, as informações. Indignamo-nos ou
125

concordamos com as palavras dos outros. Esse processo de interação verbal também aparece no
protocolo e é importante entender e interpretar as palavras dos outros no embate com as
palavras do próprio autor no interior do protocolo que nasce de um processo social de intensas
trocas.

Qualquer conversa é repleta de transmissões e interpretações das palavras dos outros. Em


muitos momentos ouvimos nas conversas citações ou referências àquilo que disse uma
determinada pessoa. A maioria das informações e opiniões não é transmitida diretamente, ou
seja, pelo próprio falante, mas referem-se a uma fonte geral indeterminada “ouvi dizer”.
(BAKHTIN, 1998)

Um exemplo das palavras dos outros nos protocolos ocorreu com o aluno Rodrigo Cintra da
encenação “Chama na Penugem” do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba que no dia 19
de março de 2008 registrou os comentários feitos pelos colegas da turma durante o processo de
criação do espetáculo:

[...] o vício destrói o homem ainda na terra [...] todas as figura da imagem
estão na mesma condição [...] o excesso é uma doença [...] maçã símbolo da
sedução [...] peru - potência viril [...] nenhum soberbo ama os deuses [...]

O aluno Rodrigo anotou em seu protocolo as frases ditas por outras pessoas envolvidas no
processo, ele selecionou e transmitiu as palavras, mas decidiu não identificar quem eram as
pessoas que as proferiram, apenas as retransmitiu o que coadunava com a intenção do seu
próprio protocolo.

Seguindo o pensar de Bakhtin (1998), na transmissão do discurso alheio no interior do protocolo


há certos procedimentos de enquadramento interpretativo: há a transmissão literal direta e há a
deformação paródica. Das palavras proferidas por outrem pode ocorrer um desvio, uma re-
acentuação, ou não. Esses procedimentos variam de acordo com a intenção do autor do
protocolo. No discurso cotidiano de qualquer pessoa que vive em sociedade pelo menos a
metade de todas as palavras pertence a outras pessoas e são transmitidas em todos os graus
possíveis de exatidão e imparcialidade.

Bakhtin (1998) afirma que


126

por maior que seja a precisão com que é transmitido o discurso de outrem incluído
no contexto sempre está submetido a notáveis transformações de significado. O
contexto que avoluma a palavra de outrem origina um fundo dialógico cuja
influência pode ser muito grande. Recorrendo a procedimentos de enquadramento
apropriados, pode-se conseguir transformações notáveis de um enunciado alheio,
citado de maneira exata. (p. 141)

E ainda que

Ao se estudar a diversa forma de transmissão do discurso de outrem não se


pode separar os procedimentos de elaboração deste discurso dos
procedimentos de seu enquadramento contextual (dialógico) um se
relaciona indissoluvelmente ao outro. (BAKHTIN, 1998, p. 141)

Quando a intenção do autor do protocolo é a transmissão literal direta das palavras do outro é
muito importante situar a conversação, quem esteve presente no encontro, que gesto fez ou que
expressão tinha ao falar, quais as nuances de sua entonação enquanto falava, pois todas essas
informações revelam e modificam a compreensão do discurso.

Segundo Bakhtin (1998) todo o este entourage da palavra e a personalidade do falante podem
ser representados e até mesmo desempenhados. Esta representação se submete, no entanto, aos
problemas de uma transmissão praticamente interessada e inteiramente condicionada por eles.

Relatar um texto com nossas próprias palavras é, para Bakhtin (1998, p. 142), fazer um relato
bivocal das palavras de outrem, pois “as nossas palavras” não devem dissolver completamente a
originalidade das palavras alheias, o relato, com nossas próprias palavras, deve trazer um caráter
misto, reproduzir nos lugares necessários o estilo e as expressões do texto transmitido.

Quando a intenção do autor do protocolo é modificar a palavra do outro, temos uma deformação
paródica. Nela o autor do protocolo re-acentuará, reelaborará, recriará a palavra de outrem para
atingir o objetivo que intenta com o seu discurso.

Encontramos um exemplo da modificação da palavra do outro no protocolo da aluna Melina


Aronchi que no dia 31 de março de 2009 escreveu um texto no qual fazia algumas
recomendações à personagem Marie da peça teatral ‘Woyzeck’ de George Büchner. A aluna
misturou partes do texto da peça com partes da letra do canto de trabalho ‘Pisei na tábua da
127

barca’ aprendida no processo de criação da montagem ‘A Ferida de Woyzeck’ do curso de


Teatro da Universidade de Sorocaba. A aluna reelaborou, transformou e recriou em seu
protocolo os textos estudados, criando uma deformação paródica.

E se Woyzeck chegar... Marie cubra o presente do amante, tire seu pé da


barca! Seus dedos formam vãos que o revelam, ah Marie. Pare de cobri-los,
pare de fingir, pare de mentir! A barca escorregou... Ah Marie. Seus lábios
confirmam a triste desconfiança, os vermelhos lábios dizem e brilham,
tremem e mentem a verdade que a levará a morte. Marie, não lhe restará
barca nova nem velha [...] Oi marinheiro, a barca escorregou, oi marinheiro.

Figura 23 - Cena com o coro de Marie na encenação “A Ferida Woyzeck”

Conforme Bakhtin (1998, p. 142) “deve-se incluir toda uma série de variantes da transmissão
que assimila a palavra de outrem em relação ao caráter do texto assimilado e dos objetivos
pedagógicos de sua compreensão e apreciação.” O objetivo da assimilação da palavra do outro
adquire um sentido ainda mais profundo e mais importante no processo de formação ideológica
do homem.
128

Assim, vimos que no campo de quase todo enunciado ocorre uma interação tensa e um conflito
entre a palavra do autor do protocolo e a de outrem, um processo de delimitação ou de
esclarecimento dialógico mútuo. Desta forma o enunciado do protocolo é um organismo muito
mais complexo e dinâmico. Segundo Bakhtin (1998, p.153), “só se pode falar da palavra do
outro, exatamente com a ajuda da própria palavra do outro.”

Compreendemos como a palavra do outro está presente e colabora na apreensão do processo


vivido proporcionada pela metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero
discursivo protocolo utilizado pela pesquisadora Koudela na arte do fazer teatral. Finalmente
veremos em seguida, com o mesmo pensador Bakhtin, a fundamentação do protocolo como um
gênero discursivo.

3.3 Protocolo – a fundamentação de um gênero discursivo

A fundamentação do protocolo como um gênero discursivo está embasada na obra do pensador


da linguagem Mikhail Bakhtin. Para tanto, compreenderemos como a palavra do autor e dos
outros indivíduos do grupo presentes no protocolo está fundamentada na língua, no enunciado,
na interação verbal, e ainda, o tema e a significação segundo o pensamento bakhtiniano.

3.4 Língua, enunciado e interação verbal

Bakhtin (2006b) afirma que para haver comunicação entre indivíduos de uma sociedade é
preciso que eles estejam socialmente organizados, que formem um grupo, uma unidade social,
pois só assim um sistema de signos pode constituir-se.

Numa sociedade organizada e na mesma comunidade lingüística podemos encontrar indivíduos


em diversas situações de interação verbal mediadas pela linguagem. Bakhtin (2006b) ressalta
129

que esses indivíduos precisam estar integrados, ter relações entre si, pois as condições básicas
para haver um ato de linguagem são: a unicidade do meio social e a do contexto social imediato.

A verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal


realizada através da enunciação. Na compreensão bakhtiniana (2006b, p. 116) o enunciado
(enunciação) “é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo
que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo
social ao qual pertence o locutor.” Há na formação do enunciado dois elementos que o
determina: o primeiro é a sua ideia, isto é a intenção que o autor tem ao transmitir seu
enunciado, e o segundo elemento é a realização dessa intenção. (BAKHTIN, 2006a)

Quando o autor do protocolo está escrevendo, ele pensa nos destinatários, ou interlocutores, do
seu enunciado (texto do protocolo), que são os outros componentes do grupo. O enunciado
procede de alguém e se destina a alguém. O protocolo como um enunciado procede do seu autor
e se destina aos participantes do grupo no qual ele está inserido, pois o protocolo é um texto
criado para ser compartilhado com o grupo do seu contexto social.

O centro organizador de toda enunciação está situado no meio social que envolve o indivíduo. O
enunciado não existe fora de um contexto sócio-ideológico, em que cada locutor tem um
horizonte social bem definido, pensado e dirigido a um público social também definido. O
enunciado só pode ser analisado na sua complexidade quando considerado como fenômeno
sócio-ideológico. (BAKHTIN, 2006b)

O protocolo com seu enunciado existe dentro de um contexto específico vivido no fazer teatral,
ele também é dirigido a um interlocutor definido, pois é ao componente do grupo no qual está
inserido a quem ele objetiva comunicar um tema. O enunciado sempre propõe uma réplica, uma
reação, é ainda, constituído de significação e de tema. Esses dois elementos integram-se,
formando um todo. A compreensão desse todo só pode ocorrer na interação entre os indivíduos.
O enunciado do protocolo é uma réplica ao vivido no grupo, e propõe uma reação aos outros
integrantes do grupo quando apresentado na interação verbal ocorrida na discussão após a
apresentação dos protocolos.

Um exemplo que mostra esse enunciado de réplica é o protocolo do aluno Marco Palácio da
encenação ‘Chamas na Penugem’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba do dia 18 de
março de 2008. Nesse protocolo o aluno escreveu a sua posição diante do que ficara decidido
130

pelo grupo na semana anterior, ele revela o seu descontentamento com a decisão tomada na
coletividade:

A divisão dos grupos da montagem já havia me deixado muito chateado.


Depois que soube que o grupo escolhido para a pesquisa de cada pecado,
seria o MESMO grupo responsável pela montagem da cena, ai foi o fim!
Detestei. [...]

Neste fragmento de enunciado de protocolo Marco responde ao que ocorrera no encontro. O


enunciado do protocolo do aluno só pode ser compreendido pelas informações contidas no
processo vivido durante a criação da montagem teatral. Para compreender profundamente o
ocorrido precisamos conhecer os fatos que suscitaram a criação de tal enunciado.

No esquema mais complexo de Bakhtin (2006a), o destinatário (interlocutor) assume um caráter


ativo na construção do enunciado, pois é ele quem dá forma e estilo. Bakhtin (2006a) ressalta
que todo enunciado (oral ou escrito) é individual e por isso reflete a individualidade do seu autor
revelando diferentes camadas e aspectos de uma personalidade individual. Na compreensão do
protocolo o destinatário não tem uma posição passiva na recepção do enunciado, pois precisa
haver uma atitude ativa por parte do interlocutor para que ocorra a apreensão do tema do
enunciado. Para Bakhtin (2006b)

qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo, deve conter o germe de uma
resposta. Só a compreensão ativa nos permite apreender o tema. Compreender a
enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela. A compreensão é uma
forma de diálogo, é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. (p. 136-37)

Então, na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro proposto com o uso do gênero


discursivo protocolo encontramos a atitude ativa dos alunos envolvidos no processo, permitindo
a todos a compreensão dos enunciados criados nos protocolos.

O protocolo como resultado de uma interação social num grupo que vive a arte teatral traz em
seu enunciado a palavra do seu próprio autor, mas traz também a palavra do outro que participa
da coletividade que compartilha a arte teatral.
131

Os alunos envolvidos no processo de aprendizagem da linguagem teatral sempre terão uma


atitude ativa, a compreensão da discussão, trazida pelo protocolo já produz essa atitude de
aprendizagem e no diálogo do indivíduo com o meio de interação social. Assim, a compreensão
dos elementos que compõem o protocolo se faz necessário, pois o gênero discursivo protocolo é
o resultado de uma situação socialmente organizada.

Veremos a seguir os elementos: tema e significação na compreensão bakhtiniana.

3.5 Tema e significação

É difícil traçar uma fronteira absoluta entre o tema e a significação do enunciado. Não há tema
sem significação e vice-versa (Bakhtin, 2006b). É impossível designar a significação de uma
palavra isolada, sem construir uma enunciação. O tema se apoia sobre certa estabilidade da
significação.

O tema da enunciação é individual e não reiterável, como afirma Bakhtin (2006b), se apresenta
como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem a enunciação, no protocolo
é o momento vivido no encontro do grupo teatral. Assim, o tema é determinado não só pelas
formas lingüísticas (palavras, sons, entonações, etc.), mas igualmente pelos elementos não-
verbais presentes na situação vivida na arte teatral.

Já a significação da enunciação pode ser analisada em um conjunto de significações ligadas aos


elementos linguísticos que a compõem, é um aparato técnico para a realização do tema.
(BAKHTIN, 2006b)

O tema constitui o estágio superior real da capacidade lingüística de significar, sendo a


significação um estágio inferior. A significação é um potencial de significar no interior de um
tema concreto. A significação é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através
do material de um determinado complexo sonoro. Só a corrente da comunicação verbal fornece
à palavra a luz da sua significação. (BAKHTIN, 2006b)
132

Nos fragmentos do enunciado do gênero discursivo protocolo da aluna Sônia Duó da encenação
‘Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba do
dia 31 de outubro de 2007 encontramos um texto que tem como tema o processo da encenação:

[...] não há como negar a existência de certo estranhamento em relação, à


forma como se deu o processo de nosso trabalho ‘Peixes Grandes Comem
Peixes Pequenos’.
A gravura escolhida e que seria ponto de partida despertava um interesse
muito grande, no entanto no que se refere ao espaço, para mim ficava muito
distante conseguir imaginar que ali seria possível realizar algo dessa
natureza, ou seja, utilizar os espaços da casa sede, para mim em especial
houve a necessidade de algum tempo até me acostumar e compreender a
ideia.
Quanto a maneira como as cenas foram desenvolvidas [...] imaginei que
cada aluno teria pronta a sua parte tendo que só decorar o texto e suas
posições da maneira mais tradicional possível. Jamais poderia imaginar que
tudo partiria de improvisações feitas por cada grupo de peixes tendo como
base a gravura de Peter Brueghel e alguns textos como ‘Se os tubarões
fossem homens’.
Confesso que o improviso também levou algum tempo para que eu pudesse
vê-lo com bons olhos, a segurança naquilo que estávamos fazendo foi
chegando aos poucos à medida que nossa professora Ingrid colocava seu
toque de conhecimento e experiência e tudo foi se moldando de maneira
que o que parecia tão anormal e difícil de aceitar deu lugar ao desejo de
fazer espontaneamente e não só o de apresentar, mas de jogar com o
público.”

Neste exemplo temos o tema do enunciado do gênero discursivo protocolo que é o próprio
processo de criação da encenação. A aluna Sônia mostra a sua surpresa com o modelo de ação
adotado por Koudela, o tema do enunciado do seu protocolo ganha significado na compreensão
dos eventos vividos e apresentados pela aluna no texto do seu protocolo. Os leitores podem
compreender a significação somente com as informações sobre o contexto em que o protocolo
foi produzido.

No enunciado do protocolo o tema é trazido pelos eventos vividos no encontro do grupo teatral,
a significação da enunciação está no efeito da interação do autor com os outros indivíduos do
grupo. Nessa interação ocorre o processo ativo, por parte dos interlocutores, na apreensão do
tema e da significação do enunciado do protocolo. O tema e a significação são indissociáveis no
processo de compreensão do enunciado do protocolo.
133

3.6 Protocolo - um gênero discursivo

Para a fundamentação teórica do protocolo, como um gênero discursivo, precisamos


compreender os elementos que compõem o enunciado, pois segundo a teoria bakhtiniana
(Bakhtin, 2006a), o emprego da língua só se efetua em forma de enunciados (orais ou escritos)
concretos e únicos. Os enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada
referida esfera da atividade humana através de três elementos: o conteúdo temático, o estilo e a
construção composicional. Cada esfera da atividade humana elabora seus próprios tipos
relativamente estáveis de enunciados ao qual Bakhtin denomina de gênero do discurso. O
protocolo é um tipo estável de enunciado utilizado na esfera artística do teatro. Nesta pesquisa,
o protocolo é compreendido como um gênero discursivo.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas, pois são inesgotáveis as
possibilidades da multiforme atividade humana, para Bakhtin (2006a) cada esfera possui um
repertório de gêneros discursivos que cresce, se diferencia e se complexifica de acordo com suas
necessidades.

Bakhtin (2006a) afirma que:

Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se


tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de
construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação
discursiva seria quase impossível. (p. 283)

Sempre que utilizamos a língua o fazemos num dado gênero, ainda que não tenhamos
consciência disso. É muito grande a variedade dos gêneros discursivos, abrangendo tanto
situações de comunicação oral como de escrita, englobando, desde as formas cotidianas mais
padronizadas ou as mais livres, e também as formas discursivas mais elaboradas, Bakhtin
(2006a) subdivide os gêneros em duas categorias: primários (simples) e secundários
(complexos).
134

O pensamento bakhtiniano (2006a) considera como gêneros primários todas as circunstâncias


em que uma comunicação verbal é realizada espontaneamente. Já os gêneros secundários
sofrem um processo de formação, pois são aqueles que aparecem em circunstâncias de
comunicação mais complexas como o romance, o drama, as pesquisas científicas de toda
espécie, os grandes gêneros publicísticos. Enfim, são os gêneros que surgem nas condições de
um convívio cultural mais complexo e relativamente mais desenvolvido, organizado e
predominantemente escrito. Pertencem ao gênero secundário, primordialmente, o artístico, o
científico, o sociopolítico, etc. No processo de formação dos gêneros secundários há a
incorporação e a reelaboração de diversos gêneros primários que se formam nas condições da
comunicação imediata.

O protocolo pertence ao gênero secundário, pois é predominantemente escrito e está inserido


num convívio cultural mais complexo e organizado na esfera artística do teatro. O protocolo,
como já observado em alguns exemplos desta pesquisa, incorpora formas diversas de outros
gêneros, de acordo com a necessidade e intenção do seu autor, expressando a sua
individualidade e o seu estilo. No gênero discursivo protocolo além de relatos sobre os eventos
ocorridos no encontro que o originou, podemos encontrar outros gêneros incorporados e
reelaborados como: o poema, a música, a paródia, a descrição, a narração, a resenha, a crítica, a
carta, o dramático, o desenho, a imagem, a fotografia, etc. O protocolo, como gênero discursivo
híbrido, aceita a mistura de diversos gêneros num mesmo texto.

Um forte exemplo desse hibridismo encontramos no trabalho do pesquisador Joaquim César


Moreira Gama (2000) que desenvolveu em sua dissertação de mestrado uma pesquisa sobre a
relação do processo e do produto teatral. Gama utilizou o protocolo para registrar o processo
vivido e valeu-se deles na análise realizada em sua pesquisa. O pesquisador relata em seu
trabalho as várias possibilidades de protocolos. Gama afirma ter usado três formas diferentes de
protocolo para registrar e recuperar a memória dos participantes da aula anterior durante um
processo no fazer teatral. As três formas empregadas por Gama em sua pesquisa são: os
protocolos-escritos em estrutura poética, protocolos-visuais (desenhos, fotos e recortes de
revistas) e protocolos-cenas.

Na presente pesquisa podemos compreender que as formas propostas por Gama no uso do
protocolo, mostram que o gênero discursivo protocolo é híbrido, por isso aceita a mistura dos
muitos gêneros existentes ao mostrar a intenção que o autor tinha ao criar o seu enunciado.
135

Na concepção bakhtiniana não pode haver enunciado isolado. Um enunciado sempre pressupõe
outros enunciados que o precederam e que o sucederão; ele nunca é o primeiro, nem o último; é
apenas um elo de uma corrente e não pode ser estudado fora dessa corrente. (BAKHTIN, 2006a)

O enunciado do protocolo origina-se em enunciados proferidos num determinado encontro de


um grupo de fazer teatral. Quando esse enunciado é apresentado aos outros indivíduos do grupo
e depois debatido, ele se conecta a outros enunciados que se seguirão a ele. O protocolo está
atrelado aos outros protocolos que o precederam e a outros que o sucederão na corrente da
comunicação verbal. Muitos protocolos citam e comentam trechos de outros enunciados de
protocolos apresentados na Roda do Grande Protocolo, formando assim, uma corrente
interminável de conexões. Um protocolo influencia o próximo e assim sucessivamente.

Bakhtin (2006a) determina que a totalidade acabada do enunciado para poder suscitar uma
reação de resposta depende de três fatores indissociáveis: 1) o tratamento exaustivo do objeto do
sentido (o conteúdo temático que varia conforme as esferas da comunicação verbal); 2) o
projeto de discurso ou o estilo do locutor; 3) a escolha da forma composicional do enunciado
(gênero). A alternância dos sujeitos do discurso é que determinam os limites de cada enunciado
de cada sujeito nas mais diversas esferas da atividade humana e da vida.

No enunciado do gênero discursivo protocolo encontramos os três fatores que determinam a


totalidade ou a inteireza do enunciado. Primeiro fator, o enunciado de todo protocolo tem como
ponto de partida os fatos ocorridos em um determinado encontro que são o seu tema. Segundo,
cada indivíduo seleciona dos acontecimentos do encontro aquilo que deseja ressaltar, ou o que
aquele evento lhe provocou determinando os limites do seu projeto discursivo, e finalmente o
indivíduo escolhe fazê-lo de determinada forma e estilo, o que determina o gênero.

A variedade no uso dos gêneros (a intenção e a escolha feita pelo autor) é determinada pela
situação discursiva, pela posição social e pelas relações pessoais entre os participantes da
comunicação. Quanto melhor se domina os gêneros, mais livremente se pode empregá-los,
expressando plena e nitidamente a sua individualidade realizando de modo acabado o seu
próprio e livre projeto de discurso. (BAKHTIN, 2006a)

Na escrita do enunciado do protocolo o autor tem uma intenção ao criá-lo partindo de uma
circunstância de comunicação artística e social vivida no grupo da esfera teatral. Essa intenção
determina que forma composicional ele dará ao seu enunciado. Quanto maior for o domínio do
136

autor dos mais variados gêneros discursivos existentes, mais rica, complexa e livre será a
reelaboração que ele fará na transmutação e criação do seu próprio enunciado no gênero
discursivo protocolo.

Bakhtin (1997) distingue três participantes do enunciado: o primeiro é o autor da produção


verbal; o segundo é o destinatário, a quem o autor espera e resume uma compreensão
responsiva; e o terceiro é o superdestinatário, quem “compreende” o enunciado.

Pode-se perceber, com essas características, que o dialogismo marca o enunciado tanto externa
quanto internamente: ele já se constrói dialogicamente como discurso do outro. A situação dos
participantes, portanto, define a forma e o estilo do enunciado.

No enunciado do protocolo encontramos os três participantes descritos pela teoria bakhtiniana


no discurso. Primeiramente, enunciado do protocolo tem o seu autor e é orientado ao outro que é
o seu destinatário e, há ainda, o superdestinatário que é todo aquele que compreende o
enunciado.

A esponsividade descrita por Bakhtin (2006a) está presente no enunciado do protocolo, pois é
mais um elo que liga os fatos e as ocorrências vividas pelo grupo da esfera teatral. Cada
indivíduo participante da leitura dos enunciados dos protocolos é um interlocutor e tem sempre
uma resposta-ativa. O discurso de um enunciado de um protocolo provoca outra reflexão e pode
gerar um novo protocolo formando a corrente da comunicação. Portanto, todo enunciado de
protocolo é uma resposta ao “já- dito”.

3.7 A esfera artística do teatro no protocolo

Segundo a pesquisadora brasileira Beth Brait (2006) para Bakhtin os enunciados refletem as
condições específicas e a finalidade de cada referida esfera, pela construção composicional, pelo
conteúdo temático e pelo estilo da linguagem. Cada enunciado é particular e individual, mas é
em cada esfera que se elabora os tipos relativamente estáveis de enunciados que são os gêneros
137

do discurso. E como as possibilidades da atividade humana são inesgotáveis também são


infinitas a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso.

Conforme afirma Brait (2006), para Bakhtin não se deve minimizar as extremas
heterogeneidades dos gêneros discursivos deveram atentar para a diferença essencial entre os
gêneros discursivos primários e os secundários, sendo que estes surgem no âmbito de um
convívio cultural mais complexo e organizado como o artístico entre outros, e assim integram
acontecimentos como artístico-literário.

Todo enunciado é individual e pode refletir a individualidade do falante, que possui estilo
individual. De acordo com o pensamento bakhtiniano, só no enunciado a língua nacional se
materializa na forma individual. Há uma relação orgânica e indissolúvel do gênero com o estilo.
Em cada esfera são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de
determinada esfera. Uma determinada função e condição de comunicação discursiva, específica
de cada esfera geram determinados gêneros, determinados tipos de enunciados estilísticos,
temáticos e composicionais relativamente estáveis. (BRAIT, 2006)

O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas, composição, tipos de construção,


de acabamento, de relação do falante com outros. O estilo integra a unidade de gênero do
enunciado como seu elemento. O enunciado e seus tipos, os gêneros discursivos, são correias de
transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. O tom é dado por
determinados gêneros do discurso, pelos primários e secundários.

Onde há estilo há gênero. Brait (2006) afirma, que segundo Bakhtin, a passagem do estilo de um
gênero para outro pode modificar ou renovar tal gênero. O ouvinte ao perceber e compreender o
significado (linguístico) do discurso ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição
responsiva. O ouvinte pode concordar ou discordar, pode completar, ou usar a posição
responsiva que se forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão, às vezes a
partir da primeira palavra do falante. Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de
natureza ativamente responsiva, toda compreensão é prenhe de resposta e o ouvinte pode se
tornar falante.

Seguindo o pensar bakhtiniano, o enunciado do protocolo pertence a esfera artística do teatro e


sua finalidade determina a construção composicional, o conteúdo temático e o estilo da
linguagem utilizado por seu autor. Assim, a esfera que elabora seus tipos relativamente estáveis
138

de enunciados que são os gêneros do discurso determina certas necessidades para melhor
expressar o projeto discursivo de seu autor, e este deve fazer suas escolhas para melhor refletir o
seu objetivo ao escrever o seu protocolo.

As possibilidades são enormes, pois são inesgotáveis e heterogêneas as necessidades das esferas
das quais os seres humanos participam. Nesta pesquisa, temos a esfera artística do teatro, com
suas especificidades, pois trabalha com o ato de criação na arte teatral. O enunciado criado no
protocolo é individual e reflete o estilo de cada um, mas ele reflete também o gênero escolhido.

Há na esfera artística do teatro características que pertencem a esse grupo específico e que
promovem o aprendizado da linguagem teatral na formação do aprendiz. Veremos agora, como
a palavra do falante que participa da esfera artística do teatro relaciona os muitos enunciados
que participam da interação verbal na criação da cena num grupo teatral.

3.8 O dialogismo no protocolo

O dialogismo é considerado como uma das formas composicionais do discurso. Segundo


Bakhtin (2006a, p. 320), “dois enunciados alheios confrontados, que não se conhecem e toquem
levemente o mesmo tema (ideia), entram inevitavelmente em relações dialógicas entre si. Eles
se tocam no território do tema comum, do pensamento comum.” A relação com o sentido e o ato
de compreensão do interlocutor, segundo Bakhtin (2006a), é dialógica, o que só é possível entre
enunciados concluídos e proferidos por distintos sujeitos falantes.

O outro (o interlocutor), não é apenas um ouvinte que compreende passivamente o enunciado,


mas aquele que responde e replica de maneira ativa, é um participante ativo da comunicação
discursiva. O falante constrói seu enunciado (estilo e composição) de acordo com a resposta que
ele espera. Por palavra do outro (enunciado) entende-se qualquer palavra de qualquer outra
pessoa, pronunciada ou escrita. O enunciado recebe dos participantes a forma e o estilo e é
socialmente dirigido. (BAKHTIN, 2006a)

O dialogismo é uma das características do protocolo, pois as relações dialógicas não podem ser
separadas do campo do discurso. O protocolo é o discurso de um locutor que está imerso na
139

linguagem. As relações dialógicas podem surgir na linguagem quando estão personificadas nos
enunciados de cada autor e convertem-se em posições de diferentes sujeitos expressos no
discurso.

Bakhtin (2006a) esclarece que para haver relações dialógicas são fundamentais as relações
lógicas e concreto-semânticas no discurso. As relações lógicas devem tornar-se dialógicas para
transformarem-se em discurso, enunciado com autor declarado, cujas posições são expressas,
pois todo enunciado tem autor.

Para a teoria de Bakhtin (2006a), não existe discurso neutro e nem fala individual.

A palavra (em geral qualquer signo) é interindividual. Tudo o que é dito, o


que é expresso se encontra fora da “alma” do falante, não pertence apenas a
ele. A palavra não pode ser entregue apenas ao falante. O autor (falante)
tem seus direitos inalienáveis sobre a palavra, mas o ouvinte também tem os
seus direitos; têm também os seus direitos aqueles cujas vozes estão na
palavra encontrada de antemão pelo autor (porque não há palavra sem
dono). (p. 327-28)

As relações dialógicas são possíveis a qualquer parte significante do enunciado, se ouvirmos


nele a voz do outro. Essas relações dialógicas podem, ainda, penetrar no âmago do enunciado,
inclusive no íntimo de uma palavra isolada se nela se chocam dialogicamente duas vozes (o
microdiálogo). Para Bakhtin (1999, p. 184-5) “o discurso bivocal surge sob as condições da
comunicação dialógica da vida autêntica da palavra.”

O protocolo materializado em enunciados criados por sujeitos distintos transformam-se em


enunciados concretos, possibilitando o surgimento das relações dialógicas. O protocolo traz a
voz do seu autor com suas posições expressas no enunciado, mas pode ter também outras vozes
que se relacionam dialogicamente na concretude da interação verbal.

Só há compreensão dos enunciados dos outros quando há reação às palavras que despertam
ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. De acordo com Bakhtin (1999), compreender
vai além de decodificar o sinal ou a forma lingüística. O que realmente importa é a interação dos
significados das palavras e seu conteúdo ideológico, tanto do ponto de vista enunciativo como
das condições de produção e da interação locutor/receptor.
140

O enunciado do protocolo é parte da corrente da comunicação citando diálogos ocorridos nos


eventos vividos no grupo da esfera teatral. Os enunciados que são eventos únicos, são proferidos
e podem ser citados nos protocolos, sendo eles escritos ou orais. Na leitura dos protocolos e no
posterior debate, cada ouvinte pode tornar-se um falante, pois é um momento aberto para a
manifestação de todos que desejarem fazê-lo. E finalmente, a compreensão é dialógica, pois
todos os participantes ao compreenderem o diálogo tornam-se participantes ativos da
comunicação, mesmo aqueles que optarem por não falar seus pensamentos.

As relações dialógicas de um discurso com outro discurso funcionam num conjunto de


fenômenos do discurso-arte: a estilização, a paródia, o skaz e o diálogo. Para Bakhtin (1999),
nesse conjunto de fenômenos a palavra tem um duplo sentido, e está voltada para outro
discurso. O pensador afirma que é necessário conhecer o contexto do outro discurso para
estabelecer e compreender as relações dialógicas existentes.

No enunciado do protocolo encontramos a manifestação desse conjunto de fenômenos do


discurso-arte. Muitos protocolos são criados estabelecendo “pontes” com outras obras artísticas,
das mais diversas linguagens. Encontramos a estilização, ou a paródia de músicas, poemas,
espetáculos, filmes, assim como o diálogo com outros discursos que nomeiam, citam, enunciam,
comunicam, representam, entre outros.

No enunciado do fragmento do protocolo do pesquisador Luciano Fraga do dia 14 de setembro


de 2011 do curso ‘Teoria e Prática da Peça Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo encontramos um poema criado por ele
para representar o momento vivido no encontro anterior. Luciano improvisara a partir da leitura
da gravura de Brueghel intitulada ‘Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos’. Suas reflexões
promovidas pela experiência sensório-corporal vivida no jogo o provocaram a criar o poema.
No enunciado do protocolo temos duas vozes que se chocam e entram em relação dialógica, a
voz do próprio autor, Luciano, e do Brueghel.

Peixes grandes comem peixes pequenos.


Peixes são peixes
Homens são homens
O que é grande?
O que é pequeno?
Grande é forte?
Pequeno é fraco?
O que são peixes?
141

Peixes são peixes.


Homem não é peixe.
Há homens fortes que são pequenos
Há homens pequenos são fortes.
Peixes grandes são sempre peixes.
Homens são sempre homens.
Na alegoria peixes são homens.
Na realidade homens não são peixes. [...]

As relações de acordo-desacordo, afirmação-complemento, pergunta-resposta presentes no


enunciado dos protocolos são relações dialógicas. Para Bakhtin (2006a) ver e compreender o
autor de uma obra significa ver e compreender outra consciência, a consciência do outro e seu
mundo. E como afirma Bakhtin a compreensão é sempre dialógica. A compreensão de um
enunciado é sempre um correto reflexo do reflexo. Um reflexo através do outro no sentido do
objeto refletido.

No enunciado do protocolo da pesquisadora Lígia Helena do curso ‘Teoria e Prática da Peça


Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo do dia 14 de setembro de 2011, encontramos apenas o título da gravura de Peter
Brueghel escrito e uma imagem selecionada por ela. Para Lígia essa imagem tinha uma relação
com o tema do encontro vivido na semana anterior, no qual a proposta fora uma improvisação
que relacionava a leitura da gravura de Brueghel e o jogo teatral.
142

Peixes Grandes comem Peixes Pequenos

O enunciado do protocolo da pesquisadora Ligia numa relação dialógica traz a citação de duas
obras de diferentes autores. Lígia estabeleceu uma conexão entre as duas obras, e assim criou o
seu próprio enunciado. Os companheiros de turma puderam observar seu protocolo e numa
atitude ativa compreender a relação dialógica estabelecia com os fatos vividos no grupo da
esfera teatral. Para Bakhtin (2006a, p. 326) “o enunciado nunca é apenas um reflexo, ele sempre
cria algo que não existia antes dele, absolutamente novo e singular.” Neste caso o novo é a
conexão estabelecida por Lígia.

Na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo


encontramos o embate vivido pelo autor que se defronta com as consciências de outros autores,
sejam eles autores de outros protocolos ou autores de outros textos lidos e estudados no
processo de criação da esfera teatral. Entrar em contato com esses outros autores é buscar
compreender suas consciências, é, portanto, um processo dialógico vivido na compreensão do
texto e do mundo do outro.

O pensador Paulo Freire (2002) afirma que é importante que professor e alunos sejam
epistemologicamente curiosos, é essencial que saibam que a postura deles deve ser dialógica,
aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve.
143

No enunciado do protocolo há um a grande quantidade de enunciados alheios que estabelecem


relações dialógicas, pois como compreendemos com Bakhtin (2006a), até mesmo o discurso
direto do autor é cheio de palavras conscientizadas dos outros.

As relações dialógicas presentes nos enunciados dos protocolos, compreendido pelo pensar de
Bakhtin (2006a), são de índole específica e não podem ser reduzidas a apenas relações lógicas
ou linguísticas. Elas só são possíveis entre enunciados integrais de diferentes sujeitos do
discurso, ou seja, entre diferentes textos, de protocolos ou não, de diferentes autores. Duas
produções do discurso, enunciados confrontados entre si, entram em um tipo especial de
relações semânticas que chamamos dialógicas. O significado da palavra é definido apenas com
o auxílio de outras palavras da mesma língua e nas suas relações com elas; só no enunciado e
através do enunciado tal significado chega à relação com o conceito ou imagem artística ou com
a realidade concreta.

Veremos a seguir, ainda fundados no pensador Bakhtin a compreensão que diferencia o autor da
autoria na escrita do enunciado do protocolo.

3.9 Autor e autoria no protocolo

Para Bakhtin (2006a) todo enunciado tem um autor e o protocolo como um enunciado
produzido na esfera artística do teatro tem autor definido, assim seguindo o pensar bakhtiniano,
compreenderemos os conceitos de autor e autoria.

De acordo com a pesquisadora Beth Brait, há uma diferenciação no pensamento bakhtiniano


sobre autor-pessoa e autor-criador. Brait (2006) afirma que para Bakhtin o autor-pessoa é o
escritor, o artista; já o autor-criador é a função estética formal engendradora da obra, um
constituinte do objeto estético, e é esse constituinte que dá forma ao objeto estético, é o pivô que
sustenta a unidade do todo esteticamente consumado.

Para haver ato criador é preciso haver deslocamento na teoria de Bakhtin (2006a). Para o
pensador ao escrever uma autobiografia o escritor precisa se posicionar axiologicamente frente à
própria vida, sujeitando-a a uma valoração que ultrapasse o limite do apenas vivido. Ao tomar
144

uma posição axiológica frente à própria vida, o escritor precisa dar certo acabamento, o que ele
só atingirá ao distanciar-se da vida, e olhá-la de fora. É preciso tornar-se outro em relação a si
mesmo, é necessário, auto-objetificar-se, olhar-se com certo excedente de visão e conhecimento.

Bakhtin (2006a) explica que o ato de autocontemplar-se no espelho pode motivar a reflexão. Na
autocontemplação pode-se ver no espelho uma face nunca vista efetivamente na vida vivida,
pois o que se vê no espelho é apenas um reflexo do exterior. Os indivíduos se projetam uns nos
outros. Nunca se está sozinho, sempre há um segundo participante que está sempre envolvido no
evento da autocontemplação.

Na escrita do enunciado do protocolo o aluno, que é o autor, exercita o deslocar-se ao


posicionar-se axiologicamente diante da própria vida olhando-se de fora. O aluno autor se
lembra dos eventos vividos no encontro com o grupo da esfera teatral e busca nos
acontecimentos o seu tema. De acordo com a sua intenção em criar um enunciado no seu
protocolo, ele tem três possibilidades para escrever o seu enunciado.

Primeiramente, ele pode escolher narrar os eventos vividos de forma descritiva. Na escrita do
enunciado do protocolo que relata o evento vivido, o autor ao escrever o protocolo auto-
obejetifica-se a si mesmo com certo excedente de visão, para refletir sobre os acontecimentos
vivenciados juntamente com os outros indivíduos do grupo que coletivamente participam do
processo experienciado na arte teatral.

No fragmento do enunciado do protocolo da pesquisadora Daniele Marques escrito em 14 de


setembro de 2011 do curso ‘Teoria e Prática da Peça Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo encontramos um exemplo do
afastamento e do acabamento da própria vida:

Observe se o homem ajuda o homem.


No começo da aula: fui a última a chegar e um homem me ajudou a
encontrar uma cadeira para sentar.
Quem não estava ajudando era o frio que nos castigava depois de alguns
dias quentes.
Algumas imagens no chão, em círculo, 12 pelo que me lembro. Nós em
redor delas observando e nos detendo mais ou menos em cada uma, de
acordo com nosso interesse e necessidade. Eram muito diversas: desenhos
animados, misses, crianças morrendo… a ajuda estava presente e a
necessidade dela estava gritante.
145

A diversidade de imagens e tensões nos lembrou a televisão, que joga


informações rasas e, aparentemente, aleatórias nos deixando, às vezes,
anestesiados. Diariamente me flagro olhando para um ser humano que sofre
com o mesmo interesse que olho para o resultado do futebol: nenhum.
Minha imagem mostra um velho ajudando um menino a plantar uma árvore.
No entanto, trata-se de uma propaganda de carro. O homem ajuda o
homem?[...]

Neste fragmento de enunciado de protocolo a pesquisadora Daniele decidiu relatar como ela viu
os fatos ocorridos no encontro no grupo do curso. Como autora, ela auto-objetificou-se,
olhando-se de fora, pôde refletir sobre os acontecimentos ocorridos com ela mesma. Daniele
pôde narrar com um excedente de visão os acontecimentos vivenciados no grupo do fazer
teatral. Esses fatos narrados clarificam a intenção da autora no enunciado do protocolo que
decidiu ressaltar determinados acontecimentos.

A segunda possibilidade é tomar o caminho da criação de um enunciado inventivo, isto é, criar


um protocolo que parte do tema do encontro, não apenas relatando, mas criando um enunciado
inovador.

No enunciado do protocolo da pesquisadora Naila Broisler do curso ‘Teoria e Prática da Peça


Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, do dia 14 de setembro de 2011, encontramos um exemplo de um protocolo criativo.
Como autora Naila não se preocupou em apenas relatar os fatos vividos, mas de forma criativa
através de um texto poético buscou passar suas impressões sobre os eventos. Ela ainda escolheu
e anexou uma imagem que complementava sua intenção ao criar o enunciado híbrido, poema e
imagem, do seu protocolo.
146

“Imagens? Vi. Ouvi. Dia de ouvir. Ouvido.


Exercitei a audição. Mais do que a visão. Mas e aí?
No ar, a sensação. Agora é prática. É A-TUA-AÇÃO.
Neste protocolo, não há descrição.

A pesquisadora Naila escolheu dos eventos vividos aqueles que desejava ressaltar e criou o
enunciado do seu protocolo sem a obrigação de apenas relatar os fatos, mas tocada pelos
eventos criou um objeto estético.

E finalmente, o autor pode ainda, fazer uma mistura do relato do vivido com a criação de um
enunciado inventivo, isto é, com partes que relatam e outras ficcionais. No fragmento do
protocolo do pesquisador Alexandre Falcão, do dia 13 de dezembro de 2011 do curso ‘Teoria e
Prática da Peça Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, podemos identificar um exemplo de autor que decide relatar os
fatos vividos misturados a suas impressões de forma criativa:

Hello Helô!
A USP estava silenciosa, pela ausência
A USP estava ruidosa, violência
A USP estava perigosa, impaciência
A USP estava melindrosa, excrescência
[…]
147

Voz é corpo
Palavra é matéria
Poucas vezes isso esteve tão claro pra mim, quanto no exercício de quarta
passada.
O vazio está preenchido de sons, movimentos e sentidos.
A leitura como um jogo, a leitura como construção coletiva e polissêmica
de um discurso, de uma narrativa, de uma imagem.
Leitura performática. Aula-performática. Isso me agrada. Isso me cativa.
Isso me faz perceber o carinho e dedicação com que a Helô preparou a aula.
Não sinto vontade de imprimir um discurso linear sobre estas linhas. As
palavras me veem à mente, e recordo sensações espalhadas pelas curvas
diagonais da sala de aula.
Cartazes dispostos em planos e com conteúdos distintos. Folhas-fragmentos
de uma psique concreta alemã, de esquerda.
Não, eu não estive presente em todo o exercício de leitura. Cabulei minutos
de Brecht para visitar um inquieto cerebétiral.
No entanto, eu era plenamente capaz de contar o que havia lido. Dialética.
Me deu vontade de…

Neste enunciado de protocolo, o autor Alexandre decidiu apresentar os fatos ocorridos de forma
poética. Em seu poema encontramos partes que relatam os eventos ocorridos no dia,
conseguimos perceber o que aconteceu no encontro, mas seu poema também traz suas
impressões alternando o relato dos fatos com a subjetividade criativa da poesia.

No enunciado do protocolo, o indivíduo que o escreve se torna autor-criador de sua obra, e traz
outro olhar, pois para escrever-se é necessário sair de si mesmo e tornar-se objeto de sua própria
análise. O autor torna-se distinto de sua autoria que é o enunciado do seu discurso escrito no
protocolo. O enunciado do protocolo traz uma característica que o afasta da vida real, por isso
criação, que é o acabamento. Ao afastar-se de si mesmo o autor pode dar acabamento ao seu
discurso, tornando-se concluso, o que não é possível na vida vivida, pois estamos dentro do
evento e não nos afastamos.

Percebemos a importante colaboração do exercício de escrita promovida pela metodologia de


ensino-aprendizagem do teatro com o instrumento de avaliação protocolo. Esse exercício leva o
aprendiz a se tornar autor de seu próprio processo de construção de conhecimento. Refletindo
sobre suas experiências o autor do enunciado do protocolo se desloca de si mesmo e auto-
objetifica-se analisando o seu próprio processo de formação.
148

3.10 Autor-pessoa e autor-criador

Faraco destaca (BRAIT, 2006) que na compreensão bakhtiniana o autor-criador é quem


determina a forma que o conteúdo terá. O autor-criador não apenas registra passivamente os
eventos da vida vivida, mas ao tomar certa posição axiológica, recorta-os e reorganiza-os
esteticamente.

Escrever um enunciado de um protocolo exige do seu autor uma tomada de posição axiológica
diante da própria vida. Para se tornar um autor-criador é preciso reorganizar os eventos vividos
no grupo na esfera artística do teatro. Faraco (BRAIT, 2006), afirma ainda que na chave
bakhtiniana o ato criativo envolve um complexo processo de transposições refratadas da vida
para a arte.

O enunciado do protocolo pode ter características da biografia, pois tem o seu tema, o seu ponto
inicial, nos eventos vividos, mas não há obrigatoriedade do registro ser apenas os
acontecimentos vividos. Quando o enunciado do protocolo apenas relata os acontecimentos,
temos como define Bakhtin (2006a, p. 153) um autor “ingênuo.”

De acordo com Bakhtin (2006a)

O desígnio da biografia visa a um leitor íntimo, partícipe do mesmo mundo


da alteridade; esse leitor ocupa a posição do outro. O leitor crítico percebe a
biografia até certo ponto como material semibruto para a enformação e o
acabamento artístico. A percepção costuma completar a posição do autor até
atingir a plena distância axiológica e insere elementos transgredientes mais
substanciais e concludentes.
(p. 152)

Quanto menos fiel aos eventos vividos for o enunciado do protocolo, maior a possibilidade da
criação estética. Muitas vezes os acontecimentos presentes nos enunciados dos protocolos são
tangenciados através da criação de uma poesia, música, gesto, cena, enfim, um elemento
149

estético criado por seu autor. Quanto mais se afastar do registro do vivido mais criativo e
artístico poderá ser o enunciado do protocolo.

Compreenderemos, agora, a importância do registro do momento vivido e a sua colaboração na


formação do aprendiz da linguagem teatral.

3.11 Autobiografia e biografia

O enunciado do protocolo pode trazer o relato de um momento vivido com um grupo de fazer
teatral, e há a possibilidade de ocorrer, nesse relato, o aparecimento de características
pertencentes à autobiografia ou à biografia. Em Bakhtin encontramos um importante estudo
sobre essas formas de escrita, seu valor e suas contribuições.

Segundo o estudo de Bakhtin (2006a), no mundo grego, o dilema da confissão ou da biografia


perpassou toda a vida e obra de Petrarca. E foi exatamente com Petrarca que a diretriz
axiológica biográfica venceu a confessional. No final da Idade Média apareceram as formas do
auto-informe-confissão e da autobiografia. Na Idade Moderna observou-se o choque, a luta, no
embate entre o diário confessional e o biográfico.

Entre a autobiografia e a biografia não existe um limite claro para Bakhtin. O pensador
compreende tanto a biografia quanto a autobiografia como sendo a descrição de uma vida.
Bakhtin (2006a, p. 139), afirma que a autobiografia é “a forma transgrediente imediata em que
posso objetivar artisticamente a mim mesmo e minha vida.”

Uma característica presente na autobiografia é a coincidência entre a figura da personagem e o


autor, mas Bakhtin (2006a) ressalta que a coincidência no interior do todo artístico do autor com
a personagem não elimina a diferença entre esses dois elementos.

Quando o enunciado do protocolo traz o relato dos momentos vividos no grupo do fazer teatral
temos a coincidência do autor com a personagem no interior do enunciado. Bakhtin (2006a)
chama o autor de “ingênuo” quando há essa coincidência, afirma não haver fronteiras precisas
nos elementos de isolamento e acabamento na escrita autobiográfica, mas para ele isso não
150

diminui a importância dos enunciados biográficos. Bakhtin ainda assegura serem comuns os
valores da vida e da arte.

Para Bakhtin (2006a)

No que concerne aos chamados elementos autobiográficos na obra, eles podem


variar muito, podem ter caráter confessional, caráter de informe prático puramente
objetivo sobre o ato (o ato cognitivo do pensamento, o ato político, prático, etc.),
ou, por último, caráter de lírica [...]. (p. 139)

O enunciado do protocolo que traz o informe prático sobre o ato cognitivo do pensamento tem
uma importante contribuição ao fazer refletir sobre o momento vivido e permite um avanço na
experiência e no domínio da linguagem da arte teatral. O valor biográfico está em organizar a
narração do vivenciamento da própria vida e também a do outro promovendo uma tomada de
consciência.

O autor da biografia é aquele outro possível, que está conosco quando nos olhamos no espelho.
Ao escrever o enunciado do protocolo, o autor precisa tomar outra posição, isto é, precisa sair
de si mesmo e se olhar de fora, com o olhar de outro. Essa saída de si promove segundo Bakhtin
(2006a), a percepção de si mesmo na humanidade, numa coletividade, numa família, numa
nação. O autor do enunciado do protocolo se entrelaça na estrutura formal da vida. Bakhtin
(2006a) ressalta que:

[...] só a familiarização axiológica estreita e orgânica com o mundo dos


outros torna produtiva a auto-objetivação biográfica da vida e a reveste de
autoridade, fortalece e torna não fortuita em mim a posição do outro [...] (p.
142)

Ao escrever o enunciado do protocolo o seu autor é obrigado a se colocar no grupo do fazer


teatral. Ele precisa ver os outros integrantes do grupo no embate com o objeto artístico. Precisa
ver a si mesmo de fora, como se fosse outro indivíduo. O trabalho da arte teatral, que é
prioritariamente, feito na coletividade permite o exercício da alteridade e o se colocar no todo
artístico.
151

Na compreensão de Bakhtin (2006a, p.143) há dois tipos básicos de consciências biográficas


axiológicas: o primeiro é o “aventuresco-heroico” e o segundo o “social de costumes”.

O tipo básico de consciência axiológica aventuresco-heroico apresenta três valores: a vontade de


ser herói, a vontade de ser amado e a vontade de superar a fabulação da vida. Todos esses
valores organizam a vida e os atos do herói biográfico. Esses valores são até certo ponto
estéticos e podem organizar a representação artística da vida pelo próprio autor que não deixa de
estar familiarizado com a existência da alteridade. (BAKHTIN, 2006a)

A vontade de superar a fabulação da vida é vivenciar a determinidade das situações do dia a dia,
sua alternância e variedade, sem nada concluir, mantendo tudo em aberto. (BAKHTIN, 2006a)

Na biografia do segundo tipo que é a social de costumes não há histórias como força
organizadora da vida e a sociedade humana é a dos heróis vivos na qual os viventes de hoje e
suas relações são apenas um momento passageiro.

Na biografia social de costumes há dois planos: no primeiro, o herói-narrador parece situar-se


na fronteira da narração, ora entrando nela como personagem biográfica, ora coincidindo com
autor. No segundo plano, as outras personagens podem ser só tipos, caracteres e tem um enredo
acabado, desde que não esteja muito entrelaçado ao narrador.

Na forma biográfica, o autor tem os mesmos valores que a personagem, ele não possui
elementos excedentes e transgredientes que a personagem não possua. Ele só dá continuidade a
própria vida das personagens.

Na biografia o autor é ingênuo, entre autor e personagem não há contraposição de princípio,


seus contextos axiológicos são congêneres. O autor é solidário com a personagem em sua
ingenuidade passiva. O mundo da biografia não é fechado nem concluído. A biografia não é
uma obra e sim um ato estetizado orgânico e ingênuo, por princípio aberto, mas organicamente
autossuficiente. O desígnio da biografia visa um leitor íntimo, partícipe do mesmo mundo da
alteridade. O leitor crítico percebe a biografia até certo ponto como material semibruto para a
enformação e o acabamento artístico.

Bakhtin (2006a) alerta sobre a possibilidade de haver a estilização da forma biográfica por um
autor crítico. Para ele, o autor pode tornar-se puro artista deixando de ser ingênuo e enraizado
no mundo da alteridade, onde há ruptura do parentesco entre personagem e autor. Quando o
152

autor do protocolo escreve de forma a relatar o vivido, segundo o pensar bakhtiniano, o texto
adquire as características da biografia. O enunciado do protocolo registra um processo vivido
num grupo teatral, e esse grupo tem uma relação de experiência compartilhada e, portanto, com
certa intimidade. Há uma aproximação entre o autor do enunciado do protocolo e suas
personagens que são os próprios parceiros do grupo.

Buscaremos agora compreender nos enunciados dos protocolos as vozes que se apresentam no
relato dos momentos vividos no processo de formação do aprendiz da linguagem teatral.

3.12 Polifonia no protocolo

A polifonia é um dos conceitos criados por Bakhtin que nos permite, nesta pesquisa,
compreender a contribuição da presença da fala de outras pessoas nos protocolos. Segundo os
estudos de Bakhtin (2006a) a polifonia se caracteriza por vozes polêmicas em um discurso. Há
gêneros dialógicos monofônicos (uma voz que domina as outras vozes), gêneros bifônicos (duas
vozes diversas se alternam no discurso) e gêneros dialógicos polifônicos (vozes polêmicas com
consciências independentes).

A renomada pesquisadora da obra de Bakhtin, Beth Brait (2006) afirma que segundo Bakhtin,
Dostoiévski é o criador do romance polifônico que apresenta contradições irremediáveis. Não
há superação dialética dos conflitos desenvolvidos na trama do romance de Dostoiévski. No
romance polifônico de Dostoiévski não há resolução, não há síntese, não se atinge uma
apoteose. Segundo Bakhtin (2002), a multiplicidade de vozes e consciências independentes e
imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade
fundamental dos romances de Dostoiévski.

A consciência do herói é dada como a outra, a consciência do outro, mas não se objetifica, não
se torna simples objeto da consciência do autor porque não perde sua condição de ser autônomo
e equipolente do discurso dialogado. A consciência, tanto do autor quanto das personagens, é
infinita e inconclusa. (BAKHTIN, 2006a)
153

Dostoiévski, o romancista estabelece uma relação única com suas personagens, os quais têm voz
própria e o mínimo de interferência da parte dele como autor, criando, assim, um novo gênero
denominado por Bakhtin de polifônico, porque apresenta muitos pontos de vista, muitas vozes,
cada qual recebendo do narrador o que lhe é devido. (BAKHTIN, 2006a)

Na polifonia, o dialogismo se deixa ver ou entrever por meio de vozes polêmicas, isto é, vozes
que não são consoantes, que não tem a mesma consciência nem se orientam para o mesmo
lugar, mas se apresentam de forma independente, cada uma expressando o seu pensar.

Na monofonia, há, apenas, o dialogismo, que é constitutivo da linguagem, o diálogo é


mascarado e somente uma voz se faz ouvir, pois as demais são abafadas. Somente uma voz
aparece, as ideias e opiniões das outras vozes são apresentadas por meio de uma única voz.

Segundo Brait (2006) a principal distinção feita por Bakhtin entre a polifonia e o dialogismo é
que podemos encontrar na polifonia o dialogismo polifônico, e na dialogia podemos encontrar a
monofonia ou o dialogismo monofônico.

No protocolo é possível encontrarmos o dialogismo monofônico, onde apenas o autor, se faz


ouvir. Sabe-se dos eventos narrados por seu intermédio, apenas sua voz aparece no discurso.

No enunciado do protocolo do aluno Michael Farah do dia 6 de maio de 2008 da encenação


‘Chamas na Penugem’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba encontramos um
exemplo de um dialogismo monofônico:

[...] outro aspecto destacado na aula foi a produção do espetáculo. Foi


sacramentado que cada equipe seria responsável pelo figurino e adereços do
pecado que representa, inclusive responsabilizando-se pela indumentária de
todos os participantes da cena. [...]

Neste fragmento de enunciado de protocolo exemplificamos o dialogismo monofônico presente


na ‘fala’ do seu autor. As ‘falas’ dos companheiros de cena aparecem na voz do aluno Michael,
as outras vozes são abafadas e somente a dele se faz ouvir. Sabemos que há outras vozes, mas
não conseguimos distinguir, ou dar independência a elas. São vozes consoantes que se orientam
para a mesma consciência.
154

Também é possível encontrarmos o bifônico, onde duas vozes distintas se fazem ouvir, a voz do
autor do enunciado do protocolo e outra voz por ele trazida para o diálogo que o protocolo
registra. Encontramos um exemplo de duas vozes distintas que se fazem ouvir no fragmento do
enunciado do protocolo da aluna Maria Madalena do dia 12 de maio de 2009 da encenação ‘A
Ferida Woyzeck’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba:

[...] Faltam poucas semanas para a estreia. O processo do figurino e do


teatro já está acontecendo, está presente. No final da aula a Ingrid nos
lembrou que já tínhamos ensaiado todas as cenas [...]

A aluna Maria Madalena apresenta em seu protocolo a sua própria voz ao relatar os fatos
ocorridos no encontro, mas traz também a fala da professora Ingrid Koudela que é retransmitida
de forma indireta, mas sabemos quais são as palavras da professora. Não há divergência entre as
vozes presentes no enunciado do protocolo. Então, temos o registro bifônico.

Ainda é possível encontrar em outras situações, o polifônico, isto é, a presença de vozes


polêmicas distintas, que com suas identidades autônomas e independentes do autor aparecem e
se fazem ouvir no protocolo.

Nos fragmentos dos enunciados dos protocolos destacados encontramos um exemplo de


polifonia de vozes, pois a aluna cita várias vozes independentes. Num mesmo protocolo a aluna
Elizângela Albertin trouxe no dia 18 de março de 2009 da encenação ‘A Ferida Woyzeck’ do
curso de Teatro da Universidade de Sorocaba quatro vozes que não tem a mesma consciência.
Primeiramente, temos a voz da autora do protocolo que inclusive apresenta seus próprios versos.
Em seguida encontramos uma segunda voz representada na poesia de Fernando Pessoa, portanto
a voz do poeta português. Num outro momento, a aluna traz ainda uns versos tirados da internet
e não identificados, mas é a voz de um terceiro autor. Finalmente, a aluna traz a voz de Viola
Spolin citando uma frase do livro estudado em sala de aula. Destacamos, agora quatro
fragmentos do mesmo enunciado do protocolo da aluna Elizângela Albertin. Primeiramente, a
poesia de Pessoa que está transcrita no texto do protocolo:

“Quando o verão me passa pela cara,


155

A mão leve e quente de sua brisa,


O que penso eu do mundo?
Seu lá o que penso do mundo!
Penso com os olhos e com os ouvidos.
E com as mãos e os pés
E com o nariz
E a boca.
Sou místico, mas só com o corpo.
Minha alma
É simples.
Fernando Pessoa [...]”

Em seguida, Elizângela apresenta no enunciado do seu protocolo a segunda voz nos versos
criados por ela mesma

[...] Marie é muito quente


Agora está tão fria
Sua boca tão ardente
Que sempre se envolvia

Lábios e faces lindas


Uma beleza que inunda
Teu corpo é quente ainda
Mas é uma puta imunda [...]

O terceiro fragmento do enunciado do protocolo da aluna Elizângela traz versos anônimos


encontrados por ela na internet, mas que mesmo sendo anônimos tem um autor e, portanto, outra
voz:

Este peguei na net, mas creio que dá para usá-lo:

‘Lua dos meus beijos


Faz dos meus desejos
Mais do que ternuras
Mais do que loucuras [...]

Finalmente, no quarto fragmento do enunciado do protocolo da aluna Elizângela encontramos


uma citação da voz da autora estudada em aula, Viola Spolin.
156

‘Aprendemos através da experiência, e ninguém ensina nada a ninguém’


Viola Spolin [...]

Nestes fragmentos de enunciados de protocolo encontramos vozes distintas que mantém a sua
independência, pois sabemos quem são os autores e suas vozes não convergem para um mesmo
ponto. A autora do protocolo os escolheu e os citou em seu texto, mas uma voz não confirma a
outra, o que caracteriza a polifonia no discurso.

As vozes presentes nos enunciados dos protocolos nos exemplos apresentados nesta pesquisa,
sendo elas: monofônica, bifônica ou polifônica mostram a riqueza e a diversidade vivida no
processo de criação da encenação promovido pela encenadora Ingrid Koudela. A utilização, pela
pesquisadora Koudela, da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro através do uso do
gênero discursivo protocolo permitiu aos aprendizes da linguagem teatral o registro do rico
processo e criou a possibilidade da reflexão sobre a experiência vivida em sua própria formação.

Percebemos a importância do processo escrito mesmo quando há apenas o relato do momento


vivido, e também, como o ato de auto-objetificar-se colabora no processo de ensino-
aprendizagem da linguagem teatral. Buscaremos, agora, compreender a colaboração do
exercício de escrita sobre si mesmo no enunciado do protocolo e na formação do aprendiz da
linguagem teatral.

3.13 A Escrita de Si e o protocolo

O pensador francês, Michael Foucault (2004), escreveu sobre a “Escrita de Si” e a


governamentalidade ao se voltar para a cultura Greco-romana nos séculos I e II, e estudar ‘As
Artes de Si mesmo’ na criação de uma ‘Estética da Existência’ e o ‘Domínio de Si e dos
Outros’. Os estudos realizados por Foucault sobre ‘A Escrita de Si’ fundamentam, nesta
pesquisa, a análise da colaboração da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso
157

do gênero discursivo protocolo na compreensão da contribuição do exercício da escrita pode


promover nos alunos participantes do processo de criação teatral.

Em seu trabalho Foucault (2004), se voltou para os textos greco-romanos a fim de compreender
a prática da Escrita de Si proposta naquela cultura. No estudo da obra cristã Vita Antonii de
Atanásio, Foucault analisa e apresenta a anotação escrita das ações e dos pensamentos como um
elemento indispensável à vida ascética, pois segundo o texto de Atanásio, escrevendo as ações e
os movimentos de nossas almas, nos conheceríamos mutuamente. A escrita substituiria o olhar
do outro na ascese, disciplinando-nos.

Para o filósofo Foucault (2004) a Escrita de Si oferece o resultado da ação de um possível olhar.
A obrigação da escrita desempenha um papel de companheiro, suscitando o respeito humano. A
escrita pode exercer, na ordem dos movimentos internos, o mesmo que a presença do outro
exerce sobre a própria conduta tendo um papel próximo a confissão. Afirma ainda, que para
Atanásio, a escrita seria uma arma no combate espiritual dissipando a sombra interior.

Na cultura filosófica de Si antes do cristianismo pesquisado por Foucault destaca alguns


aspectos que permitem analisar retrospectivamente a função da escrita. Nessa cultura há, para
ele, uma estreita relação na corporação de companheiros, no grau de aplicação dos movimentos
do pensamento e seu papel como prova da verdade. Para Foucault esses elementos já estavam
presentes nos trabalhos de Plutarco, Sêneca e Marco Aurélio, mas com elementos extremamente
diferentes e com procedimentos totalmente diversos.

Nenhuma técnica ou habilidade profissional poderia ser adquirida sem exercício, segundo
Foucault (2004). Para ele não se poderia mais aprender a arte de viver, a technê tou biou, sem
uma askêsis que deveria ser compreendida como um treino de si mesmo. Esse treino de Si viria
por meio do exercício da escrita. A técnica ou habilidade profissional também seria
desenvolvida pela prática da escrita.

Posteriormente, segundo Foucault (2004), esses princípios tradicionais foram ressaltados pelos
pitagóricos, socráticos e cínicos. O pensador acredita que durante muito tempo a escrita, o fato
de escrever para si e para outro, tenha desempenhado um papel importante.

Enfim, Foucault (2004, p.146) afirma que boa parte dos textos da época imperial trata sobre as
Práticas de Si. Sêneca defendia que era preciso ler, mas também escrever e Epícteto insistia
sobre a importância do papel da escrita como exercício pessoal e sempre o associava à
158

meditação, recomendando “Mantenha os pensamentos noite e dia à disposição, coloque-os por


escrito, faça sua leitura, que eles sejam objeto de suas conversações consigo mesmo ou com
outro”. No estudo do protocolo podemos relacionar aos estudos desenvolvidos por Foucault. A
prática da escrita promovida pela metodologia de ensino-aprendizagem do teatro no uso do
gênero discursivo protocolo criaria o exercício de treino sobre si mesmo.

Segundo Foucault (2004), o que se percebe no pensamento de Epícteto é que a escrita está
associada ao exercício de pensamento de duas maneiras diferentes. Uma linear, pois vai da
meditação a atividade escrita e desta ao exercitar-se (gummazein), que é o adestramento na
situação real e à experiência, trabalho de pensamento pela escrita na realidade. A prática do
exercício da escrita nascida na reflexão advinda de uma prática experienciada no fazer teatral
permitiria ao aprendiz da linguagem teatral o adestramento necessário para o desenvolvimento
no domínio das técnicas da arte teatral. Assim, o protocolo pode promover o exercício da
meditação sobre a situação real.

A outra forma é a circular, pois a meditação precede as notas, mas essas mesmas notas
permitem uma releitura e revigoram a própria meditação. A forma circular é criada na medida
em que a reflexão sobre a prática precede a escrita, pois o autor tem uma intenção ao escrever
seu protocolo e cria o círculo, pois a leitura posterior do protocolo promove novas reflexões.

Nas duas formas, a escrita constitui uma etapa essencial no processo para o qual tende toda a
askêsis, ou seja, toda elaboração dos discursos recebidos e reconhecidos como verdadeiros em
princípios racionais de ação.

Para Plutarco, segundo Foucault (2004), a escrita como elemento de treinamento de si tem uma
função etopoiética, isto é, ela é a operadora da transformação da verdade em êthos. Nos
documentos dos séculos I e II essa escrita etopoiética aparece de duas formas: os hupomnêmata
e a correspondência. Buscamos, agora, no enunciado do protocolo a presença das características
dessas duas formas de escrita, veremos as definições e as aproximações delas com o protocolo.
159

3.14 Os hupomnêmata, as cartas e o protocolo

No mundo grego, os hupomnênata podiam ser livros de contabilidade, registros públicos, ou


mesmo, cadernetas individuais que serviam como lembrete de uma obra lida ou de um
pensamento, mas Foucault (2004) ressalta que naquela sociedade os hupomnêmata eram
reconhecidos como livro da vida ou guia de conduta. Foi assim que os hupomnêmata se
tornaram um instrumento comum usado pelo público culto. Nos hupomnêmata se anotavam
citações, fragmentos de obras, exemplos e ações que foram testemunhas ou cuja narrativa se
lera, reflexões ou pensamentos ouvidos ou que viera a mente.

Os hupomnêmata constituíam uma memória material e eram oferecidos como tesouro


acumulado para releitura e meditação posteriores. Entretanto, Foucault (2004, p.147) adverte
que “os hupomnêmata não se destinavam a suprir falhas de memória, mas sim, a promover
exercícios frequentes de leitura, releitura, meditação, conversa consigo mesmo e com os outros
tão logo fosse necessário na ação.”

Foucault (2004) lembra que:

Para Plutarco, os hupomnêmata eram capazes de levantar as vozes e de


calar as paixões como um dono que com uma palavra emudece o rosnar dos
cães. Sêneca afirma que é preciso tê-los arquivados na alma, fazendo parte
de cada um.

No entanto Michael Foucault (2004), ainda ressalta que esses hupomnêmata não devem ser
confundidos com os diários ou com narrativa de fundo espiritual, não constituem uma narrativa
de si mesmo. (p. 148). Para Foucault (2004) os hupomnêmata não buscavam o indizível, mas sim
captar o já dito, reunir o que se pôde ouvir ou ler, e isso com a finalidade de constituição de si. Eles
devem ainda, estar inseridos em um contexto de tensão. Nos hupomnêmata se faz o recolhimento do
logos fragmentário transmitido pelo ensino, pela escuta ou pela leitura estabelecendo uma relação de si
consigo mesmo tão adequada e perfeita quanto possível.
A redação dos hupomnêmata pode efetivamente contribuir para a formação de Si, através desse
logoi dispersos, principalmente por três razões principais: os efeitos da limitação devidos à
160

junção da escrita e da leitura, a prática regrada do disparate que determina as escolhas e a


apropriação que ela efetua. (FOUCAULT, 2004)

Relacionando o protocolo aos hupomnêmata do mundo grego encontramos as características no


texto do protocolo por ter registros dos textos lidos, as citações, as ações ocorridas no momento
vivido como do grupo do fazer teatral. O protocolo como os hupomnêmata trazem o registro do
que foi aprendido no processo de ensino-aprendizagem do fazer teatral.

Foucault (2004, p.149) lembra que Sêneca insiste que a Prática de Si está imbricada com a
leitura, pois não se poderia extrair tudo do seu próprio âmago nem se prover por si mesmo de
princípios racionais indispensáveis para se conduzir. Sêneca, ainda afirma, que “a ajuda dos
outros é necessária.”

A escrita é um exercício racional, feita através do recolhimento da leitura feita e do próprio


recolhimento nela, segundo Foucault (2004). O vivido no passado é o elemento retido pela
escrita dos hupomnêmata, e assim é possível retornar a esse passado sempre que se quiser
retomar e depois se afastar. Os hupomnêmata afastam a preocupação com o futuro do momento
presente e a desviam na direção da reflexão sobre o passado. O protocolo permite ao aprendiz
pensar o momento vivido e funcionam com um elemento propulsor do processo.

Para Foucault (2004) a escrita dos hupomnêmata é uma escolha de elementos heterogêneos. O
essencial para quem escreve é poder considerar a frase retida como uma sentença verdadeira no
que ela afirma, adequada no que escreve útil de acordo com as circunstâncias. A escrita como
exercício pessoal feita por si e para si é uma arte da verdade díspar; uma maneira racional de
combinar a autoridade tradicional da coisa já dita com singularidade da verdade e das
particularidades do seu uso.

Segundo Foucault (2004, p.152) o papel da escrita é constituir um “corpo”. Para o pensador é
apropriando-se das verdades transcritas das leituras feitas e tornando as verdades dessas leituras
como as suas próprias verdades, que se constrói um “corpo” que precisa ser compreendido. A
escrita transforma a coisa vista ou ouvida “em força e sangue”. A escrita se torna no próprio
escritor um princípio racional.

Na carta para Foucault (2004) temos o ato da escrita, mas não é somente isso, pois o ato da
escrita promove a leitura, pois ao se escrever se lê o que se escreve, do mesmo modo que, ao
dizer alguma coisa, se ouve o que se diz. A carta que se envia age, por meio do próprio gesto da
161

escrita, sobre aquele que a envia, assim como, pela leitura e releitura, ela age sobre aquele que a
recebe. Nessa dupla função a correspondência está bem próxima dos hupomnêmata.

No enunciado do protocolo encontramos as características da carta descrita por Foucault, pois o


protocolo é um texto escrito para ser lido no grupo da arte teatral. A ação do protocolo ocorre
em seu autor enquanto ele o escreve, mas também há a ação sobre o outro no momento da Roda
do Grande Protocolo, adquirindo assim as características da ação da carta. Todos os envolvidos
na roda ouvem as reflexões feitas em cada protocolo.

Para o pensador Foucault (2004, p.154) todo aquele que instrui o outro, também age sobre si
mesmo, pois “são ofícios recíprocos, quem ensina se instrui”. O autor da carta quando a envia a
um destinatário tem o objetivo de ajudar o seu correspondente, aconselhando-o, exortando-o,
admoestando-o, consolando-o. A carta constitui para aquele que escreve uma espécie de treino.
O protocolo exerce essa função em seu autor, pois quando ele cria o enunciado do seu protocolo
tem a oportunidade de refletir sobre os eventos vividos e quando o enunciado do protocolo é
apresentado para o grupo ele exerce a mesma função que a carta, pois o protocolo tem como
destinatário o grupo do fazer teatral.

Escrever é se mostrar, se expor, fazer aparecer seu próprio rosto perto do outro. A carta é ao
mesmo tempo um olhar que se lança sobre o destinatário e uma maneira de se oferecer ao seu
olhar através do que lhe é dito sobre si mesmo. As características da carta são: estilo simples,
livre na composição, despojado na escolha das palavras, já que cada um deve revelar nela a sua
alma. Na carta nos abrimos para o olhar do outro. (FOUCAULT, 2004)

O protocolo apresenta essas características da carta, pois é livre no seu estilo e composição,
podendo seu autor escolher a melhor forma de revelar suas intenções ao escrever o seu texto. No
protocolo, o aluno compartilha com o grupo o seu olhar sobre o momento vivido na arte teatral.
O enunciado do protocolo como a carta age sobre seu autor no momento da escrita, e age sobre
os companheiros de turma no momento da leitura e debate na Roda do Grande Protocolo.

O protocolo tem também as características presentes nos hupomnêmata, o que se deve ao fato
do protocolo recolher os fragmentos do que foi visto ouvido, ou lido durante o processo de
criação da cena teatral. A leitura e releitura desses fragmentos recolhidos permitem a reflexão e
o avanço na aprendizagem da linguagem teatral.
162

Figura 24 - Montagem 2009 "A Ferida Woyzeck"

4. CAPÍTULO 3

‘o teatro pode fazer muito quando há suficiente vida nele contida’

Bertolt Brecht (1979, p. 231)


163

Neste capítulo conheceremos através de fragmentos de enunciados de protocolos os processos


desenvolvidos pela pesquisadora Ingrid Koudela. Na Universidade de Sorocaba são três
encenações realizadas nos anos 2007, 2008 e 2009, e na Universidade de São Paulo veremos as
aulas de um curso na Pós-Graduação ocorrido no ano de 2011. Analisaremos os fragmentos de
protocolos recolhidos durante os processos vividos na criação da cena teatral que explicitam o
uso da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o gênero discursivo protocolo. Ao
final, teremos as considerações que este trabalho buscou realizar na proposta de criação de uma
pedagogia de leitura e escrita no teatro.

4.1 Protocolo – a prática da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro

Para análise do corpus deste trabalho utilizei protocolos recolhidos durante os anos em que
acompanhei a pesquisadora Ingrid Koudela em suas aulas. Analiso os enunciados dos
protocolos produzidos pelos alunos das montagens do curso de Licenciatura em Teatro da
Universidade de Sorocaba: ‘Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos’ de 2007, ‘Chamas na
Penugem’ de 2008, ‘A Ferida Woyzeck’ de 2009, e os protocolos dos alunos da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo do curso de Pós-Graduação ‘Teoria e
Prática da Peça Didática de Brecht’ de 2011.

Assim, foram analisados três processos de montagem de encenação e um curso. Todos eles com
a duração de um semestre. As montagens com dois encontros semanais e o curso com um
encontro. Em todos esses processos a pesquisadora Koudela utilizou a metodologia de ensino-
aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo. Nos processos analisados, os
alunos escreveram seus protocolos a partir da prática com textos brechtianos relacionados aos
jogos teatrais desenvolvido por Koudela.

Destaquei fragmentos e, em alguns casos, protocolos completos, dos processos pesquisados,


para encontrarmos a criação da pedagogia de leitura e escrita no teatro. Busco compreender
como a utilização da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero
discursivo protocolo promove a criação de uma pedagogia de leitura e escrita. Nesta parte da
164

pesquisa, procuro nos enunciados dos protocolos recolhidos durante os processos vividos com a
linguagem teatral exemplos que mostram a relação da: prática, escrita, leitura, reflexão e debate
com a criação da pedagogia de leitura e escrita no teatro.

Como já vimos nos capítulos anteriores, Koudela propõe uma metodologia de ensino-
aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo na esfera artística do teatro.
Nesta pesquisa, o protocolo que é compreendido como um gênero discursivo pertence, portanto,
ao campo da escrita. Vimos, também, que o protocolo é um gênero híbrido e, assim, aceita a
mistura de outros gêneros em sua formação.

Neste capítulo, relato meu primeiro contato com a pesquisadora Ingrid Koudela e depois como
chegamos ao tema desta pesquisa. Teremos em seguida um relato dos processos das montagens
e do curso. Destaco em cada processo fragmentos dos enunciados dos protocolos que permitem
a compreensão da criação da pedagogia de leitura e escrita no teatro.

4.2 O primeiro contato com Koudela

No ano de 2006 a pesquisadora Ingrid Koudela chegou a Universidade de Sorocaba, a convite


do então coordenador do curso de licenciatura em Teatro/Arte-Educação, José Simões de
Almeida Junior, para trabalhar com os componentes curriculares: atuação e montagem teatral.
Todos os alunos que estavam no 5º período participavam obrigatoriamente da montagem de um
espetáculo e todos os outros componentes curriculares do semestre colaboravam para a criação e
montagem desse espetáculo.

Em sua primeira montagem a professora e encenadora Ingrid Koudela propôs a criação de um


espetáculo criado numa proposta de trabalho colaborativo a partir do Modelo de Ação do quadro
“Children’s Play” de Peter Brueghel, o velho. A encenação criada a partir dessa obra recebeu o
título de “Nós ainda brincamos como vocês brincavam?”. A montagem partiu da leitura de
imagem do quadro e das brincadeiras representadas nele. Outras brincadeiras pesquisadas pelos
alunos se somaram e trouxeram o jogo popular que era realizado no palco. As brincadeiras eram
realmente jogadas e o resultado era sempre uma surpresa.
165

Essa primeira turma do curso era composta por cerca de 40 alunos que conheciam o trabalho da
pesquisadora Koudela pelos livros estudados durante o curso e que fundamentavam a
metodologia do jogo teatral utilizada na proposta curricular da licenciatura.

Com uma turma tão grande o desafio da encenadora era criar um trabalho em apenas um
semestre e somente com dois dias de aulas dedicados a montagem. O espetáculo “Nós ainda
brincamos como vocês brincavam?” estreou no final do mês de junho daquele ano comprovando
a proposta da pesquisadora Koudela.

No palco os 40 atores brincavam, jogavam e cantavam as cantigas infantis de outros tempos. Na


platéia, um público emocionado lembrava o seu tempo de criança e de como era possível,
naquela época, brincar na rua. Eu vi na platéia os olhos cheios de lágrimas de minha mãe com
mais de 60 anos ao rememorar sua infância, enquanto segurava no colo a neta com dois anos e
meio que não tirava os olhos do palco, duas pontas da vida atadas pelo mesmo espetáculo.

Dois anos depois o enunciado do protocolo da aluna Ivanise de Carlo do dia 21 de maio de 2008
relata a sua experiência vivida naquele dia ao assistir a apresentação dessa encenação no Teatro
Municipal da cidade de Sorocaba. Ivanise destaca

[...] a apresentação nos impulsionou numa explosão de memória... o que era


aquilo que eu via no palco?... eles estavam se divertindo e eu também...
fomos convidados a dançar com a turma que invadiu as escadarias e nos
tirou das poltronas para juntos cantarmos a última cantiga. Saímos todos
felizes contando mais histórias,... meu filho que me acompanhava contou-
me suas recordações, pedaços de sua vida que eu desconhecia.

Foi a partir desse trabalho e da chegada de Ingrid Koudela a Sorocaba que a cena teatral da
nossa cidade começou a se modificar. Tive o prazer de conhecê-la e fazer algumas de suas
oficinas no Teatro do SESI de Sorocaba. Meu trabalho com meus alunos em teatro sofreram
então uma enorme transformação. A partir desse momento tive o privilégio de acompanhar a
professora Ingrid nas montagens que se seguiram na Universidade de Sorocaba. Montagens que
produziram ao longo dos processos de criação protocolos que pude observar, analisar,
questionar e pesquisar sempre sob olhar atento da minha orientadora. Protocolos que recolhi
durante os anos e se tornaram o meu objeto de estudo e tema deste trabalho.
166

4.3 O surgimento do tema

Como professora, desde o início do acompanhamento do trabalho desenvolvido por Ingrid, o


uso do protocolo como metodologia de ensino-aprendizagem no teatro me provocou enorme
interesse. Passei a recolher e ler os textos escritos pelos alunos após a Roda do Grande
Protocolo. Essa roda acontecia sempre no início do encontro, a professora Ingrid determinava
um tempo para a leitura dos protocolos que não era obrigatória. Cada aluno poderia ler o trecho
que desejasse destacar para o grupo. Em seguida, outro aluno lia outro fragmento do seu desejo
e assim sucessivamente até o final do tempo determinado para a leitura. Após esse período é que
se iniciava um momento de discussão sobre os temas levantados na leitura dos protocolos.

A Roda do Grande Protocolo é o momento em que se forma um protocolo coletivo dos


protocolos individuais, pois um novo e irrepetível protocolo se forma na junção dos fragmentos
dos protocolos lidos. Cada aluno lê o seu fragmento quando acredita que ele se encaixa na
sequência que está ocorrendo naquele momento e assim é só naquele instante vivido que ele é
formado.

Durante a leitura dos protocolos ninguém fala ou comenta, mas há reações como aprovação ou
desaprovação com a cabeça, risos, lamentos, surpresas, de forma que mesmo não falando os
alunos acabam se manifestando durante a formação do Grande Protocolo.

Logo após o tempo para a leitura, a professora determina estar aberto o momento para os
comentários. Então, se segue um tempo de conversa sobre aqueles assuntos levantados. Em
alguns momentos há concordância em outros questionamentos, dúvidas, medos, elogios,
felicitações, propostas de cenas, brincadeiras, citações de obras estudadas, vistas ou ouvidas.
Enfim, é um momento de ricas trocas vividas pelos alunos envolvidos no processo.

Com o passar dos anos e o meu interesse sobre a colaboração desse instrumento de avaliação
que era o protocolo, comecei a buscar fundamentação para poder descrever e explicar aos
alunos que chegavam e queriam saber o que era, como é que se escrevia e para que serviam
esses protocolos.

As dúvidas dos alunos eram sempre sobre o formato, percebi que eles buscavam um modelo, ou
seja, eles queriam saber a que gênero pertencia o protocolo. A professora Ingrid pacientemente
167

explicava sobre a liberdade proposta pelo protocolo que aceitava qualquer formato, tudo era
possível, mas isso em vez de acalmar os alunos os deixava ainda mais desesperados para a
escrita desse texto solicitado pela professora. Mais tarde é que compreendi que os alunos
participantes das montagens na Universidade de Sorocaba estavam no 5º período do curso e até
aquele momento eles eram cobrados por uma escrita acadêmica e, portanto, seguindo as regras
estabelecidas pela Associação Brasileira das Normas de Trabalhos Acadêmicos – ABNT.

Depois de um tempo de questionamentos sobre o formato do protocolo os alunos começavam a


se arriscar nos formatos dados a eles e saiam escrevendo e criando seus protocolos das formas
mais inusitadas. Muitos se arriscavam a criar textos muito diferentes e que mesclavam vários
gêneros, mas outros alunos utilizavam as formas já bem conhecidas e que dominavam como: a
descrição, o artigo de opinião, a narração, entre outros.

4.4 Os processos com o uso da metodologia

Veremos agora a descrição do processo de criação das três encenações que a pesquisadora
Ingrid Koudela desenvolveu com os alunos do curso de licenciatura em Teatro na Universidade
de Sorocaba. Em seguida teremos a descrição do curso desenvolvido por Koudela na Pós-
Graduação na Universidade de São Paulo e os fragmentos dos protocolos produzidos pelos
pesquisadores que participaram do curso. Com os fragmentos dos enunciados dos protocolos
escritos pelos alunos e pelos pesquisadores poderemos analisar e compreender a contribuição do
gênero discursivo protocolo na criação da metodologia de leitura e escrita no teatro.

4.5 ‘Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos’ – 2007

No ano de 2007 a montagem “Peixes Grandes comem Peixes Pequenos” teve como modelo de
ação a gravura de Peter Brueghel com o mesmo título. Nessa dramaturgia entraram também os
textos: “Sermão aos Peixes” do Padre Antonio Vieira, “Se os tubarões fossem homens” de
Bertolt Brecht, “O Anjo Triste” de Heiner Miller, além de “Aquário” de Guimarães Rosa. A
168

partir dos quais se criou uma montagem processional que percorria vários lugares da cidade de
Sorocaba.

O espetáculo tinha seu inicio no final da tarde na casa anexa a Igreja do Mosteiro de São Bento,
um dos marcos na fundação da cidade de Sorocaba. O ator Hamilton Sbrana interpretava um
estranho padre de faces rosadas e voz retumbante que trazia a vida parte do texto do “Sermão
aos Peixes”. Acompanhado do seu auxiliar, vivido pelo ator Mário Pérsico, e pelo coral da
Igreja, regido pelo Maestro Lúcio Martini, que entremeava o sermão com cantos religiosos. O
estranho padre dava início a uma jornada que percorreria alguns pontos da cidade. Na sala anexa
ainda, a plateia se deparava com a presença incômoda e silenciosa de dois anjos de asas
esfarrapadas inspirados na obra de Klee “Angelus Novus” e Heiner Miller. Os anjos olhavam a
cidade pela janela e testemunhavam os acontecimentos enquanto o padre pregava o seu sermão.

Em seguida o padre e seu auxiliar conduziam a plateia até um ônibus estacionado no largo São
Bento no qual ficava a Igreja. O público composto por 50 pessoas era acomodado no ônibus e
ciceroneado pelo padre e seu auxiliar que apresentavam a cidade à plateia.

Figura 25 - O ator Hamilton Sbrana como o padre que conduz a plateia pela cidade durante a encenação
169

O percurso do ônibus ia alguns quilômetros adiante, seguindo o caminho que os tropeiros


faziam até a cidade de São Paulo. Então, o ônibus parava numa importante avenida da cidade e
ao pé de uma grande árvore, uma paineira, que fora no passado descanso para os tropeiros. Ali o
público era recebido sob o olhar atento dos dois anjos que os aguardavam, causando na plateia
uma estranheza por encontrá-los novamente em outro lugar, o que ocorreria durante toda a
encenação. Na árvore grande, nome dado também ao bairro no qual se situava, o padre
continuava conduzindo a plateia que ouvia parte do Sermão que citava uma árvore.

Então, surgiam outros atores cantando uma música infantil “Segredos do Rio” dos músicos
sorocabanos Elaine Buzato e Walter Silva. A cena transcorria com a aparição de vários bonecos:
peixes, pescador, sereia, um jacaré que narravam a história de um peixinho e um pescador. Já
com o final da luz do dia a cena era iluminada pelos atores que seguravam lanternas nos pontos
em destaque e pela luz dos postes da cidade que começavam a se acender. Ouvia-se o cantar dos
pássaros que se recolhiam aos ninhos e sobrevoavam a lugar.

Figura 26 – a pé da grande paineira, antiga parada dos tropeiros, a cena com parte do sermão e música
infantil
170

Com o final da cena o público era novamente convidado a entrar no ônibus e era conduzido até
a casa sede de uma antiga fazenda que hoje é parte da Universidade de Sorocaba. Então, a
plateia era recebida por um cortejo acompanhado de um enorme boneco de um tubarão do
cenógrafo Jaime Pinheiro ao som do cacuriá “Jacaré boiô” transformado em “Tubarão boiô”
puxado pela grande alfaia da pesquisadora da cultura popular Sheila Guidem. O cortejo formado
pelos atores e plateia seguia até o final de um caminho que terminava no prédio de uma antiga
destilaria. Em frente ao prédio se formava uma grande roda e toda a plateia era chamada a
dançar e a brincar ao som da cacuriá “Jabuti sabe lê”.

Em seguida, sempre sob o olhar atento dos dois anjos, o padre continuava a pregação do seu
Sermão, logo peixes, vividos pelos atores, surgiam de todos os lados e respondiam com
estranhos sons ao padre. Então o cortejo continuava até a estufa da fazenda onde o auxiliar do
padre encerrava o sermão e lá dentro iluminados se viam bonecos de peixes nadando e os dois
anjos de olhos calmos que pareciam suspensos no ar e no tempo.

Figura 27 - Os atores Mário Pérsico e Hamilton Sbrana em frente a destilaria na cena do 'Sermão aos
Peixes'
171

Apareciam, a seguir, sapos, mariscos, sardinhas, caranguejos, polvos e outras espécies das águas
que se moviam pelos jardins da fazenda e diziam textos retirados da obra de Brecht e de
Guimarães Rosa. Nesse momento o público era dividido em quatro fileiras e conduzido pelo
interior da casa sede por caminhos diversos. Em vários espaços da casa os peixes se
apresentavam em cenas e traziam fragmentos de textos dos autores já citados.

Figura 28 - várias espécies de peixes surgiam pelo jardim da fazenda

Finalmente, a plateia que percorrera por caminhos diferentes a casa chegava ao grande terraço
onde banquinhos aguardavam a cansada plateia. Ao se sentar recebiam a visita lenta de algumas
tartarugas que provocavam risos. Em seguida, todas as outras espécies entravam acompanhadas
dos textos de Brecht e Rosa. Então, todos os peixes nadavam em direção a grande boca do
tubarão “onde todos os peixinhos tinham o final mais digno” recriando a gravura de Brueghel.
Na última cena, os anjos ressurgiam com vozes desconectadas em tons que variavam, eles
172

repetiam o texto de Heiner Muller num siga o seguidor sem fim e assim se encerrava o
espetáculo no alpendre da casa sede da fazenda.

Na proposta da encenação “Peixes Grandes comem Peixes Pequenos”, segundo Koudela


(2007b), estava o fragmento como produtor de sentidos abrindo-se a subjetividade do receptor,
o que Müller chama de ‘espaços livres para a fantasia’, o que para ele é uma tarefa
primariamente política, pois age contra as formas pré-fabricadas e padronizadas pela mídia.

No protocolo da aluna Ivanise de Carlo no dia 21 de maio de 2008 encontramos uma reflexão
dela a partir da experiência vivida na apresentação da estréia do espetáculo. Ivanise reflete:

[...] a alegoria visual Angelus Novus no recorte da vida cotidiana, que é a


experiência teatral, o contato com a arte, me causa espanto, o incômodo
contraste do silêncio mais profundo desse seres mágicos diante da ação [...]

A montagem foi marcada pela construção do texto espetacular através do processo dialógico dos
textos de Brecht, Muller, Benjamim, Guimarães, Padre Antônio Vieira e ainda da gravura de
Brueghel e do quadro de Paul Klee. Todo o processo de criação vivido trouxe a marca dessa
intertextualidade enriquecida ainda com as letras das músicas infantis e tradicionais dos cacuriás
que foram modificados para se ajustar ao espetáculo.

Os protocolos dos alunos resultantes do processo vivido demonstram o embate com os textos e
obras selecionadas pela encenadora, que aos poucos ia apresentando aos alunos os elementos
que comporiam o espetáculo.

Os protocolos colhidos durante o processo de criação da encenação ‘Peixes Grandes Comem


Peixes Pequenos’ ocorridos no primeiro semestre de 2007 registraram as reflexões sobre o
processo de criação experimentado no curso de Licenciatura em Teatro da Universidade de
Sorocaba. No segundo semestre daquele mesmo ano, em outro componente curricular
denominado “Teatro e Educação” a professora Ingrid Koudela solicitou aos alunos que
escrevessem um “Protocolo dos protocolos”, isto é, que eles refletissem sobre tudo que haviam
escrito durante o processo vivido durante a criação da encenação.

Então, os alunos escreveram nos enunciados do gênero discursivo protocolo reflexões sobre a
experiência vivida no período de criação da encenação e a colaboração em sua própria formação
173

como futuros professores da arte teatral. Destaco alguns fragmentos de enunciados de


protocolos escritos no dia 02 de outubro de 2007 em que os alunos registraram:

Fragmento do enunciado do protocolo da aluna Patrícia Aureliano:

[...] não conseguia estabelecer relações entre a teoria e prática durante o


início do processo [...] decidi [...] apenas escutar e absorver a partir dos
comandos da professora. Tive que me reeducar [...] escutava tudo e a todos
em todos os momentos, chegava em casa e tentava anotar o que tinha me
marcado mais nos comentários. Ao final da semana eu lembrava da prática
e automaticamente a teoria voltava, mais clara que antes [...] cada leitura
que eu refazia [...] clareava mais o processo e o entendimento do porque do
jogo. [...]

A aluna Patrícia afirmou que anotava tudo sobre o momento vivido na prática durante o
processo de criação e posteriormente ela relia a anotação feita e isso permitia a ela a
compreensão da teoria estudada. A aluna Patrícia auto-objetificou-se, pois o exercício da escrita
do enunciado do protocolo permitiu a ela colocar-se de fora da própria vida e olhar-se com um
excedente de visão. O afastamento da própria vida permitiu a aluna uma compreensão das
experiências vividas na relação da teoria com a prática na sua formação profissional, e ainda,
compreendeu a proposta usada de metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do
gênero discursivo protocolo.

Fragmento do enunciado do protocolo da aluna Rosicler Almeida:

[...] Começamos a pesquisar as várias espécies de peixes, o cavalo-marinho


e o polvo me chamaram a atenção, fizemos a leitura dos protocolos de
‘Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos’, e mais uma vez trabalhamos o
texto de Guimarães Rosa, Andando pelo Espaço, desta vez já podíamos
juntar a reflexão do texto com o conhecimento de cada espécie que
tínhamos estudado, e começamos as encenações [...]
174

A aluna Rosicler assegurou que a junção da reflexão com a teoria que estudara colaborou com a
criação da encenação, já que muitas pesquisas foram necessárias para compreender o universo
proposto na montagem. O dialogismo presente na criação da montagem possibilitou a aluna
conectar conhecimentos e gerar novas descobertas. O fato dos verbos usados no enunciado do
protocolo de Rosicler estarem no plural denota o exercício da criação colaborativa
experimentada no grupo. O exercício da escrita do enunciado do protocolo trouxe para a
consciência de Rosicler todas as experiências vividas e exerceram forte influência na sua
formação, pois possibilitou a criação de uma pedagogia de leitura e escrita.

Fragmento do enunciado do protocolo do aluno Flávio Melo:

É intrigante a forma com que as atividades vividas, processos artísticos,


culturais, as relações pessoais, pelo menos enquanto alunos demoram para
se tornarem experiências, no sentido de consciência física e intelectual do
processo. Essas necessitam de tempo de maturação, reflexão; é preciso estar
a disposição do pensamento e da espontaneidade. [...]
Discutir a ocupação do espaço sempre deu pano para manga durante os
encontros que resultaram na montagem [...] Foi construído um espaço de
apreciação estética e reflexão sobre as questões políticas, as relações
humanas [...]
É de extrema importância nesse processo refletir sobre a não subserviência
do teatro. [...] ainda em processo de análise, podemos encontrar alguns
pontos que sofreram alterações. Podemos pensar neles como favoráveis e
vantajosos enquanto artistas, professores, pesquisadores e seres humanos
[...] O processo de trocas, de experimentação e principalmente de criação
partiu dos alunos atores, cada cena, cada figurino, cada pedaço de chão
usado na encenação teve como criador um dos alunos [...]

O aluno Flávio garantiu que as experiências vividas demoraram a tomar consciência em cada
aluno, mas que fora muito importante a criação de um espaço de reflexão e apreciação estética
durante o processo de montagem. O aluno de forma axiológica posiciona se fora de si para
analisar o vivido com excedente de visão. Ele é capaz de refletir sobre o processo de criação da
montagem no qual estivera envolvido. Como autor-criador do enunciado do seu protocolo
Flávio assume a autoria de sua autobiografia e num movimento circular modifica o seu pensar.
Ao debater na Roda do Grande Protocolo, o aluno pôde ainda influenciar e ser influenciado
pelos enunciados dos protocolos dos outros aprendizes da linguagem teatral.
175

Fragmento do enunciado do protocolo da aluna Tânia Mara:

Tudo começou com a leitura da imagem. [...] fomos aprendendo a ouvir a


natureza e pensar em como transpor aquela imagem [...] A leituras, os jogos
populares e teatrais que fomos trabalhando, nos levou a outros textos
poéticos entre eles ‘O Sermão de Santo Antônio aos Peixes’, do Padre
Antônio Vieira. ‘Aquário’ de Guimarães Rosa, e ‘Se os tubarões fossem
homens’ de Bertolt Brecht. Também o texto poético ‘O Anjo Infeliz’ de
Heiner Muller. [...] partimos para uma pesquisa intertextual [...]

O protocolo da aluna Tânia Mara trouxe uma reflexão sobre o dialogismo que se fez presente
em todo o processo de criação. O exercício da escrita na criação do enunciado do protocolo
permitiu à aluna a compreensão da colaboração dessa prática em sua formação. Ela ressaltou,
ainda, o valor da junção da leitura e da prática dos jogos vivido no processo de ensino-
aprendizagem de teatro proposto pela encenadora Koudela.

Fragmento do enunciado do protocolo do aluno Wagner Costa:

[...] a Ingrid começou a nos mostrar alguns quadros de Brueghel [... seus
quadros nos fazem pensar e repensar, quando começamos a associar o
quadro “Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos” nos remeteu a leitura de
alguns acontecimentos no mundo [...]

O aluno Wagner pensou sobre a importância de refletir sobre outros acontecimentos do mundo
no processo de criação da encenação. Num movimento circular criado com a escrita e debate do
enunciado do protocolo, o aluno pôde se constituir como participante do mundo e como futuro
profissional da arte teatral na pedagogia de leitura e escrita proposta por Koudela.

Fragmento do enunciado do protocolo da aluna Solange Pantojo:

[...] Entendi que as fases do processo colaborativo estão em constante


comunicação. Por meio de pesquisa, discussões das primeiras imagens e
ideias, nesta fase, o aluno ator-criador é o elemento fundamental do
176

processo, improvisando a partir de estímulos próprios e dos temas


levantados.
O desejo de vivenciar, experimentar e concretizar uma criação, ao mesmo
tempo pessoal e coletiva é inexplicável.
A abordagem das relações humanas estimulou a reflexão e revelou ouros
aspectos [...] o aluno ator enquanto ser criativo do próprio processo de
estudo. [...]

E, finalmente, a aluna Solange declarou que ela fora estimulada a refletir pelo processo vivido.
A criação da pedagogia de leitura e escrita proposta na metodologia de ensino-aprendizagem do
teatro proposto por Koudela permitiu a aluna a compreensão do processo em que ela se
constituiu uma profissional da arte teatral.

Percebemos nos fragmentos destacados dos enunciados dos protocolos dos alunos para análise
que o uso do gênero discursivo protocolo na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro
permitiu aos alunos momentos de reflexões sobre o processo vivido na criação da encenação.
Esses exemplos de fragmentos de enunciados do gênero discursivo protocolo mostram a
contribuição na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro utilizado no processo de
formação no curso de licenciatura em Teatro pela pesquisadora Ingrid Koudela na criação de
uma pedagogia de leitura e escrita.

4.6 ‘Chamas na Penugem’ – 2008

Em 2008 a encenação “Chamas na Penugem” trouxe o teatro de figuras alegóricas com uma
proposta que não contava histórias, mas alinhava quadros que se relacionavam através de
associações. Koudela buscou na tradição dos quadros vivos de Diderot a inspiração para a
encenação. A criação cênica foi organizada a partir do universo pictórico de Peter Brueghel. O
modelo de ação utilizado foram as gravuras de Brueghel que representavam os sete vícios
capitais.

O processo de montagem teve início com a leitura das imagens guiado pelo assistente de direção
e professor do curso Joaquim César Moreira Gama. Com cada gravura, Gama propôs um
177

procedimento de aproximação diferente da obra. Partindo de exercícios de leituras de imagens


os alunos apreciaram as gravuras e iniciaram um processo de experimentação e criação de
gestos partindo do material observado nas gravuras numa proposta de Tableau Vivant.

Figura 29 - Joaquim Gama (camisa branca) com os alunos na leitura da imagem do vício da preguiça

Na montagem os gestos ganhavam significados essenciais. Koudela (2007) destaca que Brecht
insistia que um teatro baseado no gestus precisava ser coreografado. A elegância de um gesto, a
graça de um movimento e a invenção pantomímica ofereciam a fábula um auxílio inestimável.

No programa dessa encenação, Koudela (2008) afirma que o “Teatro de formas alegóricas
apresenta grande interesse como prática pedagógica na medida em que permite buscar a fonte de
formas teatrais oriundas da cultura popular.”

Gama (2010) destaca que as gravuras de Brueghel produzem uma narrativa singular, pois elas
não são lineares, não seguem as leis da perspectiva renascentista. As sete gravuras elaboradas
por Brueghel nos anos de 1556 e 1557 trazem seres elementais, grotescos e diabólicos, objetos e
espaços inusitados que se misturam a seres humanos revelando a visão crítica do artista acerca
do homem e da sociedade de sua época.
178

O espetáculo contava com um grupo de quarenta alunos que em um semestre montaram a


encenação. O cenário e a criação dos objetos de cena estavam sob os cuidados do Professor de
cenografia e indumentária Jaime Pinheiro, que criou objetos, bonecos e um cenário que
impressionavam e davam ao espetáculo uma riqueza de imagens.

A encenação era uma sequência de quadros vivos sucedidos um a um trazendo o tema de um


dos sete vícios capitais: a avareza, a soberba, a ira, a luxúria, a inveja, a gula e a preguiça.
Enquanto os quadros se sucediam no palco, em off se ouvia a descrição da imagem gravada pelo
ator sorocabano Mário Pérsico.

Figura 30 – no quadro vivo o gesto coreografado na cena do vício da avareza

O espetáculo “Chamas na Penugem” de 2008 apresentava a descrição das imagens que foi
conduzida por um texto descritivo criado pela própria Ingrid Koudela para a montagem.
Segundo Gama (2010) Koudela assumiu a função dramaturga ao criar o texto para a montagem
que auxiliou numa leitura mais minuciosa das imagens e contribuiu para que os aprendizes da
linguagem teatral se detivessem aos detalhes das obras de Brueghel. Gama (2010, p. 146)
destaca que “o texto de Koudela relacionava-se com um gênero literário urbano denominado
‘Imagem de Pensamento’” e ainda afirma que:
179

esse gênero tem estreita relação com a tradição bíblica de narrar histórias de
forma épica, descrevendo detalhadamente as personagens, suas ações, e as
paisagens. Imagem de pensamento tornou-se uma espécie de parábola
urbana ou alegoria urbana.
(2010, p. 146)

O processo de criação do espetáculo “Chamas na Penugem” foi marcado pela leitura das
imagens das obras do artista flamenco Peter Brueghel. Os protocolos resultantes desse processo
refletiram esse momento criativo, muitos protocolos traziam em seus enunciados descrições de
imagens, cenas, procedimentos, entre outros.

Figura 31 - alunos fazendo a leitura da imagem do vício da avareza na montagem “Chamas na


Penugem”

Destaco agora alguns fragmentos de enunciados de protocolos escritos durante o processo de


criação da encenação ‘Chamas na Penugem’ em que os aprendizes da linguagem teatral
refletiram sobre a colaboração da escrita do gênero discursivo protocolo em sua própria
formação.

O aluno Luiz Fernando Esparrachiari no dia de 20 de fevereiro escreveu:


180

[...] Após a leitura do protocolo da aula anterior foi realizado um debate


sobre os principais pontos apresentados, entre eles, a primeiras impressões
acerca da obra “luxúria” de Brueghel, o processo de criação e as
possibilidades espaciais para experimentação. Esses pontos em particular,
foram os mais relevantes e que suscitaram muita discussão. [...]

O aluno Luiz demonstra no enunciado do seu protocolo que no processo vivido na criação da
encenação houve a junção e a colaboração da escrita, da leitura e do debate. Essa junção
permitiu ao aprendiz a aquisição e o desenvolvimento da linguagem teatral proposto nos
procedimentos da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro. O enunciado do protocolo de
Luiz clarifica a importância do debate no processo de avaliação. O aluno retoma em seu
protocolo o que fora debatido no encontro anterior mostrando, como vimos com Bakhtin
(2006a), que cada protocolo é um elo na corrente da comunicação. Vemos ainda a criação do
‘movimento circular’ descrito por Foucault (2004), pois a escrita promove o debate que provoca
novas reflexões e um novo protocolo.

A aluna Amanda Sobral no dia 05 de março de 2008 refletiu:

Iniciamos com as leituras dos protocolos, Ismália surpreendeu a sala ao


relatar seu sonho com a luxúria, descreveu todos os detalhes em um texto
poético. Outro relato interessante e sincero foi do Marcos Aurélio que diz
que finalmente estar se sentindo a vontade e entusiasmado nos jogos, o que
não aconteceu em outras aulas durante o curso. Percebemos a partir dos
relatos a importância das sensações nos pecados e como a fisicalidade
auxilia na expressão.

A aluna Amada Sobral no dia 26 de março afirmou que:

Prestei bastante atenção na leitura dos protocolos, pois não pude participar
da semana passada. Prestei atenção em cada frase e relato. [...]

A aluna Amanda Sobral no dia 02 de abril escreveu que:


181

A leitura dos protocolos nos revelou a importância de relatar as experiências


vividas nos jogos. Discutimos sobre as referências religiosas que sempre
norteiam as discussões teóricas [...]

A aluna Amanda Sobral no dia 21 de maio revelou que:

[...] As discussões dos protocolos nos fizeram refletir e perceber quanto


teoria e prática estão integradas, e que toda manifestação que revele uma
inquietação é sintonia da vivência que já se instaurou dentro de nossos
corpos. [...]

A aluna Amanda cita os protocolos dos colegas que participaram do processo de montagem,
pois ela vê real importância na escrita deles. Em vários momentos, Amanda reafirma a
colaboração do enunciado do protocolo na promoção da discussão e reflexão no processo
vivido. Como compreendemos com Bakhtin (2006a) a palavra do outro está sempre presente em
nossos discursos. Os enunciados dos protocolos de Amanda estão repletos das palavras dos
outros. A polifonia de vozes está presente no processo de criação da montagem teatral e o
enunciado do protocolo de Amanda registra essa experiência vivida e que contribui com sua
formação na aprendizagem da linguagem teatral.

A aluna Evelyn Demarchi no dia 17 de março refletiu:

Iniciamos como de praxe com a leitura dos protocolos. Fico cada dia mais
satisfeita com o grupo, com a dedicação semana a semana, com a escrita
elaborada dos protocolos, propositores da próxima aula [...]

A aluna Evelyn Demarchi no dia 07 de maio afirmou que:


182

[...] Nos protocolos duas questões importantes foram levantadas: a primeira


foi a máscara [...] a outra foi a questão da equipe de produção. [...]

A aluna Evelyn demonstra satisfação com a escrita do protocolo realizada pela turma e acredita
que essa escrita pode ser um estímulo para o desenvolvimento do processo de criação. Evelyn,
afirma que a escrita do protocolo permite a recuperação dos eventos vividos, a aluna ainda
mostra que os enunciados dos protocolos trouxeram os temas para os debates na roda do Grande
Protocolo. A aluna compreende que o protocolo traz o encontro anterior, o que clarifica o
movimento circular criado no processo de comunicação. O protocolo, como a carta para os
gregos estudados por Foucault (2004), interfere no autor quando escreve o seu enunciado e nos
parceiros na roda do Grande Protocolo no momento da leitura e do debate.

A aluna Jane Kastorsky no dia 19 de março destacou:

Iniciamos a aula de terça-feira com a leitura dos protocolos da semana


anterior e como eu não tinha participado do último encontro não tinha nada
para apresentar, porém fiquei surpresa com a apresentação de algumas
pessoas, como por exemplo, da Ismália. Ela produziu um texto fruto de seu
sonho, devaneio da luxúria [...]

A aluna Jane Kastorsky no dia 26 de março afirmou:

Nesta semana os protocolos começaram a ficar mais esclarecedores, as


pessoas se mostraram provocadas pelo vício da gula e coisas bem
interessantes foram ressaltadas; foram levantadas semelhanças entre a
didática de Brecht e a didática de Brueghel [...] Depois discutimos sobre
jogo teatral, a questão do registro, ou seja, o quanto é difícil descrever como
foi executado o jogo e os resultados. Concluímos que o jogo teatral nasce
do jogo tradicional a consciência é espontânea.

A aluna Jane Kastorsky no dia 16 de abril declarou:


183

A leitura dos protocolos está ficando cada vez mais interessante, porque as
pessoas além de se aprofundarem nas pesquisas, estão também registrando
suas impressões sobre o processo. Hoje. Os depoimentos foram muito
fortes, demonstraram muita vontade de trabalhar e que as pessoas estão
dispostas a investir no processo de criação do espetáculo, ou seja, estão
‘mergulhando de cabeça’ [...]

A aluna Jane se mostra surpresa com a qualidade dos textos produzidos pelos colegas e do quão
poéticos e criativos eles são. Jane, também afirma que há muita pesquisa envolvida no processo
de criação da encenação e que isso enriquece a compreensão de todos os envolvidos. A aluna
Jane ao criar os enunciados dos seus protocolos faz o exercício de Escrita de Si estudada por
Foucault (2004), que afirma que nenhuma técnica ou habilidade é desenvolvida sem a prática da
escrita. Jane se constitui como futura licenciada na metodologia de ensino-aprendizagem do
teatro proposta por Koudela. O enunciado do protocolo de Jane traz ainda o contexto vivido na
esfera artística do teatro a qual pertence o gênero discursivo protocolo. Compreendemos com a
aluna que, como afirma Bakhtin (2006a), o tema e a significação dos enunciados dos protocolos
são compreendidos diante da situação vivida no interior de um grupo teatral.

Percebemos nos fragmentos destacados dos enunciados dos protocolos que os alunos
compreendem a colaboração da escrita, da leitura e do debate no processo de aprendizagem da
linguagem teatral e se empenham em participar das atividades propostas pela professora em sua
metodologia de ensino-aprendizagem do teatro que propicia a criação de uma pedagogia de
leitura e escrita no teatro.

4.7 “A Ferida Woyzeck” – 2009

Em 2009, o espetáculo foi “A Ferida Woyzeck” adaptada da obra do autor alemão Georg
Büchner que conta a infeliz história de um soldado vitimado pela loucura e pela miséria. A
184

personagem Woyzeck é símbolo do sistema que oprime e do homem que explora seu
semelhante.

No espetáculo o texto de Büchner dialogava com cantigas de trabalho e de roda trazidas pela
pesquisadora da cultura popular Elaine Ferreira. A história da encenação se apresentava de
forma fragmentada, alinhando quadros de cenas no qual a coreografia, a pantomima, o canto e o
texto eram articulados na estruturação das cenas. Para Gama (2009), a montagem colocava o
público frente a frente com os podres poderes que fazem a roda da história girar. No programa
do espetáculo (anexo) Gama afirma que Woyzeck é a alegoria que representa uma legião de
homens honrados, bons sujeitos, que engolidos por um mundo frio e mecanizado, tornam-se
assassinos, loucos e associais.

A encenação, segundo Koudela no programa do espetáculo (anexo), utilizava o coro para


alegorizar as personagens. Através do gesto e da palavra estendidos, o coletivo construía o
gestus da experiência da coisificação vivida por Woyzeck.

Figura 32 - coro de Maries e soldados


185

Figura 33 - cena de Marie e Tambor-Mor

A montagem foi concebida para ser vista numa arena. As apresentações ocorreram no final de
junho de 2009 na Usina Cultural Etore Marangone da cidade de Sorocaba onde uma
arquibancada fora montada em torno de uma arena, na qual se desenvolvia a cena teatral. A luz
criada pelo iluminador Claudinei Rosa, que foi por mim operada, foi explorada para ressaltar a
circularidade da cena com uma luz suave. Seis focos demarcavam o lugar onde o coro trazia as
personagens e com uma luz mais intensa que iluminava toda a arena se concretizavam as danças
coletivas e a festa.

As personagens eram revezadas pelos atores que representavam em coro. Vários atores
representavam Woyzeck na mesma cena, cada ator voltado para uma parte do público ora
atuavam em conjunto, ora falando sozinhos, o que tornava a cena extremamente dinâmica. O
gestus muito bem trabalhado e coreografado permitia que toda a plateia visualizasse a cena
completa.

As cenas se valiam das músicas da cultura popular e isso determinou o ritmo, o posicionamento
dos atores e o jogo com a plateia. As cenas fragmentadas criavam uma instabilidade e
provocavam o público que se esforçava para seguir a saga de Woyzeck.
186

A personagem Marie vivida por muitas atrizes, cantava, dançava e apresentava sua desgraçada
história através do coro e com gestus construídos no trabalho colaborativo.

No processo de criação vivido pelos alunos do curso os protocolos registraram a forte presença
da música, muitos protocolos eram cantados ou falados em forma de quadras como os
aprendidos na “Roda de Versos” com a pesquisadora Elaine Ferreira. A forte atmosfera de
musicalidade criada no processo marcou, não só a montagem, mas também a escrita dos alunos
que em muitos momentos se apresentaram em forma de versos, quadrinhas na estrutura da
cultura popular.

Destacaremos agora alguns fragmentos dos enunciados dos protocolos dos alunos.

A aluna Ana Érica no dia 10 de fevereiro escreveu:

A importância do protocolo foi colocada com ênfase. Este tem uma


importância muito grande nas aulas, é um documento que é guardado para
ser estudado e pesquisado mais tarde, tendo assim foco na melhoria e no
desenvolvimento da aula, e do aluno. [...]

A aluna Ana Érica mostra em sua reflexão que compreende a colaboração do gênero discursivo
protocolo no registro dos eventos e nas pesquisas suscitadas por ele. A aluna demonstra
entender que há uma metodologia de ensino-aprendizagem do teatro sendo utilizada na sua
formação e pesquisada para futuras propostas metodológicas. Na criação do seu protocolo aluna
realiza a Escrita de Si estudada por Foucault (2004). Para o pensador francês, o exercício da
escrita é fundamental para a aprendizagem de técnicas e habilidades profissionais.

A aluna Fernanda Brito Rodrigues no dia 11 de fevereiro escreveu:

Após a leitura dos protocolos da outra semana (que me fizeram ver o quão
‘poética’ eu sou pra escrever esse tipo de coisa [...]

A aluna Fernanda mostra o entendimento que ela teve sobre sua própria escrita após os
comentários dos colegas de turma surgidos no debate dos protocolos. Fernanda teve a
187

oportunidade de conhecer sua habilidade para escrever poesia, o que ela desconhecia, essa
descoberta permitiu que investisse no desenvolvimento desse gênero. Fernanda constituiu-se
como profissional da arte teatral no processo de aprendizagem propiciado pelo exercício da
Escrita de Si na criação do protocolo. Fernanda escreveu sua própria história e se constituiu
enquanto era a autora da sua própria formação.

A aluna Elizângela Albertin no dia 11 de fevereiro escreveu:

Começamos a aula lendo e comentando alguns protocolos feitos nas


primeiras aulas do semestre, do qual discutimos sobre: ponto erro,
neutralidade, naturalidade em cena, energização, dentre outros assuntos.
Discutimos muito [...]

A aluna Elizângela Albertin no dia 18 de março escreveu:

No começo desta aula discutimos os protocolos, do qual saíram grandes


idéias, grandes planos, grandes poesias [...]

A aluna Elizângela reflete sobre os temas aprendidos no encontro do grupo teatral e afirma que
o protocolo trouxe grandes ideias ao processo de criação. Na escrita do enunciado do seu
protocolo, Elizângela traz o tema para o debate na Roda do Grande Protocolo. A discussão
estabelecida sobre técnicas e habilidades da esfera artística do teatro é necessária para o seu
desenvolvimento profissional. Elizângela reforça a proposta do processo colaborativo presente
na criação da montagem teatral. Ela afirma ter ocorrido muitas proposições no processo de
criação da encenação. As reflexões feitas por ela e pelos companheiros de grupo experimentado
na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro proposto criam o movimento circular e
estabelecem a corrente da comunicação.

O aluno Marcos Paulo de Alcântara no dia 11 de fevereiro escreveu:


188

[...] tivemos a leitura e o debate do protocolo, discutindo formas e


sentimentos marcantes do texto de Büchner, muitas coisas foram discutidas
mais ainda não há uma perspectiva como vai ser a montagem, mas temos
uma direção [...]

Marcos Paulo reflete sobre as experiências vividas na esfera artística do teatro. O aluno
conjecturou sobre ser imprescindível o debate promovido pela leitura do enunciado do seu
protocolo. Ele afirma haver muitos debates no processo de criação das montagens teatrais o que
reflete a proposta da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro utilizada pela encenadora.
O debate na Grande Roda do Protocolo proposta por Koudela proporciona a avaliação e
funciona como um propulsor no processo de aprendizagem da linguagem teatral.

A aluna Fernanda Souza no dia 18 de fevereiro escreveu em seu protocolo:

Percebo que muitas pessoas fazem os protocolos, mas na hora de


compartilhar com todos ficam intimidados, com medo do erro [...] não sei
exatamente o que é, mas acho que devemos nos arriscar um pouco mais,
não existe protocolo ‘errado’. Acredito que não temos que ‘acertar na
descrição das atividades’ e sim compartilhar com o grupo quais foram
nossas impressões sobre tudo que está acontecendo durante o processo para
assim podermos crescer enquanto grupo social e de trabalho. Pensemos
nisso daqui para frente. [...]

A aluna Fernanda Souza avaliou que o protocolo não tem um formato definido e isso assusta
alguns alunos, mas para ela, o protocolo se mostra importante no trabalho desenvolvido no
grupo, por isso em sua reflexão solicita a todos que continuem escrevendo e compartilhando
seus protocolos. Na Escrita de Si exercitada na criação do enunciado do protocolo, Fernanda se
constitui como profissional da esfera artística teatral adquirindo as técnicas e as habilidades
propostas na metodologia de ensino-aprendizagem do teatro utilizada pela encenadora.

O aluno Hércules Soares no dia 02 de março escreveu em seu protocolo:

Os protocolos [...] algumas ideias foram lançadas, nem todas, ou melhor,


quase todas, descartadas, mais acredito que seja assim mesmo o processo de
encenação. Mas acho muito válido que todos nos possamos apontar idéias,
pois acredito que seja daí que tiraremos o suprassumo. [...]
189

O aluno Hércules Soares no dia 18 de março escreveu em seu protocolo:

Na leitura dos protocolos foram apontados alguns momentos muito


preciosos no registro de cada aula. Pois as impressões colocadas nos
protocolos fazem parte de um processo pedagógico de encenação [...]

O aluno Hércules mostra que compreende a colaboração da discussão promovida pelo


protocolo, mesmo que muitas ideias não cheguem a fazer parte do espetáculo final. Hércules
acredita que o protocolo seja importante no processo pedagógico desenvolvido com a turma. No
enunciado do protocolo de Hércules encontramos o exercício da Escrita de Si na aprendizagem
da linguagem teatral. Ele compreende que o processo vivido na criação da encenação permite o
desenvolvimento de técnicas e habilidades próprias da esfera artística teatral e esse processo
colabora para o seu futuro profissional.

A aluna Maria Madalena no dia 04 de março escreveu em seu protocolo:

[...] Como a Ingrid, havia falado, o protocolo não precisa ter várias linhas,
uma linha pode dizer o que ocorreu na aula, neste dia posso dizer com duas
palavras ‘harmonia/interação’.

A aluna Maria Madalena afirma que o protocolo pode ser muito simples. Ao autocontemplar-se
Maria pôde projetar-se no outro e posicionar-se axiologicamente diante da própria vida. Ao
escrever o enunciado do seu protocolo, ela se tornou autora de sua própria história. Maria trouxe
em seu protocolo bifônico a palavra do outro para reforçar suas posições diante do vivido no
processo de criação da arte teatral no qual se constitui como profissional.

A aluna Sílvia Regina no dia 04 de março escreveu em seu protocolo:

Fizemos a leitura dos protocolos da semana anterior, foi uma pena eu não
ter me lembrado dos meus, pois tinham coisas que a Fezinha pontuou sobre
as pessoas não se exporem o que acontece comigo, mas pelo menos
consegui falar sobre a minha inibição. [...]
190

A aluna Sílvia Regina no dia 11 de março escreveu:

Fizemos a leitura dos protocolos, que só veio acrescentar, pois havia


deixado passar vários pontos importantes como a neutralidade do ator, o
ponto zero, isso nem tinha me passado pela cabeça foi muito importante a
colocação dos colegas. [...]

Já a aluna Sílvia Regina lamenta não estar com seu protocolo no momento do debate, pois em
muitos temas discutidos ela gostaria de ter participado. Sílvia ainda mostra acreditar que o
protocolo colabora com sua aprendizagem da linguagem teatral. Os enunciados dos protocolos
da aluna Sílvia trazem os temas pertencentes à esfera artística do teatro. O movimento circular
criado pela metodologia de ensino-aprendizagem do teatro proposto pelo uso do gênero
discursivo protocolo permitiu a aprendiz Sílvia recuperar os momentos vividos no encontro
anterior, e ainda, o debate na Roda do Grande Protocolo propiciou a ela a reflexão de temas que
não pensara anteriormente, mas que na polifonia de vozes presentes no debate Sílvia pode entrar
na corrente de comunicação estabelecida e a discussão gerou novas reflexões e novos
protocolos.

O aluno Carlos Doles de Alcântara no dia 18 de março escreveu:

[...] depois de aquecer dançando e de discutir os protocolos que, diga-se de


passagem, foram importantes e com um nível muito bom, passamos para o
texto. Mas parece que discutir apenas o que foi feito, como foi feito e qual a
avaliação dessa etapa, parece pouco e insatisfatório. As questões levantadas
durante os jogos, durante o pensar da cena, durante o dizer o texto,
experimentando o novo, desconstruindo e buscando o rompimento com a
interpretação dramática, empoeirada e quadrada, faz com que o processo
ganhe cada vez mais consistência deixando de ser apenas um ‘levantar a
peça para apresentar no final do curso’ ou ‘o que queremos dizer com esse
texto’ ou ainda ‘que belo exercício para o ator esse processo de montagem’.
Não! Ele esbarra em inúmeras outras questões. A direção pedagógica, o
prazer de construir junto, o colaborativo. Possibilitar que o atuante deixe de
ser um executor de idéias, um primor no virtuosismo ou uma máquina de
técnicas apuradas pronta para mostrar seus dotes no palco. [...]
191

Finalmente, o aluno Carlos esclarece que a metodologia de ensino-aprendizagem do teatro


utilizada forma um ator que pensa a arte teatral e não apenas um técnico que executa. Carlos
compreende a colaboração do protocolo em todo o processo pedagógico vivido. O aluno
acredita na potência da proposta pedagógica do processo colaborativo. Enquanto escreve o
enunciado do seu protocolo, Carlos se constitui como profissional da arte teatral.

Compreendemos com os fragmentos destacados dos enunciados dos protocolos que a


metodologia de ensino-aprendizagem do teatro utilizado por Koudela possibilita ao aprendiz a
relação da teoria com a prática na criação da cena teatral criando uma pedagogia de leitura e
escrita no teatro. Encontramos a presença das experiências pertencentes à esfera artística do
teatro em que houve a possibilidade do aprendiz se tornar autor de sua própria história enquanto
adquiria as técnicas e as habilidades necessárias ao exercício profissional. Vimos ainda, na
escrita do protocolo, a polifonia de vozes presentes no processo de criação da montagem teatral
e a Escrita de Si exercitada na criação do protocolo que contribuiu para a constituição de si do
aluno como profissional da arte cênica.

4.8 Curso ‘Teoria e Prática da Peça Didática de Bertolt Brecht’ da Pós-Graduação da


Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - 2011

No segundo semestre de 2011 a professora Ingrid Koudela ministrou na Universidade de São


Paulo na Escola de Comunicações e Artes um curso no Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas denominado ‘Teoria e Prática da Peça Didática de Bertolt Brecht’. Os alunos
pesquisadores receberam a incumbência de escrever protocolos das aulas seguindo a proposta
metodológica de ensino-aprendizagem do teatro utilizada pela pesquisadora Koudela. O tema do
curso era a obra de Brecht que Koudela relaciona ao jogo teatral, portanto não é um curso
teórico, mas sim, teórico-prático. Em muitos encontros o jogo se estabeleceu unido à música,
brincadeira, jogos teatrais, além é claro, do texto de Brecht.
192

Eu não acompanhei o curso todo, mas tive a oportunidade de conhecer a turma num encontro no
mês de agosto, quando Ingrid me convidou para apresentar a presente pesquisa do doutorado,
que naquele momento estava em andamento e próxima da qualificação.

Tarde muito agradável na companhia de pesquisadores tão dedicados e interessados. Pude ouvir
os protocolos que eles apresentaram, naquela tarde, relatando o encontro da semana anterior, em
que haviam jogado e cantado alguns cantos de trabalho que eu já conhecia. Não tive dificuldade
em entender e acompanhar a leitura na Roda do Grande Protocolo. Os fragmentos lidos dos
enunciados dos protocolos me permitiram ver e me divertir com a aula que ocorrera na semana
anterior.

A recuperação do vivido no encontro descrito e analisado nos protocolos permitiu que eu me


apropriasse de suas vivências e refletisse com eles a colaboração do uso da metodologia de
ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo. Naquela tarde
expliquei a fundamentação teórica de minha tese e ouvi muitas contribuições para a minha
pesquisa.

Neste trabalho utilizo os protocolos que os pesquisadores dessa turma cederam para que eu
pudesse analisar e buscar em seus textos as características que estava estudando no gênero
discursivo protocolo recolhido durante os anos em que acompanhara a professora Ingrid na
Universidade de Sorocaba.

Apresento agora alguns fragmentos dos enunciados dos protocolos escritos pelos alunos da
turma do curso da ECA/USP:

Fragmento do enunciado do protocolo do pesquisador Igor de Almeida Silva do dia 24 de agosto:

Dialética da Malandragem
Na leitura dos protocolos da aula anterior, a partir dos relatos de cada
colega, pudemos tomar consciência de momentos significativos da aula. É
interessante que o protocolo, além de servir de registro de experiências
compartilhadas, aponte para o prolongamento dessas experiências em outros
níveis, mais reflexivo do que sensório-corporal, permitindo entrever o devir
de um conhecimento comum em construção.
Após essa leitura, Ingrid percebeu que o próprio jogo foi o elemento mais
comentado nos protocolos, mais do que Brecht, que ficou em segundo
193

plano. Segundo ela, isso se deve a “própria força do jogo”. Para mim, o
jogo então não é apenas uma abordagem, ou uma passagem de acesso à
peça didática de Brecht, mas sua força vital. [“...]

O pesquisador Igor refletiu sobre a importância da escrita aliada à dimensão prática. O


pesquisador demonstrou compreender a importância da escrita do protocolo utilizada na
metodologia de ensino-aprendizagem do teatro proposta por Koudela. Igor percebeu a reflexão
promovida pela experiência vivida na prática do jogo teatral e a sua colaboração na construção
do conhecimento.

Fragmento do enunciado do protocolo do pesquisador Adalberto Pinheiro do dia 14 de setembro


de 2011encontramos:

Leitura de protocolos, protocolos como extensão de uma reflexão


pungente… inacabada – vozes que emitem impressões, indignações, juízos,
posicionamentos, ora subjetivos, ora apoiados em definições etimológicas.
Peixes grandes comem peixes pequenos – IMPROVISAÇÃO DO TEATRO
PARA O TEATRO, criamos um “apertadinho” e observamos, descrevemos,
demos zoom, minimizamos, maximizamos nossas alegorias por meio do
pensamento.
Ingrid: - Vamos para prática, que deixamos de fazer aula passada!
Caminhada no espaço, andar, caminhar, tropeçar, acelerar… tentamos
novos caminhos por meio de várias sensações aguçadas pelos pés. Nossaaa,
pensar com os pés, emocionar-se com eles… ter a vida facilitada por nossas
próprias ações. [...]

O pesquisador Adalberto demonstrou compreender a importância do gênero discursivo


protocolo e a força da sua colaboração no processo de aprendizagem da linguagem teatral. Em
seu enunciado bifônico em que traz as palavras de Ingrid, Adalberto compreende a potência da
polifonia de vozes presentes no processo de aprendizagem das técnicas e habilidades da arte
cênica.

Fragmento do enunciado do protocolo do pesquisador Ricardo dos Reis do dia 14 de setembro:

Começamos com a leitura do protocolo, nada melhor do que poder


desabafar o que sentia. Senti-me livre outra vez, [...]”
194

O pesquisador Ricardo Reis afirmou se sentir livre ao poder debater os temas levantados pelos
protocolos, num processo de compartilhamento de seus questionamentos sobre as experiências
vividas no grupo. Na corrente de comunicação criada na escrita, leitura e debate na Roda do
Grande Protocolo proposto pela metodologia de ensino-aprendizagem do teatro proposto por
Koudela, o pesquisador Ricardo pode clarificar suas dúvidas e compreender o processo vivido
em sua formação.

Fragmento do protocolo da pesquisadora Heloíse Vidor do dia 14 de setembro:

Peixes grandes comem peixes pequenos ou de como usar a violência em


cena

“Se os tubarões fossem homens”, perguntou ao Sr. K. a filha da sua


senhoria, “eles seriam mais amáveis com os peixinhos?’ ‘Certamente’, disse
ele.
Bertolt Brecht
Iniciamos a aula com a leitura dos protocolos da aula do dia 14/09 e
ficamos com a nítida percepção de que algo tinha ficado mal digerido…
Seria um tubarão?
Uma semana para elaborar… Cada qual, com aquilo que lhe foi possível,
expressou o que ficou: uma imagem, algumas definições, algumas
lembranças, a impressão das crianças sobre o Sr Schmit [...]
195

Fragmento do enunciado do protocolo da pesquisadora Heloíse Vidor do dia 24 de agosto:

[...] Iniciamos o encontro com a leitura dos protocolos. A instrução foi de


que poderíamos iniciar lendo um protocolo, um fragmento e logo alguém
poderia tomar a leitura, sempre tendo na escuta o mote para a troca de
leitores. Mas, talvez por serem os primeiros protocolos, todos os leitores
conduziram seu texto do início ao fim. Isso me pareceu muito importante
para um segundo encontro, onde ainda estamos nos conhecendo. E conhecer
os outros via protocolo foi uma rica oportunidade. Alguns mais poéticos
outros mais descritivos, outros mais bem humorados… Incrível como cada
um processa o mesmo evento de forma totalmente diferente, aqui no caso o
evento foi a aula. De maneira geral e a partir do relato de cada protocolo,
percebemos que os jogos teatrais foram os protagonistas da aula e Brecht
foi se infiltrando aqui e ali. O que faltou mencionar, segundo Ingrid, foi que
o tom ‘professoral’ que no início se fez presente, quando do trabalho com o
texto de Brecht, foi, pouco a pouco, se desarmando; e os jogos teatrais
foram essenciais para esta transformação. [...]”

A pesquisadora Heloíse revelou que passara uma semana ‘digerindo’ os eventos vividos no
encontro, ela compreendeu que a experiência prática promovera a reflexão. Ao criar o seu
enunciado, ela sentiu necessidade de colocar uma reprodução da gravura de Brueghel, a qual
lera e improvisara a partir dela no encontro anterior. Heloise utilizou seu protocolo para fazer
muitas perguntas, que foram lidas e discutidas no debate na Roda do Grande Protocolo
permitindo a reflexão e o avanço de todo o grupo. No segundo protocolo de Heloíse
encontramos uma reflexão sobre o modo de como deve ser a dinâmica na Roda do Grande
Protocolo. Ela demonstra ter compreendido a proposta de Koudela, mas sente que seu grupo não
fizera corretamente. Heloíse também percebeu a importância da metodologia de ensino-
aprendizagem do teatro utilizada e a sua colaboração no processo vivido. Auto-objetificando-se,
ela entendeu que a individualidade de cada pessoa se faz presente na escrita do protocolo que
refletem os mesmos eventos.

Fragmento do protocolo da pesquisadora Naila Broisler do dia 24 de agosto:

Em meio a pensamentos e devaneios, escrevo este protocolo na tentativa de


tirar alguma conclusão sobre a aula passada. Mas por que tenho que
concluir alguma coisa? Acho que o simples ato de colocar minhas
196

impressões no papel já serve para racionalizar as atividades da terceira


semana. Isso é aqui, nesta digitação que é para ser feita a racionalização. E
não lá na sala espaçosa de muitas janelas, onde a luz aparece de todos os
lados.
Mas é engraçado, percebo que estou muito mais subjetiva hoje para
escrever. Exijo uma objetividade que não está vindo. Ok vai trabalhar com
o que tenho. [...]

A pesquisadora Naila refletiu que o protocolo servira para analisar e compreender a experiência
vivida no encontro. Naila compreende que a escrita do protocolo permite a recuperação dos
eventos vividos e que esse exercício de escrita contribui para a sua formação. Ela acredita ser
necessário utilizar a sua objetividade para uma análise, mas afirma não conseguir abandonar sua
emoção. Então, ela assume que a escrita do seu protocolo terá a colaboração da sua
subjetividade.

Fragmento do enunciado do protocolo da pesquisadora Daniele Marques:

[...] Só agora os protocolos tornaram-se claros para mim. Só agora eu os


compreendo como ferramentas úteis e – por que não dizer? – de prazerosa
elaboração e utilização. Os protocolos não são os mesmos que me exigiam
na graduação. O que era uma tarefa árdua tornou-se um bom hábito:
protocolo até as aulas que não foram pedidas para protocolar, porque eles
nascem espontaneamente. E renascem a cada vez que são relidos. [...]

A pesquisadora Daniele revela sua alegria ao redescobrir a prática da escrita do protocolo que se
tornou muito mais interessante ao compreender a colaboração do gênero discursivo no processo
de aprendizagem. Ela ainda percebeu a função da releitura do protocolo, pois cria um
movimento circular. A escrita, a leitura e o debate de um protocolo pode provocar a criação de
outro protocolo e outras reflexões.

Fragmento do enunciado do protocolo do pesquisador Ricardo Henrique dos Reis dia 24 de


agosto:

[...] Começamos o dia com a leitura dos protocolos, não quis ser primeiro,
acho que ninguém queria. Ouvi o som do silêncio gritando em meu ouvido,
se é que isso é possível, hesitei, mordi os lábios e já estava pronto para
pronunciar a primeira palavra de meu protocolo quando ouvi a voz da Naila,
que iniciou a leitura de seu texto com veemência.
197

A leitura revelou um pouco de cada um: os técnicos, os filósofos, os poetas,


os políticos… Todos em igual valor e importância. O conjunto das leituras
permitiu conhecer o ponto de vista de meus colegas e isso foi muito
importante para absorver detalhes que por mim teriam passado
despercebido. Minha leitura foi tímida, como sempre. Acho, inclusive, que
pertenço ao coro dos técnicos, embora a minha vontade fosse a de ser poeta.
Esse percurso “aula/escrita/leitura/debate” ficou perfeito para a assimilação
do conteúdo. [...]

O pesquisador Ricardo demonstrou em seu protocolo que todos se sentiram um pouco


assustados na primeira experiência na Roda do Grande Protocolo, mas que a realização da
leitura e o posterior debate permitiram a ele a compreensão da importância da metodologia de
ensino-aprendizagem do teatro utilizada por Koudela. Ele afirmou que pôde conhecer as
opiniões de todos. Ricardo ainda revelou que sua participação fora tímida, mas conseguira
realizá-la.

Podemos compreender com os enunciados dos protocolos destacados dos pesquisadores que
participaram do curso em que se utilizou a metodologia de ensino-aprendizagem do teatro a
importante colaboração do gênero discursivo protocolo na criação de uma pedagogia de leitura e
escrita no teatro que colabora no processo de formação de pesquisadores da arte teatral.
198

Figura 34 - O aluno Ricardo Devito entregando o protocolo

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
199

5.1 Considerações sobre uma pedagogia de leitura e escrita no Teatro

Ao final desta pesquisa sobre a criação de uma pedagogia de leitura e escrita no teatro através
da metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com a utilização do gênero discursivo
protocolo podemos coadunar com o pensamento de Desgranges (2006) quando ressalta que na
visão de Brecht, a Pedagogia do Teatro, propõe uma aprendizagem que possibilita ao indivíduo
conhecer as coisas pela via da experiência sensível, e lembra ainda, que o processo de
aprendizagem não deve ter ponto final ou finalidade pré-estabelecida, mas deve acontecer por
toda a existência.

Podemos também relacionar a apontamento de Koudela (2001) quando afirma que para Brecht a
obra de arte influencia todas as pessoas e que elas podem entender e sentir prazer com uma obra
de arte porque todos têm algo de artístico dentro de si. Para Koudela (1991) a proposta de
educar através da arte teatral relacionada ao jogo aponta para um caminho de autoconhecimento,
pois a aprendizagem surge através do princípio da atividade do indivíduo, que passa a ser
artesão de sua própria educação ao estabelecer a relação dialética teoria/prática. Assim, vemos
que é na junção da experiência prática com a escrita, a leitura e a reflexão num processo de
debate que o aprendiz da linguagem teatral pode compreender o seu próprio processo de
formação.

Neste trabalho, acompanhamos o hábito que Bertolt Brecht teve, durante quase toda a sua vida,
em escrever diários e pudemos relacioná-lo ao posterior desenvolvimento do gênero discursivo
protocolo. Vimos o primeiro uso do protocolo no trabalho de Brecht após uma apresentação
teatral para os alunos da escola Karl Marx. Seguimos os registros nos diários de Brecht e
pudemos compreender as semelhanças com os registros presentes nos enunciados dos
protocolos. Mas também ressaltamos as características dos protocolos e a sua função de
propulsor na metodologia de ensino-aprendizagem de teatro proposto por Koudela. Assim,
diferenciamos o protocolo de um diário pessoal.

Fundamentamos teoricamente o protocolo que passou a ser compreendido no campo de estudos


da língua como um gênero discursivo. Vimos que o enunciado do protocolo proporciona uma
escrita que recupera os eventos vividos no encontro de um grupo envolvido com a arte teatral e
tem a função de promover a avaliação reflexiva individual no momento da escrita e coletiva no
200

momento do debate. O protocolo é um gênero híbrido, e como tal, pode ser composto por
combinações infinitas: narração, descrição, poesia, músicas, imagens, danças, cenas teatrais,
gestos corporais, entre outros existentes no processo de criação teatral. Essas linguagens se
fundem para clarificar a intenção do autor do enunciado do protocolo que tem um tema gerado
na vivência ocorrida numa determinada data no grupo do fazer teatral.

Vimos que a pesquisadora Ingrid Koudela trouxe uma nova compreensão para o protocolo, para
ela, não é apenas uma escrita sobre o passado, mas sim um registro de ideias que funcionam
como uma mola propulsora no processo de criação. Todas as reflexões registradas nos
enunciados dos protocolos permitem o avanço do aprendiz, e promovem ainda reflexões e
avanços nos colegas de turma que ouvem e discutem coletivamente os protocolos escritos.

Compreendemos que Ingrid Koudela enriqueceu a escrita do protocolo propondo um registro


marcado pela experiência prática vivida na relação sensório-corporal do jogo teatral e da
fisicalização. Koudela, ainda, trouxe para a escrita do protocolo a colaboração da experiência
com o modelo de ação brechtiano. Vimos que o protocolo muda de formato, isto é, muda o
gênero escolhido para transmitir a intenção do seu autor que varia de acordo com e experiência
vivida na proposta com o modelo de ação.

Os fragmentos dos enunciados dos protocolos destacados, nesta pesquisa, demonstraram que a
experiência prática permitiu a compreensão do significado do gesto, das possibilidades de
criação e do enriquecimento trazido pelas experiências vividas no fazer teatral. Então, o
protocolo mostra o resultado de uma experiência prática que promove uma reflexão individual,
proporciona a escrita e a leitura que geram um debate na coletividade e suscita novas reflexões
em todos os envolvidos no processo.

Entendemos como a palavra do outro está presente e colabora com o processo vivido na
metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com o uso do gênero discursivo protocolo
utilizado pela pesquisadora Koudela. O protocolo registra a palavra do seu próprio autor e dos
outros envolvidos no processo de interação verbal. Vimos que essa interação é tensa e sempre
há conflito entre a palavra do autor do protocolo e a de outrem, é um processo de delimitação ou
de esclarecimento dialógico mútuo.

Desvelamos que os alunos envolvidos no processo de aprendizagem da linguagem teatral


sempre têm uma atitude ativa, pois a compreensão da discussão proporcionada pelo protocolo
201

produz uma atitude de aprendizagem e de diálogo do indivíduo com o meio de interação social.
Cada indivíduo participante da leitura dos protocolos é um interlocutor e tem sempre uma
resposta-ativa. O discurso de um enunciado de um protocolo provoca outra reflexão e pode
gerar um novo protocolo formando a corrente da comunicação.

Consideramos que pela teoria bakhtiniana, a esfera artística do teatro determina a construção
composicional do protocolo, o conteúdo temático e o estilo da linguagem utilizado por seu autor
que faz suas escolhas para refletir o seu objetivo ao escrever o enunciado do seu protocolo. Há,
ainda, as relações dialógicas que são estabelecidas pela grande quantidade de enunciados
alheios.

Percebemos que o aprendiz que escreve o protocolo se torna autor de sua obra, e traz outro
olhar, pois para escrever-se é necessário sair de si mesmo e tornar-se objeto de sua própria
análise. O enunciado do protocolo traz uma característica que o afasta da vida real, por isso é
criação. Ao afastar-se de si mesmo o autor pode dar acabamento ao seu discurso, tornando-se
concluso. Apreendemos a importante colaboração do exercício de escrita que leva o aprendiz a
se tornar autor de seu próprio processo de construção de conhecimento, pois é refletindo sobre
suas experiências que o autor do protocolo se desloca de si mesmo e auto-objetifica-se.

Vimos que a possibilidade da criação estética é maior quando o autor do protocolo é menos fiel
ao relato dos eventos vividos. Quanto mais se afastar do registro do apenas vivido mais criativo
e artístico poderá ser o protocolo. Muitas vezes os acontecimentos presentes nos enunciados dos
protocolos são tangenciados através da criação de uma poesia, música, gesto, cena, enfim, um
elemento estético criado por seu autor. Ao afastar-se de si mesmo o autor do enunciado do
protocolo pode dar acabamento ao seu discurso, tornando-se concluso, o que não é possível na
vida vivida, pois estamos dentro do evento e não nos afastamos. Compreendemos com Bakhtin
que o autor do protocolo pode tornar-se puro artista deixando de ser ingênuo e enraizado no
mundo da alteridade.

Analisamos as vozes presentes nos protocolos dos exemplos apresentados nesta pesquisa, e
vimos que podem ser: monofônica, bifônica ou polifônica. As vozes mostraram a riqueza e a
diversidade vivida no processo de criação da encenação promovido pela encenadora Ingrid
Koudela. A utilização, pela pesquisadora Koudela, da metodologia de ensino-aprendizagem do
teatro através do uso do gênero discursivo protocolo permitiu aos aprendizes da linguagem
202

teatral o registro do rico processo e criou a possibilidade da reflexão sobre a experiência vivida
em sua própria formação.

Entendemos com Foucault, neste trabalho, que a escrita está associada ao exercício de
pensamento de duas maneiras diferentes: uma linear que vai do exercício da escrita nascida na
reflexão advinda de uma prática sensório-corporal experienciada. E ainda, outra que é a forma
circular, pois a reflexão sobre a prática precede a escrita e a leitura posterior do enunciado do
protocolo promove novas reflexões. Em seus estudos sobre a Escrita de Si, Foucault descreve a
função etopoiética nos documentos: hupomnêmata e carta, que foram relacionados aos
protocolos nesta pesquisa.

Relacionamos as características dos hupomnêmata ao protocolo, pelo fato do gênero discursivo


protocolo recolher os fragmentos do que foi visto, ouvido, ou lido durante o processo de criação
da cena teatral, como os hupomnêmata no mundo grego. A leitura e releitura desses fragmentos
recolhidos permitem a reflexão e o avanço na aprendizagem da linguagem teatral.

Percebemos que o protocolo apresenta também as características da carta, pois é livre no seu
estilo e composição, podendo seu autor escolher a melhor forma de revelar suas intenções ao
escrever o seu texto. No protocolo, o aluno compartilha com o grupo o seu olhar sobre o
momento vivido na arte teatral. O protocolo como a carta age sobre seu autor no momento da
escrita, e age sobre os companheiros de turma no momento da leitura e debate na Roda do
Grande Protocolo.

Compreendemos que a pesquisadora, Ingrid Koudela se valeu da escrita para registrar suas
experiências e desenvolver análises científicas sobre a arte teatral. A pesquisadora mostrou, ao
longo dos anos, que em sua produção acadêmica buscou registrar os trabalhos pedagógicos
vividos nas oficinas, cursos, encenações, palestras, entre outras atividades. Entendemos a
importante contribuição do protocolo no registro dessas ações, dos eventos, das falas e do
material produzidos pelos participantes.

Desvelamos que em suas primeiras oficinas com o jogo teatral, nos anos 1978/79, Koudela
ainda não utilizava o protocolo, mas buscou formas para registrar o rico material produzido.
Com as crianças utilizou desenhos inspirada pelo trabalho de Madalena Freire, questionários
com os adolescentes e depoimentos com os diretores, artistas e escritores. Em todas as
203

oportunidades Koudela buscou apreender o resultado e analisou posteriormente enriquecendo a


produção acadêmica da área que viria a ser denominada Pedagogia do Teatro.

Vimos que o processo de criação da encenadora Koudela é colaborativo e as discussões e a


oportunidade de expressar as próprias ideias no debate dos protocolos permitem a criação de
uma unidade no grupo, pois todos podem conhecer as propostas dos parceiros no fazer teatral.

Neste trabalho analisamos os enunciados dos protocolos produzidos pelos alunos de Ingrid Koudela
do curso de graduação em Teatro da Universidade de Sorocaba e também do curso ‘Teoria e Prática
com a Peça Didática de Bertolt Brecht’ da Pós-Graduação da Universidade de São Paulo.
Destacamos fragmentos desses protocolos, e neles encontramos as marcas das propostas feitas por
Koudela, o que nos permitiu comprovar a colaboração do enunciado do protocolo que funcionou
como um registro de avaliação do processo vivido, mas também como um propulsor na criação do
fazer teatral. O uso do gênero discursivo protocolo proporcionou ao aprendiz a reflexão e a
avaliação do momento experienciado na criação da arte teatral.

Segundo Freire (2011) não existe prática sem avaliação. Para o pensador ao se avaliar a prática
pode-se analisar o que se fez, e comparar os resultados com o que se desejava alcançar. A
avaliação da prática revela acertos, erros e imprecisões, permite a correção e a melhora da
prática. Avaliação e prática caminham juntas, e Freire propõe o exame constante dos avanços,
pois isso possibilitaria o vencimento das dificuldades encontradas.

Freire nos permite compreender que o protocolo possibilita a avaliação da prática experienciada
na criação da cena teatral. Entendemos que a escrita do protocolo parte da relação da teoria com
a experiência prática vivida no jogo teatral e que essa avaliação revela o processo de
aprendizagem da linguagem teatral. O desvelar dos avanços e das dificuldades na metodologia
de ensino-aprendizagem d com o uso do instrumento de avaliação protocolo permite a criação o
teatro de uma pedagogia de leitura e escrita no teatro.

Na presente pesquisa analisamos que a metodologia de ensino-aprendizagem do teatro proposta


pelo uso do gênero discursivo protocolo permitiu a recuperação do processo vivido e a
compreensão das propostas que fundamentaram a criação da obra teatral. A instauração da
pedagogia de leitura e escrita, através da metodologia adotada por Koudela, permitiu que os
alunos trocassem experiências e análises do processo de criação fundamentada na teoria
estudada, e ainda, refletissem e aprendessem com o processo vivido trazendo para cada aprendiz
da arte teatral uma formação teórica e prática.
204

Se a pedagogia reside na relação indissociável do objetivo a ser atingido com o método


escolhido, então a proposta metodológica de ensino-aprendizagem do teatro utilizada por
Koudela aponta um caminho para os educadores que trabalham com a criação da cena teatral. E
ainda, possibilita a contribuição da reflexão crítica sobre a prática experienciada no jogo teatral
que permeia a escrita do enunciado do protocolo. No processo pedagógico que se efetua no
encontro do educador com o aprendiz, a escrita do protocolo é pautada pela intersecção de teoria
e prática na criação da arte cênica. Assim, a metodologia de ensino-aprendizagem do teatro com
a utilização do gênero discursivo protocolo possibilita o desenvolvimento da autonomia do
aprendiz da linguagem teatral que pode se tornar autor da sua própria história.

Neste trabalho, analisamos as montagens realizadas no curso de Teatro da Universidade de


Sorocaba nos anos 2007, 2008 e 2009. É importante registrar que Ingrid Koudela nos anos que
se seguiram deu continuidade a suas pesquisas na criação da cena teatral na Universidade de
Sorocaba. Em 2010 realizou a montagem do texto de Bertolt Brecht ‘De nada, nada virá’, em
2011 a encenação ‘As caixinhas do Sr. Keuner’ e em 2012 ‘Alegorias Pantagruélicas’. O que
demonstra o interesse da pesquisadora Koudela em contribuir com a construção do pensamento
sobre função estética da arte cênica.

Ao final, desta pesquisa acreditamos que a utilização da metodologia de ensino-aprendizagem


do teatro proposta por Koudela com o uso do gênero discursivo protocolo aponte para a
necessidade de outras investigações que podem contribuir com a construção do conhecimento
na área da Pedagogia do Teatro e revelar o processo de constituição dos aprendizes da
linguagem teatral no embate com os indivíduos que participam da coletividade do fazer teatral.
205

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ANEXOS

“A prática precisa da avaliação

como os peixes precisam da água e a lavoura da chuva”

Paulo Freire (2011, p. 98)


216

Programas dos espetáculos e alguns protocolos produzidos pelos alunos de Ingrid Koudela.

.
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