Resenha Do Livro Medieval
Resenha Do Livro Medieval
Resenha Do Livro Medieval
Resenha crítica – Geary, Patrick J. O mito das nações: a invenção do nacionalismo. São
Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.
Rio de Janeiro
2024
Um nome exemplar de tamanha constituição quando se trata do campo histórico
medieval. Patrick J. Geary, professor em Idade Media Ocidental em Princeton, Estados
Unidos, apresenta-nos, em seu O mito das nações um belo intento investigativo acerca
da história formativa dos povos europeus. Compara, em seu rigoroso exame, os mitos
com a verdadeira história da transformação europeia ocorrida entre os séciulos IV e IX
– período de vastas migrações no entorno do continente. Busca, sobretudo, as
identidades e suas constituições históricas. A resenha a seguir se encarregará de seu
passe introdutório.
Qual foi o período determinante para a formação da identidade europeia? Patrick
Geary, autor da obra O mito das nações estabelece que é necessária uma nova forma de
entendimento destes povos europeus. Sobretudo, acrescenta, a respeito de suas
peculiaridades identitárias.
Seu aprofundado exame objetiva rastrear as constituições “intelectuais e
culturais com as quais os europeus” usaram para se distinguirem de si mesmos. É uma
busca, portanto, das raízes do então “nacionalismo étnico” (Geary, 2008:24).
Geary evidencia que as atuais (virada do XIX pro XX) “reivindicações por
soberania na Europa” como um todo “são uma criação do século XIX, um período que
combinou as filosofias políticas românticas de Rousseau e Hegel com a história
‘científica’ e a filologia indo-européia, produzindo o nacionalismo étnico. Demandas
referindo-se, podemos dizer, por autonomia política sobre si. De outra maneira (é
importante destacar): a construção da nação surge como um meio legitimador de posses
territoriais; por conseguinte, riqueza. No entanto, buscando trazer as problemáticas
cabíveis à sua introdução do livro, de que forma se deu o encontro entre a identidade
política e a identidade cultural? Isto é, que grupo étnico possui o direito de
autodeterminação política baseado no principio de soberania nacional?
Alguns apontamentos revelam horizontes problemáticos. A retórica do princípio
étnico e nacional veiculados em conjunto podem ensejar, por um lado, justificativas para
a formação de nações etnicamente “puras”, o que, como já se evidenciou no último
século, cria-se uma justificativa em consolidar uma limpeza étnica: a ideologia nazista
na Alemanha constitui um exemplo; tal como, também, o Estado de Israel na atualidade
e seus atos genocidas em cima do povo palestino.
A proposta do estadunidense, como se vê, vai bem além do horizonte
nacionalista; traz, ademais, um encontro que revela eixos mais aprofundados, o
“nacionalismo étnico”. Nesse sentido, Geary tem a proposição de buscar por uma
compreensão renovada dos europeus; essencialmente, segundo afirma, “no que diz
respeito ao período formador de sua identidade, que foi o primeiro milênio” (Idem).
A compreensão renovadora a que se busca apresentar tem o objetivo de tratar,
juntamente, dos aspectos políticos (territoriais) e culturais (étnicos), intentando por
revelar de que maneira um uso ideologizado acerca de um passado construído, o falso
dilema do “’momento da aquisição primária’”, isto é, um elemento ideológico
justificativo sobre qual povo alcançou primeiro, em um passado radicalmente distinto
(com condições históricas fora da estrutura mental do presente), um devido território
para, assim, situar a legitimidade do assentamento deste mesmo grupo étnico no local
forjado. Um lúcido e concreto exemplo pode ser a disputa política em torno de Jerusalém
(Terra Santa); em que, por ser um lugar sagrado tanto para os cristãos quanto para os
hebreus, levou-os ao conflito militar na busca pelo seu monopólio. Neste caso podemos
ver tanto de um lado quanto de outro a religião (o sagrado e irreal) sendo amparada
como meio justificador de um local. Portanto aqui se vê de que maneira as memórias
podem ser perversamente manejadas visando alcançar uma justificativa com base em
um falseamento histórico – a memória hoje é um grande fator de disputa da mesma
forma.
Patrick levanta questões condicionantes para o ensejo de dicursos como estes
supracitados. A busca da apreensão das estruturas cognitivas que condicionaram – e
ainda condicionam setores que se aproveitam para manejar o passado à sua ideologia –
necessita de uma longa investigação. A formação das identidades nacionais e étnicas e
a sua consequente crise, conforme Geary apresenta na sua introdução reservam um
exposto ricamente produzido.
A ascensão da extrema-direita, com lideranças políticas que alimentam
constantemente o medo do estrangeiro – isto é, do outro, aquele que tomará seus
benefícios reservados à sua cidadania – são uma constante em que pesam na análise do
autor. Conforme mesmo cita, ao enunciar sobre as minorias étnicas dispersadas junto à
questão da crise de refugiados, da última década do século XX, “a reação extrema a essa
situação é o renascimento da violência racista nas cidades ocidentais” como por
exemplo “a retomada do debate sobre quem tem o direito de desfrutar da prosperidade
alemã” (p. 15). Seria a identidade nacional uma questão de sangue ou de raça? A
problemática hipotética enunciada por Patrick é um tanto exagerada. Contudo, em um
período de crise identitária em que setores políticos se orientam pelo discurso
xenofóbico (isto é, ódio dispersado), reduz-se o evocado exagero na hipótese.
Um historiador como Patrick, estudioso da era medieval, ressalta a tamanha
importância “do período entre os anos 400 e 1000 para esse debate”, isto é, conforme
bem se utiliza a extrema-direita de um passado profético, aponta que “o declínio do
Império Romano e as invasões bárbaras se tornou o sustentáculo do discurso político na
maior parte da Europa”, materializando-se, assim, que o passado advindo da chegada
dos “bárbaros” é uma arma política. É por meio da baliza destas construções do passado
que os líderes políticos adequam seus maliciosos planos ao evocar, por exemplo, quem
tem ou não o direito à reinvindicação de benefícios do Estado; ou quem possui ou não
o aporte identitário necessário para ser julgado pertencente à nação. O autor, por
exemplo, pontuando uma crítica acerca deste fator afirma que uns, projetando a queda
do Império Romano, esperam “descobrir com as lições do passado uma forma de
impedir que a civilização europeia contemporânea seja destruída por novas hordas de
bárbaros” (p. 22), exemplificando um uso tendencioso do passado objetivando o
benefício de um lado político.
O estadunidense, nesse sentido, realiza uma conclusiva e coerente análise
introdutória. Sua estrutura constrói-se de maneira que o encadeamento das ideias se
efetiva nitidamente. O uso de categorias como “pequena europa”, apontamentos como
“a Cortina de Ferro, que não só havia isolado o Leste como também protegido o
Ocidente”, sintonizando-os em contrário ao projeto revolucionário socialista explicita
seu posicionamento ideológico em favor do seu capitalismo estadunidense. E, por tal
maneira, empobrece seu exame argumentativo em partes. Contudo, de uma forma ou de
outra, o autor, apesar do longo debate introdutório, contribui com um claro exame
evidenciando suas proposições, não deixando de lado em momento algumas fontes
exemplificativas, como reportagens ou processos históricos. A validade presente em sua
obra, não apenas aos historiadores em percurso, mas também aos leitores investidos em
adquirir saber histórico, podem em muito, aproveitar-se deste ótimo intento
investigativo.