Conceitos Basicos Biblicos

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A utilização da acupuntura em medicina veterinária

CURSO
DE
BÍBLIA
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INTRODUÇÃO E OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

POR QUE A FORMAÇÃO DA BÍBLIA É IMPORTANTE

A Bíblia influencia decisivamente a fé de judeus e cristãos, pro-


porcionando-lhes o conhecimento de Deus, da vontade divina, da
própria identidade como povo de Deus e da sua missão no mundo. Ju-
deus e cristãos aceitam a sacralidade dos livros do Antigo Testamento
como literatura sagrada, mas os cristãos admitem também inúmeros
outros escritos sagrados. É importante saber quais livros integram o
cânone bíblico, e é fundamental que pessoas de fé conheçam o texto
desses livros, de modo especial as palavras que, neles, são inspiradas
por Deus. A Antiguidade produziu muitas outras obras religiosas, e
tanto judeus como cristãos selecionaram as que contribuíam para sua
compreensão de Deus e elucidavam sua própria identidade e missão
no mundo. Infelizmente, a forma como os escritos sagrados judaicos
e cristãos foram reunidos para formar suas respectivas Bíblias é uma
história mais complexa, menos evidente e, muitas vezes, desconheci-
da. Este pequeno volume tem o objetivo de lançar alguma luz sobre
alguns aspectos mais importantes relacionados ao modo como chega-
mos à nossa Bíblia.
Iniciamos com um breve esclarecimento sobre o que se encontra
na Bíblia. A Bíblia judaica contém 24 livros (ou 22, dependendo de
como se combinam e contam os mesmos livros), um conjunto ge-
ralmente denominado Bíblia hebraica (BH), Tanak e até Miqra. Na
verdade, Tanak é um acrônimo, formado a partir das três partes da
Bíblia hebraica: a Lei, os Profetas e os Escritos. Em hebraico, essas
categorias se chamam Torah, Nebiim e Ketubim, daí TNK ou TaNaK
(Tanak). Alguns especialistas bíblicos adotam o termo Primeiro Testa-
mento, em lugar de Antigo Testamento, pois o termo “antigo” às ve-

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A origem da Bíblia

zes sugere a ideia de algo obsoleto e de menor consequência. Eviden-


temente, os que escolheram a expressão nos primórdios não tinham
essa intenção, mas atualmente há quem a considere depreciativa. Por
isso muitos biblistas empregam as denominações Primeiro Testamen-
to e Segundo Testamento, em vez de Antigo Testamento e Novo Tes-
tamento. Os cristãos aceitam os mesmos livros que os judeus como
Antigo Testamento, mas com uma contagem (39 livros) e uma ordem
sequencial diferentes. Por exemplo, na BH, 1 e 2 Samuel constituem
uma só obra, do mesmo modo que 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas; tam-
bém os doze Profetas Menores compõem um único livro, muitas vezes
mencionado simplesmente como os “Doze”. Esses mesmos livros são
contados um a um nas Bíblias cristãs. As Igrejas protestante, católica
e ortodoxa têm o mesmo Novo Testamento, mas diferem nos livros
que incluem nos seus Antigos Testamentos. Embora estes contenham
os mesmos livros que compõem o Antigo Testamento protestante, os
católicos e os ortodoxos agregam outros textos, que os protestantes
normalmente chamam de “apócrifos” e os católicos classificam como
“deuterocanônicos”.
Com o tempo, judeus e cristãos chegaram à conclusão de que
se faziam necessários mais escritos para esclarecer sua fé e missão.
Para os judeus, esses escritos adicionais incluíram tradições orais dos
dois primeiros séculos da Era Comum (EC)1 e sua interpretação. As
tradições orais judaicas que começaram no tempo de Jesus e conti-
nuaram até aproximadamente as primeiras décadas do século III EC
dedicaram-se à manutenção da Lei em sua aplicação à vida diária e à
conduta religiosa. Esse material é, em geral, conhecido como Mixná.2

1
As abreviaturas EC para “Era Comum” e AEC para “Antes da Era Comum” são equi-
valentes a a.D. (anno Domini, ou também d.C., depois de Cristo) e a.C. (antes de Cristo),
respectivamente. Comunidades e publicações acadêmicas adotam em geral essas desig-
nações porque muitos participantes de estudos bíblicos e leitores não seguem religiões
cristãs. Essa terminologia favorece uma melhor interação entre cristãos, judeus e não cris-
tãos, quando da abordagem da literatura bíblica e de questões bíblicas.
2
A Mixná (hebraico = “o que é repetido” ou “instrução oral”) é um código filosófico de
leis que judeus praticantes por vezes chamam de “Torá Oral”, com o argumento de que
Deus deu a Moisés não apenas leis escritas, mas também leis orais que “construíram um
muro” em torno da Lei escrita. Até a metade do séc. III EC, materiais semelhantes, chama-
dos “Tosefta” (hebraico = “suplemento”), passaram a coexistir com a Mixná. Os mestres
rabínicos do séc. III ao VI usaram a Mixná como texto-base para a lei talmúdica posterior.
Essas interpretações, chamadas gemara (aramaico = “término”, complementação), consti-

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Introdução e observações preliminares

De modo semelhante, os cristãos perceberam rapidamente o va-


lor de muitas composições cristãs que narravam a história de Jesus (os
Evangelhos) e as implicações dessa história para a vida e a fé cristãs
(algumas cartas de Paulo). Antes de se separarem dos judeus, entre 62
e 135 EC, aproximadamente, os cristãos já haviam reconhecido como
Escritura livros que para muitos judeus constituíam Escritura estabe-
lecida. Até o fim do séc. II, os cristãos começaram a identificar os seus
escritos com o termo Escritura e a fazer distinção entre um “Antigo
Testamento” e um “Novo Testamento”. Mais adiante analisaremos
essas designações em maior profundidade. Os cristãos davam grande
valor à leitura desses livros e também das Escrituras judaicas que ha-
viam recebido como herança.
Por que as comunidades judaica e cristã viram a necessidade de
acrescentar outros livros às suas coleções sagradas? E, ainda, por que
selecionaram os livros que por fim foram incluídos em suas Bíblias? E
por que, entre os excluídos, estavam alguns livros de grande populari-
dade, como 1 Enoc, Sabedoria de Salomão, Salmos de Salomão, Tes-
tamentos dos Doze Patriarcas, Pastor de Hermas, Didaqué, Epístola
de Barnabé, 1 Clemente e outros? Alguns dos excluídos não são mui-
to diferentes, em termos teológicos, dos livros que foram incluídos;
por exemplo, Sabedoria de Jesus Ben Sirac (Sirácida ou Eclesiástico),
Didaqué, 1 Clemente e outros. Os primeiros cristãos incluíram alguns
desses livros em seu Antigo Testamento e alguns judeus continuaram
a lê-los durante séculos, especialmente Sabedoria de Jesus Ben Sirac
e Sabedoria de Salomão. Da mesma forma, muitos outros escritos
cristãos que circularam inicialmente em algumas igrejas como escri-
tos inspirados (por exemplo, Didaqué, Cartas de Inácio, Epístola de
Barnabé, Pastor de Hermas) foram por fim excluídos das Escrituras.

tuem o Talmude (hebraico = “instrução”, doutrina; pl. = Talmudim). Havia dois Talmudes
principais, o da Babilônia (Bavli) e o da Terra de Israel (Yerushalmi). Ambos seguem a ordem
dos tratados da Mixná. Os rabinos faziam distinção entre a Mixná, a Tosefta, os dois Talmu-
des e as suas Escrituras sagradas, mas consideravam essas interpretações das Escrituras
judaicas semelhantes aos seus escritos sagrados. Esses escritos adicionais esmiúçam as
implicações das Escrituras para a conduta religiosa. A Mixná reflete os ensinamentos dos
doutores da Lei judeus de aproximadamente 10 EC até 200 EC, doutores que são conheci-
dos pelo termo “Tanna’im” (aramaico tanna’ = “aquele que estuda”, ou “ensina”, ou “repe-
te”). Nas primeiras décadas do séc. III EC, o rabino Judá, o Príncipe, reuniu e codificou os 63
tratados que compõem a Mixná.

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A origem da Bíblia

Muitos acreditavam que esses livros eram de origem divina e comu-


nicavam a vontade de Deus, sendo, por isso, incluídos em coleções
sagradas em várias comunidades cristãs.
Esses chamados escritos não canônicos moldaram a fé dos pri-
meiros cristãos, consolidaram sua identidade e formaram as bases do
seu modo de conduzir-se e da sua missão. Como a delimitação dos es-
critos sagrados à literatura bíblica atual foi um processo desenvolvido
ao longo de vários séculos, e como os cristãos divergem a respeito da
composição final da sua Bíblia, precisamos perguntar qual dos grupos
está correto, se é que um deles tem esse atributo. Que critérios foram
adotados no processo de seleção e por que alguns livros foram ini-
cialmente aceitos e depois rejeitados? Esses livros deveriam ser rein-
troduzidos nas Bíblias atuais? Por outro lado, deveríamos continuar
mantendo livros que parecem não ter mais relevância ou não condizer
com as condições de comunidades religiosas contemporâneas, como,
por exemplo, os que contêm exortações semelhantes a esta: “Servos,
obedecei a vossos senhores” (Ef 6,5)?
Graças ao desenvolvimento das pesquisas canônicas em anos
recentes, compreendemos melhor alguns processos envolvidos na
definição dos livros da Bíblia e também conseguimos responder a
algumas das complexas perguntas em torno da sua formação. Quer
dizer, então, que os cristãos, por terem uma melhor compreensão
do contexto histórico da Bíblia, finalmente concordarão a respeito
de todas as questões relativas à formação do cânone bíblico? Pro­
vavelmente não, porque ainda restam muitas ambiguidades, mas
com uma análise cuidadosa dos vários problemas em torno das ori-
gens da Bíblia, temos hoje uma compreensão maior dos motivos que
nos levam a concordar ou discordar de outros a respeito de muitas
questões análogas. Fato ainda mais importante, hoje podemos en-
tender por que algumas escolhas foram feitas. Com esse entendi-
mento, temos condições de compreender melhor os que divergem
de nós.
Atualmente, cristãos e judeus se perguntam como foram toma-
das as decisões a respeito da composição da Bíblia e se os livros que
a constituem foram selecionados apropriadamente. Como os livros
bíblicos definem a fé, a conduta e a missão das comunidades religiosas
que os aprovam, a origem e o desenvolvimento da Bíblia serão sempre
questões muito importantes. Se a fé de uma pessoa tem como base a

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Introdução e observações preliminares

fidelidade aos livros sagrados, hoje essas perguntas acarretam conse-


quências sérias e se revestem de suma importância.
É apropriado pôr essas informações à disposição de um público
maior, não as restringindo à comunidade acadêmica, pois assim esti-
mulam-se discussões muito enriquecedoras, tanto nas igrejas como
nas sinagogas. Nos últimos anos, surpreende-me positivamente o
grande interesse que igrejas e grupos de estudantes manifestam pelo
tema da formação da Bíblia. Recebo muitos convites para abordar
essas questões tanto em comunidades acadêmicas quanto em um nú-
mero cada vez maior de igrejas e de conferências pastorais. Com fre-
quência, ouço colegas de ministério dizer que nunca trataram desses
assuntos em suas congregações, e muito menos os debateram, por
considerá-los muito complexos ou demasiado propensos a criar di-
visões na Igreja. Acredito, porém, que a Igreja tem capacidade para
discutir todas as questões que influenciam a nossa fé e o nosso modo
de agir, mesmo que algumas lições que aprendamos com pesquisas
bíblicas meticulosas sejam às vezes inquietantes e provocadoras.
Oportunidades assim constituem passos importantes de crescimento
educativo e espiritual.
É muito fácil enclausurar-nos em nossos dogmas tradicionais e
não incentivar os membros das nossas congregações a fazer perguntas
legítimas sobre a origem e o desenvolvimento de sua Bíblia e de sua
fé. É praticamente impossível reprimir mentes inquisitivas, porém, e
quando oferecemos oportunidades para a formulação de perguntas,
podemos atrair alguns membros mais brilhantes e promissores das
nossas comunidades de fé. Infelizmente, quando essas pessoas não
dispõem dessas oportunidades ou, inclusive, são desestimuladas a
questionar, em geral procuram outros lugares onde possam expor
suas dúvidas. Espero que este volume seja uma contribuição para lei-
gos interessados e que também demonstre para os alheios à igreja ou
à sinagoga que é legítimo fazer perguntas que nos ajudam a examinar
a nossa fé e as questões importantes que a afetam.

ALGUMAS QUESTÕES IMPORTANTES

Anos atrás, quando eu exercia o ministério pastoral em Ne-


braska, certa noite, ao ministrar um curso sobre Bíblia, um jovem

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A origem da Bíblia

bastante perspicaz fez várias perguntas sobre as origens da Bíblia cris-


tã e sobre os livros que não faziam parte dela. Ele fizera um curso
sobre religião em uma universidade local e aprendera, corretamente,
que muitos outros livros antigos haviam sido candidatos à inclusão
na Bíblia, mas que, por motivos os mais variados, foram rejeitados
tanto por judeus quanto por cristãos. Ele queria algum esclarecimento
sobre esse assunto e também queria saber quando e por que as igrejas
escolheram os livros que constituíam a Bíblia.
Depois de dar algumas respostas iniciais e pouco convincentes
a essas perguntas, baseado no que eu havia aprendido nos tempos de
seminário, concluí que devia adiar uma resposta mais completa até
pesquisar o assunto mais a fundo. Ao tentar responder às perguntas
do jovem, eu me surpreendi pensando em várias exceções às respos-
tas dadas! Na ocasião, eu simplesmente não estava preparado para
responder às perguntas do jovem, por sinal muito válidas, apesar de
conhecer muito bem as explicações tradicionais. Como eu já conhecia
muitas exceções a teorias do passado sobre o modo como a Bíblia
fora composta, protelei as respostas por uma semana ou pouco mais,
com o objetivo de estudar a questão em maior profundidade do que o
fizera na época do seminário.
Comecei a examinar com mais atenção as questões levantadas
e outras que surgiam, pesquisando as antigas tradições judaicas e
cristãs; obviamente, encontrei respostas melhores e mais esclarece-
doras do que as inicialmente oferecidas ao estudante universitário.
As perguntas do jovem me levaram a uma investigação do contexto
histórico da formação da Bíblia. Depois de passar quase 30 anos
lendo e escrevendo sobre o assunto, descobri que questões relaciona-
das à origem e ao desenvolvimento da Bíblia estavam essencialmente
ultrapassadas ou então eram respondidas de modo inadequado. É
importante o leitor saber que tentativas de respondê-las não abalam
a fé que muitos de nós abraçamos e que procuramos viver. A fé não
depende dessas inquirições; inclusive, o conhecimento das origens da
Bíblia pode aumentar a nossa compreensão da fé. Os teóricos da
conspiração para quem a Igreja tenta ocultar ao público informações
valiosas estão, naturalmente, extraviados ou confusos. Estudiosos da
Bíblia refutam regularmente, e corretamente, essas ideias populares
e pedem provas mais robustas para essas afirmações inconsistentes
da mídia.

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