Alvares de Azevedo Ler
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Itania Mara Santos
RESUMO
O artigo em evidência consiste em analisar, por meio de um estudo biográfico e do estudo analítico
interpretativo do poema “Seio de virgem”, a sublimação da sexualidade expressa no discurso poético
de Álvares de Azevedo, bem como verificar a sugestão de uma possível relação incestuosa deste
com sua mãe e sua irmã, expressas nos textos escolhidos para estudo. Associado a isso, procura-se
aqui destacar a repressão e o negativismo relacionados a uma condenação moral da realização
sexual pelo poeta. Quanto a isso, buscar-se-á privilegiar, nos textos selecionados, uma notória
correspondência com as ideias expressas na produção de Lord Byron e Musset, com as quais o
poeta brasileiro teve contato através das rodas boêmias informais que ocorriam na cidade de São
Paulo em sua época. Para elucidar melhor esta proposta, proceder-se-á a uma reflexão sobre um
referencial teórico que aborda questões pertinentes ao tema em enfoque, tais como: O Discurso
pornográfico, de Dominique Mainguenau (2010); História da sexualidade1: Vontade de saber (1988),
de Michael Foucault; e História da literatura brasileira - das origens ao Romantismo, de Massaud
Moisés (2001).
INTRODUÇÃO
1
Trabalho de conclusão de curso orientado pela Profa. Dra. Vilma Mota Quintela.
2
Acadêmica do curso de Pós-Graduação em Língua Portuguesa e suas Respectivas Literaturas.
Partindo do pressuposto de que no século XIX, em que se situa
historicamente a poesia de Álvares de Azevedo, matéria de análise do presente
estudo, constitui-se um período de repressão e grandes proibições, faz-se
importante ressaltar que essa temática transita em meio a contradições impostas
pelos ditames morais, a regras e proibições definidas com base no que se considera
lícito ou não3.
No que tange às relações entre sexualidade e literatura, foi no período
Barroco, época literária que fomentou as manifestações artísticas no século XVII,
que se definiu o homem como um ser dividido entre o pecado e a santidade, como
santo ou profano, apresentando-se, assim, uma concepção de mundo ambivalente.
É nesse mesmo período que o erótico aparece e toma força por meio da grafia
simultaneamente erótica e pornográfica. Erótica no que se refere aos versos que
incitam o desejo sexual e abrem espaço para o sentimento amoroso; e pornográfica
no que tange a uma linguagem escancarada, “que não visa tapar o sol com a
peneira” (MAINGUENEAU, 2010). No Brasil, dentre os exponentes literários desse
período, destaca-se o poeta baiano Gregório de Matos, que cultivou três vertentes
líricas: a religiosa, a filosófica e a lírica amorosa. É neste último tipo de poesia que o
autor aborda o tema da sexualidade aliado ao erotismo e à pornografia. Neste artigo,
por meio de uma análise que busca estabelecer relações entre sexualidade e
literatura, cumpre verificar a presença dos efeitos de sublimação – enquanto
manifestação do eu-lírico –, bem como o enaltecimento da sexualidade na poesia
ultrarromântica de Álvarez de Azevedo, cujas práticas sociais transpiram orgias,
libertinagem, perversão, necrofilia e uma possível relação incestuosa com a mãe e
com a irmã4.
Para uma melhor compreensão da proposta vigente, recorrer-se-ão aos
relatos históricos presentes na História da sexualidade e erotismo no Brasil, de Mary
Del Priori, cujos capítulos retratam um período da história brasileira que se estende
desde o século XVIII (período colonial) até à modernidade. De forma crítica e
contundente, a autora afirma que, no tocante à sexualidade, nós não evoluímos,
3
“O que é próprio das sociedades modernas não é terem condenado o sexo a permanecer na
obscuridade, mas sim o terem-se devotado de falar dele sempre o valorizando como segredo”. Cf.
(FOUCAULT, 1988, p. 36).
apenas sofremos progressivamente uma transformação a partir de fatores culturais,
econômicos e também políticos.
No segundo capítulo dessa obra, especificamente, trata-se do início
século XIX, enfocando-se o cenário político brasileiro, quando o senado antecipa a
maioridade de D. Pedro II, em 1840. Dessa forma, nos ajuda a compreender as
mudanças ocorridas quando da aparição das primeiras prostitutas no Brasil, episódio
que se tornou subitamente visível na cidade de São Paulo, e, graças a ele, “eclode
uma certa e remota noção de prazer” (DEL PRIORI, 2011, p.87). Inserido nesse
encadeamento de discursos, encontra-se o poeta Álvares de Azevedo que, junto a
outros poetas, fundou a sociedade epicuréia, grupo que praticava ações
consideradas anormais e que escandalizavam a sociedade paulistana, caracterizado
pela prática de sexo com prostitutas embriagadas nos cemitérios, por relações com
cadáveres e orgias5.
Elucidando melhor a proposta vigente, recorremos à obra A vida literária
no Brasil durante o Romantismo, de Ubiratan Machado, que contextualiza
historicamente o movimento romântico, além de situar a gênese do poeta Álvares de
Azevedo e sua contribuição para o movimento, através de um estudo crítico de sua
obra ligado a dados biográficos. Essa obra torna-se relevante à medida que
discutimos sobre como se manifesta o erotismo na poesia produzida durante o
período romântico. Ainda nesse estudo, Ubiratan Machado esclarece aspectos da
poesia romântica, sobretudo, salienta a influência dos poetas europeus sobre os
poetas brasileiros, e os contextos de origem e assimilação estéticas da segunda
geração romântica. Evidencia, dessa forma, a presença de Musset e Lord Byron,
cujas composições são reconhecidas pela exaltação da boemia, as extravagâncias e
pela propalada devassidão da sociedade epicuréia6.
Como instrumental analítico, também utilizaremos a obra O discurso
pornográfico, de Dominique Maingueneau, que versa sobre a inquietude gerada
pelas diferenças sexuais, embora este tipo de literatura esteja mais voltada ao
5
As extravagâncias dos estudantes paulistas chegaram a repercutir no senado. Preocupado com o
comportamento daqueles que formariam as futuras elites do país (...). Em verdade, os estudantes
sempre foram frequentadores assíduos da prostituição, sem se importarem com os riscos para a
saúde. Ainda nas décadas de 1840 e 1850, a maioria das meretrizes eram mestiças, exploradas
pelas próprias mães. (MACHADO, 2001, p.183).
6
“A embriaguez da liberdade foi logo contaminada pelo micróbio byroniano. Fascinados pela figura de
lorde Byron, os estudantes proclamaram o ideal de reproduzir em pleno Brasil suas loucuras, farras e
extravagâncias”. (MACHADO, 2001, p. 181)
público masculino, além de estabelecer princípios conceituais que norteiam as
diferenças contextuais entre erotismo e pornografia, por exemplo. Quanto a isso, o
autor esclarece que
a escrita pornográfica é um gênero textual como qualquer outro tipo de
gênero que pode ser também trabalhado em sala de aula; no entanto, o
termo se constitui completamente depreciativo, desqualificado, ao falarmos
o termo pornografia logo vem à mente imagens obscenas que por sua vez
estão destinadas à proibição (...).
7
“As passagens eróticas fazem os véus proliferarem, no sentido próprio e figurado (metonímias,
metáforas...) e multiplicam as mediações (evocam civilizações exóticas, recursos a uma imagética
estetizante)”. Cf. (MAINGUENEAU, 2010, p. 36).
Contraditório, egocêntrico, sarcástico, introspectivo, pessimista, boêmio,
melancólico, recalcado, reprimido, são alguns dos termos que críticos e historiadores
atribuíram a Álvares de Azevedo (1831-1852). Acompanhado sempre de um cigarro
e conhaque (bebida que denota certo poder, perceptível, inclusive na poética
romântica), é nesse contexto, que Álvares de Azevedo produz uma literatura
permeada de erotismo, versos de caráter contraditório e complexo. Não se sabe se
suas produções eclodem como fruto de suas vivências, ou se são fruto de uma
imaginação privilegiada8.
Seio de Virgem
Na brancura deslumbrante
De os apalpar e conter...
8
“Imaginação, por sua vez, é definida como a faculdade que tem o espírito de representar imagens,
fantasias, criação e invenção. (ABREU, 1996, p. 20-21)
Para neles se morrer!
Ou camélia cetinosa
O poeta embevecido!
Da pureza no rosal!
Tenho no peito um aroma
9
O texto erótico é sempre tomado pela tentação do esteticismo, tentando a transformar a sugestão
sexual em contemplação de formas (MAINGUENEAU, 2010, p.33).
10
Supervalorizada pelo romantismo, a natureza era um lugar de refúgio, puro, não contaminado pela
sociedade, lugar de cura física e espiritual. A natureza era fonte de inspiração, guia, proteção amiga.
(COUTINHO, 2001, p.146)
À GUISA DE CONCLUSÃO
AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. São Paulo: Paulus, 2005.