Inclusão Marco Zero Começando Pelas CR

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INCLUSÃO MARCO ZERO

começando pelas creches

Enicéia Gonçalves Mendes

junqueira&marin
editores
...........................................................................................................................................
Coordenação: Prof. Dr. Dinael Marin
Produção: ZEROCRIATIVA
Imagens da capa: responsabilidade exclusiva da autora
Revisões: Fabiana Abi Rached de Almeida
Impressão: Gráfica Viena
...........................................................................................................................................
Conselho Editorial da Junqueira&Marin:

Profa. Dra. Alda Junqueira Marin


Prof. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira
Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro
Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno
Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni
Profa. Dra. Maria das Mercês Ferreira Sampaio
Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha
Prof. Dr. Odair Sass
Profa. Dra. Paula Perin Vicentini
Profa. Dra. Suely Amaral Mello
...........................................................................................................................................
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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M49i

Mendes, Enicéia Gonçalves


Inclusão marco zero : começando pelas creches / Enicéia Gonçalves Mendes. -
Araraquara, SP : Junqueira&Marin, 2010.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-86305-84-9

1. Inclusão escolar. 2. Creches. 3. Educação infantil. 4. Professores -


Formação. I. Título.

10-4647. CDD: 371.928


CDU: 376

15.09.10 24.09.10
021626

..........................................................................................................................................
DIREITOS RESERVADOS:

JUNQUEIRA&MARIN EDITORES
J.M. Editora e Comercial Ltda.
Rua Voluntários da Pátria, 3238
Jardim Santa Angelina
Fone/Fax: 16-3336 3671
CEP 14802-205
Araraquara - SP
www.junqueiraemarin.com.br
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Esta edição recebeu apoio institucional.
...........................................................................................................................................
Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em
língua portuguesa ou qualquer outro idioma, sem a prévia e expressa autorização da
editora.
...........................................................................................................................................
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
...........................................................................................................................................
SUMÁRIO
Apresentação.................................................5

Capítulo 1.....................................................11
Histórico do movimento pela inclusão escolar

Capítulo 2.....................................................29
Perspectivas da educação inclusiva no Brasil

Capítulo 3.....................................................37
Tendências atuais na área de formação
do professor e a perspectiva de inclusão escolar

Capítulo 4.....................................................47
A educação infantil e a inclusão escolar
de alunos com necessidades educacionais especiais

Capítulo 5.....................................................59
Inclusão marco zero: começando pelas creches
Capítulo 6.....................................................69
Conhecendo o contexto, a população
alvo e gerando indicadores

Capítulo 7....................................................103
O que pensam os educadores de
creche sobre a inclusão escolar?

Capítulo 8...................................................145
Conhecendo a prática nas creches

Capítulo9....................................................199
Como os educadores de creches lidam com os alunos
especiais inseridos em suas turmas: do discurso à prática

Capítulo 10.................................................249
Inclusão escolar marco zero:
é possível começar pelas creches?

Notas..........................................................273

Referências.................................................279
◎ Apresentação

Nas ciências humanas todas as disciplinas se denominam como


sociais quando manifestam intenções de utilização de seus
dados para reformar ou transformar a sociedade... e se torna
difícil separar o político do científico... O pesquisador coloca
sua competência científica à disposição do político... Quanto ao
político, ele se servirá do científico, quando assim lhe convier,
para legitimar suas decisões. (ALLEMANDOU, 2001, p. 13)

Este livro sistematiza o trabalho de investigação


que é parte de uma agenda de pesquisa que tem como objetivo
investigar a temática da inclusão escolar de alunos com

necessidades educacionais especiais na realidade brasileira. Desde


1999, quando intensificamos esta linha de investigação no âmbito
do nosso grupo de pesquisa¹ , vários estudos foram conduzidos,
e as evidências mais contundentes apontavam, na época, para
a necessidade de se investir na pesquisa sobre formação de
professores do ensino regular e especial.
Diante das dificuldades e desafios que encontrávamos
nas escolas, quando o assunto era a inclusão escolar de alunos
com necessidades educacionais especiais, outra ideia começou a

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se tornar cada vez mais frequente: a de que deveríamos começar


este processo pela porta de entrada do sistema educacional, ou
seja, as creches.
Tendo em mente o entrecruzamento dos dois
temas começamos a produzir alguns estudos que estamos
sistematizando nesta obra, cujo objetivo é oferecer contribuições
sobre:

• Procedimentos que permitam gerar e gerenciar


informações que possam subsidiar a política de
inclusão escolar no âmbito dos municípios;
• Estudar estratégias para a implantação gradual,
planejada e sistemática de educação inclusiva;
• Subsidiar programas de formação continuada
de educadores de creches tendo em vista a inclusão
escolar, que sejam baseados em exemplos de práticas
pedagógicas inclusivas e resolução de situações-
problema.

A presente obra aborda a temática da inclusão escolar


mais circunscrita à Educação Infantil e mais especificamente das
creches, tendo sido organizada em quatro partes.
A primeira parte do livro apresenta a temática e
a fundamentação que utilizamos como quadro de referência
para problematizar, questionar e construir possíveis caminhos
de investigação científica sobre a participação de crianças com
necessidades educacionais especiais em creches.
O primeiro capítulo é reservado ao movimento
social pela inclusão escolar, na tentativa de contextualizar
historicamente o movimento e oferecer uma compreensão de
suas raízes, de como ele teve sua penetração na comunidade
educacional brasileira e de seus impasses teóricos atuais.
Finalizando é apresentada uma tomada de posição em relação
ao movimento pela inclusão escolar em nosso país e que vai ser
assumida ao longo do livro.
O segundo capítulo tem como objetivo oferecer
uma análise das perspectivas do movimento pela inclusão escolar
no Brasil. Aqui é oferecida uma breve análise da história da
Educação Especial brasileira com o propósito de colocar em
evidência o fato de que o princípio da inclusão escolar é hoje

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um fenômeno de retórica como foi o da integração escolar nos


últimos 30 anos. Entretanto, na perspectiva filosófica, a inclusão
é uma questão de valor, ou seja, é um imperativo moral, e, numa
perspectiva política, este princípio pode ser a única estratégia
com potencial para garantir o avanço necessário na Educação
Especial brasileira. Finalizando este capítulo, defendemos a
importância da pesquisa científica para traduzir o princípio para
a realidade do nosso sistema educacional, de nossas escolas e de
nossas salas de aula.
O terceiro capítulo oferece uma análise dos
pressupostos teóricos e tendências atuais na área de formação
de professores tendo em vista a perspectiva da inclusão escolar,
tendo como embasamento a literatura científica e a legislação
nacional. Finalizando este capítulo, apresentamos o desafio que
representa, na atualidade, a formação inicial e continuada dos
professores na realidade brasileira.
O quarto capítulo apresenta uma análise das
possibilidades da inclusão escolar, ao nível da Educação Infantil
nas creches da realidade brasileira.
No quinto e último capítulo, apresentamos a tese
principal desta obra, que denominamos de “inclusão marco zero”,
que se baseia na possibilidade de primeiro intervir na porta de
entrada da criança no sistema educacional, a Educação Infantil;
mas, principalmente nas creches, para que sejam desencadeadas
ações que permitirão um avanço sistemático, gradual e contínuo
da proposta de inclusão escolar em todos os níveis de ensino
posteriores.
A segunda parte do livro apresenta uma amostra de
abordagens empíricas para investigação da inclusão escolar em
creches. Nosso propósito foi de detalhar alguns exemplos de
como coletamos e analisamos dados para gerar evidências que
podem ser úteis tanto para pesquisadores interessados na temática
da inclusão escolar como para gestores interessados em gerar
informações que possam subsidiar suas políticas educacionais.
Esta parte é composta por três capítulos.
O capítulo seis apresenta os passos iniciais para se
construir políticas de inclusão escolar, partindo do princípio
de que é preciso primeiramente conhecer o contexto. Neste
capítulo, são oferecidos alguns procedimentos que utilizamos
para conhecer o contexto e traçar o perfil da população de alunos

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com necessidades educacionais especiais que já se encontram nas


escolas. A partir dos dados coletados, oferecemos exemplos de
como os dados são analisados, a que conclusões eles permitem
extrair e para que serve este tipo de abordagem inicial da questão.
O capítulo 7 apresenta um estudo sobre a
representação das professoras e oferece também uma descrição
de como dados podem ser coletados e analisados através
das entrevistas. A partir das conclusões do estudo, podemos
identificar alguns aspectos importantes para a formação desses
educadores e que também podem ser utilizados para aperfeiçoar
as estratégias das políticas de inclusão escolar.
O capítulo 8 apresenta exemplos de estudos sobre
como as professoras de creches lidam com alunos considerados
por elas especiais quando eles se encontram inseridos em suas
turmas. Aqui os estudos apresentados se baseiam em observações
e filmagens de situações naturais, descrevem como os dados são
coletados e analisados, que informações eles geram e para que
servem tais informações.
A terceira parte do livro é composta de um único
capítulo, que foi elaborado com o propósito de apresentar
alguns casos específicos de situações reais que encontramos e
que incluímos na expectativa de que possam ser utilizados como
material didático em programas de formação de educadores de
creches. São seis casos reais que foram compostos a partir da
triangulação de dados de observação, entrevistas e filmagens.
Cada caso é apresentado e, ao final, destacamos alguns pontos que
podem servir de reflexão e debate em programas de formação.
A quarta e última parte do livro apresenta as
conclusões de nossas investigações, tomando como base a
principal questão de nossas investigações: é possível e viável
iniciar uma política de inclusão pelas creches?
O conteúdo básico deste livro foi produzido
no âmbito do projeto denominado A formação de educadores
de creches para a inclusão escolar: identificando situações-problemas,
apoiado pelo CNPq (Processo nº 520288/02), a quem
gostaríamos de agradecer, especialmente ao Comitê da área
de Educação, pela oportunidade oferecida, e sem o qual o
estudo e consequentemente este livro não se concretizariam.
Agradecemos também o apoio da FAPESP, sob a forma de
bolsas de mestrado e de iniciação científica, e da Pró-Reitoria de

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Extensão da Universidade Federal de São Carlos, que concedeu


bolsas de extensão e auxílio.
Gostaria de agradecer também aos membros
integrantes do Grupo de Pesquisa que colaboraram diretamente
com os estudos aqui relatados: Profa. Dra. Neucidéia Aparecida
Colnago, Lígia Cardoso Silveira (mestranda do PPGEES,
bolsista da FAPESP), Melissa Zambon (Graduanda do curso de
Psicologia/UFSCar, bolsista IC-CNPq 2001/2003), Aline Maira
da Silva (Graduanda do curso de Psicologia/UFSCar, bolsista IC-
CNPq 2004), Claudia De Nadai Chimetto (Graduanda do curso
de Psicologia/UFSCar e bolsista de extensão PROEX-UFSCar
em 2002 e 2004), Maria Clara de Freitas (Graduanda do curso de
Psicologia/UFSCar, bolsista de extensão PROEX-UFSCar, em
2003, e bolsista de IC/FAPESP Processo nº 0310794-2), Aline
Scalco Gonçalves (Auxiliar voluntária, graduanda do curso de
Pedagogia/UFSCar, em 2003) e Paola Bisaccione (Graduanda
do curso de Psicologia/UFSCar, bolsista de extensão PROEX-
UFSCar em 2004).
Além disso, agradeço a colaboração dos alunos do
curso de graduação em Psicologia da UFSCar que atuaram como
auxiliares de pesquisa no ano de 2002: Alceu Martins Filho, Aline
Gimenes Folsta, Ana Amélia de S. Francisco, Danieli Carolina
Lopes, Giselli Trevisan, Julliana Luiz Rodrigues, Ludmilla P. dos
Santos, Paulo Roberto Oliveira, Pedro Cardoso, Simone Miahira,
Tatiana Tateishi J. da Silva e Thaíze de Souza Reis; no ano de
2003: Carla C.B. Lorenzi, Carolina L. Bittencourt, Caroline O.
Bertolino, Juliana P. Marques, Karine M. Caldeira, Mariana R.
Figueira, Paola Bisaccioni, Priscila M. Silva, Renata Morelli,
Roberto O. Soares, Thaís M. C. Otanari e Uiara G. Leoni, e ano
de 2004: Andréa Calache, Angelo Bonateli Neto, Carina Victoria
Candido Matheus, Eduardo Kenji Ueda, Fabio Alas Martins,
Isabela Moreira Bozeli, Janaina Ribeiro de Rezende, Luciana
Rigotti Li Puma, Miriam Rechenberg, Roberta Dias de Barros e
Sabrina Sayuri Saito.
Agradeço também a leitura atenta deste material e a
revisão feita pelas alunas do mestrado em Educação Especial da
UFSCar, da turma de 2008, Gabriela Tannús-Valadão e Iasmin
Zanchi Boueri.
Finalmente agradecemos ainda as autoridades
educacionais bem como aos gestores e educadoras das creches e

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aos pais das crianças, enfim todos que consentiram em permitir


e/ou participar dos nossos estudos e que tornaram essa obra
possível.

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Capítulo 1
Histórico do movimento pela inclusão escolar

Como cuidar, integrar, reconhecer, relacionar-se com crianças


(e pessoas de um modo geral) com necessidades especiais e
que, por isso, diferenciam-se ou utilizam recursos diferentes
dos normalmente conhecidos ou utilizados, sempre foi um
problema social e institucional. Essa tarefa estava, antes, restrita
à família ou à alguma pessoa que, por alguma razão, assumisse
esse papel, bem como às instituições públicas (hospitais, asilos,
escolas especiais etc), especialmente dedicadas ao problema.
Agora, espera-se que as escolas... incluam crianças que
apresentem limitações.... (MACEDO, 2001, p. 1)

A história da Educação Especial começou a ser


traçada no Século XVI, com médicos pedagogos, que, desafiando
os conceitos vigentes até então, passaram a acreditar nas
possibilidades educacionais de indivíduos que eram considerados
ineducáveis. A Educação Especial nasceu, portanto, com uma
ênfase no ensino especial, ou em seu aspecto pedagógico, numa
sociedade em que a educação formal era ainda direito de poucos.
O trabalho dos pioneiros foi desenvolvido em bases tutoriais,
pois eles próprios ensinavam seus pupilos, e não havia um quadro

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teórico ou prático de prestação de serviços ao qual eles tivessem


que se reportar.
Entretanto, ainda que a história retrate algumas
experiências precursoras desde o Século XVI, de fato, o acesso
à educação dos portadores de deficiências foi sendo muito
lentamente conquistado, e essa conquista ocorreu na medida
em que se ampliaram as oportunidades educacionais para a
população em geral.
No final do Século XIX, percebe-se um retrocesso
nessa história com o declínio dos esforços educacionais e a
retomada do cuidado meramente custodial. A institucionalização
em asilos e manicômios passou a ser a principal resposta social
como meta do tratamento dos considerados desviantes. As
instituições passaram a ser uma espécie de prisão para marginais,
e, entre eles, os considerados alienados da razão para a suposta
proteção da sociedade. Paralelamente a essa evolução asilar, a
institucionalização da escolaridade obrigatória passou a trilhar
muitos casos de crianças que não avançavam na escola regular e,
impulsionando já no Século XIX, a criação de classes separadas
nas escolas públicas, hoje conhecidas como classes especiais.
Entretanto, tantoas classes quantoas escolas especiais
se proliferaram como modalidade alternativa às instituições
residenciais, basicamente a partir das duas guerras mundiais.
Dessa forma, foi só na metade do Século XX que surgiu uma
resposta mais ampla da sociedade para os problemas da educação
das crianças e jovens com deficiências, com a consolidação dos
principais componentes da Educação Especial, que seriam
um corpo teórico-conceitual de conhecimento científico, um
conjunto de propostas pedagógicas e políticas para a organização
de serviços educacionais. Aranha (2000) caracteriza essa fase
como a da Institucionalização, que se fundamentava na crença de
que a pessoa diferente seria mais bem cuidada e protegida se
fosse confinada em ambiente segregado e construída a parte da
sociedade.
Até a década de 70, as provisões educacionais para
os portadores de deficiências eram voltadas para crianças e
jovens que eram impedidos de acessar a escola comum do ensino
regular ou para aqueles retirados das classes comuns por não
avançarem no processo educacional. A segregação era realizada
sob o argumento de que eles seriam mais bem atendidos em suas

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necessidades educacionais se fossem escolarizados em classes


ou escolas especiais. E assim, ao longo da história, a rede de
serviços de Educação Especial foi então se constituindo como
um sistema paralelo ao sistema educacional geral, até que por
motivos morais, lógicos, científicos, políticos, econômicos e
legais, surgiram as bases para o movimento de integração escolar.
Os movimentos sociais pelos direitos humanos,
um reflexo da democratização crescente das sociedades e que
se intensificou basicamente na década de 60, conscientizou e
sensibilizou a sociedade sobre os prejuízos da segregação e da
marginalização de indivíduos pertinentes a grupos com status
minoritários. Tal movimento de certa forma alicerçou uma
espécie de base moral para a proposta de integração, a partir do
argumento irrefutável de que todas as crianças com deficiências
teriam o direito inalienável de participar de todos os programas
e atividades cotidianas acessíveis para as demais crianças. Nesse
sentido, a segregação escolar sistemática de qualquer grupo
passou a ser uma prática intolerável, e o pressuposto de que a
integração era a coisa certa a ser feita passou a imperar.
Além dos argumentos morais, existiram ainda bases
racionais para a defesa das práticas integradoras. Os argumentos
dessa natureza, em geral, envolviam os potenciais benefícios
dessas práticas tanto para os portadores de deficiências quanto
para os sem deficiências. Bricker (1978), por exemplo, apontava
como benefícios para alunos com deficiências: a possibilidade
de experienciar ambientes de aprendizagem mais desafiadores;
a oportunidade de observar e aprender com alunos mais
competentes; de participar de contextos mais naturais e realistas
para promover aprendizagens significativas e ambientes que
são mais facilitadores e responsivos. Bailey e Winton (1989),
por exemplo, apontavam como benefícios para os alunos sem
deficiências: as possibilidades de ensiná-los sobre as diferenças,
sobre as diferentes formas como as pessoas crescem e se
desenvolvem; a adotar atitudes mais positivas para com as pessoas
com deficiências e ao auxiliá-los para aceitar suas próprias
potencialidades e limitações.²
Um terceiro conjunto de argumentos que
fundamentou as práticas integradoras foram as evidências
científicas dos achados da pesquisa educacional. Primeiramente,
a ciência produziu formas de ensinar pessoas que por muito

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tempo não eram sequer consideradas educáveis, mas isso foi


feito em ambientes que não faziam parte do sistema educacional
regular. Posteriormente, a ciência passou a produzir evidências
que culminaram numa grande insatisfação em relação à natureza
segregadora e marginalizante dos serviços de ensino especial
da época, basicamente equacionados na forma de instituições
residenciais, escolas especializadas e classes especiais.
A constatação de que os portadores de deficiências
poderiam aprender não era mais suficiente, e passou a ser uma
preocupação adicional para a pesquisa investigar “o que”, “para
que” e “onde” eles poderiam aprender. Nesse sentido, a meta
de desenvolver a independência ou autonomia desses indivíduos
passou a ser atrelada a uma preocupação com a qualidade de vida,
a fim de maximizar as possibilidades tanto de desenvolvimento
interpessoal quanto a inserção social futura.
Além dos argumentos morais, racionais e científicos,
também contribuíram para reforçar o movimento de defesa pela
integração ações políticas de diferentes grupos organizados.
Portadores de deficiências, pais e profissionais passaram também
a exercer fortes pressões sobre a sociedade em geral, no sentido
de garantir os direitos fundamentais e evitar discriminações.
Um fator também crucial, que teve grande influência
na mudança na filosofia de serviços na década de 60 e 70, foi
o alto custo dos programas segregados no contexto da crise
mundial do petróleo que atingiu diversos países e culminou em
cortes de gastos com programas sociais. Até então, apenas os
considerados países desenvolvidos haviam tido condições de
instituir e manter um sistema educacional totalmente paralelo para
atender aos portadores de deficiências. Assim, a partir da década
de 60, passou a ser conveniente adotar práticas educacionais
integradoras, também pela economia que elas representariam
para os cofres públicos.
Assim, o contexto histórico da década de 60 apontava
um avanço científico representado tanto pela comprovação das
potencialidades educacionais dos portadores de deficiências
quanto pelo ceticismo científico direcionado aos serviços
educacionais segregados. Paralelamente, ocorria a explosão da
demanda por ensino especial, ocasionada pela incorporação
da clientela que cada vez mais passou a ser excluída do ensino
regular, o que ocasionou a consolidação da área e também

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promoveu a organização de grupos políticos que passaram a


pressionar exigindo mudanças. Isso tudo, associado ao custo
alarmante dos programas que implicavam em segregação, num
contexto de crise econômica mundial, permitiu a aglutinação de
interesses de políticos, prestadores de serviços, pesquisadores,
pais e portadores de deficiências em direção à integração dos
portadores de deficiências nos serviços regulares da comunidade.
Esses interesses foram atendidos em diferentes
países com o estabelecimento de bases legais que instituíram
gradualmente a obrigatoriedade do poder público quanto à oferta
de oportunidades educacionais para pessoas com deficiências,
à instituição da matrícula compulsória nas escolas comuns e
de diretrizes para a colocação em serviços educacionais mais
normalizantes ou com o mínimo possível de restrição.
Dessa forma, estavam estabelecidas as bases para o
surgimento da filosofia da normalização e a integração escolar,
que se tornou ideologia dominante para a prestação de serviços
educacionais, basicamente a partir da década de 70.
Muitas das iniciativas atualmente contempladas
nos princípios da educação inclusiva surgiram nos países
desenvolvidos a partir da década de 60, então sob a denominação
da filosofia de “normalização e integração”. O princípio da
normalização proposto por Bank-Mikkelsen (1969) e Nirje
(1969) tinha como pressuposto básico a ideia de que toda pessoa
portadora de deficiência teria o direito inalienável de experienciar
um estilo ou padrão de vida que seria comum ou normal em sua
cultura.
Embora surgido nos países escandinavos, o princípio
de normalização foi amplamente difundido pela Europa e
América do Norte. As subsequentes implicações desse princípio
surgiram a partir das propostas de Wolfensberger (1972) que
operacionalizou o conceito de normalização, estabelecendo que
a normalização dos estilos de vida deveria ser equacionada em
termos da normalização de serviços, partindo do pressuposto
de que ambientes adequados para se prestar serviços seriam
aqueles que se aproximassem mais dos ambientes vivenciados
pelos indivíduos coetâneos sem deficiências. Tal proposta trouxe
o desenvolvimento de vários tipos de ações que visavam integrar
esta população na comunidade com a finalidade de usar meios
tão normativos para se promover e/ou manter características,

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experiências e comportamentos pessoais tão normais quanto


possíveis. Em decorrência desse movimento houve, nas décadas
de 60 e 70, um grande movimento para retirar pessoas com
deficiências das grandes instituições e reinseri-las na comunidade.
No âmbito educacional, a medida política que
parece ter causado maior impacto na Educação Especial e que
se relacionava a esta questão da normalização e integração foi
a promulgação da lei pública 94-142, nos Estados Unidos, que
assegurou educação pública apropriada para todas as crianças
com necessidades educacionais especiais e que instituiu
oficialmente, em nível nacional, o denominado processo de
“mainstreaming”³. Na prática, tal legislação se constituiria na base
jurídica que impulsionou a política educacional que definia a
colocação de indivíduos com necessidades educacionais especiais
em alternativas menos restritivas e que, consequentemente,
incentivava a implantação gradual de serviços educacionais
na comunidade ao mesmo tempo em que desestimulava a
institucionalização dos portadores de deficiências.
De acordo com os princípios básicos do
“mainstreaming”, o processo de decisão sobre a colocação seletiva
de educandos com deficiências em serviços educacionais deveria
levar em consideração os seguintes aspectos: 1) preferência
pelos serviços educacionais com o mínimo possível de restrição;
2) oferta de serviços educacionais e regulares coordenados
e 3) promoção de situações escolares que favorecessem a
convivência com grupos sociais de idade equivalentes (KIRK &
GALLAGHER, 1979).
Desde seu surgimento, o princípio de normalização
foi criticado geralmente pela falta de compreensão de que não
se tratava de uma teoria científica, mas sim, de um princípio
filosófico de valor, que estabelecia que todas as pessoas, a despeito
de suas inabilidades, deveriam ser tratadas, antes de tudo, como
seres humanos plenos. Assim, a normalização não era algo para
ser feito para uma pessoa, no sentido de tentar torná-la normal,
mas sim, um princípio que fornecia critérios por meio dos quais
os serviços poderiam ser planejados e avaliados (MC CORD,
1982)⁴.
O’Brien (1980) analisou o princípio em cinco
dimensões que seriam: a presença na comunidade, a participação
na comunidade, a promoção de habilidades, a promoção da

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imagem social, a autonomia ou empowerment.5 Basicamente,


o princípio da normalização implicaria em prestar serviços
assegurando que a pessoa experienciasse dignidade, respeito
individual, situações e práticas apropriadas para sua idade eo
máximo possível de participação na comunidade.
Devido a confusão relacionada ao significado,
interpretação e implementação desse princípio, Wolffensberger
(1983) até tentou substituir o termo “normalização” por “valorização
do papel social' , com o intuito de enfatizar as metas principais do
atendimento a essa população, que seria a promoção tanto da
imagem social quanto das competências pessoais. Entretanto,
o uso do termo normalização se generalizou e passou a ser
amplamente utilizado.
No decorrer da década de 70, houve, em decorrência
do princípio de normalização, uma mudança filosófica em direção
à ideia de educação integrada, ou seja, escolas comuns passaram
a aceitar crianças ou adolescentes com deficiências em classes
comuns ou, pelo menos, em classes especiais ou de recursos, em
ambientes com o mínimo possível de restrição. Percebe-se nessa
fase o predomínio do paradigma de serviços (ARANHA, 2000),
embasado na crença de que as pessoas diferentes tinham o direito
de conviver socialmente com as demais pessoas, mas que deviam
ser, antes de tudo, preparadas, em função de suas peculiaridades,
para assumirem seus papéis na sociedade. No âmbito das
propostas educacionais, surge uma estrutura educacional paralela
embasada no sistema de cascatas ou no contínuo de provisões de
serviços.
No "Relatório Warnock"", elaborado por
especialistas ingleses da área e publicado em 1979, foram
apontadas três formas de operacionalizar a integração escolar na
prática: a integração física, a social e a funcional. A integração
física envolvia a construção de unidades ou classes especiais
em escolas comuns, mas como organizações independentes.
A integração social pressupunha a frequência a serviços de
Educação Especial, atrelados a participação dos portadores
de deficiências em algumas atividades extra- sala de aula, com
os demais alunos. A integração funcional, a mais desejável na
opinião dos especialistas, pressupunha a participação de alunos
com necessidades educacionais especiais, em tempo parcial ou
integral, na classe comum.

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Soder (1980), analisando a experiência de


integração na Suécia, identificou quatro formas de integração,
que ele denominou de física, funcional, social e comunitária. A
integração física envolvia a constituição de serviços educacionais
especiais nas escolas comuns com organização independente.
A integração funcional ocorreria quando os alunos com
deficiências frequentassem serviços de Educação Especial nas
escolas comuns e compartilhassem com os outros alunos dos
recursos regulares, num dos três seguintes níveis: utilização
compartilhada, mas em horários diferentes; utilização simultânea,
mas separada; e a cooperativa envolvendo a utilização simultânea
e com os mesmos objetivos educacionais. A integração social
pressupunha a frequência a serviços de Educação Especial com
a participação em algumas atividades extraclasse com os alunos
sem deficiências. O conceito de integração comunitária envolvia
a necessidade de se avaliar a integração em longo prazo, para
quando o indivíduo na juventude ou idade adulta saísse da escola
e tivesse que ser integrado na sociedade.
Deno(1970),considerandoaestrutura organizacional
dos serviços, propôs o sistema em cascata, com diferentes níveis
ou graus de integração. O sistema pressupunha sete níveis
para o processo de integração, que envolvia a colocação em: 1)
classe comum, com ou sem apoio; 2) classe comum associada a
serviços suplementares; 3) classe especial em tempo parcial; 4)
classe especial em tempo integral; 5) escolas especiais, 6) lares; 7)
ambientes hospitalares ou domiciliares. Tal sistema pressupunha
uma possibilidade para o aluno de mudança de nível buscando um
grau maior de integração escolar com base nas potencialidades e
no progresso do aluno.
Hegarty, Pockling e Lucas (1981) com base na análise
da integração escolar no Reino Unido, propuseram um modelo
de organização com nove possibilidades de colocação em termos
de graus de integração: a) classe comum sem apoio; b) classe
comum com apoio; c) classe comum com atendimento a parte
por especialistas; d) classe comum e classe especial em tempo
parcial; e) classe especial e classe comum em tempo parcial; f)
classe especial em tempo integral; g) escola especial com escola
comum em tempo parcial e h) escola especial em tempo integral.
Analisando-se esses diferentes modelos, percebe-se
que, desde o início do movimento pela integração escolar, houve

18 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

restrição ao uso de uma concepção mais ampliada do conceito


de normalização, que implicaria na colocação de todo e qualquer
aluno com deficiência na classe comum da escola regular.
Todos os modelos pressupunham a manutenção dos serviços
já existentes e uma opção preferencial pela inserção na escola
regular e mais especificamente na classe comum, mas admitiam
a necessidade de manter o continuum de serviços com diferentes
níveis de integração.
Assim, a integração escolar não era concebida como
uma questão de tudo ou nada, mas sim, como um processo com
vários níveis por meio do qual o sistema educacional proveria os
meios mais adequados para atender as necessidades dos alunos.
O nível mais adequado seria aquele que melhor favorecesse
o desenvolvimento de determinado aluno, em determinado
momento e contexto, e este seria o nível com o mínimo possível
de restrição.
As críticas que surgiram posteriormente ao modelo
de continuum de serviços basearam-se na constatação de que a
passagem de alunos com necessidades educacionais especiais de
um nível de serviço mais segregado para outro supostamente
mais integrador dependia unicamente dos progressos da criança;
mas essas transições raramente aconteciam, o que comprometia
os pressupostos da integração escolar.
A palavra integração deriva do latim “integrare”,
do adjetivo " integer", que originalmente significava intacto, não
tocado, ou íntegro. Entretanto, ao longo da história dessa palavra,
o termo latino "integer" (no sentido de intacto ou íntegro) parece
ter derivado duas direções nas línguas modernas. Uma delas mais
próxima do seu sentido original, aparecendo em termos como
"integridade", "integro", "integral ". O outro significado foi
mais para o sentido de "compor", "fazer um conjunto", "juntar
as partes separadas no sentido de reconstruir uma totalidade"
(CHRISTIE, 1989 apud ROSENQVIST, 1994).
No âmbito da educação de crianças e jovens com
deficiências por razões históricas, parece ter sido mais utilizado o
segundo sentido indicado, no qual o termo "integração” passou a
significar, na prática, a mera colocação de pessoas com deficiência
juntamente com pessoas não-deficientes na mesma escola.
O que se pode observar a partir da década de 80,
nos países desenvolvidos, foram algumas mudanças nos rumos

junqueira&marin editores 19
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

da Educação Especial. Nos países europeus, o movimento pela


integração escolar parece ter sido um processo de evolução
contínua de ampliação de acesso e melhoria na qualidade dos
serviços . Entretanto, durante a década de 80, emergiu uma
insatisfação grande de alguns educadores, particularmente
norte- americanos, em relação aos resultados obtidos a partir
das políticas de integração escolar. No contexto específico
dos Estados Unidos, surgiram iniciativas de reforma como a
proposta de "Full Inclusion" 7 (GARTNER & LIPSKY, 1989;
STAINBACK & STAINBACK, 1984) e a “Regular Educational
Initiative " & (WILL, 1986) que trouxeram o debate sobre a questão
da educação inclusiva tal como o conhecemos na atualidade.
A proposta contida na "Iniciativa da Educação
Regular" foi apresentada em 1986 por Madeleine Will, uma
dirigente da secretaria de educação, que alegava que a educação
de indivíduos com necessidades educacionais especiais deveria
ser responsabilidade da Educação Regular. O ponto básico dessa
proposta foi a busca de conjugar os recursos da educação regular
e especial a fim de melhor atender estudantes cujas necessidades
educacionais eram principalmente acadêmicas (WILL, 1986). Os
proponentes dessa iniciativa defendiam que todas as crianças
fossem inseridas nas classes comuns das escolas regulares, mas
não descartavam a manutenção dos serviços do continuum.
Além do modelo derivado da "Iniciativa da
Educação Regular", surgiu a proposta de "Inclusão Total"
(GARTNER & LIPSKY, 1989; STAINBACK & STAINBACK,
1984) que se configurava de forma mais radical, no sentido de
defender a inclusão de todas as pessoas, independente do tipo e
grau de limitação, na classe comum da escola regular, e também
a eliminação dos programas paralelos de Educação Especial.
Tal proposta surgiu no âmbito dos que defendiam os direitos
dos indivíduos com graus mais severos de limitação intelectual
que foi a clientela para a qual os modelos de integração escolar
foram mais prejudiciais, dado que eles continuavam vivenciando
experiências educacionais e ainda estavam excluídos das classes
comuns e das escolas regulares.
Além das propostas de reforma ou inovação no
contexto da Educação Especial, o movimento sofreu também
influência das reformas da educação geral iniciadas na década de
80, nos Estados Unidos. Em 1983 é publicado um estudo de uma
20 junqueira &marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

comissão nacional que analisou a educação nos EUA, intitulado


“A Nation at Risk” (USA. NATIONAL COMMISSION ON
EXCELLENCE IN EDUCATION, 1983), que ofereceu
um retrato pessimista do sistema educacional naquele país,
questionando se no futuro aquela nação iria manter sua posição
de liderança no contexto mundial. Essa revisão parece ter
provocado dois momentos seguidos de reforma no sistema
educacional geral.
A primeira onda de reforma iniciada na década de
80, o movimento pela excelência na escola, apontava a escola como o
lócus dos problemas educacionais e, para fazê-la prestar contas
de suas atividades, surgiram pesquisas sobre os indicadores de
qualidade (testes padronizados de desempenho), o ranqueamento
das escolas e dos sistemas educacionais locais e estaduais com
base nesses indicadores. Entretanto, essas inovações produziram
efeitos apenas sobre os melhores estudantes, mas não afetaram as
possibilidades de insucesso e de evasão dos estudantes de risco,
que compunham cerca de metade da população escolar daquele
país (SAILOR, GEE & KARASOFF, 1993).
A segunda onda de reforma do final da década de 80
surgiu em parte pela reação às restrições burocráticas impostas
às escolas com a exigência de prestação de contas e tiveram três
direções: mudanças nas formas como as escolas eram organizadas,
melhoria no status da profissão docente e revisão no sistema de
financiamento, que favoreceu a gestão local ou descentralizada
dos recursos, incluindo os da Educação Especial.
O conjunto desses esforços de reforma veio a ser
conhecido como “reestruturação escolar” e tiveram como alvo
melhorar a educação da população de risco. Sailor, Gee e Karasoff
(1993) apontam que alguns elementos chaves dessa segunda
onda de reforma, tais como a revisão curricular, a avaliação
baseada no desempenho, a descentralização da instrução, a
autonomia organizacional da escola, a gestão e financiamento
centrados na escola, a tomada de decisão compartilhada, a fusão
e coordenação dos recursos educacionais e o envolvimento da
comunidade, trouxeram implicações para a educação das crianças
com necessidades educacionais especiais, na medida em que tais
mudanças resultaram em maior flexibilidade para as escolas, que
puderam, a partir de então, romper com as práticas tradicionais
e aceitar novos desafios. A reestruturação das escolas aumentou

junqueira&marin editores 21
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

também a consciência e o respeito à diversidade e produziu


mudanças no papel da escola, que passou a responder melhor
às necessidades de seus diferentes estudantes provendo recursos
variados centrados na própria escola.
Assim, a partir da década de 90, o contexto histórico
parece reforçar cada vez mais a ideologia da educação inclusiva
para os alunos com necessidades educacionais especiais; embora
tal ideologia pareça historicamente ter surgido de forma mais
focalizada nos Estados Unidos, pela força de penetração da
cultura deste país, ganhou a mídia e o mundo na última década
do Século XX. Paralelamente a essa influência da história da
Educação Especial norte-americana, observa-se na década de 90
outros fatores que irão reforçar o movimento pela educação de
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais nas
escolas comuns.
O termo “educação inclusiva” foi uma proposta
da aplicação prática ao campo da educação de um movimento
mundial, denominado “Inclusão Social”, que é proposto como
um novo paradigma, que implicaria na construção de um processo
bilateral no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em
parceria, efetivar a equiparação de oportunidades para todos.
O movimento pela inclusão social está atrelado
à construção de uma sociedade democrática, na qual todos
deverão conquistar sua cidadania, na qual a diversidade será
respeitada e haverá aceitação e o reconhecimento político das
diferenças. Trata-se em suma de um movimento de resistência
contra a exclusão social que historicamente vem afetando grupos
minoritários e que é caracterizado por movimentos sociais que
visam à conquista do exercício do direito ao acesso a recursos e
serviços da sociedade.
Nesse sentido, a construção de uma sociedade
inclusiva passou a ser considerada como um processo de
fundamental importância para o desenvolvimento e para a
manutenção de um estado democrático, e a Educação Inclusiva
se configura numa parte integrante e essencial desse processo.
No âmbito mundial, o paradigma da inclusão
social se tornou, no final do Século XX, palavra de ordem em
praticamente todas as ciências humanas; e muito embora, no
contexto desse movimento, o debate sobre a Educação Inclusiva
se refira a uma população mais ampla, ele se aplica também à

22 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

população da Educação Especial, que historicamente vem sendo


excluída da escola e da sociedade.
No movimento pela inclusão social e especificamente
no âmbito da educação, a “Conferência Mundial de Educação
para Todos”, ocorrida em Jomtien na Tailândia, em 1990, é
considerada como o marco mundial que conclamou todos os
países a assegurar o direito à educação de qualidade para todos.
A “Conferência Mundial sobre Necessidades
Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade”, promovida pelo
governo da Espanha e pela UNESCO, em junho de 1994, que
resultou na deflagração da Declaração de Salamanca, representou
outro importante marco mundial na difusão da filosofia da
Educação Inclusiva, a partir do qual ganham terreno as teorias e
práticas inclusivas em muitos países, inclusive no Brasil.
Atualmente, percebe-se que a própria opção para
nomear o movimento varia de país para país, sendo que muitos
países europeus ainda mantêm o termo “integração”, enquanto
que o termo “inclusão” parece ser mais frequente na literatura
norte-americana. Entretanto, o movimento pela educação
inclusiva significa uma crítica às práticas marginalizantes
encontradas no passado, inclusive as da própria Educação
Especial. Entender a educação inclusiva como novidade ou como
algo que significa uma ruptura completa do que está estabelecido
é uma visão ingênua e simplista da história, além de não ser
uma visão que contribui para o processo. Conforme apontam
Stainback e Stainback (1999):

[...] a mudança só pode ocorrer em pequenos avanços [...] a


aceleração do processo pode fazer com que os indivíduos
rejeitem as novas práticas e sabotem os esforços de reforma.
(STAINBACK & STAINBACK, 1999, p. 264)

Numa versão romântica da história, poderíamos


apontar a participação do país na “Conferência Mundial de
Educação para Todos”, em 1990, e na “Conferência Mundial
sobreNecessidadesEducacionaisEspeciais: Acessoe Qualidade”,
em 1994, como marcos indicativos oficiais do alinhamento do
Brasil com as políticas universais que defendem os princípios
de Educação Inclusiva. Entretanto, é preciso reconhecer que,
muitas vezes a chancela das nossas autoridades a tais documentos

junqueira&marin editores 23
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

representa um ato meramente burocrático, obrigatório em função


da dependência financeira ou política do país, mas sem que haja
de fato a intenção política de cumprir com o que está sendo
acordado. Poderíamos dizer que há uma pequena influência das
políticas universais, mas elas por si só não são suficientes para
introduzir e sustentar uma ideologia tal como parece ter ocorrido
em nosso país com a questão da educação inclusiva.
Portanto, a ideia de que seria melhor incorporar
crianças com necessidades educacionais na escola comum não é
nova, pois estava presente no movimento pela integração escolar
e é mantida na perspectiva da educação inclusiva. Entretanto,
percebe-se que há, ao longo do tempo, uma intensificação nessa
ênfase de prestação de serviço na classe comum da escola regular.
A política de integração escolar tinha como
pressuposto que o problema estava centrado nas crianças e
adolescente e deixava implícita uma visão acrítica da escola,
na medida em que pressupunha que a escola regular conseguia
educar pelo menos os considerados normais A inclusão escolar
estabelece que as diferenças humanas são normais, mas ao
mesmo tempo reconhece que a escola atual tem provocado ou
acentuado desigualdades associadas à existência das diferenças
de origem pessoais, sociais, culturais e políticas e é por isso que
ela prega a necessidade de reestruturação do sistema educacional
para prover uma educação de qualidade para todas as crianças
(BUENO, 2001).
Na atualidade podem-se observar duas correntes
diferentes na perspectiva da Educação Inclusiva com propostas
divergentes sobre qual é a melhor forma de educar crianças e
jovens com necessidades educacionais especiais, que seriam as
propostas de “inclusão” e a da “inclusão total”.
Fuchs e Fuchs (1998) estabelecem as seguintes
diferenças entre essas duas tendências: os “inclusionistas”
consideram que o objetivo principal da escola é auxiliar o aluno
a dominar habilidades e conhecimentos necessários para a vida
futura tanto dentro quanto fora da escola; enquanto que os
“inclusionistas radicais” acreditam que as escolas são importantes
mais pelas oportunidades que oferecem para fazer amizades,
mudar o pensamento estereotipado sobre as incapacidades e
fortalecer as habilidades de socialização.
Os “inclusionistas” defendem a manutenção
24 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

do continuum de serviços que permite a colocação desde a


classe comum até os serviços hospitalares; enquanto que os
“inclusionistas radicais” advogam pela colocação apenas e só na
classe comum da escola regular e pregam ainda a necessidade de
extinção do continuum.
Os “inclusionistas” acreditam que a capacidade de
mudança da classe comum e na escola é finita e mesmo que uma
reestruturação ocorra, a escola comum não será adequada a todas
as crianças e os adolescentes; ao passo que os “inclusionistas
radicais” creem na possibilidade de reinventar a escola a fim de
acomodar todas as dimensões da diversidade da espécie humana.
Ferguson e Ferguson (1998) apontam os seguintes
conflitos nas atuais posições acerca da educação inclusiva:
• A inclusão é para todos ou só para alguns?
• A inclusão significa colocação integral na
classe comum ou pode-se combinar a colocação
na classe comum com situações especializadas de
aprendizagem?
• A inclusão prioriza a aprendizagem social e
amizades ou o desempenho acadêmico?
• A inclusão será prejudicial ou positiva para os
alunos sem limitações?
• Quem verdadeiramente se opõe à inclusão: os
professores especializados ou os professores do
ensino regular?
• As evidências empíricas sustentam ou não as
práticas inclusivas?
Os autores sustentam que subjacentes a algumas
dessas tensões na retórica sobre a inclusão se encontra o antigo
dilema sobre qual é a natureza e o propósito da escolarização em
si; e consideram que, enquanto a inclusão poderia ser parte de um
debate maior sobre a função da escola, ela ainda se focaliza muito
sobre o onde e como os indivíduos podem aprender melhor.
Um segundo dilema encontrado nessas tensões,
segundo esses autores, refere-se à questão da diferença. Ao
enfatizarmos a diferença, lidamos com o estigma da inferioridade
e da ineficiência. Por outro lado, se enfocamos a similaridade,
corremos o risco de não atender as necessidades diferenciadas dos
alunos. Nesse sentido, os autores consideram que o debate sobre
junqueira&marin editores 25
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

a inclusão nos desafia a repensar e revisar nossa compreensão


acerca da diferença.
Em resumo, ao longo dos últimos trinta anos,
tem acontecido um grande debate acerca das vantagens e
desvantagens da integração e/ou inclusão do educando com
necessidades especiais na classe comum da escola regular e
muitas controvérsias sobre como deve ser essa inserção.
Conforme apontam Hallahan e Kauffman (1994), a
proposta de "inclusão total" ainda sofre considerável resistência
com base nos seguintes argumentos:

Existem pais, professores (tanto do ensino regular
quanto do especial), especialistas e os próprios
educandos que estão satisfeitos com os serviços
baseados no continuum,

Para alguns tipos de dificuldade (como
as deficiências graves, OS graves problemas
comportamentais ou as desordens sérias na
comunicação), pode ser mais restritiva e segregadora
a sala de aula regular do que um tipo de colocação
mais protegida e estruturada;

Os professores e educadores do ensino regular
não estão dispostos ou são mesmo incapazes de
lidar com todos os tipos de alunos com dificuldades
especiais, principalmente com os casos de menor
incidência mas de maior gravidade - que exigem
recursos técnicos e serviços diferenciados de apoio;

A afirmação de que as pessoas deficientes
compõem um grupo minoritário em luta pelos seus
direitos civis como qualquer outra minoria oprimida
e segregada é um argumento falacioso para sustentar
a defesa da " inclusão total", ou radical, porque, além
de grupo minoritário, eles têm dificuldades centradas
nos seus mecanismos de aprendizagem e precisam
de respostas educacionais diferenciadas nem sempre
disponíveis na classe comum;

Um dos principais direitos de qualquer minoria
é o seu direito de escolha e, conforme prevê a
legislação, os pais ou tutores destes alunos devem ter
liberdade para escolher o que acham melhor para os
seus filhos ;

26 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

• A não consideração da evidência empírica quanto


à eficácia de alguns tipos de resposta mais protegida
para alguns tipos de alunos com necessidades
especiais na escola é profissionalmente irresponsável
e antiético;
• Na ausência de dados que suportem a vantagem
do modelo, os educadores e políticos deveriam
preservar o continuum de serviços para que, em
qualquer momento, seja salvaguardada a escolha
daquele que se mostrar menos restritivo para as
circunstâncias.
Considerando ainda a existência dessa divergência
atual que embasam as propostas da inclusão escolar no panorama
mundial e o fato de ser um modismo, caberia analisar criticamente
que implicações teriam diretrizes e princípios decorrentes dessas
diferentes interpretações sobre a educação de crianças e jovens
com necessidades educacionais especiais, na realidade do sistema
educacional regular e especial do nosso país.

junqueira&marin editores 27
Capítulo 2
Perspectivas da educação inclusiva no Brasil

[...] sistemas segregados de ensino pouco têm servido para a


melhoria da qualidade e da ampliação de oportunidades de
incremento da escolarização e de inserção social do alunado
que a ela tem sido encaminhado. Nesse sentido, a educação
inclusiva como meta, como norte de uma política de Educação
Especial, não merece ser contestada... Mas a consecução do
princípio da educação inclusiva, por sua vez, não se efetuará
simplesmente por decreto, sem que se avaliem as reais
condições que possibilitem a inclusão gradativa, contínua,
sistemática e planejada de crianças deficientes nos sistemas de
ensino. (BUENO, 2001, p. 25)

Embora iniciativas isoladas e precursoras possam


ser constatadas em nosso país, na área de Educação Especial,
a partir do Século XIX, foi apenas durante a década de 70 que
surgiu uma resposta mais abrangente do poder público a esta
questão (BUENO, 1993; MARQUES et al, 2003).
O início de nossa história de institucionalização da
Educação Especial no decorrer da década de 70 coincidiu com o
auge da hegemonia da filosofia da “normalização e integração”

junqueira&marin editores 29
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

no contexto mundial. Se até então imperava o pressuposto de que


a segregação escolar permitiria melhor atender as necessidades
educacionais diferenciadas desses alunos, após esse período,
houve uma mudança filosófica orientada pela ideia de integração
escolar e mais especificamente a ênfase na escolarização em
escolas regulares.
Assim, embora a Educação Especial brasileira tenha
assumido o discurso predominante da época, marcado pela
filosofia da normalização, em nosso país, não houve uma fase
precedente de institucionalização intensiva dos portadores de
deficiência, como nos países da Europa e América do Norte. A
despeito da institucionalização, havia nos países desenvolvidos,
ao contrário do que se observa no Brasil, um razoável acesso a
serviços, mesmo que segregados.
No Brasil, a “integração escolar”, que pretendia
ampliar o acesso à escola pública ao portador de deficiência e
propiciar a diversificação dos serviços anteriormente restritos às
escolas especiais, resultou na proliferação das classes especiais.
Tal fato não coincidiu por acaso com a explosão do crescimento
das matrículas nas escolas públicas, e vários estudos passaram a
evidenciar que além de não servir para ampliar as oportunidades
educacionais, porque elas jamais incluíram aqueles alunos que
nunca tiveram acesso à escola, serviram para excluir os alunos
indesejados da escola regular.
Portanto, estabelecendo um mecanismo mais sutil de
exclusão, houve o fortalecimento do sistema paralelo e segregado
de ensino, que nem trouxe benefícios políticos nem atendeu aos
objetivos para os quais elas foram criadas tal como a propagada
integração escolar e social de alunos com deficiências.
Por ocasião da “Conferência Mundial de Educação
para Todos”, em Jomtien, na Tailândia, em 1990, o Brasil,
reconhecendo a falta de oportunidades educacionais para essa
parcela da população, fixou metas básicas para melhorar o sistema
educacional brasileiro, incluindo a necessidade de melhorar a
educação de crianças e jovens com necessidades educacionais
especiais.
Apartirda “ConferênciaMundialsobre Necessidades
Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade”, em junho de
1994, que resultou na deflagração da Declaração de Salamanca
(BRASIL, 1994), as teorias e práticas inclusivas começaram a ser
30 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

discutidas com maior ênfase no país.


A despeito de todo o discurso favorável à inclusão,
a meta relacionada à Educação Especial estabelecida na
Conferência de Educação para Todos, em 1990, foi uma das que
não foram cumpridas até o ano de 2000. Segundo estimativa do
Próprio MEC, apenas 5% dos cerca de seis milhões de alunos
receberam atendimento especializado em 1997 (FOLHA DE
SÃO PAULO, 27/03/2001).
Os dados oficiais do Ministério da Educação
apontavam estatísticas ainda muito tímidas em relação à matrícula
de alunos com necessidades educacionais especiais. Havia, em
1998, cerca de 400 mil estudantes matriculados (BRASIL, 2003),
mas a escola especial era ainda a modalidade de atendimento
de cerca de 63% de toda a população atendida. Em 1999, a
proporção de matrículas em escolas especiais diminuiu para
cerca de 60%, mas ela ainda continuava sendo a modalidade que
concentrava o maior número de matrículas. Ocorreu também
uma diminuição nas matrículas das classes especiais de cerca de
dois pontos percentuais, de 24,7%, em 1998, para 22,5%, em
1999; e um aumento na proporção de matrículas em classes
comuns, sem o acompanhamento das classes de recursos, que
passou de 25.435 matrículas, em 1998, (7,5%) para 38.646, em
1999 (10,3%). O número de matrículas em classes comuns com
o acompanhamento de classes de recursos passou de 18.488
(5,5%), em 1998, para 24.743 (6,6%) em 1999.
Assim, percebe-se que há uma inserção gradual,
embora lenta de alunos com necessidades educacionais especiais
nas classes comuns das escolas regulares, se considerados os
dados dos últimos censos escolares. Entretanto, constata-se que
os principais problemas da Educação Especial no Brasil ainda se
mantêm, que seriam:
• Escassezdeofertadeserviçoseconsequentemente
de oportunidades educacionais, dado que, para uma
estimativa de demanda de seis milhões, há cerca
de apenas 500 mil alunos matriculados (segundo o
censo escolar de 2003) (BRASIL, 2003);
• Natureza segregadora, discriminatória e
marginalizante das modalidades predominantes
ainda baseadas em escolas e classes especiais;
• Papel omisso do poder público, em suas três
junqueira&marin editores 31
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

esferas (federal, estadual e municipal), na prestação


direta de serviços educacionais e o incentivo explícito
à iniciativa privada, considerando que a rede privada
é responsável por quase que metade das matrículas,
uma proporção maior do que a das matrículas nas
redes públicas estadual, municipal ou federal;
• Projeções negativas das tendências em termos da
evolução dos serviços em relação às necessidades dos
usuários, considerando que, com um crescimento
de 86% no número de matrículas a cada quatro
anos (96-99), a demanda de seis milhões de alunos
seria atendida daqui a 20 anos, caso não houvesse
aumento na população nesse período.
Portanto, no momento atual, podemos dizer que
carecemos de diretrizes políticas para a educação de crianças e
jovens com necessidades educacionais especiais que impliquem:
• Ampliação do acesso à escola para indivíduos
com necessidades educacionais especiais, seja qual
for essa escola, tendo em vista a necessidade de se
universalizar o acesso;
• Ampliação da responsabilidade do poder público
na prestação direta de serviços educacionais;
• Criação de outras modalidades alternativas de
atendimento além das classes e escolas especiais ou
classes de recursos (MENDES, 1999).
Tais metas poderão ser atendidas se, num primeiro
momento, os indivíduos com necessidades educacionais especiais
tiveram sua inserção garantida não apenas na legislação, mas
na realidade, preferencialmente na classe comum das escolas
públicas. Entretanto, seria conveniente ressaltar que a mera
inserção na classe comum não garante educação de qualidade. A
inclusão é um processo que leva tempo porque envolve além do
acesso, a permanência e o sucesso na escola.
Nesse sentido, podemos concluir que há no país uma
“Educação Inclusiva Retórica”. As propostas estão nas leis, nos
documentos e predominam também na fala de muitos políticos
e cientistas. Entretanto, não se pode dizer que esteja havendo
uma política efetiva de Educação Inclusiva no país, embora a

32 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

inserção de indivíduos com necessidades educacionais especiais


nas escolas regulares tenha sido talvez a questão mais discutida
nas últimas décadas.
É fato que pensar em um projeto de Educação
Inclusiva com todos os recursos necessários, para todos que
delas necessitarem, em curto prazo, na realidade do nosso
sistema educacional, parece extremamente utópico. Mas é
possível se pensar em um projeto de inclusão escolar consciente,
a ser construído dentro das possibilidades e das estruturas
educacionais atualmente disponíveis.
No Brasil, a Constituição Federal (1988) e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), o
Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), o Plano
Nacional de Educação, e os Parâmetros Curriculares Nacionais
estabelecem que a educação é direito de todos e que as pessoas
com necessidades educacionais especiais devem ter atendimento
educacional
garante também
“preferencialmente
a possibilidadenaderede
“atendimento
regular de educacional
ensino” e

especializado”.
De modo geral, a legislação não define que a matrícula
do aluno com necessidades educacionais especiais tenha que ser
obrigatoriamente na classe comum da escola regular. Entretanto,
a ênfase poderia ser na matrícula do aluno preferencialmente em
classe comum, e com apoios centrados nessa sala de aula para
que a inclusão escolar, ao contrário da integração escolar, saísse
definitivamente dos discursos e chegasse definitivamente nas
escolas e salas de aula.
Quanto ao modelo de educação inclusiva a ser
adotado, podemos concluir, com base no atual estágio do
conhecimento científico, que a “inclusão total” é uma resposta
muito simplista e equivocada a um tema demasiadamente
complexo e que se caracteriza no momento por uma confiança
excessiva na retórica e pela falta de evidências científicas.
Na atualidade, qualquer proposta essencialmente
ideológica e com posições radicais parece perigosa porque a
filosofia da “inclusão” já está no contexto brasileiro, servindo de
justificativa para o fechamento de programas e serviços (como
as classes especiais nas escolas públicas ou de escolas especiais,
por exemplo); e para deixar de prever (e consequentemente
de custear no futuro) na nova reforma na política educacional

junqueira&marin editores 33
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
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programas especializados que envolvam formação de professores


e mudanças na organização escolar para atender o alunado com
necessidades educacionais especiais (MENDES, 1999).
Por outro lado, a posição de ir radicalmente contra
a educação inclusiva pode implicar na impossibilidade de
universalizar o acesso à educação para muitas crianças e jovens
com necessidades educacionais especiais. A facilidade de acesso à
escola comum recém conquistada configura um momento ímpar
na história desse país e não pode ser descartada como estratégia
de universalização do acesso à educação.
Portanto, a grande maioria dos alunos com
necessidades educacionais especiais está fora de qualquer tipo
de escola. Tal quadro indica muito mais uma exclusão escolar
generalizada dos indivíduos com necessidades educacionais
especiais na realidade brasileira, a despeito da retórica da
integração escolar.
Pode-se dizer, portanto, que os resultados dos
últimos 30 anos de política de “integração escolar” foi uma
grande expansão das classes especiais, favorecendo o processo
de exclusão na escola regular pública. O modelo de serviços
propostos pelo movimento de integração escolar, que previa
uma opção preferencial pela inserção na classe comum com
a manutenção do continuum de serviços ou sistema de cascata,
nunca chegou a ser implementado na “integração escolar” à
moda brasileira. Os recursos predominantes até recentemente
eram as classes especiais nas escolas públicas e as escolas especiais
privadas e filantrópicas.
Portanto, em nosso país, o debate sobre a questão
da Educação Inclusiva é hoje um fenômeno de retórica como
foi a integração escolar nos últimos 30 anos. Entretanto, o
paradoxo é que ao mesmo tempo em que se trata de uma
ideologia importada de países desenvolvidos, que representa um
alinhamento ao modismo uma vez que não temos lastro histórico
na nossa realidade que a sustente; não podemos negar que, na
perspectiva filosófica, a inclusão é uma questão de valor, ou seja,
é um imperativo moral. Não há como questioná-lo dentro da
ética vigente nas sociedades ditas democráticas e não dá para
descartar que a adoção de diretrizes baseadas na educação
inclusiva pode ser a única estratégia política com potencial para
garantir o avanço necessário na Educação Especial brasileira.

34 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Em outros países, por exemplo, o movimento se


assentou em contextos onde já existia um razoável acesso à
educação, uma rede diversificada e melhor qualificada de serviços,
nos quais a perspectiva de educação inclusiva representou apenas
um passo natural em direção à mudança. Aqui, a educação
inclusiva é ainda uma página em branco de uma história a ser
construída.
Entretanto, traduzir o conceito de educação
inclusiva das leis, dos planos e intenções para a realidade
requer conhecimento e prática. É preciso, portanto, questionar
qual a prática necessária? E o conhecimento necessário para
fundamentar a prática? E esse é sem dúvida nenhuma um
exercício para a pesquisa científica.
Enfim, o futuro da Educação Inclusiva em nosso
país dependerá de um esforço coletivo, que obrigará uma revisão
na postura de pesquisadores, políticos, prestadores de serviços,
familiares e indivíduos com necessidades educacionais especiais
para trabalhar numa meta comum que seria a de garantir uma
educação de melhor qualidade para todos.
É preciso construir projetos de Educação Inclusiva
que respeitem nossas bases históricas, legais, filosóficas e políticas
no tocante a atenção às pessoas com necessidades educacionais
especiais.
Entretanto, cabe relevar, que a consecução do
princípio da educação inclusiva não se efetuará sem que se
avaliem as reais condições que possibilitem a inclusão gradativa,
contínua, sistemática e planejada de crianças com necessidades
educacionais especiais nos sistemas de ensino (BUENO, 2001).
Glat (1998) sugere que a inclusão escolar na
Educação Infantil, para crianças com deficiência de vários graus,
seria perfeitamente viável e deveria ser a opção preferencial de
projetos políticos de implantação da inclusão. Tais considerações
permitem eleger o sistema de Educação Infantil como um dos
focos prioritários para a implantação inicial de diretrizes políticas.
Assim, a partir do estabelecimento de um marco
de referência, uma espécie de “marco zero”, poderão ser
desencadeadas ações que permitirão um avanço sistemático,
gradual e contínuo da proposta de inclusão escolar em todos os
níveis de ensino.
Tendo em vista que a mudança requer um potencial

junqueira&marin editores 35
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

instalado, em termos de recursos humanos que estejam em


condições de trabalho para que ela possa ser posta em prática,
parece essencial investir na pesquisa sobre formação de
educadores para que se possa pensar em alterar a realidade da
Educação Especial no país.
Outras prioridades para a pesquisa parecem ser a
produção de conhecimento sobre procedimentos que gerem
dados que permitam subsidiar o acompanhamento de políticas
públicas educacionais que adotam a perspectiva da inclusão; e
sobre processos de formação de professores (do Ensino Regular e
Especial; inicial e continuada) e estratégias pedagógicas inclusivas
que possam ser adaptadas para a realidade brasileira.

36 junqueira&marin editores
Capítulo 3
Tendências atuais na área de formação do
professor e a perspectiva de inclusão escolar

A educação inclusiva é uma educação democrática, pois supõe


que o professor saia da sua solidão, arrogância, falso domínio e
tenha a coragem de dizer não sei, tenho medo, nojo, vergonha,
pena, não respeito, quero aprender ou rever minhas estratégias
pedagógicas, pois não consigo ensinar para certos tipos de
crianças, não sei controlar o tempo, não sei ajudar - não no
sentido da co-dependência, mas no sentido da interdependência
não sei respeitar meu aluno. (MACEDO, 2001, p. 11)

Há na atualidade um razoável consenso sobre a


necessidade de renovação do pensamento científico e das práticas
institucionais acerca da formação de professores. A necessidade
de mudança vem sendo expressa em importantes trabalhos de
investigação, tais como em Nóvoa (1997), que propõe um olhar
sobre a profissão docente, em Schön (1997) e Zeichner, (1993)
que propõem a ideia do professor como um profissional reflexivo.
Alguns pressupostos derivados das implicações da pesquisa atual
sobre formação de professores podem ser delineados.
No que se refere à formação inicial, alguns autores
vêm apontando que o conjunto de saberes, atitudes, valores dos

junqueira&marin editores 37
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

quais se apropriam os futuros professores constituem a base


sobre a qual se dará o estabelecimento de hábitos durante o
exercício da profissão (TARDIF; LESSARD & LAHAYE, 1991;
MIZUKAMI, 1996; entre outros). Partindo-se da importância
da formação inicial, seria preciso rever o processo global de
formação de professores, principalmente para capacitá-los de
maneira a atender e lidar com a diversidade na sala de aula.
O processo global de formação de professores deve
estar fundamentado também na articulação entre teoria e prática,
possibilitando ao futuro professor um contato direto com a
realidade na qual irá atuar desde o início do curso. Deve-se ainda
prepará-lo para analisar e discutir as questões relativas à função
social da escola e a importância de seu trabalho; considerar as
diferenças individuais dos alunos e a complexidade da prática
pedagógica.
Outro tipo de formação enfatizada refere-
se à formação continuada, que prevê a possibilidade de
retorno e a atualização da formação recebida. Candau (1996)
enfatiza a importância de se criar uma nova concepção de
formação continuada, tendo como referência fundamental o
reconhecimento e a valorização do saber docente e o fato de
que os processos de formação continuada têm que considerar as
diferentes etapas do desenvolvimento profissional.
Finalmente, o terceiro tipo de formação de
professores, que vem sendo enfatizada, refere-se à formação
à distância, a qual é vista como uma estratégia considerada
inevitável face aos desafios colocados em relação às necessidades
de formação de professores no Brasil, um país de dimensões
continentais.
Assim, as tendências observadas na literatura sobre
formação do professor, tal como a ênfase na distinção entre
formação inicial e continuada para proporcionar um processo
contínuo de formação e a necessidade de formação do profissional
reflexivo, visando à melhoria na qualidade do ensino, parecem
aspectos importantes para o desenvolvimento de habilidades e
competências do professor para lidar com alunos diversos, o que
de certa forma contempla às exigências impostas pela inclusão
escolar.
Assim, pode-se perceber que as tendências na
literatura de formação de professores favorecem o processo de

38 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

inclusão escolar, inclusive dos alunos com necessidades mais


diferenciadas. Mas em que medida a atual política de formação
de professores em nosso país vem incorporando tais tendências
e influenciando a construção da proposta de inclusão escolar?
Vários autores, ao analisarem a proposta política
de inclusão escolar e especificamente a questão da formação do
professor, apontam tanto para a falta de preparo mínimo dos
professores do ensino regular para trabalharem com as crianças
com necessidades especiais, bem como também para a pequena
contribuição que professores de Educação Especial têm dado no
ensino regular (ver, por exemplo, BUENO, 1999 e MENDES,
2001).
A inclusão pressupõe que as diferenças humanas
são normais e desejáveis, mas ao mesmo tempo reconhece
que a escola atual tem provocado ou acentuado desigualdades
associadas à diversidade decorrente de diferenças de origem
pessoais, sociais, culturais e políticas. O combate à promoção da
desigualdade pela escola exige, na perspectiva da inclusão, uma
reestruturação do sistema educacional para prover uma educação
de qualidade para todas as crianças. Um dos pontos chaves da
reestruturação escolar seria, portanto, o aperfeiçoamento da
prática docente, a introdução de novas estratégias de ensino
para que o professor saiba trabalhar com conteúdos curriculares
diferenciados e adaptados para todos os alunos, tenham estes
necessidades especiais ou não.
Encontra-se em curso no país uma onda de reforma
no sistema educacional, que de certa forma atesta a necessidade
de mudança e que teve como marco político-institucional a
Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996. A partir de então, tem havido
nas ações oficiais uma justificativa de que essa reforma visa a
“equidade”, traduzida pela universalização do acesso a todos à
escola e à “qualidade do ensino”. Assim, a busca da equidade
e da qualidade de ensino tem sido a justificativa utilizada para
várias medidas, tais como a implantação do processo de avaliação
do sistema escolar e a elaboração dos parâmetros curriculares
nacionais para orientar as ações educativas do ensino obrigatório
e o estabelecimento de diretrizes nacionais para formação de
professores.
Nesse contexto de reforma, a adoção de uma

junqueira&marin editores 39
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

diretriz mais efetiva para a política de educação inclusiva vem


sendo referendada em todos os documentos oficiais recentes
do Ministério da Educação (ver, por exemplo, o Plano Nacional
de Educação Especial; Lei de Diretrizes e Bases, Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, Referencial
Curricular para a Educação Infantil, as Diretrizes Nacionais para
a Formação de Professores para a Educação Básica e as Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica).
Ao definir as incumbências dos professores, a LDB
traça um perfil profissional que independe do tipo de docência:
multidisciplinar ou especializada, por área de conhecimento
ou disciplina, para crianças, jovens ou adultos, com ou sem
necessidades educacionais especiais.
No documento referente às “Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica,
em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena” do
Conselho Nacional de Educação, há o reconhecimento de que o
cenário educacional brasileiro representa na atualidade enormes
desafios que, nas últimas décadas, têm mobilizado a sociedade
civil, a realização de estudos e pesquisas e a implementação, por
estados e municípios, de políticas educacionais orientadas por
esse debate social e acadêmico visando à melhoria da Educação
Básica.
Entre as inúmeras dificuldades encontradas para
essa implementação, é destacado o preparo inadequado dos
professores, sendo um dos fatores críticos as competências para
orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos;
assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos;
utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio e
desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe, etc.
O referido documento faz referências explícitas à inclusão eà
necessidade de formação de professores:

A Educação Básica deve ser inclusiva, no sentido de atender


a uma política de integração dos alunos com necessidades
educacionais especiais nas classes comuns dos sistemas
de ensino. Isso exige que a formação dos professores das
diferentes etapas da Educação Básica inclua conhecimentos
relativos à educação desses alunos. (BRASIL, 2002, p. 25 e 26)

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Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

As diretrizes apontam ainda que a organização


curricular dos cursos de formação, considerando a etapa da
escolaridade para a qual o professor está sendo preparado,
inclua sempre espaços e tempos adequados que garantam, entre
outras coisas, opções, a critério da instituição, para atuação em
modalidades ou campos específicos, incluindo as respectivas
práticas, tais como: crianças e jovens em situação de risco; jovens
e adultos; escolas rurais ou classes multisseriadas; Educação
Especial ⁹ e educação indígena.
As diretrizes para a Educação Especial, na Educação
Básica, são regidas no âmbito nacional pela Resolução nº 2
de 11/09/2001 do MEC, que entrou em vigor em 2002. Há
neste documento dispositivos legais que, em conformidade ao
disposto nas leis maiores, assumem os princípios da educação
inclusiva, prevendo a oferta de serviços de apoio e professores
especializados para os alunos com necessidades educacionais
especiais inseridos em classes comuns das escolas regulares.
A Resolução dispõe que:

Art. 8º. As escolas da rede regular de ensino devem prever e


prover na organização de suas classes comuns:
I - professores das classes comuns e da Educação Especial
capacitados e especializados, respectivamente, para o
atendimento às necessidades educacionais dos alunos...;
IV – serviços de apoio pedagógico especializado realizado nas
classes comuns mediante:
a) atuação colaborativa de professor especializado em Educação
Especial;
b) atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigos
aplicáveis;
c) atuação de professores e outros profissionais itinerantes
intra e interinstitucionalmente;
d)disponibilizaçãodeoutros apoiosnecessáriosàaprendizagem,
à locomoção e à comunicação.
V – serviços de apoio pedagógico especializado em salas de
recursos, nas quais o professor especializado em Educação
Especial realize a complementação ou suplementação
curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais
específicos; [...]. (BRASIL, 2001, p. 35)

junqueira&marin editores 41
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Portanto, em conformidade com o Artigo 59


da LDB, esta resolução afirma como necessária à função do
professor especializado e prevê a necessidade de professores de
classe comum capacitados para o atendimento às necessidades
educacionais especiais dos alunos. Há ainda a recomendação do
Artigo 4º para que sejam oferecidas oportunidades de formação
continuada, inclusive em nível de especialização, pelas instâncias
educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, aos professores que já estão exercendo o magistério.
Assim, o atual contexto do sistema educacional
nacional com as tentativas de reforma, especificamente quanto
às diretrizes para a formação de professores e as demandas
decorrentes da perspectiva de adoção de diretrizes para a inclusão
escolar, tem imposto uma série de desafios para a pesquisa
educacional na área de formação de professores.
Numa revisão de estudos sobre o tema integração/
inclusão do indivíduo com necessidades educacionais especiais e
mais especificamente de dissertações e teses produzidas no país,
Mendes, Ferreira e Nunes (2003) encontraram 52 dissertações de
mestrado e sete teses de doutorado em Psicologia e Educação
que abordaram a temática da inclusão ou integração escolar.
Quanto à abordagem metodológica, os autores apontam que
predominaram os estudos descritivos e os estudos de caso,
voltados para a caracterização dos serviços de atendimento e as
percepções de profissionais, em detrimento do desenvolvimento
de programas ou os estudos experimentais.
Considerando o conjunto dos trabalhos e
especificamente as implicações apontadas pelos autores das
dissertações e teses, os autores destacam a questão da formação
de recursos humanos como um dos pontos centrais para se
implementar a integração ou inclusão escolar. A maioria das
pesquisas evidencia a necessidade de rever os programas de
formação inicial e continuada de profissionais que trabalham
em serviços educacionais para as pessoas com necessidades
educacionais especiais. Quanto aos professores, enfatiza-se a
importância de incluir as necessidades educacionais especiais na
formação do professor do ensino comum, bem como de superar
a noção de formação e de atuação muito distintas e isoladas do
professor especializado em Educação Especial.
Assim, há um consenso na literatura sobre a

42 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

necessidade de prover formação inicial para ensinar professores


da educação regular a criarem classes que acomodem as
necessidades de todos os alunos, inclusive para aqueles com
necessidades educacionais especiais. O consenso também
se estende para a necessidade de se incluir tanto informações
quanto experiências práticas com alunos da Educação Especial
nos programas de formação inicial de todos os professores.
Richardson (1994), em um estudo de revisão da
literatura sobre práticas e crenças dos professores sobre inclusão,
concluiu que os programas de formação de professores em geral
produzem mais impacto nas crenças, especialmente no sentido
de provocar mudanças, quando eles propiciam experiências que
permitem aos professores questionar e confrontar suas crenças.
Tomlinson e Laudrum (1997) constataram que,
embora os professores em processo de formação inicial
expressassem crenças na própria capacidade de atender as
necessidades de todos os seus alunos, quando foram observadas
suas práticas, eles não demonstraram praticar o que acreditavam.
Os autores consideram que professores em formação precisariam
de muitos exemplos de instruções diferenciadas em salas de aula,
juntamente com oportunidades para discussão de suas crenças
e práticas sobre instruções diferenciadas, para que pudessem
aprender a aplicar seus conhecimentos na situação prática.
Uma das abordagens que vem sendo estudada na
literatura sobre formação de professores para encorajá-los a
pensar nas consequências de suas crenças, na influência delas
sobre seus processos de tomada de decisão e para desenvolver a
capacidade de reflexão crítica, tem sido a discussão e análises de
casos-dilemas, baseados em casos reais de alunos, que permitem
altos níveis de reflexão sobre as crenças e práticas (LEVIN, 1994;
MERSETH, 1996; HARRINGTON; QUINN-LEERING &
HODSON, 1996).
Hutchinson e Martin (1999) desenvolveram um
estudo em Ontário (Canadá) sobre práticas e crenças dos
professores de escolas públicas, que lecionavam para classes de
alunos com menos de cinco anos de idade, tendo como foco
suas experiências de criar classes inclusivas. Os professores
participaram de um programa de formação com nove meses de
duração, tendo atividades intercaladas de aula na universidade,
com práticas e reuniões periódicas. No começo da prática,

junqueira&marin editores 43
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

cada professor teve que descrever um caso de um aluno com


necessidade educacional especial de sua sala e o grupo elaborava
uma lista de práticas inclusivas que eles observavam em suas
escolas. Eles foram então encorajados a questionar concepções
assumidas por eles ou pela escola sobre essas práticas. Cada
professor escreveu um breve caso baseado em uma experiência-
dilema, relacionada à criação de classes inclusivas para um aluno
com necessidade educacional especial.
O autor apresenta a documentação e interpretação
de estudos de casos de cinco professores, que foram parte das
atividades do programa de formação. Os resultados indicaram
que o curso contribuiu para ajudar a escola e os professores a
conhecerem o ensino inclusivo, a fazer adaptações e elaborar
reflexões críticas. Os professores apresentaram entendimento real
sobre as complexidades da criação e manutenção de salas de aula
inclusivas e da relação recíproca entre tratar todos os estudantes
de maneira equitativa, incluindo os alunos com necessidades
educacionais especiais. A discussão dos casos-dilemas foi um
aspecto considerado fundamental para o efeito do programa.
O’Donoghue e Chalmers (2000), investigando
narrativas de professores do ensino regular sobre a inclusão,
concluíram que há um processo adaptativo, que é, portanto,
dependente de tempo, na forma como os professores de classes
comuns conduzem seu trabalho quando têm em suas turmas um
aluno com deficiência. Os autores consideram que é importante
explorar as expectativas dos professores sobre o fenômeno da
inclusão, sobre como eles pensam agir e definitivamente agem
diante disso e como essas expectativas e ações mudam ao longo do
tempo. Os autores encontraram que os professores não tendem
a fazer mudanças ou transformações radicais na organização da
sala, nos métodos de ensino ou nos conteúdos dos currículos
quando respondem ao desafio de desenvolver seu trabalho numa
sala de aula inclusiva. Quando mudanças são feitas, elas tendem a
ser cuidadosas, considerando modificações nas práticas de ensino
já existentes. Em outras palavras, os professores desenvolvem
seu trabalho em uma sala de aula inclusiva considerando aspectos
adaptativamente selecionados de suas práticas cotidianas.
Portanto, se essas práticas são insuficientes para
atender as necessidades diferenciadas de alguns alunos, é preciso
prever algum tipo de formação para alterar práticas e crenças.

44 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Buell et al (1999) empreenderam um estudo do


tipo survey com 289 professores do ensino regular e especial de
um estado norte-americano. Entre outros achados, os autores
encontraram uma estreita correlação positiva entre a compreensão
do significado da inclusão escolar pelos professores e suas
crenças nas próprias capacidades de influenciar os estudantes
com necessidades educacionais especiais, indicando que o
conhecimento afeta o senso de autoeficácia dos professores. Os
professores do ensino regular demonstraram menos confiança
em adaptar materiais e adequar o currículo às necessidades
dos alunos, manejar problemas de comportamento em sala de
aula, dar assistência individualizada e descrever objetivos de
ensino para alunos com necessidades educacionais. Os autores
concluíram que muito da resistência dos professores do ensino
regular em aceitar a proposta de inclusão escolar se deve à falta
de recursos e ao desconhecimento dos tipos de serviços e apoios
que poderiam estar disponíveis.
Quanto às propostas de formação de educadores
para a perspectiva da inclusão, existem vários estudos na
literatura analisando o que seria razoável e sensato exigir no
nível da formação inicial. De modo geral, há uma tendência
para se manter os dois tipos de formação de educadores para a
inclusão, que seria a do professor especializado e do professor
para o ensino comum, mas buscando-se uma maior integração
entre os dois cursos, além de uma perspectiva de formar para
uma atuação colaborativa entre os dois profissionais dentro da
própria escola regular.
Ford, Pugach e Otis-Wilborn (2001) discutiram uma
experiência interessante de reformulação dos cursos de graduação
para professores do ensino comum e especial, na University of
Wisconsin-Milwaukee, e apontaram os resultados de cinco anos
de implementação da reestruturação dos cursos.
Sugestões para programas de formação para
professores da Educação Infantil também são encontrados
na literatura, tais como o programa de estágios baseado na
consultoria colaborativa proposto por Dinnebeil e Mcinerney
(2001); no qual os estudantes em formação têm a oportunidade
de funcionar como assessores colaboradores de professores de
Educação Infantil; o programa SpecialCare de Osborne, Garland
e Fisher (2002), que envolve um treinamento de curta duração

junqueira&marin editores 45
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

(8 horas) com comprovada eficácia; o programa de estágios de


Stowitschek et al (2000).
Osborne, Garland e Fisher (2002) descreveram os
resultados do programa SpecialCare, que vinha sendo desenvolvido
há mais de oito anos para ensinar os cuidadores a trabalhar com
crianças com deficiência em cenários inclusivos. Os autores
consideraram que tais programas devem enfocar as atitudes e
crenças dos cuidadores a respeito das crianças com deficiências,
uma vez que o sucesso da inclusão depende basicamente de
uma atitude positiva e da aceitação dos educadores do princípio
filosófico da inclusão. Em relação ao programa de treinamento
envolvido no SpecialCare, os estudos de avaliação oferecem
evidências de que este treinamento resulta em um aumento do
conhecimento quanto ao conforto dos educadores para lidar com
crianças e adolescente especiais. Entretanto, os autores também
apontaram que o modelo de eficácia não avalia os efeitos sobre a
prática na sala de aula.
Concluindo, pode-se observar que há consenso
sobre a necessidade de se repensar a formação inicial e
continuada tanto do professor da educação regular quanto da
especial. As mudanças propostas na literatura, que também
estão contempladas na atual legislação nacional, atendem aos
pressupostos da educação inclusiva. Entretanto, ainda se observa
em nosso país um descompasso entre as demandas que o atual
contexto impõe e a produção científica sobre formação de
professores para a inclusão. Em países desenvolvidos, em que a
prática de inclusão já é mais antiga, a literatura científica é mais
abundante e propositiva.
Nesse contexto, o presente estudo tem um caráter
ainda exploratório de se investigar as percepções e práticas
dos educadores de creches sobre a inclusão de crianças com
necessidades educacionais especiais em suas turmas, a fim de
conhecer suas barreiras e possibilidades e tentar derivar casos
dilemas que poderão ser utilizados em futuros programas de
formação para mudar crenças, práticas e favorecer a compreensão
dos educadores de creches sobre inclusão escolar.

46 junqueira&marin editores
Capítulo 4
A educação infantil e a inclusão escolar de
alunos com necessidades
educacionais especiais

Não apenas no Brasil, mas no mundo todo, as políticas para a


infância deparam-se com tensões envolvendo a relação família-
estado frente à responsabilidade perante a criança pequena,
a conciliação entre trabalho dos pais e responsabilidade
familiar e o enfoque sobre desenvolvimento infantil e ensino-
aprendizagem... Responder a elas requer um novo olhar para as
necessidades das crianças e de suas famílias e uma revisão das
formas tradicionais de atendimento oferecidas. (HADDAD,
1999, p. 2)

Os primeiros anos da vida de uma criança têm sido


considerados cada vez mais importantes. Os três primeiros anos,
por exemplo, são críticos para o desenvolvimento da inteligência,
da personalidade, da linguagem, da socialização, etc. A aceleração
do desenvolvimento cerebral durante o primeiro ano de vida é
a mais rápida e mais extensiva do que qualquer outra etapa da
vida, sendo que o tamanho do cérebro praticamente triplica
neste período. Entretanto, o desenvolvimento do cérebro
é muito mais vulnerável nessa etapa e pode ser afetado por
fatores nutricionais, pela qualidade da interação, do cuidado e da

junqueira&marin editores 47
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

estimulação proporcionada à criança.


Nos primeiros anos de vida, devem ser abertas janelas
de oportunidades para que a criança aprenda determinados tipos
de aprendizagem, que se não forem adquiridas neste período
crítico se tornam difíceis, quando não impossíveis, de serem
adquiridas mais tarde. Assim, as novas descobertas científicas têm
colocado cada vez mais em evidência a importância dos primeiros
anos de vida e o papel que o ambiente tem nesse processo, e esse
avanço tem implicado uma crescente preocupação social com o
cuidado e a Educação Infantil.
Um dos principais desafios, nas reformas
educacionais mais recentes, tem sido a ampliação do acesso a
programas educacionais para crianças pequenas nas redes públicas
de ensino. E esse desafio tem sido impulsionado em parte pela
evidência de que muitos estudantes estão falhando no Ensino
Fundamental, principalmente as crianças consideradas de risco,
pelo ingresso das mães no mercado de trabalho e a consequente
necessidade de criar programas substitutivos de cuidado infantil;
e também pelo avanço científico que tem produzido evidências
sobre a importância da primeira infância para o desenvolvimento
posterior na criança.
Assim, a expansão da demanda pela Educação
Infantil tem recebido ênfase crescente nas últimas décadas,
acompanhando a intensificação da urbanização, a participação
da mulher no mercado de trabalho, as mudanças na organização
e estrutura das famílias e o avanço científico.
No caso específico das crianças que já nascem ou
que desde cedo apresentam necessidades educacionais especiais,
há muito tempo já é reconhecida a importância de um processo
educacional formal na primeira infância, que, na literatura, vem
sendo chamado de intervenção precoce. Kolucki (1999) sintetiza
os principais achados sobre o impacto da intervenção precoce
no desenvolvimento de crianças com necessidades educacionais
especiais:
• Quanto maior o grau e a duração da privação
(visual, auditiva e do movimento) mais permanente
se torna a deficiência;
• A limitação não se restringe ao sentido privado,
mas se estende também para o desenvolvimento
cognitivo, social e emocional;
48 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

• Para a grande maioria das condições limitantes, o


momento para iniciar a intervenção é crítico, sendo
que em geral a intervenção (tratamentos clínicos,
cirurgias ou exercícios) é mais bem sucedida quando
feita nos primeiros anos de vida;
• A experiência afeta o desenvolvimento e
inclusive o tamanho e a estrutura do cérebro, e é
imperativo que as crianças sejam diagnosticadas
o mais precocemente possível para que possam
receber atendimento que potencialize ao máximo
seu desenvolvimento.
A intervenção precoce está embasada na hipótese
fundamental de que as crianças com dificuldades diferem de
algum modo das crianças com desenvolvimento normal. Além
disso, assume-se que essas diferenças criam uma demanda para
tipos de serviços que vão além do que normalmente se encontra
disponível para a maioria das crianças; e, em maior ou menor
grau, elas necessitem de estratégias instrucionais, tratamentos
terapêuticos, equipamentos especiais ou ambientes estimuladores
que sejam diferentes daqueles necessários para as crianças com
desenvolvimento normal (BAILEY et al, 1998).
Portanto, na área de Educação Especial, os
programas de intervenção precoce começaram a se expandir já
na década de 60, sendo que os países desenvolvidos apresentam
uma longa história neste tipo de programa. Os serviços de
intervenção precoce exigem mecanismos de busca, triagem,
diagnósticos e intervenção. As necessidades das crianças bem
como das suas famílias são consideradas, e é recomendado o
suporte interdisciplinar para atendimento direto à criança ou aos
pais, que são educados para atender as necessidades educacionais
diferenciadas de suas crianças.
Assim, embora na atualidade haja uma ênfase
na mídia sobre a importância de educação formalizada na
primeira infância para todas as crianças, na área de Educação
Especial, a necessidade de uma intervenção educacional precoce,
intencionalmente planejada, já é reconhecida e praticada há mais
de 30 anos. Guralnick (1997 e 2001) elaborou uma extensiva
revisão de pesquisas que comprova a efetividade da intervenção
precoce para bebês e crianças pequenas com necessidades
educacionais especiais.
junqueira&marin editores 49
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Entretanto, ao longo da história da Educação


Especial, os serviços para bebês e crianças pequenas com
necessidades educacionais especiais também foram organizados
separadamente daqueles serviços destinados a crianças com
desenvolvimento típico. Na perspectiva da educação inclusiva,
o desafio atual na Educação Infantil consiste em tornar os
programas regulares de atenção à criança inclusivos para aquelas
que apresentem necessidades educacionais especiais, e este ponto
é visto na atualidade como um imperativo ético e moral.
Bailey et al (1998) apontaram que os argumentos
que apoiaram a criação de programas segregados incluíram
mecanismos especiais de financiamento, a necessidade de
treinamento especializado do professor, acesso a serviços de
ensino especial e de apoio de profissionais especializados.
E que os maiores argumentos contra a inclusão na Educação
Infantil se centram hoje na falta ou insuficiência de treinamento
para professores (sobre o desenvolvimento, cuidados infantis e
Educação Especial); o baixo salário; a sobrecarga de trabalho e a
falta de outros serviços considerados fundamentais, tais como a
avaliação individualizada, intervenção planejada para atender as
necessidades específicas de cada criança, bem como a oferta de
suporte familiar.
A inclusão é definida como a participação plena da
criança com necessidades educacionais especiais em programas
e atividades para crianças com desenvolvimento típico. Embora
não esteja necessariamente limitada à participação em salas de
aula e centros infantis, a princípio, as turmas e salas comuns se
constituem no lugar onde o construto da Inclusão é normalmente
operacionalizado (BAILEY et al, 1998).
Odom (2000) aponta que a definição de inclusão é
uma questão muito controvertida, embora haja uma dimensão
consensual importante que é a participação das crianças com
necessidades educacionais especiais na mesma sala para onde vão
as crianças com desenvolvimento típico; não apenas em algumas
atividades ou por algum período, mas durante todo o período,
o tempo todo, e desfrutando da oportunidade de participar de
todas as mesmas atividades e rotinas proporcionadas aos seus
colegas.
Assim, predomina na atualidade uma ideologia
de que todos os programas de Educação Infantil devem estar

50 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

preparados para se tornarem mais inclusivos. Entretanto,


conforme aponta Odom (2000), a decisão sobre colocação ou
não em programas inclusivos deve ser baseada nas necessidades
individuais de cada criança e nas preocupações e prioridades dos
pais, sendo que, para algumas crianças, a solução pode não ser
necessariamente a colocação em programas inclusivos.
Bailey et al (1998) apontam três conjuntos de valores
que competem ou interferem na decisão dos pais quanto a
colocar suas crianças com necessidades educacionais especiais
em programas inclusivos ou em programas segregados, e que se
referem à qualidade dos programas, a especialização dos serviços
e as práticas centradas nas famílias. Os autores consideram que
o equacionamento dessas questões, nos programas regulares de
Educação Infantil, poderá remover a maioria das barreiras atuais
contra a proposta de inclusão.
Na atualidade, a argumentação em favor da alta
qualidade dos programas de Educação Infantil é muito forte
porque existem evidências claras e consistentes demonstrando
que programas de alta qualidade resultam em melhor
desenvolvimento cognitivo, social e da linguagem para as
crianças. Entretanto, os programas de Educação Infantil podem
não atender padrões de alta qualidade e a consequência disso
seria a colocação de crianças com dificuldades em programas
de qualidade abaixo da adequada até mesmo para crianças com
desenvolvimento típico. Os demais valores, que têm pesado nas
decisões dos pais, seriam a existência de serviços especializados
que atendam às necessidades únicas de suas crianças e a oferta de
suporte familiar, que raramente são encontrados nos programas
regulares de Educação Infantil.
Assim, os valores dados à qualidade dos programas,
disponibilidade de serviços especializados e suporte à família se
interceptam de muitos modos com o valor dado à perspectiva
de inclusão. Se a família considera a filosofia de inclusão como
um objetivo importante, isso será um fator fundamental na
determinação da colocação. Por outro lado, a inclusão pode
também representar desafios quando se justapõe a outras
preocupações da família. De qualquer forma, os pais estão
frequentemente se defrontando com uma situação em que eles
têm que fazer escolhas entre valores que competem entre si,
sem que, em nenhuma das escolhas contenha tudo o que eles

junqueira&marin editores 51
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

consideram desejável (BAILEY et al, 1998).


Apesar da força dos argumentos que apóiam a
inclusão na atualidade, constata-se uma considerável variabilidade
nos meios e na extensão em que cada comunidade tem
implementado práticas inclusivas, havendo ainda controvérsias
sobre a conveniência da inclusão de todas as crianças.
A literatura científica sobre inclusão na Educação
Infantil apresenta uma quantidade considerável de sugestões e
recomendações sobre a implementação de programas inclusivos
neste nível.
Thompson et al (1996) descreveram as experiências
do Circle of Inclusion Project (CIP) da Universidade de Kansas (EUA)
por meio da sistematização de dados e resultados obtidos em um
período de 10 anos. Os autores apontam evidências que indicam
que as reações de crianças pequenas à presença de pessoas com
dificuldades é muito diferente das respostas dos adultos; e que
esse é um dos motivos pelos quais a primeira infância parece ser
a fase mais oportuna para começar a quebrar as barreiras sociais e
a discriminação com as quais normalmente se defrontam pessoas
com limitações. As crianças com desenvolvimento típico são, em
geral, alheias às diferenças de seus companheiros com alguma
deficiência e, embora façam perguntas para tentar entendê-los,
em geral, elas não fazem juízo de valores, mas sim, demonstram
interesse e abertura em seus questionamentos.
Os autores relataram que a implementação de
serviços inclusivos na primeira infância, no caso do CIP,
envolveu: 1) começar o processo; 2) preparar e providenciar
suporte contínuo para as famílias e ao pessoal; 3) acomodar as
frequentes e intensivas necessidades individualizadas das crianças
e das famílias e 4) providenciar facilitações contínuas da inclusão
social e institucional para a criança.
As estratégias utilizadas pelo CIP foram baseadas na
compreensão e utilização do meio e aproximação naturalística
para encontrar as necessidades das crianças pequenas por meio
de instruções adaptadas e serviços terapêuticos, aplicados nas
atividades existentes das rotinas do próprio cenário natural.
O CIP adotou alguns princípios em suas atividades
que foram: a) rejeição da noção de que as crianças com deficiências
devam ser rotuladas; b) crianças com desenvolvimento normal
devem ter a oportunidade de desenvolver relacionamentos com

52 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

crianças que experimentam condições de limitações, incluindo


crianças com as mais significativas deficiências; c) o programa
deve refletir envolvimento e esforço contínuo e colaborativo de
todos os participantes; d) deve ser mantido respeito profundo
pela unicidade e dignidade de cada criança como um ser humano
individual; e) rejeição a aplicação de qualquer procedimento
aversivo; f) os objetivos e atividades devem ser guiados pelas
prioridades da família, tendo a mesma como a principal agente
de tomada de decisões; g) o princípio de participação parcial deve
ser utilizado para maximizar o envolvimento, apenas quando a
criança não está apta a desempenhar todos os aspectos de uma
atividade; h) adoção do conceito de proporções naturais, com
a colocação de crianças pequenas com deficiências severas em
programas comuns de acordo com distribuições realísticas da
população; i) investir tempo e energia para investigar as variáveis
que promovam o esforço de incluir da melhor maneira possível.
Gettinger, Stoiber e Lange (1999) descreveram os
resultados da implementação de um programa bem sucedido
que envolveu colaboração entre professores e pesquisadores da
Universidade de Wisconsin. Erwin e Schreiber (1999) ofereceram
uma definição dos apoios ou suportes necessários para
implementar programas inclusivos relacionados à participação
da família, à relação com os pares, à independência.
Lieber et al (2000) desenvolveram um estudo, no
Early Childhood Research Institute on Inclusion (ECRII), que teve
como objetivo investigar as influências fundamentais para iniciar
e implementar programas pré-escolares inclusivos. O estudo
consistiu em identificar tanto as barreiras quanto os fatores
que facilitam o desenvolvimento de uma política inclusiva em
pré-escolas, além de descrever como foi o histórico do início
da inclusão em vários programas de Educação Infantil. O
estudo foi realizado nos Estados Unidos e foram convidados a
participar programas que se autodenominavam como inclusivos.
Foram entrevistados professores da pré-escola, coordenadores
de programas e administradores, totalizando 18 programas
públicos, das quatro regiões. Os programas envolviam a inclusão
de crianças pequenas (de 3 a 5 anos) e, propositalmente, foram
escolhidos programas dos mais variados possíveis (incluindo
escolas urbanas, do subúrbio e de regiões rurais).
Os programas foram caracterizados de acordo com

junqueira&marin editores 53
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

o contexto organizacional, como adiantado ou atrasado, levando


em consideração o ano em que se iniciou o programa de inclusão
(se antes ou depois de 1991, ano em que se tornou compulsória
a política inclusão em pré-escolas nos EUA), segundo o local
(rural, suburbano ou urbano) e a situação socioeconômica das
famílias usuárias. Na coleta de dados, foram exploradas diversas
perspectivas, como a escola, a casa, o contexto comunitário e
regional, as perspectivas dos professores e diretores acerca do
programa de inclusão, além de analisar o envolvimento do estado
no contexto escolar. Nas entrevistas, as respostas relevantes
para este estudo eram relacionadas ao histórico da inclusão, as
percepções de barreiras e facilitadores da inclusão, acerca da
definição de inclusão e particularmente sobre como a inclusão se
iniciou naqueles determinados locais.
Os resultados indicaram que os programas de
inclusão para pré-escola são diferentes dos programas para
crianças mais velhas (ou acima de cinco anos), pois muitas
escolas públicas ainda não tinham turmas ou classes, onde as
crianças com necessidades educacionais especiais mais jovens (de
três a cinco anos) pudessem ser inseridas. Foram encontrados
programas em diferentes tipos de desenvolvimento dependendo
de onde partia a iniciativa pró-inclusão, se de um professor e
se restringiu a uma única sala de aula; através da iniciativa de
um diretor que acabou influenciando os professores sob seu
comando; ou ainda do de algum gestor regional que incentivou o
movimento de inclusão em todas as unidades. A participação da
comunidade foi um ponto considerado muito importante, pois,
em alguns casos, foi fator determinante para que o programa
gerasse resultados favoráveis.
Os programas estudados seguiram variados
caminhos para consumar a prática baseada no princípio da
inclusão. Entre esses, seis fatores básicos influenciaram a iniciação
e a implementação de programas de inclusão em pré-escolas,
a saber: a) influência decisiva de pessoas específicas; b) visão
compartilhada pelo coletivo dos profissionais; c) existência de
planos políticos de ação (nacional ou estadual); d) investimento
em treinamento e suporte externo (verba, capacitação); e)
estrutura organizacional e f) apoio da comunidade. Em geral,
foram poucos os fatores considerados impeditivos ou limitadores
que pudessem impor barreiras reais à implementação de um

54 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

programa de inclusão; e um possível motivo para isso foi que


todos os programas envolvidos no estudo se encontravam
em fase inicial ou em fase de implementação. O engajamento
pessoal foi considerado o maior influenciador para a prática
da inclusão. Outro ponto forte foi a disponibilidade de treino
e suporte externo para as pessoas envolvidas, influenciadas por
diferentes correntes teóricas, e também o impacto de políticas
governamentais.
Gallagher, Clayton e Heinemeier (2001) conduziram
um estudo para investigar barreiras e facilitadores percebidos em
alguns estados norte-americanos (Georgia, Nova Iorque, Illinois,
Carolina do Sul e Texas) que têm promovido novas propostas
de programas de Educação Infantil. Os autores encontraram
alguns elementos comuns que foram: a importância de liderança
política; a meta comum de combater o fracasso escolar nos
anos posteriores; a importância de tornar tais projetos parte de
reforma educacional mais ampla; a cooperação entre profissionais
e políticos e o aumento do ingresso das mães no mercado de
trabalho, que fez com que aumentassem as pressões para a
implementação de ações. As principais diferenças entre os estados
estiveram na forma de financiamento, no tipo de implementação
(gradual x súbita), como o programa foi administrado e grau de
programas de apoio.
Os autores sugerem que os governos que planejam
expandir ou melhorar os programas existentes atentem para
cinco pontos que parecem importantes: vincular o programa a
um pacote de reforma educacional mais ampla; definir que as
crianças alvo sejam aquelas que não estão se desenvolvendo e
que podem se constituir em crianças de risco para o processo de
escolarização posterior; que seja estabelecida a priori uma fonte
de financiamento (que de preferência não seja de verba desviada
de programas assistenciais públicos pré-existentes); previsão
para estratégias de transporte; criação de fontes de informação
e ênfase na qualidade do programa (envolvendo, por exemplo,
pessoal certificado e um bom currículo).
Thompson et al (1996) apontaram entre outros, os
seguintes traços para identificar um programa como exemplar:
1) equipe com uma base de valores e filosofia compartilhada
por todos; 2) uso de abordagens variadas para apoiar classes
inclusivas; 3) fundos criativos e flexíveis de financiamento via

junqueira&marin editores 55
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

relações interagências; 4) existência de uma rede interligada


dos programas que oferecem serviços de cuidado à criança na
comunidade; 5) programas centrados nas crianças com práticas
de alta qualidade; 6) suporte para todos os envolvidos; 7)
equipe funcionando de forma colaborativa, mas com cada uma
desenvolvimento seu papel e tarefas e 6) tomada de decisões é
guiada pela família e os serviços são a ela direcionados.
Emrelaçãoà pesquisa sobreo impacto dos programas
de inclusão na Educação Infantil, existem vários trabalhos de
revisões abrangentes de estudos (por exemplo, STRAIN, 1990;
ODOM & MCEVOY, 1990; BUISSE & BAILEY, 1993; NISBET,
1994; LIPSKY & GARTNER, 1997; ODOM & DIAMOND,
1998; LOWENTHAL, 1999; ODOM, 2000 e 2002).
Nisbet (1994) revisou 25 anos de pesquisa sobre
inclusão na pré-escola e concluiu que: a) efeitos positivos
favoráveis para programas inclusivos foram encontrados
no desenvolvimento da competência social e das interações
sociais (principalmente quanto ao tempo de permanência de
engajamento em brincadeiras, taxa de verbalizações e frequência
de interações positivas com os colegas); b) efeitos positivos
foram encontrados também em outros tipos de desempenhos,
tais como uma sofisticação maior nas habilidades de brincar; c)
não foram encontradas diferenças em medidas padronizadas de
desenvolvimento e inteligência quando comparados programas
inclusivos e não inclusivos e d) não foram encontrados impactos
negativos sobre os colegas sem necessidades educacionais
especiais.
Odom (2000 e 2002) analisou os resultados de um
projeto continuado de inclusão na pré-escola, desenvolvido no
Early Childhood Research Institute on Inclusion, e concluiu que seus
achados comprovam os resultados de outros estudos quando
indicam que as crianças com necessidades educacionais especiais
tendem a ter benefícios no desenvolvimento e na socialização
quando estão em programas inclusivos; a atitude dos colegas
pode ser positivamente afetada e que nem todas as experiências
nesses programas podem ser positivas para crianças (tanto
típicas quanto com necessidades educacionais especiais) e, por
isso, é necessário monitorar constantemente os impactos dos
programas inclusivos.
Sailor (2002), no relato de um estudo sobre uma

56 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

revisão abrangente das pesquisas sobre a inclusão nos EUA,


concluiu que a inclusão na Educação Infantil traz benefícios nos
relacionamentos sociais; podendo ser viabilizada por meio de
adequações curriculares, ensino colaborativo, envolvimento da
família, participação da comunidade, e que, além disso, é menos
custosa do que os programas segregados. Quanto aos benefícios
na socialização, as evidências apontam que o engajamento social é
maior em ambientes inclusivos; e, se não for, é possível melhorar
as habilidades sociais de crianças com deficiências e minimizar
casos de isolamento social por meio de intervenções específicas
ou de práticas que preveem a construção de interações sociais
como parte do currículo. As adaptações necessárias neste nível
educacional consistem em adequações de materiais e atividades
com o intuito de favorecer a participação de crianças com
necessidades educacionais especiais e podem ser facilmente
adotadas. O ensino colaborativo, envolvendo professores da
educação regular e especial aliada ao envolvimento das famílias e
da comunidade, produz resultados mais positivos.
Em resumo, os estudos sobre o impacto da
inclusão indicam que a participação e pertinência da criança
com necessidades educacionais especiais é a variável chave e ela
depende de atividades específicas que são dirigidas ou mediadas
pelo professor. Assim, os professores precisam considerar que a
deficiência é apenas mais uma das características que compõem
a diversidade na escola.
Os cuidadores e os prestadores de serviços devem
perseguir as metas individualizadas estabelecidas para as crianças
com necessidades educacionais especiais. As crianças pequenas
e os ambientes em que elas se inserem mudam rapidamente e,
por isso, as metas necessitam de um constante monitoramento
e ajustamento. Individualização não significa restringir a
intervenção somente à criança, mas também aplicá-la às interações
com as famílias. As famílias são frequentemente diferentes umas
das outras em termos de estrutura, funcionamento, expectativas
com relação à criança, recursos e suportes disponíveis, história e
experiências.
A maioria das intervenções com crianças pequenas
devem ser feitas durante as brincadeiras ou em outras rotinas e
atividades, serem distribuídas ao longo das atividades e ocorrerem
quando elas são contextualizadas adequadamente (HORN et al,

junqueira&marin editores 57
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

2002).
Assim, constata-se que ocorrem aprendizagem e
desenvolvimento por meio da participação em ambientes mais
desenvolvidos e esse tem sido um dos principais argumentos
utilizados para apoiar programas inclusivos na Educação Infantil.
Ambientes inclusivos podem favorecer o desenvolvimento das
crianças por oferecer um meio mais estimulador (cognitivamente,
socialmente e linguisticamente) do que ambientes segregados. Os
estudos indicam ainda que, com suporte necessário e apropriado,
as crianças pequenas com necessidades educacionais especiais
podem adquirir habilidades complexas e participar com sucesso
de ambientes inclusivos.
Embora o sucesso de programas inclusivos na
Educação Infantil já tenha sido comprovado na literatura, no
Brasil, essas práticas e consequentemente as pesquisas sobre
o tema são escassas. No caso da Educação Infantil, apenas
recentemente e especificamente a partir da promulgação da LDB
de 1996, este nível de ensino passou a ser garantido como um
direito das crianças pequenas. Em decorrência destes dispositivos
legais, as creches passaram a se tornar parte do sistema de
Educação Básica.
A previsão de serviços de Educação Infantil para a
população com necessidades educacionais especiais aparece no
artigo 58, do capítulo V da LDB/96. Tal artigo restringe-se a
afirmar que o atendimento à população infantil seria de zero a seis
anos em creches e pré-escolas. Entretanto, ainda parece escasso
o processo de atenção a essa população nessa faixa etária, sendo
que uma política de educação inclusiva poderia caminhar no
sentido da universalização, num momento onde há uma bandeira
mais ampla no país, que defende a ampliação das oportunidades
educacionais na Educação Infantil para todas as crianças.
Assim, diante do contexto atual da realidade do
nosso sistema educacional, elegemos como objeto de estudo a
temática da inclusão escolar, circunscrita ao nível da Educação
Infantil, especificamente nas creches. Direcionamos, então, nosso
objetivo para conhecer a forma como os educadores de creche
estão trabalhando em turmas nas quais existem crianças com
necessidades educacionais especiais inseridas, sendo atendidas
juntamente com os demais alunos de sua mesma faixa etária.

58 junqueira&marin editores
Capítulo 5
Inclusão marco zero: começando pelas creches

No Brasil, as primeiras creches foram criadas com


a finalidade filantrópica de acolher os filhos de mães solteiras,
abandonadas, viúvas, etc. Zanconato (1996) relatou que como a
passagem da economia do setor agrário para o industrial resultou
em mudanças na estrutura social e teve como consequência a
necessidade de ampliação da rede escolar e das creches para que
as mulheres trabalhadoras conciliassem as tarefas produtivas
com as tarefas domésticas.
Desde esse início, já se questionava a validade
da creche, pois preocupava a crença de que a ausência da
relação afetiva mãe-criança acarretaria sérios prejuízos ao
desenvolvimento mental, físico e social da criança, e, além
disso, incutia culpa na mãe pelo fato de não poder cumprir a
missão de criar seu rebento. Em virtude dessas críticas, houve
uma preocupação inicial em substituir a mãe em seu papel de
cuidadora, sem se preocupar com o aspecto educacional que
poderiam ter as creches (ZANCONATO, 1996, p. 40).
Na década de 60, as pesquisas procuraram
demonstrar que além de não prejudicar as crianças, as creches
poderiam oferecer a oportunidade de suprir algumas experiências

junqueira&marin editores 59
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

necessárias às crianças da classe economicamente desfavorecida.


Segundo Zanconato (1996), a creche passou então a ser vista
como um local privilegiado para compensar deficiências
biopsicoculturais em relação ao padrão da criança da classe
média.
Campos (1985) apontou que em decorrência dessa
“teoria da privação cultural”, a qual tinha como pressuposto que
as crianças de camadas mais populares enfrentariam condições
precárias, surgiram as propostas de “educação compensatória”.
Kramer (1994) considerou que esse discurso não modificou a
prática, mas reforçou a crença na “inferioridade” da cultura e da
família das crianças de camadas menos abastadas, bem como dos
próprios profissionais que trabalham com elas.
Zanconato (1996) relatou que na década de 70,
a creche era reivindicada como um direito das mulheres
trabalhadoras; e, em 1975, a Organização das Nações Unidas
(ONU) decretou o Ano Internacional da Mulher, e surgiram no
Brasil os núcleos de organização feministas como o Clube de
Mães. No ano de 1979, foi oficialmente criado o “Movimento de
Luta por Creches”, como resolução do “Primeiro Congresso da
Mulher Paulista”. Contudo, as creches construídas pelo estado
ainda eram destinadas somente à população de baixa renda
e tinham como propósito o combate à miséria, a assistência e
guarda das crianças de famílias pobres, prevalecendo, portanto, a
perspectiva assistencial.
Foi na Constituição Brasileira de 1988 que apareceu
pela primeira vez a função de educação e o cuidado com a
criança pequena como direitos específicos da criança, e não da
família, e como um dever do Estado. A LDB, no Inciso IV do
artigo 4o, afirmou que o dever do Estado com a educação escolar
pública deveria ser efetivado mediante a garantia de atendimento
gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos
de idade10 (BRASIL, 1996). E definiu, também no Inciso V do
artigo 11, como competência dos municípios oferecer Educação
Infantil em creches e pré-escolas e, com prioridade, o Ensino
Fundamental; permitida a atuação em outros níveis de ensino
somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades
de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais
mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e
desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1996, p. 6).

60 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Em decorrência destes dispositivos legais, as creches


tornaram-se parte do sistema de Educação Básica. Contudo, a
LDB (BRASIL, 1996) não estabeleceu a Educação Infantil como
sendo de oferta obrigatória.
A LDB (BRASIL, 1996) definiu ainda como
finalidade da Educação Infantil o desenvolvimento integral
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físicos,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade.
Haddad (1999) ponderou que reunir pré-escola
e sistema educacional enquanto uma extensão é negar a
especificidade da infância. No entanto, isso não significa que
a Educação Infantil não deve ter função educativa; deve sim,
mas não com a finalidade de ensino de disciplinas acadêmicas,
porque a infância possui características marcantes, como a
predominância da afetividade, da subjetividade, da magia, da
ludicidade, da poesia, da expressividade.
A autora também ressaltou a necessidade da
assistência para suprir as necessidades das crianças e seus
familiares, mas defendeu a adoção de uma concepção mais ampla
de cuidado infantil, que não se restringe às interações diretas e
imediatas com a criança, e sim, ao atendimento das necessidades
das famílias; e sugeriu a integração entre o cuidado e a Educação
Infantil, através de ações sociais e educacionais que se sobrepõem
às da família. Desta forma, ela advogou a criação de uma cultura
própria da Educação Infantil, na qual as duas funções sejam
contempladas.
Como ressaltou Kramer (1985):

[...] além da garantia do atendimento nutricional, de saúde


e da segurança, se reconhece a importância de existirem
determinadas condições de funcionamento, portanto, de
recursos materiais e humanos no sentido de propiciar o
desenvolvimento infantil. (KRAMER, 1985, p. 20 e 21)

Entretanto, no Brasil, de acordo com Campos


(1994), esses dois tipos de serviços (assistencial e educacional)
têm sido adotados por classes sociais distintas: as classes mais
favorecidas tendo acesso ao atendimento educacional, enquanto
que as classes menos favorecidas, o assistencial. Além disso, o

junqueira&marin editores 61
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

atendimento é fragmentado de acordo com a idade: para crianças


menores de três anos se prioriza os cuidados básicos; para
crianças maiores de três anos se prioriza as ações relativas ao
processo ensino-aprendizagem. Tal fato, segundo a autora, tem
alimentado, por um lado, a baixa qualificação de profissionais,
as péssimas condições de trabalho e de remuneração e maior
volume de serviços nos programas que atendem crianças de
zero a três anos. Por outro lado, observa-se maior qualificação
de profissionais, maior remuneração, horário de funcionamento
mais curto com recesso escolar e férias nos serviços para crianças
de três a seis anos de idade (HADDAD, 1999; CAMPOS, 1994).
Portanto, não é apenas o vínculo com a assistência
que deve ser revisto. É necessário que o sistema educacional
se reestruture para fazer valer uma concepção moderna de
Educação Infantil, que reconheça a amplitude e interconexão
das necessidades das crianças e suas famílias (HADDAD, 1999).
Caberia ressaltar ainda que a finalidade dupla da
Educação Infantil poderia ser um fator facilitador da inclusão
escolar, considerando que muitas de suas dificuldades de inserção
social emergem na medida em que se ampliam as demandas
acadêmicas. Nesse sentido, a inclusão escolar em creches poderia
viabilizar uma exposição gradual a essas demandas, o que a
médio e longo prazo poderia aumentar as probabilidades de
permanência e sucesso nos demais níveis educacionais.
Considerando que se encontra legalmente
estabelecido o direito dos alunos com necessidades especiais
de ingressar nas turmas comuns, inclusive de creches, seria
preciso, portanto, preparar o educador para recebê-los, e esse
preparo deveria estar sendo sistematizado nos cursos regulares
de formação. Entretanto, a recenticidade das ideias, tanto da
proposta de inclusão escolar quanto da ideia das creches fazerem
parte do sistema educaional, ainda não permitiu que fosse
produzido o conhecimento necessário para se saber como deve
ser a formação dos educadores de creches.
No caso específico da perspectiva da inclusão escolar,
aliteratura científica nacional temapontadoaescassezdepesquisas
avaliativas e propositivas (MENDES et al, 2003). Faltam estudos
sobre as condições de efetivação dos resultados da inclusão para
que se possa avaliar a variabilidade entre as diferentes condições
de incapacidade; a variabilidade intracategorias; os resultados nas

62 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

crianças com necessidades educacionais especiais (com medidas


multidimensionais); a perspectiva dos envolvidos da comunidade
escolar (especialmente o próprio portador de deficiência,
professores regulares e especializados e demais alunos); seus
efeitos na acessibilidade de recursos e serviços e nas atitudes e
preferências das famílias e alunos; entre outros aspectos.
Alguns estudos sobre inclusão na Educação Infantil
têm sido produzidos, tais como os de Peixoto (1983), Aranha
(1991), Silva (1991), Ribeiro (1997), Regen et al (1998), Andrade
(1999), Santos (2002).
Peixoto (1983) acompanhou o desenvolvimento e
adaptação de uma criança de quatro anos, portadora de Síndrome
de Down, durante dois anos, nos níveis equivalentes ao maternal
I e II e pré-escolar de uma escola regular e concluiu que além
dos esperados problemas de desenvolvimento motor, benefícios
foram encontrados no relacionamento social da criança e nas
atividades de vida diária.
Aranha (1991) investigou o processo de
desenvolvimento de relações sociais de duas crianças que
apresentavam pequeno atraso no desenvolvimento mental e
motor em uma pré-escola regular privada. Os dados revelaram
que as crianças com deficiência formaram relações estáveis com
as não deficientes; e que a diferença emergiu no ritmo de suas
aquisições e na intensidade dessas relações, havendo indícios de
que a ação da professora parece ter influenciado o ritmo dessas
aquisições.
Silva (1991) analisou o desenvolvimento social e
acadêmico de duas crianças pré-escolares com perfil psicótico,
matriculadas em uma creche da rede particular. Os dados
obtidos revelaram ganhos no desempenho acadêmico e
social diferenciados para as duas crianças e não foi observada
discriminação por parte das outras crianças, especialmente as
mais novas.
Ribeiro (1997) pesquisou o impacto do treinamento-
em-serviço feito com educadores de crianças com necessidades
educacionais especiais em creche e concluiu que o treinamento-
em-serviço proporcionou ampliação dos conhecimentos dos
educadores sobre o processo de integração da criança especial em
ambiente de creche, propiciando reflexão da prática educativa em
relaçãoàs atividades que valorizam o lúdicoenquanto instrumento

junqueira&marin editores 63
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

pedagógico. Os educadores modificaram seus comportamentos


em relação à criança especial, havendo uma maior maturidade
e segurança no desenvolvimento das atividades programadas e
a construção de novos conhecimentos teórico-metodológicos
necessários à mediação no seu trabalho de interação com todas
as crianças.
Andrade (1999) investigou o processo de integração
de criança portadora da Síndrome de Down na Educação
Infantil e concluiu que os profissionais apresentaram em seus
depoimentos posturas diferentes quanto ao tema, sendo que
alguns consideraram a inclusão inviável, pois além da falta de
formação específica para trabalhar com estas crianças, não se
dispunham a tal tarefa. Outros acreditavam na possibilidade
de desenvolvimento das crianças, mas seus preconceitos
determinaram suas relações de forma negativa.
Regen et al (1998) relataram uma experiência em
uma creche da cidade de São Paulo que atendia somente crianças
com necessidades educacionais especiais, mas que passou, a partir
de 1993, a admitir a matrícula de crianças sem deficiência. As
autoras relataram as várias dificuldades e dúvidas, mas também
os êxitos obtidos durante este processo de transformação.
Especificamente em relação ao papel das atendentes, as autoras
colocaram que:
[...] nesse tipo de atuação, em que todos os momentos da
rotina podem ser considerados como fatores que promovem a
estimulação, o papel das pajens era de importância primordial;
mas elas ainda necessitavam de supervisão técnica intensiva,
pois persistiam alguns problemas. (REGEN et al, 1998, p. 43)
Uma das alternativas encontradas para tentar
solucionar tal problema foi a implementação de reciclagens
mensais envolvendo temas, tais como educação, deficiência,
postura e relacionamento interpessoal e atividades, como
dinâmicas de grupo desenvolvidas por profissionais da creche
(psicóloga, fonoaudióloga, assistente social e fisioterapeuta). Aos
poucos as pajens foram sendo então sensibilizadas para que o
trabalho pudesse ser desenvolvido de uma forma mais adequada,
facilitando o surgimento do sentido de equipe (REGEN et al,
1998).
Santos (2002)¹¹,emseuprimeiroestudo,quantificoue

64 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

caracterizouapopulaçãode alunoscomnecessidades educacionais


especiais inseridas na rede municipal de Educação Infantil de
Juiz de Fora/MG. A autora identificou que aproximadamente
2% da população total (9295 crianças) da rede pública municipal
apresentavam algum tipo de necessidade educacional especial;
que 21% delas eram portadoras de deficiências; 59% se
encontravam acima da faixa etária correspondente à Educação
Infantil. A maioria das crianças identificadas foram classificadas
como portadoras de problemas de conduta e dificuldades de
aprendizagem.
Num segundo momento, realizou um estudo dentro
das salas de aula onde se encontravam cinco crianças com
deficiências. A autora constatou que as atividades predominantes
destinavam-se à aquisição de habilidades acadêmicas (matemática
e à leitura/escrita). O insucesso da criança especial na realização
da tarefa parecia ser interpretado pela professora como devido ao
problema da criança e não devido a sua dificuldade em ensiná-la. A
estratégia mais frequentemente utilizada foi a repetição exaustiva
das instruções verbais e as avaliações negativas do desempenho.
A preocupação com o produto se sobrepôs ao envolvimento
da criança na atividade. As professoras propunham à criança
especial atividades completamente diferentes das outras crianças.
A relação entre o aluno com necessidade educacional especial
e seu colega pareceu desigual, sendo que tal atitude parecia ser
consentida pela professora.
Enfim, a autora concluiu que o ambiente estudado
não acolheu qualquer tipo de diversidade no interior da sala de
aula e a atitude das professoras frente às crianças com dificuldades
reais era de exclusão, evidenciada pelas crenças negativas ou pelo
descrédito do professor no aluno com deficiência. A inserção
pareceu estar mais legitimada pelo discurso de que sua matrícula
é assegurada por lei do que pelo desejo da escola em recebê-la.
Tendo em vista objetivo de investigar a inserção de
crianças com necessidades educacionais especiais em creches,
iniciamos, em 2001, uma agenda de pesquisas, que foi inaugurada
com a realização de um estudo de levantamento com o intuito
de conhecer o perfil das crianças com necessidades educacionais
especiais inseridas nosistema municipal de educaçãodo município
de São Carlos. Os levantamentos foram efetuados em 48
unidades educacionais, sendo 12 creches municipais (SILVEIRA

junqueira&marin editores 65
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

et al, 2002), nas 25 Escolas Municipais de Educação Infantil -


EMEIs (MENDES et al, 2002a) e nas 11 Escolas Municipais de
Educação Básica - EMEBs (MENDES et al, 2002b).
Foram rastreados 1.196 alunos de 12 creches, 5.691
das 24 EMEIs e 3.705 de EMEBs, perfazendo um total de 10.592
crianças. Foram identificadas como alunos com necessidades
educacionais especiais, pelos diretores ou educadores das
unidades escolares, 207 crianças. O maior número de crianças
foi identificado em creches (102 ou 8,5% da população total
das creches); seguido pelo número em EMEBs (93 ou 2,5% da
população total das EMEBs), sendo que o menor número de
notificações foi encontrado nas EMEIs (62 crianças, ou 1% da
população total das EMEIs).
Assim, o resultado considerado mais intrigante foi
observado no subsistema de creches, que foi o que concentrou
a maior proporção de crianças notificadas. Os dados obtidos
neste levantamento preliminar apontaram para a importância de
uma investigação mais aprofundada no subsistema de creches,
considerando-se:
• A necessidade de delimitar o estudo para
melhor proceder à investigação do processo de
implementação de políticas públicas de inclusão
escolar no âmbito do município;
• A possibilidade de investigar uma estratégia de
implantação gradual, sistemática e planejada para a
pesquisa sobre inclusão escolar, estabelecendo um
marco zero para iniciar, que seria justamente a porta
de entrada de muitas crianças no sistema educacional;
• A possibilidade de prevenir, eliminar ou mesmo
minimizar as necessidades educacionais especiais
precocemente identificadas logo que a criança entra
no sistema educacional;
• O fato de este ser o subsistema onde foi
constatada a maior proporção de crianças notificadas,
o que automaticamente o tornou alvo prioritário da
investigação sobre a implementação da política de
inclusão escolar no município.
Os resultados acerca do perfil das 102 crianças de
zero a seis anos notificadas nas creches municipais evidenciaram

66 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

que os critérios usados pelos educadores e diretores de creches


para a identificação de crianças consideradas especiais de zero a
seis anos pareciam estar relacionados ao fato de serem meninos
(64 % das crianças identificadas), considerados como «crianças de
risco» (46,1%) e/ou por apresentarem problemas de socialização
(37%) e/ou linguagem (29%).
O estudo seguinte, de Rosa (2003), teve como
objetivo promover ações de formação continuada para
educadoras de creches, enfocando o uso de estratégias de
mediação ou facilitação de competências sociais e de linguagem
de crianças pequenas com necessidades educacionais especiais.
Foi, então, desenvolvido e avaliado um programa de formação
continuada, baseado em sugestões encontradas na literatura
sobre inclusão escolar em creches, tais como a proposta de
Keating (2001), e que envolveu sete módulos, com 10 encontros
de 3 horas de duração cada, para cerca de 90 educadoras das
creches. A avaliação das competências sociais e de linguagem
das crianças alvo, tendo como base o mesmo protocolo, mas,
segundo diferentes juízes (educadoras, pesquisador e um dos pais
ou responsáveis), evidenciou a natureza subjetiva e complexa dos
motivos que levam a notificação. De forma geral, a despeito das
queixas, as crianças foram avaliadas como apresentando a maioria
das habilidades sociais e de linguagem consideradas básicas e
houve diferenças significativas entre os julgamentos dos vários
avaliadores sobre uma mesma criança.
Em relação ao programa de formação continuada,
os dados qualitativos, baseados no relato das atendentes,
apontaram para a validade e importância, principalmente
do conteúdo abordado, da aplicabilidade do conhecimento
disseminado e das estratégias sugeridas. As participantes do
programa também relataram mudanças de percepção e em suas
atitudes em relação às crianças. Entretanto, os dados baseados
em medidas de desempenho se mostraram limitados para avaliar
o efeito do programa sobre as competências das atendentes e as
competências de socialização e linguagem das crianças.
Em resumo, o referido estudo apontou para a
importância da formação de educadoras para a construção de um
sistema de creches inclusivas e demonstrou o desafio que é, para
a pesquisa, ir além dos discursos dos educadores e tentar avaliar
os efeitos dos programas de formação continuada, baseada em

junqueira&marin editores 67
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

dados sobre a prática do professor na situação natural.


Concluídaessainvestigaçãosobreodesenvolvimento,
implementação e avaliação do programa de formação para as
educadoras das creches, novas questões surgiram. No conjunto,
os estudos pareciam apontar para a necessidade de produzir
conhecimento sobre como os educadores de creches lidam
no cotidiano com uma criança com necessidades educacionais
especiais em suas turmas.
Dessa preocupação, foram definidos os objetivos do
estudo, que deram origem ao presente livro, que foram:
• Descrever e analisar como os educadores
de creches desenvolvem seus trabalhos quando
alunos com necessidades educacionais especiais se
encontram inseridos em suas turmas;
• Identificar e descrever situações-problema e
práticas pedagógicas inclusivas vivenciadas pelos
educadores de classes inclusivas, que possam ser
úteis para se criar material didático em programas de
formação de professores.
Esperamos que a presente obra contribua para
produzir conhecimento científico sobre:
• Procedimentos que permitam gerar e gerenciar
informações que possam subsidiar a política de
inclusão escolar no âmbito do município;
• Estudar estratégias para a implantação gradual,
planejada e sistemática de políticas de inclusão
escolar;
• Gerar material didático para programas de
formação continuada de educadores de creches
tendo em vista a inclusão escolar, que seja baseado
em exemplos de práticas pedagógicas inclusivas e
resolução de situações-problema.

68 junqueira&marin editores
Capítulo 6
Conhecendo o contexto, a população alvo e
gerando indicadores

[...] mesmo quando diferenças na aparência física e em outros


aspectos biológicos [...] existem nestes casos, a relação sócio-
dinâmica entre grupos vinculados entre si, como estabelecidos
e marginais, são determinadas pela maneira como eles se
vinculam e não por qualquer uma das características possuídas
pelos grupos [...] . (ELIAS, 1994, p. 30-31)12

Este capítulo tem como objetivo abordar os passos


iniciais que poderiam ser dados para o planejamento de uma
política de inclusão escolar e que envolvem basicamente a
sistematização de dois conjuntos de informações: o contexto e a
população alvo.
Supondo que um determinado órgão de gestão tenha
interesse em iniciar uma política de inclusão escolar de alunos
com necessidades educacionais especiais a primeira coisa a fazer
poderia ser a recuperação da história, a fim de compreender
melhor sua dinâmica, de conhecer o que já foi feito e de poder
identificar quais tipos de intervenções seriam mais adequadas,
tendo em vista a configuração local, além de permitir antecipar
as barreiras e facilidades existentes.

junqueira&marin editores 69
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

A descrição do contexto pode ser obtida a partir


da leitura de documentos oficiais antigos, de livros escritos por
moradores da cidade, entrevistas com pessoas que trabalharam
na área, leitura de jornais antigos, etc. Enfim, esta etapa irá
requerer um trabalho de pesquisa, com busca e identificação
de documentos, leituras, entrevistas para descrever a história de
como aquela comunidade em particular equacionou a educação
de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais
naquele município. Seria recomendável que este trabalho fosse
um empreendimento coletivo, envolvendo representantes de
todos os setores (privados e públicos), profissionais, gestores,
pais e portadores de deficiências, a fim de que, desde o início,
a construção da política seja conduzida de forma participativa e
coletiva.
Esta etapa não requer necessariamente um trabalho
extensivo ou profundo de reconstrução histórica. A equipe
define as atividades que serão realizadas, distribui atividades
entre os membros e realiza um cronograma para o término da
etapa, que não precisa ser maior do que seis meses, a fim de não
perder o objetivo da transformação. Concluído este prazo, seria
conveniente compor um quadro sobre o contexto do estudo.
Que informações poderiam ser importantes de
serem coletadas:
• Levantamento dos programas e serviços
específicos e gerais que oferecem suporte para as
crianças e jovens com necessidades educacionais
especiais no município;
• Histórico de constituição cronológica da rede de
serviços;
• Dados estatísticos sobre a evolução de matrículas
e inscrições em serviços;
• Relação entre agências que prestam serviços, etc.
A seguir apresentamos, a título de exemplo, uma
breve descrição do contexto onde desenvolvemos a maioria dos
nossos estudos.

Conhecendo o contexto

Nossos estudos foram desenvolvidos numa rede

70 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

municipal de uma cidade de médio porte, do interior do estado


de São Paulo. Com uma população de aproximadamente 200
mil habitantes, não havia no município dados precisos sobre o
número de alunos com necessidades educacionais especiais.
Um documento de setembro de 1999, que continha
a descrição de diferentes programas e serviços feitas por ocasião
do “I Fórum Municipal de Educação Especial”, apontava
a existência de 570 matrículas de alunos com necessidades
educacionais especiais em serviços educacionais especializados
(Secretaria Municipal de Educação/NIPE, 1999).
A Secretaria Municipal de Educação assistia, em
sua rede de ensino, neste ano de 1999, 72 alunos portadores de
deficiências sensoriais (auditivos e visuais), estando a maioria
deles (72%) frequentando concomitantemente classes regulares
e classes de recursos. Esse contingente era atendido em três salas
de serviço de ensino especial, em funcionamento nas escolas
de Educação Infantil. Os demais estavam em regime de classes
especiais.
A Diretoria de Ensino da região de São Carlos,
vinculada à Secretaria Estadual de Educação, oferecia serviço de
Educação Especial nas escolas regulares públicas estaduais, por
meio de quatro classes de recursos, sendo atendidos 45 alunos
portadores de deficiência mental leve e três com deficiência visual.
Portanto, o acesso à escola pública estadual era basicamente
restrito ao atendimento complementar em classe de recurso,
além da frequência à classe regular.
Havia ainda no município três instituições que
funcionavam como escolas especiais, que eram organizações
não governamentais e entidades filantrópicas sem fins lucrativos.
A escola mantida pela “Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais de São Carlos”, criada em 1962, atendia 370
educandos portadores de deficiência mental. A “Associação de
Capacitação, Orientação e Desenvolvimento do Excepcional
- ACORDE”, criada em 1988, atendia 20 alunos adolescentes
e adultos com deficiência mental. A “Instituição de Educação
Especial Passo a Passo”, criada em 1995, atendia 15 alunos
adolescentes e adultos em programas de alfabetização e educação
para o trabalho.
Havia ainda uma escola privada que funcionava
como um centro de apoio majoritariamente para alunos com

junqueira&marin editores 71
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

necessidades educacionais especiais que frequentam escolas


regulares, a "Escola Paralelo - Espaço de Aprendizagem ", que
atendia 21 alunos.
Conforme se percebe através desse retrato da
situação educacional de crianças e jovens com necessidades
educacionais especiais no município, o sistema público de ensino
respondia apenas por 25% das vagas disponíveis, sendo que
esse atendimento, no sistema municipal e estadual, privilegiava
portadores de deficiências sensoriais (62%) e alguns portadores
de deficiência mental leve (38%) .
As instituições filantrópicas privadas respondiam por
75% das oportunidades educacionais ofertadas no município, o
que evidenciava a terceirização do atendimento, principalmente
em se tratando da educação de portadores de deficiência mental.
Destacava-se ainda a escassez de oportunidades educacionais:
havia apenas cerca de 570 vagas disponíveis para todos os
educandos com necessidades educacionais especiais no município.
Apesar da ausência de dados recentes sistematizados,
essa situação não parecia ter sofrido substancial mudança até
o final do ano 2000. Assim, a situação da Educação Especial
no município parecia não diferir do panorama nacional: havia
problemas, tais como oferta insuficiente, omissão do poder
público na prestação direta de serviço e a manutenção de um
sistema paralelo, privado e segregado de educação de crianças
e jovens com necessidades educacionais especiais (MENDES,
2000) .
Portanto, ao contrário do que já estabelecia a
legislação nacional, desde a Constituição Federal de 1988,
a prestação de serviços de Educação Especial era feita
basicamente em um sistema paralelo e segregado de ensino e
não preferencialmente no ensino regular público. Na medida em
que a filosofia da inclusão escolar tomou impulso no panorama
nacional, percebemos uma abertura do campo para um avanço
nas pesquisas sobre essa temática, particularmente no final da
década de 90.13
Assim, foi partir do final da década de 90 que
os pesquisadores nacionais puderam então aprofundar o
estudo sobre as perspectivas da política de inclusão escolar
no sistema educacional brasileiro. No caso específico deste
município, observamos que iniciativas do poder público, que
72 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

visavam implementar a política de inclusão escolar no sistema


educacional, começaram a surgir a partir do ano 2001, com a
mudança na gestão do município assumida por um novo partido.
A implementação desta política foi iniciada com a realização de
um curso de capacitação para sensibilizar todos os educadores da
rede para a questão da Educação Inclusiva.¹⁴
A partir de então começamos a nos interessar pelo
contexto do município e estabelecemos uma parceria com a
Secretaria Municipal de Educação, com o intuito de inaugurar
uma agenda de pesquisas sobre a política de inclusão escolar na
rede municipal de educação.
O que cabe destacar no contexto deste município é
que havia um longo histórico, de mais de 30 anos, de uma prática
que se baseava majoritariamente no encaminhamento de alunos
para provisões, que envolviam a segregação de alunos com
necessidades educacionais especiais. Além disso, era perceptível
o pouco envolvimento da escola pública, tanto da rede estadual
quanto da municipal, com a escolarização deste tipo de alunado.
Tal ausência do poder público parecia associada a
uma grande valorização pela comunidade do trabalho realizado
de uma escola das escolas especiais privadas, embora filantrópica
e sem fins lucrativos, que se fortalecera ao longo da história e que
dominava naquele momento o atendimento, na medida em que
absorvia o maior número de matrículas.
Assim, tendo em vista tal histórico e tradição,
parecia óbvio que o planejamento da política de inclusão escolar
deveria ser muito bem planejado, posto que havia uma longa
tradição de práticas que contrariavam o princípio da inclusão
escolar. Primeiramente, porque o número de matrículas era
muito pequeno, o que denunciava que o grande contingente da
população de crianças e jovens com necessidades educacionais
especiais ainda estava fora da escola. Em segundo lugar, dado
o histórico de descaso da escola pública, a comunidade havia
se organizado e criado instituições segregadas, que embora não
fossem públicas, contavam com financiamento do poder público
que possivelmente achava mais cômodo pagar para alguém fazer
do que assumir a responsabilidade pela educação dessa parcela
da população.
O que ficava claro neste contexto é que não
compensavacriticaras escolasespeciais oumesmosugerirmedidas

junqueira&marin editores 73
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

drásticas, tais como, por exemplo, a suspensão do financiamento,


pois isso iria agravar o problema principal que seria a questão da
falta de oportunidades educacionais no município para alunos
especiais. Assim, o foco prioritário da política naquele momento
deveria ser o aumento do número de matrículas no sistema
público e preferencialmente que essas novas matrículas fossem
de crianças ingressando em escolas ou creches comuns e mais
especificamente em classes ou turmas regulares.
Como nosso estudo estava voltado para a temática
da inclusão em creches, foi necessário aprofundar um pouco mais
a análise do contexto neste ambiente específico de assistência a
crianças pequenas.
A princípio caberia ressaltar que foi a partir da
promulgação da Constituição de 1988 e da LDB de 1996 que
este nível de ensino passou a ser garantido como um direito das
crianças pequenas. Em decorrência destes dispositivos legais,
as creches passaram a se tornar parte do sistema de Educação
Básica. No caso deste município, até o ano de 1999, as creches
municipais pertenciam à Secretaria de Promoção Social, que
contratava “pajens” como servidores na função de “serviços
gerais”, mediante concurso, para “cuidar” das crianças.
A partir de 1999, quando então a Secretaria de
Educação assumiu as creches, começaram as mudanças na
sistemática de gestão e na função da creche. Antes havia a
encarregada da creche, que era uma pessoa, com cargo de
confiança definido pelo prefeito, com formação majoritariamente
em nível de Ensino Fundamental. Após 1999, a meta passou a
ser dotar as creches com diretores, professores e pedagogos e
mudança na função do “cuidado”, em direção a promoção do
“cuidado e educação” de crianças pequenas. Entretanto, em
2001, ainda havia 98 pajens em atividade no sistema municipal.
A administração da época¹⁵, por meio da Secretaria
Municipal de Educação e Cultura, havia investido na formação
dos educadores, oferecendo-lhes meios para retornar aos
estudos; disponibilizando material para estudo; orientando os
locais que possuíam salas de suplência e tele salas; colocando
o roteiro de transporte escolar dos alunos da rede à disposição
dos educadores de forma que eles pudessem concluir o Ensino
Fundamental ou o Médio. Paralelamente, a Secretaria havia
oferecido aos educadores os seguintes cursos: “Musicalização
74 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Infantil”, “Uma teoria para rever a prática”, “Programa de


atendimento às crianças pequenas” e “Escola Inclusiva”.
As creches municipais localizavam-se nos bairros
periféricos da cidade e atendiam crianças, no geral, de mães
trabalhadoras (empregadas domésticas e, em menor número,
operárias de indústrias e comerciárias). Em função da demanda
ser superior a oferta de vagas, havia, então, um critério de
atendimento preferencial para crianças de família com renda per
capita de até meio salário mínimo.
A proposta da Secretaria de Educação para apoiar
crianças com necessidades educacionais especiais em creches
comuns envolvia dois programas, o programa de “Educação
Inclusiva” e o projeto “Criando Asas”. Entretanto, tais estudos
estavam sendo estruturados ao mesmo tempo em que nossos
estudos foram sendo conduzidos.
As crianças inseridas no “Programa de Educação
Inclusiva” estavam matriculadas em turmas comuns e eram
acompanhadas pela equipe de apoio de Educação Especial da
Secretaria de Educação, formada na época por três professores
especialistas que visitavam as unidades onde as crianças estivessem
inseridas para oferecer serviços de apoio. Na época, a equipe de
três professoras prestava serviço itinerante e eram responsáveis
pelo apoio a todas as unidades das creches, escolas de educação
infantil e também de ensino fundamental.
O outro projeto denominava-se “Criando Asas” e
era desenvolvido com a parceria de três secretarias municipais
(Cidadania e Assistência Social, Saúde e Educação) e tinha
como objetivo oferecer estimulação psicossocial centrada no
lúdico, para crianças de zero a seis anos de idade portadoras de
deficiência. O serviço envolvia atendimento direto às crianças
selecionadas segundo critérios previamente estabelecidos¹⁶ por
educadores que visitavam periodicamente as unidades. O projeto
era desenvolvido em quatro núcleos ou creches. As crianças
indicadas eram retiradas de suas turmas para atendimento
individualizado baseado em atividades lúdicas.
Em 2002, o censo escolar apontava que a rede de
creches municipais contabilizava um total de 1.589 matrículas,
das quais 819 (51,5%) estavam no sistema municipal. Entretanto,
não havia no município dados precisos sobre os alunos com
necessidades educacionais especiais em nenhum dos níveis de
junqueira&marin editores 75
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

ensino.
Este era o contexto quando iniciamos o estudo e nos
propomos inicialmenteainvestigareacontribuircomaconstrução
da política daquele município. O primeiro desafio enfrentado foi
a falta de informações precisas sobre o número de alunos com
necessidades educacionais especiais na rede municipal. Nossa
meta passou a ser então realizar um levantamento para identificar
e caracterizar o perfil de nossa população de interesse: as crianças
pequenas com necessidades educacionais especiais.

Identificando alunos com necessidades educacionais especiais


em creches

Naquela época, vários pesquisadores alertavam para


a necessidade dos sistemas começarem pelo mapeamento da
situação local, a fim de traçar o perfil do alunado e diagnosticar
o conjunto das necessidades educacionais para poder aperfeiçoar
suas políticas (ARANHA, 2000; CARVALHO, 1998). Entretanto,
ainda hoje vemos uma falta generalizada de informações precisas,
de censos ou de indicadores que permitam avaliar se de fato
a política de inclusão escolar está definitivamente saindo dos
discursos e dos documentos e chegando as escolas.
Ainda que o número de matrículas não seja um
indicador preciso do sucesso das ações políticas (porque além
do acesso a escola, há que se garantir também a permanência
e o sucesso) este se mostra como uma informação primordial
para que se possa gerenciar a evolução das políticas de inclusão
escolar.
Assim nos deparamos com a necessidade de ter que
contar e caracterizar os alunos com necessidades educacionais
especiais que se encontravam naquele momento, na rede. Nossos
primeiros estudos visaram, então, identificar e caracterizar os
alunos com “necessidades educacionais especiais” inseridos na
rede pública municipal de ensino. Mas como fazer isso sem uma
definição precisa do conceito de “necessidades educacionais
especiais”?
Em nosso país, as diretrizes políticas gerais são
definidas pelo Ministério da Educação, e na atualidade existe uma
coerência forte em relação ao princípio de inclusão escolar de

76 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

alunos com necessidades educacionais especiais, e isso pode ser


comprovado no conjunto de documentos legais e norteadores
da política do MEC. Entretanto, as diretrizes não são nada
claras quando se trata de definir o conceito de “necessidades
educacionais especiais” e de se adotar critérios a partir dos quais
eles possam ser identificados. Em decorrência desta falta de
diretrizes políticas, cada estado e cada municipalidade definem
seus próprios critérios, o que resulta numa dificuldade, inclusive
em avaliar as políticas num nível mais abrangente e de se fazer
comparações.
A literatura da área, por outro lado, também
indica que não existe uma definição consensual do conceito de
“necessidades educacionais especiais”, e há um grande dissenso
sobre os critérios a partir dos quais os educandos possam
ser identificados. A grande divergência tem se centrado na
questão de restringir a população à definição mais clássica que
envolve crianças com quadros comprovados de deficiências,
superdotação ou distúrbios severos de conduta, ou uma definição
mais abrangente que englobe qualquer criança que tenha, ou que
esteja em risco de ter problemas temporários ou permanentes
em seu processo de escolarização.
Assim, muitos países têm adotado definições próprias
e adotado critérios pragmáticos, que lhes permitem ampliar ou
diminuir o número de alunos com necessidades educacionais
especiais na conveniência dos recursos que eles estão dispostos
a despender com a oferta de serviços de suporte. Há inclusive
na literatura uma controvérsia sobre a necessidade e utilidade de
se identificar alunos como especiais, tendo em vista os efeitos
negativos da rotulação, do estigma e da discriminação.
Entretanto, há que se ressaltar que a falta de
identificação formal não impede que informalmente os alunos
sejam identificados, rotulados, estigmatizados e discriminados.
Por outro lado, a não identificação neutraliza a diferença e, além
disso, impede que serviços de suportes possam ser oferecidos,
ficando esses alunos sujeitos a condições iguais, porém não
equiparáveis, o que em longo prazo irá prejudicar seu processo
de desenvolvimento em ambientes regulares.
Assim, nos deparamos com a necessidade de
conduzir a identificação dos alunos; e, tendo em vista as
dificuldades teóricas e práticas ligadas a esta tarefa, optamos por

junqueira&marin editores 77
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

fazer uma identificação a partir da ótica do pessoal das escolas


e creches. Desta forma, pudemos produzir dados sem precisar
de procedimentos sofisticados com recursos não disponíveis
naquele contexto e com procedimentos que poderiam ser
utilizados em qualquer contexto.
Dentro desta perspectiva, efetuamos, no ano de
2001, três levantamentos, dos quais um ocorreu nas 12 creches
municipais (SILVEIRA et al, 2002), o outro nas 25 Escolas
Municipais de Educação Infantil - EMEIs (MENDES et al,
2002a) e o último nas 11 Escolas Municipais de Educação Básica
- EMEBs (MENDES et al, 2002b). Dois anos depois, realizamos
um novo levantamento especificamente nas creches, a fim de
efetuar comparações entre os dois levantamentos.
Ao longo destes estudos, fomos aperfeiçoando
nossos procedimentos de coleta e análise de dados, que apesar
disso continuam sendo simples e fáceis de serem aplicados. A
seguir iremos descrever como coletamos e analisamos os dados.

Procedimentos de identificação

Nosso procedimento tem como base relato de


educadores e não questionamos se eles têm ou não competência
para isso. Partimos do princípio que este olhar deles sobre o que
é a “diferença” em seus alunos é primordial, mas consideramos
imprescindível que a participação deles no levantamento seja
voluntária.
A fim de envolvê-los neste compromisso de levantar
os dados, usualmente seguimos alguns passos, a saber:
1) Reunião com a participação de todas as diretoras
de unidades, Coordenadoras dos níveis (Educação Infantil
e Ensino Fundamental) e assessoria de Educação Especial da
Secretaria de Educação, na qual é explicado todo projeto eé
explicitado o caráter voluntário da participação;
2) Por meio da Secretaria de Educação é obtida uma
relação com os nomes e endereços das unidades e os nomes de
suas respectivas diretoras;
3) A seguir um contato por telefone é feito com cada
diretora para consultar sobre a disponibilidade pessoal delas para
participar do estudo de levantamento. Quando há anuência, é
agendada uma data para a primeira visita;

78 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

4) São feitas as visitas conforme agendado


anteriormente as unidades a fim de realizar o levantamento dos
alunos com necessidades educacionais especiais. Nesta primeira
visita, é entregue uma carta de apresentação à diretora com uma
descrição de como será realizado o levantamento. Em seguida, é
solicitada a análise detalhada do instrumento;
5) A diretora é novamente consultada sobre sua
disponibilidade e, quando há anuência, é assinado um termo de
consentimento livre e esclarecido;
6) Quando a diretora recomenda que o levantamento
seja feito diretamente com outros educadores, os mesmos
procedimentos de explanação do projeto, consulta sobre a
disponibilidade e assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido, são conduzidos;
7) Após os esclarecimentos é iniciado o processo
de identificação das crianças com necessidades educacionais
especiais pela diretora e/ou educadoras, no caso da diretora
afirmar não ser capaz fornecer tais informações;
8) Após os dados serem analisados fazemos uma
apresentação aos diretores e encaminhamos relatórios à Secretaria
de Educação do município.
As informações são coletadas segundo um
instrumento simples, que vem sendo aperfeiçoado ao longo dos
nossos estudos e que será apresentado a seguir.

O instrumento de identificação
O instrumento apresentado é uma versão que vem
sendo aperfeiçoada desde 2001; é composto por um manual
explicativo e por uma ficha a ser preenchida. A primeira instrução
oferecida pode ser lida no Quadro I, descrito abaixo.
Quadro I – Instruções Iniciais
Nosso objetivo consiste em identificar se há nesta creche "crianças com
necessidades educacionais especiais". Definimos como crianças com necessidades
especiais aquelas que: Apresentam necessidades consideradas próprias e diferentes
das demais crianças e que, por isso, requerem recursos pedagógicos e metodológicos
educacionais específicos para aprenderem.
Podem ser consideradas crianças com necessidades educacionais especiais, por
exemplo, aquelas que são portadores de deficiências ou outras limitações, cujas
limitações tenham implicações educacionais, as com distúrbios de condutas ou ainda
junqueira&marin editores 79
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

limitações tenham implicações educacionais, as com distúrbios de condutas ou ainda


as talentosas ou superdotadas .

Considerando tal definição, tente identificar os alunos que você considera que
tenham necessidades educacionais especiais em sua creche ou turma. Temos interesse
em identificar justamente aquelas crianças com as quais você está preocupado(a).
Assim, preencha a ficha mesmo que você suspeite, mas não tenha certeza sobre o fato
da criança ser ou não um aluno com necessidades educacionais especiais .

A definição de necessidades educacionais especiais


engloba propositadamente tanto uma definição mais restrita
e tradicional quanto à possibilidade de identificar uma criança
que não se enquadre na população tradicional, ficando a decisão
de indicação nas mãos do educador. Eventualmente quando
eles descrevem alguma criança, pedem opinião, mas sempre a
informação é ele quem deve decidir, pois é quem conhece mais
a criança .
A ficha de identificação pode ser preenchida pelo
pesquisador ou pelo próprio educador, de acordo com as
respostas dadas pelo informante.
A primeira parte do instrumento é para a coleta
de dados de identificação. Nesta parte, são coletados dados
objetivos sobre filiação, endereço, idade, sexo e informações
sobre a escolarização (nível/turma e período). Nesta parte, ao
informante é demandado que preencha todos os campos do
protocolo, não deixando nenhum deles em branco.
No campo a seguir, são solicitadas informações sobre
os atendimentos especializados (médicos, terapias especializadas,
etc) . A função do informante é descrever aqui se a creche tem
ou não conhecimento sobre se a criança recebe algum tipo de
atendimento. Em caso afirmativo, ele deve especificar quais são
esses atendimentos. Finalizada esta primeira parte, é solicitado
que o informante dê sugestões sobre o tipo de encaminhamento
que ele acha que a criança deveria receber, especificando o tipo de
serviço ou profissional e o nível de urgência para o atendimento
em questão.
A segunda parte do protocolo solicita uma descrição
espontânea por parte do educador do porquê ele considera que
80 junqueira &marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

a criança notificada tenha necessidades educacionais especiais.


A questão que aparece é: Quais as características te levaram a concluir
que a criança tem necessidades educacionais especiais? O informante é
orientado a descrever livremente neste campo as características
que mais lhe chamam a atenção, que o preocupam e que o fazem
pensar que a criança notificada deveria receber mais apoio do
que a creche ou escola normalmente oferece.
O campo a seguir pede descrições sobre diferentes
aspectos da criança. Este campo não existia nas primeiras versões
do instrumento e foi introduzido posteriormente, tendo sido suas
categorias deduzidas dos dados que normalmente os educadores
escreviam na descrição espontânea. Nessa parte, o interesse
consiste em induzir o informante a prestar informações sobre
a existência de problemas de saúde, de desenvolvimento, com
a especificação e descrição das áreas (socialização, linguagem/
comunicação: motricidade, cognição/inteligência, autocuidados
nas habilidades de vida diária), familiares, potencialidades e
talentos e se apresenta quadros de deficiências ou limitações
conhecidas.
No último campo, de preenchimento opcional, com
uma questão residual aberta para o caso do informante desejar
descrever alguma característica importante da criança, que ainda
não foi contemplada nos itens anteriores.
Finalizado o instrumento, é solicitado que o
informante preencha seu nome e descreva sua função na creche,
que date e assine o protocolo. Os modelos do manual e do
protocolo encontram-se em anexo no final deste capítulo.

Analisando os dados

A primeira forma de analisar os dados é meramente


quantitativa e esta baseada nas questões fechadas. A partir dos
dados de identificação, construímos tabelas com a distribuição
do número de crianças segundo a unidade, o sexo, faixas
etárias, presença ou ausência de suportes de atendimentos
especializados, etc. Podemos ainda introduzir nesta parte outros
dados de interesse, tais como raça, religião, local de nascimento
e outras informações que julgarmos interessantes a fim de
identificar possíveis variáveis que se tornam viéses no processo
de identificação.

junqueira&marin editores 81
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Uma segunda forma de análise que realizamos é


quanti-qualitativa, baseada nos relatos espontâneos dados as
questões abertas. A fim de analisar tais dados, fomos construindo
categorias a partir dos agrupamentos embasados nos próprios
relatos coletados ao longo dos anos. O Quadro II apresentado
em anexo contém o sistema de categorização que utilizamos para
tratar os dados dos relatos dos educadores às questões abertas.
As descrições espontâneas são, então, recortadas
em unidades, sendo cada unidade classificada de acordo com o
conteúdo, nas categorias e subcategorias descritas. Desta forma,
tem sido possível gerar informações de natureza quantitativa.

Para que servem estes dados?

As utilidades desses dados têm sido variadas, entre


as quais destacaremos:
1) Subsidiar a tomada de decisões sobre os
caminhos para futuras pesquisas;
2) Gerar indicadores para o acompanhamento de
políticas.

1) Utilizando os dados para subsidiar a tomada de decisões sobre


os caminhos para futuras pesquisas

A primeira utilidade dos dados é gerar informações


sobre a população alvo das políticas de inclusão. Em nossos
primeiros estudos, por exemplo, rastreamos, por meio de visitas
e entrevistas com diretores e educadores, 1.196 crianças de
creches, 6.435 de escolas de Educação Infantil (EMEIs) e 3.705
de escolas de Ensino Fundamental (EMEBs), perfazendo um
total de 48 unidades escolares e 10.592 crianças.
Tivemos como resultado a notificação de 207
crianças (1,9% do total das crianças) pelos diretores e/ou
professores das unidades, que estavam, em 2001, frequentando
classes comuns da rede municipal. Constatamos que o maior
número de crianças foi identificado em creches (102 ou 8,5%);
seguido pelo número em EMEBs (93 ou 2,5%), sendo que o

82 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

menor número de notificações foi encontrado nas EMEIs, (62


crianças ou 1%).
Posteriormente desenvolvemos um banco de dados
com o cadastro de todas as crianças notificadas, com a finalidade
de produzir indicadores que possibilitassem acompanhar o
futuro da política de inclusão no âmbito do sistema municipal
(MENDES & CHIMETTO, 2002). O banco de dados, com
um formulário baseado no protocolo, permite inserir dados de
acompanhamento, no caso de uma mesma criança ser indicada
por vários educadores ao longo de sua vida escolar.
Os dados gerados neste primeiro levantamento
nos auxiliaram a tomar decisões sobre que caminhos seguir na
pesquisa para contribuir com a construção da política de inclusão
escolar naquele município. As evidências consideradas mais
intrigantes neste primeiro levantamento, por exemplo, foram
observadas no subsistema de creches, que foi o que concentrou
a maior proporção de crianças notificadas. De modo geral, os
dados obtidos apontaram a importância de uma investigação mais
aprofundada no subsistema de creches. Os dados também nos
permitiram constatar que as principais queixas dos educadores de
creches, referentes às crianças, estavam relacionadas a problemas
de socialização e linguagem. Visando intervir no problema
identificado foi realizado um estudo (ROSA, 2003) que teve
como objetivo promover ações de formação continuada para 90
educadoras de creches, sobre o uso de estratégias de mediação
ou facilitação de competências sociais e de linguagem de crianças
pequenas.

2) Gerando indicadores para o acompanhamento de políticas

Para ilustrar esta utilidade, vamos mostrar dados


comparativos de levantamentos feitos em dois momentos: em
2001 e 2003, quando replicamos o levantamento em cinco das
quatorze creches municipais. O número de crianças por creche
variou de 64 a 144, e foram triadas no total de 480 crianças em
2003.
A Tabela 1 apresenta os resultados do levantamento
efetuado em 2001 e 2003, apontando o número total de crianças
em cada creche, o número de crianças notificadas e a proporção

junqueira&marin editores 83
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

obtida de crianças notificadas nas cinco creches.


Comparando os resultados dos dois levantamentos,
percebemos primeiramente que houve uma diminuiçãodo número
total de crianças atendidas em cada uma das unidades investigadas
e que corresponde a uma diminuição de aproximadamente 18%
no número total de alunos atendidos pelo conjunto das cinco
creches.
Segundo informações provenientes do censo
escolar, o número de matrículas nas creches do sistema público
domunicípio, nos anos de 2001, 2002 e 2003, foi respectivamente
de 1.196, 1.589 e 1.880 crianças. Assim, a diminuição observada
no número de matrículas nas creches estudadas não pode ser
explicada pela diminuição do acesso, porque houve um aumento
no número total de matrículas na rede municipal de creches
entre 2001 e 2003. A diminuição poderia ser atribuída a uma
redistribuição de parte das crianças entre duas novas creches
municipais que foram criadas no período. Além disso, entre 2001
e 2003, houve mudança no critério da faixa etária máxima para
permanecer na creche, que antes era de seis anos e que, a partir
de 2002, passou a ser de cinco anos.
Das 43 crianças notificadas em 2001 , nas cinco
creches em questão, apenas duas continuavam ainda sendo
atendidas nas creches, sendo que as demais provavelmente
ingressaram nas escolas de Educação Infantil. Entretanto, ambas
as crianças tinham faixa etária compatível com o critério de cinco
anos de idade.

Tabela 1. Número de crianças identificadas como alunos com


necessidades educacionais especiais em 5 creches de um sistema
municipal de educação, nos anos 2001 e 2003 .
Creches 2001 2003

Nº total N° de crianças % Nº total N° de crianças %


de identificadas de identificadas
alunos alunos

I 151 20 13,2 144 14 9,7

II 86 2 2,3 72 4 5,5
III 136 12 8,8 120 3 2,5
IV 97 4 4,1 64 1 1,5
V 118 4 3,4 80 8 10,0
Total 588 43 7,1 480 30 6,25

84 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Em relação à proporção do número de crianças


identificadas, percebemos uma diminuição em quatro das seis
creches e um aumento na proporção para as outras duas restantes.
No total, constatamos uma ligeira diminuição na proporção
de alunos notificados, de 7,1% para 6,25%, comparando-se os
levantamentos efetuados nos anos de 2001 e 2003. Portanto, pela
amostra observada, podemos deduzir que não houve aumento
de matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais
no período.
Outro tipo de dado que pode ser analisado é o da
distribuição do número proporcional de crianças identificadas,
em 2001 e 2003, segundo determinadas variáveis, tais como a
faixa etária ou o sexo. A Figura 1 permite comparar, por exemplo,
a distribuição do número de crianças notificadas nos dois anos
em relação às faixas etárias.
Percebemos, então, que, em 2001, as creches ainda
absorviam crianças na faixa etária entre cinco e seis anos, mas
que, no ano de 2003, a idade máxima encontrada foi de cinco.
Em ambos os levantamentos, as evidências se confirmam
indicando que as crianças de creches, cuja idade varia de zero a
cinco anos, são mais identificadas como alunos com necessidades
educacionais especiais na faixa etária entre três a quatro anos. Em
posse desta informação, um foco maior pode ser dado a esta
faixa etária específica.

Figura 1. Distribuição do número de crianças identificadas


como especiais, em cinco creches municipais, segundo a faixa
etária.

junqueira&marin editores 85
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

3 ) Subsidiando a tomada de decisões políticas

Os dados de levantamentos também podem servir


para tomada de decisões políticas. A Figura 2 apresenta o número
de crianças identificadas nos dois estudos de levantamento (2001
e 2003), com idade entre zero a cinco anos, na amostra das
cinco creches (I, II, III, IV e V) . Neste caso, a fim de obter uma
comparação mais precisa dos dados quantitativos, foi efetuada
a exclusão dos estudos das crianças com idade superior a cinco
anos identificadas em 2001, a fim de tornar mais equiparáveis as
amostras .

Esta análise permite identificar que, em pelo menos


três creches (I, III e IV) , houve um aumento no número de
crianças identificadas, a despeito da diminuição no número
total de crianças atendidas em todas as creches. As evidências
produzidas no estudo de 2001 indicam que não há relação entre
o tamanho da creche e a proporção de alunos identificados ; mas
sugerem que a proporção de crianças identificadas é maior em
determinados tipos de bairros, que são os mais periféricos, com
população mais pobre, que foram constituídos mais recentemente
e que absorvem o crescimento demográfico decorrente de
populações migrantes. Tal análise permite identificar aquelas onde
a notificação é maior, o que indica a necessidade de aprofundar o
estudo para compreender o significado de tais indicadores.

Figura 2. Número de crianças identificadas como especiais nos


dois estudos de levantamento (2001 e 2003), nas cinco creches (I,
II, III, IV e V) , com base na percepção de diretores e educadores.
identificadas
crianças

20
°de
n

15

10
2001

2003
5

0
IV V
creches

86 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

A análise da distribuição das crianças notificadas,


segundo o gênero, também tem produzido algumas evidências
intrigantes e que aparecem nos dois levantamentos, que é a
questão da super-representação de crianças do sexo masculino.
A Figura 3 apresenta a proporção de crianças do sexo masculino
e feminino nos dois estudos.

Figura 3. Proporção de crianças identificadas como especiais,


nos dois estudos de levantamento (2001 e 2003), segundo o
gênero.
100
frequencia

80

60
(%
)

2001
40
2003

20

0
masculino feminino

sexo

Percebemos que praticamente se manteve um viés


em relação à identificação de crianças do sexo masculino, na
proporção de 2/3 de meninos contra 1/3 de meninas, indicando
que os meninos parecem mais vulneráveis a notificação do que
as meninas.
Aanálisedas características das crianças, citadas como
justificativas para a identificação das crianças com necessidades
educacionais especiais, também oferece informações que
permitem identificar focos prioritários de intervenções (segundo
o sistema descrito em anexo); foi computada a distribuição do
número de crianças notificadas em cada categoria e subcategoria.
A Tabela 2 apresenta o número de crianças enquadradas em
cada uma das categorias das características das 102 crianças
identificadas no estudo de 2001 (que corresponde aos dados
de 12 creches) e das 30 crianças identificadas em 2003 (que
corresponde a cinco creches rastreadas). Como o número de
creches rastreadas nos dois estudos é diferente, os dados foram
junqueira&marin editores 87
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

transformados em porcentagens a fim de permitir a comparação.


Assim, percebemos que a maioria das queixas ou
características relacionadas às crianças identificadas, na percepção
de educadores e diretoras de creches, está relacionada a problemas
no desenvolvimento. Na categoria problemas de desenvolvimento, as
duas subcategorias que mais se destacaram por apresentar maior
número de queixas foram a Socialização e a Linguagem.
Outros motivos que parecem levar à identificação
seria a percepção de que a criança apresenta necessidade de
cuidados especializados, ou de sintomas de doenças e/ou presença
de fatores orgânicos de risco. Além disso, o conhecimento do
fato da criança estar recebendo algum tipo de atendimento
especializado também parece servir como justificativa para a
identificação.
Em resumo, as características mais descritas pelas
educadoras e diretoras sobre as crianças identificadas foram
problemas de desenvolvimento na área de socialização (por
exemplo, agressividade, isolamento, etc), linguagem (por exemplo,
ausência ou dificuldade na fala, atraso, etc.) e a presença de fatores
familiares e sociais que afetam adversamente o desenvolvimento
da criança (por exemplo, prisão de um dos pais).

Tabela 2: Frequência das crianças de creches identificadas como


alunos especiais, segundo as categorias de queixas/ características
relatadas pelas atendentes ou diretoras, nos estudos de 2001 e
2003 .
Categorias das queixas/características das 2001 2003
crianças identificadas
N % N(42) %
(102)
1. Necessidade de cuidados especializados 14 13,5 10 24

19 18,5 18 43
2. Sintomas de doenças e/ou presença de
fatores orgânicos de risco
7 7 14 33,5
3. Atendimento especializado de apoio
4. Problemas de desenvolvimento 38 37,5 16 38

psicossocial 30 29,5 17 40,5



Socialização
11 11 14 33,5

Linguagem
• Motricidade 4 4 11 26


Cognição/Inteligência 0 0 11 26
• Autocuidados
• Emocionais 1 1 0 0

88 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

5. Problemas familiares 9 9 4 9,5



pobreza extrema/miséria 4 4 1 2,5
• maus tratos
2 2 1 2,5

desemprego
• deficiência na família 2 2 1 2,5

doença crônica na família 2 2 0 0
• alcoolismo
7 7 0 0

drogadição
11 11 0 0

6. Potencialidades/Interesses e Talentos 0 0 1 2,5

especiais 2 2 0 0

Habilidades esportivas
3 3 0 0
• Criatividade

Inteligência 1 1 0 0
• Memória 3 3 0 0

Percepção

Conclusão

Apesar da dificuldade com os procedimentos de


identificação da população-alvo das políticas de inclusão escolar,
optamos por adotar um critério bem elástico e embasado na
perspectiva do sistema educacional. Assim, todas as crianças sob a
suspeita dos educadores seriam cadastradas, independentemente
de portarem ou não condições objetivas relacionadas, por
exemplo, de deficiências. Não nos preocupamos nesse momento
em submeter os indicados a processos mais elaborados de
avaliação para aferir o julgamento dos educadores, primeiramente
porque faltam, no Brasil e no município em questão, serviços
abrangentes de diagnóstico para essa finalidade. Partimos do
princípio de que, se a escola vê um determinado aluno como
"diferente ”, as diferenças podem ser construídas e/ou acentuadas
socialmente ao longo do processo de escolarização.
Assim, constatamos que a proporção de alunos
notificados pelos educadores e diretores de creches, em nossos
dois estudos, pouco mudou entre 2001 a 2003 e praticamente
se manteve constante, em torno de 6 a 7% da população total,
o que parece ser um primeiro indício de que a política em
questão, envolvendo programas de capacitação e programas
de intervenção proporcionados no período, parece ter alterado
pouco o processo de notificação.
Marchesi e Martín (1995) consideram que a
proporção esperada de alunos que precisam de serviços de apoio
junqueira&marin editores 89
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

ou de ensino especializado varia de 2 a 20%, dependendo dos


critérios de elegibilidade. A proporção é menor se os critérios
de definição são mais restritos aos casos de “deficiências”
permanentes, por exemplo, ou maior se for adotado o conceito
mais abrangente de “necessidades educacionais especiais”.
Em nossos dois estudos, ainda que pudesse
ser esperada uma superidentificação em virtude da possível
influência dos fatores subjetivos de diferentes educadores, a
proporção encontrada não foi a máxima prevista de 20%, o que
poderia indicar que as diferenças nessa faixa etária sejam menos
perceptíveis, ou que os educadores de creche são mais criteriosos
e cuidadosos com a notificação, ou ainda que eles sejam
menos habilidosos para identificar crianças com necessidades
educacionais especiais.
Analisando as queixas e problemas apontados pelos
educadores nos dois levantamentos, percebemos que as crianças
identificadas não são, na grande maioria dos casos, portadores
de deficiências ou crianças com diferenças de maior visibilidade,
o que indica que a proporção de alunos notificados nesta faixa
etária está subestimada, considerando-se que ainda predomina
a falta de acesso de crianças portadoras de deficiências mais
visíveis nas crechesPalfry do município.(1987)
et al realizaram um estudo nos EUA,
de
com uma amostra 1.700 crianças matriculadas em programas
de Educação Especial, com idade até seis anos e constataram que
apenas 16% destas crianças foram identificadas antes dos três
anos de idade, e também que apenas 29% foram identificadas
antes dos cinco anos de idade. A identificação precoce, ou na
faixa de zero a três anos era facilitada quando a criança era
portadora de alguma síndrome conhecida, ou se tinha algum
problema crônico de saúde. Entretanto, os resultados do estudo
indicaram que a maioria das crianças apresentava apenas um
atraso no desenvolvimento, sem um indicador mais claro que
facilitasse a identificação, e que permitisse a intervenção o mais
precocemente possível.
Em um trabalho mais recente Scarborough et al
(2004) realizaram nos EUA um estudo longitudinal de amplitude
nacional em programas de Intervenção Precoce, no qual
investigaram uma amostra de 3.338 crianças de zero a três anos,
que ingressaram pela primeira vez nos referidos serviços, durante

90 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

um ano (setembro de 1997 a novembro de 1998), e constaram


que 62% foram consideradas elegíveis por apresentarem atraso
no desenvolvimento; 22%, por terem condições clinicamente
diagnosticadas e 17%, por condições orgânicas e/ou ambientais
que as colocavam em riso de atraso no desenvolvimento. Os
autores constataram que as crianças com diagnóstico clínico e
aquelas com fatores médicos e ambientais considerados de risco
ingressavam mais cedo nos programas de intervenção precoce
do que as que apresentavam apenas o atraso no desenvolvimento.
Os dados relacionados à faixa etária da população de
creche, que vai de zero aos cinco anos no presente estudo, indicam
que há uma proporção maior na identificação de crianças na faixa
etária entre três a quatro anos, o que reforça a possibilidade de
que a identificação é tardia, principalmente pelo fato das crianças
não terem indicadores de maior visibilidade, como seria o caso
de um quadro de deficiência, doença crônica ou síndrome.
Em 2001, foi constatado que além de problemas
relacionados a “fatores familiares e sociais” (36% dos casos), os
problemas de desenvolvimento na área de “socialização” e na
“linguagem”foramosmaiscitadospeloseducadorescomomotivos
para a identificação (37% e 29% dos casos, respectivamente). Em
2003, tanto os “fatores sociais ou familiares” (40% dos casos)
bem como os problemas de “socialização” (53%) e “linguagem”
(57% dos casos) também foram os mais citados. Scarborough et
al (2004) também encontraram que a razão mais frequente para a
elegibilidade nos programas de Intervenção Precoce, que atingiu
39% da população elegível, foram os atrasos no desenvolvimento
da fala, linguagem ou comunicação.
Os dois principais critérios de elegibilidade para
programas educacionais especializados de intervenção com
crianças pequenas têm sido a presença de um diagnóstico
confirmado de uma condição reconhecidamente de alto risco
para o desenvolvimento da criança e/ou a presença de atraso em
uma ou mais áreas de desenvolvimento (cognição, socialização,
comunicação, motora social/emocional e adaptativa). No caso
das crianças que apresentam unicamente a condição de atraso
no desenvolvimento, os fatores que parecem especialmente
críticos, enquanto preditores de necessidades educacionais
especiais futuras, seriam: a pobre qualidade do ambiente familiar,
problemas de saúde, problemas comportamentais e nível

junqueira&marin editores 91
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

socioeconômico baixo (LA PARO; OLSEN & PIANTA, 2002;


SCARBOROUGH et al, 2004).
Em relação ao sexo, constatamos que a maioria das
crianças identificadas, em 2001, era do sexo masculino (64%)
e, em 2003, não foi diferente, pois 70% da população indicada
era composta por meninos. Scarborough et al (2004) também
encontraram uma representação desproporcional de meninos
em programas de intervenção precoce (60%) e a razão principal
para a elegibilidade deles era o atraso no desenvolvimento (64%
dos meninos). Os autores pontuam que embora essa super-
representação continue em idades mais avançadas na população
da Educação Especial, tais achados em idade tão precoce
parecem indicar que uma maior vulnerabilidade dos meninos
aparece desde a mais tenra infância.
Outra evidência foi que o número de crianças
identificadas é maior nas creches localizadas em bairros mais
periféricos da cidade, que atendem uma população mais
carente, com alto número de crianças consideradas de risco
(que apresentam riscos biológicos – baixo peso ao nascimento,
pequeno para idade gestacional; problemas respiratórios no
nascimento; infecções; histórico pré-natal de mães com abuso de
drogas, álcool ou cigarro, etc, associado ou não a fatores de riscos
ambientais, tais como drogadição, mãe adolescente, desemprego
dos pais, separação familiar, etc).
Park, Turnbull e Turnbull (2002) realizaram um
estudo de revisão de literatura sobre os impactos da pobreza em
cinco dimensões da qualidade de vida de famílias de crianças com
deficiência, incluindo: a) saúde; b) produtividade; c) ambiente
físico; d) bem-estar emocional; e) interação familiar. Os autores
relataram evidências de uma relação crescente entre pobreza e
risco de deficiência na infância; e apontaram que, por se tratar
de uma questão multifacetada e que, portanto, apresenta impacto
sobre diversos domínios da qualidade de vida das famílias, seriam
necessárias medidas políticas e práticas mais abrangentes para
lidar com o impacto da pobreza nessas famílias. Nesse sentido,
políticas educacionais que visam a inclusão escolar isoladas terão
provavelmente pouco efeito se não estiverem acompanhadas de
outras políticas sociais mais efetivas e abrangentes.
Na tentativa de aprofundar a análise da capacidade
dos educadores para notificar, foi feito um estudo adicional

92 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

com o intuito de realizar um seguimento das 104 crianças


identificadas nas creches em 2001, no sistema municipal de
educação, em questão, para averiguar se, passados dois anos,
elas continuariam ou não sendo notificadas como alunos com
necessidades educacionais especiais pelos seus professores atuais
(CHIMETTO, 2004)17.
O primeiro passo envolveu a localização das 104
crianças notificadas por meio de contato com as diretoras das
creches que elas frequentavam em 2001. Das 104 crianças, 28%
não foram localizadas; das 72% restantes, 10,6% continuaram
nas creches; 41,3% estavam em escolas municipais de Educação
Infantil; 11,5% encontravam- se em escolas municipais de Ensino
Fundamental; 7,7% estavam em escolas estudais do município e
0,96% frequentavam escola especial.
O segundo passo do estudo envolveu a busca dessas
crianças no sistema educacional e a coleta de informações sobre
sua situação atual por meio do preenchimento do protocolo de
registro de caracterização das crianças. Foi possível coletar dados
de 44 crianças (42,3% do total), sendo que 59% eram meninos e
41% meninas. Das 44 crianças acompanhadas, constatamos que
16 foram novamente indicadas como alunos com necessidades
educacionais especiais pelos educadores atuais (36,5%). Os
principais motivos para a indicação apontados pelas educadoras,
em 2001, foram praticamente repetidos em 2003: problemas
relativos à família, saúde, socialização e linguagem.
A partir dos dados desse último estudo, foi possível
verificar que o destino da maior parte das crianças identificadas
nas creches como alunos com necessidades educacionais especiais
foram as escolas regulares municipais de Educação Infantil. Tais
resultados sugeriam a necessidade de uma intervenção mais
planejada na Educação Infantil, iniciando pelas creches, para que
as dificuldades pudesem ser minimizadas e para que as crianças
possam avançar da melhor maneira possível no processo de
escolarização.
O estudo de seguimento indicou que, em
aproximadamente 1/3 dos casos de identificação precoce de
crianças com problemas desenvolvimentais por educadores
leigos, a notificação se manteve dois anos após, segundo a
perspectiva dos professores dos níveis educacionais posteriores
das crianças. Tal evidência parece indicar que educadores de
creche podem realizar o rastreamento e a detecção precoce de
crianças que requerem intervenções adicionais. E, se eles forem
mais bem treinados para isso, a identificação poderia ser mais
junqueira&marin editores 93
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

precisade
apoios,
e istode modo
poderiaa agilizarmanter otaisencaminhamentocriançasno
sistema
pararegular
a ofertae
prevenir o agravamento das necessidades educacionais especiais.

ANEXOS

CADASTRO DE IDENTIFICAÇÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES


EDUCACIONAIS ESPECIAIS

NOME DO ALUNO:
Filiação Pai:
Mãe:
Endereço
Idade Data de nascimento: Sexo:
Nível de escolaridade/turma: Período
( ) Matutino ( ) Vespertino
Professora responsável

Unidade escolar:

A escola tem conhecimento se a criança recebe algum tipo de atendimento ou apoio


especializado?
( )Sim ( ) Não ( ) Não sei
Em caso afirmativo, qual (is) e onde?
......................................................................................................................................................
......................................................................................................................................................
.....................................................................................................................................................
Sugestões de encaminhamento?:
......................................................................................................................................................
......................................................................................................................................................
......................................................................................................................................................
Quais as características que te levaram a concluir que a criança tem necessidades
educacionais especiais?
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
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94 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Descreva mais detalhadamente se a criança apresenta problemas nos seguintes aspectos:


a) Problemas de Saúde:

b) Problemas de Desenvolvimento Psicossocial:


1. Socialização:

2. Linguagem:

3. Motricidade:

4. Cognição/Inteligência:

5. Autocuidados:

Comente sobre os seguintes aspectos da criança:


Família:

Potencialidades, Interesses e Talentos Especiais : .

Deficiências e Limitações :

Se você tiver algum aspecto a mais para comentar sobre a criança, descreva abaixo:

Informante: (Professor / Diretor)

Assinatura :

Data:

junqueira&marin editores 95
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

IdentificaçãodeAlunoscomNecessidades EducacionaisEspeciais

MANUAL PARA PREENCHIMENTO DOS CADASTROS DE


IDENTIFICAÇÃO

Nosso objetivo consiste em identificar se há nesta


creche “crianças com necessidades educacionais especiais”.
Definimos como crianças com necessidades especiais aquelas
que:

Apresentam necessidades consideradas próprias e


diferentes das demais crianças e que, por isso, requerem
recursos pedagógicos e metodológicos educacionais
específicos para aprenderem.

Podem ser consideradas crianças com necessidades


educacionais especiais, por exemplo, aquelas que são portadores
de deficiências ou outras limitações, cujas limitações tenham
implicações educacionais, as com distúrbios de condutas ou
ainda as talentosas ou superdotadas.
Considerando tal definição, tente identificar os
alunos que você considera que tenham necessidades educacionais
especiais em sua creche ou turma. Preencha a ficha mesmo que
você suspeite, mas não tenha certeza sobre o fato da criança ser
ou não um aluno com necessidades educacionais especiais.
Temos interesse em identificar justamente aquelas
crianças com as quais você está preocupado(a).
A seguir preencha uma ficha de identificação para
cada aluno identificado.

Instruções para o preenchimento

1. As fichas a serem preenchidas contêm, na


primeira parte, os dados de identificação da criança. Não deixe
de preencher nenhum dos campos.
2. Em seguida, virá uma questão aberta solicitando
informações sobre os motivos pelos quais você considera que
a criança tenha necessidades educacionais especiais. Descreva
livremente neste campo as características da criança que mais
lhe chamam a atenção, que te preocupam e que te fazem pensar
96 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

que tal criança deveria receber mais apoio do que a creche


normalmente oferece.
3. No campo a seguir, são solicitadas informações
sobre os atendimentos especializados (médicos, terapias
especializadas, etc) que a criança recebe. Assinale se a creche
tem ou não conhecimento se a criança recebe algum tipo de
atendimento. Em caso afirmativo, especifique quais são os
atendimentos que ela recebe. Finalize dando sugestões sobre o
tipo de encaminhamento que você acha que a criança deveria
receber, especificando o tipo de serviço ou profissional, e se você
considera que seja um caso de urgência para o atendimento em
questão.
4. O campo seguinte é de preenchimento optativo.
Interessa-nos saber mais detalhes sobre a criança e, por isso,
pedimos que sejam prestadas informações sobre a existência de:
• Problemas de saúde: tais como queixas de
dores, olhos lacrimejantes e avermelhados; nariz escorrendo,
internações frequentes; otite crônica; sonolência, convulsão,
anemia, toma medicamentos diários; doenças, etc).
• Problemas de desenvolvimento: descreva os
tipos de problemas, se são frequentes ou ocasionais e especifique
as áreas, a saber:

- área de socialização: agressividade; dependência excessiva


de colegas ou de adultos; isolamento; ansiedade; timidez;
desobediência; inabilidade para interagir com os colegas;
indisciplina; rebeldia; etc).
- área de linguagem/comunicação: dificuldade, ausência
ou atraso na fala, fala incompreensível, vocabulário pobre,
gagueira, etc.
- área da motricidade: dificuldade para andar; ausência de
marcha; dificuldade em manter postura sentada; hiperatividade;
falta de mobilidade dos braços ou mãos; desequilíbrio ou
insegurança em atividades motoras amplas (correr, andar de
bicicleta, motoca, patinete, patins, etc); paralisia de membros;
etc.
- cognição/inteligência: dificuldade em compreender
instruções, em compreender fala, com as regras de jogos e
brinquedos, em discriminar (cores, formas, avesso/direito de
roupa, etc), montar quebra-cabeças, etc.

junqueira&marin editores 97
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

autocuidados nas habilidades de vida diária: dificuldade em


usar o banheiro (faz xixi ou cocô nas calças), em fazer atividades
de higiene (lavar mãos e rosto, se limpar no banheiro, limpar o
nariz, etc), em atividades de vestuários (vestir, despir roupas),
em atividades de alimentação (rejeita alimentos importantes,
dificuldades em comer sozinho, etc) .
Descreva os problemas nas respectivas áreas e no caso de você
não ter identificado aspectos problemáticos nos diferentes
itens, escreva nos campos “nada a declarar".

5. O campo a seguir solicita informações sobre


a família da criança. Descreva em linhas gerais qual é a sua
percepção sobre a família da criança. Se é ou não responsiva as
necessidades da criança e se estabelece uma boa interação com
a creche. Especifique se há, na sua opinião, uma composição
familiar problemática, abuso de drogas pelos pais ou parentes
que moram junto; extrema pobreza ou miséria, maus tratos
e negligência para com a criança; casos de doença crônica na
família, casos de portadores de deficiências, etc.
6. No próximo campo, nos interessa averiguar
quais são as potencialidades, talentos e interesses da criança.
Especifique se a criança tem uma inteligência que você considera
muito acima da média, se tem habilidades extraordinárias e
interesses no campo da música, dança, esportes, desenho e/ou
pintura, criatividade, memória, etc.
Especifique também se ela apresenta deficiências
ou limitações, especificando de que natureza elas são, caso você
tenha conhecimento. Procure preencher todos os campos e, se
não houver informações consideradas relevantes, escreva "nada
a declarar" .
7. Finalmente há um último campo, de
preenchimento opcional, para o caso de você ainda desejar
descrever alguma característica importante da criança, que ainda
não foi contemplada nos itens anteriores.
8. Preencha o nome do informante, sua função na
creche, date e assine.

Agradecemos imensamente sua participação neste estudo e nos


comprometemos a divulgar os resultados assim que o estudo for concluído.

98 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Sistema de Categorização das características relatadas pelas


professoras e diretoras
CATEGORIAS QUEIXAS / CARACTERÍSTICAS
SUBCATEGORIAS

1) PROBLEMAS
SAÚDE (PS) DE Referência à presença de fatores orgânicos de riscos conhecidos na
história de vida da criança, ou à necessidade de cuidados especializados
da área médica e psicológica, ou ainda a sintomas de doenças.
Presença de fatores Exemplos de relatos: “baixa oxigenação do cérebro”; “suspeita de
orgânicos de riscos tentativa de aborto”; “prematuridade”; “problemas no parto”; “fora do
conhecidos na história de peso”; “problemas de crescimento - baixo para a idade”; “pequeno para
vida da criança a idade gestacional”; “desnutrição”; “uso de cigarro pela mãe durante a
gestação”.
Necessidade de cuidados Exemplos de relatos: “necessidade de acompanhamento psicológico”;
especializados da área “precisa de psicóloga e neuropediatra”; “falta de atendimento médico”.
médica e psicológica
Sintomas de doenças Exemplos de relatos: “dores de cabeça”; “olhos lacrimejantes e
avermelhados”; “nariz escorrendo líquido/água”; “movimento de
balanço para frente e para trás”; “o médico disse que pode ser autista”;
“internações frequentes”; “portadora dos vírus HIV”; “otite crônica”;
“sonolento”; “convulsão”; “não tem controle fisiológico”; “anemia”;
“descalcificação óssea”; “medicação: Gardenal diariamente e
antibióticos”; “medicamentos: sulfato ferroso e Supervit”; “suspeita de
portar o vírus HIV”.
2) DEFICIÊNCIAS (D) Referências às características típicas de quadros de deficiência, ou ao
recebimento de atendimento especializado de apoio na área de
reabilitação ou ainda ao uso de recursos assistivos.
Física / Motora (DF) Exemplos de relatos: “má formação congênita”; “dificuldade de andar”;
“problemas de coordenação motora”; “problemas de locomoção”; “falta
de mobilidade dos braços”; “não tem equilíbrio constante”; “dificuldade
motora”; “não mexe o lado esquerdo”; “anda mal”; “usa bengala”; “não
senta sozinho”; “paralisia cerebral”; “mielomeningocele”.
Visual (DV) Exemplos de relatos: “não enxerga direito”; “dificuldades de
visualização”.
Auditiva (DA) Exemplos de relatos: “utiliza aparelho auditivo”; “não responde ao ser
chamado pelo nome”.
Cognitiva / Mental (DM) Exemplos de relatos: “problemas na compreensão de instruções”;
“problema mental”; “atraso em relação à idade”; “atrasada para idade”.
Múltipla (DMu) Associação de dois tipos de deficiência (por exemplo, física e visual).
Autismo (AU) Somente quando houver diagnóstico fechado.

junqueira&marin editores 99
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Autismo (AU) Somente quando houver diagnóstico fechado.


3) PROBLEMAS DE Referência aos problemas de comportamento internalizantes ou
COMPORTAMENTO externalizantes, de socialização ou de conduta.
(PC)

Internalizantes (PCI) Disforia, retraimento, medo e ansiedade .


Emocionais Exemplos de relatos: “isolamento ”; “ansiedade – hiperatividade,
inquietação, agitação, irritação ”; “desinteresse”; “carente "; "pouco
envolvimento nas rodas de conversa, brincadeiras, jogos educativos,
parque " ; "não fala com estranhos ” ; “não conversava ou respondia à
professora, demorou mais ou menos 2 meses ” ; “ só conversava com
crianças ”; “para idade ele é muito quieto ”; “depressão devido à morte da
mãe"

Externalizantes (PCE) Comportamentos marcados por hiperatividade, impulsividade, oposição,


Socialização agressão , desvio e manifestações antissociais.
Problemas de conduta Exemplos de relatos : “reclama dos colegas "; "agressivo ”;
"agressividade”; “desatenção ”; “distraída”; “pede atenção ”;
“desobediência ”; “não segue instruções ”; “não participa de atividades
em grupo ” ; “não tem limites ”; “não aceita ser disciplinado ”; “chora”;
"problemas de comportamento ”; “é muito rebelde , agressivo ” ; “era
preguiçoso, ficou mais ” ; “tornou-se mal educado ” ; “vive correndo, não
para na sala " ; "muito agressivo, tira sangue”.
4) PROBLEMAS DE Referências a problemas de compreensão e expressão por meio da fala.
LINGUAGEM (L) Exemplos de relatos : “não fala ”; “fala mal ” ; “dificuldade de falar "; " a

criança fala com dificuldade ”; “ atraso na linguagem ”; “não fala nada” ;


"necessidade de acompanhamento de uma fonoaudióloga” ; “dificilmente
alguém entende o que ele diz "; "dificuldade de dicção ”; “gagueira ”; “faz
sinais para se comunicar "; "ansiedade ao comunicar oralmente”;
"dificuldade para se comunicar".
5) DIFICULDADES DE Referências às dificuldades nas realizações das atividades escolares" ;
APRENDIZAGEM “pouco envolvimento e desenvolvimento nas atividades escolares”; “não
(AP) participa de atividades ”; “muito lenta nas atividades ”; “não acompanha
as atividades " , etc.

6) FATORES SÓCIO- Referências aos familiares, às condições de moradia ou a problemas que


FAMILIARES (FA) afetam a família do estudante.

6.a.) Fatores protetivos Referências positivas sobre práticas educativas e condições familiares.
(FAP)

6.b. ) Fatores negativos Referências a presença de fatores familiares e sociais que afetam
(FAN) negativamente o aluno , ou relatos de casos de abuso de substâncias,
desemprego, violência doméstica, pobreza, orfandade, deficiências ou
doenças crônicas de familiares .

100 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Presença de fatores " mãe grávida ” ; “ mãe casou- se logo em seguida ao falecimento do pai e
familiares e sociais que está grávida"; "desordem na relação pais-criança ” ; “separação entre
afetam a criança irmãos " ; " adoção” ; “pai faleceu"; " separação pais-criança";
" abandono "; "pais separados ” ; “mãe adolescente ” ; “mãe solteira” ; “pais
já estiveram presos várias vezes ”; “pais estão presos ” ; “ mãe
desaparecida ” ; “mãe tem problemas de saúde ”; “ ele veio do orfanato, é
adotado" .

Drogas "pai apresenta problemas com drogas " ; "tios drogados".


Pobreza "poucos recursos ”; “condições de moradia com pouca infra-estrutura";
" condições precárias de moradia e higiene ”; “morava na chácara sem
saneamento e energia"; "pobreza e falta de higiene ” ; “situação precária".
Alcoolismo "pai alcoólatra”; “tios alcoólatras "; " avó vive bêbada".
Maus tratos “mãe espanca criança ”; “suspeita de abuso sexual ”; “pai abusou
sexualmente" .

Doença na família "pais falecidos por HIV” ; “mãe portadora do vírus HIV" .
Deficiência na família "pai com deficiência física nos pés ” ; “três tios são atendidos na APAE”.
Desemprego "pai desempregado " .

7) TALENTOS / ALTAS Referências a capacidades e habilidades com domínio acima da média


HABILIDADES E para a idade nas habilidades intelectuais, de percepção (visual, auditiva,
etc), artística, criatividade, memória, ainda de potencialidades ou pontos
POTENCIALIDADES fortes do aluno.

8) OUTROS Qualquer relato que não se enquadre nas categorias anteriores.

junqueira&marin editores 101


Capítulo 7
O que pensam os educadores de creche sobre a
inclusão escolar?

Primeira preocupação... a gente se sente despreparado para trabalhar com


essa criança... A preocupação maior é o despreparo e o medo de errar
com essa criança... Primeira coisa que bateu em mim, quanto na maioria
foi insegurança de falhar, meu medo é falhar. Insegurança... (Fala da
educadora B)
As atitudes dos educadores são essenciais para o
sucessodainserção de uma criança comnecessidades educacionais
especiais na turma, pois dela vai depender posteriormente a
aceitação da criança pelo grupo, que irá se manifestar por meio
dos intercâmbios sociais positivos. Neste processo, o educador
é o grande modelo para seus alunos, e ele também é o principal
mediador das interações entre crianças com ou sem necessidades
educacionais especiais.
O’Donoghue e Chalmers (2000) pressupõem que
ocorre um processo sociopsicológico quase que padrão na
forma como os educadores do ensino comum passam a lidar
com suas classes, quando nela entram alunos com necessidades
educacionais especiais. Eles partem do princípio de que:
a) Os professores não costumam realizar grandes

junqueira&marin editores 103


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

modificações nos métodos de ensino e em conteúdos


curriculares;
b) Quando ocorrem mudanças, elas tendem a ser
baseada nas práticas de ensino já existentes, ou seja,
adaptando- se aspectos seletivamente da prática
usual;
c) Essa " adaptação seletiva" ocorre em etapas.

Considerando que Ο processo de " adaptação


seletiva" muda ao longo do tempo, os autores postulam haver
uma primeira etapa, que seria de " recepção”, quando o professor
se depara pela primeira vez com um aluno especial. Daí ele vai
começar a reunir informações para em seguida tentar arranjá-las.
Uma vez que eles se considerem esclarecidos, iniciaria
o que eles chamam de fase da “aceitação ”, na qual o professor irá
analisar as implicações deste novo fato. A grande questão que ele
vai se colocar é em que a inserção deste aluno em sua turma vai
implicar em seu trabalho.
Em seguida, inicia-se a fase do "compromisso" por
meio do qual o professor forma uma opinião consistente sobre
inclusão, a qual justifica seu engajamento ou não nas diversas
ações e interações.
O "Ajustamento", a próxima fase, para esses autores,
seria a categoria central da adaptação seletiva, pois é ao redor
dela que todas as outras categorias estão integradas.
A quinta e última categoria, “avaliação”, consiste em
duas categorias maiores: de apreciação e julgamento. É aí que o
professor vai rever suas posições, pesar prós e contras, fazendo
um balanço e uma tomada de posição.
Uma das formas de checar essas pressuposições e
compreender o que pensam os educadores de creches sobre a
questão da inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais em suas turmas, seria conversar com eles. Com este
intuito nós desenvolvemos um estudo baseado em entrevistas
individuais, utilizando um roteiro construído tomando como
base a teoria da adaptação seletiva para derivarmos as questões.
A seguir vamos apresentar alguns aspectos metodológicos do
estudo que fizemos.
104 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

As educadoras entrevistadas

Nosso primeiro passo foi obter a anuência da


Secretaria Municipal de Educação, e depois efetuamos uma
reunião com todas as diretoras das creches, ocasião na qual o
projeto foi explicado. A partir daí, conseguimos três diretoras
que consentiram que sua unidade participasse do estudo.
As três creches que foram denominadas como
CI, CII e CIII , a fim de garantir o anonimato. Todas seguiam
basicamente as mesmas rotinas com um período para a recepção
das crianças e períodos intercalados de atividades e cuidados
(alimentação, higiene, troca de roupa) até o momento da saída.
As divisões das turmas obedeciam ao critério da faixa etária, com
mudanças de acordo com a idade, tendo os níveis de berçário e
jardim. As atividades variavam em função da faixa etária.
Após a obtenção do consentimento dos diretores,
passamos a primeira etapa do estudo, que tinha como objetivo
obter a caracterização das crianças identificadas como especiais
na perspectiva das educadoras e/ou diretoras. A partir da
identificação e do preenchimento do cadastro referente a cada
uma das crianças identificadas¹8, foram efetuadas identificações
até preencher o número previamente delimitado de doze
educadores, que era a nossa meta. O critério de participação
era que a educadora tivesse pelo menos uma criança que ela
considerasse especial em sua turma.
O Quadro II apresenta a descrição das características
das educadoras que participaram das entrevistas. A idade das
educadoras, todas do sexo feminino, variou de 28 a 53 anos, com
idade média de 40.5 anos. O tempo de experiência em serviço
variou de três a doze anos.
Em relação ao nível de escolaridade, constatamos
que a maioria (7/12) tinha ensino médio completo, sendo que
duas tinham formação em magistério (E e J) . As demais tinham
ensino médio incompleto (C e I) e apenas uma tinha o ensino
fundamental incompleto (J) .
Das doze educadoras, três apontaram experiência
anterior em Educação Especial (A, D e G), e nove, com alunos
com necessidades educacionais especiais em suas turmas de
creche. Apenas três educadoras relataram que não haviam tido
experiência anterior com alunos com necessidades educacionais
especiais inseridos em suas turmas, que foram F, I e J¹9 . Alguns
dos educadores apontaram ainda experiência anterior de
convivência pessoal com familiares (E), vizinhos (C) ou outras
pessoas portadoras de deficiências (C, D, G e J).
junqueira&marin editores 105
entrevistadas
creches
participantes
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junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Em relação às oportunidades de formação


continuada, percebemos que dez educadoras fizeram cursos, e
todas tiveram cursos relacionados à inclusão e/ou sobre crianças
com necessidades educacionais especiais. As educadoras De
G se destacam pela quantidade de cursos de curta duração que
participaram em comparação às demais. Apenas as educadoras
Je K não participaram de cursos sobre educação inclusiva; uma
porque estava recém ingressando na creche, e a outra porque
havia passado um longo período afastada do trabalho e estava
retornando naquela época.
Investigando o discurso das educadoras

O desenvolvimento do roteiro de entrevista foi


baseado nateoriada adaptação seletivade O'Donoghue e Chalmers
(2000). Delineamos inicialmente um roteiro semiestruturado
contendo as questões preliminares construídas com base nas
categorias da teoria da adaptação seletiva. A seguir o roteiro foi
submetido a seis diferentes juízes, todos pesquisadores da área
de Educação Especial que analisaram a validade semântica e de
conteúdo dos itens. Após a reformulação, chegou-se à versão
final do instrumento (em Anexo) .
Após a construção do roteiro, as educadoras das
crianças identificadas foram contatadas para conhecerem o
projeto e assinarem o termo de consentimento livre para a
participação no estudo. As entrevistas foram individuais e as falas
foram gravadas e posteriormente transcritas.

Os relatos das educadoras de creche sobre a inclusão escolar

Os dados referentes aos relatos obtidos através de


entrevistas com os educadores foram tratados por meio de leitura
intensiva, operações de desmembramento do texto em unidades,
categorização com base no conteúdo das falas das unidades e
reagrupamentos analógicos (BARDIN, 1977). As categorias
foram derivadas do questionário e se referem às percepções
da educadora sobre a inclusão escolar, suas informações ou
experiências, assim como o impacto e as expectativas de trabalhar
com uma criança com necessidades educacionais especiais
nas mais variadas esferas de relações, que abrangem desde a
junqueira&marin editores 107
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

contribuição de tal experiência para o desenvolvimento pessoal,


passando pelo relacionamento com o aluno com necessidades
educacionais especiais com a turma, até a importância do
desenvolvimento desse trabalho dentro do contexto do sistema
educacional geral.
A seguir serão descritas as conclusões que foram
ilustradas comrelatos extraídos das entrevistas com as educadoras.
Com a finalidade de preservar o anonimato, os nomes
das educadoras e de suas respectivas crianças com necessidades
educacionais especiais serão identificadas pelas mesmas letras
do alfabeto, sendo as maiúsculas destinadas às educadoras e
as minúsculas às suas crianças. No caso das crianças, as letras
minúsculas são acompanhadas de um número para identificar
diferentes crianças de uma mesma educadora.

1. Ingresso do aluno-alvo

1.1 Consulta prévia

A maioria das educadoras informou não ter


sido consultada sobre a inserção do aluno com necessidades
educacionais especiais em sua sala. Elas consideram que isso
não acontece porque, em geral, a criança ingressa na creche
sem ser identificada, e a notificação de suas diferenças ocorre
posteriormente, por elas próprias. Uma educadora explicou que
ela mesma propiciou a inserção do aluno especial. Em outros
casos, a criança já frequentava a creche e a educadora já sabia de
antemão que ela poderia fazer parte de sua turma. As falas das
educadoras descritas a seguir ilustram tal conclusão:

Não, eles entraram como crianças normais e aí nós detectamos problemas


neles. Não vieram assim. Em alguns lugares as crianças vêm encaminhadas
de creches, EMEIs, mas no caso vieram normalmente e nós detectamos.
(educadora B)

Não, ele nunca frequentou a creche, inclusive ele já ia fazer cinco anos,
fora da faixa etária, mas eu consegui trazer ele... Ele passou a frequentar
todos os dias, e foi esse o jeito que eu consegui trazer ele pra creche...
(educadora C)

108 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Não, nãofoi. Nãofoifalado, passaram ele assimpra mim mas ninguém...


Pra mim não. Pode ser que ela tenha falado quando ele entrou lá no
berçário... Porque a gente não tem muito contato pra lá porque a diretora
quer que fica bem assim, cada uma no seu setor... (educadora F)

Em resumo, elas afirmam e demonstram que estão


cientes da legislação e da possibilidade de receber em sua sala
uma criança com necessidades educacionais especiais, e nenhuma
delas apontou a necessidade de consulta prévia.

1.2 Conhecimento prévio sobre as necessidades do aluno-alvo

As educadoras não costumam receber informações


sobre as necessidades diferenciadas de suas crianças. Apenas uma
educadora referiu ter recebido informações prévias da diretora
sobre um dos alunos que ingressaria em sua turma. Às vezes elas
já conhecem, no caso da criança já frequentar a creche. Uma das
educadoras relatou que recebeu informações da mãe da criança,
mas foi depois que esta já estava frequentando a creche. As falas
que ilustram tais evidências.

A F20 informou a gente, falou o que a menina tinha porque a gentejá


sabia, né? (educadora I)

...a4 veio como bebê no começo do ano efomos notando a diferença com as
outras crianças. (educadora A)

Não, eu sabia que ele tinha o probleminha e que ele tava do lado de lá. Eu
sabia, mas eu não sabia que ele iapassarlogojápra mim. (educadora F)

...mas ele veio como uma criança totalmente normal... por causa que aí a
mãe de e2 chegou efalou pra gente qual era a deficiência dela, como é que
era, então ela não veio assim... (educadora E)

1.3 Possibilidade de opção

Quando consultadas sobre a possibilidade de ter


ou não um aluno com necessidades educacionais especiais em
suas turmas, todas as educadoras informaram que optariam

junqueira&marin editores 109


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começando pelas creches

por receber o aluno. Porém, duas delas vincularam esta opção


à existência de melhores condições (espaço adaptado e ajuda
profissional, por exemplo), e uma delas condicionou a resposta
ao tipo de necessidade especial apresentada pela criança. O
posicionamento das educadoras é ilustrado nos relatos que se
seguem:
Receberia porque acho que tem direito também da creche, direito do
convívio com outras crianças. (educadora A)
Depende da necessidade dele, né? Dependendo da necessidade da criança,
a gente tem que ver se há condições de trabalhar, tanto na parte de você ter
condições de administrar as necessidades dele. E mesmo porque ambiente
que a gente trabalha, às vezes, pode não ser o ambiente ideal pra ele.
(educadora C)
Ah, eu acho que a gente pode receber, desde que tenha um lugar suficiente
pra eles, né? Tenha gente pra ajudar, aí eu acho que eles têm os mesmos
direitos que um normal tem, o que a gente puder fazer. (educadora I)
É uma decisão difícil, porque não receber, do jeito que eu sou sensível,
é uma separação muito grande, é muito triste isso. Mas pra receber nós
sofremos um desgaste muito grande. (educadora K)
Aceitei, né. Tem mais que aceitar, né. Na idade dela, né, coitada. Como
a gente fala: ela não pediu para vir ao mundo, então ela precisa de gente
para dar maior orientação para gente. (educadora L)

No conjunto, percebemos que há uma aceitação, pelo


menos no âmbito do discurso, e que os relatos evidenciam que
elas estão sensibilizadas para a questão. Os argumentos utilizados
para justificar a opção baseiam-se nos dispositivos legais, que
garantem o direito dessas crianças de acesso e permanência
nas creches e nos aspectos éticos e humanistas. Entretanto, a
aceitação parece vir acompanhada de uma atitude de resignação
e conformismo a uma situação onde não se pode optar, mas que
não é incondicional.

1.4 Pensamentos e sentimentos sobre o assunto

1.4.1 Sobre a perspectiva da inclusão

Os sentimentos relatados quanto à inserção de


110 junqueira&marin editores
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começando pelas creches

um aluno com necessidades educacionais especiais foram de


preocupação, insegurança, incapacidade, sensação de despreparo
e medo de falhar. Além disso, uma das educadoras considerou
que a experiência seria desafiadora, mas achou que teria maior
suporte. Apenas uma delas relatou não ter sentido nada diferente
com a expectativa de ter um aluno deste tipo porque já tinha
experiência na família.

Primeira preocupação, porque a gente se sente despreparado para trabalhar


com essa criança.... A preocupação maior é o despreparo e o medo de errar
com essa criança e causar uma sequela nela... Primeira coisa que bateu
em mim quanto na maioria foi insegurança de falhar, meu medo é falhar.
Insegurança. É lógico que a gente tem muito amor e carinho para as
crianças com necessidades educacionais especiais quanto para que não tem,
mas é insegurança de estar falhando... (educadora B)

A gente fica muito sensibilizada pela situação das crianças, pela


necessidade. Então, eu achei que ia ser muito legal. Assim, teoricamente,
né?... Uma experiência nova, né? Mas achei também que eles fossem dar
uma cobertura maior, né?... Fiquei, assim, imaginando a experiência que
a gente ia ganhar com aquilo. É um trabalho novo, né? Então, tem um
certo receio, será que eu vou conseguir trabalhar com ela? (educadora C)

Nossa! Eu pensava na dificuldade, né? (ri) E a gente vê muito por aí,


antes de fazer o curso e tudo, via... Meu Deus do céu, acho que eu não
conseguiria ficar com uma criança assim. Eu achava que era muito difícil.
E pelo que eu vi, assim, é difícil, mas, pelo curso que... (pausa) Você
tendo uma estrutura, eu acho que dá pra trabalhar bem com as crianças
assim, né? (educadora D)

Eu, de início, achava que não teria capacidade pra trabalhar com uma
criança assim. (educadora H)

1.4.2 Sobre o aluno alvo

Os pensamentos e sentimentos prévios das


educadoras a respeito do aluno alvo foram os mais variados, desde
positivos como, por exemplo, o relato da crença de que todas as
crianças podem evoluir independentemente de suas limitações,

junqueira&marin editores 111


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começando pelas creches

até os negativos, representados pela crença de que aumentaria


a carga de trabalho ou pelo sentimento de incompetência em
lidar com essas crianças, havendo inclusive opinião de que todas
as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam
ficar em casa. Outro tipo de preocupação foi em ter que tratar a
criança sem distinção.

Achava que era todas as crianças normais até os que vêm com alguma
dificuldade a mais de convivência, fica normal, não dá para tirar diferença.
(educadora A)

Eu pensei comigo que eu ia ter mais trabalho com uma criança que tem o
problema de não ir ao banheiro. (educadora F)

Ah, mesmo assim, pensando que eu não seria capaz, mas a gente como
educadora, tudo a gente aprende no dia-a-dia, na prática, na experiência
e... e aquele pensamento então de receber, trabalhar sem fazer diferença,
né. Como tivesse trabalhando normal, com qualquer um, dando amor,
carinho, se for preciso chamar atenção. (educadora H)

Sinceramente, eu achava assim, antes de eu fazer o curso: que uma criança


nesse caso, (ah, era a minha ideia) teria que ficar em casa, não precisava ir
em escola, em creche, não precisava fazer nada porque eu achava que não
tinha cura. Eu pensava assim. (educadora I)

Eu nunca vi uma criança assim, porque eu vejo a minha filha, né, do jeito
que ela é, com quase a mesma idade... Tem hora que eu paro, penso, fico
olhando, olha como ela poderia ser, né, se não tivesse. Me corta o coração
eu vê uma criança desse tipo, que não se movimenta, não pára em pé, não
senta. (educadora L)

Em relação aos sentimentos e pensamentos prévios


sobre os alunos com necessidades educacionais especiais, as
educadoras relatam que, antes dos cursos, tinham uma percepção
preconceituosa e estereotipada dos alunos e que geravam
atitudes mobilizadas pelo medo, temor e insegurança. A partir do
momento em que passaram a conhecer efetivamente as crianças,
os sentimentos se tornam mais ambivalente, e o carinho e o
sentimento de dó se mesclaram ao medo de errar e de não saber
lidar com a criança.
112 junqueira&marin editores
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A experiência vivida de contato real com o aluno


com necessidades educacionais especiais parece ter modificado
positivamente as expectativas, expressas pelo desejo de que os
alunos continuem frequentando a creche, na esperança de que
elas progridam, pela vontade de conhecer mais os alunos e seus
pais.
Que ela não parasse de frequentar a creche, que ela continuasse, que
pudesse ser acompanhada pela assistente social e visse que precisava da
creche. (educadora A)

Você fica... no fundo, no fundo você acaba ficando com dó das crianças.
(educadora D)

Não, eu não tenho sentimento não... Eu não tenho problema nenhum,


uma porque na minha família nós temos vários tipos de problemas. Como
eu convivo com isso, não tenho o menor problema, isso não faz diferença.
(educadora E)

Assim, dois fatores parecem ter contribuído para


favorecer as atitudes favoráveis à perspectiva da inclusão: a
experiência de conviver diretamente com essas crianças ou
familiares com deficiências e os cursos sobre o assunto.

1.5 Experiência anterior com alunos com necessidades


educacionais especiais

Dez das educadoras relataram já ter tidoalgum tipo de


experiência com alunos com necessidades educacionais especiais.
Apenas duas entre as doze informaram ser essa a primeira
experiência. De modo geral, percebemos que os resultados dessa
experiência foram positivos, embora tenham relatos de casos
que resultaram em frustrações para as educadoras. Os relatos
descritos a seguir ilustram os resultados dessas experiências.
Foi muito rico, porque o que estava ao meu alcance eu soube ajudar essa
criança e ela soube retribuir com jeito de criança mesmo, com carinho,
confiança. Os que passaram por mim, se as mães largaram aqui eles, vão ter
aquela confiança que eu passei para eles e o aprendizado que eles passaram
para mim... No início foi difícil, agora a gente já acostumou, agora se vier
mais alguma, a gente não fica mais balançada, né? (educadora B)

junqueira&marin editores 113


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O ano passado eu tive um com Síndrome de Down e foi muito legal,


sabe? Deu pra trabalhar muito bem com ele, ele era muito receptivo, né?
(educadora C)

Não, nunca, foi a primeira vez. (educadora F)

Diretamente, na minha turma, foi deficiente visual, e, aí agora, com todas


porque eu trabalhava na rede. Eu achei assim o trabalho muito pesado....
Eu não sei, eu não consegui assim, fazer o que eu precisava, o que eu
pretendia fazer, eu não consegui. (educadora G)

Portanto, parece que a convivência com o aluno


com necessidades educacionais especiais pode minimizar os
sentimentos de temor e insegurança e a sensação de despreparo,
embora haja também a possibilidade deles se manterem
dependendo do resultado da experiência. Possivelmente as
experiências bem sucedidas fortalecem as atitudes positivas dos
educadores acerca das próprias habilidades de lidar com crianças
com necessidades educacionais especiais, enquanto que os
insucessos podem aumentar a resistência à política de inclusão
escolar.

2. Preparação/Formação

2.1 Orientações, informações prévias

Apenas uma, a educadora D, declarou não ter tido


qualquer informação sobre a filosofia e política de inclusão
escolar. As demais relataram ter recebido tais informações por
meio de um curso (ciclo de palestras) promovido pela prefeitura,
de um curso de capacitação específico sobre inclusão em creche e
também por meio de orientações fornecidas pela Coordenadora
de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação. Os
relatos a seguir ilustram as falas sobre o processo de formação.

Nós tivemos um curso preparatório sobre a política de inclusão... A gente


fala que teve curso, teve tudo, mas foi aquela coisa teórica diferente de estar
recebendo a criança e estar trabalhando com ela. O curso que a gente teve
de capacitação foi uma coisa muito distante, foi um auditório cheio... É uma
coisa muito fria pra um assunto tão delicado como esse. (educadora B)

114 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

curso da Lfoi uma coisa mais voltada, foi mais assim aconchegante,
a gente se sentiu mais a vontade para estar discutindo certos assuntos,
foi uma dinâmica diferente, mas mesmo assim faltou aquela coisa da
práticada gente estar até onde está a criança com necessidades educacionais
especiais... o que a gente tem de base é o que éfalado teoricamente e o
dia que colocarem a criança com necessidades educacionais especiais, cega,
deficiente. (educadora B)
Nósfizemos um curso ano passado, que foi dado pala prefeitura sobre
Inclusão, então... É... as informações são muito deficitárias nessa parte.
Eles não... nós não... nós não somos assim com um profissionalpra tratar
de uma criança com problemas ortopédicos, então... o que nós vamos
fazer?.. A gente vê a melhor forma possível de conseguir conviver com
aquela criança. Você vê, quase sempre ela precisa que você ajude ela a se
alimentar, eu acho que essa parte aí é uma coisa que vem muito da parte
meiga que nós temos, porque só numa palestra uma pessoa chega lá efala
assim: "Olha, a Inclusão éisso ” comofoi aquela sessão de palestras, tudo
bem,foi uma sessão de palestras muito bemfeita... é deficitário, no dia a
dia não é bem assim, éfácilfalar. (educadora E)

Não, eu comecei mesmo foi agora quando eu recebi esse bebê e que foi a
S, Coordenadora de Educação Especial, quefoipassar as orientaçõespra
mim. Depois veio esse curso de Inclusão, né?Que todo mundo da redefez...
então esclareceu tudo. (educadora G)

Em relação ao curso sobre educação inclusiva,


que foi oferecido pela secretaria de educação para toda a rede,
foram feitas algumas críticas sobre a natureza do curso, que foi
na forma de palestra com um público grande e mais voltado
para as questões filosóficas e políticas. O curso planejado e
oferecido exclusivamente para os educadores de creche foi mais
bem avaliado, embora ainda tenha sido considerado insuficiente.
Uma terceira possibilidade de formação foi na forma de
orientações técnicas recebidas diretamente da Coordenadora de
Educação Especial ou funcionários da secretaria, mas elas foram
consideradas demasiadamente esporádicas e assistemáticas.

É muito pouco tempo que esses profissionais que vêm aqui ficam aqui
com as crianças. Acho importante o dia a dia, você entendeu? Por isso
que eu acho que a gente deveria ter uma capacitação. Porque a gente vai
tá sabendo o quefazer com essa criança no dia a dia. Então, eu procurei

junqueira&marin editores 115


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conversar, mas fica por isso mesmo, né? Porque os profissionais que não
aparecem, você entendeu ? Então, você procura ler algum livro e tal, mas é
muito pouca coisa. (educadora C)

Teria que ter alguém que viesse todo, sempre assim... tem que haver algum
acompanhamento, assim para gente, né, dia a dia... não foi suficiente, ela
veio só uma vez conversar com a gente, teria que estar sempre visitando, vê
o jeito como a gente está trabalhando com ela. (educadora L)

2.2 Busca de informações a respeito do assunto

Com exceção de uma educadora, todas declararam


ter buscado informações sobre as necessidades das crianças,
sendo que as fontes mais procuradas foram a diretora da creche
e as colegas de trabalho. Em menor escala, foram procuradas
também as famílias dos alunos, os funcionários da prefeitura e
professoras da Universidade Federal de São Carlos e as fontes
bibliográficas (livros e apostilas do curso realizado).
Quanto à efetividade dessas fontes, a maior parte
das educadoras relatou que tais informações ajudaram bastante.
Algumas comentaram que nem todas as informações são válidas
e uma disse não saber se as informações foram ou não efetivas.

Eu procurei conversar com as demais educadoras, mas não tem vindo


nenhum profissional aqui... A gente começou a procurar os funcionários
da prefeitura e não tava achando. Então, ia ser uma coisa muito no
papel... Com a A do projeto e com a N, que trabalha com a Educação
Especial e tem passado, trabalha na secretaria com a S, mas não tem
muita cobertura. (educadora C)
...a única coisa foi conversar com a família, com a mãe, né? Com a mãe do
menino que faltava o bracinho, a diretora pediu para conversar sobre uma
atividade física. (educadora B)
É, procurei perguntar pro pessoal porque, como ele tem convulsão, essas
coisas, né, e procurei saber de problema de cair, bater a cabeça... então, você
tem que ter um cuidado redobrado, especial com ele. Então, eu procurei
saber, sim. (educadora E)
As informações que eu procurei buscar foi a apostila que ela (L) deixou
com a gente e o que ela falava... A única coisa que eu procurei saber com
quem já trabalhou com ele nos anteriores, né? (educadora G)

116 junqueira&marin editores


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2.3 Sugestões de serviços

Apenas quatro educadoras se manifestaram a esse


respeito. Elas declararam que gostariam que a creche fosse
reestruturada para melhor atender as crianças com necessidades
educacionais especiais, que houvesse acompanhamento
de profissional especializado, que elas fossem informadas
previamente sobre as necessidades especiais do aluno inserido
em sua sala e que fossem oferecidas orientações sistemáticas
sobre como trabalhar com o aluno com necessidades especiais.

Eu trabalho com bebês há seis anos; se eu pegar um bebê cego, eu percebo


que ele não acompanha, mas demora, até perceber é mais tarde, só quando
ele estiver maiorzinho, depois dos seis meses. Se tivesse uma pessoa que
soubesse como identificar, falaria antes o problema para nós... A gente
percebe a evolução de uma criança depois de uns seis meses. Aí é que a
gente percebe a deficiência, que ela não acompanha o som, a visão... Não
sei se estou querendo demais? (educadora A)
Teria que ser reestruturada a creche para receber esse tipo de criança.
(educadora B)
Ah, assim, eu acho que deveria de chegar, apresentar a criança, falar o
defeito, né? Antes de pegar, né? Hoje, se a gente pegar, a gente já sabe, mas
no começo, tipo a i1, ela não levantava a cabeça, ela quase não se movia.
Então, a gente tinha até medo de pegar. Eu pelo menos, eu tinha, hoje eu
não tenho mais, mas no início, sim, se tivesse alguém, alguma outra pessoa
que entendia, trazia ela, falado: - Assim, assim, assim. Ficava mais fácil
pra gente... apesar de que eu fiz o curso, mais ou menos eu sabia, eu até
achava, porque eu sou muito molona, eu achava que eu não ia conseguir
sabe? Lidar, mas... consigo sim. (educadora I)

Ah, orientando como a gente trabalhar com eles, o que passar para eles,
né? As atividade... (educadora J)

3. Aceitação

Com a finalidade de avaliar o grau de aceitação e


expectativa das educadoras a respeito do princípio de inclusão,
foram feitas questões sobre a opinião deles sobre a inclusão, suas
expectativas quanto ao impacto dessa prática para ele próprio,
junqueira&marin editores 117
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para o aluno alvo, para a turma e para o sistema educacional.

3.1 Opinião sobre a inclusão

3.1.1 Percepção prévia

Quando questionadas sobre suas opiniões a respeito


da inclusão antes dos cursos, algumas educadoras relataram
que já consideravam o processo de inclusão válido, acreditavam
na política, enquanto que uma minoria relatou descrédito ou
mudança de atitude sobre a filosofia da inclusão escolar.
Elas manifestaram também que antes tinham a
expectativa de que haveria mudanças, tais como na estrutura
física da creche, que as educadoras fossem preparadas para lidar
com crianças com necessidades educacionais especiais e, enfim,
que as adaptações às necessidades especiais do aluno fossem
realizadas, já que, segundo a educadora, a inclusão é um direito
do cidadão e um dever do governo.

Pelo trabalho que está sendo feito e, como tem um grupo muito bom, a gente
achou que ia ter mais suporte, mais cobertura. (educadora C)

Agora se o governo falar assim: Vai ter crianças com necessidades especiais,
mas a escola continuar tendo escada, e essa criança que tem deficiência
física não puder subir pra estudar no andar superior, a professora não for
preparada pra lidar com uma criança que tenha que... acho que qualquer
coisa, qualquer trabalho na área educacional é assim, com a falta do
preparo... (educadora E)

Eu achava que ele não poderia ficar na creche, ele precisaria de um lugar
especial. Se eu não estivesse vendo essa situação, convivendo acharia que
na creche não dá para ficar. Mas no fundo, no fundo, acaba ficando tudo
igual. (educadora D)

3.1.2 Percepção posterior

Algumas educadoras consideravam que o processo


de inclusão nas creches era válido, porém, algumas ressaltam
que não era viável para os casos de deficiências mais graves.
Elas também ponderaram que o processo era difícil, que há
118 junqueira&marin editores
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começando pelas creches

progressos, mas que eles são lentos.


A maioria das educadoras levantou críticas em
relação ao modo como a política inclusão estava sendo conduzida.
Entre as críticas, encontravam-se: falta de suporte (adaptações na
estrutura física da creche, profissionais especializados e cursos
preparatórios para as educadoras) e número elevado de alunos
nas turmas de creche, o que dificultava fornecer atenção devida
aos alunos com necessidades educacionais especiais.
Eu acho legal. Não é porque eles têm necessidades educacionais especiais
que eles não podem ficar com outras crianças. Eu acho que tem que atender
a todos. (educadora D)
Então, nos casos em que dá pra trabalhar com eles junto, eu acho que é
bom, né? Que eles tão aprendendo, em certa parte. Agora os caso grave já
não dá. (educadora J)
Isso é porque eu acho que está acontecendo, mas eu acho que não está assim
se mostrando muito resultado ainda porque é uma coisa que vem com
muito atraso. (educadora G)
Não deram condições suficientes. Não deram! Não ajuda nada falar
assim: “Eu sei trabalhar com uma criança com deficiência”, eu não sei
trabalhar com uma criança com deficiência, nós tivemos um curso de apoio
às crianças com deficiência... uma grande falha. E, tipo, eles não podem
dar a cada dois anos, tem que ser contínuo. É um trabalho profissional, eu
vou continuar sendo profissional... só que as coisas não são feitas de uma
forma que seja adequada a nós e às crianças. (educadora E)
... pode ser que a inclusão seja boa, que o projeto seja bom, mas a falha,
a falta de profissionais especializados em algumas deficiências... apenas
crianças com deficiências menores mais fácil de lidar, mas se fosse uma
criança com uma deficiência maior ou com mais dificuldade nós não
teríamos como trabalhar de uma forma. (educadora E)
Então, eu penso assim, ele deve ter esse momento de estar participando do
ensino regular normal, mas dependo da deficiência, então sim, à parte, em
outro período, para ter um acompanhamento com pessoas especiais, assim,
dentro da área. (educadora H)
Ah, eu acho que tá sendo bem aceita, todos os professores que têm, está
dando, fazendo o possível, buscando ajuda, pedindo sempre socorro,
quando ela não sabe como trabalhar, com outros colegas de trabalho que
eu já conversei. Mas trabalha com carinho... (educadora H)

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3.2 Expectativas/impacto para o aluno alvo

A maioria das educadoras declarou que a inserção


do aluno com necessidades educacionais especiais na creche
trazia benefícios para ele mesmo. Um deles seria a convivência
com crianças sem necessidades especiais, o que fazia com eles se
sentissem iguais aos outros e que se desenvolvessem mais, pois
eram incentivados pelos seus colegas de sala.
Em relação ao futuro, as educadoras manifestaram
expectativas de que os alunos com necessidades educacionais
especiais evoluiriam, que eles não teriam problemas ao saírem
da creche ou que sairiam apresentando menos dificuldades do
que quando ingressaram. As falas a seguir ilustram algumas das
expectativas das educadoras.

Ah, a principal vantagem é que ele vai tá convivendo com crianças


normais, né? Ditas normais, né, entre aspas... que nem, se ele ver um
monte de criança falando certo, ele vai se incentivar pra falar certo também.
Às vezes é uma questão de convivência, ajuda. E ele não vai se sentir
discriminado porque ele é diferente, porque as necessidades são poucas,
né, não são severas, então... eu acho que ele ganha muito com isso, não se
sente o diferente... e a própria convivência falando, vendo as outras crianças
falando correto, ele mesmo vai se beneficiar. (educadora B)

Eu acho assim, a vantagem é deles estar sempre em grupo, que eles tão
aprendendo entre si... então, as crianças incentivam porque eles conversam
entre eles, você vê eles conversando, na hora de comer, na hora de lavar as
mãozinhas, escovar os dentes... então, um incentiva o outro, né? Então,
eu acho que a criança vai melhorando, ela vai progredindo com isso.
(educadora F)

Eu acho que eles vão sair daqui e não vão ter problema. Acho que, o que
não fala bem, vai conseguir uma hora, e outro vai ver que um braço não
faz falta para ele. E quando sair daqui, não vai ter nenhum problema.
(educadora D)

Espero que saiam daqui com menos dificuldades do que eles entraram.
(educadora E)

As educadoras em geral consideraram que não há

120 junqueira&marin editores


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aspectos negativos para estes alunos em ambientes de creche


comum. Algumas relataram possibilidade de insucesso se faltar
acompanhamento; se o aluno ficar atrasado ou sentir-se menos
capaz do que os colegas de sala; se faltar companheirismo dos
colegas ou se a própria criança com necessidades educacionais
especiais apresentar dificuldades de adaptação.

Aspecto negativo é falta de companheirismo. A a4 ficava afastada dos


outros porque era novinha, não sentava ficava separada dos outros.
(educadora A)

Ah, eu acho que não tem desvantagens, não. (educadora I)

Acho que a maior desvantagem é não conseguir ter um acompanhamento no


tempo correto. Porque se você olhar uma criança com problema ortopédico
com desenvolvimento de quatro anos... (educadora E)

Vai ficando pra trás essa criança, né?... esse problema da criança, não sei
se ela mesmo vai se sentir mal, os outros coleguinhas... (educadora F)

3.3 Expectativas/impacto para a turma

Para algumas educadoras, a inserção de um aluno


com necessidades educacionais especiais na turma não causa
impacto nos colegas, porque as necessidades deles não são tão
diferenciadas; e também porque as crianças da creche já estão
acostumadas a conviver, fora da creche, com pessoas com
necessidades educacionais especiais.
Outras consideraram que, em geral, a experiência é
enriquecedora para a turma, porque os colegas ajudam a criança
com necessidades especiais, aceitam-no sem problemas, tratam-
no como normal; demonstram carinho e oferecem atenção e
apoio. Elas relatam ainda que a amizade entre as crianças da turma
se desenvolve independentemente das diferenças existentes,
sendo que elas se ajudam mutuamente. Uma das educadoras
ressaltou que, mesmo nos casos de necessidades especiais mais
perceptíveis, as crianças podem não se aproximar no início, mas
que depois acabam se acostumando. Outra observação feita foi
a de que a aceitação se dá mais facilmente devido à idade das

junqueira&marin editores 121


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crianças que frequentam a creche (zero a seis anos).


Entretanto, surgiram também opiniões diversas,
tais como a de uma das educadoras que ressaltou como aspecto
negativo o fato do aluno com necessidades especiais requerer
maior atenção por parte das educadoras. As falas descritas a
seguir ilustram os relatos das educadoras sobre esse assunto.

Positivo tem... Uma coisa que eu vejo que, quando tem uma criança com
necessidade especial, as outras têm mais carinho. Eles dão mais e atenção,
todos dão mais atenção, se enturma mais com aquela criança. (educadora D)

Na verdade, na creche, eu acho que a aceitação das outras crianças e o


auxílio que as crianças dão é de muito valor. Porque a partir do momento
que você falar pra criança assim: “Ele não pode fazer isso sozinho”, com
o tempo as outras crianças vão sabendo e eles mesmo vão auxiliando, eles
ajudam... então, a criança de zero a seis anos é muito mais compreensiva
do que a criança nas outras faixas etárias. As crianças nas outras faixas
etárias já começam a ter um preconceito de que aquela criança não pode
brincar, não pode fazer... (educadora E)

3.4 Impactos para o educador


Grande parte das educadoras considerou que a
experiência em ter, em sua sala, um aluno com necessidades
educacionais especiais foi enriquecedora e possibilitou grande
aprendizado. Elas consideram que se tornaram mais aptas, que a
experiência promoveu seu desenvolvimento profissional e mudou
a maneira como elas viam a questão. Além disso, passaram a se
valorizar mais, já que consideram que o trabalho com alunos com
necessidades especiais exige maior dedicação.
Elas relataram também que o trabalho com o aluno
alvo apresentava mais retorno, porque os resultados alcançados
eram mais visíveis. Um dos comentários feitos diz respeito ao
fato de que a política do governo vai determinar se a experiência
com os alunos alvo irá trazer benefícios profissionais. Uma
das educadoras relatou que, financeiramente, ela não observou
nenhum aspecto positivo, e outra educadora considerou
que constatou benefício na área emocional. Ainda, uma das
educadoras declarou que não observou impacto em sua vida
pessoal.

122 junqueira&marin editores


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Agora estou mais apta, percebo mais, procuro observar mais a criança
quando ela chega no primeiro dia, depois e o andamento e desenvolvimento
dela a cada dia. (educadora A)

Acho que traz. Acho que, assim, a gente trabalha com criança sempre e é
um aprendizado, tudo é rico, o que a gente vive com eles é tudo rico. Então,
cada vez, assim, tudo que é novo pra gente é um novo aprendizado pra
você tá recebendo uma criança que você não conhece e você tá lá buscando
informações sobre ela, sobre o tipo de deficiência dela, você vai tá se
empenhando em saber como cuidar daquela criança... então pra gente é
um eterno aprendizado. Pra gente é rica a experiência. (educadora B)

Eu nunca tive problema de trabalhar com crianças com qualquer forma


e deficiência. Mas eu acho que depende muito da política do governo pra
trazer benefício pra mim como pessoa, pra minha carreira como professora
depende só da política do governo, porque se eles forem incentivar o meu
trabalho vai ser uma coisa que vai trazer uma perspectiva melhor, no final
eu vou continuar trabalhando e eles não vão enxergar o meu trabalho da
mesma forma, se eles enxergarem meu trabalho simplesmente como um
trabalho... (educadora E)

Ah, é muito bom, né? Ele não é tanto, mas se tivesse assim... acho que
parece que você se sente importante. Porque é uma luta trabalhar com
criança assim, é uma coisa muito bonita, dedicação que a gente tem de
sobra, você começa a se dedicar mais, então, você se valoriza muito mais.
Essas pessoas que trabalham na APAE devem se sentir muito bem,
porque são pessoas que trabalham com criança, deve se um trabalho muito
bonito. Eu não fui visitar, não sei, mas penso comigo que eu acho que...
acho lindo, muito bom mesmo. (educadora F)

Ah, hoje eu acho que não vai ter nenhuma, é o que eu falei, de primeiro
tinha, né? Hoje eu já aprendi, aprendi não, hoje eu sou mais forte. Já
consigo olhar de uma outra maneira, você entendeu, então eu acho que
não vai ter nenhum. Hoje não, há uns tempos atrás teria, mas hoje não...
(educadora I)

Entre os aspectos negativos levantados, foram


relatados os seguintes aspectos: o desgaste emocional que provoca
o envolvimento com a criança com necessidades educacionais
especiais e o sentimento de impotência por não conseguir ajudar

junqueira&marin editores 123


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a criança. Além disso, foi ressaltado por uma das educadoras


que ela considera a experiência negativa porque não se sente à
vontade ao trabalhar com crianças com necessidades especiais.

...mas, por um lado, a gente acaba se envolvendo demais, a não ser que a
pessoa é insensível, senão você acaba, se envolvendo demais, levando pra
sua casa aquele problema, você acaba se apegando àquela criança, não
tem como, porque aí a criança vai embora, você fica naquela preocupação:
“Como vai ser? Até agora ele tava embaixo da minha asa e depois?”
Então, a gente acaba se envolvendo com a criança, acaba se apegando à
criança, não fazendo diferença com as outras, mas a gente acaba dando
uma atenção especial... e, de repente, se você não tá com uma preparação
psicológica, emocional bem preparada, acaba assumindo os próprios
problemas dos alunos. (educadora B)

... muitas vezes ela pode ser negativa na forma que... quando você não sabe
lidar, muitas vezes você não sabe o que fazer, você se sente incapaz de poder
ajudar eles... (educadora E)

Ah, só se eu me sentir muito bem, estiver muito bem comigo pra trabalhar
com esse tipo de criança assim. Mas agora não... eu acho que não seria
muito bom assim não. (educadora F)

3.5 Impacto da política de inclusão para o sistema educacional

Cinco educadoras declararam acreditar que a política


de inclusão é válida e que tende a melhorar cada vez mais, já
que o processo de inclusão está sendo consolidado e as pessoas
envolvidas tendem a buscar informações e conhecimento
necessário para trabalhar melhor. Porém, elas defendem que,
para que isso ocorra, o governo precisa realizar as melhorias
necessárias e suporte deve ser oferecido.
Melhorar porque se tiver aparelhagem e ambiente adequado, poderá
melhorar aí acho que vai tirar essas diferenças. É difícil porque não tem
lugar, espaço para colocar essa criança. Se tiver isso tudo vai melhorar.
(educadora A)

Ah, eu acho que tende a melhorar, que isso aí vai ter que ser trabalhado,
as pessoas vão ter que buscar mais informação, mais conhecimento pra
poder trabalhar, ela não vai poder ficar parada, aí ela vai ter que mostrar

124 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

um trabalho novo. (educadora G)


É o que eu te citei, a partir do momento em que você tem tudo na mão, os
aparelho, essas coisas assim, vai melhorar, né? Agora, num tendo, num
melhora. (educadora I)

Três educadorasconsideramquea política de inclusão


pode piorar o sistema educacional devido à falta de preparo das
educadoras. Além disso, foi citado que mais dificuldades iriam
surgir para as educadoras.

Ah, eu acho que não vai melhorar, não, acho que piora. O sistema que a gente
tem hoje? Não acho muito bom, não. (educadora F)

Olha, se for assim, do jeito que tá, colocar a criança só pra tá na política
da Inclusão, eu acho que tende a piorar, porque o que acontece tanto nas
creches quanto na escola? Você não esta preparada, ou você vai dar atenção
demais praquela criança com necessidades e descuidar dos outros, ou vai tá
acontecendo o inverso, você vai continuar o seu ritmo e vai descuidar dele
porque você não tá tendo aquele preparo. (educadora B)

Eu... acho que vai complicar pra gente. (educadora K)

4. Compromisso

Nesta parte do questionário, o interesse era


investigar o que efetivamente as educadoras estão fazendo para
acolher e lidar com a diversidade dos alunos em suas turmas. As
educadoras foram questionadas sobre mudanças produzidas para
atender as necessidades dos alunos e sobre como é o tratamento
para o aluno alvo.

4.1 Adequações do educador

Em geral, as educadoras relatam que não fizeram


alterações em suas práticas em função do aluno com necessidades
educacionais especiais inseridos em suas turmas. Quatro delas
relataram não ter realizado nenhuma mudança em função
do aluno alvo. Entre as educadoras que realizaram mudanças
específicas, foram citadas: a alimentação diferenciada; aumentar
a atenção individualizada; procurar chamar mais a atenção da

junqueira&marin editores 125


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

criança alvo; repetir as atividades para ela; supervisionar e instruir


mais diretamente quando ela tiver dificuldades e aumentar a ajuda
física. As falas descritas ilustram tais adequações relatadas pelas
professoras.

Não, a minha não porque é o caso de não ser uma necessidade tão severa,
então, não modificou, dá pra dar uma atenção pra ele assim, tipo, ele
não necessita daquela atenção individualizada, os que eu tenho na sala.
(educadora B)

Não. Não. Especificamente assim não. (educadora G)


Porque a minha turminha é uma turminha que... que nem, o problema
dele é só de não conseguir controlar, né? Então, a minha turminha todos
eles fazem, vão no banheiro, ele não, eu tenho que ir, tenho que ficar atrás
dele vendo se ele fez... né? Esse é o que mudou na rotina, né? Ele não
obedece também... às vezes ele tira a roupa, tira sapato, você pede pra ele
não tira, ele tira. Então, o tempo todo ele tá tirando, eu tenho que estar
colocando. Os outros só tiram o sapato se eu peço pra tirar. Ele não, né?
Ele tira a hora que ele quer, você coloca, se ele cismar ele que vai tirar, ele
tira. Então, muda sim, a rotina. (educadora F)

Modificou. Porque eu tenho que dar um pouco de atenção pra ela, né?
Especial pra ela, né? Às vezes tem que voltar pra pegar ela, levar ela no
banheiro, por ela no peniquinho ainda, tirar fralda... Modificou bastante,
por dar atenção pra ela. Ainda pra ela é uma atenção especial, é diferente
dos outros. (educadora J)

Ah, a gente põe no chão, dança, pula e ela, não, ela você tem que.... você
faz, tá fazendo e ela não reage, mas você tem que fazer pra ver se ela reage,
né? A única coisa que mudou eu acho é isso daí. (educadora I)

Em relação às intenções de mudanças no futuro,


foram relatadas: trabalhar mais com a criança alvo; desenvolver
atividades de acordo com as necessidades especiais; trabalhar
melhor a fala (não só da criança como também de toda a sala).
Mudar? Ah, eu acho que... não sei. Dependendo do problema que a criança
tem eu acho que sim, né? Se for muito grave assim, né? (educadora F)
Trabalhar mais com ela, só isso que mudaria, não sairia da rotina.
(educadora A)

126 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

É que, dependendo da atividade, por exemplo, se eu tivesse uma criança


que não tivesse um bracinho, poderia estar aplicando uma atividade que
todos tivessem que prender um bracinho e trabalhar com o outro pra
eles entenderem as deficiências do amiguinho, elas vão aprender a não
discriminar tanto ele. Então, ia depender muito da deficiência da criança.
Se fosse uma criança cega, eu iria trabalhar de cobra-cega com eles pra eles
entenderem como é não enxergar... (educadora B)

Não, eu só tô pensando mesmo agora em arrumar uma maneira melhor


de trabalhar essa fala dele, porque da maneira que eu trabalho eu não
tô... Eu preciso trabalhar melhor a fala das crianças, mas o grupo todo...
(educadora G)

4.2 Tratamento dado ao aluno com necessidades educacionais


especiais e colegas

Seis educadoras relataram tratar a criança com


necessidades educacionais especiais de maneira igual aos
outros alunos, porque julgavam que elas não precisavam de
um tratamento diferenciado ou, então, porque as educadoras
consideravam que o correto seria tratar sem distinção.

Porque eu acho que tudo é... O seu jeito de trabalhar, seu jeito de agir
com eles... A gente acaba... Mesmo eles tendo a deficiência, acaba ficando
normal. Para mim, né? No caso, para mim, que iria trabalhar com eles.
(educadora D)

...tem que tratar igual os outros, né? (educadora F)

...e procuro trabalhar não de um modo especial, diferente, eu trabalho


igual, mas procurei ficar mais atenta... mas eu não tenho conseguido que
ele participe das atividades com os outros e eu gostaria de ter ajuda e
poder entender porque que ele não participa normalmente como as outras
crianças. (educadora H)

É criança diferente, mas tem que ser educada igual. (educadora K)

Outras educadoras relataram que tratavam o aluno


alvo de maneira diferenciada: dando mais atenção; tendo
junqueira&marin editores 127
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

comportamento especial em relação à criança; fazendo coisas


que não faziam para os demais alunos (dar banho, comida na
boca, incentivar a criança a andar, substituir os alimentos na hora
das refeições); outras relataram que não forçavam o aluno a fazer
as atividades propostas; tratavam a criança com mais carinho ou
de forma diferenciada por considerar em que eles dependiam
mais dos adultos e que precisavam de ajuda para se desenvolver.
Além disso, foi relatado que os próprios colegas costumavam
tratar a criança com necessidades educacionais especiais com
maior cuidado.

Sou mais atenciosa com ela, atenção dela tem que ser dobrada, só isso que
é a diferença. (educadora A)

Eu acho que de uma certa forma a criança com necessidades educacionais


especiais, ela é mais carente, depende um pouco mais do adulto, no caso
das deficiências mentais e mesmo deficiências físicas mais graves. É uma
questão de necessidade, então elas dependem muito mais do adulto do
que as que podem ficar brincando e aprendendo com o restante do grupo.
Porque o aluno com necessidade você precisa incentivar ele a trabalhar no
grupo. Também pelos problemas e por uma questão de “Ela não pode
fazer” eu não acho que haja uma criança que não possa fazer, acho que
ela pode fazer do jeito que ela achar mais fácil fazer. Enquanto isso não...
não critique a criança ainda..., por exemplo, na deficiência mental, ele não
tem que aprender agora, ele vai aprender com o tempo, e essas crianças
geralmente levam tempo, e acho que elas aprendem assim com o dia a
dia. Então, se todo dia você faz aquilo, eles vão se condicionando até eles
aprenderem a fazer sozinho. (educadora E)

E, se ele não quer fazer, a gente não força a fazer. A gente põe sentadinho
pra fazer, mas, coisa de um minuto, ele já rasga o papel... o problema é
que ele não pára, né? (ri) Ele não tem isso... você fala, ele não para...
(educadora F)

Como assim o banho, porque o g1 é uma criança que precisa tomar o banho
aqui na creche, aí eu sempre dou um jeitinho, peço pra elas ficarem com as
outras crianças e eu vou, dou banho, dar comida na boca, eu tô... procurando
incentivar ele a andar, então são coisas que eu vou fazendo, já não faço mais
pros outros e pra ele eu preciso fazer. Mas é coisa que eu faço com tão boa
vontade que elas se prontificam pra me ajudar. (educadora G)

128 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

Entre eles, eles brigam muito, mas com o h1, não. Todos eles dizem: ‘O
h1 é pequenininho, não bate no h1 porque ele é pequenininho’, entendeu?
(educadora H)

Aí depende de como a criança é, né? Mas sempre tratar com muito carinho.
Eu acho que eles precisam de mais atenção que os outros, muito mais,
muito mais carinho. Que só tende a ajudar a criança. (educadora K)

5. Autoavaliação do educador

Quando solicitadas para avaliarem o próprio


trabalho, as educadoras consideram, em geral, que não estavam
preparadas, capacitadas e aptas para trabalhar com crianças com
necessidades educacionais especiais. Elas relataram precisar de
mais cursos, palestras, informações, contato com a família do
aluno alvo. Apesar disso, as educadoras relataram que gostavam
do que faziam, tratavam as crianças com carinho e que sabiam
muito sobre elas. Apenas uma das educadoras declarou estar
preparada, e outra considerou-se em condições de realizar
mudanças.
É, então, deveria ter uma capacitação melhor. Pra gente poder ter mais
segurança pra trabalhar com as crianças. (educadora C)

Acho que a gente não está capacitado não por falta de vontade. Eu
particularmente preferia estar trabalhando com a criança deficiente do que
com a normal, mas eu não tenho preparação... Pelo que eu converso com
outras... o pessoal do núcleo comunitário que realmente recebe uma criança
com hidrocefalia, paralisia cerebral, ela simplesmente olha para a criança
e se desespera porque vai fazer o quê? (educadora B)
Ah, eu acho assim que tem que conversar muito com a família, ter um
contato com a família. A gente devia ter assim mais curso sobre o assunto,
coisas que adapta a criança dentro da creche, né? Que a gente não tem.
Essas coisas assim, né? Eu acho que seria isso. Palestras ensinando,
mostrando outros lugares que têm essas crianças com problemas... seria
legal até a gente fazer uma visita na APAE. Eu acho que seria legal pra
nós que trabalhamos com criança. (educadora F)

Porque os profissionais que nós temos na rede, são profissionais que

junqueira&marin editores 129


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

têm vontade de trabalhar, então isso já conta muito. E a maioria dos


profissionais gosta de trabalhar com as crianças. Então, enquanto você
gostar, você já vai olhar pra aquela criança com mais carinho. A gente fica
oito horas por dia com essas crianças, então a gente sabe mais deles que a
própria mãe, então nós sabemos que ele tá com problema até psicológico.
Então, é uma questão de profissional, de profissional pra profissional.
(educadora E)

Eu acho que teria condição de fazer alguma mudança. (educadora D)

6. Sugestões

Todas as educadoras declararam precisar de apoio.


O apoio mais citado foi o de profissionais especializados
(fonoaudióloga, psicóloga, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta,
assistente social e médico) para identificar as necessidades
especiais apresentadas pelas crianças, orientar as educadoras,
realizar intervenções com os alunos, avaliar a evolução dos
mesmos, tirar dúvidas e trabalhar com a família.
Quanto ao apoio profissional, foi sugerido que ele
poderia ser diário. Também foi levantado que outra educadora
poderia ficar na sala para ajudar as crianças e fornecer atenção
especial para a criança alvo. Além disso, as educadoras sugeriram
que o aluno alvo tivesse acompanhamento especializado fora da
creche.
Foram citados como apoio também a adaptação da
estrutura física da creche e uma capacitação voltada para cada
creche.

Orientação permanente. Eu acho que a prefeitura deveria ter uma fono


por creche para estar auxiliando a gente que tipo de exercício dar para a
criança. (educadora B)
No caso das creches hoje, o que ajudaria a gente seria uma fonoaudióloga,
uma psicóloga, talvez uma assistente social... Isso taria ajudando essas
crianças, e é o que a gente não tem. (educadora C)
Também, também... porque se um profissional faz uma avaliação, técnica
toda... a cada... mensal, bimestral, semestral, e chega, e acha que é o
máximo que dá pra ficar sem observar essa criança, ele vai poder falar se

130 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

ele tá se desenvolvendo ou não melhor do que eu que não entendo. Então,


ele faz essa avaliação, ele vai poder falar se deu certo o que eu fiz ou
se não deu, ele vai me dar novas diretrizes pra continuar cuidando da
forma correta ou não, então ele vai me indicando os vários caminhos...
(educadora E)
É o que eu citei pra você no caso i1, se tivesse mais pessoas, se tivesse
mais... eu acho que ela se desenvolvia mais, você entendeu? Se a gente
pudesse fazer mais exercícios com ela, se tivesse mais tempo pra ela, ela
se desenvolveria mais. Só que a gente faz o possível, né? (educadora I)

Olha, com as crianças, eu tenho condição, mas é interessante você levar para
um profissional para fazer um trabalho com as famílias. (educadora G)

Se ela precisar de alguma coisa que nós possamos fazer, um profissional


deveria vir e nos ensinar. Veriam os casos e casos e diriam: “Você tem que
de hora em hora fazer esse exercício com ele pra ele melhorar”, então teria
que ensinar a fazer o exercício, esperar a gente fazer algum comentário, se
tivesse alguma dúvida, fazer um relatório, e assim por diante, fazer um
acompanhamento pelo menos inicial. (educadora D)
Não, se for, digamos, um, dois, numa turma, eu acho que é normal, mas
mais do que isso ficaria difícil a inclusão, né, pra trabalhar já que essas
crianças de creche já são crianças que a gente tem mais dificuldade pra
trabalhar. (educadora H)

Algumas educadoras propuseram que os alunos com


necessidades educacionais especiais deveriam permanecer meio
período nas creches regulares e meio período em escolas especiais
ou, então, receber atendimento de profissionais especializados
fora da creche.

Eu acho que ele devia ter meio período pra essa Educação Especial, em um
lugar próprio pra ele, com profissionais especializados no caso dele, e meio
período ele devia tá tendo essa inclusão com as crianças... assim, normais,
pra ele não achar que ele é... só porque tem uma deficiência. Eu acho que
deveria ser assim, dois períodos, um pra ele estar trabalhando assim com
profissionais mais adequados, tá tendo aquela atenção individualizada
pelo problema dele... e meio período ele deveria estar com as crianças...
(educadora B)

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INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

7. Residual

Consideramos como residuais todas as informações


complementares, que seriam interessantes de se destacar e que
não estivessem contempladas nas categorias anteriores. Assim,
destacamos, para relato, exemplos de falas das educadoras que
apontavam para o fato de que as crianças com deficiências
comprovadas ainda não estavam frequentando as creches.

Problemas de deficiência física, visual não temos. Um bebê com deficiência


visual nunca tivemos. (educadora A)

Nós tivemos um curso preparatório sobre a política de inclusão, mas o tipo


de necessidades educacionais especiais que eles passaram nesse curso, nós
não tivemos nenhum caso até agora. (educadora B)

Conclusões

Entrevistamos doze educadoras de três creches,


selecionados por terem em suas turmas alunos com necessidades
educacionais especiais. Cada uma delas relatou ter de um a
três alunos com necessidades educacionais especiais em suas
turmas, que eram compostas de 15 a 18 crianças. A maioria
das 12 crianças percebidas como especiais, segundo o relato
das educadoras, apresentava atraso no desenvolvimento ou
problemas especificamente nas habilidades de socialização,
de linguagem ou no ambiente familiar. Apenas duas crianças
possuíam quadro clínico definido, sendo uma delas portadora de
esclerose tuberosa e a outra, de paralisia cerebral com deficiência
múltipla, como sequela de uma meningite.
A idade das educadoras, todas do sexo feminino,
variou de 28 a 53 anos, com idade média de 40 anos, e o tempo
de experiência em serviço foi de três a doze anos. Em relação ao
nível de escolaridade, constatamos que a maioria tinha ensino
médio completo ou incompleto e que apenas duas delas tinham
formação em magistério, nível médio. Quase todas as educadoras
já tinham participado de pelo menos um curso sobre inclusão
escolar.
O desenvolvimento do roteiro de entrevista

132 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

foi baseado na teoria da adaptação seletiva de O’Donoghue


e Chalmers (2000), que pressupõem haver um processo
sociopsicológico por meio do qual os professores do ensino
regular manejam suas classes, quando nela entram alunos com
algum tipo de necessidades educacionais especiais, que assume os
seguintes pressupostos: a) as professores não costumam realizar
grandes modificações nos métodos de ensino e ou conteúdos
curriculares; b) quando ocorrem mudanças, elas tendem a ser
baseadas nas práticas de ensino já existentes, ou seja, adaptando-
se aspectos seletivamente da prática usual; c) essa “adaptação
seletiva” ocorre em etapas.
Os autores postulam que a primeira etapa, que
seria de “recepção”, quando o professor se depara pela primeira
vez com um aluno com necessidades educacionais especiais e
começa a reunir informações sobre o assunto para, em seguida,
tentar arranjá-las. Das participantes do presente estudo, seis das
doze educadoras informaram ter tido algum tipo de experiência
anterior com este tipo de aluno.
Os sentimentos manifestados com maior frequência
frente às primeiras experiências foram de preocupação,
insegurança, incapacidade, sensação de despreparo, medo de
falhar, além do receio de que isso acarretaria em sobrecarga de
trabalho. Entretanto, há relatos de educadoras que se sentiram
estimuladas pelo desafio e mesmo de indiferença frente ao fato
de ter de receber este tipo de alunado.
Em geral, as educadoras relataram que os cursos
recebidos e a experiência prévia ajudaram a compreender
os aspectos legais e filosóficos que embasam atual política de
inclusão escolar.
Uma vez esclarecidos sobre o processo de inclusão,
os autores da teoria da adaptação seletiva postulam a fase da
“aceitação”, na qual o professor iria analisar as implicações deste
novo fato. No conjunto, o grupo das educadoras manifestou
uma aceitação consensual da filosofia da inclusão, pelo menos
no âmbito do discurso, e os relatos evidenciaram que elas estão
sensibilizadas para a questão. Os argumentos mais comuns
foram à existência de dispositivos legais, os aspectos éticos e
humanistas, que garantem a essas crianças o direito de igualdade.
Quando questionadas sobre a possibilidade de
optar entre ter ou não um aluno com necessidades educacionais

junqueira&marin editores 133


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

especiais em suas turmas, quase todas informaram que optariam


por receber o aluno. As demais condicionam a aceitação à
existência de melhores condições (espaço adaptado e ajuda
profissional, por exemplo) e ao tipo de deficiência apresentada
pela criança.
No conjunto, elas elencaram vários benefícios em se
educar crianças com e sem necessidades educacionais especiais
conjuntamente. Entretanto, ainda fizeram sérias restrições quanto
à inserção de crianças pequenas severamente prejudicadas nas
creches, demonstrando que a aceitação do princípio de inclusão
ainda é condicionada as características de desenvolvimento das
crianças.
Odom (2000), num estudo de revisão de pesquisas
sobre inclusão na Educação Infantil, apontou que os professores
geralmente têm uma postura positiva em relação à inclusão de
crianças com deficiências em suas classes, mas ao mesmo tempo
demonstram preocupações sobre o fato. Soodak, Podell e Lehman
(1998) encontraram que as características da deficiência do aluno
é o principal fator que afeta a disponibilidade do professor, e que
eles tendem a ter atitudes mais positivas com alunos portadores
de deficiência física ou social, e são mais resistentes com alunos
com problemas acadêmicos e de comportamento.
Quando aceitam a ideia de inclusão teria início a fase
do “compromisso”, na qual o professor formaria uma opinião mais
consistente sobre a questão da inclusão, a qual justificaria seu
engajamento em determinados tipos de ações e interações. No
caso das educadoras do presente estudo, elas relataram que não
foram consultadas sobre a inserção dos alunos em suas turmas,
mas não parecem achar necessária essa consulta prévia. Entre os
sentimentos e pensamentos preliminares sobre esses alunos, elas
apontaram uma percepção ainda preconceituosa e estereotipada.
Entretanto, a partir do momento em que começam a conviver
efetivamente com as crianças, os sentimentos se tornam mais
ambivalentes e o carinho e o sentimento de dó se mesclam ao
temor de errar e de não saber lidar com a criança.
Quando as crianças ingressam em suas turmas,
elas em geral não recebem nenhuma informação sobre as
necessidades diferenciadas das crianças. Então, elas preferiram
tomar iniciativa de buscar informações, e em geral as fontes
são as diretoras das creches e as colegas de trabalho, em menor

134 junqueira&marin editores


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escala, a família do aluno, a literatura ou outros profissionais (em


geral da universidade local).
Quando retratam a forma como lidam com o aluno
com necessidades educacionais especiais, a maioria referiu que
não foi necessário modificar a prática na sala, a não ser para
oferecer um pouco mais de atenção à criança com necessidades
educacionais especiais. Entretanto, todas relatam que, embora
façam o possível, ainda se sentem muito inseguras e acham que o
atendimento oferecido não é adequado.
O “ ajustamento", a próxima fase do processo de
adaptação, seria a categoria central da adaptação seletiva e seria
ao redor dela que todas as outras categorias estão integradas.
No tocante ao tratamento dado ao aluno com
necessidades educacionais especiais, percebemos a existência
de dois grandes grupos. Metade das educadoras considera ter
se ajustado, seguindo o princípio de tratamento igual a todos os
alunos, porque acreditam que elas não precisam de um tratamento
diferenciado ou, então, porque julgam que o correto é tratar sem
distinção. A outra metade do grupo prefere tratar o aluno alvo
de maneira diferenciada, dando mais atenção, carinho, auxílio,
cuidado e até fazendo-lhe menos exigências. Entretanto, todas
consideram, em geral, que não estão preparadas, capacitadas e
aptas para trabalhar com estes alunos e reivindicam oportunidades
de formação.
Hutchinson e Martin (1999) alertaram para a
necessidade de promover a compreensão dos professores do
princípio de equiparação de oportunidades, o que não significa
necessariamente tratar os alunos da mesma maneira, ou apenas
igualar as oportunidades. No processo de inclusão escolar, seria
o caso de equiparar o ensino quando necessário, uma vez que
o princípio da igualdade de tratamento não lhes garantem as
mesmas oportunidades de aprendizagem que terão as crianças
sem necessidades educacionais. Portanto, é cabível diferenciar o
tratamento, embora nem sempre seja fácil estabelecer quando
isso é necessário.
A quinta e última categoria “ avaliação” envolve
apreciação e julgamento sobre o processo. De acordo com os
relatos, as educadoras consideravam que o processo de inclusão
é válido, mas difícil e que, a princípio, elas tinham expectativas
mais positivas, pois acreditavam que teriam mais suporte por

junqueira&marin editores 135


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
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parte do sistema educacional. Elas se referiam ao ano de 2001,


quando foram iniciadas as primeiras ações políticas do sistema
que anunciavam a adoção do princípio. Embora considerassem
que houve progressos, apontaram também que os resultados
ainda são lentos. Entre as críticas, encontram-se: falta de
suporte (adaptações na estrutura física da creche, profissionais
especializados e programas de formação para os professores) e
número elevado de alunos nas turmas de creches.
A maioria das educadoras considera que a inclusão
do aluno com necessidades educacionais especiais na creche
traz benefícios para o próprio aluno, para os colegas e para
os próprios educadores. Entretanto, apontam que a falta de
suportes pode comprometer o futuro desse processo. Quando
questionados sobre o futuro, as opiniões se dividem: algumas
consideram as perspectivas promissoras enquanto que a maioria
mostra pessimismo.
Constatamos que a teoria da adaptação seletiva de
O’Donoghue e Chalmers (2000) pode ser um recurso valioso
para se analisar as atitudes e percepções dos educadores frente
ao processo de inclusão escolar e para identificar necessidades
de formação que podem orientar programas de formação
continuada. No caso do contexto estudado, percebemos que
os educadores, aparentemente, ou pelos menos no âmbito do
discurso, já passaram da fase de receber bem e aceitar a ideia
de lidar com este tipo de alunado em suas turmas. Portanto, os
programas de formação no futuro devem ter como objetivo
instrumentalizar os educadores para lidar da melhor forma
com as necessidades educacionais diferenciadas desses alunos,
e essa formação tem que ser planejada de modo a contemplar o
cotidiano das turmas de creches.
Percebemos ainda nas entrelinhas das falas que
prevalece uma cultura de desvalorização da creche, enquanto
ambiente de atenção às crianças pequenas de modo geral, e a
permanência da criança no lar junto à família ainda parece ser
vista como a melhor opção de cuidado e educação para a criança
pequena. Tal crença parece ainda mais arraigada no caso das
crianças com necessidades educacionais especiais em que parece
predominar o raciocínio do tipo: “se fosse meu filho não estaria
aqui”, logo, a família que tem uma criança assim e o matricula na
creche pode ser julgada e condenada a priori.

136 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

Naturalmente, as famílias são importantes em todos


os estágios do desenvolvimento, particularmente quando as
crianças são bebês e até a idade pré-escolar, porque elas são as
fontes primárias de cuidados e carinho. Entretanto, conforme a
criança se desenvolve, a relação com os pares se torna primordial
e é geralmente a primeira experiência significativa e fundamental
que a criança terá fora da rede de relações familiares, sendo que a
creche pode ser um bom ambiente para atender às necessidades
de desenvolvimento das crianças pequenas.
Por volta dos três anos de idade, as crianças
normalmente ficam bem interessadas em interagir com os colegas,
e a sofisticação e frequência de tais interações aumentam ao longo
dos anos pré-escolares, crescem em frequência e complexidade,
alcançando uma constância por volta do terceiro ou quarto
ano de vida (HARTUP, 1983). A experiência de frequentar a
escola nessa idade proporciona às crianças a oportunidade dessa
convivência diária com um grupo de crianças e pode se constituir
num importante meio para o desenvolvimento infantil.
Infelizmente muitas crianças com necessidades
educacionais especiais experienciam frequentemente
atrasos na aquisição de habilidades na interação social com
pares (GURALNICK & WEINHOUSE, 1984) e isso traz
consequências negativas imediatas e em longo prazo; e, por isso,
quando elas tendem a ser menos interativas com seus pares, é
preciso intervir para promover as habilidades de interação social
entre os colegas e essas crianças e isso deve acontecer o mais
precocemente possível.
Os estudos têm sugerido que o contexto de Educação
Infantil, se especializado ou inclusivo, afeta diferencialmente
a oportunidade de interação social com colegas. As evidências
sugerem que os ambientes inclusivos são contextos mais
produtivos para promover habilidade de interação social com
pares em comparação com ambientes educacionais segregados
(GURALNICK, 1990; STRAIN, 1983: ODOM et al, 1990).
Isso acontece porque, em tese, nos ambientes inclusivos, as
crianças com necessidades educacionais especiais estarão sujeitas
a práticas mais apropriadas para suas idades, terão parceiros
mais habilidosos, terão nos colegas modelos mais positivos de
interação e poderão estar sujeitas a um nível maior de interação
social entre crianças.

junqueira&marin editores 137


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começando pelas creches

Portanto, é necessário mudar essa cultura de


desvalorização da creche e a crença de que elas ficariam
melhores em suas famílias ou talvez em ambientes educacionais
segregados porque, a partir dessa cultura, as famílias de crianças
com necessidades educacionais especiais que buscam uma
colocação em ambientes inclusivos são percebidas a priori de
forma enviesada como invariavelmente inadequadas, embora,
em alguns momentos, apareçam sentimentos ambivalente dos
educadores em relação às famílias.
De qualquer forma, a relação família-creche parece
um dos pontos principais para a formação, porque os educadores
deste contexto manifestaram abertamente juízos negativos de
valor, demonstrando, mesmoqueinconscientemente, desrespeitar
a diversidade cultural do background familiar de seus alunos. Este
fato é possivelmente reforçado por um histórico de política
de creches exclusivamente para uma população considerada
“carente”, “pobre”, “de risco”, “vulnerável”, etc. Filhos de
desprovidos podem ser vítimas do estigma da inferioridade
e, quando a isso se agrega uma deficiência, a possibilidade do
estigma é ainda mais potencializada.

138 junqueira&marin editores


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ROTEIRO DE ENTREVISTA

FICHA DE IDENTIFICAÇÃO

Creche: _____________________________________________________
Educador: ___________________________________________________
Data de nascimento: _________________ Idade: _________

FORMAÇÃO:
( ) 1° grau incompleto ( ) 1° grau completo
( ) Magistério
( ) 2° grau incompleto ( ) 2° grau completo

Curso Superior
( ) NÃO ( ) SIM Qual(is)?___________________________

EXPERIÊNCIA COMO EDUCADOR:


• Tempo de experiência (em anos) como educador na creche: ______
___________________________________________________________
• Outras? Quais? (pré-escola particular ou pública, escola de ensino
fundamental, etc)
___________________________________________________________
• Tempo de experiência de magistério em anos: _______
• Experiência no Ensino Especial?
( )Não ( )Sim. Quais?
(local, tempo de experiência em anos e nível de escolaridade).
Local Tempo de experiência Nível de escolaridade

• Você teve convivência anterior com pessoas com necessidades


educacionais especiais?

junqueira&marin editores 139


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

( ) NÃO ( ) SIM Quem? ( ) familiares ( ) vizinho


( ) alunos ( ) outros
• Você já teve anteriormente a experiência de ter em sua turma
crianças com necessidades educacionais especiais?
( ) NÃO ( ) SIM
• Quem é(são) atualmente seu(s) aluno(s) com necessidades
educacionais especiais? Faça uma breve descrição sobre o que você sabe a
respeito dele(s).
• FORAMAÇÃO CONTINUADA: Relação dos cursos feitos
Nome do curso Carga horária Ano

PARTE A – ENTREVISTA INICIAL

1a categoria: INGRESSO E RECEPÇÃO DA CRIANÇA NA TURMA

1. Vocêfoiconsultadasobreainserçãodoaluno ²¹_________________
em sua turma?
2. Como teve conhecimento de que esse aluno ingressaria em sua
turma?
3. Se você tivesse a opção de escolher entre receber e não receber esse
aluno, qual seria sua opção? Por quê?
4. Qual foi o seu pensamento/sentimento ao saber que teria um aluno
com necessidades educacionais especiais em sua turma?
5. Qual foi o seu sentimento a respeito do aluno antes de conhecê-lo?
6. Você já recebeu em suas salas, em anos anteriores, alunos com
alguma deficiência? Se sim, como foi essa experiência?
7. Você já havia recebido alguma orientação ou informação a respeito
da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino
regular? Em caso positivo, qual(is)?
8. Quando um educador recebe pela primeira vez, em sua turma,
um aluno com necessidades educacionais especiais, quais deveriam ser os
procedimentos a serem adotados? Tem alguma sugestão?

140 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

9. Quando ficou sabendo que teria um aluno com necessidades


educacionais especiais em sua turma, procurou informações a respeito do
assunto?
( ) Sim ( ) Não
OBS: Se a resposta à pergunta for positiva, vá para a questão 10.
Se a resposta for negativa, vá para a questão 15.
10. Onde ou com quem procurou estas informações (outros professores,
diretor, outros alunos, conhecidos, família do aluno, etc)?
11. Essas informações auxiliaram na sua prática? Como?
12. Na sua opinião, quais foram as fontes de informações mais
importantes?
13. Dentre as informações obtidas, quais foram as mais significativas?
Quais foram irrelevantes?
14. Dentre as informações obtidas, quais foram as que auxiliaram
quando da recepção do aluno? Quais não auxiliaram?

2a categoria: ACEITAÇÃO

15. Qual a percepção que você tinha do aluno com necessidades


educacionais especiais antes de passar pela experiência de ter um desses
alunos na sua turma?
16. De modo geral, o que você acha da inclusão de crianças com
necessidades educacionais especiais nas creches?
17. Você pensa que a creche deve atender a todos sem distinção, ou
algumas crianças com necessidades educacionais especiais não teriam
condições de frequentar esta creche?
18. Você pensa que é justo e certo educar o aluno __________________
na creche comum ou você pensa que justo seria ele ter uma educação separada?
Por quê?
19. Você acha que a inserção do aluno com necessidades educacionais
especiais nas creches traria algum aspecto positivo para este aluno? Quais?
Você acha que traria algum efeito negativo? Quais?
20. Você acha que a(s) criança(s) com necessidades educacionais especiais
será(ão) ou não aceita(s) pela turma? O que você acha que vai acontecer com
ela(s) na turma? Você acha que sua inserção terá algum efeito positivo para a
turma? Quais? Você acha que terá algum efeito negativo? Quais?
21. Você acha que a inserção do aluno com necessidades educacionais
especiais terá algum efeito positivo para você? Quais? Você acha que terá
algum efeito negativo? Quais?
22. Você acha que esta experiência (de ter um aluno com necessidades

junqueira&marin editores 141


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

educacionais especiais em sua sala) afetará sua carreira? Como? Que impacto
você acha que a política de inclusão escolar poderá ter na sua vida pessoal?
23. Na sua opinião, a inclusão escolar de crianças com necessidades
educacionais especiais poderá melhorar ou piorar o sistema educacional? Por
quê?

3a categoria: COMPROMISSO

24. Quaissãoasexpectativascomrelaçãoaoaluno__________________
na sua turma?
25. Quais as vantagens você imagina que ele poderá ter em sua turma?
26. Quais as desvantagens você imagina que ele poderá ter em sua
turma?
27. Você pensa que o fato de ter um aluno com necessidades educacionais
especiais implicará ou não em mudanças na sua rotina de trabalho? Em caso
positivo, quais?
28. Quais são suas metas e alvos para a turma a serem atingidos até o
final do ano?
29. Você modificou seu planejamento em função do aluno com
necessidades educacionais especiais? Em caso afirmativo, qual(is) modificação
(modificações) fez?
30. Você pretende desenvolver um programa diferenciado para o aluno
com necessidades educacionais especiais?
31. Você acha que ele deverá ser tratado igual ou diferente dos demais?
Você acha que deve esperar que ele faça as mesmas coisas, coisas diferentes
ou menos que os outros?
32. Em caso de pretender fazer mudanças, o que pensa fazer de
diferente?
33. Você tem condições de fazê-las ou precisaria de ajuda de um
profissional especializado?
34. No caso de achar que precisaria de ajuda, que profissional(is) você
acha que poderia(m) te ajudar?

PARTE B - ENTREVISTA DE SEGUIMENTO

4a categoria: AJUSTAMENTO (Segunda Entrevista)

35. Algum aspecto do seu trabalho mudou com a experiência de ter o


aluno __________________ em sua turma?
( ) Sim ( ) Não

142 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

OBS: Se a resposta for positiva, vá para a questão 36.


Se a resposta for negativa, vá para a questão 43.
36. Houve alguma mudança quanto às práticas organizacionais
utilizadas ? Você ou a criança receberam algum tipo de apoio ou orientação até
o momento? Se sim, de quem e como foi?
37. Houve alguma mudança em relação aos arranjos? Ou seja, você
precisou ou não modificar alguma coisa na sala (ambiente físico) na forma de
agrupar as crianças?
38. No conjunto você acha que mudou a forma de ensinar para com o(a)
?

39. Você está satisfeito com as alterações? Você considera que precisaria
outras mudanças? Em que aspectos?
40. Quais alterações auxiliaram você na sua prática com o aluno?
41.
De onde vieram as ideias para as mudanças (leitura, sugestões
de colegas que trabalham ou já trabalharam com alunos com necessidades
educacionais especiais, ideias próprias, etc)?
42. Qual(is) ideia(s) mais te auxiliou(am) na sua prática em sala de aula?
43. Como você acha que a criança vem se desenvolvendo em sua turma?

5a categoria: BALANÇO FINAL (Terceira Entrevista)


44. Em sua opinião, quais foram os resultados da inclusão do aluno
até o momento :
para você;
para a criança com necessidades educacionais especiais;
para as outras crianças da turma;
para o(a) diretor(a) da escola;
para a família da criança.
45. Houve alguns fatores que dificultaram o seu trabalho? Se sim, quais?
46. A política de inclusão escolar fez com que melhorasse ou piorasse
sua capacidade de administrar/realizar seu trabalho na creche? Justifique sua
resposta apontando vantagens e/ou desvantagens se for o caso.
47. Como você avalia no momento sua experiência pessoal e profissional
para lidar com a criança com necessidades educacionais especiais? Você se
considera ou não capaz de lidar com elas?
48. Como você avalia a qualidade das suas ações quanto à inclusão? Na
sua opinião, suas ações contribuem para o processo de efetivação da inclusão?
49. Você considera que suas ações tiveram efeito sobre o aluno com
necessidades educacionais especiais? Em caso afirmativo, qual(is)?
50. Você considera que suas ações poderiam ser melhoradas? Em caso

junqueira&marin editores 143


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

afirmativo, em que aspectos?


51. Você pensa que a política de inclusão escolar deve continuar sendo
implementada?
52. Na sua opinião, esta experiência (de ter alunos com necessidades
educacionais especiais) poderá aumentar as possibilidades de melhoria no
sistema educacional ou não?
53. A experiência de ter o aluno com necessidades educacionais especiais
alterou sua atitude em relação a receber, no futuro, outras crianças em sua
turma? Por quê?
54. Qual o impacto que a experiência da inclusão teve para você?
55. A experiência influenciou na mudança de algum valor que você
possuía antes?
56. Qual a percepção que você tem hoje do aluno com necessidades
educacionais especiais?
57. O que você diria a outros educadores que fossem passar pela
experiência de ter no futuro um aluno com necessidades educacionais
especiais em sua sala de aula?
58. Se você pudesse escolher no próximo ano entre uma turma com ou
sem alunos com necessidades educacionais especiais, o que faria?

144 junqueira&marin editores


Capítulo 8
Conhecendo a prática nas creches

Em nossas relações com o outro, procuramos o idêntico;


e aquele que nos reflete uma imagem reasseguradora de
nós mesmos será aquele para o qual nos voltaremos mais
facilmente. (SIMON, apud BERTHE- DENEUX & LÉONI,
2000, p. 190)22

O discurso das educadoras sobre a questão da


inclusão escolar, em entrevistas, nem sempre corresponde ao
que elas realmente pensam, ou mesmo a forma como elas agem
quando alguma criança identificada como especial ingressa
em suas turmas. Evidências dessa incorências não significam,
entretanto, que as educadoras sejam mal intencionadas ou
incompetentes, mas sim, que podem haver falhas na formação.
Quando elas consideram, por exemplo, que suas opiniões ou suas
práticas vão à direção contrária ao que é prescrito pelo modo
convencionado como "politicamente correto", elas podem tentar
se proteger da condenação moral ou da desaprovação e com
isso omitir ou mascarar a realidade. Outras vezes, percebemos
que elas têm pouca consciência do que pensam e fazem e, por
isso, nem mesmo conseguem fazer descrições consistentes de

junqueira&marin editores 145


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

seus pensamentos, opiniões, crenças e práticas. Em ambos os


casos, o que se percebe é a reprodução de um discurso que elas
consideram que está em conformidade com o que é esperado,
mas que é inconsistente se comparado com o que se observa no
contexto da escola.
Um dos complicadores da pesquisa sobre inclusão
escolar está relacionado ao fato deste ser um tema filosófico ou
uma questão de valor, que o torna imperativo, fazendo qualquer
questionamento do princípio em si, visto como imoral, antiético,
além de ilegal, porque vai contra o que prescreve a legislação
brasileira em geral e, em particular, a educacional. Assim, ninguém
pode criticar o princípio em si, porque ele toca em questões éticas,
tais como a da igualdade entre os seres humanos e a necessidade
de eliminar injustiças. É por isso que a investigação apenas
centrada no discurso é insuficiente para se compreender o que
efetivamente se passa quando tentamos transplantar o princípio
da inclusão para a prática. Em geral, o discurso que aparece na
maioria dos casos é um discurso censurado a priori, por conta de
implicações éticas, morais e mesmo porque está muito na moda
o ser politicamente correto em relação ao discurso da inclusão
de modo geral.
Por isso, temos tido a preocupação de ir além do
discurso dos educadores sobre a inclusão; e, neste capítulo, vamos
mostrar algumas formas de investigação que desenvolvemos para
conhecermos mais o ambiente de sala de aula. Nossos estudos
com esse objetivo ainda têm um caráter muito exploratório
e descritivo, porque nossa meta é compreender com maior
profundidade o que efetivamente acontece na creche e, mais
especificamente, dentro das classes.
Utilizamos para tais estudos o referencial
metodológico da etnografia, que vem contribuindo para produzir
conhecimento crítico na área, priorizando a descrição de práticas,
hábitos, crenças, valores, linguagens, significados, etc, de um
determinado grupo social. Optamos por utilizar uma variedade
de técnicas de coleta de dados para apreender o máximo possível
tanto os discursos quanto as atitudes dos educadores frente a
seus alunos especiais.²³
Nossa coleta de dados é baseada na observação
participante desde o momento que entramos numa unidade,
tudo o que vemos e ouvimos se transforma em dados. Primeiro

146 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

fazemos uma aproximação para conhecer o local e sua rotina,


depois conversamos com os educadores sobre suas crianças
especiais, sobre eles próprios e, por fim, é chegada a hora de ver
o que eles fazem e dizem quando estão lá na escola enfrentando
o desafio de ter uma criança especial em sua turma.
A seguir iremos ilustrar como desenvolvemos nossos
estudos observacionais em quatro diferentes creches.

Conhecendo o contexto das creches e as crianças- alvo

Nesta etapa da pesquisa, nós já conhecíamos as


educadoras e chegou a hora de conhecer um pouco mais as
creches e as turma nas quais nossas crianças alvo estavam
inseridas. Algumas visitas de familiarização foram, então, feitas
para levantar as informações necessárias. A seguir oferecemos
uma breve descrição de cada uma das creches nas quais coletamos
as observações que iremos posteriormente descrever.
Creche I

Localizava-se num bairro periférico, criado no bojo


do crescimento populacional mais recente do município, que
ainda se encontrava desaparelhado de serviços sociais básicos e
cuja população era predominantemente de nível socioeconômico
baixo. O bairro era um dos considerados prioritários de demandas
sociais para enfrentamento da pobreza.
O acesso à creche se fazia através de uma escada,
mas havia também duas rampas (uma com corrimão para
adultos e outra para crianças pequenas), por onde se chegava a
um pátio interno grande e coberto, em forma de U e para onde
convergiam todas os demais ambientes. No pátio, havia bancos
de diferentes tamanhos para adultos e crianças e bebedouros
coletivos. A creche era relativamente ampla e apresentava boas
condições de iluminação e ventilação. O piso da creche era
plano, porém, existiam partes mais rebaixadas contornando o
pátio, possivelmente para escorrer a água, mas tais dispositivos
pareciam aumentar as chances de acidentes com as crianças.24
Além do pátio, o espaço físico era distribuído em
sete salas de aula: sala de recreação (com brinquedos, vídeo,
televisão e aparelho de som), berçário, cozinha, sala da diretoria,

junqueira&marin editores 147


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

refeitório, dois parques com caixa de areia e pátio. O refeitório


era relativamente pequeno para o tamanho da creche, mas
acomodava três grandes mesas e cadeiras de tamanho apropriado
às crianças, além dos caldeirões para as crianças menores. Os dois
parquinhos eram de areia e estavam equipados com brinquedos
como gira-gira, gangorra, trepa-trepa, escorregadores, balanço,
etc. As turmas eram divididas de acordo com a idade e, em
cada uma, havia pelo menos duas pessoas responsáveis: uma
educadora (pajem) e uma atendente.
A demanda por atendimento nesta creche era
tão grande que o critério de idade de encaminhamento para
a Educação Infantil havia sido recentemente reduzido de
quatro para três anos. A equipe da creche era composta por 19
funcionários, contando com a diretora e com o segurança.
Na Creche I, o estudo foi realizado nas turmas de
cinco educadoras, denominadas como Educadora A, B, C, D e E.

Creche II

A creche se localizava em um bairro relativamente


novo da cidade e de fácil localização. Em sua entrada, havia uma
escada sem corrimão, e o portão permanecia trancado todo o
tempo. O portão dos fundos também era bastante utilizado, e a rua
dos fundos não era pavimentada. Apresentava um amplo espaço
físico exterior, com parquinhos e gramado ao redor de todo o
espaço construído. Havia também um corredor pavimentado
seguindo o gramado. As crianças tinham acesso a todo o espaço
físico da creche. As salas de aula eram grandes, com poucos
móveis e diversos brinquedos. A creche estava sempre limpa e
bem cuidada; era bastante arborizada e seus espaços internos
eram, no geral, bem arejados.
Na creche, havia quatro banheiros disponíveis
para as crianças e um para os funcionários, sendo que um
desses banheiros ficava junto a uma das salas com chuveiro e
espaço para troca. O pátio interno de entrada era grande e a
parede toda decorada com desenhos e colagens feitas com
sucata, representando casinhas e flores. Nesse pátio, funcionava
o refeitório, e esse cômodo dava acesso a todos os outros da
creche. Nele havia também um bebedouro em altura adequada
para as crianças. A creche contava ainda com sala da diretora, a

148 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

sala das educadoras, quatro salas de aula, sala com brinquedos e


lavanderia. O refeitório era amplo e nele havia três grandes mesas
com bancos adaptados às crianças. As turmas se sentavam nas
mesas divididas de acordo com a idade.
A creche possuía dois parques externos, um
destinado às crianças maiores, com um escorregador, dois
balanços grandes, gira-gira, um tanque de areia, um trepa-trepa e
um tubo de cimento por onde as crianças passavam. Em frente
a ele, havia um bebedouro; e, contornava a creche, um espaço
pavimentado que servia de quadra de jogos. Todo o espaço era
bem arborizado. O outro parque se encontrava do outro lado
da creche e continha quatro balanços pequenos para as crianças
menores, um tanque de areia maior com pneus cortados ao
redor e um pequeno escorregador, um gira-gira e outro tubo de
cimento. Também havia bebedouro e muitas árvores. Em um
canto, ficava um monte de peças de concreto de construção.
Aequipeprofissionaleracompostaaproximadamente
por uma diretora, seis educadoras, duas merendeiras, duas
ajudantes e uma faxineira.
Na Creche II, o estudo foi realizado nas turmas de
educadoras F, Ge H.

Creche III

A creche era localizada num bairro periférico. Sua


área externa era separada da rua por um alambrado e um portão
que permanecia trancado até o horário da saída das crianças. Ela
era quase toda gramada, com árvores e plantas. Esta área rodeava
toda a construção da creche, constituída pela entrada, uma área
com piso de cimento, um parquinho e uma área gramada. Na
entrada, havia uma escada com três degraus bem largos, baixos
e distantes uns dos outros, que se estendia do portão até a porta
principal que dava acesso ao interior da creche.
A parte interna era formada por um pátio rodeado
de portas de acesso às salas, banheiros, cozinha, etc. No lado
direito do pátio, ficavam as mesas onde as crianças comiam, e,
ao lado esquerdo, ficavam os carrinhos, cadeirões e uma mesa
redonda com cadeirinhas onde as crianças do berçário comiam.
No teto, estavam pendurados móbiles feitos com sucata; nas
paredes e murais, havia informes, cardápio das refeições, rotina

junqueira&marin editores 149


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

da creche, fotos das crianças, etc.


As portas que rodeavam o pátio correspondiam ao
banheiro masculino, a sala da diretora, brinquedoteca e biblioteca,
duas salas de aula, banheiro dos funcionários, refeitório dos
funcionários, cozinha, banheiro feminino, área livre (cimentada,
descoberta, rodeada por uma mureta que delimitava este espaço
com o exterior da creche) e berçário.
A creche possuía três banheiros com pias e vasos
sanitários pequenos, adaptados ao tamanho das crianças, bem
como outro banheiro maior, também utilizado para trocar e dar
banho nos bebês. O refeitório era amplo e continha bancos e
mesas grandes, além de cadeiras grandes especiais para as crianças
menores.
O parque externo à creche era um banco de areia
que contava com brinquedos, como escorregadores, balanço,
trepa-trepa, entre outros, e havia dois tanques de areia, um para
as crianças maiores e outro para os menores.
A creche atendia as crianças de seis meses a quatro
anos de idade, e a equipe era composta por uma diretora, cinco
educadoras e quatro ou cinco merendeiras. Na Creche III, o
estudo foi realizado nas turmas de três educadoras I, J, K e L.
Assim, conhecidos os ambientes das creches, fomos
conhecer as 17 crianças que nos haviam sido indicadas durante
as entrevistas, mas, quando chegamos às creches, detectamos
algumas mudanças. Na turma da Professora A, haviam saído duas
das crianças inicialmente notificadas. Na turma da Professora
G, uma das crianças ficou afastada durante todo o período por
problemas de saúde. Uma criança da Professora H e outra da
Professora K não puderam ser observadas, porque frequentavam
a creche em tempo parcial. Além disso, a Educadora B mudou de
sala, logo no início do estudo, indo para outra creche.
Ao longo do estudo de observação nas salas, as
educadoras passaram a indicar novos alunos, ou que ingressavam
na turma, ou que não haviam sido inicialmente indicados. Assim,
optamos por incluir estas novas indicações como crianças–
alvo em nossas observações. Decidimos também manter as
observações da turma da educadora que saiu a sala; e, assim,
realizamos o estudo com 21 crianças e 11 educadoras. O Anexo I
apresenta a tabela com a descrição das características das crianças
que foram alvo do estudo, segundo os informes das educadoras.

150 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

A idade das crianças variou de um ano e seis meses


até quatro anos, e havia crianças em todos os subníveis possíveis
(berçário I, II e III e maternal). Quatro das três das crianças
tinham diagnóstico confirmado de alguma condição associada
a quadros de deficiências, a saber: f1 (hidrocefalia e convulsão),
j1 (histórico de derrame cerebral), g2 (Síndrome de Bourneville
ou esclerose tuberosa) e i1 (histórico de meningite). Quatro
crianças tinham histórico de subnutrição (b3, e1, g1 e j1). A
ocorrência de problemas crônicos de saúde também foi relatada
para b2 (estrabismo), k2 (epilepsia), c3 (bronquite asmática) e e3
(diarreias recorrentes).

Definindo o que observar e registrar

Nossa tarefa era a de observar 21 crianças distribuídas


em 11 turmas de três diferentes creches. Teríamos que ter vários
observadores e todos voltados para o mesmo objetivo. Mas
como iríamos observar as crianças nas turmas?
A princípio, definimos que, na situação natural,
os observadores deveriam se portar como participantes,
auxiliando, sempre que necessário, nas tarefas em andamento,
mas interferindo minimamente nas atividades ou nas interações
espontâneas que ocorressem nas situações. Os registros nos
diários de campo seriam feitos depois da sessão de observação.
Teríamos, portanto, que contar com vários
observadores trabalhando simultaneamente e precisaríamos nos
assegurar de que todos estariam vendo e registrando as mesmas
coisas. A fim de aperfeiçoar a habilidade de observação dos
auxiliares e de buscar consenso, fizemos um treinamento prévio
com todos antes de irmos a campo.
O treinamento passou, primeiramente, pelo estudo
da literatura científica que abordavam a temática da inclusão
na Educação Infantil, tais como o Manual de Inclusão na Pré-
escola, de Keating (2001), além de estudos com objetivos e
metodologias semelhantes, tais como os de Stanovich e Jordan
(1998), que discutem basicamente boas práticas para favorecer a
participação de crianças com necessidades educacionais especiais
em ambientes educacionais regulares.
A partir das leituras, os observadores construíram
coletivamente um inventário que deveria orientar a observação na

junqueira&marin editores 151


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situação natural. A função do inventário foi permitir uniformizar


o treino dos observadores e aumentar as chances de percepção
dos episódios relevantes para o estudo. Embora ele pudesse ser
utilizado como protocolo de observação, ele não foi utilizado
para este fim. O modelo do inventário encontra-se em anexo.
Os auxiliares de pesquisa, depois de treinados,
passaram a frequentar semanalmente as creches para acompanhar
uma das turmas selecionadas para o estudo, fazendo observações
participantes, com foco na criança-alvo e no comportamento
do educador. Os registros eram efetuados em diários de
campo, que consistiram em cadernos individuais para cada
observador, onde eram anotadas, após a ocorrência das sessões,
episódios que fossem ilustrativos de práticas pedagógicas ou de
situações problemas envolvendo a criança alvo e o professor.
Os observadores também faziam comentários pessoais sobre
como e porque haviam classificado determinado episódio como
situação-problema ou prática pedagógica inclusiva.
Assim, de tudo o que observávamos nas creches,
nosso foco, no registro, foram os episódios que ilustrassem
situações-problema e práticas pedagógicas inclusivas, em
situação natural, durante a rotina das turmas nas quais as crianças
com necessidades educacionais especiais estivessem inseridas.
Definimos como situação-problema aquelas nas quais surgia um
obstáculo ou problema, cuja superação iria requerer a mobilização
de conhecimentos por parte do educador, que deveria tomar
decisões para que suas metas fossem alcançadas.
A observação se iniciaria pela atividade ou situação
proposta, tendo em vista a rotina prevista. Dada uma atividade, o
observador deveria responder as seguintes questões:
1. Qual é a atividade que está sendo desenvolvida
pelo educador?
2. A criança-alvo pode participar desta atividade da
mesma maneira que os outros alunos?
3. A criança-alvo está ou não participando da
atividade? Se sim, como? Se não está participando,
faz atividades alternativas? Quais?
4. A criança-alvo é incapaz de participar plenamente

152 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

da atividade sem acomodação e precisa de apoio e/


ou modificações para sua plena participação nesta
aula?
5. Tais modificações envolvem que tipos de
adaptações (do ambiente de aprendizagem, dos
materiais de aprendizagem, ou a provisão de
tecnologia de apoio)?
6. Os apoios estão sendo oferecidos?
7. Que mudanças podem ser feitas para garantir a
plena participação do aluno nesta atividade?
• na maneira como o aluno demonstra o que sabe;
• na quantidade ou o padrão de trabalho esperado;
• nos objetivos da aprendizagem prioritários para
esta aula.

Após a preparação dos observadores quanto aos


procedimentos de coleta, cada creche passou a ser semanalmente
visitada por um observador. A Tabela 3 apresenta o número
de visitas; o período de variação na duração em cada sessão; o
tempo total (em minutos) de observação e as turmas e crianças
observadas em cada uma das turmas das educadoras participantes
do estudo.
Foram efetuadas entre 9 a 25 sessões de observação,
nas 10 turmas, com sessões variando de 60 a 180 minutos. Ao
final, o tempo total de observação, para cada turma, em minutos,
variou de 415 a 2.460, perfazendo um total de 8.323 minutos
(aproximadamente 139 horas) horas de observação, em dez
turmas, nas três creches.
Além das sessões de observação participante, foram
realizadas posteriormente, em algumas turmas, sessões de
vídeogravação. Não foi possível filmar todas as turmas, porque
nem todos os pais ou responsáveis pelas crianças assinaram
o termo de consentimento. A Tabela 4 apresenta o número
de sessões de videogravações e duração nas turmas. No total,
foram filmadas 19 sessões, em cinco turmas, envolvendo oito
crianças-alvo, tendo sido cada criança filmada no mínimo uma e
no máximo cinco vezes, perfazendo um total de 275 minutos de
gravação (cerca de 4,5 horas de filmagens).

junqueira&marin editores 153


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Tabela 3. Número, variação na duração e duração total das


sessões de observação participante, realizada em cada uma
das turmas das educadoras, das três creches, e suas respectivas
crianças.
Creches Educa Crianças- alvo Período de duração das N° de Duração
doras sessões sessões total

(máximo e mínimo em (minutos)


minutos)
A a3 75-120 9 415
I L b1 , b2, b3 , b4 90-140 25 2.460
C c1, c2, c3 75-120 9 820
D d1, d2, d3, d4, d5 60-140 10 910
E el, e2, e3 90-105 9 805
II F f1 150-180 6 480
G gl 180-210 6 750
III I il 100-120 11 585
J j1 120-130 11 970
K k1 110-170 12 1.280
TOTAL 10 21 60-180 109 8.323

Tabela 4. Número, variação na duração e duração total das


sessões filmadas em cinco turmas de duas creches.
Creches Educado Crianças com N° de Duração total das
ras necessidades sessões sessões (minutos)
educacionais
especiais
CRECHE I C cl 1 15
D d1 2 30
d2 2 23
d3 2 30
d4 3 45
CRECHE III I il 1 20
J j1 3 40
K k1 5 72
TOTAL 5 7 19 275

Analisando os dados dos diários de campo

Terminada a coleta, tínhamos os registros nos


diários de campo e nas fitas para analisarmos. Os diários de
campo foram lidos seguidamente e, nos registros manuais,
buscamos identificar e recortar os episódios de interesse para o
estudo. Após devidamente identificados e recortados, eles foram
digitados, numerados e catalogados em forma de tabela contendo
os seguintes campos : número, local, situação, data, criança-alvo,

154 junqueira &marin editores


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começando pelas creches

descrição, classificação do episódio, categoria e observações. O


Quadro III, descrito a seguir, traz as informações utilizadas para
o preenchimento dos campos do catálogo.

Quadro III. Catalogação dos episódios dos diários de campo


relativo a crianças com necessidades educacionais especiais
inseridas em creches municipais.
Número do Foi escolhido aleatoriamente com a finalidade única de organização de
Episódio dados.
Local Nome da creche onde eram observados os episódios.
Situação Circunstancia da ocorrência do episódio: foram identificadas as seguintes
situações: brinquedo livre, brinquedo dirigido, interação de ajuda, atividade
acadêmica, higiene, alimentação e sono.
Data Dia, mês e ano em que os episódios foram observados.
Criança-alvo Nome da criança-alvo
Descrição Relato completo do episódio observado.
Classificação do Característica (episódio inclusivo, situação-problema e neutro)
episódio
Categoria Comportamento da criança alvo, dos colegas e dos educadores em relação
interacional à interação descrita no episódio.
Observação Informações adicionais sobre a descrição do episódio.

As classes de “situações” dos episódios foram


definidas a partir das descrições encontradas. As definições das
situações estão apresentadas no Quadro IV.
A classificação do tipo de episódio foi definida
segundo a forma de participação da criança-alvo na situação
ou atividade. Ela foi baseada no julgamento da classificação
do episódio, feita de forma concordante por dois juízes
independentes. As três classes da classificação e suas respectivas
definições encontram-se no Quadro V.

Quadro IV. Classificações das situações dos episódios.


SITUAÇÃO Definição
Brinquedo A escolha do tipo de brinquedo (brincadeira) é da criança, estando a
livre educadora próxima ou afastada do grupo e a educadora pouco intervém e as
crianças brincam livremente.
Brinquedo A educadora fornece o brinquedo ou escolhe a brincadeira e dirige a
dirigido atividade supervisionando durante todo o tempo. Interage, dá instruções,
etc.
Ajuda Educadoras ou colegas auxiliam a CA a realizar uma tarefa.
Atividades Inclui as atividades de contar histórias, encaixe, pintura, recortar, etc.
acadêmicas
Higiene Atividade de tomar banho, escovar dentes, lavar mãos, usar o banheiro.
Alimentação Mamadeira, almoços, jantar, lanche (refeitório ou na sala).
Sono Horários rotineiros de repouso, sono, no berço ou carrinho.

junqueira&marin editores 155


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começando pelas creches

Quadro V. Classificações do tipo de episódio.


Inclusivo Participação e/ou interação positiva entre CA e colegas e/ou
educadoras .
Situação -problema Não participação, isolamento, atividade paralela, ausência de
interação da criança-alvo.
Neutro O episódio não foi definido como inclusivo e nem como situação
problema.

Após a análise de cada um dos episódios e o


preenchimento dos protocolos, obtivemos uma planilha que
serviu de base para a análise e descrição quantitativa e qualitativa
das categorias do protocolo.

Analisando as videogravações

As 19 sessões de filmagem foram observadas e, para


cada uma das sessões, foi preenchido um protocolo de registro a
partir de categorias de eventos. O preenchimento do protocolo
foi baseado num procedimento de amostragem de tempo, com
intervalos de 15 segundos para observar e 15 segundos para
registrar a ocorrência das categorias no intervalo observado, até
completar a sessão25.
O protocolo de observação e registro (ver modelo
no Anexo III) continha as seguintes categorias de eventos, cujas
ocorrências deveriam ser registradas:

Brinquedo Paralelo (BP): criança-alvo brinca
sozinha em atividade diferente de outras crianças.

Brinquedo Interativo (BI): criança-alvo brinca
com outras crianças usando o mesmo brinquedo ou
na mesma atividade.

Disputa de Brinquedo (DB): criança-alvo disputa
um determinado brinquedo com outra criança.
• Ajuda outra Criança (AC): criança-alvo para o que
está fazendo para ajudar outra criança, seja quando
isso é requisitado ou quando a própria criança se
dispõe espontaneamente a ajudar outra.

É auxiliada por outra Criança (AUX) : outros
integrantes da sala se dispõem a ajudar a criança-alvo
a desempenhar alguma atividade.
156 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

• Observação (OBS): criança-alvo observa


passivamente o que os outros fazem tanto colegas
quanto adultos.
• Inicia interação com Criança/Adulto (IIC/A):
criança-alvo começa qualquer tipo de ação em
relação a outra pessoa. Deveria ser especificado no
registro o tipo de parceiro, se Criança (C) ou Adulto
(A).
• Isolamento (I): criança-alvo não interage com
ninguém, fica sozinha, alheia ao grupo, sem fazer
atividade.
• Continua interação iniciada por Criança/Adulto
(CIIC/A): criança-alvo mantém uma interação que
outra pessoa estabeleceu. Deveria ser especificado
no registro o tipo de parceiro, se Criança (C) ou
Adulto (A).
• Agressão (AG): criança-alvo é agredida ou agride
outra pessoa.
• Engajado na Atividade (EA): criança-alvo
participa de alguma tarefa dirigida pela educadora
que não esteja relacionada a brincadeira livre.
• Outros: categoria residual para registrar quando
criança apresenta algum comportamento diferente
dos citados acima.

A fidedignidade do instrumento pode ser constatada


por meio da comparação entre dois protocolos devidamente
preenchidos por dois observadores independentes de 25%
do total de 19 sessões analisadas. O teste de fidedignidade foi
feito comparando-se o índice de concordância entre os dois
protocolos preenchidos por observadores independentes para
cada uma das cinco sessões testadas, tomando-se como base a
razão entre número de acordos sobre o número total de acordos
e desacordos, considerando-se todas as caselas do protocolo. O
cálculo da fidedignidade revelou índices de concordância entre
75% (para a categoria Continua Interação Iniciada por Adulto/
Criança) a 100% (para as categorias Ajuda outras crianças, é
auxiliado por outras crianças e engajamento na atividade). Exceto
para IIA/C e CIA/C, todas as outras 10 categorias tiveram
junqueira&marin editores 157
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

índices superiores a 85%.


O registro no protocolo era feito a cada ocorrência
da categoria observada no intervalo, de modo que a contagem
de frequência dos intervalos registrados para uma determinada
categoria oferece uma estimativa da proporção do tempo
despendido em cada situação.

Como os educadores lidam com as crianças com necessidades


educacionais especiais - o que nos revelaram os diários decampo?

Os episódios registrados foram selecionados


porque, na percepção do observador que efetivou o registro, eles
evidenciavam práticas potencialmente inclusivas ou excludentes
em relação à criança alvo. Ao final da análise, foram obtidos 93
episódios envolvendo as crianças-alvo na situação natural.

1) Quais tipos de episódios predominaram, inclusivos ou


excludentes?

Foram observados números equivalentes de


episódios potencialmente inclusivos e excludentes envolvendo as
crianças-alvo do estudo, pois 44% dos episódios foram julgados
como inclusivos; 44%, como excludentes e o restante (12% )
foram considerados neutros.
2) Houve diferença entre as três creches?

A Figura 4 apresenta a proporção dos tipos de


episódios nas três creches. Na Creche I, foram observadas
proporções praticamente equivalentes de episódios inclusivos
(47%) e de situações-problema (43,5%) e uma proporção de
9,5% de episódios considerados neutros. Na Creche II, uma
proporção maior de situações problema (63,5%) foi observada em
comparação à proporção dos episódios considerados inclusivos
(27,5), enquanto que 9% dos episódios foram classificados
como neutros. Na Creche III, 47% dos episódios observados
foram considerados inclusivos, 37% foram classificados como

158 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

situações-problema e 16% como neutros.

Figura 4. Frequência e proporção dos diferentes tipos de


episódios envolvendo as crianças-alvo nas 3 creches.

Classificação dos episódios

11
41 inclusivo
situação problema

41 neutro

Comparando-se as três creches, percebemos que


foi na Creche III onde se observou uma proporção maior de
episódios considerados inclusivos, seguida pela Creche I. A
Creche II apresentou uma proporção bem maior de situações-
problema em comparação com as outras duas creches. A elevada
proporção de episódios classificados como neutros, observada
na Creche III, em comparação à proporção observada nas
outras duas creches, indica uma discordância maior em relação
à classificação dos episódios registrados pelos observadores que
coletaram dados na Creche III.

3) Houve diferença em relação à situação?

A Tabela 5 apresenta a frequência de episódios


observados para cada uma dos sete tipos de atividades observados
nas três creches. A Figura 5 apresenta a proporção dos três tipos
de episódios nas sete atividades, tomando como base o conjunto
das três creches.

junqueira&marin editores 159


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Tabela 5. Frequência dos tipos de episódios (inclusivos, situações-


problema e neutros) observados em cada um dos diferentes tipos
de atividades observadas nas creches.
Tipo de
episódio Inclusivo % Situação % Neutro % Total %
problema
Atividade

Brinquedo 14 15 21 22,6 3 3,2 37 39,7


livre
Brinquedo 12 12,9 8 8,6 3 3,2 23 24,7
dirigido
Atividades 6 6,4 3 3,2 0 0 9 9,7
acadêmicas
Sono 4 4,3 5 5,3 0 0 9 9,7

Alimentação 3 3,2 3 3,2 2 2,2 8 8,6

Ajuda 1 1,1 0 0 2 2,2 3 3,2

Higiene 1 1,1 1 1,1 1 1,1 3 3,2

Total 41 44 41 44 11 12 93 100

A maior proporção de episódios foi encontrada na


situação de brinquedo livre (37 dos 93 episódios ou 39,7%) e
de brinquedo dirigido (23 dos 93 episódios ou 24,7%), sendo
que, nessas atividades, foram observados 60 episódios (64,4% do
total). Nas situações de cuidado, envolvendo atividades de sono/
repouso, alimentação e higiene, foram observados 21,5% dos
episódios, sendo que, nas situações de higiene, há uma proporção
bem menor de episódios em comparação com as demais
atividades de cuidado. Nas situações que envolviam atividades
acadêmicas, que incluíam atividades de contar histórias, encaixe,
pintura, recortar, etc, foi observado um número pequeno de
episódios (9 de 93) e que representou aproximadamente 10% de
todos os episódios.
Em relação aos tipos de episódios, percebemos que
nas situações de brinquedo livre predominavam os episódios
classificados como problema (57%) e observamos uma
proporção menor de episódios inclusivos (38%) e neutros (8%).
O contrário foi observado na situação de brinquedo dirigido, no
qual observamos o predomínio de episódios inclusivos (52%)

160 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

e uma menor proporção de situação-problema (35%) e de


episódios neutros (13%) .
Nas situações envolvendo atividades acadêmicas,
predominaram episódios inclusivos (67%) e, nas atividades de
sono ou repouso, foi observado uma proporção pouco maior de
problemas (55%) .

Figura 5. Frequência e proporção dos diferentes tipos de


episódios envolvendo as crianças-alvo nas 3 creches (I, II e III) .

100

80

inclusivo
60

situação
40
problema
neutro
20

0
II III

creches

4) Há diferenças considerando os sete tipos de situação e


as três creches ?

A Figura 6 apresenta a distribuição da frequência


observada em cada uma das situações e em cada uma das três
creches .

Analisando- se a distribuição da frequência dos tipos


de episódios (inclusivo e situação-problema) nos diferentes
tipos de atividades, em cada uma das três creches, percebemos
primeiramente que, na Creche I, foram observados episódios em
todos os sete tipos de atividades; na Creche III, foram observados
episódios em cinco das sete atividades e, na Creche II, foram
observados episódios apenas em três das sete situações.

junqueira&marin editores 161


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
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Figura 6. Frequência dos tipos de episódios (inclusivos, situações-


problema e neutros) observados em cada um dos diferentes tipos
de atividades observadas nas creches .

Frequência dos tipos de episódios em cada


frequência
episódios

situação
25
dos

20

Inclusivo
15

10 Situação
problema
5
Neutro
20
0
BL BD AJAA HALS

situações observadas

Legenda:
BL - Brinquedo livre BD - Brinquedo dirigido AJ - Ajuda
AA - Atividades Acadêmicas H - Higiene AL - Alimentação
S - Sono

Nas Creches I e II, os episódios se concentram


mais na situação de brinquedo (livre e dirigido) ; ao passo que,
na Creche III, a distribuição foi equilibrada entre as situações de
brinquedo livre, brinquedo dirigido e de sono.

5) Há relação entre tipos de episódios e parceiros da


interação ?

A Figura 7 apresenta a distribuição da frequência


dos episódios para os diferentes tipos de protagonistas.
A maior parte dos episódios registrados teve como
foco a ação do educador ou da criança-alvo e, em menor escala, os
comportamentos dos colegas. Os episódios que descreviam a ação
do educador e dos colegas foram majoritariamente classificados
como inclusivos, enquanto que os episódios que enfocaram o
162 junqueira&marin editores
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começando pelas creches

comportamento da criança-alvo foram predominantemente


classificados como situação-problema.

Figura 7. Distribuição da frequência dos tipos de episódios


segundo os agentes principais das interações envolvidas.
EPISÓDIOS

50

45-
40
DE

35-
30
inclusivo
25-
20
situação problema
neutro
15-
10-
5-
го

EDUCADOR CRIANÇA- COLEGAS


ALVO

Legenda:
A - Educador
B - Criança alvo
C - Colegas

A análise dos tipos de interação envolvendo o


educador como protagonista permitiu identificar 12 diferentes
tipos de interações nos diferentes episódios, levando-se em
consideração o comportamento do educador dirigido para
a criança-alvo, que foram: iniciar interação; fazer carinho; dar
instruções; impedir participação de criança-alvo na atividade
do grupo; favorecer participação de criança-alvo na atividade
do grupo; responder a tentativa de interação; ignorar tentativa
de interação de criança-alvo; engajar na atividade acadêmica;
encorajar colegas a interagir com criança-alvo; encorajar colegas
para ajudar criança-alvo; fornecer atenção diferenciada ou outros
comportamentos .
A Figura 8 apresenta a distribuição de frequência
dos episódios para os diferentes tipos de categorias de interações
envolvendo o educador e a criança-alvo.

junqueira&marin editores 163


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

paradiferentesas
Figuraos crianças
8. Distribuiçãotipos
comde necessidades
da
comportamentos
frequência
educacionais
dos tiposdos de
educadoresespeciais.
episódiosdirigidos
segundo

EDUCADOR
25

20

15

10

0
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8
A9 A10 A11 A12
comportamentos

Legenda:
A1 Iniciar interação com criança-alvo.
A2 Fazer carinho na criança-alvo.
A3 Dar instruções.
A4 Impedir participação de criança-alvo na atividade do grupo.
A5 Favorecer participação de criança-alvo na atividade do grupo.
A6 Responder a tentativa de interação de criança-alvo.
A7 Ignorar tentativa de interação de criança-alvo.
A8 Engajar na atividade acadêmica.
A9 Encorajar colegas a interagir com criança-alvo.
A10 Encorajar colegas para ajudar criança-alvo.
A11 Fornecer atenção diferenciada.
A12 Outros.
episódiosdiferentesnos
tipos
Aquais
de
Figura
categoriasepisódios
a própria
9 apresentacriança-alvode
interações.
a distribuição
era agentede
principal
frequência
para de
os
envolvendo
episódio.por
da
situaçãode
tipos
necessidadesobservados
turma,
episódios
brinquedos
de deparceiros
Oquesegundo
isolamento
interações
apenas
Nos
educacionais
mais
aconteceu
e (educador
isolamento.
frequentes
tipo
quatro
com
como
deqespeciais
uatro
ostou
interação
ipos
iniciativa
educadores
que
Episódios
foram
colega),
vezes
de
envolveramcomo
envolveu
deinterações,
da
mais
disputa
interação
com
foram
própria
agentes
do
situaçõesfoco
por
pouco
que
asccriança.
principais,
com
onsiderando
na
brinquedos
crianças
outro
com com
frequentes.
foram
os
ou
osOstcolegas
ipo
tipos
de
disputa
criança-alvo

164 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

Figura 9. Distribuição da frequência dos tipos de episódios segundo


osdiferentes tipos de comportamentos das crianças com necessidades
educacionais especiais.
CRIANÇA-ALVO
episódios

25

20
de

15

10-

5-

0
B1 B2 B3 B4 B5

comportamentos

Legenda:
B1 Interagir com outras crianças. B2 Disputar brinquedo.
B3 Isolamento. B4 Interagir com educador. B5 Outros .

A Figura 10 apresenta a distribuição de frequência de


episódios nos quais os colegas eram os agentes principais, segundo
os diferentes tipos de categorias de interações envolvendo as
crianças com necessidades educacionais especiais.
Figura 10. Distribuição da frequência dos tipos de episódios
segundo os diferentes tipos de comportamentos dos colegas de
turma dirigidos às crianças com necessidades educacionais especiais.
COLEGAS

25

20

15-

10-

5-

0
C1 C2 C3 C4 C5

comportamento

Legenda:
C1 Iniciar interação com CA. C4 Brincar junto.
C2 Responder a tentativa de interação de CA. C5 Ajudar criança-alvo.
C3 Ignorar tentativa de interação de CA.

junqueira&marin editores 165


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Como as educadoras lidam com as crianças com necessidades


educacionais especiais - o que revelam as videogravações?

O procedimento de análise dos dados permitiu


estimar a proporção do tempo que as crianças com necessidades
educacionais especiais passaram nas diferentes situações, tais
como: brincando paralelamente (BP), brincando e interagindo
com o grupo (BI), ajudando outra criança (AC), sendo auxiliada
por outra Criança (AUX), observando outras pessoas (OBS),
iniciando interação com Criança/Adulto (IIC/A), isolada
(I), continuando uma interação iniciada por Criança/Adulto
(CIIC/A), agredindo ou sendo agredida por outra pessoa,
engajada na atividade dirigida pela educadora (EA) ou em outras
situações (OUT).
A Figura 11 apresenta os resultados do conjunto
de todas as sessões, envolvendo, portanto, os oito alunos com
necessidades educacionais especiais.

Figura 11. Estimativa do tempo despendido em cada condição


nas sessões videogravadas.

Legenda:
BP: Brinquedo Paralelo. OBS: Observação.
BI: Brinquedo Interativo. IIC: Inicia interação com Criança.
IIA: Inicia interação com Adulto. I: Isolamento.
CIC: Continua Interação Iniciada por Criança.
CIA: Continua Interação Iniciada por Adulto. EA: Engajado na Atividade.
AC: Ajuda
AG: Agressão. AUX:
outra criança. DB: Disputa É auxiliada porOUT:
de Brinquedo. outra Criança.
Outros.

166 junqueira&marin editores


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Os resultados indicam que, nas sessões filmadas


da situação natural, na maior parte do tempo, as crianças com
necessidades educacionais especiais permaneceram brincando
paralelamente sem interagir com os colegas (33% dos intervalos
observados), ou observando o que as outras pessoas estão
fazendo (28%), ou isolada do grupo (17%). O brincar de forma
interativa na mesma atividade dos colegas foi observado em 14%
dos intervalos. Portanto, em pelo menos metade do tempo, a
criança passava brincando sozinha ou isolada do grupo. Na outra
metade, ela passava observando os outros (28% do tempo) ou
interagindo, ou em outras situações.
Situações que envolviam interação por iniciativa
da criança com necessidades educacionais especiais também
apareceram com alguma frequência (19% dos intervalos
observados) e mais dirigidos aos colegas (11%) do que para
as educadoras (8%). Episódios interativos iniciados por outras
pessoas foram observados em 20% dos intervalos de tempo,
com frequência maior para interações iniciadas pelos colegas
(15%) do que pelas educadoras (5%).
O engajamento na atividade dirigida pela educadora
foi observado em 21% dos intervalos. Eventos, tais como disputa
por brinquedos, agredir ou ser agredida fisicamente, ajudar ou
ser ajudada, tiveram ocorrências praticamente inexpressivas.
Nas categorias “outros comportamentos”, aparece com maior
frequência o andar/correr pela sala e vestir/despir roupas.
A observação das sessões filmadas permitiu
identificar dois grandes conjuntos de atividades, que foram:
as atividades dirigidas pelas educadoras (por exemplo, cantar/
brincar de roda, manusear/ver livros ou revistas, desenhar,
modelar com massinha, brincar com o tapete pedagógico), e as
situações de brinquedo livre, nas quais as atividades não eram
dirigidas pelas educadoras, podendo ocorrer nos pátios ou nas
salas.
A fim de avaliar se o tratamento à criança com
necessidades educacionais especiais variava dependendo da
situação, foi efetuada a análise da frequência de intervalos nas
duas situações (brinquedo livre x situação dirigida). A Figura
12 apresenta os dados que permitiram estimar a distribuição de
tempo de ocorrência de cada categoria, nos dois tipos de situação.

junqueira&marin editores 167


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Figura 12. Estimativa do tempo (em porcentagem) despendido


em atividades dirigidas e situação de brinquedo livre.

Os resultados indicaram que, nas situações de


brinquedo livre, a categoria “brincar paralelamente”, que foi
observada em 54% dos intervalos, foi mais frequente do que o
brincar interativamente, registrado em 20% dos intervalos.
Quando a atividade era dirigida, os alunos ainda
brincaram, embora numa proporção bem menor e mais de forma
paralela (14%) do que interativa (8%).
A categoria “isolamento do grupo” também foi
observada como bem mais frequente na situação de brinquedo
livre do que nas situações dirigidas (28% contra 8% dos intervalos
respectivamente).
O engajamento direto na tarefa, que por definição é
uma categoria exclusivamente esperada nas atividades dirigidas,
foi observada em 41% dos intervalos. A proporção de tempo que
a criança parece passar engajada na tarefa (41%) foi praticamente
equivalente à proporção de tempo passado observando
passivamente outras pessoas (41%), quando a atividade era
dirigida pela educadora.
Iniciativas de interaçãodas crianças comnecessidades
educacionais especiais tanto em relação ao adulto quanto para
os colegas ocorreram com maior frequência nas situações de
atividades dirigidas. Entretanto, observamos uma diferença entre

168 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

os dois tipos de situações no caso da manutenção da interação


iniciada por outras pessoas, pois as interações iniciadas pelos
colegas foram prolongadas mais nas atividades dirigidas, ao
passo que as iniciadas pelos adultos foram mais prolongadas nas
situações de brinquedo livre.
Embora as demais categorias tenham ocorrido com
pouca frequência, percebemos uma ocorrência maior de disputas
por brinquedos e de agressões nas situações dirigidas.
A Figura 13 apresenta a proporção de intervalos
observados para as diferentes categorias e para cada uma
das crianças com necessidades educacionais especiais que
participaram desta etapa do estudo.
As crianças c1 e d1 foram observadas na maior
parte do tempo brincando de forma paralela (88% e 80% dos
intervalos, respectivamente). No tempo restante, elas foram
observadas interagindo com colegas e educadoras.
Ascriançasd2ed3apresentarampadrõessemelhantes
entre si, permanecendo a maior parte do tempo engajados nas
atividades (68% e 56% dos intervalos respectivamente) ou em
interação com colegas (ou adultos e observando outras pessoas).
A criança d4 passou grande parte do tempo
observando outras pessoas (41%) ou brincando de forma
paralela (40%). Foi observada também se engajando na tarefa e
interagindo com outras pessoas, mas em menor escala.
A criança i1 foi observada apenas numa sessão onde
permaneceu fisicamente isolada dos colegas, pois todos estavam
no pátio, enquanto que ela permaneceu o tempo todo deitada no
berço, na sala de aula.
A criança j1 passou grande parte do tempo
observando outras pessoas (56%) ou engajada na tarefa (37%),
mas foi observada também interagindo com os colegas, embora
com menor frequência.
A criança k1 foi observada na maior parte do tempo
brincando de forma paralela (47% dos intervalos) ou isolada
(27%). Nas situações de interação, que foram menos frequentes,
observamos que k1 mantinha mais do que iniciava interações
com outras pessoas, e também interagia mais com outras crianças
do que com o adulto.

junqueira&marin editores 169


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Figura 13. Proporção de intervalos observados como estimativa


do tempo despendido em cada categoria para cada um dos oito
alunos com necessidades educacionais especiais.
Criança c1 Criança d1
100
100

80
80
60
60

40
40

20
20

0
0
S C X
A U
S
BI IC HA CIC CIA I EA AG DB OB BI IIC IIA EA
X P G
P OB U B CI C
I A D
B
A
C
A υ
AC A
ο
B ου

Criança d2 Criança d3

100 100

80 80

60 60

40
40

20
20

0
0
S

FANG
B

P A C

X
II CIC CIA DB ου
O

B
A

U
A

BP EA AG DB AC
CI

ου

A
OBS BI

Criança d4 Criança i1
100
100
80
80
60
60
40
40
20
20
0
0
X

I EA AG
BI IIC INA CIC CIA B
C
AU

υ X
A

ο U υ
A ο

Criança j1 Criança k1

100 100

80 80

60 60

40
400

20 20

0 0
X

S S X υ
C

18
U

BP B υ БР OB INA CIC CIA DB AC AU


A

DB
A

O CIA ο ο

Em relação à estimativa de tempo que as crianças


com necessidades educacionais especiais passaram nas diferentes
situações, percebemos que pelo menos metade das crianças
passava grande parte do tempo brincando paralelamente (c1 , d1
170 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

d4, k1), três delas passavam parte considerável do tempo isoladas


(d4, i1, k1) ou com baixo nível de interação (c1, i1 e j1).
A maioria das crianças permaneceu grande parte do
tempo observando as pessoas (d2, d3, d4, j1 e k1) e, entre elas,
algumas também despenderam muito tempo engajadas na tarefa
(d2, d3 e j1).

Conclusões

Os resultados obtidos a partir das observações


e situação natural permitem concluir, ainda, que, no dia a dia
da creche, aconteçam tanto práticas pedagógicas inclusivas,
que favorecem a participação e o desenvolvimento, quanto
situações-problema, que criam barreiras para a aprendizagem e
o desenvolvimento de crianças com necessidades educacionais
especiais.
As situações que parecem deixar as crianças com
necessidades educacionais especiais mais vulneráveis a problemas
são as situações de brinquedo, e especialmente quando elas
brincam livremente sem a supervisão do adulto, a qual parece ser
a situação mais frequente entre todas as atividades observadas.
Odom et al (1990) avaliaram dois tipos de
ambientes de Educação Infantil para crianças com necessidades
educacionais especiais, as classes comuns e as classes especiais.
Os autores concluíram que, em ambos os tipos de classes, as
crianças tenderam a despender uma proporção maior de tempo
em instruções pré-acadêmicas, em situações de transição (tempo
entre uma atividade e outra) e brincando. A maior diferença
entre os dois tipos de classes foi na proporção do brincar, que
ocorreu aproximadamente duas vezes mais em classes comuns.
Nas classes comuns, as crianças passaram também mais tempo
em interação verbal com colegas do que em classe especiais. Tais
diferenças, segundo o autor, refletem a orientação curricular
diversificada que ocorre nos dois tipos de classes observadas.
A classe comum geralmente estava embasada num programa
onde a criança escolhia ou direcionava a atividade, enquanto que,
nas classes especiais, quem direcionava as atividades eram os
professores (ANASTASIOW, 1978).
Em relação à realidade das creches estudadas,
percebemos que as crianças também passavam um longo

junqueira&marin editores 171


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

tempo brincando e que, apesar de terem a liberdade de escolher


e direcionar a atividade, não parecia haver um programa ou
planejamento do ambiente previamente estabelecido. Nos
estudos sobre a inclusão na Educação Infantil, existem dois
modelos de programas curriculares que vêm sendo os mais
recomendados, que seriam o de “intervenção baseada na
atividade " 26 (BRICKER, 1995), que enfatiza o brincar; e o
modelo da "Prática desenvolvimentalmente apropriada "27
(BREDEKAMP & COPPLE, 1997), que é uma abordagem
centrada no interesse da criança, envolve a oportunidade de fazer
escolhas operacionalizadas, num arranjo de sala de aula com os
chamados centros de aprendizagem28. Nesse tipo de arranjo, os
adultos ajudam todas as crianças, elas interagem entre si e têm
liberdade para explorar os diversos centros de aprendizagem
usando a sua experiência e o seu nível de desenvolvimento
(BROWN et al, 2000) .
Apercepção que se tem do ambiente proporcionado
pelas creches estudadas é a de que existe uma falta de planejamento
nas situações de brinquedo. Especialmente na situação de
brinquedo livre, por exemplo, é comum ver as educadoras
arrumando salas, banheiro ou fazendo atividades individualizadas
(dando banho, levando ao banheiro, etc), enquanto que a maioria
das crianças brinca sem supervisão. A impressão clara que se tem
é que, em geral, as turmas são de fato numerosas para apenas
dois adultos (a educadora e um auxiliar); e que, além de cuidar
das crianças, elas ainda se responsabilizam pela manutenção do
ambiente físico, e ainda é esperado que elas também eduquem
as crianças, mas esse parece um objetivo que fica sempre em
segundo plano.
Odom et al (1990) recomendam aos professores que
desejam ensinar habilidades de interações sociais que dediquem
parte da rotina num contexto de brincadeira, porque são as
atividades de brincar que fornecem mais oportunidades para
essas interações. Porém, alertam os pesquisadores, os professores
devem estar cientes da natureza do comportamento da criança
nas atividades do brincar. No caso específico das crianças com
necessidades educacionais especiais, o brincar deve providenciar
muitas oportunidades para engajamento na interação social com
colegas.
Com o objetivo de explorar a situação de brinquedo

172 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

para a perspectiva da inclusão escolar em creches e mais


especificamente para conhecer a interação social entre crianças
com e sem deficiências no contexto da sala de aula inclusiva,
Freitas (2005) realizou um estudo cujo objetivo consistiu em
descrever e analisar a interação entre três crianças com deficiência
e seus pares sem deficiências, em três turmas comuns, através de
filmagens em situação natural. Os resultados obtidos permitiram
concluir que, para cada uma das crianças, observamos aspectos
que foram considerados fortemente positivos, quais sejam: alta
frequência de interação, ainda que com os adultos para uma das
crianças; predominância de comportamentos entre as crianças,
ainda que em menor escala para outra; e, para a terceira criança,
tratamento por igual das educadoras para toda a sala, ainda que o
tratamento das crianças não o fosse. Entretanto, considerando-
se que a inclusão social só é alcançada quando crianças com e
sem atrasos no desenvolvimento mantêm a mesma qualidade de
relacionamentos interpessoais, as evidências do estudo indicaram
pouco sucesso no conjunto das três situações analisadas.
Assim, as interações entre crianças com e
sem necessidades educacionais especiais não acontecem
necessariamente de forma espontânea quando colocadas no
mesmo ambiente físico. Assim, ao planejar um programa de
educação tendo comofinalidade promover a interação social entre
crianças jovens com e sem necessidades educacionais especiais,
é importante que o professor focalize sua atenção e instrua,
quando necessário, intervindo tanto para ensinar habilidade do
brincar quanto nos objetivos específicos de habilidades sociais.
As instruções voltadas para as habilidades sociais podem ocorrer
durante uma parte específica do dia, como parte do programa;
entretanto, o desenvolvimento de habilidades sociais deve ser
promovido durante o dia todo.
As crianças com necessidades educacionais especiais
inseridas nas turmas estudadas foram observadas com muita
frequência isoladas ou brincando paralelamente, enquanto que
os colegas estavam predominantemente agrupados e brincando
juntos. As poucas interações observadas são estabelecidas, na
maioria das vezes, com as educadoras e, com maior frequência,
em resposta à tentativa de interação das outras pessoas. Foram
observadas interações com os colegas, embora com menor
frequência.

junqueira&marin editores 173


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Alguns estudos têm apontado que o tipo de atividade


em que as crianças se engajam com seus colegas determina se elas
irão brincar sozinhas ou se irão se engajar em interações sociais.
Stoneman, Cantrell e Hoover-Dempsey (1983) observaram que
as atividades nas quais mais aparecia o brincar cooperativo eram
blocos, veículos e brincar com água. Deklyen e Odom (1989)
definiram a estrutura da atividade como a quantidade de definição
inerente à atividade (por exemplo, papéis bem definidos, etc) e
descobriram que a interação social era maior quanto mais bem
estruturada fosse a atividade.
De modo geral, podemos concluir que, nas creches
estudadas, durante a maior parte do tempo, as crianças são
deixadas livres para brincar, enquanto que as educadoras se
envolvem em outros afazeres. Nessas situações, as crianças com
necessidades educacionais especiais são igualmente tratadas, ou
seja, todas são igualmente pouco supervisionadas. Entretanto,
em decorrência desse tratamento igualitário, observamos que
elas são mais prejudicadas, porque acabam interagindo menos
do que seus colegas sem necessidades educacionais especiais;
passam mais tempo isoladas ou brincando sozinhas, e raramente
observamos tentativas de mediação da educadora.
Assim, se a criança tem dificuldades de linguagem,
é quieta e não tem muita iniciativa de interação com os pares,
o ambiente de creche, que deveria justamente estimular sua
comunicação e suas habilidades sociais, acaba fortalecendo o
oposto, fazendo com que a criança fique mais isolada e tenha
um menor índice de interação. Tal padrão de tratamento
parece ser mais problemático ainda no caso de crianças com
limitações desenvolvimentais mais severas, em que observamos
um desconhecimento da educadora sobre como proporcionar
melhores condições para atender as necessidades educacionais
especiais dessas crianças. No caso da criança i1, por exemplo, as
educadoras como medida de proteção, dificultavam e chegavam
até mesmo a impedir a interação dela com seus colegas de classe.
Odom (2000) considera que, para se beneficiar de
um ambiente inclusivo, as crianças com necessidades especiais
precisam estar socialmente integradas, embora seja difícil precisar
um critério para se determinar o grau de sucesso de integração
social.
Ao discutir a questão da qualidade dos programas

174 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

inclusivos, Odom (2000) ressalta que não há consenso a respeito


disso, mas que ela tem duas dimensões. A primeira é a qualidade
do ambiente para pré-escolares em geral, pois estudos indicam
que, por mais qualificados que sejam os programas de inclusão, os
pais sempre irão se preocupar em colocar seus filhos em lugares
que sejam bons para qualquer tipo de criança. A outra dimensão
está relacionada com a natureza do programa individualizado
proporcionado para as crianças com necessidades especiais e,
neste caso, o autor aponta que o ambiente deve estar apropriado
para atender às necessidades da criança, sendo importante
observar se há engajamento do aluno nas atividades e na rotina
da sala de aula.
Os resultados obtidos no presente estudo indicam
que tanto a integração social quanto o engajamento das crianças
com necessidades educacionais especiais nas atividades parecem
comprometidos. Tais resultados corroboram os achados
da literatura que indicam que as crianças com necessidades
educacionais especiais tendem a interagir menos frequentemente
com os pares (GURALNICK & WEINHOUSE, 1984) e
desenvolvem menos amizades (GURALNICK; GOTTMAN &
HAMMOND, 1995; GURALNICK & GROOM, 1988). Odom
et al (1998) encontraram que aproximadamente 30% destas
crianças eram rejeitadas socialmente pelos colegas de classe, e
que as crianças rejeitadas socialmente pareciam carentes de
habilidades sociais para se engajarem em interações positivas
com seus pares.
As preocupações acerca da dificuldade na aquisição
de habilidades sociais e a formação de relações positivas têm
levado os profissionais a proporem que o desenvolvimento
das competências sociais nas relações com os pares pode ser
o objetivo central dos programas de intervenção para crianças
jovens com necessidades educacionais especiais (GURALNICK,
1999; STRAIN, 1990).
Thompson et al (1996), ao descreverem as
experiências do Circle of Inclusion Project (CIP) da Universidade
de Kansas (EUA), apontaram que os resultados obtidos
através do projeto confirmam a relevância do adulto parceiro
no desenvolvimento e manutenção do companheirismo entre
crianças com e sem necessidades educacionais especiais. Os
adultos, se necessário, podem mediar as interações iniciais

junqueira&marin editores 175


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

utilizando-se das seguintes estratégias: convidar para participação;


responder questões e oferecer propostas de interação em nome
da criança com deficiência; acessar e providenciar as adaptações
necessárias que permitam a participação da criança com
deficiência; ensinar os companheiros a interagir diretamente com
a criança com deficiência e diminuir gradualmente a mediação
quando apropriado.
Entretanto os autores afirmam, e isso também foi
evidenciado no presente estudo, que as pessoas que dão suporte à
inclusão estão propensas a desprezar as oportunidades de oferecer
suporte para as interações, de instruir e de participar, a menos que
tenham sido treinadas para isso. A partir do momento em que os
adultos envolvidos no programa são treinados e instruídos, o uso
destas estratégias pode ser aumentado significativamente.
Thompson et al (1996) fizeram as seguintes
recomendações tomando como base a experiência do Circle of
Inclusion Project (CIP):
a) a preparação da classe para a chegada de um
colega com deficiência severa, no caso das crianças
pequenas, não precisa ser extensa, sendo que as
informações devem surgir naturalmente;
b) as crianças sem deficiências seguem o modelo
do adulto para se comunicar com as crianças com
deficiência;
c) alguns companheiros da mesma idade podem
aprender a usar estratégias de suporte, como ajuda
física e suporte facilitador;
d) as crianças respondem com medo à criança
agressiva e àquelas que apresentam comportamentos
de isolamento;
e) as crianças aceitam explicações na natureza
comunicativa e/ou de enfrentamento de tal
comportamento e a necessidade de seu colega
adquirir novas estratégias.
f) no caso da criança requerer acomodações, tais
como equipamentos e dispositivos especiais, é
conveniente explicar e demonstrar o equipamento e/
ou dispositivo aos colegas e oferecer oportunidades
para que também os colegas os experimentem sem
desrespeitar a criança com deficiência.
176 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Assim, a necessidade de formação continuada


permanente e a oferta de suporte para o pessoal envolvido nunca
devem ser menosprezadas porque irão determinar o sucesso ou
fracasso dos programas inclusivos.
Os resultados indicam ainda que, embora motivados
para aceitar alunos com necessidades educacionais especiais,
os educadores de creches se sentem apreensivos em relação ao
sucesso desse empreendimento. Thompson et al (1996) apontam
que é comum encontrar equipes dispostas e que sentem prazer em
participar de um programa inclusivo; e que é também frequente
a manifestação da preocupação em relação às reais possibilidades
de atender às necessidades diferenciadas da criança e de como
oferecer da melhor forma o suporte e assistência necessários. Os
autores consideram que a ausência de regras claras e frustração
estão entre os principais fatores que podem afetar a satisfação do
pessoal envolvido em programas de inclusão escolar.
Em relação aos apoios necessários para crianças com
necessidades educacionais especiais em programas inclusivos na
Educação Infantil, Erwin e Schreiber(1999) propõem as seguintes
questões quando se pensa em definir esses suportes: quais são as
expectativas atuais para o grupo das outras crianças, e o que a
criança com necessidades educacionais especiais está precisando
no momento para ter experiências positivas e similares. Estas
duas questões servem como um fundamento para determinar os
apoios necessários, que podem ser: assistência de outras pessoas
(colega, adultos), adaptação do ambiente, adequação de materiais
ou qualquer outra estratégia que:
• Assegure que a criança possa participar de modo
ativo e significante em uma experiência ou atividade;
• Promova interações efetivas com os colegas e sua
integração dentro do grupo;
• Produza resultados saudáveis, significativos e
personalizados para a criança, e que
• Estejam consistentes com o clima e a cultura da
situação natural.
O modo de como prover apoios a crianças com
necessidades educacionais especiais cuja idade esteja entre zero a
seis anos é sempre um grande desafio. Primeiro, porque é difícil
saber como balancear entre as necessidades que são próprias
de assistência para qualquer criança nessa faixa etária, de modo
junqueira&marin editores 177
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

a assegurar cada vez mais sua autonomia, e as necessidades de


assistência para assegurar a sua participação. Além disso, as
crianças com necessidades educacionais especiais podem ter
múltiplas prioridades, requerendo desde uma assistência mínima
até intensiva e abrangente, sendo que as necessidades variam
dependendo da situação e das características da criança.
Erwin e Schreiber (1999) sugerem que sejam
seguidos os seguintes princípios na definição dos apoios:
1) Apoio deve ser o mais comum, não-estigmatizante,
e cuidadoso possível;
2) Deve-se sempre considerar a possibilidade do
apoio ser fornecido pelos colegas;
3) As famílias devem estar envolvidas na identificação
dos apoios;
4) Deve existir um clima que promova a pertinência
e o espírito de comunidade, e não deixar nenhuma
criança isolada ou estigmatizada. Todos os membros
do grupo são considerados valiosos e iguais dentro
do grupo, mas, ao mesmo tempo, com necessidades,
desafios, talentos e interesses únicos;
5) Todos os apoios devem ser monitorados e
avaliados, sendo que a fonte mais importante
de informação, identificação e monitoração das
estratégias de apoio é a criança com necessidades
educacionais especiais, que deverá manifestar suas
prioridades, preferências, aversões e interesses;
6) Os apoios devem refletir o direito das crianças
em exercer controle além do ambiente e de suas
próprias vidas.

Considerando que a oferta de apoio irá


frequentemente contrastar com perda de independência, do
controle pessoal e da autonomia, tem aumentado muito a atenção
dada à autodeterminação, particularmente daquelas crianças que
têm deficiências significativas. A autodeterminação pode ser
entendida como um processo pelo qual a pessoa passa a exercer
cada vez mais o controle pessoal sobre sua própria vida (ERWIN
& SCHREIBER, 1999). Isto pode incluir desde decisões do tipo:
quando usar o banheiro, o que vestir o que e quanto comer no

178 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

almoço ou de quem quer se sentar na hora de ouvir histórias,


etc. É importante que os apoios desde a primeira infância sejam
fornecidos de um modo que as oportunidades estejam disponíveis
para as crianças poderem expressar suas preferências e suas
aversões, participando em tomadas de decisões importantes e
exercendo controle sobre seu ambiente imediato.
Assim, se é para inserir crianças jovens nas creches e
pré-escolas da comunidade, então deve haver meios de fazer com
que isso ocorra da melhor forma possível. A oferta de apoios
tem que ser prevista; e, se os educadores não sabem como fazer
isso, como parece ser o caso, então seria necessário ensiná-los.
Uma preocupação que aparece no discurso das
educadoras diz respeito à percepção que elas têm de que as
crianças com necessidades educacionais especiais precisam de
um atendimento individualizado para atender suas necessidades
específicas, e que elas afirmam que não conseguem suprir na
classe comum. Odom (2000) aponta que existe esse pressuposto
de que algumas crianças com necessidades educacionais especiais
precisam de alguma forma de instrução que deve ocorrer por
certo período de tempo e com uma intensidade que garanta o
aprendizado. Entretanto, o autor aponta que é possível planejar
intervenções específicas baseadas no ensino naturalístico, que
não exigem que o professor se ausente de sua sala ou altere sua
rotina para atender às necessidades de um ou de um grupo menor
de alunos. Apesar de esta alternativa ser poderosa e atrativa, ela
se constitui por meio de um processo complexo de planejamento
e implementação. E, para isso, é necessário treinamento para
que os educadores aprendam a utilizar e a planejar o ensino
de modo incidental em atividades de rotinas. Bricker e Cripe
(1992) descrevem algumas das estratégias de ensino incidental ou
naturalístico que podem ser utilizadas em ambientes inclusivos
de Educação Infantil.
Entre as medidas apontadas pelas educadoras do
presente estudo para facilitar o processo de inclusão escolar,
estariam: a reestruturação das creches (em termos de ambiente
físico e de pessoal); suporte permanente de equipes de
profissionais especializados (fonoaudióloga, psicóloga, terapeuta
ocupacional, fisioterapeuta, assistente social e médico), com
orientações sistemáticas para educadores e famílias sobre como
trabalhar com o aluno com necessidades especiais e programas

junqueira&marin editores 179


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

de formação continuada para os educadores, tendo o cotidiano


da creche como ponto de partida, e a creche como lócus de
formação e ações sistemáticas.
Em relação à realidade do sistema educacional
estudado, percebemos que alguma forma de apoio é oferecida
por meio do Projeto Criando Asas através do qual as creches
recebem a visita de profissionais itinerantes, que retiram a criança
da turma e oferecem atendimento individualizado numa outra
sala da creche. Os educadores, entretanto, não parecem achar esse
tipo de atendimento suficiente; e a maioria sugere uma forma de
apoio mais contínuo, que seja direcionado para eles tanto quanto
para as crianças e que seja baseado no cotidiano da sala de aula.
Evans et al (1993) consideram que os programas
de ensino especial, que envolvem retiradas regulares dos alunos
com necessidades educacionais especiais da classe comum para
receberem atendimento diferenciado, sofrem críticas porque
falham em atender as necessidades educacionais das crianças.
Uma das críticas mais contundentes a esse tipo de programa
é a de que os alunos com necessidades educacionais especiais,
quando retirados da classe comum, deixam de ter contato com
seus pares sem dificuldades, perdem o programa da classe comum
e diminuem suas oportunidades de desenvolvimento social, além
de favorecer o estigma da educação em classes separadas.
Na perspectiva da inclusão escolar, o foco da
Educação Especial tem se voltado para garantir a inserção na
classe comum, reduzindo ao máximo os programas de retirada
e implementando estratégias para expandir os apoios centrados
na própria classe comum; incluindo os serviços de consultoria
de profissionais a professores do ensino comum e o ensino
colaborativo, que envolve parceria entre professores do ensino
regular e especial.
A literatura sobre educação inclusiva tem apontado
várias estratégias para que as escolas minimizem as barreiras
para a aprendizagem e caminhem em direção a um ensino de
qualidade. Entre tais estratégias, poderiam ser destacadas: a
recomendação para prover informação e promover sensibilização
a fim de quebrar preconceitos e mitos; garantir formação
permanente para todos os profissionais envolvidos no processo
de ensino; valorizar o professor, que é o responsável pela tarefa
fundamental da escola, e estabelecer sistemas de colaboração e/

180 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

ou cooperação, fortalecendo redes de apoio.


Portanto, corroborando a percepção da maioria
dos educadores evidenciada no presente estudo, cresce também
na literatura sobre educação inclusiva a adesão ao princípio de
que os professores não devem trabalhar sozinhos, mas sim, em
equipes, compostas por um grupo de indivíduos cujas propostas
ou funções são derivadas para uma filosofia comum e alcance de
objetivos comuns.
Wood(1998)consideraqueosmodelosdecolaboração
entre professores, pais e outros profissionais da escola, que
vêm sendo implementados para atender a diversidade, já estão
devidamente reconhecidos como estratégias poderosas para se
obter sucesso. O poder das equipes colaborativas encontra-se na
sua capacidade para fundir habilidades únicas de educadores, para
promover sentimentos de interdependência positiva, desenvolver
habilidades criativas de resolução de problemas, promover apoio
mútuo e compartilhar responsabilidades.
Planejar colaboração efetiva envolve compromisso
dos professores que estarão trabalhando juntos, dos gestores
e da comunidade. Além de envolver tempo, apoio, recursos,
acompanhamento e, acima de tudo, persistência. Porém, o
assunto chave é tempo para planejar, para desenvolver e para
avaliar, e isto implica que os sistemas educacionais devem planejar
um processo de ensino colaborativo assegurando que todos os
recursos estejam disponíveis, inclusive tempo, dinheiro e apoio
profissional. O planejamento não só garante apoio adequado
para os professores sustentarem as novas iniciativas, mas também
deve ser contínuo para permitir que os professores revisem o
progresso dos alunos, façam ajustes, desenvolvam estratégias e
avaliem os estudantes.
Colaboração é definida por Friend e Cook (1990)
como um estilo de interação entre no mínimo dois parceiros
equivalentes, engajados num processo conjunto de tomada de
decisão, trabalhando em direção a um objetivo comum. De
acordo com esses autores, as condições necessárias para que
ocorra colaboração são: a) existência de um objetivo comum;
b) equivalência entre participantes; c) participação de todos; d)
compartilhamento de responsabilidades; e) compartilhamento
de recursos e f) voluntarismo.
Há três diferentes propostas para o trabalho

junqueira&marin editores 181


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

colaborativo envolvendo os educadores das escolas comuns,


que seriam: serviços de consultoria (com profissionais, como
psicólogos escolares, terapeutas e outros); ensino colaborativo
(envolvendo professores do ensino comum e especial) e equipe
colaborativa (envolvendo os profissionais da unidade escolar, tais
como professores, profissionais e paraprofissionais, e também as
famílias).
Numa revisão de estudos com evidências empíricas
sobre o impacto de práticas inclusivas, Saylor (2002) conclui,
particularmente em relação à Educação Infantil, entre outras
coisas, que os serviços de equipe interdisciplinar contribuem
para o alcance de resultados positivos nos programas inclusivos,
mas, para que o serviço seja efetivo, é necessário tempo adequado
para o planejamento, agendas eficientes e uso racional do tempo.
Lowenthal (1999), ao fazer um balanço sobre os 30
anos de inclusão na Educação Infantil dos EUA, aponta que os
caminhos ainda necessários para um processo de inclusão bem
sucedido na Educação Infantil envolvem: adesão consistente
à filosofia de educação inclusiva; definição de papéis (para
familiares, políticos, gestores, profissionais da educação regular e
especial); colaboração em equipe; currículo e método de instrução
apropriado e mudanças na formação inicial de professores de
Educação Infantil.
No caso do Brasil, onde essa prática ainda é
insipiente, os caminhos parecem ainda mais desafiadores, sendo
que o presente estudo serviu, ao menos, para apontar novas
direções.

182 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

189
INCLUSÃO MARCO ZERO
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

INVENTÁRIO DE ORIENTAÇÃO PARA OBSERVAÇÃO EM CRECHES

Durante a situação de observação, o pesquisador


deve atentar para:

I: Espaço Físico
Acesso
• A creche possui uma estrutura de fácil acesso e
segura para todos, ou seja, os percursos possíveis
são sinalizados, bem iluminados e livres de qualquer
obstáculo; bem como devidamente adaptados, com
rampas de acesso, portas largas e ganchos na parede
e equipamentos (mobiliário, pias, bebedouros, etc.)
ao alcance das crianças.
• O acesso externo à creche é adequado com a
presença de guias rebaixadas, rua asfaltada ou ponto
de ônibus próximo.
• A superfície é verificada em relação, por exemplo,
se há buracos no chão, pedras, terra, etc.
Sala de aula
• O local é arejado, iluminado, com baixo nível
de ruído, amplo e limpo, com áreas definidas por
carpetes e estantes.
• O tamanho e a posição dos móveis são
adequados, e estes são dispostos de modo a facilitar
a movimentação e o posicionamento das crianças
nas várias atividades que elas realizam.
• Existem materiais adequados para estimulação
do desenvolvimento, materiais estes observados
quanto às suas formas, cores, tamanhos, comodidade
e praticidade.
• A relação professor/criança é adequada.
• São feitos ajustes no espaço físico para que se
evitem possíveis acidentes, como manter a porta
fechada ou a tomada tampada.
• Existem equipamentos necessários para que a
criança com necessidades educacionais especiais
possa se adaptar melhor às atividades de rotina.
190 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Banheiro

• A altura de pias e vasos sanitários é condizente


com as necessidades das crianças.
• O tamanho do banheiro é ajustado às crianças.
• As crianças têm acesso ao sabonete, papel
higiênico e toalhas de papel para enxugar as mãos.

Refeitório

• O tamanho de mesas e cadeiras é adequado para


as crianças, bem como a distância entre os móveis.
• O número de crianças por mesa e o espaço da
mesa por criança são adequados.
• Existe uma cadeira de rodas acessível.
• Os tipos de comida são planejados de acordo com
a mastigação e a deglutição das crianças, com um
possível treino específico para que a criança possa
se alimentar da forma mais independente possível.
• Os utensílios, como copos e talheres e pratos,
estão em um bom estado de conservação.
• A criança não é aborrecida por barulho e
confusão da situação.
• É verificado se a criança pode entender a
necessidade de esperar em linha ou à mesa.

Parquinho

• Há brinquedos adaptados às crianças e adequados


para estimulação
balanços, tanque de do
areia,desenvolvimento,
bolas ou brinquedos
como
de

montar.
• As superfícies são adequadas de modo a não
oferecerem riscos ou maior dificuldade para as
crianças.
• A educadora auxilia no posicionamento das
crianças nos brinquedos.
• Há promoção de atividades e jogos que possam
incluir as crianças com necessidades educacionais
especiais.
junqueira&marin editores 191
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Manejo de sala de aula

Estabelecimento de regras
• A educadora comunica as regras aos alunos de
um modo adequado em relação ao tom de voz.
• Comunicações diversas são utilizadas (verbal,
não-verbal, sinais, gestos, etc) a fim de instruir a
todos efetivamente.
• São postos cartazes/ lembretes que deixem mais
claras as instruções.
• A educadora chama a atenção de maneira
adequada dos alunos quando eles desobedecem às
regras e os elogia contingentemente quando eles as
cumprem.
• Existe constância das regras pré-estabelecidas.

Rotina

• As crianças sabem das rotinas das atividades,


de forma que percebem claramente quando uma
atividade começa e termina.
• As próximas atividades são notificadas
previamente, e objetos, quesinalizam essas atividades,
são utilizados para prevenir as crianças em relação à
adaptações físicas e psicológicas.
• Em situações de mudanças na rotina, é
considerado se a criança tem de dificuldade em
aceitar transição entre atividades ou mudanças de
horário, durante o dia, que transtornam seu senso de
rotina, e são feitas adaptações nesse sentido.
• Existe um quadro contendo as atividades da
semana e os horários das atividades a cada dia.
• É observado se a criança pode entender
explicações verbais do que acontecerá a seguir ou
tem dificuldade em se lembrar da sucessão diária de
eventos.
• O horário das refeições, do banho, de dormir, de
brincar, de chegada e saída da creche é programado
e mantido todos os dias da semana, de modo que a
rotina não se torne estressante para as crianças.

192 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches


A educadora procura rever a lição aprendida no
final do dia e sinalizar às crianças o que será visto na
próxima aula.
Atendimento de necessidades gerais ou
adaptativas

A educadora se posiciona na sala de modo a ter
um alto grau de visibilidade e examina a sala e os
alunos frequentemente, mantendo contato visual
com eles.

A educadora se locomove na sala, observando
grupos diferentes ou alunos diversos enquanto
trabalham, a fim de atender às necessidades dos
alunos .

São enfatizadas as semelhanças ao invés das
diferenças entre as crianças.

Interações espontâneas entre as crianças são
permitidas e incentivadas.

A educadora tenta incluir as crianças com
necessidades educacionais especiais no grupo das
outras crianças (por exemplo, para sentar junto,
responder às perguntas feitas pela educadora, etc) .
• A educadora procura fazer adaptações
curriculares na sala e nos materiais utilizados para
facilitar a participação da criança com necessidades
educacionais especiais.

A estimulação dos alunos com necessidades
educacionais especiais é feita de modo a atender
necessidades.

É permitida a exploração ativa das crianças no
espaço físico da sala.

Há atividades que estimulam o desenvolvimento
da criança (motor, cognitivo, socialização,
autocuidados, etc) .

Interação entre educador e alunos


Existe uma relação afetiva entre o educador e a
criança. O educador preza pela higiene da criança.

junqueira&marin editores 193


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

• Os alunos com necessidades educacionais


especiais têm o mesmo tratamento dado aos outros
estudantes, de modo que os alunos estão incluídos
na rotina e procedimentos da classe.
• A relação entre o educador e a criança com
necessidade especial é a mesma entre as outras
crianças.
• A educadora oferece oportunidades aos
alunos com necessidades educacionais especiais
responderem às questões nas atividades.
• A educadora considera se as atividades estão
estimulantes para todas as crianças.
• Objetos que distraiam a atenção dos alunos são
eliminados.
• Enquanto têm de esperar, as crianças têm algo
para fazer ou segurar.
• Existe preocupação por parte dos educadores
com as crianças que possuem deficiências
severas e múltiplas que exigem um determinado
posicionamento para facilitar sua função motora,
para que tenha um tônus muscular normal,
estabilidade corporal e mantenham o alinhamento
de corpo.
• O posicionamento da criança lhe permite
participar com a classe de todas as atividades
propostas.
• É feita uma estimulação sensorial ao longo do
dia.
• Está disponível um paraprofissional que provê
apoio não só à criança como também a classe inteira.

Cuidados médicos

• A creche tem conhecimento das necessidades de


cuidados médicos especiais de cada criança como,
por exemplo, alergia a algum alimento, medicamento,
doenças, etc.
• Existe algum tipo de rotina especial de cuidado
médico.
• É feito um treinamento do pessoal da creche no

194 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

caso de uma emergência.


• A creche dispõe dos telefones de contato
das famílias das crianças em caso de necessidade
emergencial.
• Há a presença de uma equipe multidisciplinar,
ambulatórios e medicamentos.

Apresentação de atividades

• A educadora procura avaliar o conhecimento


adquirido pelas crianças numa atividade anterior.
• A educadora fornece uma explicação clara sobre
o que o que deve ser feito na tarefa, o que é esperado
e quais são os objetivos dos alunos nas atividades.
• A educadora conversa sobre o tema antes de
iniciar a atividade, permitindo que a criança conte
sua experiência e compartilhe o aprendizado,
procurando incentivar a criança a verbalizar o que
foi realizado e o que foi aprendido.
• A educadora procura relacionar a atividade com
o cotidiano da criança.
• A educadora corrige os erros da criança
imediatamente, sugerindo as respostas corretas e,
assim, incentivando a criança a pensar.
• As atividades são escolhidas de modo que as
crianças com necessidades educacionais especiais
possam participar.
• O barulho produzido durante as tarefas é
atenuado.
• A educadora envolve os colegas para participar
das atividades com as crianças com necessidades
educacionais especiais, utilizando os colegas como
modelo de como utilizar o brinquedo.
• A educadora responde às perguntas das
outras crianças sobre a criança com necessidades
educacionais especiais de forma clara, simples e
verdadeira.

junqueira&marin editores 195


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Administração do tempo

• A organização do tempo é voltada para atividades


educativas e não somente para necessidades básicas
(higiene e alimentação).
• A duração de tempo das atividades é adequada.
• A educadora respeita o ritmo das crianças com
necessidades educacionais especiais nas atividades.
• A atenção das crianças numa atividade é mantida
pela educadora pelo máximo tempo possível.
• O tempo para dar instrução é adequado.
• O começo e o fim das tarefas são claramente
visualizados de modo que a criança tem como
predizer quanto tempo uma atividade durará ou
quando lhe pedirão para fazer algo.
• Os materiais de trabalho são ordenados em
sequência e o tempo das atividades definido pelo
número de materiais disponíveis, deixando claro para
a criança a ordem em que serão feitas as demandas.
• A educadora oferece opção de escolha dos
objetos para a criança realizar a tarefa, e a criança
sabe quando ela poderá escolher uma atividade.

Relação entre as crianças

• É verificado se existe algum tipo de preconceito


entre as crianças.
• A interação entre as crianças ocorre sem
dificuldades (comunicação, brincadeiras, afeto).
• É feita uma avaliação de como se dá a interação
entre as crianças.
• Acontecem interações espontâneas entre as
crianças.

Comportamento da criança

Comunicação
• O tipo de comunicação utilizado pela criança
é identificado (gestos, vocalização, fala, etc.) e
garantido o entendimento dessa comunicação pela

196 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

professora e os outros colegas.


• Existem atividades de estimulação para que
a criança aprenda novos tipos de comunicação,
principalmente a verbal, mais funcional como
instrução de grupo, coral, calendário, canções,
atividades de abertura rotineiras e participação em
jogos.
• A educadora alterna estratégias de linguagem
como comunicação multimodal.
• É feita uma avaliação do entendimento dos alunos
sobre as tarefas e se eles respondem de acordo com
o que foi proposto.

Comportamentos desafiadores
• Frente à situações de comportamentos
problemáticos, a educadora ignora/remove objetos
que facilitem o comportamento desafiador, toca a
criança ou usa técnicas de relaxamento.
• A educadora procura identificar e reforçar outros
comportamentos a fim de extinguir/diminuir a
ocorrência do comportamento desafiador.
• A educadora consegue identificar as causas do
comportamento agressivo da criança.
• É observado se o comportamento desafiador
prejudica alguém, se tem uma ocorrência regular e
se aumenta ou continua.

Avaliações individuais

• É feita uma avaliação individual para a criança


com necessidades educacionais especiais.
• As habilidades e preferências da criança são
conhecidas em geral como por exemplo, se ela
é ativa; tímida; prefere ficar sozinha; se participa
das atividades propostas; se é independente; se ele
consegue se comunicar; se prefere atividades rápidas
ou lentas; se se aborrece com barulho; se busca
atenção excessiva dos adultos; etc.
• As diferenças de desempenho nas áreas de

junqueira&marin editores 197


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

problema em potencial da criança com necessidades


educacionais especiais, comparado com o das outras
crianças, são conhecidas e avaliadas.
• Avalia-se se a adaptação foi problemática (tanto
emocional como fisicamente).
• Dificuldades específicas de concentração, de
iniciar o jogo, organizar-se ou de entendimento de
instruções são identificadas.
• A criança usa apropriadamente os materiais e
sabe o que fazer com eles.
• É analisado se existem causas típicas de
comportamentos problema.
• A educadora serve como modelo de respeito
e receptividade à criança com necessidades
educacionais especiais para as outras crianças.

Treinamento de habilidades

• A partir da avaliação individual feita para a


criança com necessidades educacionais especiais,
é feito um planejamento de intervenção de acordo
com as funções sociais de cada comportamento e as
habilidades de cada função.
• São determinadas quais funções necessitam de
modificações.
• O ambiente, as contingências relevantes para as
funções e habilidades e as situações relevantes para
as funções e habilidades são identificados e avaliados.

Os objetivos das habilidades e funções são


definidos operacionalmente.
• Os métodos de treinamento de habilidades e
funções são determinados.

198 junqueira&marin editores


Capítulo 9
Como os educadores de creches lidam com os
alunos especiais inseridos em suas turmas:
do discurso à prática

A escola sabe que ela não protege mais contra os determinis-


mos sócio-culturais... Longe de proteger dos preconceitos, e ela
que estigmatiza e exclui aqueles que não se ajustam ao sistema.
(BERTHE-DENŒUX & LÉONI, 2000, p. 201-202)

Nos capítulos anteriores, apresentamos diferentes


formas de analisar os dados de entrevistas e de observações, que
nos forneceram algumas pistas sobre como os educadores lidam
com crianças com necessidades especiais em suas turmas. Neste
capítulo, apresentaremos de outra forma os mesmos dados
coletados por meio das observações em situações reais, mas
organizados na forma de estudos de casos.
Cada caso foi relatado de modo a oferecer uma
descrição das percepções das educadoras; e, para ilustrar,
alguns relatos verbais reais foram transcritos das entrevistas
gravadas e foram digitados em itálico ao longo das frases. Os
episódios e eventos observados, nas situações de sala de aula,
foram sintetizados, sendo que alguns se encontram literalmente
transcritos, a título de ilustração, conforme registrados nos

junqueira&marin editores 199


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

diários de campo, e estes foram convencionalmente digitados em


itálico e com recuo à esquerda do corpo do texto.
O ojetivo deste capítulo foi o de apresentar os casos
e de fornecer material didático para uso em cursos de formação
de educadores de creches. Após a descrição dos casos, algumas
questões para reflexão dos educadores são apontadas, com
o objetivo de favorecer debates e discussões tendo em vista
a perspectiva da inclusão escolar. Não cabe, neste sentido, a
apresentação de respostas às questões suscitadas, que têm como
objetivo apenas levar a reflexões sobre o assunto.
No conjunto, foram compostos sete casos, aos quais
receberam um título que destacam os seus detalhes. Os casos
serão relatados na seguinte ordem:

CASO 1: Onde estão as crianças com necessidades


educacionais especiais?
CASO 2: Quem são as crianças com necessidades
educacionais especiais?
CASO 3: O fantasma da inclusão.
CASO 4: Brinquedo livre + falta de supervisão =
isolamento.
CASO 5: Tratamento igual ou diferente?
CASO 6: “A gente tem dó... então a gente tem de
deixar ele fazer o que gosta.”
CASO 7: “A gente tem que procurar ajudar e fazer
o que pode, né?”

CASO 1: Onde estão as crianças com necessidades educacionais


especiais? 29

A Educadora Amélia e a criança Ademir

A Educadora Amélia tinha 44 anos, segundo grau


completo, tinha seis anos de experiência de trabalho em creches
e relatou que apenas recentemente começou a receber crianças
com necessidades educacionais especiais. Durante a entrevista,
Amélia informou que tinha duas crianças com necessidades
educacionais especiais em sua turma.
200 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Depois de entrevistá-la, começamos a visitar


regularmente sua turma que era composta por 12 crianças, com
idade entre cinco meses a um ano e oito meses. Além da Amélia,
duas ajudantes permaneciam na sala e, de vez em quando, a turma
recebia a visita de Janete, a da pedagoga da creche.
O que chamou a atenção no primeiro dia foi que o
chão parecia sujo. As chupetas das crianças caíam, e as educadoras
nem sempre as lavavam antes de retorná-las para as crianças.
Os brinquedos da sala eram velhos, pareciam pouco atrativos
e muitos estavam quebrados. O carpete onde as crianças se
sentavam para brincar era velho e parecia sujo. Víamos crianças
com nariz escorrendo o tempo todo, e a impressão inicial foi de
que aquele não era um ambiente de qualidade, e que a tarefa de
cuidar e educar toda a turma era uma tarefa muito difícil para a
educadora.
Na primeira visita à creche, Amélia informou
que as crianças que ela havia identificado na entrevista não
se encontravam mais em sua turma, mas contou que, em sua
sala, havia um novo aluno, Ademir, de sete meses, que ela
considerava ter necessidades educacionais especiais, porque
“ainda não estava sentando, por mais que elas se esforçassem para isso”.
Informou, ainda, que o pai de Ademir “estava preso”, e que a mãe
deixara recomendações para que, na saída da creche, a criança
fosse entregue apenas a ela ou à madrinha, pois o tio ameaçara
sequestrar o garoto. Nesta ocasião, a auxiliar de Amélia opinou:
“só podia ter problemas mesmo, com uma família dessas!”.
As crianças da turma chegavam à creche por volta
de 8 horas, logo recebiam a mamadeira e iam para o parquinho,
onde ficavam até às 10 horas. Das 10 às 11 horas, almoçavam
e dormiam até às 13 horas. Das 13 às 15 horas, recebiam a
mamadeira, tomavam banho e eram trocadas. Das 15 às 16 horas,
jantavam e depois das 16 horas e 30 minutos começavam a sair.
Ao descrever sua experiência anterior com outra
criança especial que já havia saído da creche, Amélia contou
que quando ela ingressou, “não sentava, nem engatinhava era pouco
desenvolvida, era uma criança desnutrida”. Aos poucos foi notando as
diferenças comparando-a com as outras crianças: “ficava afastada
dos outros porque era novinha, não sentava ficava separada dos outros”.
Ao descrever suas atitudes em relação a esta criança, comenta
que era “mais atenciosa com ela, atenção dela tem que ser dobrada, só isso
junqueira&marin editores 201
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

que é a diferença. Atenção a todo comportamento dia a dia da criança”. А


alimentação dela era diferente e, se preciso, faziam substituição
para que ela não ficasse sem comer. Em relação ao tratamento,
informou “não mudamos, o programa foi o mesmo, e só a alimentação
foi diferente" . Contou ainda que a criança se “ desenvolveu muito bem,
quando saiu já andava" e que finalizou “foi até emocionante ver ele
andando... Sai gritando no meio da creche ". Ela contou ainda que havia
tido outros alunos, tais como “ a V. e o A. com um pequeno atraso ",
mas ponderou: "problemas de deficiência física, visual não temos...um
bebê com deficiência visual nunca tivemos”.
Amélia fez um curso sobre inclusão pela secretaria
de educação, onde aprendeu “ como tratar a criança, como agir e
interagir com ela', mas considera que, quando um educador recebe
pela primeira vez em sua turma um aluno com necessidades
educacionais especiais, ele não deveria “ficar sozinho para tratar” e
que seria preciso “ acompanhamento de uma pessoa que tivesse apta para
nos ensinar” .
Quando precisa de mais informações sobre como
lidar com crianças diferentes, ela disse buscar informações
com a diretora da creche, mas considera que deveria receber
66

' orientação por parte de um profissional ". Considerou que, depois


das informações que obteve no curso, “ passou a observar mais as
crianças, assim como seu desenvolvimento no dia a dia".
Sua percepção sobre as crianças com necessidades
educacionais especiais é de que elas são “ como normais”, mas
"todas carentes”. Julgou que elas não devem ter educação separada,
embora não perceba que as crianças possam se beneficiar muito
“porque são muito novas ”. Afirma que, se pudesse escolher, aceitaria
receber em sua turma crianças com necessidades educacionais
especiais, porque “todas as crianças têm direito do convívio com as outras ".
O processo política e prática de inclusão, segundo
suas expectativas, “tende a melhorar o sistema educacional se houver
aparelhagem e ambientes adequados", e considerou que sua experiência
recente com alunos com necessidades educacionais especiais,
“teve um bom impacto em sua vida", pois “ ajudou em sua mente" .
Entretanto, ela afirma que vê esta política “com um pouco de medo
por não saber como ajudar as crianças” . Ela acha que “só estáfaltando
orientação profissional dia a dia. ... ajuda profissional seria essencial, saber
que está fazendo o melhor". Se tivesse a opção de escolher entre
receber e não receber um aluno com necessidades educacionais

202 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

especiais, ela afirmou: “receberia porque acho que tem direito também da
creche, direito do convívio com outras crianças”.
Ao longo das sessões de observação de sua turma,
constatamos que, na maioria dos dias, Ademir estava ausente
por motivo de doença. Amélia afirmou que ele tinha “febre e
convulsões”, mas informou desconhecer “realmente o que ele tem”.
As educadoras com frequência faziam comentários depreciativos
sobre a família de Ademir, principalmente sobre o fato de o pai
estar preso e sobre o “desleixo” da mãe.
Nos poucos dias nos quais Ademir esteve presente,
foram registrados alguns episódios, nos quais a situação mais
comum era de brinquedo livre, onde as crianças que já sabiam
andar se movimentavam livremente pela sala ou pátio, tendo
acesso aos brinquedos, entrando numa cabaninha que lá existia,
brincando no balanço, etc. Enquanto isso, as crianças que ainda
não andavam, como Ademir, passavam quase que o tempo todo
nos berços, carrinhos ou andadores. Os episódios extraídos dos
diários de campo referentes a essa criança alvo ilustram a situação
mais observada.

Enquanto Ademir está no andador, as outras crianças ficaram subindo e


se apoiando no andador.

Enquanto todas as outras crianças brincavam no chão, Ademir ficou o


tempo todo no berço e acabou dormindo.

Todas as crianças estavam no berço e foram retiradas uma a uma e


colocadas no chão; menos Ademir, que ficou no berço durante muito tempo,
mesmo quando todas as outras crianças já haviam sido retiradas de lá,
até mesmo as menores que ele. Só foi retirado do berço na hora da troca
de fralda.

Enquanto as outras crianças estavam brincando no lado oposto da sala,


Ademir ficou 40 minutos no carrinho, afastado dos colegas, sozinho, sendo
que somente uma das ajudantes ia de vez em quando brincar com ele.

Todas as crianças, inclusive Ademir, foram colocadas no carrinho onde


permaneceram durante uma hora e dez minutos.

junqueira&marin editores 203


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Assim, quando estava na creche, Ademir permanecia


quase que o tempo todo no carrinho, ou no berço, ou no
andador. A educadora chamou a atenção do observador para as
pernas da criança quando era colocada no andador, por estas
ficarem “arqueadas”, não apoiando no chão, e apontou que a mãe
dele disse que, em casa, ele andava com o andador, embora ela
nunca houvesse constatado isso na creche. Cabe ressaltar que
o tratamento de Ademir era semelhante ao das crianças que
não andavam, pois todas raramente eram carregadas no colo e
quando isso acontecia, elas logo eram recolocadas nos berços,
carrinhos e andadores.
As únicas oportunidades que Ademir teve de interagir
com os colegas ocorreu quando ele se encontrava no andador
e algumas crianças tentavam subir ou se apoiar no andador.
Embora a situação favorecesse a ocorrência de intercâmbios
entre as crianças, ela também proporcionava risco de acidente.
Alguns pontos de reflexão neste caso poderiam ser:
1. O que de fato teria acontecido com as duas
crianças identificadas durante a entrevista segundo relato da
Amélia, mas que não foram encontradas na sala de aula? Houve
superidentificação talvez induzida pela atenção do pesquisador
ou o fato poderia representar dificuldade de permanência das
crianças com necessidades educacionais especiais nas creches?
2. Será que Ademir de fato teria necessidades
educacionais especiais? Os principais indicadores apontados
(problemas familiares e um pressuposto atraso motor)
configurariam um quadro de necessidades educacionais especiais
para a qual a creche precisaria responder?
3. A questão da relação família-escola aparece
problemática. A família era criticada constantemente, inclusive
na frente da criança. Por que isso acontece? Esta atitude com os
pais pode acontecer numa creche que pretende ser inclusiva?
4. Porque aparecem diferenças entre o discurso da
educadora e sua prática conforme observada na sua turma?
5. Que pontos positivos e aspectos que poderiam
ser melhorados para favorecer a inserção de Ademir nesta creche?
6. Apesar de ter feito cursos, Amélia demanda
a presença na creche de pessoas especializados no trato com
crianças com necessidades educacionais especiais. Seria possível
disponibilizar este tipo de apoio para favorecer a inclusão em
creches?

204 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

CASO 2 : Quem são as crianças com necessidades educacionais


especiais?

As educadoras Janete e Joyce, e as crianças Julinho, Joãozinho ,


Janaína e Joaninha

Na turma da Educadora Janete, foram, a princípio,


identificadas três crianças. Os meninos Julinho (de 3 anos e com
“ atraso ”) , Joãozinho (com 3 anos e 6 meses, com “estrabismo,
agressividade, pernas tortas”, que “ não tem mãe e é cuidadapelopai epela
irmã de dez anos) e a menina Janaína (com 3 anos, “atraso na idade
óssea, desnutrição”, “criança mora com a mãe e dois irmãos, um bebê e uma
menina de 6 anos ").
Durante a entrevista, Janete contou que não foi
consultada sobre a inserção desses alunos na sua turma e que,
se pudesse escolher, aceitaria receber alunos com necessidades
educacionais especiais “desde que tivesse as condições de trabalho” .
Ela apontou ainda que "preferia estar trabalhando com a criança
deficiente", mas afirmou não ter preparo. Comparando-se às outras
educadoras da creche, considerou que tinha mais preparo do “que
as outras aqui porque eu estou no projeto discutindo casos" , mas ainda
assim, ponderou “a gente não estápreparado”.
Janete além de responsável por essa turma, por
ocasião da entrevista, era também uma das educadoras envolvidas
no " Projeto criando asas", que era especificamente destinado
ao atendimento de crianças com necessidades educacionais
especiais. As crianças indicadas para atendimento eram retiradas
de suas turmas para receberem atendimento individualizado por
outros educadores, em outra sala.
Apesar de ter feito dois cursos sobre inclusão
promovidos pela secretaria de educação, ela considerou que
“faltou informação sobre estimulação”, que “foi algo distante, que faltou
orientação para prática” e “que tem a teorida', mas que muitas vezes
não ajuda a resolver os problemas.
O sentimento dela em relação à política de inclusão
é de “preocupação por sentir-se despreparada ”, e de “desespero e medo de
errar com essa criança e causar uma sequela nela ', ou de “ insegurança
e medo de falhar". Janete apontou ainda que “se lançou a política de
inclusão, mas não se deu base para trabalhar" , e ponderou “não está
capacitada, mas não porfalta de vontade”. Ela sugeriu que deveria ser
junqueira&marin editores 205
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

proporcionada às educadoras das creches “ orientação permanente, e


que a prefeitura deveria disponibilizar uma fonoaudióloga, uma terapeuta
ocupacional e um psicólogo".
Aprincipal vantagem que a educadora via na inserção
do aluno com necessidades educacionais especiais nas creches era
a “convivência com as crianças normais". Entretanto, ela achava que o
impacto nas crianças com necessidades educacionais especiais na
creche não tinha sido tão grande por causa da própria situação
de exclusão social da família onde “ ... a maneira deles viverem é
diferente... Aqui é muito assim, desnutrição, acho que é uma coisa constante
no bairro, então não causa tanto impacto. "
Quanto à educação da criança com necessidades
educacionais especiais ela considerava que o melhor seria "ter
meio período pra essa Educação Especial, em um lugar próprio para ele,
com profissionais especializados no caso dele e meio período ele devia estar
tendo essa inclusão com as crianças ...assim, normais, pra não achar que ele
é ... sóporque tem uma deficiência. " Ela avaliava que dessa forma não
haveria prejuízos para a criança “porque as necessidades que ela tem
estariam sendo supridas nesse meio período que ele estaria no atendimento
individualizado ", e “não estaria sobrecarregando a gente que não está
preparada para isso nem prejudicando ele porque seria uma diversão o outro
período que ele estaria na creche ”.
Ao comentar sobre o impacto da experiência de
trabalhar em turmas com crianças com necessidades educacionais
especiais na sua vida pessoal, apontou que "é uma experiência
muito rica ", mas colocou como desvantagem o envolvimento
sentimental que se acaba tendo com essas crianças. “Então, a gente
acaba se envolvendo com a criança, acaba se apegando à criança, nãofazendo
diferença com as outras, mas a gente acaba dando uma atenção especial... e,
de repente, se você não está com uma preparação psicológica, emocional,
acaba assumindo os próprios problemas dos alunos.”
Em relação às crianças sem necessidades educacionais
especiais, ela referiu: “ eu acho assim que o impacto nãofoi tão grande...
as necessidades são poucas e elespassam assim desapercebidos entre as outras
crianças” . Ela considerou, entretanto, que “se tivesse uma criança com
uma deficiência grave, seria um impacto grande" .
Sobre suas expectativas a respeito da política de
inclusão no sistema educacional, ela avaliou que “se for assim do
jeito que tá, colocar a criança só para estar na política da inclusão... que
tende a piorar". Ela concluiu “eu acho assim que no papel é tudo muito
206 junqueira&marin editores
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começando pelas creches

lindo, muito bom, mas é que a gente não tá preparada ainda', e sugeriu:
"Eu acho que falta isso, umprofissional assim pra estar... ou mesmo ита
nova capacitação mais assim ...para creche por creche ”.
Ela contou que não modificou sua rotina de
trabalho " porque é o caso de não ser uma deficiência tão severa ”. As
metas dela para a turma eram o aprendizado de formas, cores e
desenvolvimento da coordenação motora; e que, para os alunos
com necessidades educacionais especiais, sua expectativa era de
que eles conseguissem se desenvolver e que ela pudesse " suprir a
carência deles nas necessidades especiais e conseguir superar as dificuldades ".
Ela ponderou, ainda, que poderia fazer modificações dependendo
da atividade e da deficiência da criança, e citou como exemplo,
“se fosse uma criança cega eu iria trabalhar de cabra-cega com eles para
entenderem como é não enxergar... ", e afirmou que dependendo da
mudança a ser feita “precisaria da ajuda de um profissional”.
Começamos, então, a visitar a classe da Educadora
Janete, onde estavam as três crianças: Julinho, Joãozinho e
Janaína. A princípio houve certa dificuldade para se descrever a
turma, porque ela tinha em torno de 20 crianças e, toda manhã,
era dividida em dois grupos de forma aleatória30. As crianças
chegavam por volta das 7h30min da manhã e ficavam até às 10
horas em atividades de brincadeira dentro da sala. Entre 10, 11
horas era servido o almoço e logo vinha o horário de dormir, que
se prolongava até às 14 horas. A partir das 14 horas era servido o
lanche, seguido pelo horário do banho e atividade de brinquedo
livre até às 16 horas. A partir das 16 horas, começava o horário
de saída das crianças da creche.
A sala de aula era bem iluminada com janelas grandes
que davam para um dos parquinhos. Na sala, havia um baú de
brinquedos, como bonecas, carrinhos, brinquedos de montar e
duas mesas pequenas, uma escrivaninha e algumas cadeiras. O
banheiro era junto com a sala de aula e tinha chuveiro, trocador,
pia e sanitário. As paredes exibiam folhas com exercícios feitos
pelas crianças. Havia também um armário e uma mesa com uma
cadeira para a educadora.
Logo no início das primeiras sessões de observação,
a Janete saiu dessa turma e ingressou em outra. Entretanto, as
observações continuaram nesta turma, após o consentimento
da nova educadora, Joice, que assumiu a classe. Na turma, além
da educadora havia uma ajudante. Esta turma particularmente

junqueira&marin editores 207


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

teve poucos momentos de atividades externas, tal como no


parque, por exemplo, e consequentemente, a maioria das sessões
aconteceu dentro da própria sala.
Quando começaram as sessões de observação,
a criança-alvo, Julinho, estava faltando há muito tempo da
escola e só voltou quando a coleta de dados já estava no final.
Os dois episódios descritos a seguir ilustram as situações que
mais chamaram a atenção com relação a esse menino, em que
as situações típicas eram de brinquedo livre, envolvendo disputa
por brinquedo iniciada por Julinho:

As outras crianças estão brincando e nesta sessão Julinho sempre


demonstrava interesse pelos brinquedos das outras crianças. No momento
em que ele quis disputar um brinquedo de outra criança, a Joice lhe deu
outro brinquedo e lhe informou que depois que a outra brincasse com
o brinquedo desejado, esta lhe daria. Alguns minutos depois, a criança
voltou e deu o brinquedo a Julinho.
Julinho sempre ameaça chorar quando alguém quer o seu brinquedo ou
quando ele quer um brinquedo que está com outra criança. Houve um
momento em que Julinho brigou com um colega porque este tentou pegar um
brinquedo que estava com ele. Os dois foram chorando em direção à Joice,
que deu o brinquedo para o colega e levou Julinho para tomar remédio e,
justificando para a observadora, “assim ele esquece”.

Joãozinho era um menino de três anos de idade,


que foi identificado como aluno com necessidades educacionais
especiais porque tinha “problema sério de visão, teve desnutrição e o
andar-caranguejo”. Uma das educadoras afirmou que ele não
enxergava nada. Entretanto, isso não parecia prejudicá-lo tanto,
pois era um menino ativo, agitado e muito sociável no grupo. Ele
interagia regularmente com as outras crianças e era sempre o mais
agitado e foi a primeira criança a se aproximar do observador
para conversar e mostrar brinquedos. Segundo as educadoras,
era uma “das crianças mais levadas” e elas informaram que viviam
“chamando sua atenção, por ele não parar quieto”. Ele costumava subir
na mesa para pular no chão, pegar o que não podia, era um dos
que mais queira comer de manhã e já havia “feito xixi em outra
criança”. Os episódios descritos a seguir ilustram como se dava a
inserção de Joãozinho na turma.

208 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

As crianças estão sentadas à mesa, na atividade de ver revistas. Elas


realmente se concentraram na tarefa de ver as revistinhas. De vez em
quando, uma fazia algum comentário com a outra, apontava uma figura.
O aluno Joãozinho fazia o mesmo, mas acontecia mais das crianças
tomarem a iniciativa de interagir com ele, do que ele se dirigir a elas.
Numa situação de brinquedo livre, Joãozinho pegou um telefone, fingiu que
estava falando, trouxe para o observador, tocou-lhe a orelha indicando que
queria que o observador conversasse ao telefone. Fez a mesma coisa com
mais duas crianças. “Uma delas também tinha um telefone que colocou na
orelha dele, fazendo com que os dois trocassem os telefones”.
Um colega pede a motocicleta que estava com Joãozinho, que a princípio
se recusa a dar, mas que depois acabou cedendo para o colega. Ele sorriu
para mim e eu o elogiei. Começamos a brincar, mas logo ele me pediu para
que eu pegasse sua motocicleta de volta. Outro colega, que estava ao lado
brincando de “polícia”, ouviu e disse que ia recuperar a sua moto.

Os episódios ilustram que Joãozinho tinha boa


interação na turma e era aceito pelos colegas, que o buscavam
frequentemente como parceiro de interação, participavam de
brincadeiras de faz de conta, que ele tinha a iniciativa de propor,
e faziam coisas para agradá-lo tal como, por exemplo, recuperar
um brinquedo que lhe foi tomado.
A outra criança alvo era Janaína, uma menina de dois
anos, que havia sido identificada em função de ter um histórico de
desnutrição e atraso na idade óssea. As professoras comentaram
que ela teve dificuldade em se adaptar na creche, pois interagia
muito pouco com os colegas e educadoras, mas que havia tido
uma melhora nítida. Ainda assim, ela era a mais quieta da classe,
quase nunca brincava com as outras crianças, passava muito
tempo ao lado da professora.
Normalmente, quando começava uma brincadeira,
pegava um brinquedo e demorava muito tempo para trocar
de atividade. Respondia apenas quando conversavam com ela,
sorria, dava “tchau”. Ela permanecia perto da observadora o
tempo todo da sessão e costumava ficar deitada no chão, sozinha,
com o olhar fixo, e, às vezes, emitia sons aparentemente sem
significado. Apenas reagia quando alguma criança falava com ela,
mas dificilmente tomava iniciativa de interagir com os colegas.

junqueira&marin editores 209


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Os episódios descritos a seguir ilustram como se


dava a inserção de Janaína na turma.
Janaína ficou por muito tempo deitada em cima de uma boneca, no chão.
Ela beijava sua boca e a sua bochecha e a abraçava sem parar. Ficou
realmente, muito tempo desse jeito.
Neste dia, num determinado momento de sessão, Janaína ficou abraçada
com a boneca, deitada no chão. Ficou um tempo quieta, sem se mexer.
Parecia que estava “desligada” do mundo.
Em um determinado momento, Janaína se deitou no chão e ficou com o
olhar perdido alguns minutos e, ao mesmo tempo, ficou emitindo sons sem
significado. Nessa hora, uma menina da turma se aproximou e começou a
imitá-la. Assim, as duas ficaram brincando juntas no chão por um tempo.
A Joyce deu uma boneca para Janaína, que ficou brincando sozinha na
mesa, até o final da sessão.
Janaína estava sentada em uma cadeira ao lado da cadeira da professora,
mas ficou um longo tempo sem ter nenhum tipo de interação.
Janaína estava em um canto da sala, segurando e conversando com uma
boneca e assim permaneceu, sozinha, por mais de 20 minutos.
A observação de Janaína nesta turma evidenciou que
prevaleceram as situações nas quais a criança ficava isolada do
grupo. Entretanto, esporadicamente foram observados alguns
episódios de interação de Janaína com educadores, tais como os
descritos abaixo.
A ajudante G. chamou Janaína e começou a penteá-la, me dizendo, então,
que a Janaína estava com piolho, mas que já vinha passando remédio fazia
mais de uma semana. Em seguida, virou para a criança e disse “Agora
vai passar, né, Janaína?”, acariciou o seu cabelo e prendeu com presilhas.
Neste dia, as crianças estavam brincando no parquinho e Janaína ficou
olhando para o escorregador. E, então, a observadora lhe perguntou se ela
gostaria de escorregar. Ela respondeu que sim e, deste modo, a observadora
a levou até o brinquedo. Ela subiu e quando chegou no topo, no momento
da descida, pediu, quase chorando, que a observadora a tirasse de lá.
Uma quarta criança da turma, a menina Joaninha
de três anos, foi identificada por Janete após serem iniciadas as
observações, e a educadora Joice também a apontou como sendo

210 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

também uma aluna especial. Os episódios observados indicaram


que, em algumas situações, Joaninha ficava isolada do grupo. Em
outros momentos, iniciava interação com os colegas ou buscava
auxílio da professora para resolver um problema, tal como
exemplo, em casos de disputa de brinquedos.
Numa das idas da turma ao parquinho, Joaninha ficou praticamente o
tempo todo sentada na areia embaixo do escorregador, sozinha e chorando.
Joaninha estava sozinha, sentada num banco do pátio observando as
crianças que estavam correndo e brincando pelo pátio. Ficou assim a sessão
inteira, saía apenas pra tomar água.
Joaninha pegou uma boneca e se sentou ao lado de uma colega que também
tinha uma boneca. As duas ficaram brincando e conversando entre elas e
as bonecas.
Nesta sessão, Joaninha ficou andando sozinha pela sala, com alguns
brinquedos na mão, a maior parte do tempo e, só às vezes, interagia com
algumas crianças. Houve um momento em que uma criança tentou tirar
seu brinquedo, e as duas foram chorando até que Joice deu o brinquedo
para a Joaninha que ficou sentada brincando sozinha por um tempo ao
lado da cadeira da educadora.
Depois do banho, quando as crianças estavam sentadas esperando o
momento de ir para o refeitório, a ajudante pediu a elas que formassem
uma fila. Nesse momento, Joaninha apresentou alguma dificuldade para
se levantar, mas conseguiu se levantar sozinha. Joice e a ajudante que
estavam próximas nem notaram tal fato.
Em outras situações, foram observados alguns
episódios de interação positiva entre as educadoras, as crianças-
alvo da observação e os colegas.
A ajudante de Janete sempre interage com todas as crianças, e, nesse dia,
ela ficou fazendo cócegas em algumas delas, incluindo em Joaninha. Isso
acabou despertando a atenção das outras crianças que, aos poucos, foram
se aproximando. Dentre elas, estavam Julinho, Joãozinho e Janaína e a
ajudante brincou com todas as crianças que se aproximavam igualmente.
Neste dia, a educadora Janete pegou alguns brinquedos e contou histórias
utilizando-os. Todas as crianças ficaram em volta dela ouvindo as histórias
e ela foi atenciosa e carinhosa com todas.
No momento de ir para o refeitório, quando todas as crianças estavam

junqueira&marin editores 211


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sentadas juntas esperando, a ajudante começou a cantar uma música que


agradecia a Deus pelo alimento. As crianças começaram a cantar junto e
ela pediu para que algumas cantassem sozinhas. Primeiramente Joaninha
quis cantar, e depois a Janaína. As duas cantaram a música inteira e,
no fim, Joice e a ajudante bateram palmas. Joaninha pronunciou todas as
palavras corretamente, enquanto que a Janaína se enrolou um pouco na
hora de pronunciá-las, mas mesmo assim ela se expressou cantando.
A observação dessa turma, que já não era mais
da Educadora Janete, permitiu fazer algumas reflexões sobre
a inclusão escolar de crianças com necessidades educacionais
especiais em creches:
1. Teriam de fato as crianças Julinho, Joãozinho,
Janaína e Joaninha necessidades educacionais especiais?
2. A Educadora Janete, que teve a oportunidade
de realizar vários cursos, ainda se considerava despreparada para
educar crianças com necessidades educacionais especiais em suas
turmas. O que seria necessário para preparar os educadores?
Quais necessidades adicionais de formação teria um educador
para lidar com crianças, tais como Julinho, Joãozinho, Janaína
e Joaninha, que, segundo a própria educadora, não são crianças
com deficiências?
3. Quais seriam as vantagens e desvantagens da
proposta de Janete de aliar a escolarização de crianças com
necessidades educacionais especiais em escolas especiais e em
creches comuns?
4. Nesta turma, prevaleceram atividades
desenvolvidas dentro da sala de aula. Quais seriam as vantagens
e desvantagens das atividades desenvolvidas dentro e fora da sala
de aula, no caso da Educação Infantil, e pensando na perspectiva
de construção de creches inclusivas?
5. Nesta turma, foram frequentes as disputas
por brinquedos envolvendo as crianças com necessidades
educacionais especiais e seus colegas. Que fatores poderiam estar
determinando uma ocorrência grande desse tipo de episódio?
Que atitudes devem tomar as educadoras nos casos de disputa
de brinquedos envolvendo as crianças com necessidades
educacionais especiais e seus colegas?

212 junqueira&marin editores


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6. Os episódios ilustram que situações de brinquedo


livre podem favorecer o isolamento de crianças socialmente
menos habilidosas. Como um educador de creche deveria agir
nos casos de crianças que ficam isoladas nestas situações?
7. Neste caso, a educadora também demanda
a presença de profissionais especializados. Seria isso viável e
necessário para apoiar a participação de crianças com necessidades
educacionais especiais em creches? Seria isso necessário para lidar
melhor com as crianças Julinho, Joãozinho, Janaína e Joaninha?

CASO 3: O fantasma da inclusão.

A Educadora Célia e as crianças Carlinhos, Caio e Cristiano

Nesta turma de três anos, foi inicialmente indicado


apenas Carlinhos e, segundo a educadora, porque era “filho
único e mimado”. Célia informou que a mãe dele estava sempre
em contato com a creche e que seguia “as orientações dadas para
melhorar a adaptação da criança”. A educadora acreditava que esta
criança precisava “de um acompanhamento para os seus rompantes”, e
ela não se julgava capacitada para isso, porque ele era “humilde e
doentinho”, mas também “agressivo e com pouca iniciativa de interação
com os colegas”.
Quando entrevistada, Célia confessou que antes
tinha receio de não conseguir trabalhar com as crianças com
necessidades educacionais especiais, mas contou que, no ano
passado, teve em sua turma uma criança “com Síndrome de Down
e foi muito legal .... deu pra trabalhar muito bem com ele, ele era muito
receptivo”. Em relação a Carlinhos, ela informou que foi ela mesma
quem trouxe a criança para a creche.
Célia contou que foi escalada para participar do
projeto “Criando Asas”, como uma das educadoras que iria
oferecer atendimento separado e individualizado às crianças com
necessidades educacionais especiais de sua creche, mas que até
então eles “não estavam encontrando nenhuma criança com necessidades
educacionais especiais no bairro que não estivesse sendo atendida, porque
tem criança, mas estava sendo atendido na APAE, em outras instituições”
e que “sem nenhum atendimento, não tinha”. Então, quando ela

junqueira&marin editores 213


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
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conheceu Carlinhos por acaso na comunidade e soube que ele


não recebia nenhum tipo de atendimento, orientou a mãe para
colocá-lo na creche.
Quando questionada hipoteticamente sua posição
entre poder aceitar ou não uma criança com necessidades
educacionais especiais em sua turma, afirmou que aceitaria, mas
66

dependendo da necessidade da criança, a gente tem que ver se há condições de


trabalhar, tanto na parte de você ter condições de administrar a necessidade
dele e mesmo porque o ambiente que a gente trabalha, às vezes, pode não ser
o ambiente idealpara ele."
Quando questionada sobre a inclusão, Célia
praticamente aludiu exclusivamente à sua desilusão em relação
à política de inclusão nas creches, dizendo “achei também que eles
fossem dar uma cobertura maior, né? Pelo trabalho que está sendo feito e,
como tem um grupo muito bom, a gente achou que ia ter mais suporte, mais
cobertura. A gente começou a procurar os funcionários da prefeitura e não
tava achando." Então, Célia concluiu que a política “ia ser uma coisa
muito no papel' porque não houve “cobertura pros problemas que a
gente têm na creche" .
Célia ainda ponderou: “não adianta você trazer uma
criança com deficiência pra creche, sendo que você não consegue resolver nem
os problemas daquelas crianças, que são normais e que eu acho que seja até
mais fácil' . Continuando nesse assunto, em outro momento da
entrevista, ela nos contou que, em conversas e reflexões com
suas colegas da creche, chegou a conclusão que “eles primeiramente
deveriam tratar das necessidades que a gente tinha dentro da creche, não
assim crianças com deficiências caracterizadas mas crianças de risco que
...

têm muitos problemas e deveriam ser tratadas antes defazer inclusão. Porque
imagina o número de crianças que têm problemas psicológicos, crianças de
risco?"
Ela relatou também em relação à política de inclusão
que “ num primeiro momento, a gente viu isso como uma salvação... " e
teve a expectativa de que iria finalmente ter “uma fonoaudióloga
pra trabalhar com a gente e com ele". Mas depois avaliou que foi só
“ teoria ”, que houve “ uma dificuldade muito grande' e afirmou: “ não
conseguimos botar em prática" .
Por ocasião da entrevista, Célia também informou
que não trabalhava mais no projeto "Criando Asas ", mas
que, quando tinha problemas, buscava “conversar com as demais
educadoras ", porque segundo ela “não tem vindo nenhum profissional

214 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
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aqui”. Em relação ao projeto “Criando Asas”, ela achava que “o


projeto é muito pouco, ... que é muito pouco tempo que esses profissionais
que vem aqui ficam aqui com as crianças” porque ela considerava
importante “o dia a dia”, mas que “os profissionais que não aparecem
... então, você procura ler algum livro e tal, mas é muito pouca coisa”.
Célia sugeriu que “deveria ter uma capacitação” voltada
para ensinar o educador “o que fazer com essa criança no dia a dia” e
justificou: “Nós não somos profissionais com nível superior. Só
agora eles estão exigindo isso, mas nós não somos profissionais
com o nível superior, então nós não temos alguns conhecimentos.
E, então, deveria ter uma capacitação melhor pra gente poder ter mais
segurança pra trabalhar com as crianças”. No caso das creches, ela
sugeriu ainda que “ajudaria ... uma fonoaudióloga, uma psicóloga, talvez
uma assistente social”. Outra sugestão implícita na entrevista de
Célia surgiu quando ela comentou: “O que eu acho muito importante
é trocar informações com as colegas. Porque não sei, sabe, às vezes, uma ideia
que você teve e que uma colega já fez... Eu acho que é muito importante
essa troca de experiências. Você coloca em prática... A troca de informações,
com outras creches, é importante, mas tem sido rara, por causa da falta de
tempo”.
Quando iniciadas as observações, Célia indicou mais
duas outras crianças de sua turma (Caio e Cristiano) dizendo
que “inclusive, foram indicadas para o projeto, mas que, assim, não são
necessidades específicas”, mas referendou que eram crianças com
problemas e tinha dúvidas “eu não sei até que ponto é uma necessidade”
em identificá-las e proporcionar atendimento diferenciado.
Caio foi indicado por apresentar problemas na
linguagem e, segundo Célia, ele tinha “fala incompreensível e rápida”,
não articulava bem as palavras, usava mais os gestos e sons no
lugar de palavras e o seu vocabulário era restrito (a nomes de
jogos, brinquedos e figuras). Além disso, ele era dependente para
realizar algumas habilidades de vida diária (vestir e tirar roupa,
lavar o rosto e as mãos); tinha “dificuldade em compreender instruções
e associar cores, jogos, desenhos” e apresentava episódios de “febres
repentinas” e intermitentes. Segundo Célia, Caio era muito tímido
e, quando um adulto se aproximava para conversar, ele se retraía,
mas interagia melhor com os colegas.
A educadora contou ainda que a mãe de Caio atendia
as sugestões feitas pela creche para estimulação da fala, mas que
havia declarado que todas as crianças de sua família apresentaram

junqueira&marin editores 215


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

histórico de atraso na fala, pois falaram somente com cinco


anos. Célia achou que o ingresso da criança na creche produziu
aumento em seu vocabulário.
Cristiano, a terceira criança indicada, apresentava
doença crônica (bronquite asmática); possuía uma diferença
do tamanho de uma perna em relação à outra; vinha de uma
família “bem estruturada”, na opinião de Célia, vivia com os pais
e era filho único. Ela relatou que “depois de atividades intensas” ele
sempre reclamava de dores. Célia ainda opinou “sua deficiência está
progredindo”.
Sobre a rotina da turma, Célia a princípio relatou que
era difícil e que ela introduzia muitas variações. De modo geral,
a rotina envolvia a recepção das crianças e o café da manhã (das
07:00 às 08:00), seguida por um período de atividades e lanche
(08:00 às 09:00), outro período de atividade (10:00 às 11:00),
almoço e repouso (das 11:00 às 13:00). Após o sono, havia o
período de troca de roupa (14:00 às 15:00) e jantar (15:00 às
16:00), seguido por um período de brinquedo livre até a saída das
crianças. Nas quintas-feiras, eles iam à sala de vídeo para assistir
desenhos e, nasA sextas-feiras, iam ao parquinho.por
turma era composta crianças em torno de
três anos. As crianças pareciam se relacionar muito bem entre
si, embora se observasse maior afinidade na convivência entre
alguns subgrupos. Alguns pareciam mais agressivos e brigavam
por qualquer coisa, enquanto que outras eram mais quietas e
brincavam discretamente em um canto. Todos interagiam nas
brincadeiras e, em geral, ninguém ficava de fora. A classe era
bastante ativa e as crianças obedeciam às ordens da educadora
que, por sua vez, parecia gostar muito das crianças e conhecer
bem cada uma delas. A educadora também parecia saber quando
ser mais exigente em determinadas situações.
Na sala, foi observado que Carlinhos era quieto no
começo, mas logo se acostumou com a presença do observador
e passou a tentar interagir. Ele demonstrou ser bastante ativo e
foi observado brincando com todas as outras crianças, embora
às vezes apresentasse episódios de agressão, beliscando, batendo,
chutando, jogando brinquedos nos colegas quando contrariado.
Apesar destes episódios, pareceu ter uma relação muito boa com
os colegas e com as educadoras. O problema apontado em sua
fala pela educadora era pouco perceptível e, como muita criança

216 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

de sua idade, ele costumava trocar o “s” pelo “x”.


Caio era um menino muito quieto na turma, até
mesmo com os colegas. Ao longo do tempo, começou a se
aproximar da observadora, depois passou a demonstrar alegria
ao vê-la chegar e, no final, dizia que não queria que ela fosse
embora e pedia sempre para que voltasse, mas sempre de uma
forma tímida. Ele costumava brincar com várias crianças, mas,
geralmente, havia um grupo mais fixo, e ele aparentava ser
bastante calmo e raramente se envolvia em brigas com as outras
crianças. Seu problema na fala parecia mais acentuado, pois era
muito difícil entender o que ele falava. Ele emitia alguns sons e,
em geral, apenas a última palavra da frase era compreensível, o
que tornava sua comunicação com outras pessoas difícil e ele
vivia gesticulando para se fazer entender.
Cristianoeraummeninobastanteativoeconversador.
Costumava sugerir brincadeiras e brincava tanto com as
outras crianças quanto sozinho. Sua relação com os colegas e
as professoras parecia ser bastante tranquila. Pela observação,
não foi possível entender porque ele havia sido indicado para
atendimento no projeto “Criando Asas”.
Os episódios extraídos do diário de campo, descritos
a seguir, ilustram como se dava a inserção de Carlinhos, Caio e
Cristiano na turma da Educadora Célia.

Ao concluir uma atividade de brinquedo dirigido, as crianças que estavam


todas sentadas no chão se dispersam e vão brincar livremente com alguns
triciclos. Entretanto, Cristiano continua sentado no chão onde estava
observando as demais crianças com seus triciclos. Passados alguns minutos,
a educadora comenta que Cristiano poderia estar achando que deveria ficar
sentado porque não havia mais triciclos. Então, ela fala para Cristiano
se levantar, pegar outro brinquedo e ir brincar com as outras crianças.
Prontamente Cristiano se levantou, pegou um carrinho e foi brincar com
Caio.

No caso, percebemos que a educadora foi sensível


em perceber que deveria incentivar Cristiano a se engajar em
atividades e interações positivas com seus colegas, e bastou uma
mediação muito simples para que a criança saísse do isolamento
e começasse a interagir com outra criança.

junqueira&marin editores 217


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

As crianças estavam brincando de triciclo e como Carlinhos já havia


brincado, a Educadora tirou-lhe o brinquedo e deu para um colega que
aguardava sua vez. Passados 15 minutos, Carlinhos ainda chorava sem
parar quando a educadora foi conversar com ele para explicar que os
outros também tinham o direito de brincar com os triciclos e que ele deveria
dividir os brinquedos com os colegas. Ela se propôs, então, a ir buscar um
carrinho para ele se ele parasse de chorar e fosse brincar com os outros que
também brincavam de carrinho. Ele concordou e, logo depois, Maria voltou
com um carrinho, que Carlinhos pegou e foi brincar com as outras crianças.

Assim, a educadora percebeu que Carlinhos


precisava compreender a regra de dividir os brinquedos e, com
uma explicação e um redirecionamento da atenção da criança
para outro foco, a educadora fez com que ele parasse de chorar e
voltasse a brincar e a interagir com seus colegas.

A educadora sentou-se ao lado da piscina e chamou as crianças para


conversar com ela e para contar as novidades que aconteceram enquanto ela
estava fora (pois, depois de um período de afastamento, ela estava voltando a
trabalhar nesse dia). Algumas crianças se sentaram ao seu redor, inclusive
Carlinhos, Caio e Cristiano. Nem todas as crianças foram, e algumas
continuaram brincando. Das que se sentaram, nem todas falaram, ela só
conversou com algumas, que são as que falam melhor. Depois de ficarem
algum tempo conversando com ela, as crianças foram brincar.

Esse episódio ilustra que, às vezes, mesmo de forma


não intencional, a educadora pode direcionar sua atenção para
as crianças mais habilidosas, fazendo demandas que só elas
podem atender, deixando de favorecer a participação das que
não conseguem atender as exigências da tarefa, que, no caso, por
exemplo, ter linguagem e memória para contar os acontecimentos
da escola no período de ausência da educadora.
Caio permanecia bastante atento ao filme, mas Carlinhos nem olhava
para a televisão e, por isso, a educadora chamou sua atenção várias vezes,
até que, em determinado momento, pediu para que ele fosse se sentar ao seu
lado, longe das outras crianças.
A educadora D demonstra sensibilidade ao mudar
de estratégia quando percebe que a criança não está participando
de uma atividade.

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começando pelas creches

Finalizando o relato deste caso, destacamos os


seguintes pontos para reflexão:

1. As crianças com deficiências estão ou não na


creche? Se elas não estão, conforme afirma Célia, onde elas
se encontram e que implicações tem essa ausência sobre os
resultados da política de inclusão?
2. A maioria das crianças com necessidades
educacionais especiais indicadas, até aqui, por todas as
educadoras, não são crianças com deficiências, mas sim, crianças
de risco ou com atraso no desenvolvimento. São crianças que
provavelmente já eram encontradas nas creches, mesmo antes de
ser anunciada uma política oficial de inclusão pelas autoridades
locais. Isso significa que a política de inclusão está funcionando
se pensarmos que ela teria que ampliar o acesso de crianças com
deficiências às creches?
3. Se as crianças com deficiências não estão nas
creches, e se as crianças com necessidades educacionais especiais
que são indicadas, na verdade, sempre estiveram nas creches, o
que significam as queixas dos professores de despreparo para
lidar com crianças ou de falta de apoio? Do que efetivamente os
educadores estão reclamando?
4. A Educadora Célia acha que antes de se promover
a inserção da criança com necessidades educacionais especiais, a
política deveria cuidar das crianças de risco que já estão na creche.
Será esse o caminho, ou seja, melhorar a qualidade das creches
antes de por em prática uma política de inclusão de crianças com
necessidades educacionais especiais? Será que as creches vão
mudar para atender crianças com “necessidades educacionais
especiais” se elas estiverem fora desse espaço?
5. Analise o episódio da televisão, considerando
que a criança pode não estar interessada em assistir ao filme, que
isso pode ser comum nas turmas de criança pequenas porque esse
tipo de atividade exige longos período de atenção e concentração
e eventos que acontecem na tela que nem sempre as crianças
conseguem entender. Portanto, pode ser comum que as crianças
tentem sair de uma situação que para elas é desagradável e, neste
caso, qualquer comportamento que não envolva o ficar quieto
pode ser interpretado como disruptivo e ser punido? Como agir
nessa situação?

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6. As práticas observadas em relação às crianças


identificadas parecem estar sendo, de modo geral, inclusivas, mas
a despeito disso, alguns episódios observados permitem constatar
que situações potencialmente excludentes podem ser muito
sutis e nem sempre parecem ser percebidas pelos educadores.
Quais episódios poderiam favorecer a participação e quais são
potencialmente excludentes ?

CASO 4: Brinquedo livre + falta de supervisão = isolamento das


crianças com necessidades educacionais especiais .

A Educadora Denise e as crianças Dario, Dênis, Dionísio , Diane e


Dara .

A educadora Denise (D) tinha 41 anos, ensino


médio completo, atuava há seis anos em creche e já havia tido
uma experiência de um ano e meio com Educação Especial. A
princípio, ela indicou o menino Dario, com três anos de idade,
porque ele não tinha “uma parte do braço esquerdo" e porque ficava
apenas meio período na creche, pois já frequentava o Projeto
Criando Asas.
Antes de fazer os cursos sobre inclusão, a educadora
“achava que ele não poderia ficar na creche, ele precisaria de um lugar
especial" e ainda colocou: “Se eu não estivesse vendo essa situação,
convivendo, acharia que na creche não dáparaficar. Mas nofundo, nofundo
acaba ficando tudo igual".
Denise informou que não foi consultada sobre
a inserção desses alunos na sua turma, mas comentou que se
pudesse escolher, os receberia porque "mesmo eles tendo a deficiência,
acaba ficando normal”.
Ao descrever o sentimento que teve em relação a
Dario, a educadora comentou “ no menino quefalta um braço... Você
fica muito assustada na hora que você vê... Como será que é? Você fica
curiosa... ". Mas, depois, com a convivência constatou que ele era
“uma graça... descasca banana.... Ele é melhor que (trecho ininteligível)
criança com braço”.
Denise avalia que recebeu poucas informações sobre
a inclusão e só procurou informações a respeito desses alunos
com as mães: “a única coisafoi conversar com afamília, com a mãe, né?”
220 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Relatando suas impressões sobre a inserção da


criança com necessidades educacionais especiais na turma, disse:
“uma coisa que eu vejo que, quando tem uma criança com necessidades
educacionais especiais, as outras têm mais carinho; eles dão mais atenção,
todos dão mais atenção, se enturma mais com aquela criança”.
Ela considera a inclusão uma coisa boa, pois “não
é porque eles têm necessidades educacionais especiais que não podem ficar
com as outras crianças”. Para Denise, a creche “precisa de preparo,
tem obrigação de ajudar”. Além disso, ela comenta: “eu acho que tem
que participar com as outras crianças, mas ela fora daqui, deve ter uma
pessoa que trabalhe com a especialidade que ele tem a necessidade física”, e
acrescenta: “eu acho que precisa de acompanhamento (...) eles precisam de
um cuidado especial”. Quando questionada sobre a necessidade de
receber apoio na creche, ela opinou “Não, não. Junto comigo, não....
No caso das minhas crianças, elas já estão tendo. Eles têm fora daqui.”
A educadora só via aspectos positivos na inclusão e
dizia: “acho que eles se desenvolveriam mais”. Acredita que a inclusão
tem efeitos positivos para ela “porque você vê que é capaz de conviver
com crianças diferentes das demais”. E avalia que a inclusão também
teve um impacto em sua vida pessoal, pois “você fica no fundo, no
fundo você acaba ficando com dó das crianças”.
Denise considera ainda que a inclusão irá melhorar o
sistema educacional “porque eles acabam se firmando, se criando, então,
não tem porque piorar.” Ela apontou como vantagem da inclusão
para as crianças com necessidades educacionais especiais a
convivência com crianças da faixa etária em que os alunos se
encontram.
Sobre mudanças na rotina de trabalho, ela relatou que
não modificou o planejamento de suas atividades em função do
aluno com necessidades educacionais especiais e se achava capaz
de fazer mudanças na turma sem a ajuda de um profissional.
Comentou ainda que: “em sala de aula, uma outra educadora; mas fora,
aí sem tem que ter outra pessoa”.
A sala da turma da Denise continha mesas e cadeiras
próprias para as crianças, assim como suporte para colocar
as mochilas. Havia também armário, estante e um banheiro
pequeno com pia, torneira e vaso sanitário, tudo apropriado para
o tamanho das crianças. Havia também muitos brinquedos, como
bichinhos de pelúcia, peças de encaixar e montar, carrinhos,
bolinhas, bonecas e muitos livrinhos. Nas portas das salas, uma

junqueira&marin editores 221


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começando pelas creches

grade pequena, que ia do meio da porta até o chão, impedia a


saída das crianças da sala, que tinha grandes janelas de vidro que
permitiam boa ventilação e iluminação.
A turma era composta por aproximadamente 26
crianças de três anos de idade e era resultante da junção das
turmas de duas educadoras. As crianças de maneira geral
eram bem alegres, risonhas, carinhosas, sempre cumprimentando
os adultos com entusiasmo, segurando em suas mãos; abraçando;
iniciando conversas sobre suas famílias e coisas que fizeram; eram
ativas, brincavam, corriam, pulavam e brigavam, principalmente
quando disputavam brinquedos, o que parecia acontecer com
muita frequência.
Desde o início, a Denise se mostrou muito prestativa
e atenciosa, procurando explicar com detalhes a situação de cada
criança e, nesta ocasião, indicou mais outras quatro crianças
(Dênis, Dionísio, Douglas e Diane ), além de Dario.
Nas observações, constatamos que Dario era o mais
agitado da turma, mas brincava bastante, algumas vezes sozinho e
outras com os colegas. A despeito de sua má-formação no braço
esquerdo, que era mais curto e terminava um pouco abaixo do
cotovelo, ele conseguia fazer as tarefas, tais como montar peças,
segurar brinquedos, usar escorregador, brincar no gira-gira, etc.
De vez em quando, brigava com os colegas quando eles tomavam
seu brinquedo ou porque queria o brinquedo que estava com
alguém. As crianças e as educadoras interagiam naturalmente
com ele e não faziam distinção em função da diferença no braço.
Tanto a criança Dario como também a criança Dênis eram
atendidas pelo projeto “Criando Asas”.
Dênis, um menino de quatro anos de idade, foi
indicado porque tinha dificuldade na fala (trocava os sons das
palavras) e motoras (caia com facilidade e tinha dificuldade para
se sentar). Denise comentou na época: “os pais são primos”, e “ele
tem um irmão paralítico e com atraso mental que frequenta a APAE”.
Na sala, observamos que Dênis era calmo e que brincava por
muito tempo sozinho, quietinho no seu canto; não interagindo
com as outras crianças, apesar de ter iniciativas de interação com
o observador, mostrando livrinhos, convidando para brincar.
Quando todos iam para o parque, ele permanecia a maior parte
do tempo sentado na sombra brincando sozinho e algumas
vezes brincava com Dario na areia. Ao falar, tinha dificuldade em

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pronunciar o ‘s’ e, às vezes, sua fala era incompreensível, porém


muito semelhante à fala de outras crianças da turma.
A criança Dionísio foi indicada porque tinha
problema em articular alguns sons ao falar e por não ter controle
de esfíncter. Segundo Denise, a família da criança era “atenciosa
e estruturada”, os pais eram “unidos e trabalhadores”, e ele tinha um
irmão pequeno. A educadora relatou que a criança fazia cocô na
roupa e que a mãe batia no filho, alegando que ele já tinha idade
suficiente e que precisava aprender a usar o banheiro.
As observações na sala permitiram verificar que
Dionísio era um menino agitado, que brincava e corria bastante.
No parquinho, ele brincava em quase todos os brinquedos e até
levava algumas broncas da Denise porque subia no escorregador
pela rampa que deveria servir apenas para descer. Outras vezes
ficava em pé parado, lá em cima do escorregador. Na sala, ele
também brincava seguidamente com muitos brinquedos e vários
colegas. A educadora, ao se referir a ele, disse “ele é terrível e é
assim o dia todo”. Ele apresentava um pouco de dificuldade na fala,
cortando alguns sons das palavras.
A criança Diane era uma menina muito quieta, que
chorava bastante, não brincava muito e que ficava a maior parte
do tempo sozinha. Quase sempre pela manhã, ela já estava com
uma cara de triste e de choro. No parquinho, ficava sentada na
areia embaixo de um escorregador o tempo todo e foi observada
apenas uma vez brincando no gira-gira. Quando convidada para
brincar, ela se recusava, dizendo que queria a sua irmã ou sua
mãe. Na sala, ela também não brincava e nem interagia com as
outras crianças; e algumas vezes ficava olhando livrinhos.
A criança Dara, uma menina de três anos e meio,
foi indicada porque manifestava “ansiedade” por apresentar
problema de fala e ter dificuldade em atividades de vida diária,
especificamente em tirar a roupa. Ela havia sofrido recentemente
uma cirurgia para remoção da adenóide. Na sala, observamos
que Dara também era uma criança quietinha, mas que interagia e
brincava com as outras crianças. No parquinho, ela não brincava,
pois havia feito uma cirurgia no nariz e não podia ficar no sol ou
na areia.
A rotina da turma começava com a recepção das
crianças e café da manhã (das 7 às 8 horas). Em seguida, vinha
um período de atividades e lanche (8 às 9 horas), um novo

junqueira&marin editores 223


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período de atividade e depois almoço (entre 10 e 11 horas). O


repouso ocorria das 12 às 14 horas e à tarde, após acordarem, as
crianças tomavam banho, trocavam de roupa e recebiam o jantar
entre às 14 até às 16 horas. Depois do jantar, as crianças ficavam
brincando livremente até o horário da saída. Nas segundas-feiras,
as crianças assistiam filme ou televisão e, nos outros períodos
de atividade, elas faziam pinturas, brincadeiras no parquinho e
atividades na sala com livrinhos e brinquedos.
Os extratos dos episódios, que estão descritos a
seguir, ilustram as formas como as educadoras lidavam com as
crianças nesta turma. As situações mais frequentes envolviam o
parque, onde as crianças ficavam livres para brincar e interações
entre crianças para disputar de brinquedos.

No parquinho, enquanto os colegas brincavam, Dênis permaneceu a maior


parte do tempo sentado na grama, na sombra de uma árvore, brincando
sozinho com areia, algumas folhas e um baldinho. Raramente saia de lá e
pouquíssimas vezes foi visto interagindo com os colegas.

No parquinho, Diane estava sentada em um banco. Ela estava sozinha


observando as crianças que estavam correndo e brincando pelo pátio. Ficou
assim a sessão inteira e saía apenas pra tomar água e voltava.

No parquinho, Dara, que não podia ficar no sol nem mexer na areia,
ficou o tempo inteiro sentada sozinha num canto. Algumas vezes tentava
dar uma escapadinha para ir brincar e logo era chamada para que se
sentasse.

Os episódios envolvendo mediação das educadoras


no parquinho ocorriam, geralmente, em situações de disputa de
brinquedos entre as crianças. Nesses casos, a educadora agia de
diferentes formas para resolver o conflito, tal como ilustrado nas
descrições abaixo:

Diane ficou andando sozinha pela sala com alguns brinquedos na mão a
maior parte do tempo e só às vezes interagia com algumas crianças. Houve
um momento em que uma criança tentou tirar seu brinquedo, e as duas
foram chorando até a professora. Denise deu o brinquedo para Diane,
que ficou sentada brincando sozinha por um tempo ao lado da cadeira da
educadora.

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Duas crianças, sendo que uma das envolvidas Dionísio, disputavam as


garrafas e a bolinha do boliche quando uma das educadoras interferiu
na briga e propôs que as duas brincassem juntas. A educadora ensinou
as crianças a jogarem boliche, explicando que era uma de cada vez e que,
após a sua vez, a criança deveria arrumar as garrafas derrubadas para
que a próxima pudesse jogar. Depois de ensiná-las, a educadora ajudou a
organizar uma fila, pois mais crianças quiseram jogar.

O episódio descrito a seguir ilustra uma situação


onde há uma demanda da educadora que coloca em evidência
a dificuldade motora da criança, mas a educadora não percebeu
isso.

Depois do banho, quando as crianças estavam sentadas esperando o


momento de irem para o refeitório, a educadora pediu a elas que formassem
uma fila. Nesse momento, a Diane apresentou alguma dificuldade para se
levantar, mas conseguiu com muito custo se levantar sozinha. A professora
e a ajudante nem notaram sua dificuldade.

Alguns pontos de reflexão sobre essa turma


poderiam ser:
1. A princípio, Denise indicou o aluno Dario
basicamente porque ele tinha uma deformidade congênita no
braço esquerdo, mas, segundo o próprio relato da educadora,
essa deformidade não provocava nenhum tipo de limitação e
a criança fazia tudo o que os colegas faziam com suas mãos.
As demais crianças somente foram indicadas depois, quando o
observador começou a frequentar sua classe. Que conceito de
necessidades educacionais especiais está implícito nessa atitude?
2. As crianças Dênis, Dionísio, Diane e Dara parecem
ter sido indicadas ou por serem muito agitadas ou por serem
muito quietas, sendo que a maioria tinha queixas de dificuldades
de fala. Teriam essas crianças necessidades educacionais especiais
para as quais a creche teria que responder?
3. Uma atitude frequentemente observada em
relação às crianças que são muito quietas é que elas são deixadas
à vontade em seu isolamento, principalmente em situação de
brinquedo livre. Que consequências poderiam ocasionar, no

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futuro, a falta de mediação do adulto nesses casos?


4. Que fatores poderiam explicar uma ocorrência
tão alta de episódios de disputa de brinquedos? Teria a conduta
do educador alguma relação com isso? Como esses episódios
poderiam ser prevenidos? Como o educador deve agir quando
uma criança com necessidades educacionais especiais está
envolvida na disputa?
5. Comentários sobre o fato de haver um membro
da família com deficiência, principalmente no caso de ser uma
deficiência mental, muitas vezes aparecem como explicação para
justificar a “diferença” da criança. No caso, a educadora frisou
que “os pais são primos” e que “ele tem um irmão paralítico e com atraso
mental que frequenta a APAE”. O que significa tal comentário? É
possível que haja alguma relação entre o problema das crianças e
seus antecedentes familiares?
6. Denise, ao contrário de algumas educadoras dos
casos anteriores, não parece admitir a possibilidade de trabalhar
de forma colaborativa com outros profissionais na creche e
considera que o apoio deve ser dado à criança fora da sua classe. O
que explica essa divergência de opinião e o que seria efetivamente
melhor para a construção de creches inclusivas, o apoio paralelo
ou o centrado na sala de aula?
7. Conforme o seu relato, Denise não fez
modificações em sua turma a fim de acolher as crianças com
necessidades educacionais especiais. O tratamento dado a essas
crianças deveria ser modificado? A classe pode ser considerada
inclusiva, no sentido de acolher a diversidade de todos os alunos?
8. Relatando suas impressões sobre a inserção da
criança com necessidades educacionais especiais na turma,
Denise acha que, quando tem uma criança com necessidades
educacionais especiais, os colegas têm mais carinho, dão mais
atenção, e que ela se enturma mais. Será que isso sempre acontece
assim?

CASO 5: Tratamento igual ou diferente?

A Educadora Eliana e suas crianças Elias, Elen e Eder


A princípio Eliana informou que em sua turma havia
duas crianças especiais, que eram Elias e Elen. Elias, um menino

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com 2 anos e 11 meses de idade, era atendido pelo Projeto


Criando Asas, em função de seu histórico de desnutrição e de
ter demorado para andar. Segundo informações da creche, ele
não tinha pai e a mãe não demonstrava interesse por ele, sendo
que o caso dele havia sido encaminhado ao Conselho Tutelar,
com queixa de negligência. Na família, havia mais três irmãos
e, segundo a educadora, "todos filhos de pais diferentes” e a mãe
trabalhava “ na roça”. Elen era uma menina, que também estava
sendo atendida pelo projeto Criando Asas, porque, segundo
Eliana “uma perna é mais curta que a outra e também porque a
menina tinha “deslocamento no joelho". Os familiares, pais e mais
dois irmãos, foram descritos como “cuidadosos”.
Na entrevista, Eliana contou que não foi consultada
sobre a inserção das crianças em sua turma e, quanto ao ingresso
de Elias, informou “ ele não veio indicado, ele conseguiu a vaga pelo
nosso processo seletivo comum, mas como ele exclui alguns dados, nósfomos
percebendo com o passar do tempo, com a convivência com ele, porque elejá
veio como uma criança que ainda não andava apesar dejá ter um ano e dois
meses... é normal até um ano e sete meses"
Quando consultada sobre o que faria se pudesse
escolher, Eliana informou que optaria por receber crianças com
necessidades educacionais especiais porque para ela “não faz
a menor diferença se a criança tem problema ou não, a gente tem que se
adaptar e tentar descobrir o que a criançaprecisa, se isso pode serfeito numa
creche, se não, se tem algum problema que precisa de auxílio trabalho técnico
profissional... ".
Ela relatou que antes pensava que criança com
necessidades educacionais especiais " era mais carente que as outras,
depende mais dos adultos, maspodefazer qualquer coisa dentro do seu tempo
e com uma ajuda". Depois de fazer os dois cursos sobre inclusão
escolar, aprendeu que “não faz diferença se a criança tem problema
ou não, é preciso se adaptar a ela e tentar descobrir suas necessidades e a
maneira de atendê-las" . Entretanto, ela considerou as informações
recebidas insuficientes, pois " a teoria é diferente da prática e que
“as palestras deveriam ser acompanhadas por avaliação médica, explicando
o que se pode fazer nas várias situações que vamos encontrar, e vindo um
profissionalpara ensinar”. Em relação aos cursos, ela avaliou que foi
uma sessão de palestras muito bem feita, mas ainda “é deficitário,
no dia a dia não é bem assim, éfácilfalar, aspalestras não ajudam no dia
adid"

junqueira&marin editores 227


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começando pelas creches

Ao avaliar os resultados da política de inclusão, ela


opinou: “pode ter efeitos negativos quando o educador não sabe lidar,
muitas vezes você não sabe o que fazer, você se sente incapaz de poder ajudar
eles...”. Entretanto, ela aponta que essa sensação de incapacidade
lhe desafia quando pensa “eu tenho que usar isso como uma forma
de tentar conhecer o máximo o que tá acontecendo e tentar trabalhar da
melhor forma possível”. Porém, a despeito dos esforços pessoais, ela
avaliou que: “tirando o projeto³¹, que ajuda as crianças, nós trabalhamos
da forma mais leiga possível” e informou, no final, “algumas coisas não
funcionam, depende do caso... se tiver uma convulsão aqui, por exemplo, nós
não sabemos direito como lidar”.
Quanto às dificuldades, ela ponderou que “pode ser
que a inclusão seja boa, que o projeto seja bom, mas a falha, a falta de
profissionais especializados em algumas deficiências...” e continuou ainda
a avaliar que o processo atinge “apenas crianças com deficiências menores
e mais fáceis de lidar”, mas que “se fosse uma criança com uma deficiência
maior ou com mais dificuldades, nós não teríamos como trabalhar”.
Então, ela concluiu: “algumas coisas estão faltando... tem horas que... eu
acho que é meio negligente” e justifica “só esse ano, os óculos dele demorou
três meses pra chegar... Não adianta nada, o papel tá ótimo lá, tá mentindo
se você falar que a criança tem todo o auxílio, não tem!”
Em relação ao curso, ela reforçou sua opinião
em várias situações “nós tivemos um curso de apoio às crianças com
deficiência... uma grande falha. E tipo, eles não podem dar a cada dois anos,
tem que ser contínuo. É um trabalho profissional, eu vou continuar sendo
profissional!”
Sobre o efeito da política de inclusão sobre as
crianças sem necessidades educacionais especiais, ela comentou:
“na creche, eu acho que a aceitação das outras crianças e o auxílio que as
crianças dão é de muito valor. Porque a partir do momento que você falar
pra criança assim: ele não pode fazer isso sozinho, com o tempo as outras
crianças vão sabendo e eles mesmo vão auxiliando, eles ajudam... então, a
criança de zero a seis anos é muito mais compreensiva do que a criança nas
outras faixas etárias. As crianças nas outras faixas etárias já começam a ter
um preconceito de que aquela criança não pode brincar, não pode fazer...”.
Ao descrever como ela lida com suas crianças com
necessidades educacionais especiais, ponderou que “elas dependem
muito mais do adulto do que as que podem ficar brincando e aprendendo com
o restante do grupo, porque o aluno com necessidade você precisa incentivar
ele a trabalhar no grupo. Também pelos problemas e por uma questão de

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pensar que ele não podefazer”. Ela informou ainda que não se pode
pensar que a criança “ nãopossafazer", mas sim, que ela pode, mas
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dojeito que ela achar mais fácilfazer". Entretanto, ela recomenda


que não se “ critique a criança ”, porque ela “vai aprender com o tempo, e
essas crianças geralmente levam tempo e acho que elas aprendem assim com o
dia a dia, então se todo dia vocêfaz aquilo, eles vão se condicionando até eles
aprenderem afazer sozinho ”. Num outro momento, ela descreve seu
trabalho dessa forma: “ a única coisa que nós fizemos foi ir mais
devagar, ao invés de ir mais rápido, estamos indo mais devagar".
Quandoquestionada sobre se alguma coisa mudou em
sua vida após começar a trabalhar com crianças com necessidades
educacionais especiais, ela informou: “nunca tive problema de
trabalhar com crianças com qualquerforma e deficiência ”. Entretanto, em
relação a possíveis vantagens pessoais e profissionais, ponderou:
"depende muito da política do governo pra trazer benefício pra mim como
pessoa, pra minha carreira comoprofessora depende só dapolítica do governo,
porque, se elesforem incentivar o meu trabalho, vai ser uma coisa que vai
trazer uma perspectiva melhor; no final, eu vou continuar trabalhando e eles
não vão enxergar o meu trabalho da mesmaforma, se eles enxergarem meu
trabalho simplesmente como um trabalho... ".
Em relação às perspectivas futuras, Eliana opinou o
seguinte: “ se o governo forfazer as melhorias que são necessárias pra que
os indivíduos consigam se desenvolver normalmente, vai ser uma ótima coisa,
agora se o governofalar assim, vai tercrianças com necessidades especiais, mas
a escola continuar tendo escada, e essa criança que tem deficiênciafísica não
puder subirpra estudar no andar superior, a professora não forpreparada
pra lidar com uma criança.... ".
Para melhorar a política, Eliana sugeriu a oferta de
apoio permanente para o educador que “se ela³² precisar de alguma
coisa que nós possamosfazer, um profissional deveria vir e nos ensinar”.
Esses profissionais viriam nas creches para conhecer os casos e
orientariam as educadoras ensinando-as a “fazer o exercício, esperar
a gentefazer algum comentário, se tivesse alguma dúvida, fazer um relatório
e assim por diante, fazer um acompanhamento pelo menos inicial”. Uma
segunda sugestão foi que se fizesse “ uma avaliação, técnica toda... a
cada... mensal, bimestral, semestral... que é o máximo que dápra ficar sem
observar essa criança, ele³³ vai poderfalar se ele tá se desenvolvendo ou não
melhor do que eu que não entendo. Então, elefazessa avaliação, ele vaipoder
falar se deu certo o que eu fiz ou se não deu, ele vai me dar novas diretrizes
pra continuar cuidando daforma correta ou não, então ele vai me indicando

junqueira&marin editores 229


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os vários caminhos porque a individualidade da criança também faz efeito


sobre qualquer tratamento médico, psicológico...”.
Em relação ao que espera no futuro sobre a política
de inclusão, ela considerou “os profissionais que nós temos na rede são
profissionais que têm vontade de trabalhar, então isso já conta muito... você
já vai olhar pra aquela criança com mais carinho. A gente fica oito horas
por dia com essas crianças, então a gente sabe mais deles que a própria
mãe, então nós sabemos que ele tá com problema... Então é uma questão de
profissional, de profissional pra profissional. Então pra eles muitas vezes
é mais vantajoso estarem aqui porque nós vamos poder fazer com que eles
tenham um tratamento específico ... de certa forma, estar incluídos de maneira
que eles tenham todo um acompanhamento, o que nós podemos fazer, o que
tiver ao alcance dos profissionais que trabalham na creche, nós fazemos,
agora a creche é só o início”.a
Após entrevista, começamos a frequentar a sala
de Eliana. Nesta ocasião, ela nos indicou uma terceira criança,
que foi denominada de Eder, que também frequentava o Projeto
Criando Asas, tinha “muita diarreia”, era “tímido” e “mole para andar,
sentar”. Informou ainda que o padrasto da criança a tratava bem,
que ela tinha uma irmã mais velha e que a mãe era cuidadosa com
a criança.
A turma tinha em torno de 13 crianças, de dois a três
de idade, e elas interagiam e brincavam bastante entre si. Além
da Eliana, havia ainda uma educadora auxiliar. A sala tinha folhas
com exercícios de coordenação motora, feito pelas crianças,
colados na parede, tinha brinquedos (bonecas, carrinhos, legos)
e cestos e uma estante com revistas (a maioria catálogos de
cosméticos, um ou dois gibis). Havia ainda três mesinhas com
cadeirinhas, um armário e uma mesa com uma cadeira para a
educadora.
A impressão inicial foi de que as educadoras gritavam
com as crianças, mas que eram também bem carinhosas. Em
situação de brinquedo livre, elas sempre ficavam sentadas em
algum lugar próximo e supervisionando as crianças, intervindo
caso acontecesse alguma disputa ou acidente. Percebemos ainda
que existia uma relação afetiva entre o educador e a criança, que
elas cuidavam muito bem das crianças (dando banho, trocando,
limpando o nariz, etc).
A rotina da turma começava às oito horas da manhã,
com as crianças chegando e indo para o parque ou se envolvendo

230 junqueira&marin editores


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começando pelas creches

com brincadeiras e atividades em sala de aula. O lanche ocorria


às nove horas e elas comiam uma fruta (geralmente banana) e,
em seguida, eram trocadas e depois faziam alguma atividade
dentro da sala até às dez horas. Das dez às onze era servido o
almoço, seguindo pelo horário do repouso. Das quatorze às
quinze horas, elas faziam atividades de higiene pessoal (uso do
banheiro, tomar banho) e eram trocadas. Das quinze às dezesseis
horas, era servido o jantar. Depois as crianças ficavam brincando
no pátio até os pais ou responsáveis buscá-las.
Na sala, Elias foi observado interagindo bastante
com as outras crianças e também às vezes sozinho. Ele era um
garoto esperto e ativo, mas também um pouco tímido. Às vezes
se sentava sozinho e assim permanecia brincando por muito
tempo.
Elen também pareceu um pouco tímida, não falava,
mas se comunicava emitindo sons, brincava muito sozinha;
ficava o tempo todo perto de algum adulto, mas ocasionalmente
ela brincava com outras crianças também. Ela era uma garota
risonha, não gostava muito de dividir os brinquedos com as
outras crianças e ameaçava chorar quando alguém tentava tirar
seu brinquedo.
Os relatos de episódios descritos a seguir ilustram
algumas formas das educadoras lidarem com estas crianças.

Elias não queria ajudar a guardar os brinquedos e a Eliana deu uma


bronca nele (gritando para ele ajudar). De repente a educadora parou
de falar, olhou para mim, pra ver se eu estava vendo, e disfarçou.

Na hora do banho, o Elias e Eder estavam esperando para tomar banho


(os dois foram deixados por último). Elias terminou de tomar
banho e veio sentar ao meu lado trazendo uma bola de futebol. Foi a
primeira vez que ele veio falar comigo.

Os dois episódios ilustram um aspecto que é


comumente observado e que se refere a uma falta de clareza
sobre tratar igual versus tratar diferente. As educadoras em geral
referem que não modificam suas práticas e que procuram dar
tratamento igual. Entretanto, elas demonstram dúvida sobre
esse aspecto no dia a dia. No primeiro episódio, a educadora
tratou Elias como trataria qualquer outra criança que não

junqueira&marin editores 231


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tivesse guardado seus brinquedos. No segundo episódio, houve


uma diferenciação, pois as crianças que ela considerava como
especiais, que são também as mais quietas da sala, foram as duas
últimas a serem levadas para o banho.
Eder sempre ficava isolado no parquinho, brincando
solitariamente enquanto as demais crianças brincavam em
conjunto. Ele buscava sempre proximidade e interação com o
adulto e evitava interação com as crianças. O episódio descrito a
seguir ilustra a situação típica de Eder na turma.

Eder ficou o tempo inteiro ao meu lado, não interage muito com as crianças,
é quietinho. Ele achava ruim quando outra criança chegava muito perto de
mim e quando pegava o brinquedo que ele estava brincando.

Uma única vez durante todo o período de observação,


Eder foi visto tentando interagir com uma colega, e esse episódio
está descrito a seguir.

Eder estava se aproximando do gira-gira para brincar, quando outra


criança, que já estava no gira-gira, deixou sua boneca cair no chão e
começou a chorar, Eder ficou olhando para ela, abaixou, pegou a boneca e
deu para a colega sorrindo. Depois, Eder se sentou no gira-gira, e mais uma
vez a colega deixou a boneca cair e começou a chorar, e Eder, novamente,
desceu do gira-gira e pegou a boneca e a entregou para ela.

Em relação a esta turma, alguns pontos de


reflexão poderiam ser destacados:

1. Uma percepção comum entre os educadores


as
é que crianças com necessidades educacionais especiais são
mais carentes. Será que isso é verídico ou este seria mais um
estereótipo?
2. Quais seriam as necessidades educacionais
especiais das crianças apontadas (Elias, Elen e Eder). Será que
elas precisariam do atendimento no Projeto Criando Asas?
3. A situação mais comum nesta turma era a
de brinquedo livre, nas quais as crianças com necessidades
educacionais especiais ficavam isoladas. Que cuidados requerem

232 junqueira&marin editores


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esse tipo de situação para que não sejam agravadas eventuais


dificuldades de interação das crianças com necessidades
educacionais especiais, em relação à rotina e ao comportamento
da educadora?
4. Mesmo crianças com necessidades educacionais
especiais que apresentam dificuldade de interaçãoou quepreferem
interagir com adultos podem eventualmente ter iniciativa de
interagir com os colegas. Nesta turma, em particular, o fato que
era muito desejável aconteceu, mas passou despercebido. O que
poderia um educador fazer nessas situações?
5. Como seria melhor tratar a criança com
necessidades educacionais especiais, igual ou de forma
diferenciada do tratamento dados aos colegas?

CASO 6: “A gente tem dó... então a gente tem de deixar fazer o que
ele gosta.”

A Educadora Fátima e sua criança Flavinho

Fátima identificou uma criança em sua sala, que foi


Flavinho, um menino de aproximadamente três anos de idade,
porque este apresentava crises convulsivas e “já chegou a entrar em
coma”, tinha hidrocefalia, hérnia, diarreia recorrente e “acúmulo de
gordura (cisto) sob a pele do rosto”.
Desde que Flavinho começou a frequentar a
creche, Fátima percebeu uma melhora considerável no seu
desenvolvimento, pois, segundo ela, hoje ele brinca bastante,
canta e interage com as outras crianças; conversa, entende bem o
que a professora fala, mas ainda não tem controle de esfíncteres
(usa fralda) e fica “emburrado facilmente”. Sua família foi classificada
como de “baixa renda” e, segundo Fátima, o pai era presidiário.
A educadora informou que não foi consultada sobre
a inserção desse aluno em sua turma, mas afirmou que “receberia
sem problema alunos com necessidades educacionais especiais ”. Quando
soube que iria receber Flavinho, pensou que “ia ter mais trabalho
com uma criança que tem o problema de não ir ao banheiro” e explicou:
“A gente aqui não tem uma estrutura, sabe? Você vê, no nosso berçário, a
gente não tem banheiro, então tem que estar indo com ele pra lá pra poder

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trocar porque a gente não tem o fraldário, não tem como trocar... É difícil
porque ou você tem que carregar a sua turma junto pra ir todos no banheiro,
ou você tem que pedir ajuda a alguém pra você levá-lo, né? Eu mesmo não
tenho uma auxiliar pra isso!”
Fátima relatou que, antes de fazer o curso quando
via crianças com necessidades educacionais especiais, pensava:
“Meu Deus do céu, acho que eu não conseguiria ficar com uma criança
assim. Eu achava que era muito difícil. Depois do curso, passou a
pensar que “é difícil, mas, pelo curso que... (pausa) você tendo uma
estrutura, eu acho que dá pra trabalhar bem com as crianças assim, né?”
Quando recebeu Flavinho em sua turma, a educadora
relatou ter procurado “saber do problema de seu aluno com colegas e
um pouco com a mãe”, porque ele tinha convulsão e pelo fato dele
ter feito uma cirurgia para implante da válvula e precisar evitar
quedas e batidas na cabeça. Então, ela concluiu que teria que ter
“um cuidado redobrado, especial com ele”. Ela disse ainda que sempre
chamava a atenção da mãe dele porque ele faltava muito e devido
ao problema de “falta de higiene”. A educadora acha que a mãe é
uma pessoa muito boazinha, mas que “parece que não liga muito”.
Ao descrever como lidava com Flavinho em sua
turma, Fátima informou: “Ele fica disperso, ele faz o que ele acha que
ele deve fazer. Não sei se por causa do probleminha dele, a gente fica até
meio assim, ele ser pequenininho, a gente não quer chamar atenção dele, e ele
é muito engraçadinho (ri), é uma graça ele... Tenho dó, tinha muita dó dele,
muita dó. Bom, mas eu acho que é igual os outros, tem que tratar igual os
outros, né?” Em outros momentos, ela concluiu: “Eu não tô tendo
dificuldade com ele, só tenho ele assim, eu não acho que ele tenha problema
de nada, eu acho que pra mim é uma criança normal. O único problema é
dele não segurar, sabe, assim, mas eu trato ele como se fosse igual os outros,
né? Então eu não tô tendo problemas não”.
Em relação à rotina da turma, ela apontou que houve
um pouco de mudanças e exemplificou: “a minha turminha todos
eles fazem, vão ao banheiro, ele não, eu tenho que ir, tenho que ficar atrás
dele vendo se ele fez... né?... Ele não obedece também... às vezes ele tira a
roupa, tira sapato, você pede pra ele não tirar e ele tira. Então o tempo todo
ele tá tirando, eu tenho que estar colocando. Os outros só tiram o sapato se
eu peço pra tirar. Ele não, né? Ele tira a hora que ele quer, você coloca, se
ele cismar que vai tirar, ele tira”.
Ela relatou também que não mudou as atividades
propostas em função de Flavinho e que propunha a eles “ fazer

234 junqueira&marin editores


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algum risco, alguma coisa no papel, porque eles só riscam mesmo, né?”,
mas informou que com Flavinho “se ele não quer fazer, a gente não
força a fazer” e isso parece acontecer com frequência, conforme
demonstra seu relato seguinte: “A gente põe sentadinho pra fazer, mas
coisa de um minuto ele já rasga o papel... o problema é que ele não para, né?
(ri) Ele não tem isso... você fala, ele não para..”. Ela informa, entretanto
que “quando ele gosta muito, ele para, somente os caminhãozinhos... então
a gente tem de deixar fazer o que ele gosta, né?”
Ao explicar o comportamento de Flavinho, ela
comentou: “eu acho que um pouco foi porque não foi colocado limites
nele, mas um pouco deve ser também do probleminha dele, né? Também. Eu
não sei se ele é uma criança muito mimada também porque, por causa do
problema... o pessoal já... né, dá um mimo a mais pra criança... até a gente,
sem querer, né?”
A educadora considerou que um dos possíveis
prejuízos da inclusão para aluno com necessidades educacionais
especiais seria “ficar para trás” e ser vítima de preconceito. A
vantagem que a educadora vê “é deles estarem sempre em grupo, eles tão
aprendendo entre si”. Em relação a Flavinho, a educadora relatou:
“Ele melhorou bastante, sabe? Ele conversa mais, ele brinca, ele dança!
Nossa, ele... ele mudou muito, mudou bastante... Quando ele saiu do berçário
- eu não sei se é um pouco mais fechado - e passou pro outro lado – então,
a gente usa muito a parte exterior da creche, a parte de fora. Ele brinca,
ele corre, ele pega carrinho, ele brinca com carrinho, faz barulho, os sons, ele
faz os sons, ele fala bastante, então eu acho que melhorou”. Ela apontou
ainda que “as crianças incentivam porque eles conversam entre eles, você vê
eles conversando, na hora de comer, na hora de lavar as mãozinhas, escovar
os dentes... então um incentiva o outro, né? Então, eu acho que a criança vai
melhorando, ela vai progredindo com isso”.
Em relação à reação dos colegas, Fátima informou:
“eles não ficaram assim curiosos... eu não sei se é porque eles são muito
pequenininho ainda, né? E não tem nada assim que mostre que ele é
diferente”. Entretanto, ela considera que “se outra criança com problema
mais grave vier pode ser... a gente, lógico, ensina que não, que é amiguinho,
que é igual, que é um probleminha que tem, mas que... se for um problema
mais grave, eu acho que tem assim das outras crianças preconceito, é”.
Sobre o impacto da inclusão escolar para sua
experiência pessoal, afirmou “que se sente importante porque é uma
luta trabalhar com criança assim, é uma coisa muito bonita, dedicação da
gente dobra, você começa se dedicar mais, então você se valoriza muito mais”.

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Embora tenha feito o curso sobre inclusão e sempre


buscar "saber do problema de seu aluno com colegas e um pouco com a
mãe ”, ainda não se achava apta para trabalhar e disse "a gente não
tem uma estrutura pra criança especial".
Sua opinião sobre a possibilidade de educação
separada ou inclusiva de alunos com necessidades educacionais
especiais era de que "depende do caso,... da deficiência, que é muito difícil
mesmo (...) eu acho que não daria certo ” e, em seguida, pondera: 'Mas
quem sou eu, né? ”. Em outros momentos, opinou: "tem que ter, as
crianças são iguais, pode ser um filho meu, acho que a gente tem que incluir
sim, mas acho que tem que mexer muita coisa aqui dentro da creche, e outras
também, então... ”.
Entretanto, a educadora vê com restrições a política
de inclusão no Sistema Educacional e afirmou: “ Não vai melhorar
não, acho que vai piorar. O sistema que a gente tem hoje? Não acho muito
bom, não. Eu acho que falta muita coisa ainda, as creches não tão
assim aindapreparadas... nempra esses que tão. Eu acho quefalta muitas
coisaspra essas crianças ”. Mas, ao mesmo tempo, ela ponderou: “Não
podepensar que não vai dar certo, né? Mas vai ter muita dificuldade, né?”
Ela sugeriu "conversar muito com a família", "ter mais
curso sobre o assunto ” e que “seria até legal a gente fazer uma visita na
APAE34 " e acha ainda que "precisa de mudanças na estrutura da
creche".
Concluída a
entrevista, passamos a visitar
regularmente sua sala, que era ampla e com poucos móveis, o
que tornava o ambiente propício para as crianças correrem e se
locomoverem. As janelas eram altas de modo que, no calor, a sala
ficava um pouco abafada por ventilação deficiente, embora fosse
bem iluminada. Havia uma mesa para a educadora e três mesas
menores espalhadas pela sala, onde brinquedos e outros materiais
estavam acessíveis. Havia um armário grande, com materiais da
educadora e caixas de brinquedos sobre as mesas. Nas paredes,
havia cabides coloridos onde as mochilas eram penduradas.
As paredes eram todas enfeitadas com papéis
desenhados com motivos florais e de bichinhos. No canto da
sala, havia uma estante com revistas e brinquedos à disposição
das crianças. A sala dava acesso à outra salinha onde ficavam
armários, colchões e cestos de brinquedos.
Embora estivesse com 11 alunos matriculados, a
turma acabava na prática sendo pequena porque muitas crianças

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faltavam regularmente, de modo que havia aproximadamente de


seis a oito alunos diariamente. As crianças tinham em torno de
dois anos e já falavam algumas frases completas, tinham controle
de esfíncteres e eram bastante ativas. Comportamentos agressivos
eram frequentemente observados, predominantemente emitidos
por certas crianças em específico (os meninos, geralmente).
Quando isso acontecia, a regra era colocá-las "para pensar"
em um canto da sala. Notamos ainda alguma preferência nas
interações por parte de algumas crianças, formando duplas
especialmente de meninas, sendo que a turma tinha mais meninas
do que meninos.
A criança-alvo, Flavinho, tinha uma estatura um
pouco mais baixa que a média das outras crianças. Era um
menino que falava pouco, mas indicava conhecer um número
razoável de palavras. Fazia algumas frases completas como "olha
o cavalo aqui, tida” ou “eu não gosto, não". Sua relação com as outras
crianças parecia bastante satisfatória. Segundo a professora,
ele era “bravo ”, não obedecia muito, não atendia o que lhe era
solicitado, embora demonstrasse compreender bem tais pedidos,
bem como as falas em geral. Foi observado que, algumas vezes,
ele comparecia à creche um pouco inchado, entretanto ninguém
sabia informar o motivo.
Ele tinha convulsões recorrentes na creche e,
durante o período de observação, chegou a ser internado
uma vez em decorrência de uma crise. Em alguns momentos,
evidenciava maior lentidão para fazer alguma tarefa e muitas
vezes demonstrava desinteresse total pelas atividades.
Percebemos que Fátima se relacionava com ele
da mesma maneira que com as outras crianças, de modo que
ele participasse de todas as atividades propostas para a sala. A
educadora se mostrou atenciosa e carinhosa com Flavinho.
A sequência de fatos descritos a seguir ilustra a
situação típica da sala. A atividade proposta sempre era a mesma,
mas Flavinho participava se tivesse interesse, sendo que a
educadora sempre demonstrava estar atenta ao comportamento
dele.

Durante o ensaio das músicas para a festa da primavera, Flavinho ficou


a maior parte do tempo de costas para a roda. A educadora olhou pra
ele varias vezes, dando de ombros. A educadora ligou o rádio para que

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as crianças dançassem em roda. Flavinho ficou observando a roda. A


educadora olhou pra ele, fez um gesto com os ombros e disse baixinho
“ah, deixa”, continuando a roda com os outros. A educadora parou a
roda, soltou uma das mãos e foi até Flavinho chamando-o. Não obteve
engajamento por parte dele. Foi, então, até ele e tentou puxá-lo. Ele recuou
e continuou observando a roda. Ela voltou à roda. Ele começou a se
aproximar da roda engatinhando. Quando estava bem perto, a educadora
lhe disse para entrar na brincadeira, ele recuou. Uma criança se solta da
roda, pega a mão de Flavinho e fala: “Vem Flavinho”, sendo acompanhada
por outra menina. Ele disse: “Não!” A roda continuou sem ele. Mais
tarde, outra roda se formou, sem a intervenção da educadora, e Flavinho
participou dela espontaneamente.

Assim, esta era uma situação comum, com Fátima


tentando envolver Flavinho na atividade e ele se recusando a
entrar.

Para este caso de como a educadora Fátima lidava


com Flavinho, poderíamos destacar para reflexão os seguintes
pontos:

1. No discurso, a Fátima refere que o tratamento


de Flavinho tem que ser igual ao que ela oferece aos colegas.
Quando vai detalhar o tratamento, ela menciona que modifica
a rotina, que não modifica as atividades e que altera também a
exigência que faz em termos do desempenho do aluno e das
regras de manejo do comportamento dele na sala de aula. Afinal,
seria necessário mudar ou não?
2. A educadora aponta a desobediência de Flavinho
e demonstra dúvidas se ela é devida ao problema da criança (no
caso a hidrocefalia e as convulsões) ou se é decorrente da falta
de se estabelecer limites. Afinal, o que pode estar influenciando
no comportamento de Flavinho de recusa em fazer atividades?
3. A turma de Fátima é uma das menores turmas, em
termos de número de alunos, que foi observada até aqui. Fátima
demonstrou estar sempre bastante atenta para o comportamento
de Flavinho, tentando obter sua participação e o envolver nas
atividades do grupo. Até que ponto o número de alunos interfere
na possibilidade de atender e responder à diversidade dos alunos
em turmas de creches? Qual seria a razão adulto/criança ideal em

238 junqueira&marin editores


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creches inclusivas?
4. No episódio da brincadeira de roda, a
professora tentou várias vezes engajar Flavinho na atividade. Em
determinado momento, uma criança é quem toma a iniciativa
de tentar envolver Flavinho. Se o comportamento de Fátima
fosse de repreensão de Flavinho, será que os colegas tomariam
esse tipo de iniciativa? Que efeito tem o comportamento da
educadora sobre o comportamento dos colegas direcionado para
com Flavinho?

CASO 7: A gente tem que procurar ajudar e fazer o que pode, né?

As Educadoras Irene e Lara, e a criança Isis

A Educadora Irene indicou Isis, uma menina com


três anos de idade, que ingressou na creche com três meses
de idade e que aos quatro meses “teve meningite e a doença afetou
o ouvido, a visão e a motricidade”. Segundo o relato, ela já “fez um
monte cirurgias, a mãe fala que ela não enxerga, que ela não ouve” e hoje
“não fala, não senta, não anda, não levanta a cabeça, usa fraldas, demora
para engolir e, às vezes, engasga”. A criança tem acompanhamento
médico periódico, mora com os pais, é filha única e bem cuidada,
segundo a percepção da educadora Lara.
Na turma, há duas educadoras que dividem a
responsabilidade pela turma em virtude da gravidade da
limitação motora de Isis, e sem dúvida este foi o caso mais
grave de deficiência motora encontrado em todas as turmas que
observamos.
Durante a entrevista, a Irene informou que tinha
além da Isis outro menino em sua turma que era “muito tímido”,
que se escondia para não interagir e que precisava ser estimulado
para brincar e participar. Apesar de ser “um dos mais velhinhos” da
turma, Irene referiu que ele não fazia o que as outras crianças
faziam. A educadora relatou: “ele só engatinha... e não fala, pelo menos
eu nunca ouvi ele falar”.
Em relação à Isis, a educadora relatou: “o problema
dela é, você sabe é grave, né? Então, a gente tá tentando, tá fazendo os
exercícios com ela, conversa tudo para ver se vai dar algum resultado”. Ela
relatou que foi consultada sobre a inserção da Isis em sua turma
por uma funcionária da Secretaria de Educação que contatou a

junqueira&marin editores 239


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diretora e que avisou logo após.


Em relação à suas opiniões sobre a inserção de Isis
em sua turma, ela relatou: “Sinceramente, eu achava assim, antes de
eu fazer o curso: que uma criança nesse caso, ah, era a minha ideia, teria
que ficar em casa, não precisava ir em escola, em creche, não precisava fazer
nada porque eu achava que não tinha cura.” Lara contou que se sentiu
“assustada” e que pensou “eu não vou conseguir trabalhar com ela,
preciso de alguém aqui para explicar o que vai ser feito com ela” porque
ela nunca havia tido uma criança desse tipo em suas turmas.
Quando Isis chegou à sua turma, Irene relatou o que
sentiu: “Nossa, que dó, eu fiquei bem, sabe? Porque eu conhecia quando
ela era normal, aí depois ela começou a vir daquele jeito, fiquei morrendo
de dó... eu sou mole, eu morro de dó, então pensei assim: - Aí, meu Deus,
eu num vou conseguir, que eu tenho dó.” Ela comentou que no início
sentiu inclusive dificuldade em cuidar da criança e referiu que
pedia para a educadora Lara: “Aí L, limpa você, dá comida”. Mas,
com o tempo foi se acostumando, “mas no início foi difícil”.
Lara tinha a opinião de que ainda “tá sendo muito
difícil, viu? Porque eu não tenho experiência, você não sabe o que faz com
ela. Igual eu pego ela, eu troco ela, eu mexo as perninhas dela, converso
bastante com ela. Mas acho que ela precisa de mais alguma coisa!”
Irene relatou que recebeu informações da diretora
que a menina ia voltar para a creche e o que ela tinha: “A gente já
sabia, né? Que ela teve a meningite, que tava... era conhecida do bairro...
Veio mais gente falar com a gente a respeito, no momento eu não lembro o
nome, mas veio”. Entretanto, ela ainda assim tinha “medo de pegar na
criança”.
Ela relatou também que recebeu informações sobre
como lidar com Isis, tais como “tratar como uma criança normal, não
fazer diferença”, a fazer “algum exercício” que “a moça explicou como é
pra fazer os exercícios”, que era “tudo pra cima, o corpo inteiro dela os
exercícios é pra cima”. Entretanto ela reclamou, “aqui não tem certos
aparelhos que precisaria no caso da Isis, eu acho que quando tem uma
criança assim tem que ter, né?” Ela contou ainda que aprendeu como
carregar Isis: “uma senhora ensinou a maneira de pegar, pra nunca deixar
ela dobrada, sempre apoiar, os exercícios que ela deve fazer, ela explicou tudo
isso... ela é da Federal”.³�
Lara considera que não recebeu informações
suficientes a respeito da inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais no ensino regular, apesar de ter feito um

240 junqueira&marin editores


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dos cursos e recomendou, “teria uma preparação, igual eles fazem


bastante no curso, dojeito de você cuidar, dojeito de você tratar a criança,
como tem que ser. Porque daí vocêjá tem mais prática para saber cuidar
dessas crianças” . Ela relatou ter buscado informações a respeito do
assunto com a diretora e com funcionária da secretaria que foi na
creche e "que passou o que tinha que serfeito com a Isis". Entretanto,
Lara acha que “ teria que ter alguém que viesse todo dia, sempre assim..."
e avalia que as informações não têm auxiliado em sua prática
porque "tem que haver algum acompanhamento, assimparagente, né, dia
a dia. " Sobre a assessoria da pessoa da Secretaria de Educação,
ela informou: “ veio só uma vez conversar com a gente, teria que estar
sempre visitando, vê ojeito como a gente está trabalhando com eld' .
Irene relatou que Isis foi o seu primeiro caso
de criança com deficiência e que “ no início foi difícil', mas que
agora “ já acostumou” e que “ se vier mais alguma a gente não fica mais
balançada, né? A gente tem que procurar ajudar efazer o que pode, né?'.
Ela ponderou: ‘Já vou saber cuidar melhor...já não vou ser tão mole como
eu era, né? Que eu tinha muito dó, tinha medo, cheguei até chorar de ver,
de não poderfazer nada. Hojejá não, hoje se vier outra criança, eujá sei
como lidar com ela, comofazer. É,foi me ensinando eu a tomar coragem e
irfirme, que eles têm os mesmos direitos, né?”. Em outro momento, ela
comentou: “ Você vai aprendendo com a vida, a prática, né, é outra, né?
Hoje eujá aprendi, aprendi não, hoje eu sou maisforte. "
Lara, ao avaliar suas próprias competências,
comentou: "sabe eu acho que estou me saindo bem, ao mesmo tempo eu
acho que não, porque eu acho que eu não sei se estoufazendo certo ou se estou
fazendo errado se é dessejeito." Ela considera que a experiência de ter
um aluno como Isis faz com que ela aprenda mais. Na sua vida
pessoal, Lara apontou: “Me corta o coração eu ver uma criança desse
tipo, que não se movimenta, não para em pé, não senta. "
Ao ser questionada sobre se foram necessárias
mudanças na rotina, Irene relatou que "modificou o mínimo, né?...
Assim, tem que arrumar um tempo pra ela. Antigamente, antes dela,
a gente tinha criança tudo normal, então brincava tudo junto, não tinha
problema nenhum, hoje não, hoje a gente tem que arrumar um tempinho pra
ela, de qualquerjeito a gente tem que arrumar um tempinho pra ela, mas
isso daí não éproblema ”. A educadora considerou que o tratamento
que dá a Isis é um pouco diferente porque faz os exercícios com
ela e porque “ o que a gentefaz com os outros a gente numfaz com ela...".
Ela explicou que os outros ela “põe no chão, dança, pula e ela não, ela

junqueira&marin editores 241


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

você tem que.... vocêfaz, táfazendo e ela não reage, mas você tem quefazer
pra ver se ela reage, ne?"
Para Lara, ter Isis na sala mudou a rotina e disse que
todo dia que chega na creche pensa: “Ai meu Deus o que eu vou
fazer com ela hoje?" Sua preocupação é lidar com Isis e com todas
as demais crianças porque, se ela a coloca no chão, vêm todas as
outras crianças em cima e que ela fica sem saber o que fazer. Ela
informa que ao todo são 12 crianças, sendo a maioria bebê de
4 a 5 meses até um ano de idade. Ela ilustrou suas dificuldades,
“eu não posso deixar ela deitadinha, tem vezque eu ponho no colchãozinho,
deito ela no chão, não posso deixar ela sozinha vai tudo em cima porque eles
não entendem ”. Além disso, quando Isis está no berço “tem quepegar
ela, virar ela de costas,fazer massagem, mexer as perninhas dela, fazer isso,
fazer aquilo... " e cuidar dos outros onze bebês.
A opção de Irene, se pudesse escolher entre receber
ou não uma criança com necessidades educacionais especiais, foi:
“eu acho que a gente pode receber, desde que tenha um lugar suficiente pra
eles, né? Tenha gente pra ajudar, aí eu acho que eles têm os mesmos direitos
que um normal tem, o que a gente puderfazer". Lara manifestou que
preferiria não receber crianças assim em sua turma, porém, mais
adiante ela colocou: “tem mais que aceitar, né, na idade dela, né,
coitada. Como a gente fala: 'ela não pediu para vir ao mundo ."
Ao ser questionada sobre sua opinião a respeito do
ingresso de crianças com necessidades educacionais na creche,
Irene falou: "Ah... eu acho bom. Eles também têm direito. Hoje, по
caso, eu acho bom que eles tenham direito, mas há uns tempo atrás eu
achava quejá que era assim, então, era um caso perdido. Era esse o meu
pensamento antigamente, aí depois que eu fiz o curso já mudou o minha
cabeça ". Exemplificando o caso de Isis, a educadora comparou
a alternativa de colocação na creche comum em relação à
permanência no ambiente doméstico: “a gente presta atenção que
quando ela tá ali, se ela ouve o barulho das crianças, ela se movimenta, né?
Música, ela ouve música, a gente percebe que elafaz alguma coisa. Que se
elaficasse na casa dela sozinha seria diferente, né? ”
Em relação à reação das outras crianças, a Irene
relatou que os colegas “nãofizeram diferença, a única coisa éque quando
eu boto ela no chão, você tem que ficar em cima porque eles acham que é
uma criança normal, eles querem brincar com ela como sefosse uma criança
normal, então você tem que ficar sempre em cima. Eles querem brincar e ela
não brinca, então tem queficar ali, tem quefalar, é nenê, mas eufalo é nenê

242 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

tem que tomar cuidado. "


Em relação ao impacto da inclusão sobre a própria
criança com necessidades educacionais, Irene manifestou: " se
tivesse mais pessoas, se tivesse mais... eu acho que ela se desenvolvia mais,
você entendeu? Se a gente pudesse fazer mais exercícios com ela, se tivesse
mais tempo pra ela, ela se desenvolveria mais. Só que a gentefaz o possível,
né?" O que ela espera obter com Isis foi assim manifestado: “eu
quero ver ela sentar, por exemplo, ela andar, a gente não via ela erguer a
cabecinha, hoje elajá ergue a cabecinha, então eu espero que ela volte a ser
uma criança normal.” Lara colocou assim suas expectativas: “a gente
espera bastante vantagem deles né... a gente quer que melhora, que cura
assim, como no caso delas a gente espera que ela sente... ".
A opinião da Lara é de que a inclusão teria impactos
positivos sobre a criança com necessidades educacionais especiais
se tivesse mais acompanhamento, mas criticou: “que nem era para
ela ter saído dafralda, já tá com 3 anos, se ela tivesse um acompanhamento
mais especial". Ela tem a seguinte opinião sobre inclusão em
creches: “difícil, eu acho, nas creches, que não deveria ser, só se tivesse uma
orientadora ali do seu lado trabalhando com você, aí eu acho que seriafácil” .
Em relação ao impacto da política de inclusão sobre
o sistema educacional, ela opinou: “acho que não influencia em nada
não, nẻ” . Ela afirmou ainda que: “ a partir do momento em que você tem
tudo na mão, os aparelhos, essas coisas assim, vai melhorar, né?Agora, num
tendo, não melhora!"
Em relação ao preparo que o educador deveria ter
para receber uma criança como Isis, a educadora recomendou,
"deveria de chegar, apresentar a criança, falar o defeito, né? Antes de pegar,
né? No começo, tipo ali, ela não levantava a cabeça, ela quase não se movia.
Então, a gente tinha até medo de pegar." Assim ela considera que no
início deveria ter alguém para conversar que lhe explicasse como
lidar com a criança. Ela pondera que, apesar de ter feito o curso
ela pensava: “ eu sou muito molona... eu não ia conseguir lidar, sabe?'
Como sugestões Irene apontou: “ a única coisa que eu
acho é assim que tinha que ter um cantinho especialpra essas crianças, uma
pessoa pra cuidar dessas crianças só" porque, no caso de sua turma,
que é do berçário, ficam ela e a Lara e ainda assim ela afirmou:
“A gente não tem tanto tempo pra dar atenção pra Isis." Ela comentou
que todas as segundas-feiras " Vem uma mocinha aqui que só fica
com ela, aí no caso ela trabalha a tarde inteirinha. Agora, no caso eu e a
Lara, é alguns minutos que a gente vai lá, mexe com ela,faz os movimentos

junqueira&marin editores 243


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

com ela, um exercício”. Ela sugere “botar mais uma pessoa... nós seríamos
em três, enquanto duas está dando atenção pros outros, uma daria atenção
pra Isis” e que tendo “uma outra pessoa, seria melhor pra dar atenção,
fazer mais os exercícios dela, que a gente faz o possível, mas não dá pra dar
muita atenção pra ela”.
Por último, ela expressou que seria bom ter “um
profissional pra orientar, porque o pouquinho que a gente sabe, a gente faz,
agora, uma pessoa orientando é mais fácil, né? Porque eu não tenho estudo,
a única coisa que eu tenho bastante pra dar é amor. Agora, ter uma pessoa
que vai me orientando é melhor.”
A educadora Lara sugeriu que houvesse na creche
“uma sala para ela, que daí você trabalharia melhor com ela” e com
“uma pessoa do lado”. Ela acha que acompanhamento e palestras
auxiliariam na prática e sugeriu ainda: “acho que deveria ter uma
reunião, conversar com a gente antes de chegar a criança. Uma semana para
explicar como você deveria trabalhar com ela. Você estando do lado de uma
pessoa”.
Nas visitas à creche, constatamos que a sala dessa
turma era grande (media aproximadamente 5m x 5m), tem três
portas, que davam para um pátio onde ficava o refeitório, para o
banheiro e para um banco de areia. Era um ambiente com poucos
móveis, possuía uma lousa (na qual todos os dias a professora
escrevia o dia, o mês e o ano e algumas vezes uma música). Era
uma sala alegre, havendo vários enfeites, como desenhos do Sítio
do Pica Pau Amarelo, alfabeto colorido e números de um a dez.
Junto à parede, à esquerda da entrada, ficavam três berços, num
dos quais, Isis permanecia quase o tempo todo. Havia prateleiras
com objetos e um aparelho de som ligado praticamente todo
o período. Junto à outra parede, ficavam algumas estantes com
brinquedos, em nível baixo, de modo que os objetos estavam
acessíveis às crianças. A sala possuía um armário com alguns
materiais e um painel de cantinho da leitura com livros, gibis e
revistas.
Em um canto ao lado da sala oposto à parede com
os berços, ficava um colchonete grande com almofadas onde a
maioria das crianças permanecia; e, ao lado, duas cadeiras e um
armário. Na parede restante, ficavam o trocador e cabides, onde
as crianças guardavam as suas mochilas e onde também havia
fotos de cada uma delas. As crianças tinham acesso todo o tempo
a qualquer lugar da sala bem como aos objetos presentes nela.

244 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

O funcionamento da creche iniciava-se às 7 horas,


sendo permitida a entrada das crianças até às 8 horas; neste
tempo, as crianças que chegavam realizavam algumas atividades
com jogos, livros, brinquedos. Às 8 horas e 10 minutos, as crianças
tomavam café da manhã e depois também iam para a sala brincar
ou fazer alguma atividade. Às 10 horas e 40 minutos era o horário
do almoço que durava cerca de 15 minutos, sendo que depois
elas lavavam as mãos para depois irem dormir, terminando o
descanso às 13 horas e 30 minutos. Após o período de descanso,
as crianças realizavam atividades na sala de aula e normalmente
iam para o pátio externo onde brincavam até às 15 horas e 15
minutos, horário em que começavam a lavar as mãos e a irem ao
banheiro para o banho e troca. Às 15 horas e 40 minutos jantavam
e às 16 horas o portão se abria para os pais, que poderiam buscar
seus filhos até às 17 horas.
A turma contava com aproximadamente doze
crianças. As observações nos indicaram que, na maior parte do
tempo, as crianças interagiam predominantemente com adultos
ou permaneciam brincando sozinhas com brinquedos, dançando
ou se locomovendo pela sala. Algumas crianças, e especificamente
as menores passavam mais tempo deitadas ou engatinhando pelo
colchonete ou pela sala, enquanto isso as maiores andavam pela
sala toda, iam até a prateleira para pegarem os brinquedos.
Uma das crianças da sala tinha mais iniciativas de
interação que as outras, era mais habilidosa na fala e socialmente
e, em consequência disso, conseguia monopolizar mais atenção
dos colegas e dos adultos. Ela frequentemente iniciava a interação
através de acenos, sorrisos, toques, contato visual constante e
através da fala.
Outra criança, que era justamente a que uma
das educadoras tinha se referido como muito tímida, não foi
observada em nenhum momento interagindo com os colegas.
Quando os observadores tentavam se aproximar, ele chorava ou
virava o rosto e o corpo, comprimindo a face contra o chão e
vocalizando, com aparente desconforto. Ao longo do período
de observação, entretanto, essa criança passou a interagir
normalmente com os observadores, embora ainda permanecesse
por um longo tempo em brincadeiras solitárias ou observando
de longe as interações que aconteciam entre os colegas.
Outro menino da sala era o mais habilidoso na área

junqueira&marin editores 245


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

motora, era o mais agitado e vivia dançando, escalando berços,


subindo em cadeiras e correndo pela sala. Seu comportamento
costumava chamar a atenção das educadoras que viviam
repreendendo-o, com o intuito de controlar sua conduta.
Seu comportamento monopolizava o comportamento das
professoras.
Isis tinha três anos, mas, apesar da idade avançada
em relação a dos colegas de turma, que tinham no máximo um
ano de idade, ela ainda se encontrava no berçário. Ela apresentava
um quadro de deficiência múltipla, mas ninguém sabia o quanto
estaria comprometida sua visão, audição e motricidade.
Geralmente Isis ficava deitada no berço tendo alguns
móbiles e brinquedos à disposição. Em alguns raros momentos,
uma das educadoras a retirava de lá e brincava com ela. Lara se
justificou dizendo que não tinha tempo de interagir mais com
Isis, pois tinha que dar atenção às outras crianças. Ela disse ainda
que se “a criança fosse sua filha, a encaminharia a algum lugar que pudesse
prestar maiores cuidados, um local que permitisse à criança se desenvolver
melhor.”
Os episódios descritos a seguir ilustram como se
dava a inserção de Isis na turma e como as educadoras Irene e
Lara lidavam com a situação.

Todas as crianças da sala estavam brincando no tanque de areia do lado de


fora da classe, havia apenas uma educadora na turma que estava tomando
conta delas. A Isis ficou sozinha na classe, deitada no berço, onde costuma
ficar, o tempo todo da observação.
Enquanto as crianças estavam tomando banho, Isis permaneceu no
berço sozinha. Assim que as crianças iam acabando o banho, uma das
educadoras as levava à brinquedoteca onde estava a outra educadora. A
Isis ficou o tempo todo na sala sozinha, não tomou banho e só foi levada
à brinquedoteca depois que a última criança que havia tomado banho foi
para lá.

Nessa sessão, todas as crianças da classe tomaram banho, menos a Isis,


que permaneceu deitada no berço.

A situação mais comum era essa criança ficar a


parte do grupo, deitada no berço por longos períodos de tempo,
enquanto as educadoras supervisionavam as demais crianças.
246 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

As iniciativas de interações dos colegas para com Isis eram


constantemente reprimidas porque as educadoras temiam que as
crianças pudessem machucá-la.

A S.³� estava próxima do berço da Isis, observando-a. A Educadora


Irene, ao ver isso, gritou: “- S., aí não.” E a criança saiu de perto do berço.
Irene estava brincando com Isis no berço e algumas crianças se aproximaram
e começaram a mexer na perna ou no cabelo de Isis. Irene gritou com as
crianças dizendo: - “Não é pra mexer na Isis, é pra ficar longe do berço
dela.” E as crianças saíram de perto, parecendo assustadas.
A Educadora Lara colocou Isis no chão, onde as outras crianças costumam
brincar, apoiada em almofadas feitas de calça. Duas crianças foram pegar
brinquedos e ficaram tentando dar para a Isis.

Entretanto, apesar de serem apenas ocasionalmente


estimuladas a interagir com Isis, as crianças continuamente
tentavam iniciar interações com ela.
Algumas crianças da sala da Isis sempre que passam perto do seu berço
param e tocam-na, mexem em seu cabelo ou em seus brinquedos.

Isis estava no berço, algumas crianças pegaram brinquedos e colocaram em


seu berço ou tentaram dar em sua mão.

As educadoras estabeleciam ocasionalmente


interações individualizadas com Isis, principalmente nas situações
de cuidados (exceto no banho, pois a criança quase nunca era
banhada) e às vezes quando ela estava no berço, conforme ilustra
o episódio abaixo.
Lara estava dando comida para a Isis e enquanto fazia isso conversava e
interagia com ela.
O caso dessa turma, onde estava inserida a criança
Isis, oferece vários pontos interessantes para a discussão. Vamos
elencar aqui alguns deles:

1. Isis, apesar de ter três anos, foi colocada numa


turma de crianças de um ano porque seu desenvolvimento era
como o de um bebê: ela não falava e não andava, ao contrário de
todos os seus colegas de turma. Que critério foi utilizado para
junqueira&marin editores 247
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

colocar Isis numa turma de crianças de um ano? Qual seria a


melhor colocação para Isis, o berçário ou a turma de crianças de
sua idade?
2. As professoras relatam que no início tinham
medo de cuidar e de pegar Isis no colo, mas que depois elas se
acostumaram. Será que a experiência ajuda a se acostumar com
as crianças com necessidades educacionais especiais?
3. As educadoras Lara e Irene têm opiniões
diferentes sobre suas próprias habilidades de lidar com Isis.
Lara é mais otimista e Irene mais questionadora. O que será
que influencia essas diferenças no senso de autoeficácia das
educadoras? O que elas pensam do próprio trabalho tem relação
com a adequação na forma como elas lidam com Isis?
4. As opiniões das educadoras quanto às mudanças
efetuadas na forma de lidar com Isis parecem ambíguas. E
possível ver se foram ou não feitas mudanças na rotina, nas
atividades, etc? Analise a diferença entre os discursos (o que elas
relatam fazer com as crianças) e a prática (o que elas realmente
fazem na prática).
5. As mediações das educadoras quando os colegas
tentam interagir com Isis favorecem a participação dela na turma?
6. As educadoras consideram que seria melhor que
ela fosse atendida numa salinha separada e com atendimento
individualizado. Quais seriam as vantagens e desvantagens desse
tipo de atendimento na creche?
7. Na comunidade em questão, a família da criança
teria a opção de deixar a criança em casa ou frequentar o serviço
de estimulação precoce de uma escola especial, sendo que em
ambos os casos a mãe teria que deixar seu emprego. A terceira
possibilidade seria a de matricular numa creche comum. Que
vantagens e desvantagens teriam esses diferentes tipos de opções?
O que seria melhor para a família e para a criança?
8. A turma era composta por 12 bebês, dos quais,
um era severa e multiplamente deficiente e duas educadoras.
Essa razão entre crianças/adulto de 6 para 1 seria suficiente para
possibilitar a inserção bem sucedida de Isis?
9. As educadoras, ao manifestarem suas expectativas
em relação ao futuro de Isis, falam de normalidade e cura. Seriam
essas expectativas realistas ?
10. A turma em questão pode ser considerada
inclusiva? Que sugestões de mudanças poderiam melhorar o
processo?

248 junqueira&marin editores


Capítulo 10
Inclusão escolar marco zero:
é possível começar pelas creches?

A criança, a família e a comunidade são sítios sagrados nas


políticas modernas dos sistemas de bem estar social. A saúde e a
santidade da criança são ditas como pivotais para a preservação
nacional, regeneração social e para o progresso da humanidade.
(POPKEWITZ, 2003, p. 35)

Um dos principais desafios nas reformas


educacionais mais recentes de muitos países tem sido a ampliação
do acesso a programas educacionais e de cuidado para crianças
pequenas, principalmente nos sistemas educacionais públicos.
No caso específico das crianças que já nascem ou que desde
cedo apresentam deficiências, há mais de 30 anos é reconhecida a
importância de um processo educacional formal, que na literatura
vem sendo chamado de intervenção precoce ou essencial
(GURALNICK, 1997 e 2001). Os principais achados referentes
ao impacto da intervenção precoce no desenvolvimento dessas
crianças, segundo Kolucki (1999) seriam:
• Quanto maior o grau e a duração da privação de
estimulação (visual, auditiva e de movimento) mais

junqueira&marin editores 249


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

permanente se torna a limitação;


• A limitação não se restringe ao sentido privado,
mas se estende também para o desenvolvimento
cognitivo, social e emocional;
• Na maioria das condições limitantes, o momento
para iniciar a intervenção é crítico, sendo que a
intervenção (de tratamentos clínicos a processos
educacionais) é mais bem sucedida quando feita nos
primeiros anos de vida.
• A experiência afeta o desenvolvimento e,
inclusive, o tamanho e a estrutura do cérebro, e é
imperativo que as crianças sejam diagnosticadas
o mais precocemente possível para que recebam
atendimento que potencialize ao máximo seu
desenvolvimento.
A intervenção precoce está fundamentada na
premissa de que crianças com dificuldades diferem em algum
aspecto daquelas com desenvolvimento típico e pressupõe que
essas diferenças criam demanda para serviços (por exemplo,
estratégias instrucionais, tratamentos terapêuticos, equipamentos
especiais ou estimulação ambiental), que vão além do que
normalmente se encontra disponível para a maioria das crianças
(BAILEY et al, 1998).
Tais programas têm sido tradicionalmente
organizados de modo separado, sendo que, na atualidade, a
perspectiva da inclusão escolar impõe justamente o desafio de
tornar os programas regulares de atenção à criança extensivos
para aquelas que apresentem necessidades educacionais especiais.
Bailey et al (1998) explicaram que os programas
surgiram separadamente por conta dos mecanismos especiais de
financiamento, da necessidade de treinamento especializado do
professor, do acesso a serviços de ensino especial e de apoio de
profissionais especializados. Os principais argumentos contra a
inclusão, na Educação Infantil, são: a falta ou insuficiência de
treinamento para professores (sobre desenvolvimento, cuidados
infantis e Educação Especial); o baixo salário; a sobrecarga de
trabalho e a falta de outros serviços considerados fundamentais
(avaliação individualizada, intervenção planejada personalizada e
oferta de suporte familiar).
A inclusão é definida como a participação plena da
250 junqueira&marin editores
Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

criança com necessidades educacionais especiais em programas e


atividades para crianças com desenvolvimento típico. Embora não
esteja limitada à participação em salas de aula e centros infantis
regulares, a princípio, as turmas e salas comuns se constituem
como o lugar onde o construto é normalmente operacionalizado
(BAILEY et al, 1998).
Odom (2000) considerou que, embora a definição de
inclusão seja controvertida, há uma dimensão consensual que é a
participação das crianças com necessidades educacionais especiais
na mesma sala e mesma turma para onde vão as crianças com
desenvolvimento típico; não apenas em algumas das atividades
ou por algum período, mas durante o tempo todo e desfrutando
da oportunidade de participar das mesmas atividades e rotinas
proporcionadas aos seus colegas. Entretanto, o autor pondera
que a decisão sobre colocação ou não em programas inclusivos
deve ser baseada nas necessidades individuais de cada criança e
nas preocupações e prioridades dos pais, sendo que, para algumas
crianças, a solução pode não ser necessariamente a colocação em
programas inclusivos.
Bailey et al (1998) apontaram três conjuntos de
valores que comumente interferem na decisão dos pais de
colocação em programas inclusivos ou segregados: a qualidade
dos programas, os serviços especializados e as práticas centradas
nas famílias. Os autores reconhecem, entretanto, que nem todos
os programas regulares têm a qualidade desejada, e que serviços
especializados e suporte familiar raramente são encontrados nos
programas regulares de Educação Infantil. Assim, os pais podem
se defrontar com a necessidade de fazer escolhas entre valores
que competem entre si, sem que em nenhuma das escolhas
contenha tudo que eles desejam.
A literatura científica sobre inclusão na Educação
Infantil apresenta uma quantidade considerável de sugestões e
recomendações sobre a implementação de programas inclusivos
neste nível de ensino.
Thompson et al (1996) descreveram as experiências
do Circle of Inclusion Project (CIP) da Universidade de Kansas
(EUA) durante 10 anos e concluíram que as reações de crianças
pequenas à presença de pessoas com dificuldades é diferente das
respostas dos adultos; e que esse é um dos motivos pelos quais
a primeira infância parece ser a mais oportuna para começar a
junqueira&marin editores 251
INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

quebrar as barreiras sociais e a discriminação. Gettinger, Stoiber


e Lange (1999) descreveram os resultados da implementação
de um programa bem sucedido que envolveu colaboração
entre professores e pesquisadores. Erwin e Schreiber (1999)
ofereceram uma definição dos apoios ousuportes necessáriospara
implementar programas inclusivos relacionados à participação
da família, à relação com os pares, à independência. Lieber et
al (2000) desenvolveram um estudo, no Early Childhood Research
Institute on Inclusion (ECRII), que teve como objetivo investigar as
influências fundamentais para iniciar e implementar programas
pré-escolares inclusivos.
Gallagher, Clayton e Heinemeier (2001) estudaram
barreiras e facilitadores percebidos em alguns estados norte-
americanos que têm promovido mudanças em programas de
Educação Infantil.
Em relação à pesquisa sobre o impacto dos
programas de inclusão na Educação Infantil, existem revisões
abrangentes (NISBET, 1994; ODOM, 1998, 2000 e 2002;
SAILOR, 2002) que comprovaram que: a) ambientes inclusivos
podem favorecer o desenvolvimento das crianças por oferecer
um meio mais estimulador (cognitiva, social e linguisticamente)
do que ambientes segregados; b) com suporte necessário e
apropriado, as crianças pequenas com necessidades educacionais
especiais podem tanto adquirir habilidades complexas quanto
participar com sucesso de ambientes inclusivos; c) a participação
e pertinência são as variáveis chaves e dependem de atividades
específicas que são dirigidas ou mediadas pelo professor ou
educador; d) o engajamento social é maior em ambientes
inclusivos; e) é possível minimizar casos de isolamento social por
meio de intervenções específicas ou de práticas que preveem a
construção de interações sociais como parte do currículo.
Outros estudos apontaram ainda que os cuidadores
e educadores devem perseguir as metas individualizadas
estabelecidas para as crianças especiais e recomendam que, na
medida do possível, as intervenções com crianças pequenas
sejam feitas durante as brincadeiras ou outras rotinas e
atividades, e distribuídas ao longo das atividades adequadamente
contextualizadas (HORN et al, 2002).
Portanto, embora o sucesso de programas inclusivos
na Educação Infantil já tenha sido comprovado na literatura, no

252 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

Brasil, as pesquisas sobre o tema ainda são escassas. No caso da


Educação Infantil apenas recentemente, a partir da promulgação
da LDB de 1996, este nível de ensino passou a ser garantido
como um direito das crianças pequenas. Em decorrência destes
dispositivos legais, as creches passaram a se tornar parte do
sistema de Educação Básica.
A previsão de serviços de Educação Infantil para
a população com necessidades educacionais especiais aparece
no artigo 58, do capítulo V da LDB/96, em que é afirmado o
princípio da inclusão, com a especificação de que o atendimento
à população infantil seria de zero a seis anos em creches e pré-
escolas. Entretanto, ainda parece escasso o processo de atenção
a essa população na faixa etária de zero a seis anos, sendo
que uma política de inclusão poderia caminhar no sentido da
universalização, num momento onde há uma bandeira mais
ampla no país, que defende a ampliação das oportunidades
educacionais na Educação Infantil para todas as crianças.
Assim, diante do contexto atual da realidade do
nosso sistema educacional, elegemos como objeto de estudo a
temática da inclusão escolar, circunscrita ao nível da Educação
Infantil e, mais especificamente, as creches. Direcionamos, então,
nosso estudo para investigar se seria possível e viável começar
a inclusão escolar em creches, estabelecendo uma espécie de
marco zero para a implementação de práticas inclusivas, que
seria justamente a porta de entrada de muitas crianças no sistema
educacional.
Elegemos para a investigação o caso de um
município que vinha anunciando uma inclusão escolar. Esta rede
municipal de uma cidade de médio porte continha 15 creches no
sistema público além de cinco conveniadas, e o município havia
implementado dois cursos de formação sobre inclusão escolar.
O delineamento envolveu uma etapa preliminar para
a condução dos procedimentos éticos. Na primeira etapa, foram
feitas entrevistas com diretores e educadores das três creches
a fim de identificar e caracterizar os alunos com necessidades
educacionaisespeciaiseseusrespectivoseducadores.Identificados
os possíveis participantes (21 alunos e 12 educadores), iniciamos
a segunda etapa entrevistando os 12 educadores selecionados
para saber como eles percebiam suas crianças com necessidades
educacionais especiais e sua própria atuação frente a elas.

junqueira&marin editores 253


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

Numa terceira etapa, foram efetuadas 109 sessões de


observação participante nas creches (139 horas), em 11 turmas,
com registros em diário de campo. A etapa final envolveu a
filmagem de uma amostra de 19 sessões, distribuídas em 5
turmas e de 8 das crianças participantes, perfazendo um total
de 275 minutos de gravação (cerca de 4,5 horas de filmagens).
O procedimento de análise de dados envolveu, no caso das
entrevistas, transcrições e análise de conteúdo. Dos diários de
campo, foram extraídos os episódios ilustrativos de práticas
pedagógicas inclusivas e situações-problema, que foram
posteriormente categorizados de acordo com o conteúdo. O
conjunto dos diferentes tipos de dados destinou-se à triangulação,
entendida como a coleta de observações, apreciações de uma
situação, de uma variedade de ângulos ou perspectivas, a fim de
compará-las e contrastá-las.
Ao final deste trabalho, voltamos para tentar
responder a questão: inclusão escolar, é possível iniciar pelas
creches?
A primeira consideração a ser feita relaciona-se à
questão da acessibilidade a creches. Em 2001, no Plano Nacional
de Educação (BRASIL, 2001), o governo brasileiro reconhecia a
falta de universalização de acesso e estipulava a meta de cobertura
de 50% das crianças de zero a três anos até o final da década.
No ano do início do presente estudo, o censo escolar
(BRASIL, 2005) apontou que, de um total de 13,5 milhões de
crianças na faixa etária de zero e três anos de idade, apenas cerca
de 1,4 milhões estavam matriculadas em creches ou pré-escolas.
Assim, não chegava a 10% a proporção das crianças com acesso
a matrículas em estabelecimentos de atendimento à pequena
infância. Agrava-se o problema de acesso o fato de que o setor
privado concentrava aproximadamente 38% das matrículas
(BRASIL, 2005).
Assim, um grave impedimento ao desenvolvimento
de creches inclusivas no Brasil reside nofatode que aacessibilidade
a este tipo de serviço é ainda muito escassa para o conjunto
da população, inclusive para as crianças com necessidades
educacionais especiais. Tendo em vista que o problema de acesso
não será resolvido em curto prazo, a tendência de emergir outros
tipos de serviços fora do sistema escolar é grande, visto que
existe uma demanda que se encontra descoberta.

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começando pelas creches

A despeito do problema grande e generalizado


do acesso, muitos sistemas municipais estão anunciando suas
políticas de inclusão escolar e demonstrando aumento das
matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais
em suas creches e escolas. Vejamos então o que encontramos
quando adentramos num desses sistemas.
Na primeira etapa do nosso estudo, cada creche
notificou em média a existência de dois alunos por turma,
sendo que cada turma era composta por um número de 15 até
18 crianças. No nosso caso, foram inicialmente identificadas
12 crianças pelas educadoras, por apresentarem problemas de
atraso no desenvolvimento, com foco nas áreas de socialização
e linguagem, ou no ambiente familiar. Das 12 crianças, apenas
duas possuíam quadro clínico definido de deficiência (esclerose
tuberosa e paralisia cerebral como sequela de uma meningite).
A idade das educadoras, todas mulheres, variou de 28
a 53 anos (média de 40 anos), e tempo de experiência em serviço,
entre 3 a 12 anos. A maioria tinha ensino médio completo ou
incompleto, e apenas duas tinham formação em magistério, nível
médio. Quase todas elas já tinham participado de pelo menos um
dos dois cursos oferecidos pelo sistema municipal sobre inclusão
escolar, e seis delas informaram ter tido algum tipo de experiência
anterior com alunos com necessidades educacionais especiais.
Começamos, então, a entrevistá-las a partir de um
roteiro semiestruturado referenciado na teoria da adaptação
seletiva de O’Donoghue e Chalmers (2000), que pressupõem
haver um processo sociopsicológico adaptativo dos professores
quando recebem alunos com necessidades educacionais
especiais, o qual assume os seguintes pressupostos: a) eles não
costumam realizar grandes modificações nos métodos de ensino
e/ou conteúdos curriculares; b) quando ocorrem mudanças, elas
tendem a ser baseada nas práticas de ensino já existentes; c) essa
“adaptação seletiva” ocorre em etapas.
Os sentimentos relatados pelas educadoras frente
às primeiras experiências com as crianças com necessidades
educacionais especiais foram: preocupação, insegurança,
incapacidade, sensação de despreparo, medo de falhar e de
sobrecarga de trabalho. Entretanto, houve relatos de educadoras
que se sentiram estimuladas pelo desafio ou mesmo de
indiferença. Em geral, elas consideraram que os cursos recebidos

junqueira&marin editores 255


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

e a experiência prévia ajudaram a compreender a aceitar a


filosofia de inclusão e, no âmbito do discurso, elas se mostraram
sensibilizadas com a questão. Entretanto, fizeram sérias restrições
quanto à inserção de crianças pequenas severamente prejudicadas
nas creches, demonstrando que a aceitação do princípio ainda é
condicionada às características de desenvolvimento das crianças.
Odom (2000) encontrou que os educadores geralmente têm uma
postura positiva em relação à inclusãode crianças com deficiências
em suas classes, embora também demonstrem preocupações
com o fato. Soodak, Podell e Lehman (1998) confirmaram que
as características da deficiência do aluno é o principal fator que
afeta a disponibilidade do professor.
Entre os primeiros sentimentos e pensamentos
sobre seus atuais alunos, elas manifestaram atitudes que muitas
reconheceram ser preconceituosas e estereotipadas. Entretanto,
após conviver com as crianças, os sentimentos se mostraram
ambivalentes, e o carinho e o sentimento de dó se mesclaram à
insegurança, ao temor de errar e ao sentimento de incompetência.
Quando as crianças ingressaram em suas turmas
elas, em geral, não receberam informações e referiram ter
buscado apoio com diretoras das creches, colegas de trabalho e,
em menor escala, com a família das crianças, na literatura ou com
outros profissionais.
Quando retrataram a forma como lidavam com o
aluno com necessidades educacionais especiais, a maioria narrou
que não houve necessidade de modificar a prática na sala, a não
ser para oferecer um pouco mais de atenção à criança Entretanto,
todas relataram que não se sentiam seguras de que o atendimento
oferecido era adequado. No tocante ao tratamento dado ao aluno
especial, percebemos a existência de dois grupos. Metade das
educadoras considerava ter se ajustado seguindo o princípio de
igualdade ou por acreditarem que elas não precisavam de um
tratamento diferenciado, ou por julgarem que o correto seria não
discriminar. A outra metade do grupo relatou dar tratamento
diferenciado (mais atenção, carinho, auxílio, cuidado e até mesmo
diminuição das exigências).
Hutchinson e Martin (1999) alertaram para a
necessidade de promover a compreensão dos professores sobre
o princípio de equiparação de oportunidades, que não significa
necessariamente igualdade no sentido de tratar os alunos da

256 junqueira&marin editores


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mesma maneira ou apenas igualar as oportunidades. Nas práticas


de inclusão escolar, seria o caso de equiparar o ensino quando
necessário, uma vez que o princípio da igualdade não garante as
mesmas oportunidades de aprendizagem para todos. Portanto, é
cabível diferenciar sim, embora nem sempre seja fácil estabelecer
quando isso é necessário para garantir a participação da criança
especial.
As educadoras avaliaram que, na prática, o princípio
de inclusão é válido, embora difícil e consideraram que houve
progresso (nos alunos, no sistema e em si próprias) apesar dos
resultados serem lentos. Entre as críticas, encontram-se falta de
suporte (adaptações na estrutura física da creche, profissionais
especializados e programas de formação para os professores)
e número elevado de alunos nas turmas de creches. Quando
questionadas sobre o futuro da política de inclusão escolar nas
creches do município, as opiniões se dividiram: algumas acharam
as perspectivas promissoras, enquanto que a maioria demonstrou
pessimismo devido à falta de suportes.
Percebemos ainda, nas entrelinhas das falas das
educadoras, que prevalece uma cultura de desvalorização da
creche, enquanto ambiente de atenção às crianças pequenas de
modo geral; e a permanência da criança no lar junto à família
ainda parece ser vista como a melhor opção de cuidado e
educação para a criança pequena. Tal crença sugere ser ainda mais
arraigada no caso das crianças especiais e parece predominar o
raciocínio expresso por uma das educadoras: “se fosse meu filho, não
estaria aqui.”
Naturalmente, as famílias são importantes em todos
os estágios do desenvolvimento, e particularmente quando as
crianças são bebês e até a idade pré-escolar, porque elas são as
fontes primárias de cuidados e carinho. Entretanto, conforme a
criança se desenvolve, a relação com os pares se torna primordial,
e a creche é geralmente a primeira experiência significativa e
fundamental que a criança terá fora da rede de relações familiares.
Assim, a cultura de desvalorização da creche associada à crença
de que elas ficariam melhores em suas famílias ou em ambientes
segregados parece enviesar a percepção das educadoras
sobre as famílias que buscam uma colocação em ambientes
inclusivos. Isto pode ser constado em momentos nos quais as
educadoras manifestaram abertamente juízos negativos de valor,

junqueira&marin editores 257


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

demonstrando mesmo que inconscientemente desrespeitar a


diversidade cultural do background familiar das crianças.
Os dados obtidos a partir das observações na situação
natural indicaram que, no dia a dia da creche, acontecem tanto
práticas pedagógicas inclusivas, que favorecem a participação
e o desenvolvimento, quanto situações-problema, que podem
criar barreiras para a aprendizagem e para o desenvolvimento
de crianças com necessidades educacionais especiais. Odom et al
(1990), avaliando dois tipos de ambientes de Educação Infantil
para crianças com necessidades educacionais especiais (classes
comuns e classes especiais), concluíram que, em ambas as classes,
as crianças tenderam a despender uma proporção maior de tempo
brincando. A proporção do brincar foi duas vezes mais frequente
em classes comuns. Tal diferença é explicada pela orientação
curricular diversificada, pois, na classe comum, a criança escolhia
ou direcionava a atividade, enquanto que, nas classes especiais,
quem direcionava as atividades eram os professores.
Entretanto, a situação que pareceu ser a mais rica,
mas também a que deixava as crianças especiais mais vulneráveis,
era a de brinquedo livre ou de recreação, que foi a atividade
mais frequente em todas as sessões. Em relação à realidade
estudada, percebemos que as crianças passavam um longo
tempo brincando e que, apesar de terem a liberdade de escolher
e direcionar a atividade, não parecia haver um programa ou
planejamento curricular. Além disso, nas situações de brinquedo
livre, foi muito comum observar as educadoras arrumando salas,
banheiro, ou fazendo atividades individualizadas (dando banho,
alimentando ou levando alguém ao banheiro, por exemplo),
enquanto que a maioria das crianças brincava sem nenhuma
supervisão. Assim, as crianças com necessidades educacionais
especiais eram igualmente tratadas, ou seja, todas eram pouco
supervisionadas. Entretanto, em decorrência desse tratamento
igualitário, observamos que em alguns momentos elas foram
mais prejudicadas, porque interagiram menos do que seus
colegas, passaram mais tempo isoladas ou brincando sozinhas; e
raramente foram observadas tentativas de mediação do educador
para favorecer a participação ou a interação da criança no grupo.
Assim, se a criança tem dificuldades de linguagem,
é quieta e não tem muita iniciativa de interação com os pares,
o ambiente de creche acaba favorecendo o isolamento e

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baixo índice de interação. Tal padrão de tratamento parece ser


mais problemático ainda no caso de crianças com limitações
desenvolvimentais mais severas, em que se observava um
desconhecimento total do educador sobre como proporcionar
melhores condições para atender as necessidades dessas crianças.
No caso específico da criança com paralisia cerebral, por exemplo,
as educadoras, como medida de proteção, dificultavam e até
mesmo impediam a interação dela com seus colegas de classe.
Odom (2000) aponta que, para se beneficiar de
um ambiente inclusivo, as crianças com necessidades especiais
precisam estar socialmente integradas. Embora seja difícil precisar
um critério para se determinar o grau de sucesso de integração
social, há consenso sobre duas dimensões: a qualidade do
ambiente para pré-escolares em geral e a natureza do programa
individualizado, que requer ambiente apropriado para favorecer
o engajamento nas atividades e na rotina da sala de aula.
Os resultados obtidos por nós indicam que tanto a
integração social quanto o engajamento das crianças especiais
estavam comprometidos. Tais resultados corroboram os achados
da literatura que indicam que as crianças com necessidades
educacionais especiais tendem a interagir menos frequentemente
com seus pares (GURALNICK & WEINHOUSE, 1984) e a
desenvolverem menos amizades (GURALNICK & GROOM,
1988).
Embora motivados para aceitar alunos com
necessidades educacionais especiais, os educadores de creches se
mostraramapreensivos quantoao sucessodesseempreendimento.
Thompson et al (1996) apontaram que é comum encontrar
equipes dispostas, que sentem prazer em participar de um
programa inclusivo, mas que manifestam preocupação em relação
às reais possibilidades de atender as necessidades diferenciadas
da criança, de como oferecer da melhor forma o suporte e
assistência necessários. Os autores consideram que a ausência de
regras claras e frustração estão entre os principais fatores que
podem afetar a satisfação do pessoal envolvido em programas de
inclusão escolar.
Uma preocupação que aparece no discurso dos
educadores diz respeito à percepção que eles têm de que as
crianças especiais precisam de um atendimento individualizado
para atender suas necessidades específicas. Odom (2000)

junqueira&marin editores 259


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

apontou que existe esse pressuposto, mas que é possível planejar


intervenções específicas, baseadas no ensino naturalístico, que
não exigem que o professor se ausente de sua sala ou altere
sua rotina para atender às necessidades de um ou de um grupo
menor de alunos. Entretanto, isso irá requerer um processo
complexo de planejamento, implementação e treinamento para
que os educadores aprendam a utilizar e planejar o ensino de
modo incidental em atividades de rotinas. Bricker e Cripe (1992)
descreveram algumas das estratégias de ensino incidental ou
naturalístico que podem ser utilizados em ambientes inclusivos
de Educação Infantil.
Entre as medidas apontadas pelas educadoras para
favorecer a prática de inclusão escolar, estariam: a reestruturação
das creches (em termos de ambiente físico e de pessoal); suporte
permanente de profissionais especializados (fonoaudióloga,
psicóloga, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, assistente social e
médico), com orientações sistemáticas para educadores e famílias
sobre como trabalhar com o aluno com necessidades especiais e
programas de formação continuada para os educadores, tendo o
cotidiano da creche como ponto de partida: a creche como lócus
de formação e ações sistemáticas.
Em relação à realidade do sistema educacional
estudado, percebemos que alguma forma de apoio é oferecida
através da visita de profissionais itinerantes, que retiram a criança
da turma e oferecem atendimento individualizado numa outra
sala da creche. Os educadores, entretanto, não parecem achar
esse tipo de atendimento suficiente, e a maioria sugere uma
forma de apoio mais contínuo, que seja direcionado para eles
tanto quanto para as crianças.
Evans et al (1993) consideram que os programas
de ensino especial, que envolvem retiradas regulares dos alunos
com necessidades educacionais especiais da classe comum
para receberem atendimento, sofrem críticas, porque os alunos
quando retirados deixam de ter contato com seus pares sem
dificuldades, perdem o programa da classe comum e diminuem
suas oportunidades de desenvolvimento social, além de favorecer
o estigma da educação em classes separadas. Na perspectiva da
inclusão escolar, o foco da Educação Especial tem se voltado
para garantir a inserção na classe comum, reduzindo ao máximo
os programas de retirada, e implementando estratégias para

260 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

expandir os apoios centrados na própria classe comum, incluindo


os serviços de consultoria de profissionais a professores do ensino
comum e o ensino colaborativo, com parceria entre professores
do ensino regular e especial.
Vimos, portanto, que, no sistema educacional
brasileiro, o problema de acesso a creches limita as perspectivas
da inclusão escolar a curto e médio prazo. E o que nos diz a
análise dos aspectos técnicos da questão? Ainda que o acesso
fosse garantido, seria possível começar a implementação da
política de inclusão escolar com crianças pequenas?
O que a literatura tem apontado é que o contexto
de Educação Infantil, especializado ou inclusivo, afeta
diferencialmente a oportunidade de interação social com
colegas. As evidências sugerem que os ambientes inclusivos
são contextos mais produtivos para promover habilidade de
interação social com pares, em comparação com ambientes
educacionais segregados (GURALNICK, 1990; ODOM et al,
1990). Isso acontece porque, em tese, nos ambientes inclusivos as
crianças com necessidades educacionais especiais estarão sujeitas
a práticas mais apropriadas para suas idades, terão parceiros
mais habilidosos, terão nos colegas modelos mais positivos de
interação e poderão estar sujeitas a um nível maior de interação
social entre crianças.
Entretanto, os estudos também apontam que, se
queremos inserir crianças pequenas que tenham necessidades
educacionais especiais nas creches, então temos que proporcionar
os meios de fazer com que isso ocorra da melhor forma possível.
A oferta de apoios tem que ser prevista, e se os educadores não
sabem como fazer isso, como parece ser o caso, então seria
necessário ensiná-los.
No caso específico da realidade estudada, muito
teria que ser feito para proporcionar um atendimento inclusivo
bem sucedido no âmbito das creches. Em primeiro lugar, seria
preciso oferecer programas não só de cuidado, mas também de
educação e de boa qualidade. Nos estudos sobre a inclusão na
Educação Infantil, algumas indicações de programas curriculares,
tais como, por exemplo, as propostas de Bricker (1995) e Brown
et al (2000).
Em segundo lugar, seria necessário prover apoios.
Erwin e Schreiber (1999) propuseram as seguintes questões para

junqueira&marin editores 261


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

definir os suportes:

• Quais são as expectativas atuais para o grupo das


outras crianças?
• O que a criança com necessidades educacionais
especiais está precisando no momento para ter
experiências positivas e similares?

Os apoios podem ser: assistência de outras pessoas


(colega, adultos); adaptação do ambiente; adequação de materiais
ou qualquer outra estratégia que assegure participação ativa e
significante nas atividades; interações efetivas com os colegas
e integração no grupo; de modo que produza resultados
significativos e que estejam consistentes com o clima e a cultura
da situação natural.
Prover apoios a crianças especiais cuja idade esteja
entre zero a seis anos é sempre um grande desafio porque é difícil
saber como balancear entre as necessidades que são próprias de
qualquer criança nessa faixa etária, assegurando cada vez mais sua
autonomia, e as necessidades para assegurar a participação. Além
disso, essas crianças podem ter múltiplas prioridades requerendo
desde uma assistência mínima até intensiva e abrangente, sendo
que as necessidades variam dependendo da situação e das
características da criança.
Erwin e Schreiber (1999) sugeriram que sejam
seguidos os seguintes princípios na definição dos apoios:

1) O apoio deve ser o mais comum, não-


estigmatizante, e cuidadoso possível.
2) É preferível o apoio fornecido preferencialmente
pelos colegas.
3) As famílias devem estar envolvidas na identificação
dos apoios.
4) Deve existir um clima que promova a pertinência e
o espírito de comunidade, sem que nenhuma criança
fique isolada ou estigmatizada.
5) A fonte mais importante de avaliação deve ser a
própria criança especial, que deverá manifestar suas
prioridades, preferências, aversões e interesses.
6) O apoio deve refletir o direito das crianças de

262 junqueira&marin editores


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exercer controle além do ambiente e de suas próprias


vidas.

Considerando que a oferta de apoio irá


frequentemente contrastar com perda de independência, do
controle pessoal e da autonomia, tem aumentado muito a
atenção dada a questão da autodeterminação, particularmente
daquelas crianças que têm deficiências significativas (ERWIN &
SCHREIBER, 1999); e isto pode incluir desde decisões do tipo,
quando usar o banheiro, o que vestir, o que e quanto comer no
almoço, ou de quem quer se sentar na hora de ouvir histórias, etc.
Em relação aos educadores, pelo menos no âmbito
do discurso, eles parecem já ter passado da fase de receber bem
e aceitar a ideia de lidar com alunos especiais em suas turmas.
Entretanto, a necessidade de formação continuada permanente
e a oferta de suporte para o pessoal envolvido nunca devem ser
menosprezadas porque isso irá determinar o sucesso ou fracasso
dos programas inclusivos.
Corroborando a percepção da maioria dos
educadores, cresce também na literatura a adesão ao princípio de
que os educadores não devem trabalhar sozinhos, mas sim, em
equipes, compostas por um grupo de indivíduos cujas propostas
ou funções são derivadas para uma filosofia comum e o alcance
de objetivos comuns. Wood (1998) considera que os modelos
de colaboração entre professores, pais e outros profissionais da
escola, que vêm sendo implementados para atender a diversidade,
já estão devidamente reconhecidos como estratégias poderosas
para uma mudança bem sucedida.
Um cuidado especial do educador deve ser monitorar
com atenção as crianças com necessidades educacionais especiais,
porque elas experienciam frequentemente atrasos na aquisição
de habilidades na interação social com pares (GURALNICK
& WEINHOUSE, 1984); e isso traz consequências negativas
a curto e em longo prazo e, por isso, é preciso intervir para
promover as habilidades de interação. Odom et al (1990)
recomendaram aos professores que desejam ensinar habilidades
de interações sociais que dediquem parte da rotina num contexto
de brincadeira, porque são as atividades de brincar que fornecem
mais oportunidades para essas interações; e alertaram que os
professores devem estar cientes da natureza do comportamento

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INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
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da criança nas atividades do brincar.


Thompson et al (1996) fizeram as seguintes
recomendações para os educadores tomando como base a
experiência do Circle of Inclusion Project (CIP):
a) A preparação da classe para a chegada de um
colega com deficiência severa, no caso das crianças
pequenas, não precisa ser extensa e as informações
devem surgir naturalmente;
b) As crianças sem deficiências seguem o modelo
do adulto para se comunicar com as crianças com
deficiência, daí a importância de oferecer um modelo
positivo;
c) Alguns companheiros da mesma idade podem
aprender a usar estratégias de suporte como ajuda
física e suporte facilitador;
d) As crianças respondem com medo à criança que é
agressiva e àquelas que apresentam comportamentos
de isolamento, mas elas aceitam explicações na
natureza comunicativa e podem aprender estratégias
de enfrentamento;
f) No caso da criança requerer acomodações, é
conveniente explicar e demonstrar o equipamento e/
ou dispositivo aos colegas e oferecer oportunidades
para que eles os experimentem, sem desrespeitar a
criança com deficiência.

Thompson et al (1996) apontaram a relevância


do adulto parceiro no desenvolvimento e manutenção do
companheirismo entre crianças com e sem necessidades
educacionais especiais. Os adultos, se necessário, podem mediar
as interações iniciais utilizando-se das seguintes estratégias:
convidar para participação; responder questões e oferecer
propostas de interação em nome da criança com deficiência;
acessar e providenciar as adaptações necessárias que permitam a
participação da criança com deficiência; ensinar os companheiros
a interagir diretamente com a criança com deficiência e diminuir
gradualmente a mediação quando apropriado. Entretanto, os
autores afirmam, e isso também foi evidenciado no presente
estudo, que as pessoas que dão suporte à inclusão estão

264 junqueira&marin editores


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propensas a desprezar as oportunidades de oferecer suporte para


as interações, de instruir e de participar, a menos que tenham
sido ensinados para isso.
Lowenthal (1999), ao fazer um balanço sobre os 30
anos de inclusão na Educação Infantil dos EUA, apontou que
os caminhos ainda necessários para um processo de inclusão
bem sucedido envolvem adesão consistente à filosofia, definição
de papéis (para familiares, políticos, gestores, profissionais da
educação regular e especial) colaboração em equipe, currículo e
método de instrução apropriado, além de mudanças na formação
inicial de professores de Educação Infantil.
Numa revisão de estudos sobre o impacto de
práticas inclusivas, Saylor (2002) concluiu em relação à Educação
Infantil que os serviços de equipe interdisciplinar contribuem
para o alcance de resultados positivos nos programas inclusivos,
mas para que o serviço seja efetivo, é necessário tempo adequado
para o planejamento, agendas eficientes e uso racional do tempo.
Enfim, retratamos no texto algumas barreiras em
nossas creches que dificultam a transformação em direção
à filosofia de inclusão escolar. Adicionalmente buscamos na
literatura de países compráticas inclusivas mais avançadas algumas
propostas que poderiam ser testadas na realidade brasileira.
Resta agora aos sistemas demonstrar que estão verdadeiramente
intencionados na mudança, para além do discurso da inclusão
escolar, investindo na formação dos professores e na provisão
de apoios.
De modo geral, os resultados permitem eleger as
situações de brinquedo livre na creche como um dos fatores
críticos, porque eles são bastante frequentes e têm o poder de
potencializaraexclusãodecriançascomnecessidades educacionais
especiais. Entretanto, o problema não é propriamente o brincar,
mas sim, a falta de currículo e de planejamento que se observa,
o que torna o ambiente de creche muito longe de uma proposta
educacional. Enfim, parece necessário melhorar a qualidade
das creches de modo geral, sem o que será difícil se pensar
numa Educação Infantil inclusiva. Portanto, ainda há muito
a se conquistar para que nossas creches sejam ambientes para
proporcionar uma Educação Infantil de qualidade.
Finalizando esta obra, gostaríamos de apontar
algumas reflexões para a futura pesquisa sobre inclusão

junqueira&marin editores 265


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
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escolar. O pesquisador irá se defrontar com pessoas que muito


provavelmente, ao participarem de um estudo sobre inclusão,
terão uma reatividade maior à possibilidade de serem estudados
e que provavelmente ajustarão suas condutas na direção do
que é social, legal ou moralmente esperado nessa situação,
diferentemente do como reagiriam no cotidiano real da escola.
Dessa forma, o referencial dos estudos etnográficos, que permite
uma variedade de técnicas, das quais as mais usadas têm sido a
observação participante, a entrevista aberta ou semiestruturada,
questionários, vídeogravações, garante uma maior aproximação
do fenômeno a ser estudado. Além disso, a prolongada estadia
do pesquisador na escola, como observador participante, garante
maior familiaridade com o contexto, a cultura e o fenômeno a
ser estudado; e a coleta de dados permanente permite registrar
dados que eventualmente podem não aparecer em situações mais
estruturadas ou planejadas.
Reichardt (apud ELLIOT, 1986) apontou que a
investigação em educação tem, em geral, múltiplos propósitos e
objetivos, sendo de uma diversidade tal de condições que exige
uma variedade de métodos. Neste sentido, um método fortalece
o outro por permitir a triangulação dos dados, entendida como
a coleta de observações, apreciações, de uma situação de uma
variedade de ângulos ou perspectivas, para depois compará-las
e contrastá-las. Na pesquisa sobre inclusão escolar, pelo menos
na literatura estrangeira, pode se observar o fortalecimento da
tradição de estudos mistos, envolvendo abordagens qualitativas
e quantitativas.
As evidências encontradas corroboram os dados
da literatura que indicam que os cuidadores, em geral, parecem
propensos a desprezar ou a não identificar as oportunidades de
oferecer suporte para as interações, instrução e participação, a
menos que tenham sido treinados para isso. A literatura aponta
ainda que o uso destas estratégias efetivas de mediação pode ser
aumentado significativamente com instruções e treinamentos
para todos os adultos envolvidos no programa e essa deve ser
uma linha de pesquisa a ser desenvolvida no futuro.
Alguns pontos que consideramos de avanço na
produção do conhecimento sobre a construção de uma política
de inclusão merecem destaques tendo em vista os resultados
obtidos até o presente. Tais pontos serão destacados a seguir:

266 junqueira&marin editores


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a) O viés do gênero no processo de identificação de crianças com


necessidades educacionais especiais na faixa etáriade 0 a6 anos.

No presente estudo, tivemos a oportunidade de


traçar o perfil de crianças identificadas como tendo necessidades
educacionais especiais em uma amostra de 5 das 12 creches
existentes no sistema municipal. A proporção de crianças
identificadas tem ficado em torno de 6 a 7% da população total
das creches. Nos resultados obtidos nesse levantamento mais
recente, dois fatores se confirmaram: a alta incidência de relatos
de problemas nas famílias das crianças e o viés do gênero que
ocasiona numa superrepresentatividade de meninos na população
identificada, numa proporção de cerca de 2/3 de meninos contra
1/3 das meninas.
Enfim, os resultados têm evidenciado tanto uma
representação desproporcional de meninos quanto diferenças
nas razões apontadas pelos educadores para a identificação em
função do gênero. Tais achados apontam para a necessidade de
pesquisas adicionais para compreendermos as razões desse viés
quando a identificação é baseada no julgamento de educadoras.
Diferenças de gênero na elegibilidade para a
Educação Especial é um fenômeno antigo na literatura e bastante
pesquisado em outros países. Entretanto, praticamente não há
relatos de pesquisa que identificam que essas diferenças possam
ser encontradas em idades tão precoces, tal como foi observado
no presente estudo. Assim, no Brasil, a questão do gênero e
Educação Especial ainda vêm sendo ignorada, embora também
se constate uma representação desproporcional de meninos na
população de alunos com necessidades educacionais especiais.
Na literatura, não há teorias consensuais sobre este
fato, e as evidências observadas no presente estudo apontam para
uma interessante via de investigação que seria a de elaborar um
estudo mais longitudinal para averiguar se diferenças baseadas
no gênero das crianças identificadas estariam correlacionadas a
mudanças nas formas de interações posteriores ou ao gênero das
próprias educadoras.

b) Alguns indicadores da política de inclusão escolar do município.


Um aspecto que ficou evidente seria a falta de

junqueira&marin editores 267


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
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visibilidade da população que deveria estar em um programa de


atendimento visto como essencial para maximizar suas chances
de desenvolvimento. Na realidade do município, por exemplo,
existia o programa de intervenção precoce de uma escola especial
que atendia crianças de zero a três anos, de forma ambulatorial,
e que envolvia atendimento da criança juntamente com a mãe ou
responsável, mas que não permitia atender às necessidades de
famílias cujas mães ou responsáveis não tinham disponibilidade
de frequentar o serviço.
Portanto, havia um problema a ser solucionado,
que seria o de encontrar e assistir, no âmbito do município, às
crianças pequenas com necessidades educacionais especiais bem
como às suas famílias. Se elas não estão nas creches, conforme
ficou evidente, caberia investigar por quê e questionar se seria
de fato a creche uma possibilidade viável de Educação Infantil
inclusiva para esse tipo de população na realidade brasileira.
Outras possibilidades de serviços, além das creches inclusivas,
poderiam ser criadas, tais como os programas domiciliares ou
baseados em centros comunitários.
Cabe ressaltar, entretanto, que essa muito
provavelmente não é apenas a realidade desse município, mas essa
situação pode ser um emblema da falta de programas de Educação
Infantil para crianças com necessidades educacionais especiais
que acontece em todo o país, o que, aliás, não é prerrogativa
destas crianças, pois atinge também toda a população de zero
a seis anos, uma vez que a Educação Infantil não tem oferta
obrigatória garantida por lei.
Durante a fase de observação, constatamos ainda a
saída de três das doze crianças inicialmente notificadas (25%),
e a notificação posterior de oito novas crianças (75%), que
ingressaram no mesmo período. Investigar o que representa
essa movimentação, principalmente nos casos de evasão, parece-
nos necessário para avaliar a política de inclusão nas creches. É
preciso averiguar se a taxa de abandono ou evasão é maior no
caso de crianças consideradas difíceis; ou ainda se a evasão está
relacionada ao desemprego da mãe, uma vez que o acesso às
creches ainda é mais um direito da mãe trabalhadora do que da
criança de zero a seis anos. Neste caso, como resolver o problema
das crianças com necessidades educacionais especiais inseridas
em creches cujas mães perdem o direito à matrícula pela questão

268 junqueira&marin editores


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do desemprego?
Um terceiro aspecto a ser considerado no tocante à
identificação se refere à dificuldade em identificar grande parte da
população de crianças com necessidades educacionais especiais
na faixa etária até seis anos, porque, nestes casos, o principal
indicador é o atraso no desenvolvimento que muitas vezes passa
despercebido. Se por um lado a dificuldade de identificação
pode agravar o atraso comprometendo o futuro processo de
escolarização destas crianças, por outro lado, identificar crianças
em situação de risco de desenvolvimento ainda não é uma tarefa
fácil.
Como implicações práticas, o estudo parece indicar a
necessidade de sistemas mais efetivos de triagem para identificação
de crianças pequenas com necessidades educacionais especiais.
Neste caso, programas de treinamento adicional de pediatras
e de médicos de família seriam indicados a fim de melhorar as
habilidades de reconhecer fatores de riscos e conhecer processos
de encaminhamentos na comunidade. Adicionalmente,
programas comunitários que têm abrangência ao lar de crianças,
principalmente aos de lares de famílias de baixa renda, poderiam
incorporar a função de triagem e encaminhamento para criar um
meio alternativo para alcançar, identificar e encaminhar crianças
pequenas com necessidades educacionais especiais.
Também é necessário definir quem são as crianças
com necessidades educacionais especiais na idade entre zero a seis
anos, para que se possa determinar os critérios de elegibilidade
para os programas e planejar as ações necessárias, tais como
alocar recursos, formar pessoal, etc.
Com o aumento da diversidade nas turmas das
creches e nas escolas em geral, os educadores já na formação
inicial devem aprender a enfrentar o desafio de criar uma
classe que acomode as necessidades de todos os alunos,
incluindo aqueles com necessidades educacionais especiais.
É recomendável, portanto, que informações sobre Educação
Especial e experiências práticas constem desde o início dos
programas de formação de professores da educação comum. Por
outro lado, parece necessário também reestruturar a formação
de profissionais que atuam em Educação Especial com ênfase na
atuação colaborativa.
Um último indicador a ser destacado se refere ao fato

junqueira&marin editores 269


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

de que as crianças, notificadas pelos educadores e observadas por


nós, não parecem ter necessidades educacionais tão diferenciadas.
Das 21 crianças observadas nas 10 turmas, constatamos apenas
dois casos de crianças com necessidades mais diferenciadas. Os
demais casos eram de crianças com leve atraso ou problemas
de desenvolvimento, que provavelmente já eram encontradas nas
creches, muito antes de se anunciar uma política de inclusão no
âmbito do município.
Assim, a despeito do aumento de aproximadamente
57% no número das matrículas nas creches da rede municipal,
entre os anos de 2001 a 2003, e da criação de duas novas creches
no sistema estudado, o número de alunos com necessidades
educacionais especiais inseridos parece estar estagnado eo
acesso ainda parece dificultado no caso de crianças portadoras
de deficiências. Tais resultados indicam que a política de inclusão
escolar no âmbito desse município ainda está longe de apresentar
os impactos esperados em termos pelo menos de ampliar o
acesso.
Vamos aqui sintetizar alguns pontos de reflexão no
tocante à evolução da política de inclusão.

c) O complexo significado oculto do discurso dos educadores: “eu


não estou preparado.”

No município em questão, pelo menos dois cursos


de extensão sobre inclusão escolar já foram oferecidos para
os educadores de creche. Apesar das ações de formação já
desenvolvidas, os educadores ainda se queixam da falta de apoio
e de oportunidades de formação continuada.
Entretanto, uma vez que o perfil da população com
necessidades educacionais especiais parece ter mudado pouco
depois da política de inclusão adotada, o que de fato significam
as críticas dos educadores à política de inclusão, ou suas queixas
sobre insegurança, falta de qualificação e de oportunidades de
formação?
Talvez a insegurança das educadoras em função
das suas competências seja fruto da mudança que a sociedade
brasileira tem imposto atualmente aos profissionais das creches,
que embora tenham sido contratados, no passado, para “cuidar”
de crianças pequenas, sofrem na atualidade com as demandas

270 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

mais complexas, tais como, por exemplo, a de deixar de ser


meramente cuidador e se tornar também educador; a de buscar
melhorar suas qualificações profissionais a fim de manter suas
perspectivas de emprego; além da exigência de que no futuro
eles respondam às necessidades educacionais e de cuidado, de
crianças com dificuldades desenvolvimentais dos mais variados
tipos, incluindo aquelas decorrentes de deficiências.
Assim, as queixas representam provavelmente um
desabafo, menos contra a política de inclusão, porque de fato ela
não pode ser constatada na prática, mas mais pela forma como
essas educadoras estão sofrendo com as reformas educacionais
em curso na Educação Infantil, e essa não parecer ser uma
prerrogativa dos educadores deste município específico.

d) Implicações políticas paradoxais das pesquisas e ações


políticas que visam à inclusão escolar.

No conjunto, nossos estudos têm evidenciado que


o processo de construção de um sistema educacional inclusivo é
lento e complexo, e que as ações de formação de educadores, ainda
que conduzida com a parceria de uma universidade, associada à
vontade política e do interesse do poder público, não têm ainda
sido suficientes para produzir resultados mais significativos.
Na atualidade, contatamos que vários sistemas de
ensino anunciam suas políticas de educação inclusiva, ao mesmo
tempo em que a questão da inclusão escolar vêm sendo talvez
um dos assuntos mais investigado pelos pesquisadores nacionais
da área de Educação Especial.
Entretanto, a despeito de todos os nossos esforços, o
número de matrículas de alunos com necessidades educacionais
especiais nos sistemas de ensino tem evoluído muito pouco eo
acesso à escola para esta população ainda continua sendo mínimo.
Ao término do presente estudo, contabilizava-se apenas cerca de
400 mil matrículas em todo o país, incluindo as existentes nas
escolas especiais, sem contar ainda com o fato de que muitas
dessas matrículas eram de adultos que se encontram fora da faixa
de escolaridade obrigatória.
Assim, a inclusão escolar no Brasil ainda é uma

junqueira&marin editores 271


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

perspectiva a ser buscada, e devemos ter cautela para não reduzir,


com nossas pesquisas e ações políticas, a questão da inclusão a um
simulacro. O debate acirrado, o crescente volume de pesquisas
sobre o tema e as propagandas desenfreadas das políticas
educacionais podem estar criando a ilusão de que a inclusão de
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais esteja
de fato chegando às nossas escolas.
Nossas pesquisas podem estar contribuindo
para produzir e alimentar o “fantasma” da inclusão, o que
paradoxalmente pode reforçar a sensação de ameaça e a
resistência do sistema às mudanças. Em suma, devemos
seriamente questionar o quanto não estamos com nossa adoção
cega e irrefletida ao modismo da temática da inclusão, vacinando
o sistema contra mudanças. No presente contexto, parece que
pesquisar muito já não basta e é preciso produzir conhecimento
crítico novo.
Na esperança de poder contribuir um pouco com
este debate sobre a inclusão escolar no Brasil, produzimos esta
obra e estamos nos esforçando para socializá-la com aqueles que
tenham algum interesse no assunto.

272 junqueira&marin editores


NOTAS

1 Nosso grupo de pesquisa, o GP FOREESP, foi formado em


1997 para integrar as atividades de ensino, pesquisa e extensão
de alguns docentes e seus orientandos, que compreendem alunos
de graduação e da Pós-Graduação em Educação Especial da
UFSCar. A missão do grupo tem sido a de produzir estudos com
o intuito de contribuir para o processo de universalização do
acesso e melhoria da qualidade do ensino oferecida a população
alvo da Educação Especial.
2 Tais argumentos têm servido também para defender a proposta
de inclusão, muito embora o conceito de deficiência tenha sido
na atualidade substituído pelo conceito mais abrangente de
" necessidades educacionais especiais ".

3 O termo mainstreaming cujo significado seria o de fluxo,


corrente ou tendência principal, foi, no Brasil, traduzido como
"integração”, mas os significados seriam diferentes em língua
inglesa e optamos por manter a grafia original para diferenciar
os conceitos.

junqueira&marin editores 273


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

4 Tal análise se aplica também ao conceito de inclusão. Nesse


sentido é semanticamente incorreto utilizar o termo “ aluno
incluído " . Podem-se ter classes, escolas e sistemas que podem
ser mais ou menos inclusivos, mas não se pode dizer que o aluno
está incluído, simplesmente porque foi colocado numa classe
comum .

5 O termo empowerment não tem uma tradução precisa em


português e foi mantido no original; significa nesse caso, transferir
ou devolver o controle para a própria pessoa com necessidades
educacionais especiais (GARTNER & O'BRIEN, 1990) .

O Relatório Warnock foi o primeiro documento que se tem notícia


a propor a substituição do termo "deficiência” pelo conceito de
"necessidades educacionais especiais", sob a alegação de que
havia um contingente grande de alunos com dificuldades que
apresentavam necessidades educacionais especiais diferenciadas,
mas que não se beneficiavam dos serviços de educação especial
por não serem considerados elegíveis. Esse documento foi
elaborado por um comitê instalado em 1974 a pedido do governo
do Reino Unido da época para rever a educação de crianças e
jovens com deficiências. O relatório foi publicado em 1979 e
seu nome se deve a presidente do comitê que se chamava Mary
Warnock, uma filosofa da área de Educação da Universidade de
Oxford .

7 O termofullinclusion será traduzido nesse artigo como “inclusão


total ", no sentido de ser uma abordagem mais radical em favor
de uma inclusão que seja total, integral ou plena.

8 O termo "RegularEducationalInitiative - REľ será aqui traduzido


como "Iniciativa da Educação Regular" .
9 Grifo nosso.

10 Hoje as creches atendem as crianças de 0 a 3 anos e a pré-


escola, as crianças de 4 a 6 anos, seja em período integral ou não.
11
Pesquisa de mestrado de uma participante do nosso grupo de
pesquisa.

274 junqueira &marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

12Uma das questões centrais deste capítulo é a de como identificar


as crianças com necessidades educacionais especiais. Este
pensamento de Norbert Elias traduz muito do que pensamos
sobre o assunto, ou seja, que a diferença não esta centrada
na pessoa identificada, mas sim, na forma como o grupo que
identifica (os estabelecidos na linguagem de N. Elias) estabelece
relações com o grupo dos identificados (os considerados outsiders
ou marginais).

13A partir da década de 90, o contexto histórico parece reforçar


cada vez mais a ideologia da educação inclusiva para os alunos
com necessidades educacionais especiais. Num estudo sobre
a história do movimento pela educação inclusiva, apontamos
a semelhança entre o nosso movimento e aquele observado
nos Estados Unidos e sustentamos a tese de que a Educação
Inclusiva no Brasil representa uma ideologia importada de um
país culturalmente e economicamente dominante, ou seja, é um
alinhamento ao modismo na atualidade. Em outros países, o
movimento se assenta em contextos onde já existia um razoável
acesso à educação, ao contrário do que apontam as estatísticas
oficiais em nosso país. Entretanto, ela pode vir a ser uma estratégia
de universalização do acesso e melhoria da qualidade desde que
alguns cuidados sejam tomados (MENDES, 2006).

14 Tal experiência de formação dos educadores da rede se encontra


descrita na obra organizada por Palhares e Marins (2002).

15 Cuja gestão diz respeito ao período entre 2000-2004.

16Faixa etária de zero a seis anos, portadores de deficiências,


provenientes de lares de baixa renda (até 2 salários mínimos),
priorizando os que vivem em focos de exclusão social e os
excluídos de atendimentos especializados da comunidade.

17A autora é membro do grupo de pesquisa, já havia participado


de vários projetos e desenvolveu esse estudo como monografia
de conclusão do curso de Psicologia sob minha orientação.
18 Os instrumentos utilizados nesta etapa foram os descritos no
capitulo anterior.

junqueira&marin editores 275


INCLUSÃO MARCO ZERO Enicéia Gonçalves Mendes
começando pelas creches

19 F relatou não ter tido experiência anterior, e ela era a educadora


mais experiente do grupo, atuando há 12 anos nas creches.
20 Diretora da creche.

21
Quando houver mais de um aluno, fazer várias perguntas.

22 Tradução nossa.

23 A multiplicidade de estratégias de coleta e análise de dados


também serve o propósito de ensino, considerando que muitos
dos nossos auxiliares da pesquisa cumprem créditos numa
disciplina que tem como objetivo ensinar a metodologia de
pesquisa descritiva.

24 O problema seria de fácil solução se uma grelha de metal fosse


colocada para eliminar a depressão no solo.
25 Este procedimento pode ser facilitado pelo uso de uma fita
cassete gravada combips de 15 em 15 segundos, que sinalizam, com
a instrução, os episódios que devem ser observados (aparecendo
a instrução "observar", após o bip) e aqueles destinados ao
registro (cujo bips é seguido pela ordem "registrar").
26 Tradução do termo inglês “Activity Based Intervention - ABI”.
27
Tradução do inglês "Developmentally Appropriate Practice
DAP" .

28 Os centros de aprendizagem são semelhantes aos "cantinhos"


ou " ateliês ”. A sala é dividia nesses centros (por exemplo, que
concentram atividades de leitura, de motricidade fina, de artes
gráficas, etc) e as crianças passam por esses centros.
29 Com a finalidade de tornar o relato menos impessoal, iremos
adotar nomes fictícios neste capítulo.
30 Nesta turma houve necessidade de alocar dois observadores
para acompanhar as crianças-alvo, porque havia dias em que elas
ficavam em turmas separadas.
31 Referência ao Criando Asas.

276 junqueira&marin editores


Enicéia Gonçalves Mendes INCLUSÃO MARCO ZERO
começando pelas creches

32 Referência a criança com necessidades educacionais especiais.


33
Referência a profissionais especialistas, no caso médicos e
psicólogos.
34
Escola especial do município, que atende exclusivamente
crianças com necessidades educacionais especiais.
35 Referência a UFSCar.

36 Tratava-se de uma estagiária que trabalhava no Projeto Criando


Asas .

37 Uma menina que é socialmente a mais habilidosa do grupo.

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