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1

EXPEDIENTE

Direção Executiva do Instituto


Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec):
Carlota Aquino Costa

Organização:
Alan Azevedo, Ana Paula Bortoletto,
Janine Giuberti Coutinho e Lorenza
Longhi

Idealização do documento:
Ana Paula Bortoletto, Elisabetta
Recine e Janine Giuberti Coutinho. Apoio:

Pesquisa:
Potira V. Preiss

Produção de texto:
Alan Azevedo, Ana Paula Bortoletto,
Elisabetta Recine, Janine Giuberti
Coutinho, Lorenza Longhi e Patrícia
Gentil.

Supervisão: Esta publicação é um produto do


projeto “Uma Agenda para Ação:
Janine Giuberti Coutinho
Transição para Sistemas Alimentares
Saudáveis e Sustentáveis na América
Projeto gráfico: Latina”, financiado pelo International
Coletivo PIU @coletivopiu Development Research Centre [bolsa #
109603] com apoio do Wellcome Trust
Ano: 2022 [bolsa # 222109/Z/20/Z].

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


2 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
CARTA AO LEITOR

Caro leitor,
de 811 milhões1 de pessoas passando
Você tem em mãos uma Agenda para fome no mundo.
Ação para a transição dos sistemas
alimentares. São recomendações que Na América Latina, lamentavelmen-
apontam os caminhos das mudanças te, 267 milhões2 de pessoas enfrentam
que devem ser feitas - e como fazê-las - algum tipo de insegurança alimentar.
para transformar a maneira com que os Também é uma das regiões que mais
alimentos são produzidos, distribuídos, sofre com as consequências da obesi-
ofertados e consumidos. A forma he- dade e de outras doenças crônicas não
gemônica como esses processos vêm transmissíveis, em grande parte decor-
sendo conduzidos nas últimas décadas rentes da mesma situação de má-ali-
está levando ao adoecimento da popu- mentação.
lação e do meio ambiente, acelerando O Instituto Brasileiro de Defesa do
os impactos das mudanças climáticas Consumidor (Idec) é uma associação
e colocando em risco o direito funda- de consumidores sem fins lucrativos,
mental a uma alimentação adequada e independente de empresas, partidos
saudável. ou governos, que há mais de 30 anos
Somando os desafios atuais aos contí- trabalha para garantir à população o
nuos desdobramentos da pandemia de acesso a alimentos saudáveis que res-
covid-19, a necessidade de sistemas ali- peitem os limites dos recursos naturais.
mentares que promovam saúde e con- O Idec luta pelo direito dos consumido-
tribuam com a preservação do planeta res-cidadãos. Está na sua missão inci-
tornou-se inadiável. Neste período, as dir, monitorar e defender políticas que
desigualdades e as injustiças sociais em garantam a perspectiva da produção e
todo o planeta se tornaram ainda mais do consumo de alimentos saudáveis a
evidentes. A insegurança alimentar está partir de bases sustentáveis.
em patamares impensáveis, com cerca Boa leitura,

Carlota Aquino

Diretora Executiva do Idec

1. The State of Food Security and Nutrition in the World 2021. Em: www.fao.org/3/cb4474en/cb4474en.pdf

2. América Latina y el Caribe - Panorama regional de la seguridad alimentaria y nutricional 2021.


Em: www.fao.org/3/cb7497es/cb7497es.pdf

3
SUMÁRIO

A SINDEMIA DA DESNUTRIÇÃO, OBESIDADE E


MUDANÇAS CLIMÁTICAS 5

AGENDA DE AÇÃO PARA CAMINHOS DE UMA


TRANSIÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL 6

RECOMENDAÇÕES COM BASE NAS 5 DIMENSÕES


DOS SISTEMAS ALIMENTARES 8

DIMENSÃO 1: NEGÓCIOS 10

DIMENSÃO 2: ABASTECIMENTO E DEMANDA 15

DIMENSÃO 3: ECOLÓGICA 20

DIMENSÃO 4: SAÚDE 26

DIMENSÃO 5: GOVERNANÇA 31

UM CHAMADO PARA A AÇÃO! 36

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


4 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
A SINDEMIA DA DESNUTRIÇÃO,
OBESIDADE E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

E m 2020 em plena crise econô-


mica agravada pela pandemia de
covid-19, quase 20 milhões de brasilei-
o enfraquecimento de outras políticas
sociais, amplificaram o impacto e as
consequências da pandemia de co-
ros passavam fome e mais da metade vid-19. Entre os principais reflexos es-
da população sofria com algum grau tão: redução do poder aquisitivo das
de Insegurança Alimentar (InSAN)3. A famílias, alto índice de desemprego,
situação atual está certamente mais inflação no custo dos alimentos, des-
alarmante. O desemprego e a inflação valorização do real frente ao dólar e
agravam a fome dos brasileiros, deixan- a desvalorização da agricultura fami-
do-os em extrema vulnerabilidade e em liar como ator central da produção de
situação indigna de vida. alimentos no Brasil. Com o vazio das
políticas públicas, é importante res-
Para além da insegurança alimentar, o
saltar a realização de iniciativas de
Brasil também convive com altas e cres-
diferentes organizações da sociedade
centes taxas de obesidade, com cerca de
civil em apoio à provisão e oferta de
21% das mulheres e 19% dos homens nes-
alimentos de forma emergencial à po-
sa situação4. Associado a esse fenômeno,
pulação mais vulnerável e ao apoio à
observa-se uma elevada carga de doen-
agricultura familiar.
ças crônicas não transmissíveis (DCNT),
que são enfermidades associadas a vá- Os efeitos dos sistemas alimentares he-
rios fatores de risco, entre eles, uma ali- gemônicos ficaram mais evidentes no
mentação não adequada e saudável. contexto pandêmico, impulsionados
pelo agronegócio e por mecanismos
Esta situação de InSAN foi iniciada
que amplificam as desigualdades, apro-
em 2016 com a ruptura das políticas
fundaram as tensões de subsistência e
de Segurança Alimentar e Nutricio- aumentaram a insegurança alimentar e
nal (SAN), com cortes orçamentários, nutricional. Além disso, são responsá-
extinção de programas e fechamento veis por agravar a crise climática, a per-
dos espaços de participação social. O da de biodiversidade, a redução da fer-
contexto de desmonte e descontinui- tilidade do solo, entre outros impactos
dade das políticas de SAN, assim como socioambientais.

3. Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil. Disponível em:
https://pesquisassan.net.br/.

4. Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Disponível em: https://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2019_vigilancia_fatores_risco.pdf

5
As mudanças climáticas configuram governamental tem justamente apoia-
uma emergência sanitária com conse- do a manutenção e expansão do mo-
quências profundas na saúde das popu- delo hegemônico do sistema alimentar
lações e do planeta. A luta pela preser- no país. A desnutrição, a obesidade e
vação do meio ambiente e pelo direito as mudanças climáticas são fenômenos
à uma alimentação saudável e sustentá- que ocorrem de forma concomitante
vel é indissociável da luta contra a po- e que se retroalimentam, caracterizan-
breza e por um mundo menos desigual do a Sindemia Global. Compreender o
e mais justo.
funcionamento e os interesses corpora-
Todos esses aspectos não são fenôme- tivos desses mecanismos é fundamen-
nos isolados ou paralelos. Pelo contrá- tal para decodificar as engrenagens que
rio, há uma convergência desses fatores, contribuem para a perpetuação do atu-
visto que o redirecionamento da ação al sistema alimentar hegemônico.

AGENDA DE AÇÃO PARA


CAMINHOS DE UMA TRANSIÇÃO
SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL

A Agenda para Ação foi elabora-


da a partir do estudo “As Cinco
Dimensões dos Sistemas Alimentares
realizado pelo Idec e referenciado pe-
las publicações do pesquisador Boyd
Swinburn e equipe6, além de aportes de
no Brasil: Uma Revisão de Literatura5”, entrevistas com atores-chave7.

5. As Cinco Dimensões dos Sistemas Alimentares no Brasil: Uma Revisão de Literatura”. Documento que analisa
mais de 100 publicações científicas sobre a interconexão das pandemias de obesidade, desnutrição e mudanças
climáticas, apresentando o sistema alimentar hegemônico como uma causa central - assim como parte da solução
- de tais problemas.

6. A Sindemia Global da Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas. Relatório da Comissão The Lance. Dispo-
nível em: https://alimentandopoliticas.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Relat%C3%B3rio-Completo-The-Lan-
cet.pdf.

7. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 18 atores-chaves, entre representantes de governo, da Aca-
demia e de Organizações da Sociedade Civil que tenham atuação no campo da alimentação e nutrição. Foi selecio-
nado um representante de cada setor para contemplar as cinco dimensões para a transição sustentável e saudável
de sistemas alimentares. Além disso, foram realizadas quatro entrevistas com atores da academia e da sociedade
civil especializados em temáticas prioritárias em que a revisão da literatura apresentou resultados frágeis ou inci-
pientes. São eles: gênero e segurança alimentar; mudanças climáticas e sistemas alimentares; covid-19 e segurança
alimentar no Brasil.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


6 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
Fundamentado nesse conteúdo e no Alimentares no Brasil: Uma Revisão de
conhecimento acumulado sobre o Literatura’’.
tema nos últimos anos, o Idec apresen-
A defesa de políticas que garantam a
ta suas principais conclusões, organi-
produção e o consumo de alimentos
zadas em cinco dimensões: negócios,
adequados e saudáveis a partir de ba-
abastecimento e demanda, ecologia,
ses sustentáveis faz parte da missão
saúde e governança. Em cada dimen-
do Idec. É a partir desta perspectiva
são, expomos os principais problemas
que apresentamos também o “Idec em
e consequências dos sistemas alimen-
Ação”. São iniciativas que foram e são
tares hegemônicos no Brasil. Em segui-
desenvolvidas pelo Idec e que se pro-
da, listamos algumas recomendações
põem a responder a cada uma das cin-
para transição, indicando quais são as
co dimensões da agenda de ação para
prioridades para o que precisa ser feito
a transição dos sistemas alimentares.
e os caminhos de ação, com sugestões
de como alcançar as mudanças reco- Diante da complexidade do tema e
mendadas. também da orientação metodológica
adotada, o conteúdo está organizado
A Agenda para Ação tem como objeti-
em diferentes níveis de intervenção
vo apresentar aos tomadores de deci-
e abrangência. São propostas de ca-
são, ativistas e demais atores interes-
minhos estruturantes para o alcance
sados, caminhos reais e possíveis para
e garantia de direitos fundamentais e
a transição de sistemas alimentares. As
outras recomendações mais específi-
propostas foram elaboradas a partir de
cas e operacionais, igualmente essen-
soluções factíveis, baseadas em evi-
ciais para a concretização da seguran-
dências científicas, que podem fortale-
ça alimentar e nutricional.
cer, ampliar e sustentar políticas públi-
cas pautadas na promoção do direito Este documento é o pontapé inicial
à alimentação e na proteção à saúde para a construção de uma Agenda
das populações e do nosso planeta. para Ação integrada, que demanda
Vale ressaltar que grande parte das uma avaliação contínua dos processos
referências bibliográficas utilizadas de governança e de consulta e envolvi-
no presente documento encontra-se mento de diferentes setores, os titula-
na “As Cinco Dimensões dos Sistemas res de direitos e outros atores-chave.

7
5 DIMENSÕES DOS
SISTEMAS ALIMENTARES

RECOMENDAÇÕES
COM BASE NAS
5 DIMENSÕES
DOS SISTEMAS
ALIMENTARES

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


8 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
DIMENSÃO 1: DIMENSÃO 4:
NEGÓCIOS SAÚDE

Priorização das necessidades de


abastecimento do mercado interno por meio Promoção e Ações de Educação
de medidas legislativas que façam frente ao proteção do Alimentar e Nutricional
monopólio e promovam maior valorização e aleitamento materno que tenham origem,
incentivo da agricultura familiar. e alimentação principalmente, na ação
complementar. pública - da produção ao
Incentivo à diversificação produtiva e o consumo, nos diferentes
fortalecimento do papel do Estado como Políticas e ações ambientes alimentares.
regulador dos mercados alimentares, bem para o desincentivo
como a promoção das cadeias curtas de ao consumo
abastecimento e a agroecologia. de produtos
ultraprocessados.

Políticas e ações para a promoção e proteção de


ambientes alimentares saudáveis, por meio de medidas
regulatórias como a restrição da publicidade abusiva
DIMENSÃO 2: e enganosa, especialmente para o público infantil,
ABASTECIMENTO aprimoramento das normas de rotulagem de alimentos;
taxação de bebidas açucaradas e a regulação de venda
E DEMANDA
e publicidade de ultraprocessados nas escolas, além
da ampliação da rede de abastecimento de alimentos
Elaboração e saudáveis, in natura e minimamente processados.
Responsabilização do
implementação
Estado pelo direito à
de uma política
alimentação.
nacional de
abastecimento
alimentar. Fortalecimento do papel
regulador do Estado, incluindo
maior atenção à determinação da
formação dos preços, a inclusão
de critérios de saúde pública na
definição da política tributária e a DIMENSÃO 5:
inflação dos alimentos. GOVERNANÇA

Estruturação de
mecanismos de Definir um código
descentralização de de conduta e
Segurança Alimentar processos que
e Nutricional, com previnam conflitos
DIMENSÃO 3: instalação de fóruns de interesses e a
ECOLÓGICA bipartites e tripartites, interferência privada
para auxiliar estados e nas decisões de
municípios a priorizar a interesse público,
Retomada e fortalecimento das transição para sistemas como espaços
políticas públicas de mitigação alimentares saudáveis multi-atores
Valorização
das mudanças climáticas. e sustentáveis. (multistakeholders).
das espécies da
sociobiodiversi-
dade brasileira, Fomento a práticas Defesa do marco legal brasileiro alinhado ao
facilitando o agropecuárias de baixo atendimento multiescalar e multissetorial de Segurança
uso sustentável impacto ambiental, tais como: Alimentar e Nutricional e do Direito Humano à
dos recursos diversificação na produção, Alimentação Adequada, retomando as bases originais
nacionais incentivo à agroecologia, de governança legítima e participativa e princípios
e a preservação medidas de controle e redução que viabilizam o controle social do Estado a partir do
dos biomas. do uso de agrotóxicos. exercício da democracia pelos titulares de direito.

9
DIMENSÃO 1:
NEGÓCIOS
A comoditização dos alimentos
para exportação enfraquece o
abastecimento interno

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


10 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
S egundo a revisão de literatura8,
há consenso de que o principal
problema desta dimensão é o sistema
nacional por meio de cadeias longas de
abastecimento, priorizando agricultores
de larga escala e intensificando um mo-
agroalimentar brasileiro ser hegemoni- delo econômico concentrador de rique-
camente orientado para a produção de zas e gerador de desigualdades.
commodities agrícolas comercializadas
Nos últimos 20 anos, as culturas agrí-
no mercado internacional por meio de
colas voltadas para exportação, como
cadeias longas de abastecimento. É um
soja e milho, cresceram exponencial-
processo estruturado por cadeias de
mente, enquanto as plantações de itens
valores que articulam o alimento en-
da cesta básica, como arroz e feijão,
quanto mercadoria, estruturando seu
tiveram expressivas reduções de área
fluxo desde a produção até sua distri-
plantada. Segundo a Companhia Nacio-
buição final.
nal de Abastecimento - Conab (20219),
Trata-se de um sistema ancorado em nos anos 2000, a soja, que ocupava 13,9
valores de lucro e produtividade, tecni- milhões de hectares há duas décadas,
ficação da agricultura e do campo, ge- atingiu 36,9 milhões de hectares, uma
rando produtos agrícolas ou alimentos expansão de 165% que a coloca no topo
de baixa qualidade nutricional, alto im- do ranking das commodities. Por outro
pacto ambiental e um intenso agrava- lado, o feijão que é um alimento de base
mento da desigualdade social devido à da alimentação brasileira, teve uma re-
precarização das condições de vida nas dução de 76,5% no mesmo período.
áreas rurais.
O caso do arroz é mais complexo, pois
O Brasil é um importante produtor de apesar de ser um alimento de base para
alimentos, capaz de prover considera- a dieta da população brasileira, é con-
velmente o seu mercado interno com siderado uma commodity. Em termos
uma ampla variedade. Ainda assim, a ló- de produção, tem perdido espaço para
gica agrícola é incentivada por meio de a soja, pois nos últimos 20 anos, a área
políticas públicas fortemente orientadas de plantio no país que ocupava 3,2 mi-
para a produção de commodities a se- lhões de hectares agora é de 1,6 mi-
rem comercializadas no mercado inter- lhão de hectares. Aqui, dois elementos

8. As Cinco Dimensões dos Sistemas Alimentares no Brasil: Uma Revisão de Literatura. Disponível em:
https://alimentandopoliticas.org.br/wp-content/uploads/2021/11/af-IDEC-Revisao-de-Literatura-ptbr-digital.pdf.

9. Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB. Acompanhamento da Safra Brasileira. 2021. Disponível em:
https://www.conab.gov.br/info-agro/safras. Acesso em: 17 dez. 2021.

11
se tornam problemáticos. O primeiro é Para os produtores, cria-se um cenário
que a redução da produção impacta a em que as condições de produção e o
disponibilidade do arroz como alimento apoio estatal (crédito, assistência téc-
base da população. O segundo, é que nica, disponibilidade de insumos, etc.)
ao ser considerado uma commodity, o tornam muito atrativa a produção de
preço é determinado pelo mercado in- commodities, ainda que as condições
ternacional, se tornando suscetível a in- de autonomia frente aos mercados e
tensas flutuações no dólar que podem renda seja muito limitada, em especial
aumentar o preço do produto final ao a agricultores de pequena a média es-
consumidor brasileiro, tal como ocorreu cala. Aqueles que optam por produzir
a partir do segundo semestre de 2020. alimentos básicos, em processos diver-
Ao considerar os alimentos como uma sificados e sustentáveis, conectados
mercadoria qualquer, cria-se um pro- aos territórios e culturas regionais, en-
cesso que pouco considera as necessi- contram pouco amparo e muitos de-
dades da população por alimentos de safios, seja para ampliar sua produção,
qualidade a preços acessíveis e se fo- ter acesso aos mercados e ter uma vida
menta um mercado agroalimentar alta- digna com base na agricultura.
mente concentrado.

CAMINHOS PARA A TRANSIÇÃO PARA


SISTEMAS ALIMENTARES SAUDÁVEIS
E SUSTENTÁVEIS

A chave está na criação de novos


modelos de negócios que te-
nham desenvolvimento econômico dis-
tributivo e inclusão social como princí-
pios centrais, com a realização de ações
voltadas à proteção e promoção da
saúde das pessoas e da sustentabilida-
de ambiental. É necessário portanto al-
terar a lógica produtiva e comercial das
cadeias de valores para uma perspecti-
va mais alinhada a processos de abaste-
cimento locais e territoriais ancorados
nas necessidades sociais, em condições
justas e economicamente viáveis a agri-
cultores e consumidores.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


12 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES
PARA A TRANSIÇÃO

O QUE PRECISA SER FEITO


• Priorização das necessidades de abastecimento do mer-
cado interno por meio de medidas legislativas que façam
frente ao monopólio e promovam maior valorização e in-
centivo da agricultura familiar.

• Incentivo à diversificação produtiva e o fortalecimento


do papel do Estado como regulador dos mercados ali-
mentares, bem como a promoção das cadeias curtas de
abastecimento e a agroecologia.

CAMINHOS PARA A AÇÃO


COMO PODE SER FEITO
• Fomento à criação dos “intermediários do bem” - orga-
nizações que não estejam focadas na produção, mas que
possam ajudar a estruturar melhor o sistema de distribui-
ção com serviços de insumos, logística, entrega, de for-
ma a facilitar a escala da produção da agricultura familiar
com equidade, relações justas e sustentáveis.

• Fomento a dinâmicas de abastecimento territorializadas,


de forma a valorizar a produção de pequena a média es-
cala da agricultura familiar.

• Apoio técnico e financeiro para a consolidação das ca-


deias produtivas da sociobiodiversidade nacional.

• Criação de legislação sanitária includente da produção


extrativista e da agricultura familiar.

• Apoio técnico, financeiro e logístico às agricultoras fami-


liares agroecológicas.

13
• Fomento de pesquisas científicas sobre agricultura e mu-
danças climáticas em colaboração com agricultores, de
forma que os saberes científicos e empíricos possam faci-
litar a criação de soluções.

• Retomada da política nacional de controle de preços míni-


mos, para o controle da inflação dos preços dos alimentos.

IDEC EM AÇÃO

N a luta pela proteção de direitos dos consumi-


dores-cidadãos, o Idec vem incidindo no de-
bate sobre a Reforma Tributária. Estamos articula-
dos ao movimento por uma “Reforma Tributária 3S”
(Solidária, Saudável e Sustentável). Defendemos um
sistema fiscal eficiente com capacidade de arrecadar
recursos para financiar políticas públicas que garan-
tam direitos e reduzam desigualdades. Isto inclui o
estabelecimento de políticas de incentivo tributário
que promovam o acesso da população a produtos
mais saudáveis e sustentáveis.

O Idec defende a agroecologia e a agricultura fa-


miliar orgânica, fundamentais para garantir comi-
da de verdade na mesa da população brasileira. É
neste contexto que propomos a adoção de políticas
de gasto tributário (renúncia fiscal e desonerações)
sobre alimentos orgânicos, de forma complementar
às políticas públicas de gasto direto (compras go-
vernamentais, por exemplo). Esta associação de me-
didas pode incentivar a produção e o consumo de
alimentos orgânicos, com boas externalidades para
saúde e meio ambiente.10 Acesse aqui o documento
“Tributos, Consumo e Direitos” com todas as pro-
postas do Idec para a Reforma Tributária.

10. Tributo, consumo e direitos. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, 2021. Disponível em: https://idec.org.
br/reforma-tributaria.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


14 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
DIMENSÃO 2:
ABASTECIMENTO
E DEMANDA
A desigualdade no acesso e
oferta de alimentos não viabiliza
uma alimentação saudável

15
N essa dimensão, chama-se a
atenção para como a indústria
alimentar explora as vulnerabilida-
A extinção do Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário (MDA), do Conselho Na-
cional de Segurança Alimentar e Nutri-
des biológicas, psicológicas, sociais e cional (Consea) e do Conselho Nacional
econômicas dos indivíduos, criando de Desenvolvimento Rural Sustentável
ambientes alimentares altamente in- (Condraf), iniciativas de alteração dos
dutores a escolhas não saudáveis e in- marcos legais, a paralisação e o desmon-
sustentáveis. te financeiro e institucional de políticas
públicas centrais para promoverem abas-
Além disso, existe um debate na litera-
tecimento e acesso, como, por exemplo,
tura sobre o crescente encarecimento
no Programa de Aquisição de Alimentos
da alimentação saudável, fazendo com
(PAA) no Programa Nacional de Alimen-
que padrões alimentares saudáveis,
tação Escolar (PNAE), na Companhia
com alimentos in natura, minimamen-
Nacional de Abastecimento (CONAB),
te processados e culturalmente refe-
foram algumas das medidas tomadas
renciados se tornem um privilégio de
desde 2016 até o momento atual.
poucos. Esse direcionamento elitista
da alimentação adequada e saudável é Se o abastecimento enfrentava muitas
justamente o oposto do que devemos assimetrias, em relação à ênfase na pro-
almejar para a sociedade, já que este é dução de commodities, à boa qualidade
um direito humano universal11. do alimento, à regularidade da oferta e
mesmo às quantidades efetivamente
No presente contexto de fragilização
comercializadas no elo final da cadeia,
das instituições comprometidas com
agora essa situação se agrava, tornando
o Direito Humano à Alimentação Ade-
quada (DHAA) no país e uma agenda o país muito mais vulnerável. Se de um
política pautada pelo desmonte das lado temos agricultores familiares, em si-
políticas de segurança alimentar e nu- tuação de insegurança alimentar grave12,
tricional, das políticas sociais e aque- com dificuldades de comercialização de
las voltadas para a agricultura familiar seus produtos, e de outro, populações
e camponesa, as populações em situ- urbanas e rurais com dificuldades de
ação de vulnerabilidade se encontram acesso à alimentação saudável e na imi-
à deriva. Desafios históricos enfrenta- nência da fome, as respostas perpassam
dos pela maioria das famílias brasilei- pelo fortalecimento de políticas públicas
ras para manter condições mínimas de e ações que articulem as duas pontas
vida foram ampliados e aprofundados. nos territórios.

11. As Cinco Dimensões dos Sistemas Alimentares no Brasil: Uma Revisão de Literatura. Disponível em: https://ali-
mentandopoliticas.org.br/wp-content/uploads/2021/11/af-IDEC-Revisao-de-Literatura-ptbr-digital.pdf.

12. Os dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil,
desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) mostrou
que 12% dos domicílios das populações rurais, sejam elas de agricultores(as) familiares, quilombolas, indígenas e
ribeirinhos(as) enfrentam fome.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


16 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
CAMINHOS PARA A TRANSIÇÃO PARA
SISTEMAS ALIMENTARES SAUDÁVEIS
E SUSTENTÁVEIS

O caminho de transição sobre


esta dimensão inclui a neces-
sidade de políticas que influenciam
acesso aos alimentos. Ainda, medidas
regulatórias que influenciam a deman-
da de alimentos são chave para a tran-
os os padrões alimentares, envolven- sição, considerando que as escolhas
do uma gama de fatores que se inter- alimentares são determinadas tam-
cruzam, desde os contextos socioe- bém pela eficiência e o interesse do
conômicos, como poder de compra, mercado em atender ou criar desejos
educação, cultura, modos de vida, os na população por meio de publicida-
condicionantes físicos, políticos e le- de de alimentos, muitas vezes abusiva
gais que facilitam ou restringem o e enganosa.

PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES
PARA A TRANSIÇÃO

O QUE PRECISA SER FEITO


• Responsabilização do Estado pelo direito à alimentação
adequada.

• Fortalecimento do papel regulador do Estado, incluindo


maior atenção à determinação da formação dos preços,
a inclusão de critérios de saúde pública na definição da
política tributária e a inflação dos alimentos.

• Elaboração e implementação de uma política nacional de


abastecimento alimentar.

17
CAMINHOS PARA A AÇÃO

COMO PODE SER FEITO


• Garantia de acesso e oferta de alimentos saudáveis e
adequados pelo Estado, prioritariamente à população em
vulnerabilidade social, desenvolvendo ações que possam
melhorar suas condições de vida. Em contexto de crise
humanitária, como durante a pandemia de covid-19, a
garantia de acesso deve ser realizada também de forma
emergencial.

• Desoneração tributária para a produção e comercializa-


ção de alimentos básicos e in natura.

• Elaboração e implementação de uma política nacional de


abastecimento alimentar articulada com políticas esta-
duais e municipais que garantam articulação entre pro-
dutores da agricultura familiar e consumidores por meio
de diferentes estratégias para formação de uma rede de
abastecimento capilarizada, desde de centrais de abaste-
cimento, passando por mercados, feiras, estabelecimen-
tos locais, mercados volantes entre outros.

• Fortalecimento do papel do estado como regulador e


fiscalizador dos mercados alimentares, por exemplo,
agenda prioritária de abastecimento popular garantindo
capilaridade, mercados, feiras e outros mecanismos de
comercialização local.

• Recuperação das Centrais de Abastecimento (CEASAs)


enquanto estratégia de política pública de abastecimen-
to de alimentos, priorizando a comercialização da agri-
cultura familiar. CEASAS conectadas às políticas públicas
como um espaço de acolhimento da agricultura familiar,
facilitando a comercialização e distribuição de alimentos
in natura e minimamente processados.

• Promoção das cadeias curtas de abastecimento e agroe-


cologia.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


18 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
• Restabelecimento da política de estoques estratégicos
de alimentos básicos para garantia da disponibilidade
e controle de preços.

• Adoção de medidas estatais de controle dos monopó-


lios no varejo alimentar (em especial, redes supermer-
cadistas e atacarejo).

IDEC EM AÇÃO

O Mapa de Feiras Orgânicas é uma ferramenta de


busca, idealizada pelo Idec, com o objetivo de
estimular a alimentação saudável em todo o Brasil e
mostrar que os produtos orgânicos e agroecológicos
são acessíveis aos consumidores.

O Mapa localiza:

• Feiras Orgânicas ou Agroecológicas: Ótima alternati-


va da compra direta com o produtor, diminuem inter-
mediários (e, consequentemente, o preço), estimulam
a autonomia do produtor e valorizam a produção lo-
cal de alimentos.

• Grupos de Consumo Responsável: Iniciativas de


consumidores organizados que se aproximam de
produtores e, juntos, propõem comprar produtos
de uma forma diferente da que ocorre no merca-
do tradicional, pois agregam preocupações com as
questões sociais, ambientais e de saúde, da produ-
ção até o consumo. O propósito é fomentar o con-
sumo diretamente do produtor, seja pela aquisição
de cestas de alimentos ou do financiamento dos
produtores.

• Comércios Parceiros de Orgânicos: iniciativas que


ocorrem diretamente entre consumidor e agricultor
ou com apenas um intermediário. Essa relação deve
ser transparente e justa, com preços que possam co-
brir as despesas operacionais.

19
DIMENSÃO 3:
ECOLÓGICA
A produção em larga escala, ligada
ao uso intensivo de agrotóxicos,
monocultura e pecuária extensiva,
colabora diretamente para as
mudanças climáticas

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


20 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
S ão robustas as evidências sobre
os danos ambientais que o siste-
ma alimentar hegemônico impõe aos
dicado pelas mudanças climáticas é
a agricultura, que, nos anos recentes,
tem sido crescentemente pressiona-
ecossistemas. A produção intensiva de da e modificada por fenômenos como
alimentos, a alta dependência de insu- o aumento da temperatura média do
mos derivados dos combustíveis fós- planeta, as alterações nos padrões de
seis e a logística de distribuição inter- precipitação com maior frequência de
nacional em larga escala são alguns dos secas e enchentes, e a intensificação de
elementos que exemplificam como o eventos climáticos extremos. Os efeitos
uso predatório dos recursos naturais e na saúde humana tampouco podem ser
os altos níveis de poluição gerados têm desconsiderados, visto que a qualidade
colocado o atual sistema alimentar na de vida é paulatinamente reduzida pela
raiz das mudanças climáticas. intensidade da poluição generalizada
em que temos vivido, em especial nas
A extensão e a intensidade com que re-
cidades, e, lamentavelmente, com índi-
cursos como o solo e a água têm sido
ces crescentes também no campo.
explorados e concomitantemente de-
gradados pela poluição química estão Nesse sentido, sistemas mais integrados,
entre as principais causas da emissão como a agroecologia, além de terem uma
de gases de efeito estufa e a redução da abordagem que otimiza as interações
biodiversidade, inclusive das espécies entre plantas, animais, seres humanos e
comestíveis. O desmatamento de flo- meio ambiente, também levam em con-
restas nativas e o desequilíbrio ecológi- sideração aspectos sociais que precisam
co dos principais biomas brasileiros têm ser abordados em sistemas alimentares
sido majoritariamente realizados pela sustentáveis e saudáveis, isto é, sistemas
que contribuem para a justiça social, so-
expansão da produção de commodities.
berania alimentar e a equidade de gêne-
Paradoxalmente, o setor mais preju- ro e étnico-raciais.

21
CAMINHOS PARA A TRANSIÇÃO PARA
SISTEMAS ALIMENTARES SAUDÁVEIS
E SUSTENTÁVEIS

P ara endereçar os enormes desa-


fios que caracterizam a dimen-
são ecológica dos sistemas alimenta-
cursos naturais, com foco em práticas
de baixo impacto ambiental e sani-
tário, com fomento à produção local
res, é preciso acelerar a transição para como forma de valorizar a diversifica-
sistemas de produção ecológicos, que ção de espécies, contribuindo para a
garantam alimentos de qualidade e segurança alimentar e a mitigação das
que permitam a regeneração dos re- mudanças climáticas.

PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES
PARA A TRANSIÇÃO

O QUE PRECISA SER FEITO


• Fomento a práticas agropecuárias de baixo impacto
ambiental, tais como: diversificação na produção, incen-
tivo à agroecologia, medidas de controle e redução do
uso de agrotóxicos

• Valorização das espécies da sociobiodiversidade brasi-


leira, facilitando o uso sustentável dos recursos nacio-
nais e a preservação dos biomas.

• Retomada e fortalecimento das políticas públicas de mi-


tigação das mudanças climáticas.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


22 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
CAMINHOS PARA A AÇÃO

COMO PODE SER FEITO


• Incentivo a práticas agropecuárias ecológicas que aliem a
produção de alimentos a conservação ambiental e mitiga-
ção das mudanças climáticas.

• Promoção dos bancos de sementes e o livre uso da agro-


biodiversidade, com ações como a não aplicação de pa-
tentes e leis de cultivares sobre sementes manejadas pelos
agricultores e a retomada do Cadastro Nacional de Cultiva-
res Crioulas13 de forma a facilitar o processo de conservação
desses cultivares e apoiar seus guardiões.

• Criação de mecanismos de recompensa (preços-prêmios,


redução de impostos, facilidade de acesso a processos
como crédito, logística, concorrências públicas, etc..) às or-
ganizações e comunidades que promovem a biodiversida-
de, a conservação ambiental e a produção sustentável.

• Fomento, estruturação e consolidação das cadeias produti-


vas da sociobiodiversidade.

• Fomento à documentação, pesquisa e difusão de práticas


da sociobiodiversidade e conservação ambiental.

• Apoio e reconhecimento das agricultoras familiares agroe-


cológicas, uma vez que são as guardiãs de sementes e pro-
tagonistas da transição agroecológica.

• Apoio a programas e políticas direcionadas prioritariamen-


te às organizações de mulheres, promovendo seu empode-
ramento, formação contínua e a autonomia.

13. O Cadastro Nacional de Cultivares Locais, Tradicionais e Crioulas foi criado com objetivo de apoiar o uso,
manejo e conservação de cultivares locais, tradicionais e crioulas, no contexto das políticas de democratização
do acesso a sementes, preservação da agrobiodiversidade e adoção de práticas agroecológicas. O Cadastro foi
instituído na Secretaria de Agricultura Familiar, em 2007, por meio da Portaria MDA 51/2007 e está disponível na
internet no endereço http://cnc.mda.gov.br.

23
• Promoção de uma estratégia de ecologia de saberes que
reúna conhecimento acadêmico, popular e tradicional de
maneira a ampliar as soluções de enfrentamento da crise
climática e produção de alimentos saudáveis e sustentáveis.

• Aprovação e implementação de uma política nacional de


redução do uso de agrotóxicos.

É DE PLANTA, MAS É ULTRAPROCESSADO

S ão crescentes as iniciativas no mercado de produtos


denominados plant-based ou “carne do futuro”, que
se apresentam como opções sustentáveis para consumido-
res que desejam fazer escolhas com menor impacto para o
meio ambiente. Apesar da tentadora proposta de se resol-
ver o problema ambiental sem mudar os hábitos alimenta-
res, essas iniciativas mantêm a mesma estrutura e lógica
dos sistemas alimentares hegemônicos, pois se baseiam
apenas na intenção de redução das emissões de gases de
efeito estufa, sem considerar os demais indicadores de im-
pacto para as condições de vida no campo, saúde e para
o meio ambiente. Os produtos plant-based são conside-
rados produtos ultraprocessados pois são compostos por
uma variedade de ingredientes como isolados de proteínas
e gorduras extraídos de soja ou ervilhas, aromatizantes e
outros aditivos. As matérias primas têm origem na produ-
ção intensiva, com uso de agrotóxicos e poucas matrizes
alimentares, com concentração da produção por grandes
indústrias transnacionais, e, portanto, não contribuem para
a proteção da saúde, da biodiversidade e da valorização da
produção local e familiar. (Lappe, 202114)

14. Anna Lappe. The Foodprint of fake meat. Report 2021. disponível em: https://foodprint.org/reports/the-foo-
dprint-of-fake-meat/?utm_medium=email&_hsmi=186992419&_hsenc=p2ANqtz-8IGQpPkUhZ-RFCfgld_Mrzbtg-
mxc_qth7AiCtmuI9URZjTdGpBAP3iXmYCDobv_2wg4wvzKM1UJqXOJB9nUFWghNcY9Khbnhtn7sPgmv_FNQ09y-
So&utm_content=186992419&utm_source=hs_email#section_9

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


24 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
IDEC EM AÇÃO

U ma pesquisa inédita realizada pelo Idec em 2021


demonstrou que diversos ultraprocessados con-
sumidos pelos brasileiros contêm agrotóxicos. Essa
descoberta reforça a necessidade de mudanças em
nosso sistema alimentar hegemônico que visa atender
a grande demanda por commodities, como soja, milho,
trigo e açúcar, e faz um uso intensivo de agrotóxicos,
tornando-se insustentável dos pontos de vista social,
ecológico e sanitário.

O estudo expõe informações cruciais para a luta por


melhores políticas públicas e reforça os motivos para
que consumidores sigam as recomendações do Guia
Alimentar para a População Brasileira e tenham uma
alimentação baseada em alimentos in natura e mini-
mamente processados, priorizando os alimentos orgâ-
nicos e de base agroecológica.

25
DIMENSÃO 4:
SAÚDE
Os sistemas alimentares
hegemônicos que privilegiam
a monocultura e o consumo de
alimentos ultraprocessados estão
adoecendo a população

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


26 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
O ato de se alimentar é muito mais
do que uma ação biológica. En-
volve sentimentos e sensações. A ali-
últimas décadas, com a redução ace-
lerada dos índices de desnutrição e
o aumento expressivo da obesidade,
mentação considera a cultura das popu- hoje perdeu força e se encontra em si-
lações e está relacionada a histórias das tuação preocupante. O retorno do Bra-
famílias, comunidades e etnias. A esco- sil ao mapa da fome e a tendência de
lha alimentar depende também do am- piora nos indicadores da qualidade da
biente alimentar, como ambientes físicos alimentação no país indicam a convi-
(disponibilidade); econômicos (custos), vência cada vez maior das diferentes
políticos (políticas governamentais) e expressões da má nutrição.
socioculturais em que os sujeitos estão
Esse destaque torna-se cada vez mais
inseridos. Embora o direito de se alimen- urgente e relevante por conta do robus-
tar de uma maneira adequada e saudável to volume de evidências que apontam
esteja previsto na Constituição Federal para a influência negativa dos produtos
desde 201015, não é todo brasileiro que ultraprocessados para a saúde huma-
tem acesso a alimentos que protejam e na. De acordo com estudos realizados
promovam a saúde. em diferentes contextos e populações,
A publicidade de alimentos, na maioria o consumo de ultraprocessados provo-
das vezes, abusiva e enganosa, incenti- ca ganho de peso, obesidade, diabe-
tes, hipertensão e outras doenças car-
va o consumo de produtos que sabida-
diovasculares, depressão, cânceres em
mente fazem mal para saúde das pesso-
geral, câncer de mama, asma infantil,
as e do planeta - os ultraprocessados16.
disfunções renais e mortes prematuras.
A publicidade incentiva o consumo des-
Estes produtos têm características in-
tes produtos para todos, inclusive das
trínsecas em sua composição, proces-
crianças pequenas, que deveriam ser
samento, consumo e comercialização
protegidas de propaganda comercial.
que explicam esses efeitos negativos
Os primeiros anos de vida são decisivos
na saúde, incluindo alta densidade de
para o crescimento e desenvolvimen-
energia, mais açúcar livre, gorduras
to, para a formação de hábitos e para a
saturadas e trans e menor conteúdo
manutenção da saúde.
de fibras, proteínas, micronutrientes e
A transição nutricional observada nas compostos bioativos14.

15. A Emenda Constitucional nº 64 incluiu a alimentação entre os direitos sociais, fixados no artigo 6º da Constitui-
ção Federal de 1988.

16. Diálogo sobre ultraprocessados: Soluções para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. Nupens/USP,
2021. Disponível em https://www.fsp.usp.br/nupens/wp-content/uploads/2021/06/Documento-Dia%CC%81logo-
-Ultraprocessados_PT.pdf.

27
CAMINHOS PARA A TRANSIÇÃO PARA
SISTEMAS ALIMENTARES SAUDÁVEIS
E SUSTENTÁVEIS

A pesar dos avanços na agenda


proposta na Política Nacional
de Alimentação e Nutrição e pelo Guia
alimentação saudável, aumentando o
nível de vulnerabilidade da população
em situação de insegurança alimentar.
Alimentar para a População Brasileira,
É preciso garantir o DHAA com a quali-
faz-se necessário o fortalecimento da
ficação dos ambientes alimentares, seja
agenda regulatória para frear as estra-
fornecendo alimentos saudáveis em
tégias persuasivas de oferta, publici-
espaços institucionais (escolas, hospi-
dade e preço praticadas pelas grandes tais, asilos, abrigos, etc.), seja atuando
indústrias transnacionais de ultrapro- sobre desafios de acesso físico e fi-
cessados, que ocupam cada vez mais nanceiro aos alimentos saudáveis. Para
espaço nos locais de comercialização restringir o consumo de ultraprocessa-
de alimentos, na publicidade em todos dos, recomenda-se ações de controle
os meios, e até mesmo nas ações emer- desta produção, a melhoria da rotula-
genciais de combate à fome - uma situ- gem, restrição de comercialização em
ação contraditória de fornecer produtos ambientes públicos e a aprovação de
não recomendados como parte de uma mecanismos de taxação.

PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES
PARA A TRANSIÇÃO

O QUE PRECISA SER FEITO


• Promoção e proteção do aleitamento materno e alimen-
tação complementar.

• Políticas e ações para a promoção e proteção de ambien-


tes alimentares saudáveis, por meio de medidas regulató-
rias como a restrição da publicidade abusiva e enganosa,
especialmente para o público infantil, aprimoramento das
normas de rotulagem de alimentos; taxação de bebidas
açucaradas e a regulação de venda e publicidade de ul-
traprocessados nas escolas, além da ampliação da rede
de abastecimento de alimentos saudáveis, in natura e mi-
nimamente processados.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


28 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
• Políticas e ações para o desincentivo ao consumo de pro-
dutos ultraprocessados.

• Ações de Educação Alimentar e Nutricional que tenham


origem, principalmente, na ação pública, da produção ao
consumo, nos diferentes ambientes alimentares, confor-
me o Marco de referência de Educação Alimentar e Nutri-
cional para as Políticas Públicas.

CAMINHOS PARA A AÇÃO

COMO PODE SER FEITO


• Reconhecimento do aleitamento materno como uma
prática que promove sistemas alimentares saudáveis,
dando garantia a esse direito como o primeiro alimento
in natura sustentável ao qual temos acesso, sendo, por-
tanto, um tema estratégico.

• Promoção, disseminação do Guia Alimentar para a Po-


pulação Brasileira e do Guia Alimentar para Crianças
Brasileiras Menores de dois anos.

• Implementação de medidas regulatórias de restrição


do acesso aos ultraprocessados, com ações de contro-
le desta produção, restrição da publicidade, a melhoria
da rotulagem e mecanismos de tributação dos produtos
não saudáveis.

• Aperfeiçoamento de políticas públicas para qualificação


do ambiente alimentar escolar que considerem não só a
oferta da alimentação ofertada nas escolas públicas por
meio do PNAE, mas a totalidade dos fatores que afe-
tam o consumo de alimentos dos escolares, incluindo a
restrição do comércio e propaganda de alimentos ultra-
processados em escolas públicas e privadas, bem como
maior fiscalização.

• Implementação de estratégias de Educação Alimentar e


Nutricional que contemplem as diferentes dimensões da
alimentação, os processos e etapas dos sistemas alimen-
tares, o impacto social e ambiental dos padrões alimenta-
res e a importância do patrimônio e da cultura alimentar.

29
Por exemplo, ações de sensibilização para o desestímulo
ao consumo de alimentos que utilizam mais recursos na-
turais e poluem o meio ambiente, como a pecuária inten-
siva e produtos ultraprocessados).

IDEC EM AÇÃO

C om o objetivo de reforçar a importância da ali-


mentação adequada e saudável, foi realizada uma
campanha para ampliar o conhecimento dos consumido-
res-cidadãos sobre o Guia Alimentar para a População
Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde.

Sob o conceito “Você já é a favor do Guia Alimentar para


a População Brasileira”, pessoas foram convidadas a co-
nhecerem e descobrirem que uma alimentação saudável
é muito mais do que contar calorias e nutrientes. Mais de
100 mil pessoas baixaram o Guia. Seguimos em relacio-
namento com estes consumidores-cidadãos com a dis-
seminação de mensagens para ajudar em escolhas mais
adequadas e saudáveis.

A alimentação adequada e saudável é um direito que en-


volve a garantia ao acesso permanente e regular, de for-
ma socialmente justa, a uma prática alimentar adequada.
Deve ser baseada pela cultura alimentar e pelas dimen-
sões de gênero, raça e etnia; acessível do ponto de vista
físico e financeiro e baseada em práticas produtivas ade-
quadas e sustentáveis.

O Guia Alimentar é um patrimônio do povo brasileiro. Re-


úne as diretrizes oficiais de alimentação para a nossa po-
pulação. O Idec entende a importância da disseminação
do Guia porque um dos nossos objetivos é lutar pelos di-
reitos de saber o que comer. Todas as informações podem
ser acessadas no site https://guiaalimentar.org.br.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


30 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
DIMENSÃO 5:
GOVERNANÇA
Recentes retrocessos nas políticas
públicas brasileiras voltadas à
segurança alimentar e nutricional
e o desmonte do SISAN em nível
nacional minam a transição para
sistemas alimentares saudáveis

31
A governança refere-se à dinâmi-
ca de como o Estado, as normas
e os atores interagem na criação e na
pelos múltiplos atores da sociedade.

O Sistema Nacional de Segurança Ali-


mentar e Nutricional (SISAN) é um des-
manutenção dos sistemas alimentares.
taque: ancorado pela Lei Orgânica de
Mais do que o conjunto de regras ou
Segurança Alimentar e Nutricional (LO-
marcos legais institucionalizados, o que
SAN), ativo desde 2006 e tendo entre
está em jogo nesta dimensão é a forma
seus princípios ser um sistema público,
como se dão os processos, sejam estes
intersetorial e participativo. O país pos-
formais ou informais, que influenciam e
suía um conjunto de políticas e progra-
regem as relações entre os diferentes
mas que foram capazes de qualificar
atores que compõem o sistema. Assim,
incluem-se as relações entre governos, as condições de vida de boa parte da
Organizações Não-Governamentais população, inclusive melhorando os ín-
(ONGs), movimentos da sociedade civil dices de SAN e apoiando a produção
organizada, corporações multinacionais de alimentos da agricultura familiar e
e mercado capitalista global. É uma di- da agroecologia em dinâmicas locais
mensão altamente complexa e dinâmi- e sustentáveis. É sempre bom lembrar
ca, que afeta direta e indiretamente to- que o resultado mais expressivo dessas
dos os temas aqui abordados, visto que dinâmicas implementadas foi a saída do
é através da materialização das narra- Brasil do mapa da fome em 2014.
tivas dominantes e das forças políticas No entanto, apesar do marco legal
que a hegemonia corporativa se man- existente, o cenário contemporâneo
tém nos sistemas alimentares. revela um grave retrocesso político,
O Brasil era considerado uma referên- em que muitas ações de SAN foram
cia internacional, por ter um marco legal fragilizadas com redução de recursos,
fortemente alinhado com o atendimen- precarização de serviços ou até mes-
to multiescalar e multissetorial da SAN mo a total extinção de pastas e instân-
e do DHAA, com um processo claro de cias de alta relevância, como o Conse-
governança participativa e princípios lho Nacional de Segurança Alimentar e
que viabilizavam o controle social do Es- Nutricional (Consea), requerendo uma
tado a partir do exercício da democracia forte atuação da sociedade para que

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


32 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
os direitos conquistados sejam manti- temas Alimentares da ONU, realizada
dos. Desde 2019, o Brasil não tem mais em setembro de 2021, convocada pelo
um plano nacional de SAN e nem uma seu Diretor-Geral com a pretensão de
atuação organizada governamental e transformar os sistemas alimentares de
orçamento definido para agenda de modo a alcançar os Objetivos de De-
SAN e garantia do DHAA. senvolvimento Sustentável até 2030.
Em nível global, também é visível o A proliferação de iniciativas paralelas,
progressivo enfraquecimento dos es- muitas falsamente inclusivas, e as cha-
paços de governança multilateral como madas plataformas multi-atores (ou
o Comitê de Segurança Alimentar das multistakeholder) também contribuem
Nações Unidas e seu respectivo Meca- para o enfraquecimento ao deslocar
nismo da Sociedade Civil e dos Povos discussões e definição de compromis-
Indígenas. O exemplo mais recente foi sos para espaços sem algum lastro de
seu envolvimento com papel secundá- legitimidade, transparência e regras de
rio na organização da Cúpula dos Sis- prevenção de conflitos de interesses.

CAMINHOS PARA A TRANSIÇÃO PARA


SISTEMAS ALIMENTARES SAUDÁVEIS
E SUSTENTÁVEIS

C om o objetivo de retomar avanços nas políticas públicas


brasileiras voltadas à alimentação, fortalecendo a gover-
nança pública em oposição à interferência da indústria nos há-
bitos alimentares, faz-se necessário priorizar uma abordagem
descentralizada de poder, com foco no Direito Humano à Ali-
mentação Adequada, fundamental para garantir a segurança
alimentar da população ao passo que se empodera os governos
locais. Em paralelo, é preciso ter atenção aos espaços multi-ato-
res, que privatizam soluções públicas e colocam em disputa os
desejos da população e das grandes empresas, no entanto sem
pé de igualdade dado aos enormes recursos que as empresas
têm disponível para exercer sua influência na governança de sis-
temas alimentares.

33
PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES
PARA A TRANSIÇÃO
O QUE PRECISA SER FEITO
• Defesa do marco legal brasileiro alinhado ao atendimen-
to multiescalar e multissetorial de Segurança Alimentar e
Nutricional e do Direito Humano à Alimentação Adequa-
da, retomando as bases originais de governança legítima
e participativa e princípios que viabilizam o controle so-
cial do Estado a partir do exercício da democracia pelos
titulares de direito.

• Estruturação de mecanismos de descentralização de Se-


gurança Alimentar e Nutricional, com instalação de fó-
runs bipartites e tripartites, para auxiliar estados e mu-
nicípios a priorizar a transição para sistemas alimentares
saudáveis e sustentáveis.

• Definir um código de conduta e processos que previnam


conflitos de interesses e a interferência privada nas de-
cisões de interesse público, como espaços multi-atores
(multistakeholders).

CAMINHOS PARA A AÇÃO

COMO PODE SER FEITO


• Disponibilização de instrumentos de exigibilidade para
denúncia, documentação e reparação às violações ao
DHAA.

• Criação de uma dinâmica multiescalar de financiamento


estável para as ações do SISAN, gerando menor depen-
dência do governo federal, bem como o fortalecimento
da intersetorialidade, em especial no âmbito municipal.

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


34 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
• Estruturação de mecanismos de descentralização foca-
dos em facilitar a capilaridade da SAN, garantindo fi-
nanciamento federal com coparticipação dos entes, de
forma a auxiliar e também responsabilizar estados e mu-
nicípios a priorizar a transição para sistemas alimentares
agroecológico e justos, com a consolidação de agendas
locais que integrem as dinâmicas rural e urbana.

• Fortalecimento de instâncias de participação social


com representatividade e diversidade de titulares de
direito de maneira a garantir que em processos deci-
sórios prevaleçam os interesses da sociedade civil e da
saúde pública.

• Implementação de estratégias de capacitação para téc-


nicos e gestores municipais envolvidos na implementa-
ção de programas de SAN.

• Fomento à elaboração de planos estaduais e municipais


de SAN que contemplem o monitoramento de indica-
dores de execução e prestação de contas à sociedade.

• Monitoramento da participação do setor privado nos es-


paços de discussão e decisão de políticas públicas, leis
e regulamentos.

• Aplicação do instrumento de prevenção e manejo de


conflitos de interesse nos programas de nutrição, à
exemplo do proposto pela Organização Pan-Americana
da Saúde e Organização Mundial da Saúde17.

17. Preventing and Managing Conflicts of Interest in Country-level Nutrition Programs: A Roadmap for Implemen-
ting the World Health Organization’s Draft Approach in the Americas. Disponível em: https://iris.paho.org/hand-
le/10665.2/55055.

35
IDEC EM AÇÃO

V ocê já pensou que suas escolhas alimentares


não são feitas de forma tão livre quanto acha?
O documentário Big Food: O Poder das Indústrias de
Ultraprocessados traz a reflexão para o público de
como a sua alimentação está na mesa de negociação
das grandes empresas de alimentos e bebidas.

Realizado pelo Idec, em parceria com o Coletivo Bodo-


que, o filme ganhador do prêmio Rome Independent
Prisma Awards na categoria melhor mini documen-
tário foi lançado em 2021. Big Food é o nome dado
às grandes corporações de alimentos e bebidas ultra-
processados, como lasanhas congeladas, salgadinhos
e refrigerantes, que estão no mundo inteiro e adotam
estratégias para influenciar em políticas públicas que
impactam nos hábitos alimentares, condições de tra-
balho e uso de recursos naturais. Só no Brasil, essas
empresas faturam anualmente R$ 700 bilhões.

Teaser do filme em: https://youtu.be/j5FYYo-lwdg

Agendamento de exibições: https://alimentandopoliti-


cas.org.br/big-food/

UM CHAMADO PARA A AÇÃO!

O s efeitos dos padrões de produ-


ção, abastecimento, comerciali-
zação e consumo de alimentos podem
trição e à obesidade, bem como a outras
doenças crônicas não transmissíveis as-
sociadas aos padrões alimentares.
ser considerados como um dos maiores
desafios globais, implicando na mitiga- A pandemia de covid-19, seja pelo apro-
ção e adaptação às mudanças climáti- fundamento das desigualdades sociais,
cas, combate às desigualdades, à desnu- seja pela ameaça da ocorrência de outras

Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas


36 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina
pandemias em função da degradação É essencial garantir uma governança que
ambiental e da perda da biodiversidade, considere as interações entre estruturas
amplificou as mazelas dos sistemas ali- públicas e que esteja protegida de con-
mentares hegemônicos impondo a mui- flitos de interesse inerentes entre todos
tas famílias a precarização do direito à os atores e partes interessadas, tendo
alimentação adequada. como princípio estruturante a alimen-
tação como bem comum. Para alcançar
É urgente erradicar a fome e a insegu-
as mudanças necessárias, é fundamental
rança alimentar e nutricional de mais da
ter um espaço de consulta e negociação
metade da população brasileira, com
que evidencie os graves desequilíbrios
medidas emergenciais e também estru-
de poder entre os diferentes atores e
turantes de combate às desigualdades e
estabeleça processos que fortaleçam ti-
pobreza. Tão importante quanto, é atu-
tulares de direitos e os setores da socie-
ar com a complexa rede de atores, pro-
dade que estejam em situação de maior
cessos e interações envolvidas desde o
vulnerabilidade.
cultivo, processamento, distribuição,
consumo e descarte de alimentos - uma Ultrapassar estes desequilíbrios de po-
rede que depende e interage através de der exige que os interesses econômicos
ciclos de retroalimentação. não se sobreponham à defesa e garantia
dos direitos fundamentais. O setor pri-
Acelerar a mudança rumo a sistemas
vado não deve interferir na formulação
alimentares sustentáveis e saudáveis
de normas ou políticas públicas sobre
requer a união de forças de diversos
alimentação e saúde.
setores e organizações comprometi-
das com a transição pautada nos direi- Para que os sistemas alimentares con-
tos humanos e não nos interesses co- tribuam para a saúde das pessoas e do
merciais. O direito à saúde e o direito planeta, e não o contrário, é necessário
de escolher uma alimentação adequa- uma verdadeira transformação.
da devem estar à frente dos interesses
econômico e comercial.

Este é um chamado para os tomadores


de decisão, ativistas e portadores de di-
reitos a atuarem de forma convergente
e articulada por meio de soluções fac-
tíveis, baseadas em evidências cientí-
ficas, que podem fortalecer, ampliar e
sustentar políticas públicas pautadas na
promoção do direito à alimentação e na
proteção à saúde das populações e do
nosso planeta.

37
Uma Agenda para Ação: Transição para Sistemas
38 Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na América Latina

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