Trecho Disciplina Mental
Trecho Disciplina Mental
Trecho Disciplina Mental
Você, o realizador
V ocê é um Navy SEAL (Sea, Air e Land – “mar”, “ar” e “terra”, o que
significa que os militares dessa tropa de elite operam em todos os
cenários) e está num helicóptero a caminho de uma missão. Você checa
e recheca seu equipamento. Tudo em ordem: já pode partir. Olha então
para seus colegas de equipe: estão todos quietos, em meio ao ronco dos
motores, pensando no que está prestes a acontecer. Você fecha os olhos
e faz o mesmo, imaginando o ambiente onde logo estará – o ambiente,
os ruídos, o cheiro do lugar. Também analisa os desdobramentos se tudo
correr como planejado e as contingências disponíveis caso algo dê errado.
O helicóptero aterrissa. Concentrado, respirando profundamente, você
abre a porta.
Você é um piloto acrobático, comandando seu biplano em uma compe-
tição na qual executará diversas manobras para impressionar o público (e,
com sorte, os juízes). No entanto, essas manobras submeterão seu corpo a
forças G que fariam qualquer outro ser humano desmaiar. O cartão com a
sequência de acrobacias está colado no painel de instrumentos a sua fren-
te, mas é desnecessário: você já visualizou a rotina tantas vezes que quase
sente que já chegou ao final e deu tudo certo. Mas de repente, ao terminar
uma guinada e iniciar a seguinte, você não vê mais nada. A cabine se en-
cheu de fumaça. Voando a 240 quilômetros por hora e 300 metros acima
do solo, você levanta a capota para dissipar a fumaça e poder enxergar. É
quando sente algo quente na perna: o motor está vazando combustível.
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Você é chefe de polícia em uma cidade dos Estados Unidos. Está na cor-
poração há mais de trinta anos. Começou como jovem policial e hoje co-
manda uma equipe grande e diversificada – é a voz da segurança pública na
comunidade. Mas hoje isso não importa. Um policial morreu no cumpri-
mento do dever e você vai visitar a família dele para oferecer condolências.
A algumas quadras da casa, encosta o carro para respirar e se concentrar. O
que acontecerá em seguida não diz respeito ao departamento de polícia nem
à cidade. Mas suas palavras e ações poderão ajudar a família a se recuperar.
Ou não.
Você é um parlamentar dos Estados Unidos e atuou em Washington, DC,
por diversos mandatos. A essa altura, já se acostumou com as inevitáveis
pesquisas de popularidade, com a interminável arrecadação de fundos e com
o planejamento da eleição seguinte. Concebeu um projeto de lei do qual está
muito orgulhoso, pois poderá fazer diferença na vida das pessoas e até sal-
var algumas. O projeto está em debate hoje no plenário do Congresso, com
resultado incerto. O presidente da comissão de análise se opõe por motivos
políticos. Assim sendo, a discussão e o subsequente processo de implemen-
tação, caso seja aprovado, certamente serão terríveis. Você retira de sua pasta
fotos de pessoas que serão beneficiadas e as espalha sobre a mesa. A batalha
diz respeito a elas, não a você. Seus colegas começam a fazer perguntas.
Você é um aluno a caminho da prova final. Essa avaliação representa 50%
da nota, em um curso que pode aumentar ou diminuir suas chances de con-
seguir o emprego dos sonhos ou de entrar na faculdade que deseja cursar.
Você é um pai ou uma mãe. Seu filho mais velho está sofrendo com as
panelinhas de colegas e as pressões acadêmicas do ensino médio. Seu filho
mais novo está no quarto preocupado com uma prova que fará. Você pre-
cisa fazer o jantar, além de responder a dezenas de e-mails que não podem
esperar até amanhã.
Você é um empresário prestes a fazer uma apresentação para um cliente,
parceiro ou chefe. Trata-se de um projeto em que vem trabalhando há seis
meses e com o qual se preocupa muito. Você tem trinta minutos para con-
vencer um ouvinte cético da importância da proposta.
Você está em um púlpito para fazer um discurso. Praticou uma dúzia de
vezes e anotou o que vai dizer. Agora está em uma sala lotada e luzes ilumi-
nam seu rosto. De onde você tirou que isso era uma boa ideia?
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Você está num café, esperando com entusiasmo por uma pessoa que
virá encontrá-lo. Vocês já conversaram por telefone e até pelo FaceTime
por alguns minutos, e foi divertido! Você toma um vinho enquanto espera.
A pessoa está atrasada. Quanto tempo ainda terá que esperar? De repente
a porta se abre e a pessoa que você só tinha visto na tela do celular entra.
Ao ler esses relatos, você provavelmente se identificará mais com os úl-
timos do que com os primeiros. É mais fácil que você seja um estudante,
um pai ou uma mãe, um empresário, um orador relutante ou uma pessoa
romântica do que um SEAL, um piloto de acrobacias aéreas, um policial
ou um membro do Congresso americano. Mas todos esses cenários têm
algo em comum: envolvem desempenho. Descrevem uma situação em que
alguém está diante de um desafio cujo resultado é importante. Pode ser algo
extremo – surfar uma onda gigantesca, entrar correndo em um prédio em
chamas – ou cotidiano: um relatório de vendas, uma prova de ciências, uma
atuação na peça da escola. Os riscos e o grau de dificuldade podem variar
de modo significativo, mas a essência não.
Todos somos realizadores. Todos cumprimos regularmente desafios im-
portantes para nós. Na maioria das vezes, damos o melhor. Alguns de nós
são os melhores no que fazem. Muitos são bons e gostariam de melhorar.
Talvez não venhamos a ser campeões mundiais de alguma modalidade,
mas temos potencial e queremos honrá-lo. Assim, aprendemos, pratica-
mos, lemos, treinamos, fracassamos, praticamos mais, nos castigamos, nos
esforçamos, tentamos de novo – tudo em um esforço contínuo para nos
tornarmos melhores.
Infelizmente, em meio a todos os treinamentos e preparações, tendemos
a ignorar o componente mais importante do alto rendimento: o aspecto
mental. Treinamos tudo, menos nossa mente. Quando chega o momento, é
ela que muitas vezes nos trai.
HARDWARE E SOFTWARE
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são resultado do trabalho que realizo há mais de três décadas. Desen-
volvi e gerenciei programas de desempenho mental para os Navy SEALs
dos Estados Unidos, para os jogadores do time de beisebol Los Angeles
Dodgers e para os atletas patrocinados pela Red Bull. Trabalhei também
como treinador de desempenho para líderes das áreas esportiva, militar,
de socorristas e empresarial. Pode-se dizer que sou um nerd do desem-
penho mental. Adoro aprender o que motiva as pessoas e como ajudá-las
a se superar.
As experiências e o trabalho me colocaram frente a frente com milhares
de indivíduos de alto rendimento em diversas áreas. Ao longo do caminho,
desenvolvi convicções sobre o que separa os melhores dos medianos. Para
entender minha tese, basta olhar para seu celular, esse dispositivo incrível
que deve estar ao seu alcance neste exato momento.
Seu telefone (ou tablet, ou computador) é uma excelente peça de hard-
ware. Tem processadores sofisticados cujas especificações usam palavras
como bits, núcleos e taxa de clock, esta última medida em algo chamado
GHz. Ele dispõe de muita memória, medida em GBs. Tem câmeras com
megapixels, taxas de quadros e faixas de abertura. Tudo muito impressio-
nante – e deve ser mesmo, pois é o que afirmam anúncios e avaliações
por toda parte. Mas isso também é inútil. Para funcionar, o hardware
precisa do software. Quem se importa com o número de GHzs e GBs de
um celular? As pessoas querem receber mensagens, assistir a vídeos, pu-
blicar, jogar ou apenas conversar. O hardware é importante, mas o sistema
operacional e os aplicativos é que fazem o telefone funcionar. Você pode
dispor do melhor hardware, mas não adianta nada se o software não for
bom. É o software que faz tudo funcionar!
Quando converso com indivíduos com alto rendimento, a história é
sempre a mesma: todos têm um ótimo hardware. São seres humanos mag-
níficos, tanto física quanto intelectualmente. Possuem qualidades que apri-
moraram com trabalho árduo e repetição, como muitas outras pessoas. O
que os diferencia mesmo é a abordagem mental do ofício. Eles são mental-
mente durões. Não vacilam. Não se preocupam com aparências nem com o
risco de dar errado; agem com base na própria identidade e em seus valo-
res, não no que pode prejudicar sua reputação. Nos momentos de estresse,
permanecem tranquilos.
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Quando você observa o desempenho dos melhores profissionais, acha
que eles são só diferentes. Têm uma calma e uma confiança inatas, certo?
Eles devem ter nascido assim.
Não! Eles aprenderam a ser excelentes. Sim, talvez tenham característi-
cas físicas ou intelectuais que os diferenciam do restante de nós, mas até os
melhores são mentalmente falíveis. Um campeão à beira de uma competi-
ção importante também se concentra no que pode dar errado em vez de se
lembrar de suas grandes qualidades. (Texto recebido de um de meus clientes
algumas horas antes de uma competição: Estou duvidando de mim mesmo,
alguma sugestão?) É o que acontece acima do pescoço e entre as orelhas que
faz deles os melhores. A diferença entre se acomodar e perseverar, entre o
bom e o ótimo, entre o contentamento e a realização é totalmente mental.
O que faz essa diferença – assim como no celular – é o software.
ALCANÇANDO A EXCELÊNCIA
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Não posso fazer aquilo, pois não sou muito bom. Não posso fazer tal coisa
porque vai pegar mal.
Então, quando chega o momento da apresentação, nos vemos reféns do
mecanismo atávico de luta, fuga ou paralisação. A respiração e os batimen-
tos cardíacos se aceleram. Sentimos frio na barriga, suamos mais, os pensa-
mentos se atropelam. Essas reações podem ter sido úteis na época em que
éramos perseguidos por predadores, mas hoje, na maioria dos cenários de
desempenho, são prejudiciais. Não estamos preparados para o estresse e
não sabemos como lidar com ele. Consequentemente, não atingimos nosso
potencial máximo.
Não se sinta mal; a culpa não é nossa. Durante a maior parte da his-
tória, a educação para o desempenho em qualquer área baseava-se acima
de tudo no hardware: força, resistência, técnica, nutrição, conhecimento
e habilidade. Nosso treinamento mental em geral se limitava ao aprendi-
zado mecânico, ou seja, a como fazer algo – de assar um bolo a resolver
uma equação. Pense em quando você estava na escola e tinha uma prova
importante. O professor ensinou a matéria, passou exercícios e talvez até
tenha dito o que iria cair na avaliação. Mas será que ele ensinou você a se
preparar para ela? A se acalmar e se reconcentrar ao perceber que gastou
metade do tempo para responder apenas um terço das perguntas? É claro
que não. Você teve que aprender por si mesmo. O hardware foi preparado,
mas o software foi ignorado.
Aqui entra a psicologia do desempenho, que é, em essência, o processo
de avaliar onde cada pessoa é mentalmente forte e onde precisa melhorar. E,
a partir daí, orientá-la na prática de rotinas mentais para se tornar melhor e
mais eficiente. Meu trabalho é ajudar profissionais a desenvolver softwares
para se tornarem mais fortes, mais resilientes e mais confiantes acima do
pescoço e entre as orelhas.
Neste livro, transformo tudo que aprendi na minha carreira em um con-
junto claro de princípios e práticas que qualquer pessoa poderá usar para
alcançar a excelência. Trata-se de um guia prático para aprimorar seu soft-
ware de modo que você possa atingir seu potencial máximo em todos os
aspectos da vida. Juntos, aprenderemos cinco disciplinas para alcançar a
excelência – pense nelas como componentes de seu sistema operacional de
desempenho. Começaremos com valores e metas. Por que você faz o que
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faz? O que mais desperta o seu interesse? Que metas grandes e ambiciosas
pretende estabelecer para si?
Em seguida, abordaremos o mindset. Talvez você já tenha ouvido falar
em mindset positivo e mindset de crescimento. O que eles significam e
como alcançá-los?
Depois falaremos sobre o processo. De modo geral, ouvimos que deve-
mos confiar no processo e não nos preocupar com o resultado. Parece legal,
mas... como não nos preocuparmos com o resultado?
O próximo item será tolerância à adversidade. Estamos programados
para lutar, fugir ou permanecer imóveis quando deparamos com uma situa-
ção estressante. Mas esse instinto, que ajudou nossa espécie a sobreviver em
tempos remotos, não funciona muito bem na maioria das situações atuais.
O que podemos fazer?
Por fim, trataremos de equilíbrio e recuperação. Você não é o que faz. Há
muitos aspectos de sua vida que merecem atenção. Só que, às vezes, quando
você faz malabarismo com um monte de pratinhos, pode deixar cair um ou
dois. Determinadas questões precisam esperar. Certo?
Para cada um desses componentes falo sobre as práticas adotadas pelos
melhores profissionais, revelo por que são importantes e mostro como fun-
cionam. Também explico como integrá-las em sua vida e como você poderá
usá-las para melhorar seu desempenho profissional. Ilustro meus princípios
e práticas com histórias de algumas pessoas incríveis com quem trabalhei.
Ao destacar pesquisas que confirmam minhas observações e experiências,
posso parecer um nerd. Cada capítulo contém um Plano de Ação de Disci-
plina Mental, um resumo dos princípios abordados.
Termino com uma discussão sobre a prática da excelência. Como colocar
os princípios em ação? Por onde começar? Como superar as dúvidas e os
obstáculos inevitáveis? O que fazer para explicar as disciplinas da excelência
que se aprende para seus colegas de equipe? E – uma pergunta que escuto
muito – para seus filhos?
Este livro transforma em um guia acessível toda a minha experiência de
trabalhar com milhares de profissionais e entrevistar outros tantos. Sua es-
trutura abrange todos os aspectos do desempenho mental – valores e metas,
mindset, processos, tolerância à adversidade, equilíbrio e recuperação – e
dará a você ideias claras de como praticar cada um.
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Talvez você não seja um SEAL, um atleta campeão mundial, um so-
corrista nem um líder na área empresarial, médica ou política. Talvez não
esteja participando de um ataque noturno com inimigos à espreita nem se
preparando para surfar uma onda gigante. Talvez seja uma pessoa comum
como todos nós, tentando se sair bem no trabalho e fazer algo bom para o
mundo – sem deixar de ser um bom parceiro, pai, filho, irmão e amigo nem
de se divertir ao longo do caminho. Tudo isso também é importante – na
verdade, o mais importante. Por esse motivo você deseja alcançar a disci-
plina mental que leva à excelência.
Antes de começarmos, deixe-me falar um pouco mais sobre o que me le-
vou a escrever este livro e por que você pode contar comigo como seu guia.
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C O N H E Ç A A L G U N S D E STAQU E S D E N O S S O C ATÁ L O G O
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