Fichamento

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

Fichamento – Clínica Psicanalítica

Professora: Regina Coeli Aguiar Castelo Prudente


Aluna: Luiza Correa Cunha

Capítulo I - As funções das entrevistas preliminares

Antonio Quinet cita neste primeiro capítulo o texto “O início do tratamento” em


que Freud expressa a prática do tratamento de ensaio, que seria o tratamento
psicanalítico de uma ou duas semanas que antecedem o início da análise
propriamente dita. Isto seria para evitar que a análise fosse interrompida após um
determinado tempo, porém, não especifica o porquê dessa possibilidade de
interrupção do tratamento. Freud assegura que a primeira meta da análise é a de
associar o paciente ao tratamento e à pessoa do analista, sendo mais
compreensível em relação a pelo menos uma função desse tratamento de ensaio,
que seria o estabelecimento do diagnóstico e do diagnóstico diferencial entre
neurose e psicose.
O autor explica que o termo “entrevistas preliminares” corresponde em Lacan
ao tratamento de ensaio em Freud, o que demonstra uma porta de entrada na
análise totalmente distinta da porta de entrada do consultório do analista. Seria um
tempo de trabalho que antecede à análise da qual a entrada é criada não como
continuidade, mas sim como uma descontinuidade, como um corte em relação ao
que era anterior e preliminar. Este corte seria como atravessar o umbral dos
preliminares para entrar no discurso analítico. Para Lacan “não há entrada m análise
sem as entrevistas preliminares”. Porém, na prática compreendemos que nem
sempre é possível delimitar nitidamente esse umbral da análise. Isto acontece
devido a associação livre, que está tanto nas entrevistas preliminares, quanto na
análise. As entrevistas preliminares e a análise possuem a mesma estrutura,
entretanto, são distintas (EP = A ↔ EP # A). Com isso, é possível concluir que a
associação livre mantém a identificação das entrevistas preliminares com a análise e
esse tempo de diagnóstico faz com que se diferencie entrevistas preliminares da
análise.
O analista decidirá se irá ou não acatar aquela demanda de análise, podendo
dividir as entrevistas preliminares em dois tempos: um tempo de compreender e um
momento de concluir, no qual toma sua decisão. Nesse momento de conclusão irá
colocar o ato psicanalítico, assumido pelo analista, de transformas o tratamento de
ensaio na análise propriamente dita.
É possível dividir em três as funções das entrevistas preliminares, cuja
distribuição é antes lógica do que cronológica:
1º — A função sintomal (sinto-mal).
2º — A função diagnóstica.
3º — A função transferencial.

1º — A função sintomal (sinto-mal)

A demanda de análise pode ser considerada em termos de sua produção,


sendo um produto da oferta do psicanalista. Existe uma corrente de reflexão
psicossociológica assolando nossos trópicos que se preocupa com as condições de
criação dessa demanda pela difusão da psicanálise. Para denunciar o fato da
difusão da psicanálise como mais um modismo, acaba levando à depreciação e ao
descaso da própria clínica analítica, em que o que importa é como a demanda se
particularizará num sujeito que se apresenta ao analista representado por seu
sintoma. A demanda da análise deve ser questionada. A resposta a ser dada por um
analista pode ser a de propor um horário e um contrato. Para Lacan é necessário
uma demanda verdadeira para dar início à análise. A analisabilidade é função do
sintoma e não do sujeito, ela deve ser buscada para que a análise se inicie,
transformando o sintoma do qual o sujeito se queixa em sintoma analítico. È
necessário que a queixa se transforme numa demanda endereçada ao analista e
que o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito,
para que ele investigue e decifre.

2º — A função diagnóstica

A questão do diagnóstico diferencial só se coloca em psicanálise como função


da direção da análise: diagnóstico e análise se encontram numa relação lógica,
chamada de implicação: D → A (se D então A). O diagnóstico só tem sentido se
servir de orientação para a condução da análise. Portanto, o diagnóstico só pode ser
buscado no registro simbólico, onde são articuladas as questões fundamentais do
sujeito (sobre o sexo, a morte, a procriação, a paternidade) quando da travessia do
complexo de Édipo: a inscrição do Nome-do-Pai no Outro da linguagem tem por
efeito a produção da significação fálica, permitindo ao sujeito inscrever-se na partilha
dos sexos.
A partir do simbólico pode-se fazer o diagnóstico diferencial estrutural por
meio dos três modos de negação do Édipo correspondentes às três estruturas
clínicas. Um tipo de negação nega o elemento, mas o conserva, manifestando-se
de dois modos: no recalque do neurótico, nega conservando o elemento no
inconsciente e o desmentido do perverso, o nega conservando-o no fetiche. A
foraclusão do psicótico é um modo de negação que não deixa traço ou vestígio
algum: ela não conserva, arrasa. Os dois modos de negação que conservam
implicam a admissão do Édipo no simbólico, o que não acontece na foraclusão.
Cada modo de negação é concomitante a um tipo de retorno do que é negado. No
recalque, o que é negado no simbólico retorna no próprio simbólico sob a forma de
sintoma: o sintoma neurótico. No desmentido, o que é negado é concomitantemente
afirmado retornando no simbólico sob a forma de fetiche do perverso. Na psicose, o
que é negado no simbólico retorna no real sob a forma de automatismo mental, cuja
expressão mais evidente é a alucinação. Como o retorno é no real, ou seja, fora do
simbólico, emprega-se o neologismo “foraclusão”. O termo de foraclusão como
forma de negação indica por si mesmo esse local de retorno, a “inclusão” fora do
simbólico.

3º — A função transferencial

Lacan nos diz que “no começo da psicanálise é a transferência” e seu pivô é o
sujeito suposto saber. O que dá o sinal de entrada em análise é o surgimento do
sujeito sob transferência, em que esse sujeito é vinculado ao saber. A resolução de
se buscar um analista está vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no
sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar. O estabelecimento da
transferência é necessário para que uma análise se inicie: é o que denominamos a
função transferencial das entrevistas preliminares. Mas a transferência não é
condicionada ou motivada pelo analista. A transferência não é uma função do
analista, mas sim, do analisante. O analista precisa saber utilizá-la. Se o analista
empresta sua pessoa para encarnar esse sujeito suposto saber, ele não deve de
maneira alguma identificar-se com essa posição de saber que é um erro, uma
equivocação. A posição do analista não é a de saber, nem tampouco a de
compreender o paciente, pois se há algo que ele deve saber é que a comunicação é
baseada no mal-entendido. Sua posição, muito mais do que a posição de saber, é
uma posição de ignorância, não a simples ignorância ignara, mas a ignorância douta
(termo definido como “um saber mais elevado e que consiste em conhecer seus
limites”). A ignorância douta é um convite não apenas à prudência, mas também à
humildade; um convite a se precaver contra o que seria a posição de um saber
absoluto: contra a posição do analista de aceitar essa imputação de saber que o
analisante lhe faz. O saber é, no entanto, pressuposto à função do analista.
Evidentemente, no início o analista nada sabe a respeito do inconsciente do
analisante. Isso é mostrado claramente no algoritmo no qual esse significante
qualquer, que representa o analista, não tem relação com o saber inconsciente.
Freud afirma que todo paciente novo implica a constituição da própria psicanálise: o
saber que se tem sobre outros casos não vale de nada, não pode ser transposto
para aquele caso. Cada caso é, portanto, um caso novo e como tal, deve ser
abordado. O algoritmo da transferência é construído a partir de um outro algoritmo
que se encontra em sua base: o algoritmo saussuriano S/s, que implica o referente
do signo linguístico, isto é, aquilo a que o signo linguístico remete.
No algoritmo da transferência, a significação do saber inconsciente
corresponde ao lugar do referente no signo saussuriano, só que aqui essa
significação do saber é latente, sem deixar, no entanto, de ser referencial. Lacan
articula esse saber referencial do sujeito em sua particularidade com o saber textual,
uma vez que a “psicanálise deve sua consistência aos textos de Freud”.
Por meio do algoritmo da transferência, Lacan vincula a psicanálise em intensão à
psicanálise em extensão, pois aposta na transmissão do saber particular via sua
articulação com os textos de Freud. Qual o efeito do estabelecimento desse sujeito
suposto saber? É o amor. Com o surgimento do amor se dá a transformação da
demanda, uma demanda transitiva (demanda de algo, como por exemplo, livrar-se
de seu sintoma) torna-se uma demanda intransitiva (demanda de amor, de
presença, já que o amor demanda amor). O amor é o efeito da transferência, mas
efeito sob o aspecto de resistência ao desejo como desejo do Outro. Ao surgimento
do desejo, sob a forma de questão, o analisante responde com amor; cabe ao
analista fazer surgir nessa demanda a dimensão do desejo, que é também
conectado ao estabelecimento do sujeito suposto saber. Este corresponde,
condicionando-o, a um sujeito suposto desejar. Eis a articulação com a função
sintomal, pois fazer aparecer a dimensão do desejo é fazê-lo surgir como desejo do
Outro, levando o sintoma à categoria de enigma pela ligação implícita do desejo com
o saber.
Não basta a demanda de se desvencilhar de um sintoma; é preciso que este
apareça ao sujeito como um ciframento, portanto, algo a ser decifrado, na dinâmica
da transferência, pelo intermédio do sujeito suposto saber. O que quer esse amor de
transferência? Ele quer saber. Ora, a própria transferência é definida por Lacan
como o “amor que se dirige ao saber”. Porém, sua finalidade, como a de todo amor,
não é o saber, e sim o objeto causa do desejo. Esse objeto (o objeto a) é o que
confere à transferência seu aspecto real: de real do sexo. Trata-se aqui da vertente
da transferência como colocação em ato da realidade sexual do inconsciente. À
transferência como repetição em que os significantes da demanda são endereçados
ao Outro do Amor em que é colocado o analista, vem contrapor-se a transferência
como um encontro da ordem do real do sexo.

A retificação subjetiva

No momento que antecede à análise propriamente dita, é possível incluir um


modelo de interpretação do analista designado por Lacan como retificação subjetiva.
Ao criticar autores que têm como meta o fim da análise como adaptação à realidade,
ele chama a atenção para o fato de Freud proceder com o Homem dos Ratos na
ordem inversa: “Ou seja, ele começa por introduzir o paciente a um primeiro
discernimento de sua posição no real, ainda que este acarrete uma precipitação, não
hesitemos em dizer, uma sistematização dos sintomas.”
A retificação subjetiva que Freud provoca no Homem dos Ratos, considerada
por Lacan como interpretação decisiva, encontra-se na parte F, “A causa
precipitadora da doença”, quando ele lhe diz que o conflito entre seu projeto de
casar com uma moça pobre e o projeto familiar de casá-lo com uma moça rica, como
o pai, é resolvido pela doença: “caindo doente evitava a tarefa de resolvê-lo na vida
real”. Freud retifica assim a ordem das coisas modificadas pelo sujeito, cuja neurose
impedia a decisão da escolha entre seu amor pela dama e a vontade do pai,
mostrando-lhe que esta foi a solução encontrada para não escolher, e portanto, não
agir. “Na realidade, diz Freud, o que parece ser a consequência é a causa ou o
motivo de ficar doente.” Esta retificação introduz a causalidade da neurose na não
escolha entre a moça rica e a moça pobre, apontando a divisão do sujeito. O
comentário de Freud nessa retificação, de que “os resultados de uma doença dessa
natureza nunca são involuntários”, promove ainda a responsabilização do sujeito na
escolha da neurose. Na retificação subjetiva há, portanto, a introdução da dimensão
ética, da ética da psicanálise, que é a ética do desejo, como resposta à patologia do
ato que a neurose tenta solucionar escamoteando-a.
A partir dessas intervenções de Freud no caso de Dora citado no texto, é
possível inferir duas vertentes da retificação subjetiva segundo o tipo clínico. Com o
neurótico obsessivo, ela se situa no plano da retificação da causalidade, que se
apresenta como consequência: sua impossibilidade de agir que é correlata à sua
modalidade de sustentação do desejo como impossível. Esta correlação é ilustrada
por outra retificação de Freud ao Homem dos Ratos em que ele supõe uma
interdição do pai ao amor do sujeito pela dama, fazendo surgir a dimensão do Outro
como o pai absoluto. Com a histérica, a retificação subjetiva visa à implicação do
sujeito em sua reivindicação dirigida ao Outro, fazendo-o passar da posição de
vítima sacrificada à de agente da intriga da qual se queixa, e que sustenta seu
desejo na insatisfação. “O que deve efetuar o sujeito para se desvencilhar de seu
papel da `bela alma' é precisamente, diz Zizek, um tal sacrifício do sacrifício: não
basta `sacrificar tudo', é preciso ainda renunciar à economia subjetiva em que o
sacrifício traz o gozo narcísico.” Nessas duas modalidades, trata-se de introduzir o
sujeito em sua responsabilidade na escolha de sua neurose e em sua submissão ao
desejo como desejo do Outro. A retificação subjetiva aponta que, “lá onde o sujeito
não pensa, ele escolhe; lá onde pensa, é determinado, introduzindo o sujeito na
dimensão do Outro.”

Você também pode gostar