Fichamento
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2º — A função diagnóstica
3º — A função transferencial
Lacan nos diz que “no começo da psicanálise é a transferência” e seu pivô é o
sujeito suposto saber. O que dá o sinal de entrada em análise é o surgimento do
sujeito sob transferência, em que esse sujeito é vinculado ao saber. A resolução de
se buscar um analista está vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no
sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar. O estabelecimento da
transferência é necessário para que uma análise se inicie: é o que denominamos a
função transferencial das entrevistas preliminares. Mas a transferência não é
condicionada ou motivada pelo analista. A transferência não é uma função do
analista, mas sim, do analisante. O analista precisa saber utilizá-la. Se o analista
empresta sua pessoa para encarnar esse sujeito suposto saber, ele não deve de
maneira alguma identificar-se com essa posição de saber que é um erro, uma
equivocação. A posição do analista não é a de saber, nem tampouco a de
compreender o paciente, pois se há algo que ele deve saber é que a comunicação é
baseada no mal-entendido. Sua posição, muito mais do que a posição de saber, é
uma posição de ignorância, não a simples ignorância ignara, mas a ignorância douta
(termo definido como “um saber mais elevado e que consiste em conhecer seus
limites”). A ignorância douta é um convite não apenas à prudência, mas também à
humildade; um convite a se precaver contra o que seria a posição de um saber
absoluto: contra a posição do analista de aceitar essa imputação de saber que o
analisante lhe faz. O saber é, no entanto, pressuposto à função do analista.
Evidentemente, no início o analista nada sabe a respeito do inconsciente do
analisante. Isso é mostrado claramente no algoritmo no qual esse significante
qualquer, que representa o analista, não tem relação com o saber inconsciente.
Freud afirma que todo paciente novo implica a constituição da própria psicanálise: o
saber que se tem sobre outros casos não vale de nada, não pode ser transposto
para aquele caso. Cada caso é, portanto, um caso novo e como tal, deve ser
abordado. O algoritmo da transferência é construído a partir de um outro algoritmo
que se encontra em sua base: o algoritmo saussuriano S/s, que implica o referente
do signo linguístico, isto é, aquilo a que o signo linguístico remete.
No algoritmo da transferência, a significação do saber inconsciente
corresponde ao lugar do referente no signo saussuriano, só que aqui essa
significação do saber é latente, sem deixar, no entanto, de ser referencial. Lacan
articula esse saber referencial do sujeito em sua particularidade com o saber textual,
uma vez que a “psicanálise deve sua consistência aos textos de Freud”.
Por meio do algoritmo da transferência, Lacan vincula a psicanálise em intensão à
psicanálise em extensão, pois aposta na transmissão do saber particular via sua
articulação com os textos de Freud. Qual o efeito do estabelecimento desse sujeito
suposto saber? É o amor. Com o surgimento do amor se dá a transformação da
demanda, uma demanda transitiva (demanda de algo, como por exemplo, livrar-se
de seu sintoma) torna-se uma demanda intransitiva (demanda de amor, de
presença, já que o amor demanda amor). O amor é o efeito da transferência, mas
efeito sob o aspecto de resistência ao desejo como desejo do Outro. Ao surgimento
do desejo, sob a forma de questão, o analisante responde com amor; cabe ao
analista fazer surgir nessa demanda a dimensão do desejo, que é também
conectado ao estabelecimento do sujeito suposto saber. Este corresponde,
condicionando-o, a um sujeito suposto desejar. Eis a articulação com a função
sintomal, pois fazer aparecer a dimensão do desejo é fazê-lo surgir como desejo do
Outro, levando o sintoma à categoria de enigma pela ligação implícita do desejo com
o saber.
Não basta a demanda de se desvencilhar de um sintoma; é preciso que este
apareça ao sujeito como um ciframento, portanto, algo a ser decifrado, na dinâmica
da transferência, pelo intermédio do sujeito suposto saber. O que quer esse amor de
transferência? Ele quer saber. Ora, a própria transferência é definida por Lacan
como o “amor que se dirige ao saber”. Porém, sua finalidade, como a de todo amor,
não é o saber, e sim o objeto causa do desejo. Esse objeto (o objeto a) é o que
confere à transferência seu aspecto real: de real do sexo. Trata-se aqui da vertente
da transferência como colocação em ato da realidade sexual do inconsciente. À
transferência como repetição em que os significantes da demanda são endereçados
ao Outro do Amor em que é colocado o analista, vem contrapor-se a transferência
como um encontro da ordem do real do sexo.
A retificação subjetiva