Des Industrializacao e SUBDesenvolviment
Des Industrializacao e SUBDesenvolviment
Des Industrializacao e SUBDesenvolviment
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(Des)Industrialização e
(Sub)Desenvolvimento
Wilson Cano
Setembro 2014
(Des)Industrialização e (Sub)Desenvolvimento
Wilson Cano 1
Resumo
Em versão atual e ampliada, o texto analisa a desindustrialização em marcha nos principais países
desenvolvidos e em alguns subdesenvolvidos, com ênfase no caso do Brasil. Nos subdesenvolvidos, a
industrialização atingida nas décadas anteriores deteriorou-se face à ausência de políticas industriais e de
desenvolvimento e da conjugação de juros elevados, falta de investimento, câmbio sobrevalorizado e
exagerada abertura comercial. Nesse contexto, ocorre uma desindustrialização nociva que fragiliza os
países e compromete sua economia. Na ausência de uma política macroeconômica consentânea com a
política industrial, o desenvolvimento fica comprometido. Por sua vez, cabe lembrar que o
subdesenvolvimento não representa uma etapa ou acidente de percurso, mas um processo que se inicia
com a inserção no mercado internacional capitalista no século XIX e, desse processo, ainda não nos
libertamos.
Palavras-chave: Industrialização; Desindustrialização; Políticas de desenvolvimento.
Abstract
In this new updated and expanded version, the text analyzes the contemporary deindustrialization
underway in major developed and in some developing countries, with emphasis on the case of Brazil. In
the developing countries, the level of industrialization that was reached in previous decades has
deteriorated due to the lack of industrial and development policies and the combination of high interest
rates, lack of investment, overvalued exchange rates and exaggerate trade openness. In this context,
harmful deindustrialization occurs, weakening and undermining the country’s economy. In the absence
of a macroeconomic policy in line with industrial policy, development is compromised. In these terms,
underdevelopment is not a phase or a “bump in the road”, but a historical process that began with the
Brazilian insertion in the international market capitalism in the nineteenth century and of which Brazil
has not yet been released.
JEL Classification: O, O1, O14.
Introdução
Para se fazer uma reflexão mais rigorosa sobre a questão da desindustrialização, é necessário
preliminarmente advertir sobre três questões fundamentais: i- o significado e a composição do Setor
Indústria, tal qual figura nos sistemas de Contas Nacionais; ii- lembrar os conceitos de processo de
(1) Prof. Titular do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail:
[email protected]. Texto apresentado no II Congresso Internacional do Centro Celso Furtado em 11/8/2014.
(2) No sistema capitalista, pode ocorrer, concomitantemente, a predominância de regimes políticos autoritários liderando
o processo. A evolução econômica, contudo, fortalece a luta de classes, amplia e diversifica os interesses e conflitos sociais,
induzindo um processo de mudança social e política rumo, ao menos, a uma democracia formal.
Quando um país se desenvolve mostra alguns indicadores econômicos básicos que se aproximam
daqueles já obtidos pelos demais desenvolvidos: elevado nível da renda per capita e forte diminuição da
participação do setor agrícola no Produto Interno Bruto (PIB) e no emprego. E isso, em todos os casos
históricos, decorreu da industrialização. A agricultura passa a ostentar menos de 10% do emprego, por
força do aumento mais que proporcional obtido pelos setores de indústria e de serviços, que também se
expande graças à urbanização. A diminuição é apenas relativa, uma vez que o crescimento dos demais
setores e da urbanização obriga a agricultura a crescer, diversificar e modernizar-se, reduzindo a
diferença de seus resultados em relação aos dos demais setores, para assim proporcionar maior
homogeneidade estrutural econômica e social. Se a industrialização não avançar e diversificar-se, a
modernização agrícola ficará obstada ou dependerá de grandes importações de insumos modernos e de
bens de capital.
Para que isso ocorra, a industrialização tem de avançar e crescer mais que os outros setores,
aumentar a produtividade, alterar sua estrutura – no sentido de implantar os compartimentos de bens de
capital e intermediários, contribuindo, assim, para a diversificação da pauta exportadora e, se possível,
para a melhoria das contas externas. Não há, na história, país algum que se desenvolveu, prescindindo de
uma generalizada industrialização e de um forte e ativo papel do Estado Nacional.
E essa expansão e transformação mostra uma diversificada estrutura, na qual os bens de capital
perfazem entre 30% e 40% do valor adicionado da indústria manufatureira3. É essa notável expansão,
diversificação e transformação que intensifica a urbanização, induzindo e exigindo enorme crescimento e
diversificação de serviços de toda a ordem: comércio, transportes, finanças, saúde, educação, pessoais e
outros, não apenas predominantemente vinculados ao consumo doméstico, mas agora cada vez mais
interdependentes com as necessidades das empresas agrícolas e industriais.
Ao atingir esse elevado padrão, a estrutura produtiva e a do emprego passam a mover-se no
sentido de expandir, modernizar e diversificar ainda mais os serviços, mais que a agricultura e a indústria
de transformação, caindo o peso relativo de ambas, perdendo posição para os serviços. Assim é que se
deve entender por desindustrialização em um sentido positivo ou normal4.
Muito diferente é a situação que pode ocorrer em um país subdesenvolvido. Muitos deles
também instauraram processos de industrialização em seus territórios. Poucos, entretanto, conseguiram
ultrapassar, com alguma expressão, a produção de bens não duráveis de consumo e a do simples
beneficiamento industrial de produtos primários. Mesmo na América Latina, apenas Argentina, México e
(3) Sobre o sentido e a composição a que chega esse setor nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, ver: Cepal
(1965), Furtado (1969 e 2000), Fajnzyilber (1983), Teixeira (1983) e Valderrama (1966).
(4) Sobre o papel da industrialização e da mudança estrutural no desenvolvimento, ver: Furtado (2000) e UNCTAD
(2003).
Brasil conseguiram instalar um parque industrial e, destes, somente o Brasil avançou na montagem mais
expressiva, embora parcial, do setor de bens de capital.
Este texto tem ainda duas sessões. Na próxima, de forma breve e resumida apresentarei alguns
fatos e argumentos que julgo relevantes para entendermos o sentido da desindustrialização normal e o da
precoce. Para isso, na sub sessão 1.1 analisarei dados e informações sobre alguns dos principais países
desenvolvidos e alguns comentários sobre o desempenho da China; na sub sessão 1.2, sobre alguns dos
principais países da América Latina, e algumas menções ao “efeito China”, incluindo ainda, algumas
referências sobre a Índia. Na sessão 2 discutirei o caso do Brasil.
1 A Desindustrialização normal (ou positiva) e a precoce (ou negativa): considerações sobre alguns
países desenvolvidos e subdesenvolvidos
Já em 2003 a UNCTAD havia tratado exaustivamente esse problema, mostrando que o primeiro
caso se refere basicamente aos países desenvolvidos, os quais, entre as décadas de 1960 e de 1970
haviam amadurecido seus processos de industrialização e mantinham forte presença exportadora de
manufaturados, em especial de bens de capital e de tecnologia mais complexa e avançada5. Naquele
período, a participação do Valor Adicionado da Indústria de Transformação (VAt) no Valor Adicionado
Total (VA) se situava em torno de 30%, e dali em diante, se reduziria, como se vê na Tabela 1.
(5) Ver UNCTAD (2003). Uma síntese, tratando inclusive do caso do Brasil está em Rícupero (2014)
enfrentamento da crise, o mundo assistiu à jogada de mestre dos EUA, com sua draconiana política fiscal
que quebrou todos os países internacionalmente endividados, tendo sido inclusive a antessala do
desmoronamento do regime socialista.
Como mecanismos de defesa à crise, houve forte acirramento da concorrência internacional,
alimentada pela constituição e intensificação dos chamados “blocos internacionais” (UE, Ásia e mais
tarde o NAFTA e o MERCOSUL, entre outros). Assistiu-se então a um intenso processo de compras,
vendas e fusões de empresas internacionais, concentrando e centralizando ainda mais o capital,
desencadeando enormes fluxos de investimentos internos e externos que dariam a base de sustentação
para a profunda reestruturação produtiva internacional, a chamada “III Revolução Industrial”. Lembro
ainda que desde a década de 1960, o capital financeiro vinha apresentando crescente presença no
movimento do capitalismo internacional, exacerbando sua ação na década de 1970, e a partir daí,
exercendo uma inequívoca dominância sobre ele e espalhando pelo mundo inteiro seus efeitos nocivos,
cujo maior exemplo viria a ser a crise de 2007-2008, até hoje não debelada.
O conjunto desses fatos, consubstanciados na chamada “Globalização”, teve efeitos
diferenciados ao longo desse período. Entre os desenvolvidos, os efeitos econômicos e sociais, positivos
e negativos, foram desigualmente distribuídos. Antes da eclosão da crise de 2007-2008, o enorme
crescimento do investimento externo para consolidar a formação dos blocos e o substancial aumento do
comércio exterior proporcionou, à maioria, ganhos positivos de crescimento do produto, mas também de
negativos, sobre a desigualdade distributiva. A perda de lucros no país sede da empresa investidora foi
compensada – certamente de forma ainda mais vantajosa – pelas remessas de lucros, juros e royalties
enviados por suas filiais e associadas nos países receptores6. Mas o volumoso desemprego e precarização
do trabalho causados no país sede, foi inteiramente arcado pela classe trabalhadora do próprio país,
mitigado, é verdade, pela expansão derivada nos serviços.
Há que entender que grande parte dessas “perdas” de produção nos países desenvolvidos
significa na verdade, apenas um deslocamento geográfico da produção, pois o país investidor continua a
se apropriar de boa parte do valor agregado dessa produção, via recebimento de royalties, de lucros, e de
outros direitos (uso de marca, p.ex.). Estudos recentes sobre as cadeias produtivas de valor mostram boa
parte desse fenômeno, chamando a atenção especialmente para a produção de processamento de
produtos (intermediários ou finais), e que respondem por essas remessas e por grande volume de
reexportações, que mascaram o volume efetivo do comércio internacional desses bens. Entretanto, a
China nos últimos dez anos tem aumentado sua geração de valor nesses processamentos, diminuindo,
portanto, a apropriação pelo país investidor7.
(6) Além, é óbvio, dos ganhos financeiros internacionais que essas mesmas empresas – além dos bancos – obtêm no
mercado internacional.
(7) Ver sobre o assunto: De Morais (2012).
(8) Sem dúvida, creio que a necessidade de uma ampla pesquisa sobre as mudanças estruturais na produção e no
investimento, são imprescindíveis, para uma compreensão maior sobre essa desindustrialização.
Tabela 1
Valor adicionado total (VA) e da indústria de transformação (VAT)
A inclusão da China nessa tabela – e entendo que ela não pode ser enquadrada naquelas
categorias por ser socialista -, mostra que em 1970 já tinha alto VAt/VA (36,5%)9 não por ter completado
a diversificação de sua industrialização, mas principalmente em razão de sua elevada população (e
emprego) rural e de sua escassa urbanização e, portanto, de reduzido setor serviços. A tabela mostra que
aquela cifra cresce, situando-se em torno de 40% ao longo do período 1970-2012. Contudo, cabe lembrar
(9) A indústria da China, na Era Mao, era constituída em grande parte pela chamada indústria pesada (bens de
produção), que daria importante base para o desenvolvimento posterior. Em 1970, seu VA industrial (mineração, transformação
e SUP) em US$ correntes era de cerca de 50% do setor equivalente do Japão, similar ao da França e superior aos da Itália e
Canadá
que o país já reduziu a participação do setor rural, e a força de sua industrialização recente transferiu
mais de 300 milhões de pessoas do campo para a cidade, aumentando a participação do setor serviços,
que, dos 24,4% de 1970, já alcança 44,6% hoje. Para que a China possa também apresentar uma eventual
desindustrialização normal, como a dos desenvolvidos, ela precisaria expandir muito mais sua
urbanização, hipótese que provavelmente só se manifestaria a longo prazo.
Contudo, cabem ressalvas sobre essa aparente desindustrialização, notadamente no período pós
1990. É que boa parte dos países desenvolvidos, incrementou fortemente suas inversões produtivas na
Ásia, especialmente na China, deslocando parte de sua capacidade produtiva para essa região e portanto,
criando com isto uma desindustrialização que tem um sentido muito mais espacial do que efetivo. Esses
deslocamentos sem dúvida foram liderados pelos EUA, UE e vários asiáticos, notadamente o Japão,
Taiwan, Hong Kong e Coréia do Sul. Outra ressalva merecem os países que, além de terem uma indústria
madura, contam também com um setor agrícola e um mineral de grande porte, que muito se beneficiaram
com o forte aumento das exportações desses bens, a partir de 2002-2003, notadamente para a China,
aumentando as taxas anuais de crescimento desses setores, acima das da indústria. É o caso do Canadá,
Austrália e alguns países latino-americanos. Mas há ainda uma terceira questão: a acentuada diminuição
da relação VAt/VA após 2000 pode estar influenciada pela desaceleração do crescimento pós 2007, o
qual pode ou não ser temporário.
Na Tabela 2 figuram os mesmos países da tabela anterior, com seus dados sobre exportações de
manufaturados. Na primeira parte, figuram a proporção desses bens no total das exportações de bens de
cada país, e nela há perdedores entre os desenvolvidos. Contudo, há que considerar que entre 1990 e
2012 as exportações mundiais de manufaturados cresceram 378% em valor (US$ correntes) enquanto a
inflação nos EUA (IPC) situou-se em torno de 80%. Com efeito, essas participações crescem entre 1970
e 1990, mantendo-se altas até 2000; só caem um pouco entre 1996-1998 para o Japão e Itália, e quase
todos sofrem as maiores quedas no período 2004-2007, afetados não só pela crise, mas principalmente
pelo enorme crescimento da participação da China, que passa de 1,9% em 1990 atingindo 6,2% em 2002,
12,8% em 2008 e 16,8% em 2012. Contudo, o “desvio de comércio” ocorrido contra esses países se deu
sobre parte do crescimento dessas exportações, não as reduzindo em nenhum deles. A exceção foi a
Coréia do Sul, que no mesmo período passa de 2,5% para 4,8%, figurando a partir daí como o quarto
maior exportador de manufaturas.
Mais importante ainda é lembrar que as participações das exportações de manufaturados no total
de cada um desses países, que já era elevada em1980 (entre 60% e 90%) sobe ainda mais até 2000,
atingindo níveis médios superiores a 80%, salvo no caso do Canadá (63,5% em 2000) dado o elevado
peso de bens agrícolas e minerais em suas exportações. Nesse país, aquela participação cai para 46,3 em
2012 pela questão apontada nos demais – salvo Coréia do Sul e China –, caem cerca de dez pontos
percentuais. As razões para a queda do período 2000-2012 são três: primeiro, porque em vários deles as
exportações de primários cresceram mais do que as de manufaturas; a segunda é que todos sofreram
deslocamentos de exportações adicionais causados pela expansão comercial da China; a terceira é que a
crise pós 2007 afetou todos, notadamente países europeus, que, em alguns dos anos de 2007 a 2012
sofreram quedas nominais no valor de suas exportações. Contudo, tomado o período 2000 a 2012, o
menor aumento nominal no período foi o da Inglaterra, com 46%, e, no mesmo período, o IPC dos EUA
cresceu 33%. Há ainda que considerar que o período é de grande baixa de preços dos bens de conteúdo
eletrônico.
Observemos na parte segunda da tabela, a participação mundial de cada país nessas exportações,
incluindo e excluindo as exportações da China. As perdas nominais são evidentes, notadamente após
1990, quando a China acelerava seu crescimento e suas exportações. As perdas nesse caso, são maiores,
por aquilo que deixaram de exportar, por causa da expansão da China e por causa da crise pós 2007. Os
únicos ganhadores líquidos foram a Coréia do Sul e a China. Vistos os dados de 1990-2012, excluindo as
exportações da China, as perdas são menores e o único ganhador líquido entre eles, é a Coréia do Sul,
que quase duplica sua participação.
A China se converteu no maior atrativo do investimento externo também para a Ásia,
principalmente para Japão e Coréia, que para lá canalizaram parte de sua capacidade produtiva industrial.
Com isso, o “bloco asiático” ampliou e intensificou sua integração de fato, em termos produtivos,
financeiros, tecnológicos e comerciais. Salvo o caso do Japão - ainda que lhe caiba uma das duas
ressalvas que fiz logo acima, raros seriam os países desse bloco, que efetivamente estariam sofrendo de
uma desindustrialização, positiva ou negativa.
Tabela 2
Exportações de Manufaturados (Xm)
países desenvolvidos puderam enfrentar essa concorrência e sobreviver dentro dela: é óbvio que para isso
tiveram de elevar seus investimentos e sua produtividade. Ainda assim, mantêm altos déficits no
segmento.
Em síntese, se perdas houveram para os desenvolvidos, provavelmente elas se concentraram no
segmento de eletrônicos.
(10) Ver a respeito Cano (1995 e 1999), especialmente sobre os efeitos desse processo sobre a América Latina
(11) Afora os casos do Chile (1973) e Argentina (1976), impostas por seus governos ditatoriais, e ambas fracassadas.
(12) Essa valorização chegou a atingir cerca de 50% na década.
dívida”. A enxurrada de importações nos custou déficits em Transações Correntes que somaram de 1991
a 2000, US$ 493 bilhões, com o que a dívida externa saltou para US$ 740 bilhões. O Estado foi
transformado em tesoureiro do sistema financeiro, “administrando” recursos públicos anuais para o
pagamento dos juros, que chegaram a perfazer cerca de 8% do PIB, comprimindo o gasto público e,
notadamente, o investimento público.
Se a década de 1980 tolheu nossa trajetória de industrialização, a de 1990 nos impôs um ônus
cumulativo perverso. Enquanto os países desenvolvidos se reestruturavam produtivamente, articulavam
seus “negócios com a China” e consolidavam a implantação da revolução tecnológica dos oitenta, nos
distanciamos ainda mais dos níveis por eles atingidos em termos de produtividade e competitividade
internacional.
Tabela 3
Estrutura das exportações de manufaturados (1)
eletrônicos, decorrem da implantação das indústrias maquiladoras intensificadas após sua inserção no NAFTA em 1994.
Quase todos os países subdesenvolvidos foram negativa e duramente afetados por todo esse
processo. Foram várias as restrições impostas pelas políticas de controle inflacionário e a valorização
cambial e os juros elevados afetaram tremendamente as finanças públicas e implicaram em baixo
investimento (público e privado) e baixo crescimento. A abertura comercial (que causou a perda de
exercer uma política comercial de interesse nacional), peça vital na política anti-inflacionária, alterou
significativamente as contas externas, e os elevados juros internos passaram a constituir o elemento vital
para atrair capital para suportar a sangria de divisas causada nas contas externas.
As restrições impostas sobre o câmbio, juro, crédito e finança pública impedem ou causam fortes
restrições de fato ao manejo da política macroeconômica de desenvolvimento que efetivamente atenda os
interesses desses países. É uma verdadeira “camisa de força” que restringe muito o manejo da política
econômica nacional. E é com essa herança perversa que entramos no século XXI. Conseguimos nos
livrar da ALCA em 2005, mas já havíamos entregue nossa política comercial, quando em 1994 aceitamos
o jogo da OMC. A ALCA nos obrigou a muito trabalho político e diplomático, dadas as dificuldades em
dizer não aos EUA Mas essa proposta, tinha apenas a fachada de “livre comércio”, pois continha
cláusulas comprometedoras com várias questões delicadas: comércio de serviços e eletrônico; compras
governamentais; acordo de investimentos e de propriedade intelectual. Era tão draconiana que o próprio
Stiglitz denunciou-a13.
A mitigar nosso difícil caminho, o fato de que a crise internacional, embora nos tenha afetado,
serviu, pelo menos para baixar a taxa de juros internacional. Ma ao invés de a América Latina tentar se
aproveitar disso, ao contrário, continua a praticar elevadas taxas de juros internas, para atrair o insaciável
capital financeiro internacional, para “equilibrar” nosso Balanço de Pagamentos. Os juros menores nos
permitiram respirar um pouco mais e a monumental expansão da China reativou nossas exportações de
primários, com substancial elevação de seus preços.
Só recentemente, no entanto, a América Latina se deu conta de que o maior preço que estamos
pagando é o da desindustrialização. Repito o mesmo percurso que fiz na análise dos países
desenvolvidos. Os subdesenvolvidos incluídos nessas tabelas também foram selecionados. Além da Índia
nela constam sete dos maiores países da América Latina.
A Tabela 1 mostra a profundidade da crise dos oitenta, quando passamos das elevadas taxas de
crescimento dos setenta. Nos noventa, as taxas ainda são baixas, mas há que apontar algumas
especificidades que explicam comportamentos tão diferenciados como o do Chile. Este país, a partir do
regime ditatorial praticamente abdicou de uma política de industrialização, abraçando uma política
liberal de comércio exterior, lastrada por sua base de recursos naturais: mineração, notadamente a do
cobre; frutas temperadas e sua agroindustrialização; madeira e mobiliário; salmão de criatórios e
crustáceos.14 Contudo a história nos ensina que confiar apenas em uma base de recursos naturais
reprodutíveis, mas que podem não ser inesgotáveis é algo que envolve sérios riscos. Já há forte
preocupação sobre o esgotamento dos recursos marítimos e a criação de salmão tem apresentado
problemas sanitários desconhecidos e que tem causado o fechamento de alguns criatórios.
A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo, sofrendo com isso os percalços de uma
economia petroleira15. Além disso, a vitória de Chaves em 1998 reacendeu a luta política do país, que
vive desde 2002, com tentativas de golpe, todas até agora frustradas. A direita golpista se vale das
dificuldades de compatibilizar as estruturas de oferta do país, com as de demanda interna, e a
instabilidade recorrente de uma economia petroleira que pretenda ter um estado atuante e
desenvolvimentista. O Peru tem uma base produtiva lastrada em recursos minerais - notadamente cobre e
ouro -, e tem obtido taxas elevadas de crescimento nos últimos vinte anos com essas exportações.
O México já contava, desde a década de sessenta, com legislação que favorecia a implantação de
indústrias maquiladoras política só exitosa a partir dos oitenta, mediante acordo com os EUA. Tal
política permite a importação de partes e peças para montagem de bens que serão exportados. Na média,
o conteúdo de entrada equivale a cerca de 85% do valor exportado, mostrando a exiguidade da geração
de valor interno em tal atividade, que cresceu estimulada pelos baixos salários mexicanos. A atividade
cresceu ainda mais a partir de 1994, quando o México ingressa no NAFTA. 0 país, que tinha 2/3 de suas
exportações dirigidas aos EUA, com essa decisão, que envolveu muitas mudanças legislativas internas,
acabou por atrelar sua economia à dos EUA, com cerca de 85% das exportações dirigidas aos EUA e
Canadá.
Em artigo recente, Jorge Castanheda (ex-ministro do exterior 2000-2003), fez um balanço dos
efeitos positivos e negativos dessa inserção no NAFTA, mostrando que, se em 1994 as exportações das
maquiladoras compreendiam 73% do total, hoje compreendem 75%, e as indústrias maquiladoras
criaram apenas 700.000 empregos. Ou seja, o efeito de internalização foi mínimo. A taxa média de
crescimento entre 1994 e 2014, foi de apenas 2,6%, resultando em baixo aumento da renda per capita.
Nesses 20 anos, o México: teve apenas 4 anos de alto crescimento (entre 2006 e 2010), 2 depressivos
(1995 e 2009), 2 decrescimento nulo (2000 e 2013) e os outros 12 com baixo crescimento. Se em 1994
havia 6 milhões de mexicanos nos EUA, esse número hoje é de 12 milhões. Além disso, tornou estrutural
um permanente colar de déficits em transações correntes em todos esses anos16.
O crescimento do PIB na década de 2000 é mais elevado, pelo menos nos seus oito primeiros
anos, embalados pelo “efeito China”, com a excepcional elevação das exportações de primários, pouco
afetadas pela valorização cambial. No período 2008-2012, essas economias são afetadas pela crise
externa, baixando, em alguns casos, suas taxas de crescimento.
(15) O petróleo responde por 25% do PIB, 75% das exportações e da receita fiscal do Estado e por apenas 2% do
emprego. O movimento dos preços internacionais do óleo afeta fortemente a economia do país, notadamente a capacidade do
gasto público.
(16) Ver Castanheda (2014). Sobre o fraco desempenho econômico do México e uma proposta para rever o tratado como
Nafta, reestruturar sua economia e seu crescimento, ver Guillém (2008).
Contudo, a segunda parte da Tabela 1 mostra o lado mais negativo desse processo: as taxas de
crescimento da indústria de transformação despencam entre 1980 e 2000, ganham um alento em 2000-
2008, beneficiadas pelo efeito China e caem novamente diante da crise externa.
A parte terceira da Tabela 1 é mais cáustica: mostra a violenta queda da participação do VAt no
VA total: a da Argentina, que cai dos 29,4% de 1980 para 19,5 em 2012; a do Brasil, de 31% para
13,2%; ou mesmo a do Chile, caindo para 11,2%; a da Colômbia, para 13%, a do Peru, para 14,6%; até a
do México cai, atingindo 17,9% Essas quedas não foram ainda mais profundas, pelo tipo de manufaturas
produzidas, muitas das quais foram também estimuladas pelo efeito China. É que tanto a mineração
quanto a agropecuária permitem que vários de seus produtos sejam transformados industrialmente,
fazendo crescer as exportações desses tipos de manufaturados, como artefatos simples de produtos
metálicos – principalmente os do cobre –, caso de Chile, Peru e México; combustíveis e lubrificantes
(México, Venezuela, Peru, Colômbia, Argentina e Brasil) ou como alimentos e bebidas industrializados,
na maioria desses países. O fator determinante dessa expansão é que esses produtos têm seus preços
determinados, em primeira instância, pela evolução dos preços dos bens primários que os constituem, e,
em muitos dos casos, sai mais barato comprá-los na origem do que transformá-los no destino. E isso,
como no caso das commodities, envolve uma produtividade “monetária” (via preços) que supera o
obstáculo do câmbio valorizado.
A Argentina, depois de 15 anos desastrosos de ditadura reingressa no neoliberalismo, obtendo
taxas de crescimento mais altas nos noventa. Contudo, a farra das importações – como no caso do Brasil
-, resultaria também num desastre cambial e numa profunda crise entre 1999 e 2002. O novo governo, a
partir de 2001, toma medidas drásticas de política econômica, entre as quais os duros “acordos”17 sobre a
dívida e a imposição de tarifas adicionais sobre as exportações agropecuárias. Com isto sustentou a taxa
de câmbio e, com a retomada do crescimento pelo Brasil, pode usar o Mercosul com o escoadouro de
parte de sua produção industrial. Há que lembrar também que o mesmo governo elevou os salários dos
funcionários públicos e o valor das pensões e aposentadorias, elevando com isso o Consumo Familiar e
reativando a economia.
A Índia foi inserida nessas tabelas, mas não é para compará-la aos latino-americanos. Antes pelo
contrário, não tem sentido inclusive fazê-la parte de um suposto conjunto – os BRICS –, dadas suas
diferenças substanciais. A primeira, é que além de ter se recusado a abrir a conta de capital de seu
Balanço de Pagamentos, ela manteve um estado atuante e uma política industrial possível. Mas sua
estrutura é muito complexa: sua agricultura ainda participa com 19% do PIB, um pouco acima da
indústria de transformação e os serviços, com apenas 57%. A Índia usou suas possibilidades - além de
seu trabalho barato e do fato de que o inglês é sua segunda língua. Avançou na produção industrial,
“onde fosse possível”, isto é, em setores de menor complexidade e, nos mais complexos, de forma ainda
contida. As elevadas taxas de crescimento mostram que seu caminho, se não foi o melhor, foi o possível,
(17) Em alguns casos, o deságio atingiu 80% do valor de face! Foi alto o percentual negociado (consta que teria sido de
aproximadamente 93%), porém em meados de julho de 2014, a justiça norte-americana deu ganho de causa a alguns credores, e
isto, no momento (agosto/2014), tem causado vários protestos de movimentos sociais latino-americanos e de atitudes de apoio à
Argentina, por vários governos da região.
colunas mostram dados sobre a participação mundial de cada país: tirando o México (3,5% e 3,8%) os
demais apresentam valores inexpressivos e a Índia ostenta um simbólico 0,3%.
A quarta parte da Tabela 3 se refere às exportações de Têxteis e Confecções. A Índia tem uma
estrutura industrial retardatária, onde esse segmento pesa ainda com 40% do total das exportações, só
reduzindo-a em 2000-2012. Mas essa redução relativa é enganosa, uma vez que essas exportações
passam, de US$ 11,6 bilhões em 2000 para US$ 29,1 bilhões em 2012. Dos latino-americanos presentes
na tabela, a Colômbia ainda resistia com porcentual elevado até 1990, reduzindo-o a partir daí,
provavelmente, menos por ter promovido alterações profundas na pauta exportadora e talvez mais pelas
debilidades advindas com o neoliberalismo, que reduziu o investimento e obviamente a produtividade. O
único que manteve um alto percentual desse segmento, é o Perú, porém seus valores absolutos são
ínfimos e só ganham alguma relevância no confronto com as exportações totais de manufaturados,
pequenas também. As cifras da Argentina, do Chile e da Venezuela são também ínfimas. As do Brasil
são um pouco mais expressivas, situando-se em torno de US$ 1,2 bilhões. As únicas realmente com uma
expressão um pouco maior são as do México (US$ 11,2 bilhões em 2000, mas que despencam para US$
6,7 bilhões em 2012).
Contudo, as cifras de importação mostram em 2000, fluxos similares, mas que duplicam em
2012, passando a gerar déficit de US$ 12,5 bilhões, do qual o do Brasil foi de US$ 5,7 bilhões. Aqui as
perdas são muito claras, mesmo num segmento em que tínhamos condições de competitividade
internacional e éramos exportadores líquidos. Mais uma dolorosa perda, na contabilidade nacional e
latino-americana.
2 A desindustrialização no Brasil
Vejamos sumariamente, no caso do Brasil, os principais fatos que estão causando a
desindustrialização precoce e nociva, dando-lhe um sentido regressivo do progresso econômico:
1- Uma das causas principais tem sido a política cambial prevalecente, instaurada a partir do
Plano Real. Com as reformas liberalizantes e a política de estabilização, o câmbio excessivamente
valorizado cumpre, até hoje, o papel de âncora dos preços, no que recebe o devido apoio “logístico” da
prática de juros reais absurdamente altos e da âncora fiscal. Isso implica na maior parte do pagamento
dos juros da dívida pública18. O resultado combinado dessa insana trilogia – juros, câmbio e
desregulamentação –, foi a crescente perda de competitividade internacional da indústria nacional
perante outros países.
2- Outra razão resulta da abertura desregrada pela qual o Brasil passou e passa desde 1989,
ainda no governo Sarney, quando ocorre uma primeira investida quanto à proteção que tínhamos sobre as
(18) A taxa de câmbio real nos últimos anos esteve sempre valorizada. Na década de 1990, face às políticas de
estabilização, a valorização média atingia cerca de 50%, conforme dados da Cepal. Em 2011, entre 20% e 28% e, em 2012,
(janeiro a junho) entre 20% e 25%, em relação à de 2005. Cf. IPEADATA, Taxa de câmbio real efetiva de exportações de
manufaturados. Dados obtidos em 15/8/2012, de <http://www.ipeadata.gov.br/>. Segundo Oreiro (2012), entre 1/2003 e 2/2012,
a valorização teria sido de 37,3%. Nesse texto, o autor faz interessante e oportuna discussão entre a dicotomia “poupança
interna-poupança externa” e as discussões envolvidas sobre recursos externos e valorização cambial.
importações. Tal investida ampliou-se sobremodo no governo Collor, em 1990. A terceira foi feita no
governo de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1994, ampliada por nosso ingresso na OMC. Essa
desregulamentação manteve-se e assim está até hoje. A abertura comercial com a queda das tarifas e
demais mecanismos protecionistas da indústria nacional complementou o nocivo efeito do câmbio
valorizado, reduzindo drasticamente o grau de proteção perante a concorrência internacional.
3- Terceira razão: a taxa de juros elevada do país faz com que o empresário capitalista – tanto
na visão de Marx quanto na de Keynes –, compare-a com a taxa de lucro, com a expectativa de acumular
capital. Com exceção de raros ou ilícitos setores para os quais a taxa de lucro é exorbitante, podemos
constatar que, no financeiro, esses ganhos têm sido muito elevados, compensando a tendência à queda da
taxa de lucro operacional. A taxa de lucro da economia industrial moderna é relativamente contida e,
quando ela se confronta com uma taxa de juros como a oficial (Selic) brasileira, hoje, de 11%19, o
empresário nacional fica atento a esse fenômeno e só investe em última instância. Caso contrário, quebra
e fecha. Em tais condições, o investimento é fortemente inibido, o que deixa a indústria vulnerável. Uma
indústria que não investe envelhece, torna-se, em parte, obsoleta, não cresce, tem dificuldades enormes
de assimilar progresso técnico no dia a dia. Enfim, perde produtividade, novas oportunidades e
competitividade, passando a ser forte entrave ao desenvolvimento econômico do país. A propósito,
pesquisa recente sobre o tema, mostra que, entre 2002 e 2009, entre 28 setores industriais pesquisados,
23 apresentaram redução da produtividade média e apenas 5 tiveram taxas médias anuais positivas:
automóveis (4,3%), tintas e vernizes (2,2%), (celulose (0,8%), máquinas e equipamentos de escritório e
informática (0,8%) e têxteis (0,4%20.
4- Quarta razão: o investimento direto estrangeiro. É verdade que tal fluxo cresceu em números
absolutos nos últimos anos, fato comemorado por muitos economistas. Eles, porém, têm um defeito
grave quando falam de investimento porque pensam apenas no sentido global, no volume e participação
no PIB. O investimento, no entanto, é uma variável tão importante na economia que os economistas
deveriam ser mais cuidadosos. Uma taxa de investimento precisa ser estruturalmente analisada. Primeiro,
deduz-se do fluxo total de capital estrangeiro o investimento em carteira, em títulos privados e na dívida
pública, em geral, predominantemente, de caráter especulativo.
A série histórica do IDE no Brasil, feita pelo Banco Central, mostra dados inequívocos: na
década de 1980, a participação da indústria de transformação no IDE total girava em torno de 75%; essa
cifra cai para cerca de 60% na de 1990 e flutua entre 30% e 40% a partir de 2001. Ao mesmo tempo, a
participação dos serviços sobe e com eles a das atividades financeiras. O mais grave, porém, é que a
média anual do IDE na indústria, que girava em torno de US$ 17 bilhões na década de 1980, sobe para
US$ 25 entre 1990 e 1995, mas cai fortemente a partir daí para US$ 8,5 bilhões entre 1996 e 2010. No
período 2011-9/2013, subiria para a média de US$ 20 bilhões.
(19) Cf. Banco Central do Brasil. Ela se reduziu, de 2011 até meado de 2012, de 12% para 7,25%, quando voltou a subir
fortemente, atingindo 11% em abril de 2014.
(20) Cf. Squeff e Nogueira (2012). A pesquisa, realizada em convênio com o IPEA e a Cepal, envolve 56 setores das
Contas Nacionais (agropecuários, industriais e terciários).
Tabela 4
Brasil: taxa média de crescimento dos componentes de demanda efetiva (%)
Entre 2003 e 2008, após um período de crise e recessão, a taxa do crescimento do PIB sobe,
graças a três fatos específicos. O primeiro e mais importante foi o crescimento do consumo familiar,
estimulado pelo aumento do crédito ao consumidor22, pela forte elevação do salário mínimo real e de
outras políticas sociais, como por exemplo, a da Bolsa Família.
O segundo, a despeito da política fiscal restritiva, foram as decisões de expandir o financiamento
público ao investimento (público e privado) e o terceiro decorre da grande expansão gerada pelo setor
exportador, apesar de que as importações, a partir de 2005, cresceram mais que as exportações. Foram
esses fatores que permitiram um avanço maior na renda e no emprego, expandindo a demanda de
consumo, esta mais intensa do que a do investimento.
O forte aumento das exportações decorreu do boom internacional entre 2004 e 2008, com forte
elevação de preços de matérias primas e da demanda física, principalmente, a gerada pela economia
chinesa. Contudo, com a maior extensão mundial da crise iniciada em 2007-2008, o crescimento médio
do PIB caiu e a taxa média 2008-2012 (2,7%) aproxima-se da trajetória crítica dos anos 1990, quando foi
de 3%.
A taxa de investimento, fortemente deprimida desde os 1980 caiu ainda mais até 2005,
recuperando pequena parte do terreno perdido, subindo em 2008 para 16,9% e cerca de 19% em 2010 e
2011. Em 2012, volta a cair, para 17,6% tornando mais difícil a recuperação do necessário nível
alcançado nos anos de 1970, da ordem de 25% do PIB. A Tabela 5 mostra as taxas de crescimento
setoriais da economia brasileira. Observa-se que a Indústria de Transformação obteve os piores
resultados, os mais sofríveis do PIB. Como indicado previamente, o investimento é muito baixo, quadro
agravado pelos efeitos da crise pós-2007.
Há outra consequência desse cenário: a perda de posição relativa dos países subdesenvolvidos na
produção industrial mundial. Incluindo-se ou não a China nesse rol, os dados mostram que o Brasil está
perdendo terreno de maneira acentuada no panorama internacional. Com efeito, a participação do Brasil
na produção da indústria de transformação mundial, que era de 2,8% em 1980, vai caindo para 2% em
1990 e atinge 1,7% em 201023.
Tabela 5
PIB Total e Setorial: taxas médias anuais de crescimento (%)
(22) Basicamente, pelo crédito consignado e amparado pelo desconto em folha de salários e de aposentados.
(23) Cf. ONU, Sistema de Contas Nacionais, em US$, a preços de 2005. Disponível em:
<unstats.un.org/unsd/snaama/dnllist.asp>. Acesso em: 27 dez. 2011.
Sabe-se, também, quanto às taxas de crescimento da indústria, que o setor de bens de capital e de
consumo durável vinha apresentando, desde 2002, um crescimento acentuado, mas, na verdade, era o
segmento de bens de consumo duráveis o que mais puxava a demanda.
Ainda que dados e fatos acima apresentados mostrem essa anormal desindustrialização em nosso
processo econômico, a aceitação desse fato até há pouco tempo, não era pacífica e, vários economistas,
não raro, não acreditam que essas perdas tenham sido tão acentuadas. Uma das raras instituições que
também denunciam a desindustrialização é o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
(IEDI), que, em suas Cartas Mensais tem advertido, denunciado e demonstrado o fenômeno24. No sentido
de reforçar essas críticas, julgo importante e acrescento em seguida, alguns outros dados que desnudam
um pouco mais a debilidade à qual foi submetida a indústria de transformação.
O Gráfico mostra a acentuada queda sofrida pela relação VTI/VBP. Observe-se que ela se
situava em torno de 0,47 em 1996, foi caindo até 2004 e 2005, (em torno de 0,41), apresentou pequena
recuperação e estabilidade em 2006-2008 (em torno de 0,42) e subindo um pouco em 2009 (0,43) e em
2010 e 2011 (0,44), paradoxalmente, em um período de crise. Muito provável, porém, que isso se deva
(24) Cf. IEDI, várias Cartas, notadamente a partir de 2010, todas inseridas em www.iedi.org.br/.
aos seguintes fatos: a) mudança conjuntural na estrutura produtiva causada fundamentalmente pelo
desempenho de setores mais oligopolizados que têm alto poder de fixação de markups; b) pelo fato de
que a intensificação das importações industriais, no período recente, rebaixou preços e custos de insumos
e bens de capital importados, possivelmente em parte não repassados aos compradores dos produtos
fabricados com tais bens; c) essa intensificação das importações, com certeza, alterou cadeias produtivas,
substituindo produtos mais onerosos e menos lucrativos; d) pela forte elevação dos preços de exportação
de vários produtos industriais semielaborados pós 2003-2004; e) por redução de custos financeiros e
tributários decorrentes das políticas anticíclicas praticadas recentemente.
ii- A estrutura produtiva da Indústria de Transformação, segundo o critério de uso dos bens
Como aqui está em análise apenas a indústria de transformação, não se pode empregar neste item
os dados e a classificação usada e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
pois este inclui em suas estimativas, a indústria extrativa mineral. Assim, emprega-se uma metodologia
que classifica os setores da indústria de transformação em predominantemente produtores de: i) bens de
consumo não duráveis; ii) bens intermediários; e iii) bens de consumo durável e de capital, este, o setor
de maior complexidade tecnológica25.
O setor i (onde estão presentes importantes segmentos exportadores), à medida que a
industrialização avançou, diminuiu fortemente seu peso entre 1939 e 1980, caindo de 67,5% para 33,9%
do VTI, para de reduzir sua participação, situando-a entre 35,2% em 2009 e 33,1% em 2011.
O setor ii, com forte presença exportadora, teve expressivo aumento de sua participação entre
1939 e 1980, passando de 25,9% para 41%, oscilando entre 43,6% em 2009 e 41% em 2011, parecendo
também ter perdido espaço em nossa industrialização.
O setor III teve as maiores taxas de crescimento entre 1939 e 1980, quando passou dos exíguos
6,6% para 25,1%. Sua trajetória posterior, no entanto, é decrescente, atingindo 24% em 1996, 21,6% em
2003, 21,2% em 2009 e 25,9% em 2011, quando parece retornar ao patamar de1980. Esse movimento da
estrutura mostra, sem dúvida, uma tendência regressiva de 1980 para hoje, com a volta do predomínio de
não duráveis e de setores exportadores de semi-industrializados.
Essa metodologia, contudo, faz com que grande parte do setor iii contenha uma fração maior de
bens de consumo durável do que de bens de capital, dado problemas metodológicos e de sigilo estatístico
do IBGE, notadamente quando operamos a mais de três dígitos nos subgrupos de atividades. Fez-se um
pequeno e parcial exercício com os Censos Industriais de 1970 e 1980 e a Pesquisa Industrial Anual do
IBGE referente aos anos de 1996, 2003, 2009 e 2011, retirando, do setor iii, itens que
predominantemente se destinam mais a consumo doméstico ou a insumo produtivo, do que ao
investimento produtivo. Os itens retirados foram os de veículos de passageiros (automóveis e utilitários),
autopeças, eletrodomésticos e aparelhos de som e imagem (dos quais não é possível, a três dígitos,
excluir os celulares).
Deduzidos os VTIs desses quatro segmentos, a produção restante, do setor iii, fica com um
sentido mais próximo à de bens de capital, embora ainda contenha um resíduo importante de bens
(25) Para essa metodologia e para os dados no período 1970-2003, ver Cano (2008). Ver também Valderrama (1966).
duráveis de consumo e de bens intermediários. Os novos dados passariam a ser: 15,6% em 1970; 19,9%
em 1980; 14,1% em 1996; 10,0% em 2003, 11% em 2009 e em 2011, uma subida expressiva para 16,2%,
mas que ainda deixa a participação deste segmento abaixo da de 1980. Com efeito, o que explica mais da
metade do aumento havido entre 2009 e 2011, foi o excepcional aumento de Veículos e equipamentos de
carga (o resto do setor de Veículos Automotores), conjunto este que em 2009 pesava com apenas 0,22%
do VTI total da indústria de transformação e que, em 2011 graças às políticas especiais de incentivos que
recebeu, mais que decuplicou sua participação, que atingiu 2,76%! Mas, embora esses bens sejam
considerados bens de capital, não são máquinas. A regressão industrial mostra-se aqui, ainda mais
transparente.
(26) Coeficientes obtidos em 2005, no site da Funcex. Estes cálculos foram mais tarde substituídos por nova série – de
1996 até hoje que apresenta os Cx com valores um pouco diferentes da série anterior e, no lugar dos Cm, divulga os Cpm.
(27) Cpm = M/ (P-X+M), ou seja, importações sobre o consumo aparente.
(28) Total de produtos industriais, exclusive os semi-industrializados.
déficits sucessivos a partir de 2007 (-US$ 9,3 bilhões), em -US$ 38 bilhões na média 2008-2009, -US$
76,7 bilhões em 2010, –US$ 95,8 bilhões em 2011, -US$ 94,1 bilhões em 2012 e, em 2013, –US$ 105,0
bilhões.
Mas, onde está localizado esse déficit? Como o investimento contraiu-se na indústria, os setores
de alta e de média-alta tecnologia estão pesadamente representados nesse número e constituem mais da
metade do citado déficit. Com efeito, a estrutura das exportações de produtos industriais (semi-
industrializados mais manufaturados), em 2012, mostra que os de alta tecnologia perfaziam apenas 6,8%,
os de média-alta, 27,1%, os de média-baixa, 26% e os de baixa, 40,1%. Em 2012, do total de nossas
importações desses produtos, 48,5 % eram de bens de alta tecnologia, 21,5 de média-alta, 21,5% de
média-baixa e 9% de baixa tecnologia. Até mesmo no setor de baixa tecnologia, é surpresa constatar que
têxtil e confecções, setores tradicionalmente superavitários, tem apresentado déficits de
aproximadamente US$ 5 bilhões, segundo dados da OMC.
Tabela 6
América Latina e Caribe, México e Brasil: Estrutura (%) das exportações para a China.
América Latina e
México Brasil
Caribe
Produto 2008 1990 2000 2008 1990 2000 2008
Primários 75,0 1,4 3,7 27,5 19,5 67,9 77,5
Industriais: 25,0 98,6 96,3 72,3 80,5 32,5 22,5
-Recursos naturais 14,6 11,7 11,1 32,7 34,0 13,4 12,2
-Baixa Tecnol.. 2,4 6,7 1,9 2,8 17,3 4,5 2,6
-Média Tecnol. 4,6 79,1 24,9 19,6 28,9 9,0 5,5
-Alta Tecnol.. 34,3 0,9 58,2 17,0 0,3 5,1 2,1
-Outros 0,1 0,2 0,2 0,2 - 0,1 0,1
Fonte: Cepal: Base de Dados.
Por dificuldades para atualizar essas informações, só pude apurar, para anos recentes, dados
parciais do Brasil: do total de suas exportações para a China, 82,9% eram de produtos básicos, e os
industriais perfizeram 17,1%, sendo 11,3% de semi-industrializados e apenas 5,8% de manufaturados.
Na ordem neoliberal, entretanto, não se pode reclamar disso, do “livre comércio”. Os dados da Tabela 3
mostram que a regressão é mais grave quando se analisam os setores por intensidade tecnológica: a
participação na pauta brasileira cai em todas as categorias. Na do México, também ocorre o fenômeno,
mas as categorias de média e alta tecnologia ainda mantêm participações expressivas muito mais altas
que as ínfimas participações na do Brasil, deixando claro que os resultados do comércio com a China
mostram uma situação mais regressiva, mesmo em termos de América Latina.
Em contrapartida, torna-se difícil para o Brasil pressionar e negociar com a China sobre essa
estrutura e sobre a “invasão” de produtos chineses, dado que de 2009 a 2012, a China foi responsável, em
média, por cerca de 30% de nosso saldo comercial total.
Tabela 7
Brasil: Exportações segundo Fator Agregado (%) *
Tabela 8
Brasil: Importações (em US$ bilhões)
Tabela 9
Balanço de Pagamento (em US$ bilhões)
Transações
Ano Comercial Serviços Rendas
correntes
2005 44,7 -8,3 -26,0 14,0
2006 46,1 -9,6 -27,4 13,6
2007 40,0 -13,2 -29,4 1,6
2008 24,8 -16,7 -40,6 -28,2
2009 25,3 -19,2 -33,7 -24,3
2010 20,2 - 30,8 -39,6 -47,4
2011 29,8 - 37,9 -47,3 -52,6
2012 19,4 - 41,0 -35,4 -54,2
2013 2,6 - 47,5 -39,8 -81,4
Fonte: Banco Central do Brasil.
O câmbio barato e a baixa oportunidade de investimentos geram efeitos ainda piores na conta de
rendas, fazendo com que diminuam os reinvestimentos e aumentem as remessas de lucros e dividendos.
Os números também são assustadores: seu déficit, que em 2005 somou – US$ 26 bilhões salta em 2010 e
2011, respectivamente, para – US$ 39,6 bilhões e – US$ 47,3 bilhões, baixando um pouco, para –US$
35,4 bilhões em 2013, certamente devido à crise e redução de lucros, bem como à redução passageira dos
juros. Assim, serviços e rendas somaram, entre 1/2010 e 12/2013, a fantástica cifra de - US$ 319 bilhões!
Como se sabe, a soma algébrica do balanço de serviços e do balanço de rendas com a balança comercial
indica (aproximadamente)31 o saldo em transações correntes, que atingiu -US$ 81,4 bilhões em 2013.
Para fechar esse déficit, a política macroeconômica mantém a economia desregulada e os juros
reais em nível surpreendentemente elevado, com o objetivo óbvio de atrair capitais externos, os quais,
com a volúpia dos juros altos, entram em maior quantidade do que o necessário. Sendo assim, a origem
do acúmulo de reservas torna-se mais financeira do que comercial.
Cobertos os déficits ao longo desses anos todos, depois de 1999, não houve mais crise cambial e
ainda houve o acúmulo de US$ 359 bilhões de reservas internacionais. Vários analistas olham esses
números e afirmam que a vulnerabilidade externa do país acabou. Os US$ 359 bilhões de reservas
internacionais, no entanto, custam muito caro para todos, pois estão aplicados basicamente em títulos do
governo norte-americano cuja taxa de juros é próxima a zero. O governo, porém, para acumular essa
reserva tem de emitir títulos da dívida pública, aos quais pagam juros que hoje chegam a
aproximadamente 11% anuais e equivalem a cerca de 5% do PIB, em uma grande sangria da receita e do
gasto públicos.
O desestímulo ao investimento interno e o dólar barato incentivam fortemente a saída de capitais
brasileiros. Até 2001, o total aplicado lá fora era de US$ 68,6 bilhões que cresce velozmente, atingindo
(31) O saldo não é exato, por força de Erros e Omissões e outros dados não apurados.
US$ 275 bilhões em 2010, dos quais 25,5% aplicados em notórios paraísos fiscais32. Em 2012, aquela
cifra saltou para US$ 356 bilhões, e desse estoque total, o IDE somava US$ 268 bilhões, e sua estrutura
de aplicação externa revelava forte similaridade com a do investimento de capital nacional no Brasil:
25% em agricultura e mineração; apenas 18% na indústria de transformação; e 57% em serviços, dos
quais 65% em serviços financeiros. Ao todo, os capitais brasileiros teriam criado cerca de 200 mil
empregos no exterior.
O mais paradoxal, contudo, é que, para isso, boa parte desses investimentos tem sido financiada
por recursos públicos (em geral subsidiados), principalmente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Estão sendo financiados investimentos no exterior, quando é aqui que se
deve criar empregos, modernizar a indústria, erradicar o analfabetismo e a fome, acabar com os buracos
nas estradas, promover política habitacional aos pobres, acabar com as endemias rurais que são uma
barbaridade.
A Tabela 10 mostra a Dívida Externa Total, nosso Passivo Externo Líquido e às Reservas
acumuladas. Os dados mostram que, se descontadas as Reservas, do Passivo Externo, o Passivo Líquido
aumenta de US$ 298 bilhões em 2004, para US$ 826 bilhões em 2012, caindo para US$ 764 em 2013.
Ainda, é preciso considerar que grande parte do investimento externo constitui-se hoje de títulos em
carteira mais facilmente mobilizáveis e passíveis, portanto de fuga mais rápida.
Tabela 10
Dívida Externa e Passivo Líquido Externo
(32) Como os dados desses investimentos são por países, entre os quais só se identificam poucos deles como paraísos
fiscais, certamente a cifra estimada no texto está fortemente subestimada. Várias pesquisas ao longo desses últimos dez anos
apontam cifras que se situam entre 50% e 70%. Para os dados oficiais ver: Banco Central do Brasil; Capitais Brasileiros no
Exterior: www.bcb.gov.br/rex/cbe/port; dados obtidos em 24/03/2012.
Como superam as reservas, a vulnerabilidade ainda se mantém. É claro que as reservas são
importantes e estratégicas, mas não o suficiente para evitar ou sair de uma crise internacional que possa
causar grande fuga de capital.
investimentos privados e públicos para logística de transporte, oportuno, necessário e elogiável, com
recursos importantes em termos do setor, porém muito limitados em termos gerais, equivalentes a apenas
cerca de 0,4% anuais do PIB nos próximos cinco anos. Tal plano amplia ainda a capacidade de
investimentos dos governos estaduais, cujos investimentos, porém, são proporcionalmente muito
pequenos no total da formação de capital fixo do país33.
Para os empresários desses segmentos, são medidas boas, porque reduzem seus custos,
amortecendo prejuízos ou aumentando lucros. São, no entanto, muito insuficientes, tendo em vista as
necessidades não só conjunturais, mas estruturais do país. Com o prolongamento da crise internacional,
as exportações já desaceleraram, o que reforça ainda mais a advertência de que o crescimento não se
pode manter via consumo da família, que aliás, parece também ter desacelerado.
Não se deve esquecer os diferenciais de produtividade para com os produtos similares da China e
dos EUA e, ainda, a defasagem cambial, que até recentemente esteve em torno de 30%. Então, é preciso
fazer muito mais do que está sendo feito e proposto, para que esses empresários enfrentem a
concorrência e reestruturem a indústria. Subsídios e investimentos públicos, porém, são sempre
limitados, não só pela “obrigação” do comportamento fiscal restringido como também pelo fato de que o
país passou a integrar a Organização Mundial do Comércio (OMC) desde 1994 e subscreveu a Rodada
Uruguai (GATT). Assim, o governo está sempre “de mãos amarradas”. A OMC até admite algumas
medidas temporárias, mas esses subsídios podem tornar-se inaceitáveis para ela.
É necessário lembrar que se atravessa, neste momento, não apenas mais uma crise, mas sim, a
continuidade de uma crise muito longa que vem desde o final da década de 1970. É um processo
cumulativo nefasto, que não apenas destruiu nossas instituições de desenvolvimento, mas debilitou o
próprio Estado além de desvirtuar o caminho do empresariado produtivo e progressista.
Essa é a questão central da crise brasileira, mas nela não se toca. Nenhum dos governos que
atravessaram partes desse longo período tentou algo mais profundo e necessário. Para tal fato, tem-se de
enfrentar sérias adversidades políticas e econômicas internas e externas. O Brasil entrou na chamada
globalização, assinou tratados e assumiu compromissos internacionais que não deveria. A China
declarou-se como economia de mercado, mas não abriu a conta de capital. A Índia fez a mesma coisa,
assim como a Rússia. Não abrir a conta de capital significa manter o controle sob a entrada e saída de
capital internacional e nacional, sobre as remessas de lucros e os fluxos de investimentos. Mais do que
isso, é ter um grau avançado de soberania no manejo de sua política cambial, fiscal e monetária, o que
não se tem.
No Brasil, há política industrial. Há ações importantes de vários órgãos públicos, como o
BNDES. Há, entretanto, muitos equívocos. Há acertos nas tentativas de fusão e resolução de problemas
estruturais de grandes empresas nacionais, inclusive para tentar fortalecê-las futuramente em termos de
presença internacional. Ao mesmo tempo, não há nenhuma estratégia macroeconômica e industrial para
(33) É o pacote de logística anunciado à imprensa em 15/8/2012, com investimentos totais de R$ 133 bilhões, sendo
R$ 80 bilhões para os próximos 5 anos e o restante para os 25 anos seguintes. O peso deles como proporção anual do PIB seria
de 0,4% nos primeiros e apenas 0,05% nos seguintes.
que seja sustentável e exequível a fim de enfrentar a desindustrialização, como apontaram Cano e
Gonçalves (2010).
Economistas precisam aprender que a economia vai além das premissas teóricas de que os
neoclássicos tanto gostam. A economia é política! A economia como ciência é muito limitada. Economia
é fruto de decisões sociais tomadas por homens que têm poder. Sejam empresários tomando decisões de
investir ou não, de comprar ou vender, seja o Estado em adotar e tentar fazer cumprir certas metas e
objetivos econômicos. Essas tomadas de decisões são sempre conflituosas. Sempre se defrontam com
interesses diversos ou mesmo contraditórios, e, principalmente, com a incerteza de seu sucesso futuro.
Não adianta pensar em Economia apenas por um prisma técnico de formular uma determinada
receita quando o problema é político. Se os governos, depois de 1990, “venderam a alma ao diabo”, ou
seja, ao sistema financeiro; precisamos romper esse acordo. É, todavia, uma atitude muito complicada,
pois quando se faz acordo com o diabo, ele vai exigir a alma, depois de levar o fígado e o pâncreas. De
todo modo, os atuais horizontes políticos internacionais são pelo menos imprecisos e imprevisíveis. Há,
portanto, a meu juízo, uma janela aberta para uma reflexão sobre o futuro.
O governo norte-americano é democrata, mas a política econômica, de certa forma, continua
sendo controlada pelos republicanos. Na Europa, o quadro é exatamente o mesmo. A direita mais
reacionária está à testa do manejo da administração desses problemas e da crise. Há uma boa entrevista
da professora Maria da Conceição Tavares ao site Carta Maior34 em que ela chama a atenção para as
diferenças em relação à crise de 1929. Naquele momento, o vencedor foi Roosevelt e, por meio do New
Deal, foi possível, além de tomar medidas para a economia, passar a olhar um pouco mais para os pobres
e, a partir daí, desenvolveram-se políticas de Welfare State no mundo ocidental. É preciso atenção para a
diferença crucial entre as estruturas de poder anteriores e posteriores à “Crise de 29” e as atuais
estruturas de poder, conservadoras e reacionárias e, ainda, deflacionistas, ou seja, a julgar pelas atitudes
consumadas e intenções declaradas até agora, tendem a aprofundar a crise.
No Brasil, para administrar a “Crise de 29” e seu período subsequente, foi necessária uma
revolução, a Revolução de 1930. Aqui, houve um Estadista, Vargas que se antecipou àquelas medidas. O
México teve Cárdenas e ambos souberam, inteligentemente, conduzir seus países.
O Brasil pode e deve enfrentar a crise estrutural reportando-se, em grande medida, ao mercado
interno. Há quase 200 milhões de habitantes, um grande território e uma boa dotação de recursos
naturais. Não se trata de uma atitude voltada exclusivamente para o mercado interno, mas
complementada em um “Programa Nacional de Desenvolvimento” que tenha, além desse vetor, uma
estratégia específica de exportações, introjeção tecnológica e uma priorização setorializada e
regionalizada de infraestrutura e alta tecnologia35. Em contrapartida, tal via não pode estar voltada apenas
para fins de crescimento e produtividade, mas contemplar, prioritariamente, os setores que atendem às
necessidades básicas da população e do país como habitação popular, saneamento básico, educação e
saúde pública, que, sem dúvida, deveriam encimar a agenda de planejamento.
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