Envelhecimento e A Subjetividade Praticas Sociocul

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RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade

Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Revue Latino-américaine d'Études sur la culture et la société | 1
Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 09, nº 01, jan.-jun., 2023, artigo nº 2403 | claec.org/relacult | e-ISSN: 2525-7870

O envelhecimento e a subjetividade: práticas socioculturais na


velhice

Camila Kuhn Vieira1


Adriana da Silva Silveira 2
Solange Beatriz Billig Garces 3

Resumo

O fenômeno da longevidade é uma característica da sociedade contemporânea e traz consigo a subjetividade, a


partir da compreensão de que o ser humano, não importa a idade, crença ou raça, é um sujeito histórico-
sociocultural, estando inserido na relação dialética homem-sociedade. Neste sentido, o trabalho tem como
objetivo analisar as práticas socioculturais subjetivas no envelhecimento apoiando-se em referencial teórico de
autores como Rey, Camarano, Debert, Beauvoir. O artigo está organizado a partir de três seções: O
envelhecimento na contemporaneidade; Subjetividade no Envelhecimento; As práticas socioculturais no
envelhecimento a partir da subjetividade individual e coletiva (intergeracionalidade e tecnologias).

Palavras-Chave: Envelhecimento Humano; Subjetividade; Práticas Socioculturais.

1. Introdução

O fenômeno da longevidade trouxe desafios que colocam o envelhecimento como um


dos temas centrais nas abordagens sociais do século XXI, principalmente nas questões de
políticas públicas direcionadas ao envelhecer de forma saudável. Neste contexto, a transição
atual da curva demográfica demanda uma nova preocupação em diversos setores da
sociedade, com formação de redes de apoio e ações efetivas à população que envelhece.
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial decorrente da redução dos
índices de natalidade e mortalidade e aumento da longevidade, redesenhando a curva
demográfica. O fato é que as pessoas estão envelhecendo em um ritmo acelerado nunca antes
visto nos dados estatísticos até então coletados. Atualmente, a população vive além dos 60

1
Doutoranda e Mestre em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta –
UNICRUZ. Enfermeira do Trabalho. Cruz Alta, Rio Grande do Sul – RS, Brasil. Integrante do Grupo
Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano – GIEEH. E-mail: [email protected]
2
Doutoranda e Mestre em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta –
UNICRUZ. Cruz Alta, Rio Grande do Sul – RS, Brasil. Integrante do Grupo Interdisciplinar de Estudos do
Envelhecimento Humano – GIEEH. E-mail: [email protected]
3
Doutora em Ciências Sociais pela UNISINOS. Docente do Programa de Pós-Graduação em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ. Cruz Alta, Rio Grande do
Sul – RS, Brasil. Integrante do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano – GIEEH. E-mail:
[email protected]

Histórico do artigo:
Submetido em: 28/03/2024 – Aceito em: 18/06/2024
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anos, caracterizando o que vem se denominando de “a fase do superenvelhecimento”


(CAMARANO, 2014).
Assim, o envelhecimento caracteriza-se como um processo único, e se apoia na
subjetividade individual de cada sujeito, sendo construído ao longo da sua existência para
vivenciar esse período. Mas ao mesmo tempo também a sociedade, por meio de uma cultura
de pensamento coletiva apresenta uma subjetividade sobre o envelhecer.
O envelhecimento é de fato um processo complexo que combina tanto aspectos
individuais quanto coletivos. Cada pessoa vivencia o envelhecimento de maneira única,
influenciada por experiências pessoais de vida, condições de saúde e interações sociais. A
forma como cada indivíduo percebe e se adapta às mudanças físicas, cognitivas e sociais que
acompanham o envelhecimento é subjetiva e pessoal. A percepção do envelhecimento não
começa apenas na velhice, mas é construída ao longo de toda a vida, influenciada por
expectativas culturais, experiências anteriores e a maneira como a sociedade valoriza
diferentes idades e estágios da vida.
A subjetividade pode ser definida de modo particular e único de ser de cada pessoa em
diferentes dimensões psíquicas (atividade, consciência e personalidade), mesmo sendo algo
singular, a subjetividade não possui origem no interior do indivíduo e sim, a partir das suas
relações sociais (SILVA, 2009).
Portanto, este artigo tem como objetivo analisar as práticas socioculturais no
envelhecimento a partir da subjetividade individual e coletiva apoiando-se em uma reflexão
teórica com autores como Rey, Camarano, Debert, Beauvoir, Faleiros. O artigo está
organizado a partir de três seções: O envelhecimento na contemporaneidade; Subjetividade
no Envelhecimento; As práticas socioculturais no envelhecimento a partir da subjetividade
individual e coletiva (intergeracionalidade e tecnologias-internet).

2.O envelhecimento na contemporaneidade

Para Palácios (2004) o envelhecimento não é um processo único e ocorre de forma


distinta no organismo de cada indivíduo. O envelhecimento humano é algo inevitável e
natural. Estudos na área da gerontologia trazem estimativas que o ser humano tem condições
de viver entre 110 e 120 anos. Em relação aos ciclos da vida, a maturidade biológica é o ápice
da vitalidade, acontece nas idades entre 25 e 30 anos. Portanto, a fase do adulto inicial ocorre
no período entre os 25 até os 40 anos e, adulto médio ou de meia idade ocorre dos 40 a 65
anos. Da idade entre os 65 até 75 anos, define-se como adulto tardio na velhice precoce, e
acima dos 75 anos denomina-se de velhice tardia (PALÁCIOS, 2004).
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Camarano (2014) descreve o percurso histórico do envelhecimento populacional no


Brasil. Assim, a partir de 1940, houve uma redução dos índices de mortalidade em todos os
grupos etários, principalmente na mortalidade infantil. Posteriormente, o declínio da
fecundidade e aumento da expectativa de vida da população, uma das características
marcantes do envelhecimento contemporâneo foi a urbanização decorrente dos movimentos
migratórios, expandindo significativamente a população idosa nos espaços urbanos
(CAMARANO, 2014).
Camarano (2014) ressalta que vivemos na fase do superenvelhecimento, sendo um
avanço acelerado da população idosa, com relação à população jovem. Camarano (2013, p.
3446) destaca ainda que:

O Brasil não é mais um país de jovens. É provável que o Censo de 2030 encontre o
número máximo de brasileiros que se pode vislumbrar, cerca de 208 milhões, dos
quais 20% serão idosos. A partir daí, mantidas as mesmas tendências, esse
contingente começará a diminuir e o formato da pirâmide etária se inverterá.
Os baby boomers estão envelhecendo e se transformando nos elderly boomers. A
preocupação com o "excesso" de crianças está dando lugar para o "excesso" de
idosos.

O envelhecimento é um processo individual e subjetivo que está atrelado ao espaço


privado, mas também, tornou-se uma questão da sociedade. Este processo de envelhecimento
possui singularidades próprias à cada indivíduo, sendo influenciado por diversos fatores
internos e externos atrelados à condição biológica e genética, saúde física, cognição,
condições econômicas e sociais, rede familiar e acolhimento social que impactarão
diretamente na vida da pessoa idosa.
O envelhecimento é social e subjetivo, pois a sociedade apresenta um pensamento
coletivo a respeito desse processo. Assim, a sociedade desempenha um papel significativo na
forma como o envelhecimento é percebido. Normas culturais, valores sociais e representações
na mídia moldam a maneira como as pessoas se sentem em relação ao próprio envelhecimento
e como são vistas pelos outros à medida que envelhecem.
Existe uma construção social em torno do que é considerado "bom" ou "ruim" ao
envelhecer. Isso pode incluir estereótipos negativos sobre a velhice, como perda de
produtividade, declínio cognitivo ou isolamento social, mas também há movimentos
crescentes para desafiar esses estereótipos e valorizar a sabedoria e a experiência acumulada
com a idade.
Portanto, o envelhecimento é um fenômeno multifacetado que envolve tanto aspectos
pessoais quanto sociais. Reconhecer a diversidade de experiências individuais e a influência

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da cultura na percepção do envelhecimento é necessário para promover uma visão mais


inclusiva e positiva dessa fase da vida.
O livro “A velhice” (1990) de Simone de Beauvoir retrata questões sobre o
envelhecimento que ainda hoje são consideradas atuais. A autora trouxe reflexão crítica sobre
as visões negativas e estereotipadas da velhice, que predominavam na época, mas que ainda
persistem. Beauvoir foi precursora no debate sobre a liberdade e o sentido da vida no período
da velhice, defendendo a capacidade das pessoas idosas se manterem autônomas e
participativas. Também analisou o envelhecimento como condição humana explorando as
mudanças físicas, psicológicas e sociais que acompanham essa etapa do ciclo da vida. A
autora foi considerada a primeira escritora a tratar com profundidade os questionamentos e
situações de particularidades as quais as pessoas idosas estão submetidas, quebrando o
silêncio da época para tratar do tema.
A velhice ainda é caracterizada socialmente como algo indesejável, marcada por
doenças e perdas de papéis sociais, ou seja, a velhice é associada culturalmente de forma
negativa, bem como o comprometimento cognitivo, emocional e econômico. Esta visão
acerca da pessoa idosa predominou, principalmente, no século XX e, por mais que tenha sido
ressignificada, deixa ainda resquícios até hoje. Na sociedade contemporânea, há uma
valorização da juventude, sendo um período considerado “produtivo” e, a velhice ainda é vista
como uma fase da vida considerada inútil e dependente (LEITE; CAPPELARI; SONEGO,
2002).
Debert (2004) no livro a Reinvenção da Velhice, propõe uma reflexão sobre
“reinventar” a velhice não apenas como um processo individual, mas como um fenômeno
profundamente influenciado por fatores sociais, econômicos e políticos. A ideia central é que
a velhice contemporânea não pode ser entendida apenas como um declínio inevitável, mas
sim como um período de potencialidades e desafios que são moldados pelas construções
sociais e pelas estruturas de poder existentes. Debert (2004) trata da "reprivatização do
envelhecimento", referindo-se ao movimento de retirada das pessoas idosas do espaço
público, ao aposentarem-se, relegando-as a uma esfera mais privada e familiar. Esse processo
levanta questões importantes sobre inclusão social, direitos das pessoas idosas e políticas
públicas voltadas para o envelhecimento. A autora traz de uma significativa reflexão para a
compreensão do entendimento das complexidades envolvidas no processo de envelhecimento
em sociedades contemporâneas, em busca de políticas e práticas sociais que possam melhorar
a qualidade de vida das pessoas idosas.

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A população idosa tem como direito personalíssimo sua proteção, como um direito
social, conforme consta no Estatuto da Pessoa Idosa (BRASIL, 2003). Para Paula (2009, p. 4),
“o Estatuto da Pessoa Idosa, é um direito e que contribui de forma direta para uma melhoria
da qualidade de vida” desta população.” O que a autora quer dizer é corroborado por Faleiros
(2023, p.3) “O Estatuto da Pessoa Idosa contempla o direito de envelhecer com
dignidade, participação, cidadania e de forma saudável em todas essas condições e
especificidades,” pois o processo de envelhecimento é diverso e depende de múltiplos fatores
(econômicos, sociais, culturais, comportamentos individuais e familiares). Assim, “Quem
vive com mais longevidade leva para a velhice suas condições e sua história enquanto sujeito
de uma classe, de uma raça, de sexo e gênero, de vários trabalhos e de escolaridade”
(FALEIROS, 2023, p.3).

3.3 Conhecer a subjetividade para compreender o envelhecimento

A subjetividade “é o processo de tornar o que é universal singular, único, isto é, de


tornar o indivíduo pertencente ao gênero humano” (SILVA, 2009, p.172). Assim, o homem
apropria-se do universo de possibilidades disponíveis para formar a sua individualidade a
partir das suas relações com os outros.

Subjetividade se refere ao processo de apropriação da realidade objetiva, sendo


processo básico para a constituição e compreensão do psiquismo, enquanto a
individualidade é a herança biológica de toda pessoa, que é a base para o processo
de subjetivação e construção de todo psiquismo (SILVA, 2009, p. 176).

A subjetividade é compreendida ainda, como a capacidade humana do psiquismo


adquirir um caráter simbólico, levando à formação de novas unidades qualitativas que
constituem uma visão ontológica diferente dos fenômenos humanos sejam eles sociais ou
individuais, essas unidades expressam-se nos conceitos de sentido subjetivo e configurações
subjetivas (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZALEZ REY, 2017).
Gonzáles Rey (2003) define a subjetividade como um sistema complexo baseado no
psiquismo em um nível histórico-cultural. Por meio das experiências de vida, o sujeito se
constitui como um ser simbólico e emocional, conferindo ao psíquico o caráter
multidimensional, recursivo, contraditório e imprevisível. Ainda, González Rey (2004) aponta
o saber como uma produção de inteligibilidade e não uma reprodução idêntica da realidade,

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na verdade, torna impossível reproduzir de forma idêntica à realidade, sendo o empirismo


uma prática inatingível.
A compreensão da subjetividade não é apenas como um patrimônio dos indivíduos,
mas sim, como algo que vai além da estrutura intrapsíquica e abrange ainda os fenômenos
relacional, organizacional e social. A subjetividade é a unidade do emocional/simbólico que
caracterizam a organização dos indivíduos e dos cenários sociais em que ocorrem as práticas
socioculturais, ou seja, a subjetividade só pode ser pensada pelo sujeito histórico-cultural
(GONZÁLEZ REY, 2004).

O homem constitui sua subjetividade mediante o processo de apropriação dos


conhecimentos construídos historicamente, desenvolvendo, assim, suas funções
psicológicas superiores, tais como raciocínio lógico, pensamento abstrato,
capacidade de planejamento, entre outras funções. Esse é um aspecto fundamental
para o desenvolvimento da subjetividade e está assentado, também, na relação com
outros homens (AITA; FACCI, 2011, p.36).

Todavia, o ser humano como sujeito histórico-cultural, tem a possibilidade de gerar


espaços de subjetivação e alternativas frente à pressão do processo de subjetividade social em
que vive. O sujeito frente às pressões de seu contexto produz alternativas, sendo fundamental
para pensar na relação do homem e da sociedade na geração de mudança. Assim, a mudança
no desenvolvimento humano é sempre uma produção de alternativas, sendo essa um caminho
difícil e tenso, pois não há crescimento sem dificuldades e tensão (GONZÁLEZ REY, 2004).
O autor destaca como uma realidade complexa de “criação teórica acerca da realidade
plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histórica, que representa a subjetividade
humana”. (GONZÁLEZ REY, 2011, p. 30) Portanto, o sujeito representa o indivíduo
subjetivado, produtor de sentidos através das configurações subjetivas que caracterizam sua
personalidade, imerso de forma permanente nos contextos nos quais atua e se expressa. Esses
processos ocorrem na relação contraditória entre as várias necessidades do sujeito, que se
definem por configurações subjetivas que entram em jogo em cada um dos espaços sociais de
sua ação e também pelas novas necessidades derivadas do contexto em que atua
(GONZÁLEZ REY, 2004).
A subjetividade não se refere ao íntimo ou intrapsíquico, nem aos processos psíquicos
que compartilhamos com outras espécies, diz respeito apenas aos processos humanos que tem
origem em desenvolver cultura, à capacidade humana das emoções adquirem um caráter
simbólico, não tem causas externas (determinismo social), mas expressa produções subjetivas
(simbólico-emocionais) das pessoas diante das situações vividas, é um sistema simbólico-

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emocional em desenvolvimento, por seu caráter gerador e imaginário, possibilita a


criatividade e impulsiona o desenvolvimento da cultura (MITJÁNS MARTÍNEZ;
GONZALEZ REY, 2017).
Assim, a essência humana não é algo abstrato de cada indivíduo, mas constitui-se nas
relações sociais. “[...] Não é universal e desligada da existência, e sim, fundamentalmente, um
produto das relações sociais de produção, uma essência construída tomando-se por base uma
existência prática” (AITA; FACCI, 2011, p.43).
Os conceitos de sentido subjetivo e configurações subjetivas se desenvolvem de forma
simultânea e recursiva na subjetividade social e na subjetividade individual que não são
sistemas que se relacionam como sendo um externo ao outro, mas como um mesmo sistema
com duas configurações diferentes, uma nas pessoas, como configurações subjetivas
individuais, e a outra nos espaços sociais, como configurações subjetivas sociais (MITJÁNS
MARTÍNEZ; GONZALEZ REY, 2017). Logo, a essência da subjetividade se dá baseado no
sujeito e nas suas relações sociais. É neste contexto que o ser humano é um sujeito histórico-
sociocultural, estando inserido na relação dialética homem-sociedade. E por isso entende-se
que para além das condições físicas e materiais disponibilizadas à pessoa humana, o processo
de envelhecimento também está condicionado à sua subjetividade e por isso a sua relação com
as práticas socioculturais vivenciadas neste período.

3.2 As Práticas Socioculturais contemporâneas que disponibilizam interações sociais


subjetivas na velhice

As práticas socioculturais ocorrem da interação do homem com a amplitude de mundo


que ele convive, em relações estabelecidas no contexto histórico e cultural, permitindo assim,
que os indivíduos e sociedade construam e estejam em constante transformação. Portanto, as
práticas socioculturais são caracterizadas como um processo complexo, envolvendo a
interação social entre os seres humanos, ou seja, o ser humano absorve cultura da sua
interação com a sociedade, desde seu nascimento até a sua morte (LARAIA, 2001).
Neste contexto, Moscovici (2003) aponta que todas as interações humanas que
ocorrem entre as pessoas pressupõem na existência de representações socioculturais. A
interação social, de forma comunicativa, que o indivíduo recebe dos outros (família, amigos)
submete em uma construção de um significado baseado no comportamento social e, não
possui outro sentido além do que os outros designam. Esse fenômeno ocorre porque as
pessoas criam representações no decurso da comunicação e da cooperação que não pode

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acontecer de forma isolada. Ao iniciar um processo de interação ou comunicação, o sujeito


desprende de sua memória todas as impressões que obteve, tais como: fatos, ações, objetos e
até mesmo pessoas no decorrer de sua vida e, assim que o complexo de informações
absorvidas encontra significados em suas reservas cognitivas geram uma familiaridade que
pode ser compartilhada quando a sua representação sociocultural entra em contato com o
outro.
Moscovici (2003) denomina o processo de interação social baseado na comunicação
de universo consensual, que corresponde há um ambiente em que todos se sentem salvos de
riscos, atritos ou conflitos e, a mudança somente é percebida e aceita se apresentada há um
tipo de vivência sociocultural no qual evita a quebra do diálogo entre as pessoas. Ainda,
Moscovici (2003, p.76) ressalta que “a cultura, mas não a ciência, nos incita, hoje, a construir
realidades a partir de ideias geralmente significantes. [...] Do ponto de vista da sociedade,
apropriar-se e transformar em característica comum o que originalmente pertencia a um
campo específico”.
Neste sentido, a busca incessante que o homem realiza para sentir-se parte de um
grupo corrobora na familiarização para evitar conflitos que geram reflexões sobre a existência
do indivíduo, na realidade, é construída de maneira natural e subjetiva. As representações
sociais são construídas e difundidas por meio da interação entre atores sociais, em práticas de
comunicação do cotidiano (MOSCOVICI, 2003).
A comunicação que ocorre nos grupos e num contexto intergrupal viabiliza negociar
as convenções para lidar com a realidade. Os pontos de referência para pensar e agir em
relação aos objetos sociais são, desse modo, referentes a posições específicas no contexto
social, isto é, a grupos, estruturado em maior ou menor extensão. Neste viés, Moscovici
(2003, p. 76) argumenta:

Nenhuma cultura, contudo, possui um instrumento único, exclusivo. E devido ao


fato de que o nosso instrumento está relacionado com os objetos, ele nos encoraja a
objetivar tudo o que encontramos. Nós personificamos, indiscriminadamente,
sentimentos, classes sociais, os grandes poderes, e quando nós escrevemos, nós
personificamos a cultura, pois é a própria linguagem que nos possibilita fazer isso.

Na sociedade contemporânea é observado o surgimento de um novo formato de


interação social, em que todos estão conectados, de forma virtual por meio da rede mundial de
computadores: a tecnologia. Portanto, a forma de comunicação teve algumas mudanças
significativas a partir da tecnologia digital, assim, nos espaços virtuais, os usuários podem
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explorar, modificar, atualizar informações simultaneamente e as práticas socioculturais que


representam as ações coletivas e individuais, especialmente dos jovens e adultos, estando
conectadas a diferentes tipos de atividades mobilizadoras de valores, competência, habilidade
e memórias emergidas pela forma de ler, interpretar, explicar e agir diante dos fatos de sua
realidade sociocultural.
Todavia, o processo cronológico social e natural da vida humana estabelece situações
diferenciadas a cada ciclo. Por exemplo, a velhice possui aspectos particulares que demandam
preparação individual e coletiva da sociedade. Há uma velhice cronológica que, diante do
correr dos relógios, indica um corpo em declínio natural ao final do curso da vida; há uma
velhice burocrática que aponta para o tempo da aposentadoria e pensões, cuja consequência
pode ser um recuo do sujeito diante do espaço social, um retorno ao espaço familiar e a
diminuição do número de laços sociais e alterações na questão geracionais. A sociedade
determina o lugar da pessoa idosa e o assimila por uma via que beira o espontâneo, sendo essa
a velhice social (SOARES, 2020).
Entende-se que os saberes desenhados são aqueles gerados a partir das ações
executadas e reconhecidas pelos homens que são repassados de geração a geração, ou seja, de
pai para filho, de avó para neto, em uma comunidade que sofre as influências de conexões
com as práticas socioculturais da contemporaneidade. É neste viés, que surge as práticas
socioculturais intergeracionais ou na velhice, começando sobretudo, na interação social da
família, no qual é unida por diversos laços capazes de manter os membros conectados durante
uma vida e durante gerações, ou seja, a família é considerada uma construção sociocultural,
pois seus papeis variam conforme a sociedade, mas um fator imprescindível nesta interação
social é o papel das gerações mais velhas, podendo deixar como legado suas experiências e
conhecimentos para as gerações mais novas (BITTAR, 2007). Barros (1989, p.36) também
ressalta que a transmissão de bens simbólicos/valores entre os idosos e seus netos são
consideradas uma herança as futuras gerações, ainda, “[...] são rituais de introdução na vida
social e no mundo adulto”.

4 Conclusões

O aumento expressivo da população idosa destaca-se como uma das principais


conquistas da Contemporaneidade. Atrelado a esse fenômeno somam-se as características
inerentes a esse ciclo da vida, com suas singularidades e complexidades, mas também as
interações que ocorrem com a sociedade, que é dinâmica e em constante transformações. Por
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isso, a necessidade de ir modificando práticas socioculturais e ir se adaptando aos processos


de inovação que essas interações socioculturais possibilitam. Um exemplo disso são as
tecnologias, que alteraram e continuam a alterar significativamente a relação tempo-espaço a
partir da rede mundial de computadores (internet). Essas práticas socioculturais inovadoras
certamente influenciam nos processos subjetivos das pessoas idosas, de forma individual e
coletiva, ao coercitivamente modificar a vivência das interações sociais. Assim, essas
mudanças têm um impacto direto na maneira como as pessoas percebem e experimentam a
velhice, por consequência modificando práticas socioculturais. Neste sentido, as relações
intergeracionais tornam-se importantes na transferência de aprendizagens.
Portanto, percebe-se que os acontecimentos decorrentes da contemporaneidade
refletem diretamente nas interações sociais individuais e coletivas de pessoas idosas
impactando na construção da sua subjetividade. Assim, a subjetividade oferece suporte para
compreensão dos acontecimentos que se expressam na velhice a partir da vida intrapsíquica,
das relações e da organização dos espaços sociais que os sujeitos habitam sem desconsiderar a
unidade emocional e simbólica que caracteriza a organização das pessoas idosas e dos
cenários sociais em que se desenvolvem as práticas socioculturais.

Referências

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Histórico do artigo:
Submetido em: 28/03/2024 – Aceito em: 18/06/2024
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Revue Latino-américaine d'Études sur la culture et la société | 11
Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 09, nº 01, jan.-jun., 2023, artigo nº 2403 | claec.org/relacult | e-ISSN: 2525-7870

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Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Revue Latino-américaine d'Études sur la culture et la société | 12
Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 09, nº 01, jan.-jun., 2023, artigo nº 2403 | claec.org/relacult | e-ISSN: 2525-7870

Envejecimiento y subjetividad: prácticas socioculturales en la vejez


Resumen
El fenómeno de la longevidad es una característica de la sociedad contemporánea y trae consigo subjetividad,
basada en el entendimiento de que el ser humano, independientemente de su edad, creencia o raza, es un sujeto
histórico-sociocultural, estando inserto en la relación dialéctica entre el hombre y la sociedad. . En este sentido,
el trabajo pretende analizar las prácticas socioculturales subjetivas en el envejecimiento a partir de referentes
teóricos de autores como Rey, Camarano, Debert, Beauvoir. El artículo se organiza en tres secciones: El
envejecimiento en la época contemporánea; Subjetividad en el Envejecimiento; Prácticas socioculturales en el
envejecimiento basadas en la subjetividad individual y colectiva (intergeneracionalidad y tecnologías).

Palabras claves: Envejecimiento Humano; Subjetividad; Prácticas socioculturales.

Vieillissement et subjectivité : pratiques socioculturelles dans la


vieillesse
Résumé

Le phénomène de longévité est une caractéristique de la société contemporaine et implique une subjectivité,
basée sur la compréhension que l'être humain, indépendamment de son âge, de ses croyances ou de sa race, est
un sujet historique et socioculturel, inséré dans la relation dialectique entre l'homme et la société. . En ce sens, le
travail vise à analyser les pratiques socioculturelles subjectives du vieillissement à partir de références théoriques
d'auteurs tels que Rey, Camarano, Debert, Beauvoir. L'article est organisé en trois sections : Le vieillissement à
l'époque contemporaine ; La subjectivité dans le vieillissement ; Pratiques socioculturelles du vieillissement
fondées sur la subjectivité individuelle et collective (intergénérationnalité et technologies).

Mots-clés: vieillissement humain ; Subjectivité; Pratiques socioculturelles.

Aging and subjectivity: sociocultural practices in old age


Abstract

The phenomenon of longevity is a characteristic of contemporary society and brings with it subjectivity, based
on the understanding that the human being, regardless of age, belief or race, is a historical-sociocultural subject,
being inserted in the dialectical relationship between man and society. In this sense, the work aims to analyze
subjective sociocultural practices in aging based on theoretical references from authors such as Rey, Camarano,
Debert, Beauvoir. The article is organized into three sections: Aging in contemporary times; Subjectivity in
Aging; Sociocultural practices in aging based on individual and collective subjectivity (intergenerationality and
technologies).

Keywords: Human Aging; Subjectivity; Sociocultural Practices.

Histórico do artigo:
Submetido em: 28/03/2024 – Aceito em: 18/06/2024

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