Os Processos A Globalização by Boaventura Sousa Santos

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Globalização

FATALIDADE OU UTOPIA?

Boaventura de Sousa Santos [org.]

EDIÇÕES AFRONTAMENTO
Organizador: Boaventura de Sousa Santos
Título: Globalização: Fatalidade ou Utopia?
© 2001, Edições Afrontamento
Edição: Edições Afrontamento/Rua de Costa Cabral, 859/4200-225 Porto
Colecção: A Sociedade Portuguesa Perante os Desafios da Globalização / 1
Capa: FBA – Ferrand, Bicker & Associados
N.º de edição: 764
ISBN: 972-36-0569-4
Depósito legal: 171333/01
Impressão e Acabamento: Rainho & Neves, Lda. / Santa Maria da Feira
Outubro de 2001
Capítulo 1
Boaventura de Sousa SantoS

Os processos da globalização

1. INTRODUÇÃO

Nas três últimas décadas, as interacções transnacionais conheceram uma


intensificação dramática, desde a globalização dos sistemas de produção e das
transferências financeiras à disseminação, a uma escala mundial, de informa-
ção e imagens através dos meios de comunicação social ou às deslocações em
massa de pessoas, quer como turistas, quer como trabalhadores migrantes ou
refugiados. A extraordinária amplitude e profundidade destas interacções trans-
nacionais levaram a que alguns autores as vissem como ruptura em relação às
anteriores formas de interacções transfronteiriças, um fenómeno novo desig-
nado por «globalização» (Featherstone, 1990; Giddens, 1990; Albrow e King,
1990), «formação global» (Chase-Dunn, 1991)1, «cultura global» (Appadurai,
1990, 1997; Robertson, 1992), «sistema global» (Sklair, 1991), «modernidades
globais» (Featherstone et al., 1995), «processo global» (Friedman, 1994), «cultu-
ras da globalização» (Jameson e Miyoshi, 1998) ou «cidades globais» (Sassen,
1991, 1994; Fortuna, 1997). Giddens define globalização como «a intensifica-
ção de relações sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo
que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a
muitas milhas de distância e vice-versa» e acusa os sociólogos de uma acomo-
dação indevida à ideia de «sociedade» enquanto sistema fechado (1990: 64). No
mesmo sentido, Featherstone desafia a sociologia a «teorizar e encontrar for-

1. Repare-se, no entanto, que Chase-Dunn enfatiza a continuidade dos acontecimentos recentes no seio do sis-
tema mundial.
32 Os processos da globalização

mas de investigação sistemática que ajudem a clarificar estes processos globali-


Volume I, Parte I, Capítulo 1

zantes e estas formas destrutivas de vida social que tornam problemático o que
por muito tempo foi visto como o objecto mais básico da sociologia: a socie-
dade concebida quase exclusivamente como o Estado-nação bem delimitado
(1990: 2). Para o Grupo de Lisboa, a globalização é uma fase posterior à interna-
cionalização e à multinacionalização porque, ao contrário destas, anuncia o
fim do sistema nacional enquanto núcleo central das actividades e estratégias
humanas organizadas (1994).
Uma revisão dos estudos sobre os processos de globalização mostra-nos que
estamos perante um fenómeno multifacetado com dimensões económicas,
sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo com-
plexo. Por esta razão, as explicações monocausais e as interpretações monolíti-
cas deste fenómeno parecem pouco adequadas. Acresce que a globalização das
últimas três décadas, em vez de se encaixar no padrão moderno ocidental de
globalização – globalização como homogeneização e uniformização – susten-
tado tanto por Leibniz como por Marx, tanto pelas teorias da modernização
como pelas teorias do desenvolvimento dependente, parece combinar a univer-
salização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo,
a diversidade local, a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por
outro. Além disso, interage de modo muito diversificado com outras transfor-
mações no sistema mundial que lhe são concomitantes, tais como o aumento
dramático das desigualdades entre países ricos e países pobres e, no interior de
cada país, entre ricos e pobres, a sobrepopulação, a catástrofe ambiental, os
conflitos étnicos, a migração internacional massiva, a emergência de novos
Estados e a falência ou implosão de outros, a proliferação de guerras civis, o
crime globalmente organizado, a democracia formal como condição política
para a assistência internacional, etc.
Antes de propor uma interpretação da globalização contemporânea, descre-
verei brevemente as suas características dominantes, vistas de uma perspectiva
económica, política e cultural. De passo aludirei aos três debates mais impor-
tantes que tem suscitado, formuláveis em termos das seguintes questões: 1) a
globalização é um fenómeno novo ou velho?; 2) a globalização é monolítica, ou
tem aspectos positivos e aspectos negativos?; 3) aonde conduz a crescente
intensificação da globalização? Nos debates acerca da globalização há uma forte
tendência para reduzi-la às suas dimensões económicas. Sem duvidar da impor-
tância de tal dimensão, penso que é necessário dar igual atenção às dimensões
social, política e cultural.
Falar de características dominantes da globalização pode transmitir a ideia
de que a globalização é não só um processo linear, mas também um processo

Volume III. Parte 1. Capítulo 6


Boaventura de Sousa Santos 33

consensual. Trata-se obviamente de uma ideia falsa, como se mostrará adiante.


Mas apesar de falsa é, ela própria, também dominante. E sendo falsa, não deixa
de ter uma ponta de verdade. A globalização, longe de ser consensual, é, como
veremos, um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estados
e interesses hegemónicos, por um lado, e grupos sociais, Estados e interesses
subalternos, por outro; e mesmo no interior do campo hegemónico há divi-
sões mais ou menos significativas. No entanto, por sobre todas as suas divi-
sões internas, o campo hegemónico actua na base de um consenso entre os
seus mais influentes membros. É esse consenso que não só confere à globali-
zação as suas características dominantes, como também legitima estas últi-
mas como as únicas possíveis ou as únicas adequadas. Daí que, da mesma
forma que aconteceu com os conceitos que a precederam, tais como moderni-
zação e desenvolvimento, o conceito de globalização tenha uma componente
descritiva e uma componente prescritiva. Dada a amplitude dos processos em
jogo, a prescrição é um conjunto vasto de prescrições todas elas ancoradas no
consenso hegemónico. Este consenso é conhecido por «consenso neoliberal»
ou «Consenso de Washington» por ter sido em Washington, em meados da
década de oitenta, que ele foi subscrito pelos Estados centrais do sistema mun-
dial, abrangendo o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvi-
mento e especificamente o papel do Estado na economia. Nem todas as dimen-
sões da globalização estão inscritas do mesmo modo neste consenso, mas
todas são afectadas pelo seu impacto. O consenso neoliberal propriamente
dito é um conjunto de quatro consensos adiante mencionados dos quais decor-
rem outros que serão igualmente referidos. Este consenso está hoje relativa-
mente fragilizado em virtude dos crescentes conflitos no interior do campo
hegemónico e da resistência que tem vindo a ser protagonizada pelo campo
subalterno ou contra-hegemónico. Isto é tanto assim que o período actual é já
designado por pós-Consenso de Washington. No entanto, foi esse consenso
que nos trouxe até aqui e é por isso sua a paternidade das características hoje
dominantes da globalização.
Os diferentes consensos que constituem o consenso neoliberal partilham
uma ideia-força que, como tal, constitui um metaconsenso. Essa ideia é a de
que estamos a entrar num período em que desapareceram as clivagens políti-
cas profundas. As rivalidades imperialistas entre os países hegemónicos, que
no século XX provocaram duas guerras mundiais, desapareceram, dando ori-
gem à interdependência entre as grandes potências, à cooperação e à integração
regionais. Hoje em dia, existem apenas pequenas guerras, quase todas na peri-
feria do sistema mundial e muitas delas de baixa intensidade. De todo o modo,
os países centrais, através de vários mecanismos (intervenções selectivas,

Volume III. Parte 1. Capítulo 6


34 Os processos da globalização

manipulação da ajuda internacional, controlo através da dívida externa), têm


Volume I, Parte I, Capítulo 1

meios para manter sob controlo esses focos de instabilidade. Por sua vez, os
conflitos entre capital e trabalho que, por deficiente institucionalização, con-
tribuíram para a emergência do fascismo e do nazismo, acabaram sendo plena-
mente institucionalizados nos países centrais depois da Segunda Guerra Mun-
dial. Hoje, num período pós-fordista, tais conflitos estão a ser relativamente
desinstitucionalizados sem que isso cause qualquer instabilidade porque, entre-
tanto, a classe operária fragmentou-se e estão hoje a emergir novos compromis-
sos de classe menos institucionalizados e a ter lugar em contextos menos cor-
porativistas.
Deste metaconsenso faz ainda parte a ideia de que desapareceram igual-
mente as clivagens entre diferentes padrões de transformação social. Os três
primeiros quartéis do século XX foram dominados pelas rivalidades entre dois
padrões antagónicos: a revolução e o reformismo. Ora se, por um lado, o colapso
da União Soviética e a queda do Muro de Berlim significaram o fim do para-
digma revolucionário, a crise do Estado-Providência nos países centrais e semi-
periféricos significa que está igualmente condenado o paradigma reformista.
O conflito Leste/Oeste desapareceu e arrastou consigo o conflito Norte/Sul
que nunca foi um verdadeiro conflito e que é agora um campo fértil de inter-
dependências e cooperações. Em face disto, a transformação social é, a partir
de agora, não uma questão política, e sim uma questão técnica. Ela não é mais
que a repetição acelerada das relações cooperativas entre grupos sociais e entre
Estados.
Fukuyama (1992), com a sua ideia do fim da história, deu expressão e divul-
gação a este metaconsenso. Huntington (1993) secundou-o com a sua ideia do
«choque de civilizações», ao defender que as clivagens tinham deixado de ser
políticas para passarem a ser civilizacionais. É a ausência das clivagens políti-
cas da modernidade ocidental que leva Huntington a reinventá-las em termos
de uma ruptura entre o Ocidente, agora entendido como tipo de civilização, e o
que misteriosamente designa por «conexão islâmica confucionista». Este meta-
consenso e os que decorrem subjazem às características dominantes da globali-
zação em suas múltiplas facetas a seguir descritas. Pelo que ficou dito atrás e
pela análise que se seguirá, torna-se claro que as características dominantes da
globalização são as características da globalização dominante ou hegemónica.
Mais adiante faremos a distinção, para nós crucial, entre globalização hegemó-
nica e globalização contra-hegemónica.
Boaventura de Sousa Santos 35

2. A GLOBALIZAÇÃO ECONÓMICA E O NEOLIBERALISMO

Fröbel, Heinrichs e Kreye (1980) foram provavelmente os primeiros a falar,


no início da década de oitenta, da emergência de uma nova divisão internacio-
nal do trabalho2, baseada na globalização da produção levada a cabo pelas
empresas multinacionais, gradualmente convertidas em actores centrais da
nova economia mundial. Os traços principais desta nova economia mundial
são os seguintes: economia dominada pelo sistema financeiro e pelo investi-
mento à escala global; processos de produção flexíveis e multilocais; baixos
custos de transporte; revolução nas tecnologias de informação e de comunica-
ção; desregulação das economias nacionais; preeminência das agências finan-
ceiras multilaterais; emergência de três grandes capitalismos transnacionais: o
americano, baseado nos EUA e nas relações privilegiadas deste país com o
Canadá, o México e a América Latina; o japonês, baseado no Japão e nas suas
relações privilegiadas com os quatro pequenos tigres e com o resto da Ásia; e o
europeu, baseado na União Europeia e nas relações privilegiadas desta com a
Europa de Leste e com o Norte de África.
Estas transformações têm vindo a atravessar todo o sistema mundial, ainda
que com intensidade desigual consoante a posição dos países no sistema mun-
dial. As implicações destas transformações para as políticas económicas nacio-
nais podem ser resumidas nas seguintes orientações ou exigências: as econo-
mias nacionais devem abrir-se ao mercado mundial e os preços locais devem
tendencialmente adequar-se aos preços internacionais; deve ser dada prioridade
à economia de exportação; as políticas monetárias e fiscais devem ser orienta-
das para a redução da inflação e da dívida pública e para a vigilância sobre a
balança de pagamentos; os direitos de propriedade privada devem ser claros e
invioláveis; o sector empresarial do Estado deve ser privatizado; a tomada de
decisão privada, apoiada por preços estáveis, deve ditar os padrões nacionais de
especialização, a mobilidade dos recursos, dos investimentos e dos lucros; a
regulação estatal da economia deve ser mínima; deve reduzir-se o peso das polí-
ticas sociais no orçamento do Estado, reduzindo o montante das transferências
sociais, eliminando a sua universalidade, e transformando-as em meras medi-
das compensatórias em relação aos estratos sociais inequivocamente vulnera-
bilizados pela actuação do mercado.3

2. Walton (1985) refere três formas sucessivas de «divisões internacionais do trabalho», caracterizando-se a
última e actual pela globalização da produção levada a cabo pelas multinacionais. Uma revisão das diferentes
abordagens às «novas divisões internacionais do trabalho» pode ser vista em Jenkins (1984). Ver igualmente
Gordon (1988).
3. Ver Stallings (1992a: 3). Em finais da década de oitenta, as empresas multinacionais norte-americanas e
36 Os processos da globalização

Centrando-se no impacto urbano da globalização económica, Saskia Sassen


Volume I, Parte I, Capítulo 1

detecta mudanças profundas na geografia, na composição e estrutura institu-


cional da economia global (Sassen, 1994: 10). No que respeita à nova geografia,
argumenta que «comparativamente aos anos cinquenta, os anos oitenta conhe-
ceram um estreitamento da geografia da economia global e a acentuação do
eixo Este-Leste. Isto torna-se evidente com o enorme crescimento do investi-
mento dentro do que é muitas vezes denominado pela Tríade: os Estados Uni-
dos da América, a Europa Ocidental e o Japão» (Sassen, 1994: 10). Outra carac-
terística da nova geografia é que o investimento estrangeiro directo, do qual,
durante uns tempos, a América Latina foi o maior beneficiário, dirigiu-se para
Leste, Sul e Sudeste Asiático, onde a taxa anual de crescimento aumentou em
média 37% por ano entre 1985 e 1989. Por outro lado, enquanto nos anos cin-
quenta o maior fluxo internacional era o comércio mundial, concentrado nas
matérias-primas, outros produtos primários e recursos manufacturados, a par-
tir dos anos oitenta a distância entre o crescimento da taxa de exportações e o
crescimento da taxa dos fluxos financeiros aumentou drasticamente: após a
crise de 1981-82 e até 1990, o investimento estrangeiro directo global cresceu
em média 29% por ano, uma subida histórica (Sassen, 1994: 14).
Por fim, no que toca à estrutura institucional, Sassen defende que estamos
perante um novo regime internacional, baseado na ascendência da banca e dos
serviços internacionais. As empresas multinacionais são agora um importante
elemento da estrutura institucional, juntamente com os mercados financeiros
globais e com os blocos comerciais transnacionais. De acordo com Sassen,
todas estas mudanças contribuíram para a formação de novos locais estratégi-
cos na economia mundial: zonas de processamento para exportação, centros
financeiros offshore e cidades globais (Sassen, 1994: 18). Uma das transforma-
ções mais dramáticas produzidas pela globalização económica neoliberal reside
na enorme concentração de poder económico por parte das empresas multina-
cionais: das 100 maiores economias do mundo, 47 são empresas multinacio-
nais; 70% do comércio mundial é controlado por 500 empresas multinacionais;
1% das empresas multinacionais detém 50% do investimento directo estran-
geiro (Clarke, 1996).
Em suma, a globalização económica é sustentada pelo consenso económico
neoliberal cujas três principais inovações institucionais são: restrições drásti-

estrangeiras protagonizaram 80% do comércio internacional nos EUA e mais de um terço dos negócios interna-
cionais norte-americanos foi, na verdade, intra-empresarial, i.e., decorreu entre diferentes unidades, geografica-
mente separadas, da mesma empresa. Para além disso, hoje em dia, quase todo o investimento estrangeiro
directo e uma larga parte das transferências tecnológicas são efectuados pelas empresas multinacionais (Sassen,
1994: 14).
Boaventura de Sousa Santos 37

cas à regulação estatal da economia; novos direitos de propriedade internacio-


nal para investidores estrangeiros, inventores e criadores de inovações suscep-
tíveis de serem objecto de propriedade intelectual (Robinson, 1995: 373); subor-
dinação dos Estados nacionais às agências multilaterais tais como o Banco
Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do
Comércio. Dado o carácter geral deste consenso, as receitas em que ele se tra-
duziu foram aplicadas, ora com extremo rigor (o que designo por modo da jaula
de ferro), ora com alguma flexibilidade (o modo da jaula de borracha). Por
exemplo, os países asiáticos evitaram durante muito tempo aplicar integral-
mente as receitas e alguns deles, como, por exemplo, a Índia e a Malásia, con-
seguiram até hoje aplicá-las apenas selectivamente.
Como veremos a seguir, são os países periféricos e semiperiféricos os que
mais estão sujeitos às imposições do receituário neoliberal, uma vez que este é
transformado pelas agências financeiras multilaterais em condições para a rene-
gociação da dívida externa através dos programas de ajustamento estrutural.
Mas, dado o crescente predomínio da lógica financeira sobre a economia real,
mesmo os Estados centrais, cuja dívida pública tem vindo a aumentar, estão
sujeitos às decisões das agências financeiras de rating, ou seja, das empresas
internacionalmente acreditadas para avaliar a situação financeira dos Estados e
os consequentes riscos e oportunidades que eles oferecem aos investidores
internacionais. Por exemplo, a baixa de nota decretada pela empresa Moody’s à
dívida pública da Suécia e do Canadá em meados da década de noventa foi deci-
siva para os cortes nas despesas sociais adoptados pelos dois países (Chossu-
dovsky, 1997: 18).

3. A GLOBALIZAÇÃO SOCIAL E AS DESIGUALDADES

Quanto às relações sociopolíticas, tem sido defendido que, embora o sis-


tema mundial moderno tenha sido sempre estruturado por um sistema de
classes, uma classe capitalista transnacional está hoje a emergir cujo campo
de reprodução social é o globo enquanto tal e que facilmente ultrapassa as
organizações nacionais de trabalhadores, bem como os Estados externamente
fracos da periferia e da semiperiferia do sistema mundial.
As empresas multinacionais são a principal forma institucional desta
classe capitalista transnacional e a magnitude das transformações que elas
estão a suscitar na economia mundial está patente no facto de que mais de um
terço do produto industrial mundial é produzido por estas empresas e de que
uma percentagem muito mais elevada é transaccionado entre elas. Embora a
38 Os processos da globalização

novidade organizacional das empresas multinacionais possa ser questionada,


Volume I, Parte I, Capítulo 1

parece inegável que a sua prevalência na economia mundial e o grau e eficácia


da direcção centralizada que elas adquirem as distingue das formas preceden-
tes de empresas internacionais (Becker e Sklar, 1987: 2).
O impacto das empresas multinacionais nas novas formações de classe e
na desigualdade a nível mundial tem sido amplamente debatido nos últimos
anos.4 Dentro da tradição da teoria da dependência, Evans foi um dos primei-
ros a analisar a «tripla aliança» entre as empresas multinacionais, a elite capi-
talista local e o que chama «burguesia estatal» enquanto base da dinâmica de
industrialização e do crescimento económico de um país semiperiférico como
o Brasil (Evans, 1979, 1986). Becker e Sklar, que propõem a teoria do pós-impe-
rialismo, falam de uma emergente burguesia de executivos, uma nova classe
social saída das relações entre o sector administrativo do Estado e as grandes
empresas privadas ou privatizadas. Esta nova classe é composta por um ramo
local e por um ramo internacional. O ramo local, a burguesia nacional, é uma
categoria socialmente ampla que envolve a elite empresarial, os directores de
empresas, os altos funcionários do Estado, líderes políticos e profissionais
influentes. Apesar de toda a heterogeneidade, estes diferentes grupos consti-
tuem, de acordo com os autores, uma classe, «porque os seus membros, apesar
da diversidade dos seus interesses sectoriais, partilham uma situação comum
de privilégio socioeconómico e um interesse comum de classe nas relações do
poder político e do controlo social que são intrínsecas ao modo de produção
capitalista». O ramo internacional, a burguesia internacional, é composta
pelos gestores das empresas multinacionais e pelos dirigentes das instituições
financeiras internacionais (1987: 7).
As novas desigualdades sociais produzidas por esta estrutura de classe têm
vindo a ser amplamente reconhecidas mesmo pelas agências multilaterais que
têm liderado este modelo de globalização, como o Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional. Para Evans, o modelo de industrialização e cresci-
mento baseado na «tripla aliança» é inerentemente injusto e apenas capaz de
um tipo de redistribuição «da massa da população para a burguesia estatal, as

4. Sobre o impacto das empresas multinacionais, ver o capítulo 3, «The Largest Transnational Corporations and
Corporate Stategies», do relatório da UNCTAD de 1999 World Investment Report, 1999. Foreign Direct Invest-
ment and the Challenge of Development (disponível na Internet: <www.unctad.org/en/pub/ps1wir99.htm>).
Segundo este relatório, as empresas multinacionais lideram a produção internacional – entendendo-se por tal a
produção de bens e serviços num dado país, controlada e gerida por empresas com sede noutro país – e esta
liderança concentra-se cada vez mais nos países centrais. Cerca de 90% das 100 maiores empresas multina-
cionais estão sediadas nos países desenvolvidos. Com isto aumenta também a pressão destas empresas no sen-
tido da liberalização do investimento estrangeiro directo: das 145 alterações na regulação do investimento
directo estrangeiro decretadas em todo o mundo em 1998, 136 foram no sentido de criar condições mais favo-
ráveis ao investimento.
Boaventura de Sousa Santos 39

multinacionais e o capital local. A manutenção de um equilíbrio delicado


entre os três parceiros milita contra qualquer possibilidade de um tratamento
sério às questões da redistribuição de rendimentos, mesmo que membros da
elite expressem um apoio ao princípio teórico da redistribuição de rendimen-
tos» (1979: 288). Em comparações mais recentes entre os modelos e padrões
de desigualdade social da América Latina e do Leste Asiático, Evans acres-
centa outros factores que, em sua opinião, podem ter contribuído para que o
modelo de desenvolvimento asiático tenha produzido relativamente menos
desigualdades que o modelo brasileiro. Entre esses factores contabiliza, a favor
do modelo asiático, a maior autonomia do Estado, a eficiência da burocracia
estatal, a reforma agrária e a existência de um período inicial de protecção em
relação ao capitalismo dos países centrais (1987).5
É hoje evidente que a iniquidade da distribuição da riqueza mundial se agra-
vou nas duas últimas décadas: 54 dos 84 países menos desenvolvidos viram o
seu PNB per capita decrescer nos anos 80; em 14 deles a diminuição rondou
os 35%; segundo o Relatório do Programa para o Desenvolvimento das Nações
Unidas de 2001 (PNUD, 2001), mais de 1,2 biliões de pessoas (pouco menos
que 1/4 da população mundial) vivem na pobreza absoluta, ou seja, com um
rendimento inferior a um dólar por dia e outros 2,8 biliões vivem apenas com
o dobro desse rendimento (PNUD, 2001: 9).6 Segundo o Relatório do Desen-
volvimento do Banco Mundial de 1995, o conjunto dos países pobres, onde
vive 85,2% da população mundial, detém apenas 21,5% do rendimento mun-
dial, enquanto o conjunto dos países ricos, com 14,8% da população mundial,
detém 78,5% do rendimento mundial. Uma família africana média consome
hoje 20% menos do que consumia há 25 anos. Segundo o Banco Mundial, o
continente africano foi o único em que, entre 1970 e 1997, se verificou um
decréscimo da produção alimentar (World Bank, 1998). O aumento das desi-
gualdades tem sido tão acelerado e tão grande que é adequado ver as últimas
décadas como uma revolta das elites contra a redistribuição da riqueza com a
qual se põe fim ao período de uma certa democratização da riqueza iniciado
no final da Segunda Guerra Mundial. Segundo o Relatório do Desenvolvi-
mento Humano do PNUD relativo a 1999, os 20% da população mundial a
viver nos países mais ricos detinham, em 1997, 86% do produto bruto mun-

5. No mesmo sentido, cf. Wade (1990, 1996) e Whitley (1992).


6. Segundo o mesmo relatório, 46% da população mundial a viver em pobreza absoluta vive na África subsa-
riana, 40% no Sul da Ásia e 15% no Extremo Oriente, Pacífico e América Latina. De qualquer modo, a propor-
ção de pessoas a viver em pobreza absoluta diminuiu entre 1993 e 1998 de 29% para 24% (PNUD, 2001:
22). Ver também Kennedy (1993: 193-228) e Chossudovsky (1997). De acordo com Maizels (1992) as expor-
tações de bens primários do Terceiro Mundo aumentaram quase 100% durante o período 1980-88. Mas as
receitas obtidas em 1988 foram 30% inferiores às obtidas em 1980. Ver também Singh (1993).
40 Os processos da globalização

dial, enquanto os 20% mais pobres detinham apenas 1%. Segundo o mesmo
Volume I, Parte I, Capítulo 1

Relatório, mas relativo a 2001, no quinto mais rico concentram-se 79% dos
utilizadores da Internet. As desigualdades neste domínio mostram quão dis-
tantes estamos de uma sociedade de informação verdadeiramente global. A
largura da banda de comunicação electrónica de São Paulo, uma das socieda-
des globais, é superior à de África no seu todo. E a largura da banda usada em
toda a América Latina é quase igual à disponível para a cidade de Seul (PNUD,
2001: 3).
Nos últimos trinta anos a desigualdade na distribuição dos rendimentos
entre países aumentou dramaticamente. A diferença de rendimento entre o
quinto mais rico e o quinto mais pobre era, em 1960, de 30 para 1, em 1990, de
60 para 1 e, em 1997, de 74 para 1. As 200 pessoas mais ricas do mundo aumen-
taram para mais do dobro a sua riqueza entre 1994 e 1998. A riqueza dos três
mais ricos bilionários do mundo excede a soma do produto interno bruto dos
48 países menos desenvolvidos do mundo (PNUD, 2001).
A concentração da riqueza produzida pela globalização neoliberal atinge
proporções escandalosas no país que tem liderado a aplicação do novo modelo
económico, os EUA. Já no final da década de oitenta, segundo dados do Federal
Reserve Bank, 1% das famílias norte-americanas detinha 40% da riqueza do
país e as 20% mais ricas detinham 80% da riqueza do país. Segundo o Banco,
esta concentração não tinha precedentes na história dos EUA, nem compara-
ção com os outros países industrializados (Mander, 1996: 11).
No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o cres-
cimento e a estabilidade económicos assentam na redução dos custos sala-
riais, para o que é necessário liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os
direitos laborais, proibindo a indexação dos salários aos ganhos de produtivi-
dade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando a prazo a
legislação sobre salário mínimo. O objectivo é impedir «o impacto inflacioná-
rio dos aumentos salariais». A contracção do poder de compra interno que
resulta desta política deve ser suprida pela busca de mercados externos. A eco-
nomia é, assim, dessocializada, o conceito de consumidor substitui o de cida-
dão e o critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser a solvência.
Os pobres são os insolventes (o que inclui os consumidores que ultrapassam
os limites do sobreendividamento). Em relação a eles devem adoptar-se medi-
das de luta contra a pobreza, de preferência medidas compensatórias que mino-
rem, mas não eliminem, a exclusão, já que esta é um efeito inevitável (e, por
isso, justificado) do desenvolvimento assente no crescimento económico e na
competitividade a nível global. Este consenso neoliberal entre os países cen-
trais é imposto aos países periféricos e semiperiféricos através do controlo da
Boaventura de Sousa Santos 41

dívida externa efectuado pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco


Mundial. Daí que estas duas instituições sejam consideradas responsáveis pela
«globalização da pobreza» (Chossudovsky, 1997). A nova pobreza globalizada
não resulta de falta de recursos humanos ou materiais, mas tão só do desem-
prego, da destruição das economias de subsistência e da minimização dos cus-
tos salariais à escala mundial.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, os países pobres têm a seu cargo
90% das doenças que ocorrem no mundo, mas não têm mais do 10% dos recur-
sos globalmente gastos em saúde; 1/5 da população mundial não tem qualquer
acesso a serviços de saúde modernos e metade da população mundial não tem
acesso a medicamentos essenciais. A área da saúde é talvez aquela em que de
modo mais chocante se revela a iniquidade do mundo. Segundo o último Rela-
tório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, em 1998, 968 milhões
de pessoas não tinham acesso a água potável, 2,4 biliões (pouco menos que
metade da população mundial) não tinha acesso a cuidados básicos de saúde;
em 2000, 34 milhões de pessoas estavam infectadas com HIV/SIDA, dos quais
24,5 milhões na África subsariana (UNAIDS, 2000: 6); em 1998, morriam
anualmente 12 milhões de crianças (com menos de 5 anos) de doenças curá-
veis (UNICEF, 2000). As doenças que mais afectam a população pobre do
mundo são a malária, a tuberculose e a diarreia.7 Ante este quadro não pode
ser mais chocante a distribuição mundial dos gastos com a saúde e a investi-
gação médica. Por exemplo, apenas 0,1% do orçamento da pesquisa médica e
farmacêutica mundial – cerca de 100 milhões de dólares em 1998 (PNUD,
2001: 3) – é destinado à malária, enquanto a quase totalidade dos 26,4 biliões
de dólares investidos em pesquisa pelas multinacionais farmacêuticas se des-
tina às chamadas «doenças dos países ricos»: cancro, doenças cardiovascula-
res, do sistema nervoso, doenças endócrinas e do metabolismo. O que não
admira se tivermos em mente que a América Latina representa apenas 4% das
vendas farmacêuticas globais e a África, 1%. É por isso também que apenas
1% das novas drogas comercializadas pelas companhias farmacêuticas multi-
nacionais entre 1975 e 1997 se destinaram especificamente ao tratamento de
doenças tropicais que afectam o Terceiro Mundo (Silverstein, 1999).
Apesar do aumento chocante da desigualdade entre países pobres e países
ricos, apenas 4 destes últimos cumprem a sua obrigação moral de contribuir
com 0,7% do Produto Interno Bruto para a ajuda ao desenvolvimento. Aliás,
segundo dados da OCDE, esta percentagem diminui entre 1987 e 1997 de 0,33

7. Em 1995, a malária afectava, por cada 100 habitantes, 16 pessoas no Quénia, 21 na Nova Guiné Papua,
33 na Zâmbia (PNUD, 1999).
42 Os processos da globalização

para 0,22 (OCDE/DAC, 2000). O mais perverso dos programas de ajuda inter-
Volume I, Parte I, Capítulo 1

nacional é o facto de eles ocultarem outros mecanismos de transferências


financeiras em que os fluxos são predominantemente dos países mais pobres
para os países mais ricos. É o que se passa, por exemplo, com a dívida externa.
O valor total da dívida externa dos países da África subsariana (em milhões de
dólares) aumentou entre 1980 e 1995 de 84.119 para 226.483; no mesmo
período, e em percentagem do PIB, aumentou de 30,6% para 81,3% e, em per-
centagem de exportações, de 91,7% para 241,7% (World Bank, 1997: 247). No
final do século XX, a África pagava 1,31 dólar de dívida externa por cada dólar
de ajuda internacional que recebia (World Bank, 2000). O Fundo Monetário
Internacional tem basicamente funcionado como a instituição que garante
que os países pobres, muitos deles cada vez mais pobres e endividados, paguem
as suas dívidas aos países ricos (Estados, bancos privados, agências multilate-
rais) nas condições (juros, por exemplo) impostas por estes. Mas as transferên-
cias líquidas do Sul para o Norte assumem muitas outras formas como, por
exemplo, a «fuga dos cérebros»: segundo as Nações Unidas, cerca de 100.000
profissionais indianos imigram para os EUA, o que corresponde a uma perda
de 2 biliões de dólares para a Índia (PNUD, 2001: 5).

4. A GLOBALIZAÇÃO POLÍTICA E O ESTADO-NAÇÃO

A nova divisão internacional do trabalho, conjugada com a nova economia


política «pró-mercado», trouxe também algumas importantes mudanças para o
sistema interestatal, a forma política do sistema mundial moderno. Por um lado,
os Estados hegemónicos, por eles próprios ou através das instituições interna-
cionais que controlam (em particular as instituições financeiras multilaterais),
comprimiram a autonomia política e a soberania efectiva dos Estados periféri-
cos e semiperiféricos com uma intensidade sem precedentes, apesar de a capa-
cidade de resistência e negociação por parte destes últimos poder variar
imenso.8 Por outro lado, acentuou-se a tendência para os acordos políticos inter-
estatais (União Europeia, NAFTA, Mercosul). No caso da União Europeia,
esses acordos evoluíram para formas de soberania conjunta ou partilhada. Por
último, ainda que não menos importante, o Estado-nação parece ter perdido a
sua centralidade tradicional enquanto unidade privilegiada de iniciativa econó-
mica, social e política. A intensificação de interacções que atravessam as fron-
teiras e as práticas transnacionais corroem a capacidade do Estado-nação para

8. Ver Stallings (1992b). Da perspectiva das relações internacionais, ver Durand et al. (1993).
Boaventura de Sousa Santos 43

conduzir ou controlar fluxos de pessoas, bens, capital ou ideias, como o fez no


passado.
O impacto do contexto internacional na regulação do Estado-nação, mais do
que um fenómeno novo, é inerente ao sistema interestatal moderno e está ins-
crito no próprio Tratado de Vestefália (1648) que o constitui. Também não é
novo o facto de o contexto internacional exercer tendencialmente uma influên-
cia particularmente forte no campo da regulação jurídica da economia, como
testemunham os vários projectos de modelização e unificação do direito econó-
mico desenvolvidos ao longo do século XX por especialistas de direito compa-
rado e concretizados por organizações internacionais e governos nacionais.
Como os próprios nomes dos projectos indicam, a pressão internacional tem
sido, tradicionalmente, no sentido da uniformização e da normalização, o que é
bem ilustrado pelos projectos pioneiros de Ernest Rabel, em inícios da década
de 30, e pela constituição do Instituto Internacional para a Unificação do
Direito Privado (UNIDROIT) com o objectivo de unificar o direito dos contra-
tos internacionais, o que conduziu, por exemplo, à lei uniformizada na forma-
ção de contratos de vendas internacionais (ULFIS, 1964), e a Convenção na
venda internacional de bens (CISG, 1980) (van der Velden, 1984: 233).
A tradição da globalização é para alguns muito mais longa. Por exemplo,
Tilly distingue quatro ondas de globalização no passado milénio: nos séculos
XIII, XVI, XIX e no final do século XX (1995). Apesar desta tradição histórica, o
impacto actual da globalização na regulação estatal parece ser um fenómeno
qualitativamente novo, por duas razões principais. Em primeiro lugar, é um
fenómeno muito amplo e vasto que cobre um campo muito grande de inter-
venção estatal e que requer mudanças drásticas no padrão de intervenção. Para
Tilly, o que distingue a actual onda de globalização da onda que ocorreu no
século XIX é o facto de esta última ter contribuído para o fortalecimento do
poder dos Estados centrais (ocidentais), enquanto a actual globalização produz
o enfraquecimento dos poderes do Estado. A pressão sobre os Estados é agora
relativamente monolítica – o «Consenso de Washington» – e em seus termos o
modelo de desenvolvimento orientado para o mercado é o único modelo com-
patível com o novo regime global de acumulação, sendo, por isso, necessário
impor, à escala mundial, políticas de ajustamento estrutural. Esta pressão cen-
tral opera e reforça-se em articulações com fenómenos e desenvolvimentos tão
díspares como o fim da guerra fria, as inovações dramáticas nas tecnologias de
comunicação e de informação, os novos sistemas de produção flexível, a emer-
gência de blocos regionais, a proclamação da democracia liberal como regime
político universal, a imposição global do mesmo modelo de lei de protecção da
propriedade intelectual, etc.
44 Os processos da globalização

Quando comparado com os processos de transnacionalização precedentes, o


Volume I, Parte I, Capítulo 1

alcance destas pressões torna-se particularmente visível uma vez que estas
ocorrem após décadas de intensa regulação estatal da economia, tanto nos paí-
ses centrais como nos países periféricos e semiperiféricos. A criação de requi-
sitos normativos e institucionais para as operações do modelo de desenvolvi-
mento neoliberal envolve, por isso, uma destruição institucional e normativa
de tal modo maciça que afecta, muito para além do papel do Estado na econo-
mia, a legitimidade global do Estado para organizar a sociedade.
O segundo factor de novidade da globalização política actual é que as assi-
metrias do poder transnacional entre o centro e a periferia do sistema mundial,
i.e., entre o Norte e o Sul, são hoje mais dramáticas do que nunca. De facto, a
soberania dos Estados mais fracos está agora directamente ameaçada, não tanto
pelos Estados mais poderosos, como costumava ocorrer, mas sobretudo por
agências financeiras internacionais e outros actores transnacionais privados,
tais como as empresas multinacionais. A pressão é, assim, apoiada por uma
coligação transnacional relativamente coesa, utilizando recursos poderosos e
mundiais.
Tendo em mente a situação na Europa e na América do Norte, Bob Jessop
identifica três tendências gerais na transformação do poder do Estado. Em pri-
meiro lugar, a desnacionalização do Estado, um certo esvaziamento do apare-
lho do Estado nacional que decorre do facto de as velhas e novas capacidades do
Estado estarem a ser reorganizadas, tanto territorial como funcionalmente, aos
níveis subnacional e supranacional. Em segundo lugar, a des-estatização dos
regimes políticos reflectida na transição do conceito de governo (government)
para o de governação (governance), ou seja, de um modelo de regulação social e
económica assente no papel central do Estado para um outro assente em parce-
rias e outras formas de associação entre organizações governamentais, para-
-governamentais e não-governamentais, nas quais o aparelho de Estado tem
apenas tarefas de coordenação enquanto primus inter pares. E, finalmente, uma
tendência para a internacionalização do Estado nacional expressa no aumento
do impacto estratégico do contexto internacional na actuação do Estado, o que
pode envolver a expansão do campo de acção do Estado nacional sempre que
for necessário adequar as condições internas às exigências extra-territoriais ou
transnacionais (Jessop, 1995: 2).
Apesar de não se esgotar nele, é no campo da economia que a transnaciona-
lização da regulação estatal adquire uma maior saliência. No que respeita aos
países periféricos e semiperiféricos, as políticas de «ajustamento estrutural» e
de «estabilização macroeconómica» – impostas como condição para a renego-
ciação da dívida externa – cobrem um enorme campo de intervenção econó-
Boaventura de Sousa Santos 45

mica, provocando enorme turbulência no contrato social, nos quadros legais e


nas molduras institucionais: a liberalização dos mercados; a privatização das
indústrias e serviços; a desactivação das agências regulatórias e de licencia-
mento; a desregulação do mercado de trabalho e a «flexibilização» da relação
salarial; a redução e a privatização, pelo menos parcial, dos serviços de bem-
-estar social (privatização dos sistemas de pensões, partilha dos custos dos ser-
viços sociais por parte dos utentes, critérios mais restritos de elegibilidade para
prestações de assistência social, expansão do chamado terceiro sector, o sector
privado não lucrativo, criação de mercados no interior do próprio Estado, como,
por exemplo, a competição mercantil entre hospitais públicos); uma menor
preocupação com temas ambientais; as reformas educacionais dirigidas para a
formação profissional mais do que para a construção de cidadania; etc. Todas
estas exigências do «Consenso de Washington» exigem mudanças legais e ins-
titucionais maciças. Dado que estas mudanças têm lugar no fim de um período
mais ou menos longo de intervenção estatal na vida económica e social (não
obstante as diferenças consideráveis no interior do sistema mundial), o retrai-
mento do Estado não pode ser obtido senão através da forte intervenção estatal.
O Estado tem de intervir para deixar de intervir, ou seja, tem de regular a sua
própria desregulação.
Um dos mais drásticos exemplos de transnacionalização da regulação regis-
tou-se no campo das telecomunicações. Este é um domínio no qual, até metade
dos anos setenta, o campo regulatório era absolutamente dominado pelo Estado.
A maior parte dos países tinha adoptado o princípio do «monopólio natural»
das telecomunicações e estas funcionavam como um departamento estatal
igual a qualquer outro. O monopólio de serviços e equipamentos era conside-
rado a forma mais eficiente e equitativa de disponibilizar este serviço público,
quer a nível interno, quer a nível internacional. Considerava-se também que a
segurança nacional exigia o monopólio estatal das telecomunicações. Aliás, a
classe política via no monopólio estatal uma fonte virtualmente infinita de
dividendos políticos. Tendo presente, em especial, o caso dos EUA e dos outros
países centrais, Peter Cowhey afirma que:

Uma vez que as pessoas mais caras de servir pelas telecomunicações (basicamente o
telefone) estavam nas áreas menos povoadas e dado que estas populações detinham,
em geral, um desproporcionado poder político e eleitoral (as zonas rurais do Sul e do
Centro dos EUA), era tentador para os políticos construir sistemas monopolistas que
encorajassem o estabelecimento de preços em função de custos médios para um con-
junto de serviços uniformizados. A inovação tecnológica mantinha baixos os custos
absolutos, os subsídios cruzados mantinham felizes os constituintes mais importan-
46 Os processos da globalização

tes e os governos podiam realçar o seu papel na promoção da equidade, definida como
Volume I, Parte I, Capítulo 1

um serviço universal prestado em termos vagamente comparáveis em todo o país.


Esperava-se que os beneficiários especiais do sistema se organizassem em força para
eliminar qualquer factor perturbador. Nenhum agente económico ou político podia
imaginar qualquer vantagem em questionar o cartel telefónico, dadas as rígidas bar-
reiras políticas para entrar. (1990: 184)9

O controlo estatal sobre as comunicações internas estendeu-se às comuni-


cações internacionais através dos serviços fornecidos em parcerias interestatais
e das redes e equipamentos normalizados.
Este modo de regulação, que perdurou durante cerca de 100 anos, começou
a mudar nos anos setenta e as mudanças tornaram-se drásticas na década de
noventa. Até este momento, nenhum modo de regulação unificado substituiu
o antigo e o campo das telecomunicações está a atravessar um período de
grande turbulência. A tendência geral consiste em substituir até ao máximo
que for possível o princípio do Estado pelo princípio do mercado e implica pres-
sões por parte de países centrais e das empresas multinacionais sobre os países
periféricos e semiperiféricos no sentido de adoptarem ou se adaptarem às trans-
formações jurídicas e institucionais que estão a ocorrer no centro do sistema
mundial. Dois factores estratégicos parecem estar por detrás deste desenvolvi-
mento. Por um lado, a inovação e difusão tecnológica: a revolução dos micro-
-chips; as comunicações por satélite; a emergência da tecnologia digital e a con-
sequente eliminação da distinção entre comunicações e processamento de
dados. Por outro, a estrutura oligopsónica do mercado de telecomunicações e
do poder político dos actores principais: os maiores utilizadores das telecomu-
nicações são em número cada vez menor e economicamente cada vez mais
poderosos; podem fácil e eficazmente organizar grupos de pressão política.
Sem surpresa, esta transformação legal começou nos EUA e tem-se dissemi-
nado por todo o globo. Tendo vencido a batalha em casa, as empresas multina-
cionais de telecomunicações norte-americanas tornaram-se os promotores mais
agressivos da reforma regulatória a nível mundial, utilizando para isso o poder
de negociação dos EUA. No início da década de noventa dois caminhos esta-
vam a ser seguidos pelos países centrais para transformar o regime das teleco-
municações (Cowhey, 1990: 188). O primeiro era o caminho big bang, seguido
pelos EUA, Reino Unido e Japão, países que, em conjunto, constituem 60% do
mercado mundial de telecomunicações. O big bang consiste na liberalização
unilateral e total das telecomunicações, não só dos serviços avançados, mas

9. Ver também Nugter e Smits (1989).


Boaventura de Sousa Santos 47

também dos serviços básicos, equipamentos e infraestruturas. O segundo cami-


nho era o little bang, adoptado por outros países centrais, sobretudo pelos paí-
ses europeus.10 Consiste numa liberalização parcial por diversas vias, tais como:
separando os serviços de correio dos serviços telefónicos e os serviços elemen-
tares dos serviços avançados (i.e., correio expresso, correio electrónico e vídeo-
-conferências), com o objectivo de reduzir os subsídios cruzados11; criando agên-
cias regulatórias com maior autonomia em relação ao Governo; concedendo
direitos e vantagens especiais aos grandes utentes; reduzindo os subsídios aos
agregados familiares e às pequenas empresas, ainda que fazendo-o de um modo
muito lento para não alienar politicamente estes sectores sociais.
Apesar das diferenças, os dois caminhos – o big bang anglo-saxónico e o
little bang europeu – têm muito em comum. Aliás, a diferença inicial entre
eles foi-se atenuando ao longo da década de noventa. Esta aproximação culmi-
nou na Cimeira do Conselho Europeu realizada em Lisboa a 23-24 de Março de
2000 onde se propôs e calendarizou a liberalização total das telecomunicações
e, portanto, a adoptação do big bang na União Europeia.12 Menos de 20 países
industrializados constituem uma fatia esmagadora do mercado mundial de ser-
viços e equipamentos de telecomunicações, e detêm, por isso, o poder de mer-
cado suficiente para impor e garantir mudanças profundas no regime das tele-
comunicações.
As telecomunicações são cada vez mais a infraestrutura física de um tempo-
-espaço emergente: o tempo-espaço electrónico, o ciber-espaço ou o tempo-
-espaço instantâneo. Este novo tempo-espaço tornar-se-á gradualmente o
tempo-espaço privilegiado dos poderes globais. Através das redes metropolita-
nas e dos cibernódulos, esta forma de poder é exercida global e instantanea-
mente, afastando, ainda mais, a velha geografia do poder centrada em torno do
Estado e do seu tempo-espaço.
Uma análise mais aprofundada dos traços dominantes da globalização polí-
tica – que são, de facto, os traços da globalização política dominante – leva-nos
a concluir que subjazem a esta três componentes do Consenso de Washington:
o consenso do Estado fraco; o consenso da democracia liberal; o consenso do
primado do direito e do sistema judicial.

10. Ver também Riess (1991); Huet e Maisl (1989).


11. Os subsídios cruzados ocorrem, por exemplo, quando o custo adicional dos serviços mais caros é dissolvido
em cálculos de custo médio. Desta forma, os utilizadores dos serviços mais baratos, normalmente as classes
sociais mais baixas, subsidiam os utilizadores dos serviços mais caros que em geral pertencem às classes sociais
mais altas.
12. Sobre a evolução da liberalização das telecomunicações na União Europeia ver, por último, Eliassen e
Sjovaag (1999).
48 Os processos da globalização

O consenso do Estado fraco é, sem dúvida, o mais central e dele há ampla


Volume I, Parte I, Capítulo 1

prova no que ficou descrito acima. Na sua base está a ideia de que o Estado é o
oposto da sociedade civil e potencialmente o seu inimigo. A economia neoli-
beral necessita de uma sociedade civil forte e para que ela exista é necessário
que o Estado seja fraco. O Estado é inerentemente opressivo e limitativo da
sociedade civil, pelo que só reduzindo o seu tamanho é possível reduzir o seu
dano e fortalecer a sociedade civil. Daí que o Estado fraco seja também ten-
dencialmente o Estado mínimo. Esta ideia fora inicialmente defendida pela
teoria política liberal, mas foi gradualmente abandonada à medida que o capi-
talismo nacional, enquanto relação social e política, foi exigindo maior inter-
venção estatal. Deste modo, a ideia do Estado como oposto da sociedade civil
foi substituída pela ideia do Estado como espelho da sociedade civil. A partir
de então um Estado forte passou a ser a condição de uma sociedade civil forte.
O consenso do Estado fraco visa repor a ideia liberal original.
Esta reposição tem-se revelado extremamente complexa e contraditória
e, talvez por isso, o consenso do Estado fraco é, de todos os consensos neoli-
berais, o mais frágil e mais sujeito a correcções. É que o «encolhimento» do
Estado – produzido pelos mecanismos conhecidos, tais como a desregulação,
as privatizações e a redução dos serviços públicos – ocorre no final de um
período de cerca de cento e cinquenta anos de constante expansão regulató-
ria do Estado. Assim, como referi atrás, desregular implica uma intensa acti-
vidade regulatória do Estado para pôr fim à regulação estatal anterior e criar
as normas e as instituições que presidirão ao novo modelo de regulação
social. Ora tal actividade só pode ser levada a cabo por um Estado eficaz e
relativamente forte. Tal como o Estado tem de intervir para deixar de inter-
vir, também só um Estado forte pode produzir com eficácia a sua fraqueza.
Esta antinomia foi responsável pelo fracasso da estratégia dos USAID e do
Banco Mundial para a reforma política do Estado russo depois do colapso do
comunismo. Tais reformas assentaram no desmantelamento quase total do
Estado soviético na expectativa de que dos seus escombros emergisse um
Estado fraco e, consequentemente, uma sociedade civil forte. Para surpresa
dos progenitores, o que emergiu destas reformas foi um governo de mafias
(Hendley, 1995). Talvez por isso o consenso do Estado fraco foi o que mais
cedo deu sinais de fragilização, como bem demonstra o relatório do Banco
Mundial de 1997, dedicado ao Estado e no qual se reabilita a ideia de regula-
ção estatal e se põe o acento tónico na eficácia da acção estatal (Banco Mun-
dial, 1997).
O consenso da democracia liberal visa dar forma política ao Estado fraco,
mais uma vez recorrendo à teoria política liberal que particularmente nos
Boaventura de Sousa Santos 49

seus primórdios defendera a convergência necessária entre liberdade política


e liberdade económica, as eleições livres e os mercados livres como os dois
lados da mesma moeda: o bem comum alcançável através das acções de indi-
víduos utilitaristas envolvidos em trocas competitivas com o mínimo de
interferência estatal. A imposição global deste consenso hegemónico tem
criado muitos problemas, quanto mais não seja porque se trata de um modelo
monolítico a ser aplicado em sociedades e realidades muito distintas. Por
essa razão, o modelo de democracia adoptado como condicionalidade polí-
tica da ajuda e do financiamento internacional tende a converter-se numa
versão abreviada, senão mesmo caricatural, da democracia liberal. Para cons-
tatar isto mesmo, basta comparar a realidade política dos países sujeitos às
condicionalidades do Banco Mundial e as características da democracia libe-
ral, tal como são descritas por David Held: o governo eleito; eleições livres e
justas em que os votos de todos os cidadãos têm o mesmo peso; um sufrágio
que abrange todos os cidadãos independentemente de distinções de raça, reli-
gião, classe, sexo, etc.; liberdade de consciência, informação e expressão em
todos os assuntos públicos definidos como tal com amplitude; o direito de
todos os adultos a opor-se ao governo e serem elegíveis; liberdade de associa-
ção e autonomia associativa entendida como o direito de criar associações
independentes, incluindo movimentos sociais, grupos de interesse e parti-
dos políticos (1993: 21). Claro que a ironia desta enumeração é que, à luz
dela, as democracias reais dos países hegemónicos, se não são versões carica-
turais, são pelo menos versões abreviadas do modelo de democracia liberal.
O consenso sobre o primado do direito e do sistema judicial é uma das
componentes essenciais da nova forma política do Estado e é também o que
melhor procura vincular a globalização política à globalização económica. O
modelo de desenvolvimento caucionado pelo Consenso de Washington
reclama um novo quadro legal que seja adequado à liberalização dos merca-
dos, dos investimentos e do sistema financeiro. Num modelo assente nas
privatizações, na iniciativa privada e na primazia dos mercados, o princípio
da ordem, da previsibilidade e da confiança não pode vir do comando do
Estado. Só pode vir do direito e do sistema judicial, um conjunto de institui-
ções independentes e universais que criam expectativas normativamente
fundadas e resolvem litígios em função de quadros legais presumivelmente
conhecidos de todos. A proeminência da propriedade individual e dos con-
tratos reforça ainda mais o primado do direito. Por outro lado, a expansão do
consumo, que é o motor da globalização económica, não é possível sem a
institucionalização e popularização do crédito ao consumo e este não é pos-
sível sem a ameaça credível de que quem não pagar será sancionado por isso,
50 Os processos da globalização

o que, por sua vez, só é possível na medida em que existir um sistema judi-
Volume I, Parte I, Capítulo 1

cial eficaz.13
Nos termos do Consenso de Washington, a responsabilidade central do
Estado consiste em criar o quadro legal e dar condições de efectivo funciona-
mento às instituições jurídicas e judiciais que tornarão possível o fluir roti-
neiro das infinitas interacções entre os cidadãos, os agentes económicos e o
próprio Estado.
Um outro tema importante nas análises das dimensões políticas da globali-
zação é o papel crescente das formas de governo supraestatal, ou seja, das insti-
tuições políticas internacionais, das agências financeiras multilaterais, dos blo-
cos político-económicos supranacionais, dos Think Tanks globais, das diferen-
tes formas de direito global (da nova lex mercatoria aos direitos humanos).
Também neste caso o fenómeno não é novo uma vez que o sistema interestatal
em que temos vivido desde o século XVII promoveu, sobretudo a partir do
século XIX, consensos normativos internacionais que se vieram a traduzir em
organizações internacionais. Então, como hoje, essas organizações têm funcio-
nado como condomínios entre os países centrais. O que é novo é a amplitude e
o poder da institucionalidade transnacional que se tem vindo a constituir nas
últimas três décadas. Este é um dos sentidos em que se tem falado da emergên-
cia de um «governo global» («global governance») (Murphy, 1994). O outro sen-
tido, mais prospectivo e utópico, diz respeito à indagação sobre as instituições
políticas transnacionais que hão-de corresponder no futuro à globalização eco-
nómica e social em curso (Falk, 1995; Chase-Dunn et al., 1998). Fala-se mesmo
da necessidade de se pensar num «Estado mundial» ou numa «federação mun-
dial», democraticamente controlada e com a função de resolver pacificamente
os conflitos entre Estados e entre agentes globais. Alguns autores transpõem
para o novo campo da globalização os conflitos estruturais do período anterior
e imaginam as contrapartidas políticas a que devem dar azo. Tal como a classe
capitalista global está a tentar formar o seu Estado global, de que a Organização
Mundial do Comércio é a guarda avançada, as forças socialistas devem criar
um «partido mundial» ao serviço de uma «comunidade socialista global» ou
uma «comunidade democrática global» baseada na racionalidade colectiva, na
liberdade e na igualdade (Chase-Dunn et al., 1998).

13. Trato em detalhe o tema do primado do direito e do sistema judicial no contexto da globalização noutro lugar
(Santos, 2000b). Sobre a questão do crédito ao consumo e consequente endividamento dos consumidores ver,
por último, Marques et al. (2000).
Boaventura de Sousa Santos 51

5. GLOBALIZAÇÃO CULTURAL OU CULTURA GLOBAL?

A globalização cultural assumiu um relevo especial com a chamada «vira-


gem cultural» da década de oitenta, ou seja, com a mudança de ênfase, nas ciên-
cias sociais, dos fenómenos socioeconómicos para os fenómenos culturais. A
«viragem cultural» veio reacender a questão da primazia causal na explicação
da vida social e, com ela, a questão do impacto da globalização cultural.14 A
questão consiste em saber se as dimensões normativa e cultural do processo de
globalização desempenham um papel primário ou secundário. Enquanto para
alguns elas têm um papel secundário, dado que a economia mundial capitalista
é mais integrada pelo poder político-militar e pela interdependência de mer-
cado do que pelo consenso normativo e cultural (Chase-Dunn, 1991: 88), para
outros o poder político, a dominação cultural e os valores e normas institucio-
nalizadas precedem a dependência de mercado no desenvolvimento do sistema
mundial e na estabilidade do sistema interestatal (Meyer, 1987; Bergesen, 1990).
Wallerstein faz uma leitura sociológica deste debate, defendendo que «não é
por acaso… que tem havido tanta discussão nestes últimos dez-quinze anos
acerca do problema da cultura. Isso é decorrente da decomposição da dupla
crença do século dezanove nas arenas económica e política como lugares de
progresso social e, consequentemente, de salvação individual» (Wallerstein,
1991a: 198).
Embora a questão da matriz original da globalização se ponha em relação a
cada uma das dimensões da globalização, é no domínio da globalização cultural
que ela se põe com mais acuidade ou com mais frequência. A questão é de saber
se o que se designa por globalização não deveria ser mais correctamente desig-
nado por ocidentalização ou americanização (Ritzer, 1995), já que os valores, os
artefactos culturais e os universos simbólicos que se globalizam são ocidentais
e, por vezes, especificamente norte-americanos, sejam eles o individualismo, a
democracia política, a racionalidade económica, o utilitarismo, o primado do
direito, o cinema, a publicidade, a televisão, a Internet, etc.
Neste contexto, os meios de comunicação electrónicos, especialmente a
televisão, têm sido um dos grandes temas de debate. Embora a importância da
globalização dos meios de comunicação social seja salientada por todos, nem
todos retiram dela as mesmas consequências. Appadurai, por exemplo, vê nela
um dos dois factores (o outro são as migrações em massa) responsáveis pela
ruptura entre o período de que acabamos de sair (o mundo da modernização) e

14. Cf. Featherstone (1990); Appadurai (1990); Berman (1983); W. Meyer (1987); Giddens (1990, 1991);
Bauman (1992). Ver também Wuthnow (1985, 1987); Bergesen (1980).
52 Os processos da globalização

o período em que estamos a entrar (o mundo pós-electrónico) (1997). O novo


Volume I, Parte I, Capítulo 1

período distingue-se pelo «trabalho da imaginação», pelo facto de a imaginação


se ter transformado num facto social, colectivo, e ter deixado de estar confi-
nada no indivíduo romântico e no espaço expressivo da arte, do mito e do ritual
para passar a fazer parte da vida quotidiana dos cidadãos comuns (1997: 5). A
imaginação pós-electrónica, combinada com a desterritorialização provocada
pelas migrações, torna possível a criação de universos simbólicos transnacio-
nais, «comunidades de sentimento», identidades prospectivas, partilhas de gos-
tos, prazeres e aspirações, em suma, o que Appadurai chama «esferas públicas
diaspóricas» (1997: 4). De uma outra perspectiva, Octávio Ianni fala do «prín-
cipe electrónico» – o conjunto das tecnologias electrónicas, informáticas e
cibernéticas, de informação e de comunicação, com destaque para a televisão –
que se transformou no «arquitecto da ágora electrónica na qual todos estão
representados, reflectidos, deflectidos ou figurados, sem o risco da convivência
nem da experiência» (1998: 17).
Esta temática articula-se com uma outra igualmente central no âmbito da
globalização cultural: o de saber até que ponto a globalização acarreta homoge-
neização. Se para alguns autores a especificidade das culturas locais e nacionais
está em risco (Ritzer, 1995), para outros, a globalização tanto produz homoge-
neização como diversidade (Robertson e Khondker, 1998). O isomorfismo insti-
tucional, sobretudo nos domínios económico e político, coexiste com a afirma-
ção de diferenças e de particularismo. Para Friedman, a fragmentação cultural e
étnica, por um lado, e a homogeneização modernista, por outro, não são duas
perspectivas opostas sobre o que está a acontecer, mas antes duas tendências,
ambas constitutivas da realidade global (Featherstone, 1990: 311). Do mesmo
modo, Appadurai faz questão de salientar que os media electrónicos, longe de
serem o ópio do povo, são processados pelos indivíduos e pelos grupos de uma
maneira activa, um campo fértil para exercícios de resistência, selectividade e
ironia (1997: 7). Appadurai tem vindo a salientar o crescente papel da imagina-
ção na vida social dominada pela globalização. É através da imaginação que os
cidadãos são disciplinados e controlados pelos Estados, pelos mercados e pelos
outros interesses dominantes, mas é também da imaginação que os cidadãos
desenvolvem sistemas colectivos de dissidência e novos grafismos da vida
colectiva (1999: 230).
O que não fica claro nestes posicionamentos é a elucidação das relações
sociais de poder que presidem à produção tanto de homogeneização como de dife-
renciação. Sem tal elucidação, estes dois «resultados» da globalização são postos
no mesmo pé, sem que se conheçam as vinculações e a hierarquia entre eles. Esta
elucidação é particularmente útil para analisar criticamente os processos de hibri-
Boaventura de Sousa Santos 53

dação ou de crioulização que resultam do confronto ou da coabitação entre ten-


dências homogeneizantes e tendências particularizantes (Hall e McGrew, 1992).
Segundo Appadurai, «a característica central da cultura global é hoje a política do
esforço mútuo da mesmidade e da diferença para se canibalizarem uma à outra e
assim proclamarem o êxito do sequestro das duas ideias gémeas do Iluminismo,
o universal triunfante e o particular resistente» (1997: 43).
Um outro tema central na discussão sobre as dimensões culturais da globa-
lização – relacionado, aliás, com o debate anterior – diz respeito à questão de
saber se terá emergido nas décadas mais recentes uma cultura global (Feathers-
tone, 1990; Waters, 1995). É há muito reconhecido que, pelo menos desde o
século XVI, a hegemonia ideológica da ciência, da economia, da política e da
religião europeias produziu, através do imperialismo cultural, alguns isomor-
fismos entre as diferentes culturas nacionais do sistema mundial. A questão é,
agora, de saber se, para além disso, terão emergido nas décadas mais recentes
certas formas culturais que são originalmente transnacionais ou cujas origens
nacionais são relativamente irrelevantes pelo facto de circularem pelo mundo
mais ou menos desenraizadas das culturas nacionais. Tais formas culturais são
identificadas por Appadurai como mediascapes e ideoscapes (1990)15, por Leslie
Sklair (1991) como cultura-ideologia do consumismo, por Anthony Smith como
um novo imperialismo cultural (1990). De uma outra perspectiva, a teoria dos
regimes internacionais tem vindo a canalizar a nossa atenção para os proces-
sos de formação de consenso ao nível mundial e para a emergência de uma
ordem normativa global (Keohane e Nye, 1977; Keohane, 1985; Krasner, 1983;
Haggard e Simmons, 1987). E ainda de outra perspectiva, a teoria da estrutura
internacional acentua a forma como a cultura ocidental tem criado actores
sociais e significados culturais por todo o mundo (Thomas et al., 1987).
A ideia de uma cultura global é, claramente, um dos principais projectos da
modernidade. Como Stephen Toulmin brilhantemente demonstrou (1990),
pode ser identificado desde Leibniz até Hegel e desde o século XVII até ao nosso
século. A atenção sociológica concedida a esta ideia nas últimas três décadas
tem, contudo, uma base empírica específica. Acredita-se que a intensificação
dramática de fluxos transfronteiriços de bens, capital, trabalho, pessoas, ideias
e informação originou convergências, isomorfismos e hibridações entre as dife-
rentes culturas nacionais, sejam elas estilos arquitectónicos, moda, hábitos ali-
mentares ou consumo cultural de massas. Contudo, a maior parte dos autores
sustenta que, apesar da sua importância, estes processos estão longe de condu-
zir a uma cultura global.

15. Ver também King (1991); Hall e Gleben (1992).


54 Os processos da globalização

A cultura é por definição um processo social construído sobre a intersecção


Volume I, Parte I, Capítulo 1

entre o universal e o particular. Como salienta Wallerstein, «definir uma cul-


tura é uma questão de definir fronteiras» (1991a: 187). De modo convergente,
Appadurai afirma que o cultural é o campo das diferenças, dos contrastes e das
comparações (1997: 12). Poderíamos até afirmar que a cultura é, em sua defini-
ção mais simples, a luta contra a uniformidade. Os poderosos e envolventes
processos de difusão e imposição de culturas, imperialisticamente definidos
como universais, têm sido confrontados, em todo o sistema mundial, por múl-
tiplos e engenhosos processos de resistência, identificação e indigenização cul-
turais. Todavia, o tópico da cultura global tem tido o mérito de mostrar que a
luta política em redor da homogeneização e da uniformização culturais trans-
cendeu a configuração territorial em que teve lugar desde o século XIX até
muito recentemente, isto é, o Estado-nação.
A este respeito, os Estados-nação têm tradicionalmente desempenhado um
papel algo ambíguo. Enquanto, externamente, têm sido os arautos da diversi-
dade cultural, da autenticidade da cultura nacional, internamente têm promo-
vido a homogeneização e a uniformidade, esmagando a rica variedade de cultu-
ras locais existentes no território nacional, através do poder da polícia, do
direito, do sistema educacional ou dos meios de comunicação social, e na maior
parte das vezes por todos eles em conjunto. Este papel tem sido desempenhado
com intensidade e eficácia muito variadas nos Estados centrais, periféricos e
semiperiféricos e pode estar agora a mudar como parte das transformações em
curso na capacidade regulatória dos Estados-nação.
Sob as condições da economia mundial capitalista e do sistema interestatal
moderno, parece haver apenas espaço para as culturas globais parciais. Parciais
quer em termos dos aspectos da vida social que cobrem, quer das regiões do
mundo que abrangem. Smith, por exemplo, fala de uma «família de culturas»
europeia, que consiste em motivos e tradições políticas e culturais abrangentes
e transnacionais (o direito romano, o humanismo renascentista, o racionalismo
iluminista, o romantismo e a democracia), «que emergiram em diversas partes
do continente em diferentes períodos, continuando em alguns casos a emergir,
criando ou recriando sentimentos de reconhecimento e parentesco entre os
povos da Europa» (1990: 187). Vista de fora da Europa, particularmente a partir
de regiões e de povos intensivamente colonizados pelos europeus, esta família
de culturas é a versão quintessencial do imperialismo ocidental em nome do
qual muita da tradição e da identidade cultural foi destruída.
Dada a natureza hierárquica do sistema mundial, torna-se crucial identifi-
car os grupos, as classes, os interesses e os Estados que definem as culturas par-
ciais enquanto culturas globais, e que, por essa via, controlam a agenda da
Boaventura de Sousa Santos 55

dominação política sob o disfarce da globalização cultural. Se é verdade que a


intensificação dos contactos e da interdependência transfronteiriços abriu
novas oportunidades para o exercício da tolerância, do ecumenismo, da solida-
riedade e do cosmopolitismo, não é menos verdade que, simultaneamente, têm
surgido novas formas e manifestações de intolerância, chauvinismo, de
racismo, de xenofobia e, em última instância, de imperialismo. As culturas
globais parciais podem, desta forma, ter naturezas, alcances e perfis políticos
muito diferentes.
Nas actuais circunstâncias, só é possível visualizar culturas globais plura-
listas ou plurais.16 É por isso que a maior parte dos autores assume uma postura
prescritiva ou prospectiva sempre que fala de cultura global no singular. Para
Hannerz, o cosmopolitismo «inclui uma postura favorável à coexistência de
culturas distintas na experiência individual... uma orientação, uma vontade de
interagir com o Outro... uma postura estética e intelectual de abertura face a
experiências culturais divergentes» (1990: 239). Chase-Dunn, por seu lado,
enquanto retira do pedestal o «universalismo normativo» de Parsons (1971)
como um traço essencial do sistema capitalista mundial vigente, propõe que
tal universalismo seja transposto para «um novo nível de sentido socialista,
embora sensível às virtudes do pluralismo nacional e étnico» (1991: 105; Chase-
-Dunn et al., 1998). Por fim, Wallerstein imagina uma cultura mundial somente
num mundo libertário-igualitário futuro, mas mesmo aí haveria um lugar reser-
vado para a resistência cultural: a criação e a recriação constantes de entidades
culturais particularistas «cujos objectos (reconhecidos ou não) seriam a restau-
ração da realidade universal de liberdade e igualdade» (1991a: 199).
No domínio cultural, o consenso neoliberal é muito selectivo. Os fenóme-
nos culturais só lhe interessam na medida em que se tornam mercadorias que
como tal devem seguir o trilho da globalização económica. Assim, o consenso
diz, sobretudo, respeito aos suportes técnicos e jurídicos da produção e circula-
ção dos produtos das indústrias culturais, como, por exemplo, as tecnologias de
comunicação e da informação e os direitos de propriedade intelectual.

16. Ver também Featherstone (1990: 10); Wallerstein (1991a: 184); Chase-Dunn (1991: 103). Para Wallerstein
o contraste entre o sistema-mundial moderno e os impérios mundiais anteriores reside no facto de o primeiro
combinar uma única divisão do trabalho com um sistema de Estados independentes e de sistemas culturais múl-
tiplos (Wallerstein (1979: 5)).
56 Os processos da globalização

6. A NATUREZA DAS GLOBALIZAÇÕES


Volume I, Parte I, Capítulo 1

A referência feita nas secções anteriores às facetas dominantes do que usual-


mente se designa por globalização, além de ser omissa a respeito da teoria da
globalização que lhe subjaz, pode dar a ideia falsa de que a globalização é um
fenómeno linear, monolítico e inequívoco. Esta ideia da globalização, apesar de
falsa, é hoje prevalecente e tende a sê-lo tanto mais quanto a globalização extra-
vasa do discurso científico para o discurso político e para a linguagem comum.
Aparentemente transparente e sem complexidade, a ideia de globalização obs-
curece mais do que esclarece o que se passa no mundo. E o que obscurece ou
oculta é, quando visto de outra perspectiva, tão importante que a transparência
e simplicidade da ideia de globalização, longe de serem inocentes, devem ser
considerados dispositivos ideológicos e políticos dotados de intencionalidades
específicas. Duas dessas intencionalidades devem ser salientadas.
A primeira é o que designo por falácia do determinismo. Consiste na incul-
cação da ideia de que a globalização é um processo espontâneo, automático,
inelutável e irreversível que se intensifica e avança segundo uma lógica e uma
dinâmica próprias suficientemente fortes para se imporem a qualquer interfe-
rência externa. Nesta falácia incorrem não só os embaixadores da globalização
como os estudiosos mais circunspectos. Entre estes últimos saliento Manuel
Castells, para quem a globalização é o resultado inelutável da revolução nas
tecnologias da informação. Segundo ele, a «nova economia é informacional
porque a produtividade e competitividade assentam na capacidade para gerar e
aplicar eficientemente informação baseada em conhecimento» e é global por-
que as actividades centrais da produção, da distribuição e do consumo são orga-
nizadas à escala mundial (1996: 66). A falácia consiste em transformar as cau-
sas da globalização em efeitos da globalização. A globalização resulta, de facto,
de um conjunto de decisões políticas identificadas no tempo e na autoria. O
Consenso de Washington é uma decisão política dos Estados centrais como são
políticas as decisões dos Estados que o adoptaram com mais ou menos autono-
mia, com mais ou menos selectividade. Não podemos esquecer que em grande
medida, e sobretudo ao nível económico e político, a globalização hegemónica
é um produto de decisões dos Estados nacionais. A desregulamentação da eco-
nomia, por exemplo, tem sido um acto eminentemente político. A prova disso
mesmo está na diversidade das respostas dos Estados nacionais às pressões polí-
ticas decorrentes do Consenso de Washington.17 O facto de as decisões políticas

17. Sobre esta questão, ver Stallings (1995), onde são analisadas as respostas regionais da América Latina, do
Sudeste Asiático e da África subsariana às pressões globais. Ver também Boyer (1998) e Drache (1999).
Boaventura de Sousa Santos 57

terem sido, em geral, convergentes, tomadas durante um período de tempo


curto, e de muitos Estados não terem tido alternativa para decidirem de modo
diferente, não elimina o carácter político das decisões, apenas desloca o centro
e o processo político destas. Igualmente política é a reflexão sobre as novas for-
mas de Estado que estão a emergir em resultado da globalização, sobre a nova
distribuição política entre práticas nacionais, práticas internacionais e práticas
globais, sobre o novo formato das políticas públicas em face da crescente com-
plexidade das questões sociais, ambientais e de redistribuição.
A segunda intencionalidade política do carácter não-político da globalização
é a falácia do desaparecimento do Sul. Nos termos desta falácia as relações
Norte/Sul nunca constituíram um verdadeiro conflito, mas durante muito
tempo os dois pólos das relações foram facilmente identificáveis, já que o Norte
produzia produtos manufacturados enquanto o Sul fornecia matérias-primas. A
situação começou a alterar-se na década de sessenta (deram conta disso as teo-
rias da dependência ou do desenvolvimento dependente) e transformou-se radi-
calmente a partir da década de oitenta. Hoje, quer ao nível financeiro, quer ao
nível da produção, quer ainda ao nível do consumo, o mundo está integrado
numa economia global onde, perante a multiplicidade de interdependências,
deixou de fazer sentido distinguir entre Norte e Sul e, aliás, igualmente entre
centro, periferia e semiperiferia do sistema mundial. Quanto mais triunfalista
é a concepção da globalização menor é a visibilidade do Sul ou das hierarquias
do sistema mundial. A ideia é que a globalização está a ter um impacto uni-
forme em todas as regiões do mundo e em todos os sectores de actividade e que
os seus arquitectos, as empresas multinacionais, são infinitamente inovadoras
e têm capacidade organizativa suficiente para transformar a nova economia
global numa oportunidade sem precedentes.
Mesmo os autores que reconhecem que a globalização é altamente selec-
tiva, produz assimetrias e tem uma geometria variável, tendem a pensar que
ela desestruturou as hierarquias da economia mundial anterior. É de novo o
caso de Castells, para quem a globalização pôs fim à ideia de «Sul» e mesmo à
ideia de «Terceiro Mundo», na medida em que é cada vez maior a diferenciação
entre países e, no interior de países, entre regiões (1996: 92, 112). Segundo ele, a
novíssima divisão internacional do trabalho não ocorre entre países, mas entre
agentes económicos e entre posições distintas na economia global que compe-
tem globalmente, usando a infraestrutura tecnológica da economia informacio-
nal e a estrutura organizacional de redes e fluxos (1996: 147). Neste sentido,
deixa igualmente de fazer sentido a distinção entre centro, periferia e semiperi-
feria no sistema mundial. A nova economia é uma economia global distinta da
economia-mundo. Enquanto esta última assentava na acumulação de capital,
58 Os processos da globalização

obtida em todo o mundo, a economia global tem a capacidade para funcionar


Volume I, Parte I, Capítulo 1

como uma unidade em tempo real e à escala planetária (1996: 92).


Sem querer minimizar a importância das transformações em curso, penso,
no entanto, que Castells leva longe de mais a imagem da globalização como o
bulldozer avassalador contra o qual não há resistência possível, pelo menos a
nível económico. E com isso leva longe de mais a ideia da segmentação dos pro-
cessos de inclusão/exclusão que estão a ocorrer. Em primeiro lugar, é o próprio
Castells quem reconhece que os processos de exclusão podem atingir um con-
tinente por inteiro (África) e dominar inteiramente sobre os processos de inclu-
são num subcontinente (a América Latina) (1996: 115-136). Em segundo lugar,
mesmo admitindo que a economia global deixou de necessitar dos espaços geo-
políticos nacionais para se reproduzir, a verdade é que a dívida externa conti-
nua a ser contabilizada e cobrada ao nível de países e é por via dela e da finan-
ceirização do sistema económico que os países pobres do mundo se transfor-
maram, a partir da década de oitenta, em contribuintes líquidos para a riqueza
dos países ricos. Em terceiro lugar, ao contrário do que se pode depreender do
quadro traçado por Castells, a convergência entre países na economia global é
tão significativa quanto a divergência e isto é particularmente notório entre os
países centrais (Drache, 1999: 15). Porque as políticas de salários e de segurança
social continuaram a ser definidas a nível nacional, as medidas de liberalização
desde a década de oitenta não reduziram significativamente as diferenças nos
custos do trabalho entre os diferentes países. Assim, em 1997, a remuneração
média da hora de trabalho na Alemanha (32 US$) era 54% mais elevada que
nos EUA (17.19 US$). E mesmo dentro da União Europeia, onde têm estado em
curso nas últimas décadas políticas de «integração profunda», as diferenças de
produtividade e de custos salariais têm-se mantido, com a excepção da Ingla-
terra, onde os custos salariais foram reduzidos em 40% desde 1980. Tomando a
Alemanha Ocidental como termo de comparação (100%), a produtividade do
trabalho em Portugal era, em 1998, 34,5% e os custos salariais, 37,4%. Estes
números eram para a Espanha, 62% e 66,9%, respectivamente; para a Ingla-
terra, 71,7% e 68%; e para a Irlanda, 69,5 e 71,8% (Drache, 1999: 24). Por
último, é difícil sustentar que a selectividade e a fragmentação excludente da
«nova economia» destruiu o conceito de «Sul» quando, como vimos atrás, a
disparidade de riqueza entre países pobres e países ricos não cessou de aumen-
tar nos últimos vinte ou trinta anos. É certo que a liberalização dos mercados
desestruturou os processos de inclusão e de exclusão nos diferentes países e
regiões. Mas o importante é analisar em cada país ou região o rácio entre inclu-
são e exclusão. É esse rácio que determina se um país pertence ao Sul ou ao
Norte, ao centro ou à periferia ou semiperiferia do sistema mundial. Os países
Boaventura de Sousa Santos 59

onde a integração na economia mundial se processou dominantemente pela


exclusão são os países do Sul e da periferia do sistema mundial.
Estas transformações merecem uma atenção detalhada, mas não restam
dúvidas de que só as viragens ideológicas que ocorreram na comunidade cientí-
fica, tanto no Norte como no Sul, podem explicar que as iniquidades e assime-
trias no sistema mundial, apesar de terem aumentado, tenham perdido centra-
lidade analítica. Por isso, o «fim do Sul», o «desaparecimento do Terceiro
Mundo» são, acima de tudo, um produto das mudanças de «sensibilidade socio-
lógica» que devem ser, elas próprias, objecto de escrutínio. Em alguns autores,
o fim do Sul ou do Terceiro Mundo não resulta de análises específicas sobre o
Sul ou o Terceiro Mundo, resulta tão-só do «esquecimento» a que estes são
votados. A globalização é vista a partir dos países centrais tendo em vista as
realidades destes. É assim, muito particularmente, o caso dos autores que se
centram na globalização económica.18 Mas as análises culturalistas incorrem
frequentemente no mesmo erro. A título de exemplo, as teorias da reflexivi-
dade aplicadas à modernidade, à globalização ou à acumulação (Beck, 1992;
Giddens, 1991; Lash e Urry, 1996) e, em particular, a ideia de Giddens de que a
globalização é a «modernização reflexiva», esquecem que a grande maioria da
população mundial sofre as consequências de uma modernidade ou de uma glo-
balização nada reflexiva ou que a grande maioria dos operários vive em regimes
de acumulação que estão nos antípodas da acumulação reflexiva.
Tanto a falácia do determinismo como a falácia do desaparecimento do Sul
têm vindo a perder credibilidade à medida que a globalização se transforma
num campo de contestação social e política. Se para alguns ela continua a ser
considerada como o grande triunfo da racionalidade, da inovação e da liberdade
capaz de produzir progresso infinito e abundância ilimitada, para outros ela é
anátema, já que no seu bojo transporta a miséria, a marginalização e a exclusão
da grande maioria da população mundial, enquanto a retórica do progresso e da
abundância se torna em realidade apenas para um clube cada vez mais pequeno
de privilegiados.
Nestas circunstâncias, não admira que tenham surgido nos últimos anos
vários discursos da globalização. Robertson (1998), por exemplo, distingue
quatro grandes discursos da globalização. O discurso regional, como, por
exemplo, o discurso asiático, o discurso europeu ocidental, ou o discurso
latino-americano, tem uma tonalidade civilizacional, sendo a globalização
posta em confronto com as especificidades regionais. Dentro da mesma
região, pode haver diferentes subdiscursos. Por exemplo, em França há uma

18. Entre muitos outros, ver Boyer (1996, 1998); Drache (1999).
60 Os processos da globalização

forte tendência para ver na globalização uma ameaça «anglo-americana» à


Volume I, Parte I, Capítulo 1

sociedade e à cultura francesa e às de outros países europeus. Mas, como diz


Robertson, o antiglobalismo dos franceses pode facilmente converter-se no
projecto francês de globalização. O discurso disciplinar diz respeito ao modo
como a globalização é vista pelas diferentes ciências sociais. O traço mais
saliente deste discurso é a saliência que é dada à globalização económica. O
discurso ideológico entrecruza-se com qualquer dos anteriores e diz respeito
à avaliação política dos processos de globalização. Ao discurso pró-globaliza-
ção contrapõe-se o discurso antiglobalização e em qualquer deles é possível
distinguir posições de esquerda e de direita. Finalmente, o discurso feminista,
que, tendo começado por ser um discurso antiglobalização – privilegiando o
local e atribuindo o global a uma preocupação masculina –, é hoje também
um discurso da globalização, distinguindo-se pela ênfase dada aos aspectos
comunitários da globalização.
A pluralidade de discursos sobre a globalização mostra que é imperioso pro-
duzir uma reflexão teórica crítica da globalização e de o fazer de modo a captar
a complexidade dos fenómenos que ela envolve e a disparidade dos interesses
que neles se confrontam. A proposta teórica que apresento aqui parte de três
aparentes contradições que, em meu entender, conferem ao período histórico
em que nos encontramos a sua especificidade transicional. A primeira contra-
dição é entre globalização e localização. O tempo presente surge-nos como
dominado por um movimento dialéctico em cujo seio os processos de globali-
zação ocorrem de par com processos de localização. De facto, à medida que a
interdependência e as interacções globais se intensificam, as relações sociais
em geral parecem estar cada vez mais desterritorializadas, abrindo caminho
para novos direitos às opções, que atravessam fronteiras até há pouco tempo
policiadas pela tradição, pelo nacionalismo, pela linguagem ou pela ideologia, e
frequentemente por todos eles em conjunto. Mas, por outro lado, e em apa-
rente contradição com esta tendência, novas identidades regionais, nacionais e
locais estão a emergir, construídas em torno de uma nova proeminência dos
direitos às raízes. Tais localismos tanto se referem a territórios reais ou imagi-
nados como a formas de vida e de sociabilidade assentes nas relações face-a-
-face, na proximidade e na interactividade.
Localismos territorializados são, por exemplo, os protagonizados por povos
que, ao fim de séculos de genocídio e de opressão cultural, reivindicam, final-
mente com algum êxito, o direito à autodeterminação dentro dos seus territó-
rios ancestrais. É este o caso dos povos indígenas da América Latina e também
da Austrália, do Canadá e da Nova Zelândia. Por seu lado, os localismos trans-
localizados são protagonizados por grupos sociais translocalizados, tais como
Boaventura de Sousa Santos 61

os imigrantes árabes em Paris ou Londres, os imigrantes turcos na Alemanha


ou os imigrantes latinos nos EUA. Para estes grupos, o território é a ideia de
território, enquanto forma de vida em escala de proximidade, imediação, per-
tença, partilha e reciprocidade. Aliás, esta reterritorialização, que usualmente
ocorre a um nível infra-estatal, pode também ocorrer a um nível supra-estatal.
Um bom exemplo deste último processo é a União Europeia, que, ao mesmo
tempo que desterritorializa as relações sociais entre os cidadãos dos Estados
membros, reterritorializa as relações sociais com Estados terceiros (a «Europa-
-fortaleza»).
A segunda contradição é entre o Estado-nação e o não-Estado transnacional.
A análise precedente sobre as diferentes dimensões da globalização dominante
mostrou que um dos pontos de maior controvérsia nos debates sobre a globali-
zação é a questão do papel do Estado na era da globalização. Se, para uns, o
Estado é uma entidade obsoleta e em vias de extinção ou, em qualquer caso,
muito fragilizada na sua capacidade para organizar e regular a vida social, para
outros, o Estado continua a ser a entidade política central, não só porque a ero-
são da soberania é muito selectiva, como, sobretudo, porque a própria institu-
cionalidade da globalização – das agências financeiras multilaterais à desregu-
lação da economia – é criada pelos Estados nacionais. Cada uma destas posi-
ções capta uma parte dos processos em curso. Nenhuma delas, porém, faz jus-
tiça às transformações no seu conjunto porque estas são, de facto, contraditó-
rias e incluem tanto processos de estatização – a tal ponto que se pode afirmar
que os Estados nunca foram tão importantes como hoje – como processos de
desestatização em que interacções, redes e fluxos transnacionais da maior
importância ocorrem sem qualquer interferência significativa do Estado, ao
contrário do que sucedia no período anterior.
A terceira contradição, de natureza político-ideológica, é entre os que vêem
na globalização a energia finalmente incontestável e imbatível do capitalismo
e os que vêem nela uma oportunidade nova para ampliar a escala e o âmbito da
solidariedade transnacional e das lutas anticapitalistas. A primeira posição é,
aliás, defendida tanto pelos que conduzem a globalização e dela beneficiam
como por aqueles para quem a globalização é a mais recente e a mais virulenta
agressão externa contra os seus modos de vida e o seu bem-estar.
Estas três contradições condensam os vectores mais importantes dos pro-
cessos de globalização em curso. À luz delas, é fácil ver que as disjunções, as
ocorrências paralelas e as confrontações são de tal modo significativas que o
que designamos por globalização é, de facto, uma constelação de diferentes pro-
cessos de globalização e, em última instância, de diferentes, e por vezes contra-
ditórias, globalizações.
62 Os processos da globalização

Aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de facto, con-


Volume I, Parte I, Capítulo 1

juntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais


dão origem a diferentes fenómenos de globalização. Nestes termos, não existe
estritamente uma entidade única chamada globalização; existem, em vez disso,
globalizações; em rigor, este termo só deveria ser usado no plural. Qualquer con-
ceito mais abrangente deve ser de tipo processual e não substantivo. Por outro
lado, enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e,
por isso, vencedores e vencidos. Frequentemente, o discurso sobre globalização
é a história dos vencedores contada pelos próprios. Na verdade, a vitória é apa-
rentemente tão absoluta que os derrotados acabam por desaparecer totalmente
de cena. Por isso, é errado pensar que as novas e mais intensas interacções trans-
nacionais produzidas pelos processos de globalização eliminaram as hierarquias
no sistema mundial. Sem dúvida que as têm vindo a transformar profunda-
mente, mas isso não significa que as tenham eliminado. Pelo contrário, a prova
empírica vai no sentido oposto, no sentido da intensificação das hierarquias e
das desigualdades. As contradições e disjunções acima assinaladas sugerem que
estamos num período transicional no que respeita a três dimensões principais:
transição no sistema de hierarquias e desigualdades do sistema mundial; transi-
ção no formato institucional e na complementaridade entre instituições; transi-
ção na escala e na configuração dos conflitos sociais e políticos.
A teoria a construir deve, pois, dar conta da pluralidade e da contradição
dos processos da globalização em vez de os tentar subsumir em abstracções
redutoras. A teoria que a seguir proponho assenta no conceito de sistema mun-
dial em transição. Em transição porque contém em si o sistema mundial velho,
em processo de profunda transformação, e um conjunto de realidades emergen-
tes que podem ou não conduzir a um novo sistema mundial, ou a outra qual-
quer entidade nova, sistémica ou não. Trata-se de uma circunstância que,
quando captada em corte sincrónico, revela uma total abertura quanto a possí-
veis alternativas de evolução. Tal abertura é o sintoma de uma grande instabi-
lidade que configura uma situação de bifurcação, entendida em sentido prigogi-
niano. É uma situação de profundos desequilíbrios e de compromissos voláteis
em que pequenas alterações podem produzir grandes transformações. Trata-se,
pois, de uma situação caracterizada pela turbulência e pela explosão das esca-
las.19 A teoria que aqui proponho pretende dar conta da situação de bifurcação
e, como tal, não pode deixar de ser, ela própria, uma teoria aberta às possibili-
dades de caos.

19. Sobre os conceitos de turbulência de escalas e de explosão de escalas, ver Santos (1996).
Boaventura de Sousa Santos 63

O sistema mundial em transição é constituído por três constelações de prá-


ticas colectivas: a constelação de práticas interestatais, a constelação de práti-
cas capitalistas globais e a constelação de práticas sociais e culturais transna-
cionais. As práticas interestatais correspondem ao papel dos Estados no sis-
tema mundial moderno enquanto protagonistas da divisão internacional do
trabalho no seio do qual se estabelece a hierarquia entre centro, periferia e semi-
periferia. As práticas capitalistas globais são as práticas dos agentes económi-
cos cuja unidade espácio-temporal de actuação real ou potencial é o planeta. As
práticas sociais e culturais transnacionais são os fluxos transfronteiriços de
pessoas e de culturas, de informação e de comunicação. Cada uma destas cons-
telações de práticas é constituída por: um conjunto de instituições que assegu-
ram a sua reprodução, a complementaridade entre elas e a estabilidade das desi-
gualdades que elas produzem; uma forma de poder que fornece a lógica das
interacções e legitima as desigualdades e as hierarquias; uma forma de direito
que fornece a linguagem das relações intra-institucionais e inter-institucionais
e o critério da divisão entre práticas permitidas e proibidas; um conflito estru-
tural que condensa as tensões e contradições matriciais das práticas em ques-
tão; um critério de hierarquização que define o modo como se cristalizam as
desigualdades de poder e os conflitos em que eles se traduzem; finalmente,
ainda que todas as práticas do sistema mundial em transição estejam envolvi-
das em todos os modos de produção de globalização, nem todas estão envol-
vidas em todos eles com a mesma intensidade.
O quadro nº 1 descreve a composição interna de cada um dos componentes
das diferentes constelações de práticas. Detenho-me apenas nos que exigem
uma explicação. Antes disso, porém, é necessário identificar o que distingue o
sistema mundial em transição (SMET) do sistema mundial moderno (SMM).
Em primeiro lugar, enquanto o SMM assenta em dois pilares, a economia-
-mundo e o sistema interestatal, o SMET assenta em três pilares e nenhum
deles tem a consistência de um sistema. Trata-se antes de constelações de prá-
ticas cuja coerência interna é intrinsecamente problemática. A maior comple-
xidade (e também incoerência) do sistema mundial em transição reside em que
nele os processos da globalização vão muito para além dos Estados e da econo-
mia, envolvendo práticas sociais e culturais que no SMM estavam confinadas
aos Estados e sociedades nacionais ou a sub-unidades deles. Aliás, muitas das
novas práticas culturais transnacionais são originariamente transnacionais, ou
seja, constituem-se livres da referência a uma nação ou a um Estado concretos
ou, quando recorrem a eles, fazem-no apenas para obter matéria-prima ou
infraestrutura local para a produção de transnacionalidade. Em segundo lugar,
as interacções entre os pilares do SMET são muito mais intensas que no SMM.
Volume I, Parte I, Capítulo 1

QUADRO 1
64

Os processos da globalização

Práticas Instituições Forma de Poder Forma de Direito Conflito Estrutural Critério de Hierarquização

Inter-estatais • Estados; Trocas desiguais • Direito Internacional; Lutas inter-estatais pela Centro, periferia,
• Organizações de prerrogativas • Tratados posição relativa semiperiferia
Internacionais; de soberania. internacionais; no sistema mundial
• Instituições • Direito da integração (promoção/
Financeiras regional. /despromoção;
Multilaterais; autonomia/
• Blocos Regionais /dependência).
(Nafta, União
Os processos da globalização

Europeia; Mercosul);
• Organização Mundial
do Comércio.

Capitalistas globais • Empresas Trocas desiguais • Direito do trabalho; Luta de classes pela Global, local
Multinacionais. de recursos ou valores • Direito económico apropriação
mercantis. internacional; ou valorização
• Nova lex mercatoria; de recursos mercantis
• Direito de propriedade; (integração/
• Direito de propriedade /desintegração;
intelectual; inclusão/exclusão).
• Direito de patentes.

• Direitos humanos;
Sociais e culturais • Organizações; Trocas desiguais • Direito de nacionalidade Lutas de grupos sociais Global, local
transnacionais Não Governamentais; de identidades e de residência; pelo reconhecimento
• Movimentos sociais; e de culturas. • Direito de emigração; da diferença
• Redes; • Direito de propriedade (inclusão/exclusão;
• Fluxos. intelectual. inclusão autónoma/
/inclusão subalterna).
Boaventura de Sousa Santos 65

Aliás, enquanto no SMM os dois pilares tinham contornos claros e bem distin-
tos, no SMET há uma interpenetração constante e intensa entre as diferentes
constelações de práticas, de tal modo que entre elas há zonas cinzentas ou
híbridas onde as constelações assumem um carácter particularmente compó-
sito. Por exemplo, a Organização Mundial do Comércio é uma instituição
híbrida constituída por práticas interestatais e por práticas capitalistas globais
do mesmo modo que os fluxos migratórios são uma instituição híbrida onde,
em graus diferentes, consoante as situações, estão presentes as três constela-
ções de práticas. Em terceiro lugar, ainda que permaneçam no SMET muitas
das instituições centrais do SMM, elas desempenham hoje funções diferentes
sem que a sua centralidade seja necessariamente afectada. Assim, o Estado, que
no SMM assegurava a integração da economia, da sociedade e da cultura nacio-
nais, contribui hoje activamente para a desintegração da economia, da socie-
dade e da cultura a nível nacional em nome da integração destas na economia,
na sociedade e na cultura globais.
Os processos de globalização resultam das interacções entre as três conste-
lações de práticas. As tensões e contradições, no interior de cada uma das cons-
telações e nas relações entre elas, decorrem das formas de poder e das desigual-
dades na distribuição do poder.20 Essa forma de poder é a troca desigual em todas
elas, mas assume formas específicas em cada uma das constelações que deri-
vam dos recursos, artefactos, imaginários que são objecto de troca desigual. O
aprofundamento e a intensidade das interacções interestatais, globais e trans-
nacionais faz com que as formas de poder se exerçam como trocas desiguais.
Porque se trata de trocas e as desigualdades podem, dentro de certos limites,
ser ocultadas ou manipuladas, o registo das interacções no SMET assume mui-
tas vezes (e credivelmente) o registo da horizontalidade através de ideias-força
como interdependência, complementaridade, coordenação, cooperação, rede,
etc. Em face disto, os conflitos tendem a ser experienciados como difusos,
sendo por vezes difícil definir o que está em conflito ou quem está em conflito.
Mesmo assim é possível identificar em cada constelação de práticas um con-
flito estrutural, ou seja, um conflito que organiza as lutas em torno dos recur-
sos que são objecto de trocas desiguais. No caso de práticas interestatais, o con-
flito trava-se em torno da posição relativa na hierarquia do sistema mundial já
que é este que dita o tipo de trocas e graus de desigualdades. As lutas pela pro-
moção ou contra a despromoção e os movimentos na hierarquia do sistema

20. Em trabalho anterior, ao analisar o Mapa Estrutural das Sociedades Capitalistas (Santos, 1995: 417; 2000a:
cap. 5), considerei que a troca desigual era a forma de poder do espaço-tempo mundial. Os processos da globali-
zação são constituídos pelo espaço-tempo mundial. Em cada uma das constelações de práticas circula uma
forma específica de troca desigual.
66 Os processos da globalização

mundial em que se traduzem são processos de longa duração que em cada


Volume I, Parte I, Capítulo 1

momento se cristalizam em graus de autonomia e de dependência. Ao nível


das práticas capitalistas globais a luta trava-se entre a classe capitalista global e
todas as outras classes definidas a nível nacional, sejam elas a burguesia, a
pequena burguesia e o operariado. Obviamente, os graus de desigualdade da
troca e os mecanismos que as produzem são diferentes consoante as classes em
confronto, mas em todos os casos trava-se uma luta pela apropriação ou valori-
zação de recursos mercantis, sejam eles o trabalho ou o conhecimento, a infor-
mação ou as matérias-primas, o crédito ou a tecnologia. O que resta das bur-
guesias nacionais e a pequena burguesia são, nesta fase de transição, a almo-
fada que amortece e a cortina de fumo que obscurece a contradição cada vez
mais nua e crua entre o capital global e o trabalho entretanto transformado em
recurso global.
No domínio das práticas sociais e culturais transnacionais, as trocas desi-
guais dizem respeito a recursos não-mercantis cuja transnacionalidade assenta
na diferença local, tais como, etnias, identidades, culturas, tradições, senti-
mentos de pertença, imaginários, rituais, literatura escrita ou oral. São incontá-
veis os grupos sociais envolvidos nestas trocas desiguais e as suas lutas travam-
-se em torno do reconhecimento da apropriação ou da valorização não mercan-
til desses recursos, ou seja, em torno da igualdade na diferença e da diferença
na igualdade.
A interacção recíproca e interpenetração das três constelações de práticas
faz com que os três tipos de conflitos estruturais e as trocas desiguais que os
alimentam se traduzam na prática em conflitos compósitos, híbridos ou duais
em que, de diferentes formas, estão presentes elementos de cada um dos confli-
tos estruturais. A importância deste facto está no que designo por transconfli-
tualidade, que consiste em assimilar um tipo de conflito a outro e em experien-
ciar um conflito de certo tipo como se ele fosse de outro tipo. Assim, por exem-
plo, um conflito no interior das práticas capitalistas globais pode ser assimi-
lado a um conflito interestatal e ser vivido como tal pelas partes em conflito.
Do mesmo modo, um conflito interestatal pode ser assimilado a um conflito
de práticas culturais transnacionais e ser vivido como tal. A transconflituali-
dade é reveladora da abertura e da situação de bifurcação que caracterizam o
SMET porque, à partida, não é possível saber em que direcção se orienta a trans-
conflitualidade. No entanto, a direcção que acaba por se impor é decisiva, não
só para definir o perfil prático do conflito, como o seu âmbito e o seu resultado.
A transconflitualidade ocorre também em função dos diferentes tempos,
durações e ritmos das várias dimensões que compõem o conflito. Assim, as
dimensões emergentes ou mais recentes podem ser assimiladas ou codificadas
Boaventura de Sousa Santos 67

nos termos de dimensões em declínio ou mais velhas. Por exemplo, um con-


flito suscitado por uma nova troca cultural ou identitária desigual causada pelos
meios de comunicação electrónica pode ser assimilado a um conflito interesta-
tal. Isto pode ocorrer por várias razões: por inércia institucional, na medida em
que as instituições mais consolidadas e eficientes pertencem ao domínio das
práticas interestatais e exercem, por isso, um efeito de atracção global sobre o
conflito; por estratégias das partes em conflito que orientam o conflito para o
terreno das práticas que lhes garantem melhores oportunidades de vencer ou
mais possibilidades de conter o conflito.
A reiteração ao longo do tempo das trocas desiguais e dos conflitos a que
dão origem define a hierarquia entre classes, grupos, interesses e instituições
no interior dos processos de globalização. Dada a constituição complexa, mul-
tiestratificada dos conflitos, a heterogeneidade das práticas que os alimentam e
a situação de bifurcação e de indeterminação dos desequilíbrios, a hierarquia
no SMET é um tanto labiríntica: quanto maior é o número dos critérios de hie-
rarquização, maior é a possibilidade que as desigualdades se neutralizem e as
hierarquias colapsem umas nas outras. Aliás, o discurso político e a sensibili-
dade sociológica dominantes apoiam-se nesta condição para salientar os regis-
tos de horizontalidade nas relações no interior do sistema: em vez de depen-
dência, interdependência; em vez de exclusão, inclusões alternativas; em vez
de exploração, competitividade; em vez de soma-zero, soma-positiva.
Em face das hierarquias labirínticas não surpreende que no SMET um dos
conflitos mais agudos seja um metaconflito, o conflito sobre os termos do con-
flito e sobre os critérios que devem definir as hierarquias. Apesar do carácter
labiríntico das hierarquias, é possível identificar duas delas, que se me afiguram
as mais importantes: a hierarquia entre centro, semiperiferia e periferia e a hie-
rarquia entre o global e o local. Ao contrário do SMM, que assentava apenas na
primeira hierarquia, o SMET assenta numa multiplicidade de hierarquias, mas
em que é possível distinguir duas principais, uma que respeita às práticas inter-
estatais e outra que respeita às práticas globais e às práticas sociais e culturais
transnacionais. Estes dois critérios de hierarquização não são necessariamente
congruentes entre si. Podem, aliás, ocorrer disjunções de modo que uma prá-
tica interestatal periférica contenha em si ou se combine com uma prática cul-
tural transnacional globalizada. A maior ou menor congruência entre as hierar-
quias depende das situações e dos contextos e só pode ser identificada a poste-
riori. Isto significa que a identificação só pode captar o ontem da congruência,
nunca o hoje. No SMET, um período caótico, em situação de bifurcação, as aná-
lises são mais do que nunca retrospectivas, e as estratégias políticas mais do
que nunca sujeitas ao efeito de cascata de que fala Rosenau (1990). O efeito de
68 Os processos da globalização

cascata é o processo pelo qual os eventos e as decisões isoladas se multiplicam


Volume I, Parte I, Capítulo 1

e se encadeiam de modos caóticos, produzindo consequências imprevisíveis.


Se a congruência entre as hierarquias é indeterminável, já a hierarquia entre
elas é passível de uma ordenação geral. Uma das diferenças mais significativas
do SMET em relação ao SMM é a relativa perda de centralidade das práticas
interestatais em face do avanço e do aprofundamento das práticas capitalistas
globais e das práticas sociais e culturais transnacionais. Essa perda de centrali-
dade traduz-se na maior interferência a que as práticas interestatais estão sujei-
tas por parte das outras constelações de práticas. Tal interferência provoca alte-
rações internas na institucionalidade das práticas interestatais. Por exemplo, as
agências financeiras multilaterais adquirem crescente proeminência em rela-
ção aos Estados; e o mesmo ocorre nas formas de direito, com a sobreposição do
direito de integração regional ao direito nacional. Por outro lado, a interferên-
cia das outras práticas nas práticas interestatais faz com que conflitos no inte-
rior destas últimas sejam derivados ou fortemente condicionados por conflitos
no interior das outras práticas. Em resultado disso, o critério de hierarquização
próprio das práticas interestatais (centro, semiperiferia, periferia) é crescente-
mente contaminado pelos critérios próprios das outras práticas (global, local) e
de tal modo que o que conta como centro, semiperiferia e periferia é cada vez
mais a cristalização, ao nível do país, de múltiplas e distintas combinações de
posições ou características globais e/ou locais no interior de práticas capitalis-
tas globais e de práticas sociais e culturais transnacionais.
Desta forma, é possível estabelecer como hipótese que os critérios
global/local conformarão progressivamente os critérios centro, semiperiferia e
periferia sem que estes últimos tenham de desaparecer, bem pelo contrário. É
característico do SMET, enquanto período transicional, manter e até aprofun-
dar as hierarquias próprias do SMM, alterando-lhes, no entanto, a lógica interna
da sua produção e reprodução.
À luz disto, sugiro que, nas condições presentes do SMET, a análise dos pro-
cessos de globalização e das hierarquias que eles produzem seja centrada nos
critérios que definem o global/local. Para além da justificação acima dada, há
uma outra que julgo importante e que se pode resumir no que designo por vora-
cidade diferenciadora do global/local. No SMM a hierarquia entre centro,
semiperiferia e periferia era articulável com uma série de dicotomias que deri-
vavam de uma variedade de formas de diferenciação desigual. Entre as formas
de dicotomização, saliento: desenvolvido/subdesenvolvido, moderno/tradicio-
nal, superior/inferior, universal/particular, racional/irracional, industrial/agrí-
cola, urbano/rural. Cada uma destas formas tinha um registo semântico pró-
prio, uma tradição intelectual, uma intencionalidade política e um horizonte
Boaventura de Sousa Santos 69

projectivo. O que é novo no SMET é o modo como a dicotomia global/local


tem vindo a absorver todas as outras, não só no discurso científico como no
discurso político.
O global e o local são socialmente produzidos no interior dos processos de
globalização. Distingo quatro processos de globalização produzidos por outros
tantos modos de globalização. Eis a minha definição de modo de produção de
globalização: é o conjunto de trocas desiguais pelo qual um determinado arte-
facto, condição, entidade ou identidade local estende a sua influência para além
das fronteiras nacionais e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como
local outro artefacto, condição, entidade ou identidade rival.
As implicações mais importantes desta concepção são as seguintes. Em pri-
meiro lugar, perante as condições do sistema mundial em transição não existe
globalização genuína; aquilo a que chamamos globalização é sempre a globali-
zação bem sucedida de determinado localismo. Por outras palavras, não existe
condição global para a qual não consigamos encontrar uma raiz local, real ou
imaginada, uma inserção cultural específica. A segunda implicação é que a glo-
balização pressupõe a localização. O processo que cria o global, enquanto posi-
ção dominante nas trocas desiguais, é o mesmo que produz o local, enquanto
posição dominada e, portanto, hierarquicamente inferior. De facto, vivemos
tanto num mundo de localização como num mundo de globalização. Portanto,
em termos analíticos, seria igualmente correcto se a presente situação e os
nossos tópicos de investigação se definissem em termos de localização, em vez
de globalização. O motivo por que é preferido o último termo é, basicamente, o
facto de o discurso científico hegemónico tender a privilegiar a história do
mundo na versão dos vencedores. Não é por acaso que o livro de Benjamim Bar-
ber sobre as tensões no processo de globalização se intitula Jihad versus
McWorld (1995) e não MacWorld versus Jihad.
Existem muitos exemplos de como a globalização pressupõe a localização.
A língua inglesa enquanto lingua franca é um desses exemplos. A sua propaga-
ção enquanto língua global implicou a localização de outras línguas potencial-
mente globais, nomeadamente a língua francesa. Quer isto dizer que, uma vez
identificado determinado processo de globalização, o seu sentido e explicação
integrais não podem ser obtidos sem se ter em conta os processos adjacentes de
relocalização com ele ocorrendo em simultâneo ou sequencialmente. A globa-
lização do sistema de estrelato de Hollywood contribuiu para a localização
(etnicização) do sistema de estrelato do cinema hindu. Analogamente, os acto-
res franceses ou italianos dos anos 60 – de Brigitte Bardot a Alain Delon, de
Marcello Mastroiani a Sofia Loren – que simbolizavam então o modo universal
de representar, parecem hoje, quando revemos os seus filmes, provinciana-
70 Os processos da globalização

mente europeus, se não mesmo curiosamente étnicos. A diferença do olhar


Volume I, Parte I, Capítulo 1

reside em que, de então para cá, o modo de representar hollywoodesco conse-


guiu globalizar-se. Para dar um exemplo de uma área totalmente diferente, à
medida que se globaliza o hamburger ou a pizza, localiza-se o bolo de bacalhau
português ou a feijoada brasileira, no sentido em que serão cada vez mais vistos
como particularismos típicos da sociedade portuguesa ou brasileira.
Uma das transformações mais frequentemente associadas aos processos de
globalização é a compressão tempo-espaço, ou seja, o processo social pelo qual
os fenómenos se aceleram e se difundem pelo globo (Harvey, 1989).21 Ainda que
aparentemente monolítico, este processo combina situações e condições alta-
mente diferenciadas e, por esse motivo, não pode ser analisado independente-
mente das relações de poder que respondem pelas diferentes formas de mobili-
dade temporal e espacial. Por um lado, existe a classe capitalista global, aquela
que realmente controla a compressão tempo-espaço e que é capaz de a transfor-
mar a seu favor. Existem, por outro lado, as classes e grupos subordinados,
como os trabalhadores migrantes e os refugiados, que nas últimas décadas têm
efectuado bastante movimentação transfronteiriça, mas que não controlam, de
modo algum, a compressão tempo-espaço. Entre os executivos das empresas
multinacionais e os emigrantes e refugiados, os turistas representam um ter-
ceiro modo de produção da compressão tempo-espaço.
Existem ainda os que contribuem fortemente para a globalização mas, não
obstante, permanecem prisioneiros do seu tempo-espaço local. Os camponeses
da Bolívia, do Perú e da Colômbia, ao cultivarem coca, contribuem decisiva-
mente para uma cultura mundial da droga, mas eles próprios permanecem
«localizados» nas suas aldeias e montanhas como desde sempre estiveram. Tal
como os moradores das favelas do Rio, que permanecem prisioneiros da vida
urbana marginal, enquanto as suas canções e as suas danças, sobretudo o
samba, constituem hoje parte de uma cultura musical globalizada.
Ainda noutra perspectiva, a competência global requer, por vezes, o acen-
tuar da especificidade local. Muitos dos lugares turísticos de hoje têm de vincar
o seu carácter exótico, vernáculo e tradicional para poderem ser suficiente-
mente atractivos no mercado global de turismo.
A produção de globalização implica, pois, a produção de localização. Longe
de se tratar de produções simétricas, é por via delas que se estabelece a hierar-
quização dominante no SMET. Nos seus termos, o local é integrado no global

21. A compressão tempo-espaço acarreta consigo a ideia da irreversibilidade e permanência dos processos de
globalização. No entanto, Fortuna chama a atenção para a hipótese de a globalização ser temporária. Repor-
tando-se ao processo de globalização das cidades, fala da existência «de um processo de globalização decorrente
da valorização temporária dos recursos imagéticos e representacionais» (1997: 16).
Boaventura de Sousa Santos 71

por duas vias possíveis: pela exclusão ou pela inclusão subalterna. Apesar de,
na linguagem comum e no discurso político, o termo globalização transmitir a
ideia de inclusão, o âmbito real da inclusão pela globalização, sobretudo econó-
mica, pode ser bastante limitado. Vastas populações do mundo, sobretudo em
África, estão a ser globalizadas em termos do modo específico por que estão a
ser excluídas pela globalização hegemónica.22 O que caracteriza a produção de
globalização é o facto de o seu impacto se estender tanto às realidades que
inclui como às realidades que exclui. Mas o decisivo na hierarquia produzida
não é apenas o âmbito da inclusão, mas a sua natureza. O local, quando
incluído, é-o de modo subordinado, segundo a lógica do global. O local que pre-
cede os processos de globalização, ou que consegue permanecer à margem, tem
muito pouco a ver com o local que resulta da produção global da localização.
Aliás, o primeiro tipo de local está na origem dos processos de globalização,
enquanto o segundo tipo é o resultado da operação destes.
O modo de produção geral de globalização desdobra-se em quatro modos
de produção, os quais, em meu entender, dão origem a quatro formas de glo-
balização.
A primeira forma de globalização é o localismo globalizado. Consiste no
processo pelo qual determinado fenómeno local é globalizado com sucesso,
seja a actividade mundial das multinacionais, a transformação da língua inglesa
em lingua franca, a globalização do fast food americano ou da sua música popu-
lar, ou a adopção mundial das mesmas leis de propriedade intelectual, de paten-
tes ou de telecomunicações promovida agressivamente pelos EUA. Neste modo
de produção de globalização o que se globaliza é o vencedor de uma luta pela
apropriação ou valorização de recursos ou pelo reconhecimento da diferença. A
vitória traduz-se na faculdade de ditar os termos da integração, da competição e
da inclusão. No caso do reconhecimento da diferença, o localismo globalizado
implica a conversão da diferença vitoriosa em condição universal e a conse-
quente exclusão ou inclusão subalterna de diferenças alternativas.
À segunda forma de globalização chamo globalismo localizado. Consiste
no impacto específico nas condições locais produzido pelas práticas e imperati-
vos transnacionais que decorrem dos localismos globalizados. Para responder a
esses imperativos transnacionais, as condições locais são desintegradas, deses-
truturadas e, eventualmente, reestruturadas sob a forma de inclusão subal-
terna. Tais globalismos localizados incluem: eliminação do comércio de proxi-
midade; criação de enclaves de comércio livre ou zonas francas; desflorestação

22. Cf. também McMichael (1996: 169). A dialéctica da inclusão e da exclusão é particularmente visível no
mercado global da comunicação e da informação. Com excepção da África do Sul, o continente africano é, para
este mercado, um continente inexistente.
72 Os processos da globalização

e destruição maciça dos recursos naturais para pagamento da dívida externa;


Volume I, Parte I, Capítulo 1

uso turístico de tesouros históricos, lugares ou cerimónias religiosos, artesa-


nato e vida selvagem; dumping ecológico («compra» pelos países do Terceiro
Mundo de lixos tóxicos produzidos nos países capitalistas centrais para gerar
divisas externas); conversão da agricultura de subsistência em agricultura para
exportação como parte do «ajustamento estrutural»; etnicização do local de
trabalho (desvalorização do salário pelo facto de os trabalhadores serem de um
grupo étnico considerado «inferior» ou «menos exigente»).23
Estes dois modos de produção de globalização operam em conjunção, mas
devem ser tratados separadamente dado que os factores, os agentes e os confli-
tos que intervêm num e noutro são distintos. A produção sustentada de localis-
mos globalizados e de globalismos localizados é cada vez mais determinante
para a hierarquização específica das práticas interestatais. A divisão internacio-
nal da produção da globalização tende a assumir o seguinte padrão: os países
centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países peri-
féricos cabe tão-só a escolha de globalismos localizados. Os países semiperiféri-
cos são caracterizados pela coexistência de localismos globalizados e de globa-
lismos localizados e pelas tensões entre eles. O sistema mundial em transição
é uma trama de globalismos localizados e localismos globalizados.24
Para além destes dois modos de produção de globalização há outros dois,
talvez os que melhor definem as diferenças e a novidade do SMET em relação
ao SMM porque ocorrem no interior da constelação das práticas que irrompeu
com particular pujança nas últimas décadas – as práticas sociais e culturais
transnacionais –, ainda que se repercutam nas restantes constelações de práti-
cas. Dizem respeito à globalização da resistência aos localismos globalizados e
aos globalismos localizados. Designo o primeiro por cosmopolitismo. Trata da
organização transnacional da resistência de Estados-nação, regiões, classes ou

23. O globalismo localizado pode ocorrer sob a forma do que Fortuna chama «globalização passiva», a situação
em que «algumas cidades se vêem incorporadas de modo passivo nos meandros da globalização e são incapazes
de fazer reconhecer aqueles recursos [globalizantes próprios] no plano transnacional» (1997: 16).
24. A divisão internacional da produção de globalização articula-se com uma divisão nacional do mesmo tipo: as
regiões centrais ou os grupos dominantes de cada país participam na produção e reprodução de localismos
nacionalizados, enquanto às regiões periféricas ou aos grupos dominados cabe produzir e reproduzir os naciona-
lismos localizados. Para tomar um exemplo recente, a Exposição Universal de Lisboa, a Expo’98, foi o resultado
da conversão em objectivo nacional dos objectivos locais da cidade de Lisboa e da classe política interessada em
promover uma imagem do país onde não cabem as regiões periféricas nem os grupos sociais dominados. Umas e
outros foram localizados por esta «decisão nacional» ao serem privados dos recursos e dos investimentos que,
pelo menos parcialmente, lhes poderiam ter cabido se a Expo’98 não se tivesse realizado.
Esta tensão entre localismos nacionalizados e nacionalismos localizados é intrínseca ao Estado capitalista
moderno. O que é novo é a crescente congruência entre localismos nacionalizados e localismos globalizados.
Usando de novo o exemplo da Expo’98, a nacionalização do desígnio expositivo não teria sido possível se este
não tivesse sido previamente globalizado entre o pequeno cartel de países competentes para se exporem e para
exporem os restantes países.
Boaventura de Sousa Santos 73

grupos sociais vitimizados pelas trocas desiguais de que se alimentam os loca-


lismos globalizados e os globalismos localizados, usando em seu benefício as
possibilidades de interacção transnacional criadas pelo sistema mundial em
transição, incluindo as que decorrem da revolução nas tecnologias de informa-
ção e de comunicação. A resistência consiste em transformar trocas desiguais
em trocas de autoridade partilhada, e traduz-se em lutas contra a exclusão, a
inclusão subalterna, a dependência, a desintegração, a despromoção. As activi-
dades cosmopolitas incluem, entre muitas outras: movimentos e organizações
no interior das periferias do sistema mundial; redes de solidariedade transna-
cional não desigual entre o Norte e o Sul; articulação entre organizações operá-
rias dos países integrados nos diferentes blocos regionais ou entre trabalhado-
res da mesma empresa multinacional operando em diferentes países (o novo
internacionalismo operário); redes internacionais de assistência jurídica alter-
nativa; organizações transnacionais de direitos humanos; redes mundiais de
movimentos feministas; organizações não governamentais (ONG’s) transnacio-
nais de militância anticapitalista; redes de movimentos e associações indíge-
nas, ecológicas ou de desenvolvimento alternativo; movimentos literários,
artísticos e científicos na periferia do sistema mundial em busca de valores
culturais alternativos, não imperialistas, contra-hegemónicos, empenhados em
estudos sob perspectivas pós-coloniais ou subalternas. Pese embora a heteroge-
neidade dos movimentos e organizações envolvidas, a contestação à Organiza-
ção Mundial de Comércio aquando da sua reunião em Seattle, a 30 de Novem-
bro de 1999, foi uma eloquente manifestação do que designo por cosmopoli-
tismo. Foi seguida por outras contestações contra as instituições financeiras da
globalização hegemónica realizadas em Washington, Montreal, Genebra e
Praga. O Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em Janeiro de 2001
foi outra importante manifestação de cosmopolitismo.
O uso do termo «cosmopolitismo» para descrever práticas e discursos de
resistência contra as trocas desiguais no sistema mundial tardio pode parecer
inadequado em face da sua ascendência modernista, tão eloquentemente des-
crita por Toulmin (1990), bem como à luz da sua utilização corrente para des-
crever práticas que são aqui concebidas, quer como localismos globalizados,
quer como globalismos localizados (para não referir a sua utilização para des-
crever o âmbito mundial das empresas multinacionais como «cosmocorp»).
Emprego-o, contudo, para assinalar que, contrariamente à crença modernista
(particularmente no momento de fin de siècle), o cosmopolitismo é apenas pos-
sível de um modo intersticial nas margens do sistema mundial em transição
como uma prática e um discurso contra-hegemónicos gerados em coligações
progressistas de classes ou grupos subalternos e seus aliados. O cosmopoli-
74 Os processos da globalização

tismo é efectivamente uma tradição da modernidade ocidental, mas é uma das


Volume I, Parte I, Capítulo 1

muitas tradições suprimidas ou marginalizadas pela tradição hegemónica que


gerou no passado a expansão europeia, o colonialismo e o imperialismo, e que
hoje gera os localismos globalizados e os globalismos localizados.
Neste contexto, é ainda necessário fazer uma outra precisão. O cosmopoli-
tismo pode invocar a crença de Marx na universalidade daqueles que, sob o
capitalismo, têm somente a perder as suas grilhetas.25 Não enjeito tal invoca-
ção, mas insisto na distinção entre o cosmopolitismo, tal como o entendo, e o
universalismo da classe trabalhadora marxista. Para além da classe operária
descrita por Marx, as classes dominadas do mundo actual são agrupáveis em
mais duas categorias, nenhuma delas redutível à classe-que-só-tem-a-perder-as-
-grilhetas. Por um lado, sectores consideráveis ou influentes das classes traba-
lhadoras dos países centrais, e até dos países semiperiféricos, que têm hoje mais
a perder do que as grilhetas, mesmo que esse «mais» não seja muito mais, ou
seja mais simbólico do que material. 26 Por outro, vastas populações do mundo
que nem sequer têm grilhetas, ou seja, que não são suficientemente úteis ou
aptas para serem directamente exploradas pelo capital e a quem, consequente-
mente, a eventual ocorrência de uma tal exploração soaria como libertação.
Em toda a sua variedade, as coligações cosmopolitas visam a luta pela emanci-
pação das classes dominadas, sejam elas dominadas por mecanismos de opres-
são ou de exploração. Talvez por isso, contrariamente à concepção marxista, o
cosmopolitismo não implica uniformidade e o colapso das diferenças, autono-
mias e identidades locais. O cosmopolitismo não é mais do que o cruzamento
de lutas progressistas locais com o objectivo de maximizar o seu potencial
emancipatório in loco através das ligações translocais/locais.
Provavelmente a mais importante diferença entre a minha concepção de
cosmopolitismo e a universalidade dos oprimidos de Marx é que as coligações
cosmopolitas progressistas não têm necessariamente uma base classista. Inte-
gram grupos sociais constituídos em base não-classista, vítimas, por exemplo,

25. A ideia do cosmopolitismo como universalismo, cidadania do mundo, negação das fronteiras políticas e terri-
toriais, tem uma longa tradição na cultura ocidental, da lei cósmica de Pitágoras e a philallelia de Demócrito ao
«Homo sum, humani nihil a me alienum puto» de Terêncio, da res publica christiana medieval aos humanistas
da Renascença, da ideia de Voltaire para quem «para ser bom patriota [é] necessário tornar-se inimigo do resto
do mundo» até ao internacionalismo operário.
26. A distinção entre o material e o simbólico não deve ser levada para além de limites razoáveis já que cada um
dos pólos da distinção contém o outro (ou alguma dimensão do outro), ainda que de forma recessiva. O «mais»
material a que me refiro são basicamente os direitos económicos e sociais conquistados e tornados possíveis pelo
Estado-Providência: os salários indirectos, a segurança social, etc. O «mais» simbólico inclui, por exemplo, a
inclusão na ideologia nacionalista ou na ideologia consumista e a conquista de direitos desprovidos de meios efi-
cazes de aplicação. Uma das consequências da globalização hegemónica tem sido a crescente erosão do «mais»
material, compensada pela intensificação do «mais» simbólico.
Boaventura de Sousa Santos 75

de discriminação sexual, étnica, rácica, religiosa, etária, etc. Por esta razão, em
parte, o carácter progressista ou contra-hegemónico das coligações cosmopoli-
tas nunca pode ser determinado em abstracto. Ao invés, é intrinsecamente ins-
tável e problemático. Exige dos que nelas participam uma auto-reflexividade
permanente. Iniciativas cosmopolitas concebidas e criadas com um carácter
contra-hegemónico podem vir a assumir posteriormente características hege-
mónicas, correndo mesmo o risco de se converterem em localismos globaliza-
dos. Basta pensar nas iniciativas de democracia participativa a nível local que
durante anos tiveram de lutar contra o «absolutismo» da democracia represen-
tativa e a desconfiança por parte das elites políticas conservadoras, tanto nacio-
nais como internacionais, e que hoje começam a ser reconhecidas e mesmo
apadrinhadas pelo Banco Mundial, seduzido pela eficácia e pela ausência de
corrupção com que tais iniciativas aplicam os fundos e os empréstimos de
desenvolvimento. A vigilância auto-reflexiva é essencial para distinguir entre a
concepção tecnocrática de democracia participativa sancionada pelo Banco
Mundial e a concepção democrática e progressista de democracia participativa,
embrião de globalização contra-hegemónica.27
A instabilidade do carácter progressista ou contra-hegemónico decorre ainda
de um outro factor: as diferentes concepções de resistência emancipatória por
parte de iniciativas cosmopolitas em diferentes regiões do sistema mundial.
Por exemplo, a luta pelos padrões mínimos da qualidade de trabalho (os chama-
dos labor standards) – luta conduzida pelas organizações sindicais e grupos de
direitos humanos dos países mais desenvolvidos, com objectivos de solidarie-
dade internacionalista, no sentido de impedir que produtos produzidos com
trabalho que não atinge esses padrões mínimos possam circular livremente no
mercado mundial –, é certamente vista pelas organizações que a promovem
como contra-hegemónica e emancipatória, uma vez que visa melhorar as con-
dições de vida dos trabalhadores, mas pode ser vista por organizações similares
dos países da periferia como mais uma estratégia hegemónica do Norte, cujo
efeito útil é criar mais uma forma de proteccionismo favorável aos países ricos.
O segundo modo de produção de globalização em que se organiza a resistên-
cia aos localismos globalizados e aos globalismos localizados é o que eu
designo, recorrendo ao direito internacional, por património comum da huma-
nidade. Trata-se de lutas transnacionais pela protecção e desmercadorização de
recursos, entidades, artefactos, ambientes considerados essenciais para a sobre-
vivência digna da humanidade e cuja sustentabilidade só pode ser garantida à
escala planetária. Pertencem ao património comum da humanidade, em geral,

27. Analiso esta questão no meu estudo sobre o orçamento participativo em Porto Alegre (Santos, 1998a).
76 Os processos da globalização

as lutas ambientais, as lutas pela preservação da Amazónia, da Antártida, da


Volume I, Parte I, Capítulo 1

biodiversidade ou dos fundos marinhos e ainda as lutas pela preservação do


espaço exterior, da Lua e de outros planetas concebidos também como patri-
mónio comum da humanidade. Todas estas lutas se referem a recursos que,
pela sua natureza, têm de ser geridos por outra lógica que não a das trocas desi-
guais, por fideicomissos da comunidade internacional em nome das gerações
presentes e futuras. 28
O cosmopolitismo e o património comum da humanidade conheceram
grande desenvolvimento nas últimas décadas. Através deles se foi construindo
uma globalização política alternativa à hegemónica desenvolvida a partir da
necessidade de criar uma obrigação política transnacional correspondente à
que até agora vinculou mutuamente cidadãos e Estados-nação. Tal obrigação
política mais ampla é por agora meramente conjuntural, uma vez que está ainda
por concretizar (ou sequer imaginar) uma instância política transnacional cor-
respondente à do Estado-nação. No entanto, as Organizações Não-Governa-
mentais de advocacia progressista transnacional, as alianças entre elas e orga-
nizações e movimentos locais em diferentes partes do mundo, a organização de
campanhas contra a globalização hegemónica (das campanhas do Greenpeace à
Campanha Jubileu 2000), todos estes fenómenos são, por vezes, vistos como
sinais de uma sociedade civil e política global apenas emergente.
Mas tanto o cosmopolitismo como o património comum da humanidade
têm encontrado fortíssimas resistências por parte dos que conduzem a globali-
zação hegemónica (localismos globalizados e globalismos localizados) ou dela
se aproveitam. O património comum da humanidade, em especial, tem estado
sob constante ataque por parte de países hegemónicos, sobretudo dos EUA. Os
conflitos, as resistências, as lutas e as coligações em torno do cosmopolitismo
e do património comum da humanidade demonstram que aquilo a que chama-
mos globalização é, na verdade, um conjunto de campos de lutas transnacio-
nais. Daí a importância em distinguir entre globalização de-cima-para-baixo e
globalização de-baixo-para-cima, ou entre globalização hegemónica e globaliza-
ção contra-hegemónica. Os localismos globalizados e os globalismos localiza-
dos são globalizações de-cima-para-baixo ou hegemónicas; cosmopolitismo e
património comum da humanidade são globalizações de-baixo-para-cima, ou
contra-hegemónicas. É importante ter em mente que estes dois tipos de globa-
lização não existem em paralelo como se fossem duas entidades estanques.
Pelo contrário, são a expressão e o resultado das lutas que se travam no interior

28. Sobre o património comum da humanidade, ver, entre muitos outros, Santos (1995: 365-373) e o estudo
exaustivo de Pureza (1999).
Boaventura de Sousa Santos 77

do campo social que convencionámos chamar globalização e que em realidade


se constrói segundo quatro modos de produção. Como qualquer outra, a con-
cepção de globalização aqui proposta não é pacífica.29 Para a situar melhor nos
debates actuais sobre a globalização são necessárias algumas precisões.

7. GLOBALIZAÇÃO HEGEMÓNICA E CONTRA-HEGEMÓNICA

Um dos debates actuais gira em redor da questão de saber se há uma ou


várias globalizações. Para a grande maioria dos autores só há uma globalização,
a globalização capitalista neoliberal, e por isso não faz sentido distinguir entre
globalização hegemónica e contra-hegemónica. Havendo uma só globalização,
a resistência contra ela não pode deixar de ser a localização auto-assumida.
Segundo Jerry Mander, a globalização económica tem uma lógica férrea que é
duplamente destrutiva. Não só não pode melhorar o nível de vida da esmaga-
dora maioria da população mundial (pelo contrário, contribui para que ele
piore), como não é sequer sustentável a médio prazo (1996: 18). Ainda hoje a
maioria da população mundial mantém economias relativamente tradicionais,
muitos não são «pobres» e uma alta percentagem dos que o são foram empo-
brecidos pelas políticas da economia neoliberal. Em face disto, a resistência
mais eficaz contra a globalização reside na promoção das economias locais e
comunitárias, economias de pequena-escala, diversificadas, auto-sustentáveis,
ligadas a forças exteriores, mas não dependentes delas. Segundo esta concep-
ção, numa economia e numa cultura cada vez mais desterritorializadas, a res-
posta contra os seus malefícios não pode deixar de ser a reterritorialização, a
redescoberta do sentido do lugar e da comunidade, o que implica a redescoberta
ou a invenção de actividades produtivas de proximidade.
Esta posição tem-se traduzido na identificação, criação e promoção de inú-
meras iniciativas locais em todo o mundo. Consequentemente é hoje muito
rico o conjunto de propostas que, em geral, podíamos designar por localização.
Entendo por localização o conjunto de iniciativas que visam criar ou manter
espaços de sociabilidade de pequena escala, comunitários, assentes em relações
face-a-face, orientados para a auto-sustentabilidade e regidos por lógicas coope-
rativas e participativas. As propostas de localização incluem iniciativas de
pequena agricultura familiar (Berry, 1996; Inhoff, 1996), pequeno comércio local

29. Sobre a globalização de-baixo-para-cima ou contra-hegemónica, ver Hunter (1995); Kidder e McGinn (1995).
Ver também Falk (1995, 1999). Ambos os trabalhos visam as coligações e redes internacionais de trabalhadores
que emergiram do NAFTA.
78 Os processos da globalização

(Norberg-Hodge, 1996), sistemas de trocas locais baseados em moedas locais


Volume I, Parte I, Capítulo 1

(Meeker-Lowry, 1996), formas participativas de autogoverno local (Kumar,


1996; Morris, 1996). Muitas destas iniciativas ou propostas assentam na ideia
de que a cultura, a comunidade e a economia estão incorporadas e enraizadas
em lugares geográficos concretos que exigem observação e protecção constan-
tes. É isto o que se chama bio-regionalismo (Sale, 1996).
As iniciativas e propostas de localização não implicam necessariamente
fechamento isolacionista. Implicam, isso sim, medidas de protecção contra as
investidas predadoras da globalização neoliberal. Trata-se de um «novo protec-
cionismo»: a maximização do comércio local no interior de economias locais,
diversificadas e auto-sustentáveis e a minimização do comércio de longa dis-
tância (Hines e Lang, 1996: 490).30 O novo proteccionismo parte da ideia de
que a economia global, longe de ter eliminado o velho proteccionismo, é, ela
própria, uma táctica proteccionista das empresas multinacionais e dos bancos
internacionais contra a capacidade de as comunidades locais preservarem a
sua própria sustentabilidade e a da natureza.
O paradigma da localização não implica necessariamente a recusa de resis-
tências globais ou translocais. Põe, no entanto, o acento tónico na promoção
das sociabilidades locais. É esta a posição de Norberg-Hodge (1996), para quem
é necessário distinguir entre estratégias para pôr freio à expansão descontrolada
da globalização e estratégias que promovam soluções reais para as populações
reais. As primeiras devem ser levadas a cabo por iniciativas translocais, nomea-
damente através de tratados multilaterais que permitam aos Estados nacionais
proteger as populações e o meio ambiente dos excessos do comércio livre. Pelo
contrário, o segundo tipo de estratégias, sem dúvida as mais importantes, só
pode ser levado a cabo através de múltiplas iniciativas locais e de pequena
escala tão diversas quanto as culturas, os contextos e o meio ambiente em que
têm lugar. Não se trata de pensar em termos de esforços isolados e antes de ins-
tituições que promovam a pequena escala em larga escala.
Esta posição é que mais se aproxima da que resulta da concepção de uma
polarização entre globalização hegemónica e globalização contra-hegemónica
aqui proposta. A diferença está na ênfase relativa entre as várias estratégias
de resistência em presença. Em minha opinião, é incorrecto dar prioridade,
quer às estratégias locais, quer às estratégias globais. Uma das armadilhas da
globalização neoliberal consiste em acentuar simbolicamente a distinção
entre o local e o global e ao mesmo tempo destruí-la ao nível dos mecanis-

30. No mesmo sentido, é sugerido que os movimentos progressistas devem usar os instrumentos do naciona-
lismo económico para combater as forças do mercado.
Boaventura de Sousa Santos 79

mos reais da economia. A acentuação simbólica destina-se a deslegitimar


todos os obstáculos à expansão incessante da globalização neoliberal, agre-
gando-os a todos sob a designação de local e mobilizando contra eles conota-
ções negativas através dos fortes mecanismos de inculcação ideológica de
que dispõe. Ao nível dos processos transnacionais, da economia à cultura, o
local e o global são cada vez mais os dois lados da mesma moeda, como, de
resto, salientei acima. Neste contexto, a globalização contra-hegemónica é
tão importante quanto a localização contra-hegemónica. As iniciativas, orga-
nizações e movimentos que acima designei como integrantes do cosmopoli-
tismo e do património comum da humanidade têm uma vocação transnacio-
nal mas nem por isso deixam de estar ancorados em locais concretos e em
lutas locais concretas. A advocacia transnacional dos direitos humanos visa
defendê-los nos locais concretos do mundo onde eles são violados, tal como a
advocacia transnacional da ecologia visa pôr cobro a destruições concretas,
locais ou translocais, do meio ambiente. Há formas de luta mais orientadas
para a criação de redes entre locais, mas obviamente elas não serão sustentá-
veis se não partirem de lutas locais ou não forem sustentadas por elas. As
alianças transnacionais entre sindicatos de trabalhadores da mesma empresa
multinacional, a operar em diferentes países, visam melhorar as condições de
vida em cada um dos locais de trabalho, dando mais força e mais eficácia às
lutas locais dos trabalhadores. É neste sentido que se deve entender a pro-
posta de Chase-Dunn et al. (1998), no sentido da globalização política dos
movimentos populares de modo a criar um sistema global democrático e
colectivamente racional.
O global acontece localmente. É preciso fazer com que o local contra-hege-
mónico também aconteça globalmente. Para isso não basta promover a pequena
escala em grande escala. É preciso desenvolver, como propus noutro lugar
(Santos, 1999), uma teoria da tradução que permita criar inteligibilidade recí-
proca entre as diferentes lutas locais, aprofundar o que têm em comum de modo
a promover o interesse em alianças translocais e a criar capacidades para que
estas possam efectivamente ter lugar e prosperar.
À luz da caracterização do sistema mundial em transição que propus
acima, o cosmopolitismo e o património comum da humanidade constituem
globalização contra-hegemónica na medida em que lutam pela transformação
de trocas desiguais em trocas de autoridade partilhada. Esta transformação
tem de ocorrer em todas as constelações de práticas, mas assumirá perfis dis-
tintos em cada uma delas. No campo das práticas interestatais, a transforma-
ção tem de ocorrer simultaneamente ao nível dos Estados e do sistema inter-
estatal. Ao nível dos Estados trata-se de transformar a democracia de baixa
80 Os processos da globalização

intensidade, que hoje domina, pela democracia de alta intensidade.31 Ao nível


Volume I, Parte I, Capítulo 1

do sistema interestatal, trata-se de promover a construção de mecanismos de


controlo democrático através de conceitos como o de cidadania pós-nacional
e o de esfera pública transnacional.
No campo das práticas capitalistas globais, a transformação contra-hegemó-
nica consiste na globalização das lutas que tornem possível a distribuição
democrática da riqueza, ou seja, uma distribuição assente em direitos de cida-
dania, individuais e colectivos, aplicados transnacionalmente.
Finalmente, no campo das práticas sociais e culturais transnacionais, a
transformação contra-hegemónica consiste na construção do multicultura-
lismo emancipatório, ou seja, na construção democrática das regras de reco-
nhecimento recíproco entre identidades e entre culturas distintas. Este reco-
nhecimento pode resultar em múltiplas formas de partilha – tais como identi-
dades duais, identidades híbridas, inter-identidade e trans-identidade –, mas
todas elas devem orientar-se pela seguinte pauta trans-identitária e transcultu-
ral: temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e de ser dife-
rentes quando a igualdade nos descaracteriza.32

8. A GLOBALIZAÇÃO HEGEMÓNICA E O PÓS-CONSENSO


DE WASHINGTON

Distinguir entre globalização hegemónica e globalização contra-hegemó-


nica implica pressupor a coerência interna de cada uma delas. Trata-se, no
entanto, de um pressuposto problemático, pelo menos no actual período de
transição em que nos encontramos. Já assinalei que a globalização contra-hege-
mónica, ainda que reconduzível a dois modos de produção de globalização – o
cosmopolitismo e o património comum da humanidade –, é internamente
muito fragmentada na medida em que assume predominantemente a forma de
iniciativas locais de resistência à globalização hegemónica. Tais iniciativas
estão enraizadas no espírito do lugar, na especificidade dos contextos, dos acto-
res e dos horizontes de vida localmente constituídos. Não falam a linguagem
da globalização e nem sequer linguagens globalmente inteligíveis. O que faz
delas globalização contra-hegemónica é, por um lado, a sua proliferação um
pouco por toda a parte enquanto respostas locais a pressões globais – o local é

31. Sobre os conceitos de democracia de alta intensidade e de democracia de baixa intensidade, ver Santos
(1998b) e Santos (2000b).
32. Sobre este ponto, cf. Santos (1997).
Boaventura de Sousa Santos 81

produzido globalmente – e, por outro lado, as articulações translocais que é


possível estabelecer entre elas ou entre elas e organizações e movimentos trans-
nacionais que partilham pelo menos parte dos seus objectivos.
No que respeita à globalização hegemónica, os processos recíprocos de loca-
lismos globalizados e de globalismos localizados fazem prever uma maior
homogeneidade e coerência internas. Tal é o caso, em particular, da globaliza-
ção económica. Aí é possível identificar uma série de características que pare-
cem estar presentes globalmente: a prevalência do princípio do mercado sobre
o princípio do Estado; a financeirização da economia mundial; a total subordi-
nação dos interesses do trabalho aos interesses do capital; o protagonismo
incondicional das empresas multinacionais; a recomposição territorial das eco-
nomias e a consequente perda de peso dos espaços nacionais e das instituições
que antes os configuravam, nomeadamente os Estados nacionais; uma nova
articulação entre a política e a economia em que os compromissos nacionais
(sobretudo os que estabelecem as formas e os níveis de solidariedade) são elimi-
nados e substituídos por compromissos com actores globais e com actores
nacionais globalizados.
Estas características gerais não vigoram, no entanto, de modo homogéneo
em todo o planeta. Pelo contrário, articulam-se de modo diferenciado com dife-
rentes condições nacionais e locais, sejam elas a trajectória histórica do capita-
lismo nacional, a estrutura de classes, o nível de desenvolvimento tecnológico,
o grau de institucionalização dos conflitos sociais e, sobretudo, dos conflitos
capital/trabalho, os sistemas de formação e qualificação da força de trabalho, as
redes de instituições públicas que asseguram um tipo concreto de articulação
entre a política e a economia. No que respeita especificamente a estas últimas,
a nova economia institucional (North, 1990; Reis, 1998) tem vindo a salientar
o papel central da ordem constitucional, o conjunto de instituições e de com-
promissos institucionalizados que asseguram os mecanismos de resolução de
conflitos, os níveis de tolerância ante as desigualdades e os desequilíbrios, e,
em geral, definem o que é preferível, permitido ou proibido (Boyer, 1998: 12).
Cada ordem constitucional tem a sua própria historicidade e é ela que deter-
mina a especificidade da resposta local ou nacional às mesmas pressões glo-
bais. Esta especificidade faz com que, em termos de relações sociais e institu-
cionais, não haja um só capitalismo mas vários.
O capitalismo, enquanto modo de produção, tem assim evoluído historica-
mente em diferentes famílias de trajectórias. Boyer distingue quatro dessas tra-
jectórias, as quais constituem as quatro configurações principais do capitalismo
contemporâneo: o capitalismo mercantil dos EUA, Inglaterra, Canadá, Nova
Zelândia e Austrália; o capitalismo mesocorporativo do Japão; o capitalismo
82 Os processos da globalização

social democrático da Suécia, Áustria, Finlândia, Noruega e Dinamarca, e, em


Volume I, Parte I, Capítulo 1

menor grau, Alemanha; o capitalismo estatal da França, Itália e Espanha (Boyer


e Drache, 1996, 1998). Esta tipologia restringe-se às economias dos países cen-
trais, ficando, pois, fora dela a maioria dos capitalismos reais da Ásia, da Amé-
rica Latina, da Europa Central, do Sul e de Leste e da África. A sua utilidade
reside em mostrar a variedade das formas de capitalismo e o modo diferenciado
como cada uma delas se insere nas transformações globais.
No capitalismo mercantil o mercado é a instituição central; as suas insufi-
ciências são supridas por agências de regulação; o interesse individual e a com-
petição dominam todas as esferas da sociedade; as relações sociais, de mercado
e de trabalho, são reguladas pelo direito privado; os mercados de trabalho são
extremamente flexíveis; é dada toda a prioridade à inovação tecnológica pro-
movida por diferentes tipos de incentivos e protegida pelo direito de patentes e
de propriedade intelectual; são toleradas grandes desigualdades sociais bem
como o subinvestimento em bens públicos ou de consumo colectivo (transpor-
tes públicos, educação, saúde, etc.).
O capitalismo mesocorporativo japonês é liderado pela grande empresa; é
no seio desta que se obtêm os ajustamentos económicos principais através dos
bancos que detêm e da rede de empresas afiliadas que controlam; a regulação
pública actua em estreita coordenação com as grandes empresas; dualidade
entre os trabalhadores «regulares» e os trabalhadores «irregulares», sendo a
linha divisória a entrada ou não na carreira estruturada no interior do mercado
interno da grande empresa; são altos os níveis de educação generalista e a for-
mação profissional é fornecida pelas empresas; aceita-se a estabilidade das desi-
gualdades.
O capitalismo social-democrático assenta na concertação social entre os
parceiros sociais, as organizações representativas dos patrões e dos trabalhado-
res e o Estado; compromissos mutuamente vantajosos que garantam a compa-
tibilidade entre ganhos de competitividade, inovação e produtividade, por um
lado, e ganhos salariais e melhoria do nível de vida, por outro; prevalência da
justiça social; alto investimento em educação; organização do mercado de tra-
balho de modo a minimizar a flexibilidade e a promover a qualificação como
resposta ao aumento da competitividade e à inovação tecnológica; elevada pro-
tecção social contra os riscos; minimização das desigualdades sociais.
Finalmente, o capitalismo estatal assenta na centralidade da intervenção
estatal como princípio de coordenação em face da fraqueza da ideologia do mer-
cado e das organizações dos parceiros sociais; sistema público de educação para
a produção de elites empresariais públicas e privadas; fraca formação profissio-
nal; mercado de trabalho altamente regulado; investigação científica pública
Boaventura de Sousa Santos 83

com deficiente articulação com o sector privado; elevada protecção social. Ape-
sar de Portugal continuar a ser uma sociedade semiperiférica, a institucionali-
dade capitalista que domina entre nós aponta para o tipo de capitalismo esta-
tal. A plena consolidação deste modelo de institucionalidade parece estar blo-
queada no nosso país, pelas pressões contraditórias, ainda que desiguais, de que
o modelo é alvo e que, por paradoxal que pareça, são exercidas pelo próprio
Estado: por um lado, as pressões no sentido do capitalismo social democrático
e, por outro lado, as pressões bem mais fortes no sentido do capitalismo mer-
cantil. Neste caótico processo de transição há ainda vestígios de capitalismo
mesocorporativo, sobretudo em face da articulação íntima entre o Estado e os
grupos financeiros e entre o Estado e grandes empresas públicas e privadas em
fase de internacionalização.
Em face da coexistência destes quatro grandes tipos de capitalismo (e certa-
mente de outros tipos em vigor nas regiões do mundo não integradas na classifi-
cação), pode questionar-se a existência de uma globalização económica hegemó-
nica. Afinal, cada um destes tipos de capitalismo constitui um regime de acu-
mulação e um modo de regulação dotados de estabilidade, em que é grande a
complementaridade e a compatibilidade entre as instituições. Por esta via, o
tecido institucional tem uma capacidade antecipatória ante possíveis ameaças
desestruturantes. A verdade, porém, é que os regimes de acumulação e os modos
de regulação são entidades históricas dinâmicas; aos períodos de estabilidade
seguem-se períodos de desestabilização, por vezes induzidos pelos próprios êxi-
tos anteriores. Ora desde a década de oitenta, temos vindo a assistir a uma
enorme turbulência nesses diferentes tipos de capitalismo. A turbulência não é,
porém, caótica e nela podemos detectar algumas linhas de força. São essas linhas
de força que compõem o carácter hegemónico da globalização económica.
Em geral, e nos termos da definição de globalização acima proposta, pode
dizer-se que a evolução consiste na globalização do capitalismo mercantil e na
consequente localização dos capitalismos mesocorporativos, social democrá-
tico e estatal. Localização implica desestruturação e adaptação. As linhas de
força por que uma e outra se têm pautado são as seguintes: os compromissos
entre o capital e o trabalho são vulnerabilizados pela nova inserção na econo-
mia internacional (mercados livres e procura global de investimentos directos);
a segurança da relação social é convertida em rigidez da relação salarial; a prio-
ridade dada aos mercados financeiros bloqueia a distribuição de rendimentos e
exige a redução das despesas públicas em material social; a transformação do
trabalho num recurso global é feita de modo a coexistir com a diferenciação de
salários e de preços; o aumento da mobilidade do capital faz com que a fiscali-
dade passe a incidir sobre rendimentos imóveis (sobretudo os do trabalho); o
84 Os processos da globalização

papel redistributivo das políticas sociais decresce e, em consequência, aumen-


Volume I, Parte I, Capítulo 1

tam as desigualdades sociais; a protecção social é sujeita a uma pressão privati-


zante, sobretudo no domínio das pensões de reforma dado o interesse nelas por
parte dos mercados financeiros; a actividade estatal intensifica-se, mas agora
no sentido de incentivar o investimento, as inovações e as exportações; o sec-
tor empresarial do Estado, quando não é totalmente eliminado, é fortemente
reduzido; a pauperização dos grupos sociais vulneráveis e a acentuação das desi-
gualdades sociais são consideradas efeitos inevitáveis da prosperidade da eco-
nomia e podem ser minoradas por medidas compensatórias desde que estas não
perturbem o funcionamento dos mecanismos de mercado.
É este o perfil da globalização hegemónica, sobretudo económica e política.
A sua identificação tem a ver com as escalas de análise. Ao nível da grande
escala (a análise que cobre uma pequena área em grande detalhe), tal hegemonia
é dificilmente detectável na medida em que a esta escala sobressaem sobretudo
as particularidades nacionais e locais e as especificidades das respostas, resis-
tências e adaptações a pressões externas. Pelo contrário, ao nível da pequena
escala (a análise que cobre grandes áreas, mas com pouco detalhe), só são visí-
veis as grandes tendências globalizantes e a tal ponto que a diferenciação nacio-
nal ou regional do seu impacto e as resistências que lhe são movidas são negli-
genciadas. É a este nível de análise que se colocam os autores para quem a glo-
balização é um fenómeno sem precedentes, tanto na sua estrutura como na sua
intensidade. Também para eles é inadequado falar de globalização hegemónica,
pois, como referi acima, havendo uma só globalização inelutável faz pouco sen-
tido falar de hegemonia e, ainda menos, de contra-hegemonia. É ao nível da
escala média que se torna possível identificar fenómenos globais hegemónicos
que, por um lado, se articulam de múltiplas formas com condições locais, nacio-
nais e regionais e que, por outro lado, são confrontados com resistências locais
nacionais e globais que se podem caracterizar como contra-hegemónicas.
A escolha dos níveis de escala é assim crucial e pode ser determinada tanto
por razões analíticas como por razões de estratégia política ou ainda por uma
combinação entre elas. Por exemplo, para visualizar os conflitos entre os gran-
des motores do capitalismo global tem-se considerado adequado escolher uma
escala de análise que distingue três grandes blocos regionais interligados por
múltiplas interdependências e rivalidades: o bloco americano, o europeu e o
japonês (Stallings e Streeck, 1995; Castells, 1996: 108). Cada um destes blocos
tem um centro, os EUA, a União Europeia e o Japão, respectivamente, uma
semiperiferia e uma periferia. Ao nível desta escala, os dois tipos de capita-
lismo europeu acima referidos, o social-democrático e o estatal, aparecem fun-
didos num só. De facto, a União Europeia tem hoje uma política económica
Boaventura de Sousa Santos 85

interna e internacional e é sob o seu nome que os diferentes capitalismos euro-


peus travam as suas batalhas com o capitalismo norte-americano nos foros
internacionais, nomeadamente na Organização Mundial do Comércio.
A escala média de análise é, pois, aquela que permite esclarecer melhor os
conflitos e as lutas sociais que se travam à escala mundial e as articulações
entre as suas dimensões locais, nacionais e globais. É também ela que permite
identificar fracturas no seio da hegemonia. As linhas de força que acima referi
como sendo o núcleo da globalização hegemónica traduzem-se em diferentes
constelações institucionais, económicas, sociais, políticas e culturais ao articu-
lar-se com cada um dos quatro tipos de capitalismo ou com cada um dos três
blocos regionais. Essas fracturas são hoje muitas vezes o ponto de entrada para
lutas sociais locais-globais de orientação anticapitalista e contra-hegemónica.
Um exemplo na área da segurança social pode ajudar a elucidar a natureza
deste ponto de entrada. Ao longo do século XX, e sobretudo depois da Segunda
Guerra Mundial, os Estados centrais desenvolveram um conjunto de políticas
públicas que visaram criar sistemas de protecção social e de segurança social
para o conjunto dos cidadãos e, em particular, para os trabalhadores. Pela impor-
tância do reconhecimento amplo de direitos sociais e pelo elevado nível de
transferências de rendimento que envolveram, tais políticas acabaram por
transformar a natureza política das relações Estado/sociedade civil, dando ori-
gem a uma nova forma política que se designou por Estado-Providência. Apesar
de se tratar de uma transformação política geral, assumiu diferentes formas
nos diferentes países. Partindo de uma escala média de análise, Esping-Ander-
son (1990) identificou três grandes tipos de Estado-Providência com base no
índice de desmercadorização do bem estar social.33
O Estado-Providência liberal é caracterizado por um grau baixo de desmer-
cadorização; protecção pública selectiva e residual dirigida especificamente às
classes de menores rendimentos; promoção de um sistema dual de protecção
pública e privada; promoção activa da intervenção do mercado através de subsí-
dios à subscrição de esquemas privados e da limitação a esquemas e níveis
mínimos de protecção pública. Este tipo de Estado-Providência existe nos EUA
e na Inglaterra.
O segundo tipo é o Estado-Providência corporativo vigente na Alemanha e
na Áustria. Os direitos sociais são garantidos em nível elevado, mas circunscri-
tos aos trabalhadores e aos desempenhos no mercado de trabalho; em paralelo,

33. Esping-Anderson definiu o índice de desmercadorização como sendo o grau em que os indivíduos ou famílias
podem manter um nível de vida aceitável, independentemente da participação no mercado (1990: 37). Este
grau de desmercadorização não depende só do nível das prestações sociais, mas também das condições de elegi-
bilidade e restrições nos direitos, do nível de substituição dos rendimentos e do leque dos direitos.
86 Os processos da globalização

existe um sistema de assistência social generosa para os que não estão abrangi-
Volume I, Parte I, Capítulo 1

dos pelos regimes contributivos; a desmercadorização da protecção social tem,


como contrapartida, o accionamento de efectivos mecanismos de controlo social.
Finalmente, o Estado-Providência social-democrático, vigente nos países
escandinavos, caracteriza-se pelo acesso quase universal aos benefícios, de
modo a incluir as necessidades e os gastos da classe média; o acesso aos direi-
tos não tem outra condição que não a condição de cidadão ou de residente,
sendo, por isso, muito elevado o grau de desmercadorização; os benefícios são
de montantes fixos, bastante generosos e financiados por impostos, ainda que
existam esquemas complementares de seguro social.
Maurizio Ferrera tem vindo a propor um quarto tipo de Estado-Providência
vigente no Sul da Europa (Itália, Espanha, Portugal e Grécia) (1996): um sis-
tema corporativo de protecção social altamente fragmentado em termos ocu-
pacionais, gerando assim muitas injustiças e disparidades; polarização entre
esquemas generosos de protecção e grandes lacunas de protecção; sistema uni-
versal mas de baixa qualidade no domínio da saúde; baixos níveis de despesas
públicas sociais; persistência de clientelismos e misturas altamente promís-
cuas entre actores e instituições públicos, por um lado, e privados, por outro.
A caracterização do que designo por quase-Estado-Providência português está
feita noutro lugar (Santos, 1993; Santos e Ferreira, 2001).34 O que interessa subli-
nhar aqui é a congruência geral entre a tipologia de Esping-Anderson e a tipologia
de capitalismos de Boyer. Ao capitalismo mercantil corresponde um Estado-Pro-
vidência fraco, o Estado-Providência liberal, enquanto aos capitalismos europeus,
tanto ao social democrático como ao estatal, correspondem Estados-Providência
fortes ainda que diferenciados. E tal como nos últimos vinte anos o capitalismo
mercantil procurou globalizar-se, impondo-se aos restantes, também no domínio
da protecção social assistimos à progressiva globalização do Estado-Providência
liberal e à consequente localização defensiva dos outros tipos de Estado-Provi-
dência. A globalização do modelo de providência estatal liberal implicou a adop-
ção deste tanto por países que se submeteram à nova ortodoxia neoliberal, como
foi o caso «pioneiro» do Chile de Pinochet, como pelas agências financeiras mul-
tilaterais (Banco Mundial, FMI, etc.). Em 1994, o Banco Mundial publicou o seu
célebre relatório sobre «A Crise do Envelhecimento» em que se propunham refor-
mas radicais nos sistemas de segurança social, no sentido da remercadorização da
protecção social e da privatização dos sistemas de pensões de reforma, substi-
tuindo os regimes de repartição pelos de capitalização individual. O conjunto das
propostas ficou conhecido por modelo neoliberal de segurança social e nos anos

34. Ver, em especial, Santos e Ferreira no volume 3, capítulo 5 desta colecção.


Boaventura de Sousa Santos 87

que se seguiram foi activamente promovido, quando não imposto, aos países
intervencionados pelas políticas de ajustamento estrutural.
No mesmo ano em que o Banco Mundial publicou o seu relatório, a Comis-
são Europeia publicou o Livro Branco sobre a Política Social Europeia (Comis-
são Europeia, 1994). Nesse Livro Branco afirma-se o compromisso em manter o
modelo europeu de Estado-Providência, o qual, pese embora as suas diferenças
internas, se caracteriza por elevados níveis de protecção social, garantidos como
direitos de cidadania pelo Estado, cuja intervenção assegura a solidariedade
nacional e torna possível a desmercadorização da protecção social. Ao contrá-
rio do que se passa com o modelo do Banco Mundial, parte-se do pressuposto
que é possível compatibilizar o aumento da competitividade e o crescimento
económico com altos níveis de protecção social.
Passou então a falar-se de um modelo social europeu alternativo ao modelo
neoliberal. Esta concorrência estabeleceu-se não apenas entre modelos de bem-
-estar social, mas também, e em última instância, entre dois modelos do capita-
lismo global, o europeu e o norte-americano. Neste sentido, é possível falar de
fracturas no interior da globalização económica e social hegemónica. Que essas
fracturas podem constituir o ponto de entrada para lutas sociais ficou demons-
trado com os conflitos no interior da Comissão do Livro Branco da Segurança
Social, criada pelo Governo socialista saído das eleições de 1995. Reflexos de
conflitos activos ou latentes na sociedade portuguesa sobre a reforma da segu-
rança social, os conflitos no interior da Comissão foram formatados pela pola-
rização entre o modelo neoliberal e o modelo social europeu.35 As fracturas no
interior da globalização hegemónica revelaram a existência de modos de regu-
lação capitalista qualitativamente distintos. As lutas sociais que tais fracturas
permitem são progressistas na medida em que lutam pelo modo de regulação
que gera menos iniquidade e garante, a título de direitos de cidadania, maior
protecção social aos grupos sociais mais vulneráveis. Num estudo preparado
para a Presidência Portuguesa da União Europeia no 1º semestre de 2000, Boyer
– em geral muito atento às especificidades do capitalismo europeu – defende
que os sistemas de bem-estar europeus, se adequadamente reformados, podem
ser um dos grandes triunfos da Europa no contexto mundial (1999).
As fracturas na globalização económica e social hegemónica têm-se vindo a
aprofundar nos últimos anos. As crises na Rússia e nos países asiáticos vieram
mostrar a extrema fragilidade de um modelo de desenvolvimento assente no
sistema financeiro e obrigaram para já a repensar as receitas do ajustamento

35. Os trabalhos da Comissão são analisados em detalhe em Santos e Ferreira 2001 (volume 3, capítulo 5, desta
colecção).
88 Os processos da globalização

estrutural. As tensões recentes entre o Banco Mundial e o FMI são elucidativas


Volume I, Parte I, Capítulo 1

da extensão das fracturas. Outro factor da fragilização da globalização econó-


mica neoliberal decorre da contestação transnacional que lhe tem sido movida
por múltiplas iniciativas cosmopolitas já atrás referidas. Mas é sem dúvida no
domínio da área da protecção social e, em especial, da segurança social, que as
fracturas são hoje mais visíveis.
Em 1998, o conhecido economista norte-americano e, ao tempo, vice-presi-
dente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, desfere o primeiro ataque ao Con-
senso de Washington e propõe um pós-Consenso de Washington (Stiglitz, 1998),
e em finais de 1999 leva mais longe ainda a sua crítica, afirmando que o modelo
do Banco Mundial de segurança social (o modelo neoliberal), para além de ter
causado muito sofrimento humano e contribuído para o agravamento das desi-
gualdades sociais a nível mundial e no interior de cada país, é um modelo cien-
tificamente errado uma vez que as supostas verdades em que assenta não pas-
sam de mitos (Stiglitz e Orszag, 1999). O próprio Stiglitz se encarrega de
demonstrar isto mesmo desmontando um a um os 10 mitos em que, em seu
entender, assenta o modelo do Banco Mundial.
Antes de passarem à desmistificação dos 10 mitos construídos em torno do
modelo do Banco Mundial, tal como foi definido no célebre relatório de 94 sobre
pensões de reforma, Stiglitz e o seu colaborador começam por assinalar quatro
pontos prévios que são cruciais na medida em que enformam a desmistificação
a que procedem:

1) Deve ser feita uma distinção entre os elementos que são inerentes aos
sistemas e esquemas de pensões (modelos teóricos) e aqueles elementos
que surgem com a sua implementação. Esta distinção deve permitir per-
ceber se o sistema ou esquema de pensões só precisa de correcções ou se
tem que ser totalmente substituído por outro, e se este outro irá funcio-
nar melhor nas mesmas circunstâncias. A implementação de qualquer
modelo tem que ter em consideração as circunstâncias históricas concre-
tas e estas são diferentes de país para país.
2) As medidas de reforma devem ter em conta os sistemas e esquemas já
existentes. Ou seja, não se deve confundir a passagem de um sistema a
outro com a introdução de um sistema ou esquema onde nada existia
antes, pois no primeiro caso existem custos de transição que têm que ser
considerados.
3) Na análise intergeracional dos efeitos das medidas, há que não focar
exclusivamente o longo prazo, pois corre-se o risco de, em nome das gera-
ções futuras, se imporem pesados custos às gerações actuais.
Boaventura de Sousa Santos 89

4) É necessário ter sempre em mente que o objectivo último dos sistemas de


pensões é o bem-estar. A poupança e o crescimento não são um fim mas
sim um meio de aumentar o bem-estar dos membros de uma sociedade.
Isto pode levar a uma escolha por sistemas ou esquemas menos rentáveis
mas com menos riscos.

Os 10 mitos apontados e desmistificados pelos autores são de natureza


macroeconómica e microeconómica e relacionados com a economia política.
Entre os primeiros mitos encontramos afirmações como: a) «os planos priva-
dos de contribuições definidas aumentam a poupança nacional»; b) «as con-
tas individuais permitem a constituição de pensões mais elevadas do que os
sistemas em repartição»; c) «o declínio das taxas de retorno nos sistemas de
repartição reflectem problemas fundamentais nesses sistemas»; d) «o investi-
mento dos fundos públicos em acções e obrigações privadas em vez de títulos
do tesouro não tem qualquer efeito macroeconómico ou implicação no bem-
-estar». As afirmações dos mitos microeconómicos são: a) «os incentivos do
mercado de trabalho são maiores com planos privados de contribuições defi-
nidas»; b) «os planos públicos de benefícios definidos incentivam a reforma
antecipada»; c) «a concorrência permite baixos custos administrativos nos
planos privados de contribuições definidas». Por fim, os mitos da economia
política são: a) «os governos são ineficientes pelo que os planos privados de
contribuições definidas são preferíveis»; b) «os governos são mais sujeitos a
pressões para maior protecção social sob um sistema público de benefícios
definidos do que num sistema privado de contribuições definidas»; c) «o
investimento de fundos por parte de entidades públicas é sempre dissipador e
mal gerido».
O aspecto mais importante desta argumentação é a defesa da intervenção
do Estado e a admissão de que, em determinados aspectos e perante determina-
das situações, essa intervenção é mais eficiente do que a «mão invisível do
mercado». Isto porque os autores fazem uma importante distinção entre os
modelos teóricos puros e os modelos aplicados na prática. Na prática é assu-
mido que existem ineficiências no funcionamento do mercado e que tem que
se contar com as ineficiências resultantes da aplicação dos modelos. Os cuida-
dos que estes autores agora pedem aos decisores políticos na aplicação dos
modelos relevam da observação de que, em alguns países, sobretudo nos países
em desenvolvimento, os mercados financeiros e as instituições financeiras não
estão ainda suficientemente maduros para não apresentarem todo um conjunto
de riscos, inclusive riscos relacionados com a corrupção.
Ao afirmarem que o fim último dos sistemas de pensões é o bem-estar social
90 Os processos da globalização

e não qualquer outro, os autores reconhecem que a protecção social é um dos


Volume I, Parte I, Capítulo 1

elementos fundamentais no bom funcionamento dos sistemas sociais e econó-


micos, que não pode ser descartado sob pena de se pôr em causa a própria sus-
tentabilidade desses mesmos sistemas.
As clivagens entre o capitalismo mercantil e o capitalismo social-democrá-
tico ou estatal, entre o modelo neoliberal de segurança social e o modelo social
europeu ou ainda dentro do modelo neoliberal, como acabei de referir, ao
mesmo tempo que revelam as fracturas no interior da globalização hegemónica
criam o impulso para a formulação de novas sínteses entre as clivagens e com
elas para a reconstituição da hegemonia. É assim que deve ser entendida a «ter-
ceira via» teorizada por Giddens (1999).

9. GRAUS DE INTENSIDADE DA GLOBALIZAÇÃO

A última precisão ao conceito de globalização defendido neste texto diz res-


peito aos graus de intensidade da globalização. Definimos globalização como
conjuntos de relações sociais que se traduzem na intensificação das interacções
transnacionais, sejam elas práticas interestatais, práticas capitalistas globais ou
práticas sociais e culturais transnacionais. A desigualdade de poder no interior
dessas relações (as trocas desiguais) afirma-se pelo modo como as entidades ou
fenómenos dominantes se desvinculam dos seus âmbitos ou espaços e ritmos
locais de origem, e, correspondentemente, pelo modo como as entidades ou
fenómenos dominados, depois de desintegrados e desestruturados, são revincu-
lados aos seus âmbitos, espaços e ritmos locais de origem. Neste duplo pro-
cesso, quer as entidades ou fenómenos dominantes (globalizados), quer os domi-
nados (localizados) sofrem transformações internas. Mesmo o hamburguer
norte-americano teve de sofrer pequenas alterações para se desvincular do seu
âmbito de origem (o Midwest norte-americano) e conquistar o mundo, e o
mesmo sucedeu com as leis de propriedade intelectual, a música popular e o
cinema de Hollywood. Mas enquanto as transformações dos fenómenos domi-
nantes são expansivas, visam ampliar âmbitos, espaços e ritmos, as transfor-
mações dos fenómenos dominados são retractivas, desintegradoras e desestru-
turantes; os seus âmbitos e ritmos, que eram locais por razões endógenas e rara-
mente se auto-representavam como locais, são relocalizados por razões exóge-
nas e passam a auto-representar-se como locais. A desterritorialização, desvin-
culação local e transformação expansiva, por um lado, e a reterritorialização,
revinculação local e transformação desintegradora e retractiva, por outro, são
as duas faces da mesma moeda, a globalização.
Boaventura de Sousa Santos 91

Estes processos ocorrem de modos muito distintos. Quando se fala de glo-


balização tem-se normalmente em mente processos muito intensos e muito
rápidos de desterritorialização e de reterritorialização e consequentemente
transformações expansivas e retractivas muito dramáticas. Nestes casos, é
relativamente fácil explicar estes processos por um conjunto limitado de cau-
sas bem definidas. A verdade, porém, é que os processos de globalização nem
sempre ocorrem desta forma. Por vezes são mais lentos, mais difusos, mais
ambíguos e as suas causas mais indefinidas. Claro que é sempre possível esti-
pular que neste caso não estamos perante processos de globalização. É isto
mesmo o que tendem a fazer os autores mais entusiastas a respeito da globali-
zação e os que vêem nela algo sem precedentes, tanto pela natureza como pela
intensidade.36
Penso, porém, que esta estratégia analítica não é a melhor porque, contraria-
mente ao que pretende, reduz o âmbito e a natureza dos processos de globaliza-
ção em curso. Proponho, pois, a distinção entre globalização de alta intensi-
dade para os processos rápidos, intensos e relativamente monocausais de globa-
lização, e globalização de baixa intensidade para os processos mais lentos e
difusos e mais ambíguos na sua causalidade. Um exemplo ajudará a identificar
os termos da distinção. Escolho, entre muitos outros possíveis, um dos consen-
sos de Washington: o primado do direito e da resolução judicial dos litígios
como parte do modelo de desenvolvimento liderado pelo mercado. Em meados
da década de oitenta começaram a chegar aos tribunais de vários países euro-
peus casos que envolviam figuras públicas, indivíduos poderosos ou notórios na
actividade económica ou na actividade política. Estes casos, quase todos da área
criminal (corrupção, burla, falsificação de documentos), deram uma visibilidade
pública e um protagonismo político sem precedentes aos tribunais. Se excep-
tuarmos o caso do Tribunal Supremo dos EUA, desde a década de quarenta, os
tribunais dos países centrais – e, de resto, também os dos países semiperiféricos
e periféricos – tinham tido uma vida apagada. Reactivos e não proactivos, resol-
vendo litígios entre indivíduos que raramente captavam a atenção pública, sem
intervenção nos conflitos sociais, os tribunais – a sua actividade, as suas regras
e os seus agentes – eram desconhecidos do grande público. Este estado de coisas
começou a mudar na década de oitenta e rapidamente os tribunais passaram a
ocupar as primeiras páginas dos jornais, a sua actividade converteu-se numa
curiosidade jornalística e os magistrados tornaram-se figuras públicas.
Tal fenómeno ocorreu, por exemplo, na Itália, na França, na Espanha e em
Portugal, e em cada país teve causas próximas específicas. A ocorrência para-

36. Ver, por todos, Castells (1996).


92 Os processos da globalização

lela e simultânea do mesmo fenómeno em diferentes países não faz dela um


Volume I, Parte I, Capítulo 1

fenómeno global, a menos que as causas endógenas, diferentes de país para país,
tenham entre si afinidades estruturais ou partilhem traços de causas remotas,
comuns e transnacionais. E de facto este parece ter sido o caso. Pese embora as
diferenças nacionais, sempre significativas, podemos detectar no novo protago-
nismo judicial alguns factores comuns. Em primeiro lugar, as consequências da
confrontação entre o princípio do Estado e o princípio do mercado na gestão da
vida social de que resultaram as privatizações e a desregulamentação da econo-
mia, a desmoralização dos serviços públicos, a crise dos valores republicanos,
um novo protagonismo do direito privado, a emergência de actores sociais pode-
rosos para quem se transferiram prerrogativas de regulação social antes detidas
pelo Estado. Tudo isto criou uma nova promiscuidade entre o poder económico
e o poder político que permitiu às elites circular facilmente e, por vezes, pen-
dularmente, de um para outro. Esta promiscuidade, combinada com o enfra-
quecimento da ideia de bem público ou bem comum, acabou por se traduzir
numa nova patrimonialização ou privatização do Estado que muitas vezes
recorreu à ilegalidade para se concretizar. Foi a criminalidade de colarinho
branco e, em geral, a corrupção que deram a notoriedade aos tribunais.
Em segundo lugar, a crescente conversão da globalização capitalista hege-
mónica em algo irreversível e incontornável combinada com os sinais de crise
dos regimes comunistas conduziu à atenuação das grandes clivagens políticas.
Estas, que antes permitiam a resolução política dos conflitos políticos, deixa-
ram de o poder fazer e estes últimos foram atenuados, fragmentados e persona-
lizados até ao ponto de se poderem transformar em conflitos judiciais. Chama-
mos a este processo político de despolitização, judicialização da política. Em
terceiro lugar, esta judicialização da política, que foi, na sua génese, um sin-
toma da crise da democracia, alimentou-se desta. A legitimidade democrática
que antes assentava quase exclusivamente nos órgãos políticos eleitos, o parla-
mento e o executivo, foi-se transferindo de algum modo para os tribunais.
Este fenómeno, que, além dos países atrás referidos, tem vindo a ocorrer na
última década em muitos outros países da Europa de Leste, da América Latina
e da Ásia,37 e a mesma relação entre causas próximas (endógenas e específicas) e
causas remotas (comuns, transnacionais), pode ser detectada, ainda que com
adaptações. Por esta razão, considero estarmos perante um fenómeno de globa-
lização de baixa intensidade.
Muito diferente deste processo é o que, na mesma área da justiça e do
direito, tem vindo a ser protagonizado pelos países centrais, através das suas

37. Este fenómeno está analisado em detalhe em Santos (2000b).


Boaventura de Sousa Santos 93

agências de cooperação e assistência internacional, e pelo Banco Mundial, FMI


e Banco Interamericano para o Desenvolvimento, no sentido de promover nos
países semiperiféricos e periféricos profundas reformas jurídicas e judiciais que
tornem possível a criação de uma institucionalidade jurídica e judicial eficiente
e adaptada ao novo modelo de desenvolvimento, assente na prioridade do mer-
cado e das relações mercantis entre cidadãos e agentes económicos. Para este
objectivo têm sido canalizadas vultuosas doações e empréstimos sem qualquer
precedente quando comparados com as políticas de cooperação, de moderniza-
ção e de desenvolvimento dos anos sessenta e setenta. Tal como no processo de
globalização acima descrito, também aqui está em curso uma política de pri-
mado do direito e dos tribunais e dela estão a decorrer os mesmos fenómenos
de visibilidade pública dos tribunais, de judicialização da política e da conse-
quente politização do judicial. No entanto, ao contrário do processo anterior,
este processo é muito rápido e intenso, ocorre pelo impulso de factores exóge-
nos dominantes, bem definidos e facilmente reconduzíveis a políticas globais
hegemónicas interessadas em criar, a nível global, a institucionalidade que faci-
lita a expansão limitada do capitalismo global.38 Trata-se de uma globalização
de alta intensidade.
A utilidade desta distinção reside em que ela permite esclarecer as relações
de poder desigual que subjazem aos diferentes modos de produção de globaliza-
ção e que são, por isso, centrais na concepção de globalização aqui proposta. A
globalização de baixa intensidade tende a dominar em situações em que as tro-
cas são menos desiguais, ou seja, em que as diferenças de poder (entre países,
interesses, actores ou práticas por detrás de concepções alternativas de globali-
zação) são pequenas. Pelo contrário, a globalização de alta intensidade tende a
dominar em situações em que as trocas são muito desiguais e as diferenças de
poder são grandes.

10. PARA ONDE VAMOS?

A intensificação das interacções económicas, políticas e culturais transna-


cionais das três últimas décadas assumiu proporções tais que é legítimo levan-
tar a questão de saber se com isso se inaugurou um novo período e um novo
modelo de desenvolvimento social. A natureza precisa deste período e deste
modelo está no centro dos debates actuais sobre o carácter das transformações
em curso nas sociedades capitalistas e no sistema capitalista mundial como

38. Sobre este «movimento» da reforma global dos tribunais, ver Santos (2000b).
94 Os processos da globalização

um todo. Defendi atrás que o período actual é um período de transição a que


Volume I, Parte I, Capítulo 1

chamei o período do sistema mundial em transição. Combina características


próprias do sistema mundial moderno com outras que apontam para outras
realidades sistémicas ou extra-sistémicas. Não se trata de uma mera justaposi-
ção de características modernas e emergentes já que a combinação entre elas
altera a lógica interna de umas e outras. O sistema mundial em transição é
muito complexo porque constituído por três grandes constelações de práticas –
práticas interestatais, práticas capitalistas globais e práticas sociais e culturais
transnacionais – profundamente entrelaçadas segundo dinâmicas indetermina-
das. Trata-se, pois, de um período de grande abertura e indefinição, um período
de bifurcação cujas transformações futuras são imperscrutáveis. A própria natu-
reza do sistema mundial em transição é problemática e a ordem possível é a
ordem da desordem. Mesmo admitindo que um novo sistema se seguirá ao
actual período de transição, não é possível estabelecer uma relação determi-
nada entre a ordem que o sustentará e a ordem caótica do período actual ou a
ordem não caótica que a precedeu e que sustentou durante cinco séculos o sis-
tema mundial moderno. Nestas circunstâncias, não admira que o período
actual seja objecto de várias e contraditórias leituras.
São duas as leituras alternativas principais acerca das mudanças actuais do
sistema mundial em transição e dos caminhos que apontam: a leitura paradig-
mática e a leitura subparadigmática.
A leitura paradigmática sustenta que o final dos anos sessenta e o início
dos anos setenta marcaram o período de transição paradigmática no sistema
mundial, um período de crise final da qual emergirá um novo paradigma social.
Uma das leituras paradigmáticas mais sugestivas é a proposta por Wallerstein e
seus colaboradores.39 Segundo Wallerstein, o sistema mundial moderno entrou
num período de crise sistémica iniciado em 1967 e que se estenderá até mea-
dos do século XXI. Na sua perspectiva, o período entre 1967 e 1973 é um
período crucial porque marca uma conjuntura tripla de pontos de ruptura no
sistema mundial: a) o ponto de ruptura numa longa curva de Kondratief (1945-
-1995?); b) o ponto de ruptura da hegemonia dos EUA sobre o sistema mundial
(1873-2025?); c) o ponto de ruptura no sistema mundial moderno (1450-2100?).
Wallerstein previne que as provas que apoiam esta tripla ruptura são mais
sólidas em a) do que em b) e em b) mais do que em c), o que se compreende,
uma vez que o ponto final putativo dos ciclos está sucessivamente mais afas-
tado no futuro. Segundo ele, a expansão económica mundial está a conduzir à
mercadorização extrema da vida social e à extrema polarização (não só quanti-

39. Wallerstein (1991a); Hopkins et al. (1996). Ver também Arrighi e Silver (1999).
Boaventura de Sousa Santos 95

tativa mas também social) e, como consequência, está a atingir o seu limite
máximo de ajustamento e de adaptação e esgotará em breve «a sua capacidade
de manutenção dos ciclos rítmicos que são o seu bater cardíaco» (1991a: 134).
O colapso dos mecanismos de ajustamento estrutural abre um vasto terreno
para a experimentação social e para escolhas históricas reais, muito difíceis de
prever. Com efeito, as ciências sociais modernas revelam-se aqui de pouca uti-
lidade, a menos que elas mesmas se sujeitem a uma revisão radical e se insiram
num questionar mais amplo. Wallerstein designa tal questionamento por uto-
pística (distinto de utopismo), i.e., «a ciência das utopias utópicas… a tentativa
de clarificar as alternativas históricas reais que estão à nossa frente quando um
sistema histórico entra numa fase de crise, e avaliar nesse momento extremo
de flutuações as vantagens e as desvantagens das estratégias alternativas»
(1991b: 270).
De uma perspectiva diferente embora convergente, Arrighi convida-nos a
revisitar as previsões de Schumpeter acerca do futuro do capitalismo e com
base nelas coloca a questão schumpeteriana: poderá o capitalismo sobreviver
ao sucesso? (Arrighi, 1994: 325; Arrighi e Silver, 1999). Há uns 50 anos, Schum-
peter formulou a tese de que «o desempenho actual e prospectivo do sistema
capitalista é tal que refuta a ideia de o seu colapso ocorrer sob o peso do fra-
casso económico, mas o seu próprio sucesso corrompe as instituições sociais
que o protegem e «inevitavelmente» cria as condições sob as quais não conse-
guirá sobreviver e que apontam fortemente para o socialismo como o seu apa-
rente herdeiro» (Schumpeter, 1976: 61). Schumpeter era assim muito céptico
acerca do futuro do capitalismo e Arrighi defende que a história poderá vir a
dar-lhe razão: «A sua ideia de que uma outra viragem bem sucedida estava ao
alcance do capitalismo revelou-se obviamente correcta. Mas as possibilidades
indicam que, durante o próximo meio século, a história provará estar também
certa a sua outra ideia de que a cada viragem bem sucedida se criam as condi-
ções sob as quais a sobrevivência do capitalismo é cada vez mais difícil»
(Arrighi, 1994: 325). Em trabalho mais recente, Arrighi e Silver salientam o
papel da expansão do sistema financeiro nas crises finais das ordens hegemóni-
cas anteriores (holandesa e britânica). A actual financeirização da economia glo-
bal aponta para a crise final da última e mais recente hegemonia, a dos EUA.
Este fenómeno não é, pois, novo, o que é novo, e radicalmente novo, é a sua com-
binação com a proliferação e o crescente poder das empresas multinacionais e
o modo como elas interferem com o poder dos Estados nacionais. É nesta com-
binação que se virá a sustentar uma transição paradigmática (1999: 271-289).
A leitura subparadigmática vê o período actual como um importante pro-
cesso de ajustamento estrutural, no qual o capitalismo não parece dar mostra
96 Os processos da globalização

de falta de recursos ou de imaginação adequados. O ajustamento é significativo


Volume I, Parte I, Capítulo 1

porque implica a transição de um regime de acumulação para outro, ou de um


modo de regulação («fordismo») para outro (ainda por nomear; «pós-fordismo»),
como vem sendo sustentado pelas teorias da regulação.40 De acordo com alguns
autores, o período actual de transição põe a descoberto os limites das teorias de
regulação e dos conceitos que elas converteram em linguagem comum, como o
conceito de «regimes de acumulação» e de «modos de regulação» (McMichael e
Myhre, 1990; Boyer e Drache, 1996, 1998). As teorias da regulação, pelo menos
as que tiveram mais circulação, tomaram o Estado-nação como a unidade da
análise económica, o que fazia provavelmente sentido no período histórico do
desenvolvimento capitalista dos países centrais em que essas teorias foram for-
muladas. Hoje, porém, a regulação nacional da economia está em ruínas e des-
sas ruínas está a emergir uma regulação transnacional, uma «relação salarial
global», paradoxalmente assente na fragmentação crescente dos mercados de
trabalho que transforma drasticamente o papel regulatório do Estado-nação, for-
çando a retirada da protecção estatal dos mercados nacionais da moeda, trabalho
e mercadorias e suscitando uma profunda reorganização do Estado. Na verdade,
pode estar a ser forjada uma nova forma política: o «Estado transnacional».
Como seria de esperar, tudo isto é questionável e está a ser questionado.
Como vimos acima, a real dimensão do enfraquecimento das funções regulató-
rias do Estado-nação é hoje um dos debates nucleares da sociologia e da econo-
mia políticas. Inquestionável é apenas o facto de que tais funções mudaram (ou
estão a mudar) dramaticamente e de uma forma que questiona o dualismo tra-
dicional entre regulação nacional e regulação internacional.
Dentro da leitura subparadigmática do actual período de desenvolvimento
capitalista há, contudo, algum consenso em torno das seguintes questões. Dada
a natureza antagónica das relações sociais capitalistas, a reprodução rotineira e
a expansão sustentada da acumulação de capital é inerentemente problemá-
tica. De modo a ser obtida, pressupõe a) uma correspondência dinâmica entre
um determinado padrão de produção e um determinado padrão de consumo
(i.e., um regime de acumulação) e b) um conjunto institucional de normas, ins-
tituições, organizações e pactos sociais que assegure a reprodução de todo um
campo de relações sociais sobre o qual o regime de acumulação está baseado
(i.e., um modo de regulação). Poderá haver crises do regime de acumulação e
crises no regime de acumulação e o mesmo se passa com o modo de regulação.
Desde os anos sessenta, os países centrais estão a atravessar uma dupla crise do

40. Aglietta (1979); Boyer (1986, 1990). Ver também Jessop (1990a; 1990b); Kotz (1990); Mahnkopf (1988);
Noel (1987); Vroey (1984).
Boaventura de Sousa Santos 97

regime de acumulação e do modo de regulação. O papel regulatório do Estado-


-nação tende a ser mais decisivo nas crises do do que nas crises no, mas o modo
como isso é exercido depende fortemente do contexto internacional, da inte-
gração da economia nacional na divisão internacional do trabalho e das capaci-
dades e recursos institucionais específicos do Estado em particular, sob condi-
ções de crise hostis, estratégias de acumulação com estratégicas hegemónicas e
estratégias de confiança.41
A leitura paradigmática é muito mais ampla do que a leitura subparadigmá-
tica, tanto nas suas afirmações substantivas como na amplitude do seu tempo-
-espaço. Segundo ela, a crise do regime de acumulação e do modo de regulação
são meros sintomas de uma crise muito mais profunda: uma crise civilizatória
ou epocal. As «soluções» das crises subparadigmáticas são produto dos meca-
nismos de ajustamento estrutural do sistema; dado que estes estão a ser irre-
versivelmente corroídos, tais «soluções» serão cada vez mais provisórias e insa-
tisfatórias. Por seu lado, a leitura subparadigmática é, no máximo, agnóstica
relativamente às previsões paradigmáticas e considera que, por serem de longo
prazo, não são mais que conjecturas. Sustenta ainda que, se o passado tem
alguma lição a dar-nos, é a de que até agora o capitalismo resolveu com sucesso
as suas crises e sempre num horizonte temporal curto.
A confrontação entre leituras paradigmáticas e leituras subparadigmáticas
tem dois registos principais, o analítico e o ideológico-político. O registo analí-
tico, como acabámos de ver, é a formulação mais consistente do debate sobre
se a globalização é um fenómeno novo ou um fenómeno velho. Porque se
assume que o novo de hoje é sempre o prenúncio do novo de amanhã, os auto-
res que consideram a globalização um fenómeno novo são os mesmos que per-
filham as leituras paradigmáticas, enquanto os autores que consideram a globa-
lização um fenómeno velho, renovado ou não, são os mesmos que perfilham
leituras subparadigmáticas.42
Mas esta confrontação tem também um registo político-ideológico, uma
vez que estão em causa diferentes perspectivas sobre a natureza, o âmbito
e a orientação político-ideológica das transformações em curso e, portanto,
também das acções e das lutas que as hão-de promover ou, pelo contrário,
combater.

41. Sobre estas três estratégias do Estado moderno, ver Santos (1995: 99-109).
42. Apesar de considerarem a globalização um fenómeno velho, alguns dos teóricos do sistema mundial, como é
o caso de Wallerstein, perfilham leituras paradigmáticas a partir de análises sistémicas, nomeadamente da aná-
lise da sobreposição de pontos de ruptura nos diferentes processos de longa duração que constituem o sistema
mundial moderno.
98 Os processos da globalização

As duas leituras são de facto os dois argumentos fundamentais a respeito da


Volume I, Parte I, Capítulo 1

acção política nas condições turbulentas dos nossos dias. Os argumentos para-
digmáticos apelam a actores colectivos que privilegiam a acção transformadora
enquanto os argumentos subparadigmáticos apelam a actores colectivos que
privilegiam a acção adaptativa. Trata-se de dois tipos-ideais de actores colecti-
vos. Alguns actores sociais (grupos, classes, organizações) aderem apenas a um
dos argumentos, mas muitos deles subscrevem um ou outro, consoante o
tempo ou o tema, sem garantirem fidelidades exclusivas ou irreversíveis a um
ou a outro. Alguns actores podem experienciar a globalização da economia no
modo subparadigmático e a globalização da cultura no modo paradigmático,
enquanto outros as podem conceber de modo inverso. Mais do que isso, alguns
podem conceber como económicos os mesmos processos de globalização que
outros consideram culturais ou políticos.
Os actores que privilegiam a leitura paradigmática tendem a ser mais apo-
calípticos na avaliação dos medos, riscos, perigos e colapsos do nosso tempo e
a ser mais ambiciosos relativamente ao campo de possibilidades e escolhas
históricas que está a ser revelado. O processo de globalização pode assim ser
visto, quer como altamente destrutivo de equilíbrios e identidades insubsti-
tuíveis, quer como a inauguração de uma nova era de solidariedade global ou
até mesmo cósmica.
Por sua vez, para os actores que privilegiam a leitura subparadigmática, as
actuais transformações globais na economia, na política e na cultura, apesar
da sua relevância indiscutível, não estão a forjar nem um novo mundo utó-
pico, nem uma catástrofe. Expressam apenas a turbulência temporária e o
caos parcial que acompanham normalmente qualquer mudança nos sistemas
rotinizados.
A coexistência de interpretações paradigmáticas e de interpretações subpara-
digmáticas é provavelmente a característica mais distintiva do nosso tempo. E
não será esta a característica de todos os períodos de transição paradigmática? A
turbulência inevitável e controlável para uns é vista por outros como prenúncio
de rupturas radicais. E entre estes últimos, há os que vêem perigos incontrolá-
veis onde outros vêem oportunidades para emancipações insuspeitáveis. As
minhas análises do tempo presente, a minha preferência pelas acções transfor-
madoras e, em geral, a minha sensibilidade – e esta é a palavra exacta – incli-
nam-me a pensar que as leituras paradigmáticas interpretam melhor a nossa
condição no início do novo milénio do que as leituras subparadigmáticas.43

43. A justificação desta posição é apresentada noutro lugar (Santos, 1995; 2000a).
Boaventura de Sousa Santos 99

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