CP 056855
CP 056855
CP 056855
Zona da Mata
c.1809- c.1830
Fábio W. A. Pinheiro
Rio de Janeiro
Abril de 2007
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Fábio W. A. Pinheiro
Aprovado por:
___________________________________________
Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino– Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
_______________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
_______________________________________
Prof. Dra. Mônica Ribeiro de Oliveira
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
_______________________________________
Prof. Dra. Ana Maria Lugão Rios (Suplente)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
_______________________________________
Prof. Dr. José Roberto Góes
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Rio de Janeiro
Abril de 2007
3
Ficha Catalográfica
Resumo
Abstract
This dissertation has its subject the study of the influence of the Atlantic slave trade sent to
Zona da Mata mineira in the period from 1809 to 1830. Inspired by the discussions about
The Slave Economy of Nineteenth-Century, this work show how this mercantile practice
acted in the physical reproduction of the captive from Mata Mineira. Besides, this research
offer an analyze of the redistribution of slave in the mercantile square of Rio de Janeiro,
where it was promoted a comparative analyze between the remittances sent to Minas
Gerais and the remittances sent to the province of Center- South. In such way, this
dissertation intends to present new elements that can contribute for the economical and
social history of Minas in the Nineteen- Century.
6
Agradecimentos
Abreviaturas
Tabelas
Tabela 1: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1809-1830)...............32
Tabela 1.1: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1809-1819)............34
Tabela 1.2: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1820-1830)............34
Tabela 1.3: Estrutura de posse de escravos nas Capitanias de Minas Gerais, Rio de Janeiro
e Bahia, primeiros decênios do século XIX.................................................................36
Tabela 2: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos inventariados da Zona da
Mata, 1809-1830..........................................................................................................40
Tabela 2.1: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos africanos inventariados
da Zona da Mata, 1809-1830...................................................................................... 41
Tabela 2.2: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos crioulos inventariados
da Zona da Mata, 1809-1830.......................................................................................42
Tabela 3: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata, 1809-
1830.............................................................................................................................44
Tabela 3.1: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1809-1819....................................................................................................................45
Tabela 3.2: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1820-1830....................................................................................................................45
Tabela 4: Variação da razão de africanidade entre os escravos inventariados da Zona da
Mata, 1809-1830..........................................................................................................46
Tabela 4.1: Variação da razão de africanidade, por sexo, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830............................................................................................48
Tabela 4.2: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830............................................................................................49
Tabela 4.3: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1819............................................................................................50
Tabela 4.4: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1820-1830............................................................................................50
Tabela 5: Características dos Códices levantados no Arquivo Nacional.............................73
10
Tabela 6: Remessas anuais de escravos novos, ladinos, que o tropeiro trouxe, crias e
marinheiros diante do total dos códices (1809-1830)..................................................75
Tabela 7: Remessas anuais de escravos novos da Praça do Rio de Janeiro diante das
estimativas do tráfico atlântico de escravos (1809-1830)...........................................79
Tabela 8: Tipos de registros................................................................................................81
Tabela 9: Cativos novos e trouxe em passaportes, 1809-1830...........................................82
Tabela 10: Estimativa da representatividade de cativos novos redistribuídos a partir do
porto do Rio de Janeiro: (1809-1830)........................................................................ 87
Tabela 11: Moradores nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro e escravos por eles
conduzidos, 1809-1822...............................................................................................94
Tabela 12: Mineiros com destino a Resende frente ao total de tropeiros com residência em
Minas (1809-1822).....................................................................................................95
Tabela 13: Remessas anuais de cativos a partir do porto do Rio de Janeiro (1809-1830)..99
Tabela 14: Estimativas anuais da representatividade de cativos novos redistribuídos do Rio
de Janeiro para Minas Gerais (1809-1830)...............................................................105
Tabela 15: Razão de masculinidade entre os cativos despachados da praça mercantil
carioca para as Províncias do Centro-Sul, 1809-1830..............................................107
Tabela 15.1: Razão de masculinidade entre os africanos despachados da praça mercantil
carioca para as Províncias do Centro-Sul, 1809-1830..............................................108
Tabela 15.2: Razão de masculinidade entre os crioulos despachados da praça mercantil
carioca para as Províncias do Centro-Sul, 1809-1830..............................................109
Tabela 16: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para Minas Gerais
(1809-1830)..............................................................................................................112
Tabela 16.1: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio de Janeiro
(1809-1830)..............................................................................................................113
Tabela 16.2: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para São Paulo (1809-
1830)........................................................................................................................ 113
Tabela 16.3: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio Grande do
Sul (1809-1830)........................................................................................................113
Tabela 17: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1819..........................................................................................................................119
11
Tabela 17.1: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1828.........................................................................................................................120
Tabela 17.2: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1829.........................................................................................................................120
Tabela 18: Despachos e quantidades de escravos (novos e ladinos) saídos do Rio de
Janeiro para Minas Gerais (1809-1822)..................................................................130
Tabela 18.1: Despachos e quantidades de escravos (novos e ladinos) saídos do Rio de
Janeiro para Minas Gerais (1824-1830)..................................................................130
Tabela 19: Os dez maiores negociadores do tráfico de escravos para Minas Gerais (com
remessas acima de 20 cativos), 1809-1830.............................................................136
Tabela 20: Relação das famílias da Zona da Mata e seus integrantes no tráfico de escravos
para Minas Gerais (remessas acima de 20 cativos), 1809-1830.............................143
Gráficos
Gráfico 4.4: Proporção de cativos novos nas flutuações anuais do tráfico regional de
escravos, 1809-1830................................................................................................103
Gráfico 4.1: Proporção de ladinos nas flutuações anuais do tráfico regional de escravos,
1809-1830................................................................................................................103
Gráfico 5: Distribuição (%) das remessas de escravos do porto do Rio de Janeiro para
Minas Gerais, por estações do ano, 1817-1830.......................................................125
Gráfico 6: Distribuição (%) das aportagens de navios negreiros provenientes da África no
porto do Rio de Janeiro, por estações do ano, 1812-1830.......................................125
Gráfico 7: Distribuição (%) dos despachos de escravos para Minas Gerais segundo o
padrão de tropas, 1809-1822...................................................................................132
Gráfico 7.1: Distribuição (%) dos despachos de escravos para Minas Gerais segundo o
padrão de tropas, 1824-1830...................................................................................132
Gráfico 7.2: Distribuição (%) dos escravos remetidos para Minas Gerais segundo o padrão
de tropas, 1809-1822...............................................................................................133
Gráfico 7.3: Distribuição (%) dos escravos remetidos para Minas Gerais segundo o padrão
de tropas, 1824-1830...............................................................................................133
Mapa
SUMÁRIO
Introdução.........................................................................................................................14
Capítulo 3: Homens que conduziam homens: aspectos do tráfico de escravos para Minas
Gerais, 1809-1830..............................................................................................................118
Da relação entre os movimentos sazonais dos tropeiros e os ciclos agrários, 1817-
1830....................................................................................................................................118
Da concentração do tráfico de escravos para Minas Gerais...............................................127
Dos personagens atuantes no tráfico de escravos para Minas Gerais................................134
Das famílias da Zona da Mata no tráfico de escravos para Minas Gerais.........................141
Considerações Finais.......................................................................................................148
Anexos...............................................................................................................................150
Fontes e Bibliografia.......................................................................................................164
14
Introdução
1
SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil. 7º ed. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1977;
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23º ed. São Paulo. Brasiliense, 2006.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 18º ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1982.
2
Acerca dessa passagem veja, especificamente, PRADO JÚNIOR, Caio. Op. cit., p. 127.
3
Acerca dos respectivos autores veja, especialmente, LINHARES, Maria Yedda Leite. “O Brasil no século
XVIII e a idade do ouro: a propósito da problemática da decadência”. In: Seminário sobre a cultura mineira
no período colonial. Belo Horizonte, Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1979; LENHARO,
Alcir. As tropas da moderação (o abastecimento da corte na formação política do Brasil: 1808-1842). 2 ed.
Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1993 e MARTINS, Roberto Borges. A economia escravista em Minas
Gerais no século XIX. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 1980.
4
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa: a Inconfidência mineira, Brasil-Portugal, 1750-1808. 6
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 112.
5
Idem, Ibidem.
15
6
MARTINS, Roberto Borges. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In: SZMRECSÁNYI,
Tamás; e LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da independência ao império. São Paulo, ed.
HUCITEC, 1996, p. 99.
7
Idem, Ibidem.
8
Martins utiliza produções voltadas para mercado externo, no sentido de envios de produtos para serem
negociados fora da fronteiras da província mineira, ou seja, mesmo se for realizado dentro das cercanias do
território brasileiro. MARTINS, Roberto Borges. Op. cit.
9
SLENES, Robert W. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século
XIX. Cadernos IFHC Nº. 17. Campinas: IFHC – UNICAMP, 1985, p. 6.
10
Idem, p. 7.
16
uma economia mercantilizada. A resposta para Roberto Martins estava na alta razão
terra/população. Baseado na análise teórica de E. G. Wakefield – elaborada conforme a
experiência inglesa na colonização da Austrália – o autor argumentou que a grande
disponibilidade de terra em Minas impedia a formação de um mercado de mão-de-obra
livre, pois ninguém se submeteria a trabalhar como empregado de outrem quando era
possível ser proprietário.11
Slenes não discordou de Martins neste ponto, mas afirmava que esta explicação era
insuficiente para responder esta questão. Sendo assim, Robert entendia que a resposta para
o esclarecimento da natureza da economia mineira residia no estabelecimento do seu centro
dinâmico. Seus argumentos podem ser sintetizados em duas constatações.
A primeira se refere à concepção de que Minas, na primeira metade dos oitocentos,
“longe de ser uma região pouco voltada para fora, como os Martins afirmam, era uma
economia de exportação bastante significativa.”12 Slenes acreditava que a capacidade de
exportar em Minas é muito subestimada devido à exclusão dos valores da extração dos
metais preciosos nos dados oficiais sobre as exportações e a diminuição de seu valor real,
na qual teria sido prejudicado pelo desleixo e corrupção dos agentes fiscais. Independente
disso, o autor sustenta que as exportações mineiras poderiam ter sustentado uma relevante
importação de escravos durante a primeira metade do XIX.
O segundo ponto diz respeito à sua teoria dos “efeitos multiplicadores” do setor
econômico externo sobre o interno, que no caso mineiro seriam proporcionalmente maiores
em relação às plantations paulista e fluminense. Enfim, Slenes faz alusão as fortes ligações
entre o mercado externo e o interno da província, onde o primeiro gerava uma produção
“paralela”,13 “cuja importância em Minas como empregadora de mão-de-obra e como
parte da economia monetarizada não é perceptível nos dados sobre exportação.”·
Portanto, para o autor era a economia exportadora e seus efeitos multiplicadores os
principais responsáveis pela vultosa incorporação de escravos no território mineiro ao
longo do século XIX.
11
SLENES, Robert W. op. cit., p. 7.
12
Idem, p. 39.
13
Segundo Slenes, este termo é utilizado por Caio Prado Júnior.
17
Além deste debate, o trabalho de Roberto Martins ainda se desdobrou em uma outra
discussão com uma outra hipótese. Francisco Vidal Luna e Wilson Cano,14 ao se mostrarem
céticos sobre a teoria de Martins partiram da mesma pergunta feita por Robert Slenes, ou
seja, “se é verdade que o grau de mercantilização dessa economia era muito baixo, [...], de
onde se originou a massa de capital-dinheiro suficiente e necessária para tal maciça
importação de escravos...?” 15
Para estes autores, Martins em nenhum momento se preocupa na possibilidade de
uma “produção de escravos” em Minas Gerais, mesmo após a derrocada da mineração.
Partindo de resultados de outros pesquisadores,16 Luna e Cano sublinharam que no início
do século XIX houve uma redução sistemática do percentual de escravos africanos na
massa cativa de Minas registrando, por sua vez, uma elevação proporcional dos escravos
nascidos no Brasil.17
Deste modo, os pesquisadores pensavam que justamente no baixo grau de
mercantilização residia a explicação da existência de um imenso plantel, isto é, a violenta
diminuição da taxa de exploração e o “relaxamento dos costumes” (mestiçagem e
casamentos) permitiram o crescimento natural da população escrava de Minas.18
Esta hipótese ganharia adesão de outros historiadores que trabalharam com o tema,
dentre os principais estão Douglas Cole Libby e Laird Bergad. Publicado no final da década
de 1980, o trabalho de Libby questionava a idéia de Roberto Martins em relação ao fato de
Minas Gerais ter se destacado, no século XIX, com uma das maiores importadoras de
escravos do mundo. Como Luna e Cano, Douglas acreditava também que a redução
acentuada nas taxas de exploração do trabalho escravo teria contribuído para o crescimento
positivo do contingente cativo.19 Não obstante, o grande objetivo de Libby não foi
mensurar a importância do tráfico ou da reprodução natural e sim buscar o papel de ambas
nesse processo, ou seja, para o dito autor o comércio de escravos e a reprodução endógena
14
LUNA, Francisco Vidal e CANO, Wilson. Economia escravista em Minas Gerais. Cadernos
IFCH/ÚNICAMP, outubro , 1983.
15
LUNA, Francisco Vidal e CANO, Wilson. A reprodução natural de escravos em Minas Gerais (século
XIX): uma hipótese. In: LUNA e CANO. Op. cit.,p. 2.
16
COSTA, I. D. da. Populações mineiras: Sobre a estrutura populacional de alguns núcleos mineiros ao
alvorecer do século XIX. São Paulo: IPE-USP, 1981 (Ensaios econômicos, 7)
17
LUNA, Francisco Vidal e CANO, Wilson. Op. cit., p. 5.
18
Idem, p. 7.
19
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século
XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 21.
18
20
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru, SP: Edusc,
2004, p. 21.
21
Idem, Ibidem.
22
Idem, p. 201.
19
23
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 11.
20
anuais do tráfico regional de escravos e suas tendências demográficas entre os anos de 1809
e 1830.
Para além da quantificação, estas fontes permitiram o recolhimento de registros de
ordem qualitativa. Nesse sentido, o levantamento dos nomes referentes aos proprietários
nos inventários, das informações dos tropeiros no momento dos despachos (nome,
abonador, vendedor e etc.) e além de alguns dados arrolados em fontes secundárias,
realizamos uma perseguição da trajetória dos principais indivíduos envolvidos no tráfico de
escravos para Minas Gerais, tendo o nome como fio condutor.24 Entretanto, devemos
ressaltar que se trata de um estudo limitado, e isto se explica por dois motivos: 1) pela
restrição do nosso universo ao circuito mercantil entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais e 2)
pela falta de documentos que permitissem realizar um cerco maior dos personagens
escolhidos. Portanto, utilizando as palavras de João Fragoso, estaremos aqui desenvolvendo
no máximo uma micro-história feia, tapuia, diferente da conhecida micro-história italiana.25
Tendo em vista todas as questões expostas, a presente dissertação de mestrado será
apresentada em três capítulos: no primeiro capítulo nossas atenções estarão voltadas para a
região da Zona da Mata mineira. Iremos desenvolver num primeiro momento, a síntese da
História deste território, procurando justificar o porquê da sua escolha para a nossa
pesquisa. No segundo instante, analisaremos a disseminação da população escrava no
tecido social da região da Mata e ao mesmo tempo sublinhar sua concentração nos plantéis
das unidades produtivas.
Por conseguinte, focalizaremos nosso estudo na demografia escrava residente na
Mata. Faremos considerações sobre a variação da razão de masculinidade entre os escravos
de forma geral, entre os africanos e posteriormente entre os crioulos. Após isto, iremos
partir para a análise da distribuição dos escravos conforme a idade o sexo, a variação da
razão de africanidade segundo o sexo e a idade dos cativos, promovendo, também uma
verificação das áreas de procedências dos cativos africanos da Zona da Mata. Por fim,
destacaremos a sociabilidade dos cativos residentes na Mata mineira, ou seja, os tipos de
arranjos de grupos familiares primários existentes entre os ditos.
24
GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: DIFEL, 1991.
25
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica”. In: Topoi: Revista
de História. Rio de Janeiro, vol. 5, 2002, pp. 62-63.
21
26
Além destes historiadores, Roberto Martins foi também um dos primeiros pesquisadores a trabalhar com
este novo banco de dados para o estudo do tráfico de escravos para Minas Gerais. Recentemente Martins tem
apresentado palestras, através de slides, com base neste banco de dados.
22
A Zona da Mata mineira está situada na porção leste do território de Minas Gerais.
Esta região foi assim denominada devido à exuberante floresta tropical que a cobria por
completo até o primeiro quartel do século XIX.27 Nos primeiros séculos de colonização era
uma vasta extensão de terras, em meio a um serão inculto, freqüentada somente por tribos
indígenas como, por exemplo, a dos Puris, dos Croatas e dos Coroados.28
Com a descoberta dos filões auríferos no início do século XVIII, a Zona da Mata
tornou-se parte integrante das áreas proibidas dos sertões do leste. Preocupada com o
contrabando e a invasão de aventureiros a coroa portuguesa determinou a proibição do
transito livre nesta região dificultando, deste modo, seu efetivo povoamento.
Contudo, para melhor entender o processo de formação da Zona da Mata mineira se
faz necessário aludir acerca da principal estrada que rasgava suas fronteiras e na qual foi
imprescindível para a expansão econômica e social do território: o Caminho Novo (ver
mapa 1).
Deve-se salientar que muito já foi dito sobre esta estrada e sua ligação com a Zona
da Mata, desde os antigos viajantes estrangeiros29 até os pesquisadores mais recentes30, os
quais a destacaram como a principal responsável pelas ligações mercantis entre o Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Para além das negociações envolvendo diretamente o ouro, este
caminho foi palco de travessias de milhares de escravos e dos artigos agropecuários (como
milho e toucinho), cuja produção se destinava, num primeiro momento, para as regiões
mineradoras durante o apogeu do ouro e, posteriormente, com a crise dos veios auríferos na
27
CARRARA, Ângelo A. A Zona da Mata mineira: diversidade econômica e continuísmo (1839-1909).
Niterói: UFF, 1993, p. 33. (dissertação de mestrado).
28
BASTOS, Wilson de Lima. Caminho Novo: a espinha dorsal de Minas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições,
2004, p. 13.
29
Veja, por exemplo, SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2000.
30
Veja, por exemplo, BASTOS, Wilson de Lima. Op. cit., e MERCADANTE, Paulo. Sertões do Leste. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1978.
24
31
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação (o abastecimento da Corte na formação política do Brasil –
1808-1842). 2 ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1993, passim.
32
Naturalmente estamos nos referindo ao Caminho Velho. BASTOS, Wilson de Lima. op. cit., p. 13.
33
Idem, p. 14.
34
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 57.
25
pelo Caminho Novo e durante o auge do ouro subsidiavam os centros mineradores com o
envio de produtos alimentícios.35
Apesar da região que atualmente abrange a Zona da Mata ser um dos lugares onde
tais propriedades foram instaladas, seu efetivo povoamento não seu processou de maneira
concreta na primeira metade do setecentos, pois como já enunciamos o trânsito livre nesta
região era proibido devido as restrições impostas pelo governo lusitano, preocupado com o
contrabando e a invasão de estrangeiros de outros reinos europeus. Este quadro somente
começou a se alterar com a queda da produção aurífera a partir da segunda metade do
século XVIII, onde, então, tais restrições passaram a perder valor. Nesse sentido, a
concessões de sesmarias foram muito importantes para a expansão da fronteira agrícola na
região, cuja população começou crescer significativamente no início do século XIX.36
O viajante francês Auguste de Saint-Hilaire ao passar por Simão Pereira, uma das
localidades situadas na Zona da Mata e na qual ganhou esse nome devido ao primeiro
cultivador que se estabeleceu neste território, registrou informações importantes acerca da
população desta localidade e suas imediações após a vinda da família real em 1808,
destacando também sua atração para diversos homens livres de distintas partes da província
de Minas Gerais neste período:
35
BASTOS, Wilson de Lima. op. cit., p. 15.
36
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de famílias: mercado, terra e poder na formação da cafeicultura
mineira – 1780-1870. Bauru: Edusc; Juiz de Fora: FUNALFA, 2005, p. 45.
37
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. cit., p. 50.
26
38
Para esclarecimentos acerca da implantação do café na Zona da Mata mineira veja OLIVEIRA, Mônica
Ribeiro de. op. cit., passim.
39
Um dos principais estudos da historiografia local acerca da economia cafeeira de Juiz de Fora neste
momento é de PIRES, Anderson. Capital agrário, investimento e crise na cafeicultura de Juiz de Fora (1870-
1930). Niterói: UFF, 1993 (dissertação de mestrado).
40
Veja principalmente CARRARA, Ângelo A. op. cit., capítulo 2 e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit.,
capítulo 1.
41
CARRARA, Ângelo A. op. cit., pp. 33-34.
27
Sendo assim, tendo uma preocupação maior com a historicidade, nossa pesquisa
abrange as áreas que entre os anos de 1809 e 1830 estavam sob a jurisdição do Termo de
Barbacena42 – situado na da Comarca do Rio das Mortes – e que doravante passaram a
integrar a região da Zona da Mata. Na pesquisa realizada com os inventários post-mortem
encontramos propriedades situadas em localidades com Simão Pereira e Engenho do Mato
– conhecido também como Chapéu d’Uvas43 – cujas formações econômicas e sociais
estiveram associadas a expansão do Caminho Novo.
Eis então, a região escolhida como objeto de estudo para a percepção do tráfico de
escravos para Minas Gerais nos plantéis das propriedades mineiras. A opção pela Zona da
Mata mineira não ocorreu de forma arbitrária, pelo contrário, acreditamos que há pelo
menos duas razões que justifiquem o estudo da influência desta prática mercantil na
reiteração da população escrava de seu território, quais sejam: 1) a grande proximidade com
a praça mercantil do Rio de Janeiro, palco onde a maioria dos africanos desembarcava no
momento em que chegavam ao Brasil44 e 2) por se tratar de uma região onde o crescimento
populacional foi expressivo na primeira metade do século XIX, sobretudo, com a
implantação e expansão do café.45 Obviamente que o quadro a ser apresentado não pode e
não deve ser generalizado para todo território mineiro, cuja formação econômica e social
era extremamente diversificada.46 Nossa intenção é focalizar a população escrava de uma
região ativa no constante fluxo de homens e mercadorias entre o Rio de Janeiro e Minas
Gerais.
Portanto, as principais questões que irão permear ao longo deste capítulo estão
relacionadas ao acesso da propriedade escravo na Zona da Mata, ou seja, como a principal
42
Segundo Lair Bergad, “termo” era o nome dado a uma subdivisão administrativa de uma comarca, sempre
centrado em torno de uma cidade ou vila. BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica de Minas
Gerais, 1720-1888. Bauru, SP: Edusc, 2004, p. 372
43
BASTOS, Wilson de Lima. op. cit., p. 95.
44
Conforme Manolo Florentino e João Fragoso, entre 1790 e 1830, desembarcaram no Rio de Janeiro cerca
de 700 mil escravos. Levando-se em consideração que o Brasil teria importado 3,6 milhões de africanos dos
séculos XVI ao XIX, os 41 anos de importações cariocas representam cerca de 1/5 dos desembarques de 350
anos. FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma sociedade colonial tardia, c. 1790- c.1840. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p.95.
45
CARRARA, Ângelo A. op. cit., capítulo 2 e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., capítulo 1.
46
Conforme a classificação de Clotilde Paiva a Província de Minas Gerais em 1831 possuía dezoito regiões
com formações econômicas e sociais distintas, ou seja, no referido território era possível verificar por um lado
a existência de propriedades em regiões cuja produção estava destina ao consumo local e por outro lado
unidades produtivas agroexportadoras. PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do
século XIX. São Paulo: FFLCH/USP, 1996. (Tese de Doutorado)
28
riqueza desta sociedade estava distribuída nos plantéis da região; ao perfil demográfico dos
cativos residentes nas unidades produtivas, destacando também as principais regiões de
origem dos africanos e aos tipos de arranjos familiares estabelecidos entre os escravos, isto
é, encerraremos a primeira parte de nosso trabalho procurando entender as formas de
relações familiares existentes entre esses indivíduos apesar das adversidades na vida em
cativeiro.
29
80 72,7
60
%
40
20
0
1809-1 1812-4 1815-7 1818-20 1821-3 1824-6 1827-30
(de 6 para 18 proprietários) ao longo do período de 1809 a 1830, estes senhores possuíam,
em média, cerca de 35 cativos cada um (tabela 1.2).
Sendo assim, o acesso à propriedade escrava por um número maior de indivíduos
conjugado com o aumento do número de senhores que passaram a ser dono de grandes
plantéis, nos levam a pensar numa hipótese pertinente: se levarmos em consideração que a
posse de cativos foi a forma crucial de riqueza disponível no Brasil colonial e imperial e,
além disso, o tamanho da força de trabalho era o fator mais importante na determinação da
riqueza de um domicílio47 – embora o acesso à terra fosse imprescindível – é provável que
o cenário apresentado no período de 1820 a 1830 seja fruto do crescimento econômico da
Zona da Mata mineira.
De antemão dissemos que esta região esteve na vanguarda da implantação da
cafeicultura de Minas Gerais, deste modo, é provável que sua instalação no território tenha
aumentado as possibilidades de investimentos vultosos nas unidades produtivas não só
voltadas para o café como também para produção mercantil de alimentos. Por sua vez, este
processo teria permitido uma incorporação maior de mão-de-obra escrava nas propriedades
por meio de importações, questão na qual desenvolveremos com maior acuidade no item
subseqüente. Devemos lembrar do fato da produção cafeeira expandir no Brasil – com
maior intensidade na província do Rio de Janeiro e em menor escala em São Paulo – nos
primeiros decênios do século XIX, se tornando o principal produto na pauta de exportação
do país a partir deste período. 48
Apesar dessas ponderações, pouco se pode avançar acerca da hipótese ora
apresentada, a necessidade do cruzamento com outras fontes e até mesmo, uma exploração
mais ampla dos inventários post-mortem dificultam o aprofundamento da conjetura
exposta, ao mesmo tempo, a realização destes procedimentos nos afastaria demasiadamente
dos objetivos traçados na presente pesquisa.
47
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo,
de 1750 a 1850. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p. 138.
48
Idem, passim.
34
49
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. op. cit., p. 150.
50
Idem, Ibidem.
36
Tabela 1.3: Estrutura de posse de escravos nas Capitanias de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Bahia, primeiros decênios do século XIX.
Províncias FTP Proprietários Escravos FTP Proprietários Escravos
Zona da
Grandes
Mata Pequenos
66,0 27,2 (mais 16,4 51,6
minera, (1-9)
de 20)
1809-30
Minas Grandes
Pequenos
Gerais, 69,7 29,0 (mais 13,6 48,6
(1-9)
1810-19 de 20)
Minas Grandes
Pequenos
Gerais, 67,7 27,1 (mais 12,7 46,7
(1-9)
1820-29 de 20)
Rio de Grandes
Pequenos
Janeiro, 41,3 9,5 (mais 32,7 75,4
(1-9)
1810-25 de 20)
Grandes
Bahia ª, Pequenos
58,6 28,9 (mais 13,7 35,9
1816-17 (1-9)
de 20)
Obs.: FTP: Faixa de tamanho de plantel de escravos
(a) Estrutura de posse de escravos entre lavradores de cana na Vila de São Francisco, Paróquia do
Recôncavo baiano.
Fontes: BERGAD, Laird W. op. cit., p. 297.
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 53.
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 365.
Enfim, podemos dizer que embora a propriedade escrava na região da Mata esteve
disseminada, os resultados expostos até o momento apresentam uma estrutura de posse de
escravos concentrada nas mãos de um pequeno grupo de senhores com grande pecúlio,
além desta tendência se apresentar de forma coincidente – salvo algumas diferenças – em
relação a própria capitania mineira de maneira geral e, sobretudo, em relação as principais
regiões integradas ao circuito mercantil Atlântico, ou seja, Rio de Janeiro e Bahia.
Desta forma, para encerramos este item, acreditamos ser muito pertinente citarmos
uma definição de Florentino e Góes acerca da concentração da propriedade escrava na
sociedade fluminense, onde:
51
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 55.
37
Quiçá, esta definição pode ser muito bem aplicado ao tecido social da Zona da Mata
mineira oitocentista, em outras palavras, os índices expostos parecem nos mostrar o fato de
estarmos diante de uma sociedade escravista.
52
MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia histórica da Província de Minas Gerais (1837). Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. v. 2, pp. 54-64. Para saber melhor
acerca da história dos mapas de população existentes em Minas Gerais veja BERGAD, Laird W. op. cit.
PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São Paulo: FFLCH/USP,
1996. (Doutorado)
38
(35,3%) deste total. 53 A comarca do Rio das Mortes era a mais povoada da província, onde
41,5% ou 213.617 dos habitantes estavam situados nesta região, já o contingente cativo era
de 84.995 pessoas, competindo aos pretos à proporção de 90,2% e aos mulatos,
obviamente, o restante, ou seja, 9,8%.54
Reduzindo a escala, as estatísticas de Silva Pinto nos mostram que o Termo de
Barbacena no ano de 1820 possuía uma população de 21.324 pessoas, cujos escravos
contribuíam com 39% ou 8.334 almas, destes, 93,2% eram pretos.55
Apesar da importância destes registros, percebe-se que quando nos referimos aos
escravos não nos valemos de definições – normalmente utilizada pela historiografia
brasileira56 – para diferenciar o escravo nascido no Brasil (crioulo) do africano. Eis um
problema dos mapas de população apresentados. Segundo Mary Karasch, expressões como
“pardo”, “cabra” e “mulato” são associados normalmente aos crioulos pelo fato de serem de
“nações brasileiras”, embora mantivessem identidades e comunidades tão distintas uma das
outras quanto as nações africanas. Entretanto, o termo “preto”, embora fosse usado com
maior probabilidade em relação aos africanos, não necessariamente estava vinculado
57
somente aos mesmos, mas ocasionalmente aos negros nascidos no Brasil. Se não
levássemos em consideração este detalhe importante, poderíamos nos encontrar diante de
um cadafalso, pois a associação do preto ao africano nos levaria a acreditar numa
representatividade de 93,2% para os escravos residentes no Termo de Barbacena, o que
seria uma proporção altíssima. Sendo assim, os dados dos mapas expostos infelizmente não
são seguros para avaliarmos a representatividade dos crioulos e africanos na população
escrava do território mineiro.58 Não obstante, estes números permitiram a construção de um
panorama geral no qual a Zona da Mata mineira esteve inserida e onde os cativos, tanto na
53
O número total de escravos calculado pelo Barão é de 181.881 almas, sendo os pretos a imensa maioria,
com 160.005 pessoas (87,9%) e os mulatos compondo apenas os 21.876 restantes (12,1%). MATOS,
Raimundo José da Cunha. Op. cit., p. 55.
54
Em números, os pretos compunham 76.691 da mão-de-obra escrava, restando aos mulatos o contingente de
8.304 pessoas. Idem, Ibidem.
55
Idem, p. 59.
56
Veja principalmente BERGAD, Laird W. op. cit., passim.
57
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 37.
58
Os problemas metodológicos inerentes aos mapas de população foram amplamente discutidos pela
historiografia mineira, o que nos dispensa, portanto, de maiores detalhes. Para comentários acerca dos
percalços existentes neste tipo de documento vejam, principalmente, LIBBY, Douglas Cole. Transformação e
trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.
39
59
Para melhor entender este processo e ter acesso aos dados anuais de desembarque de negreiros no Rio de
Janeiro entre 1790 e 1830 veja FLORENTINO, Manolo. Op. cit., passim.
60
Idem, p.38 e MARTINS, Roberto Borges. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In:
SZMRECSÁNYI, Tamás; e LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da independência ao
império. São Paulo, ed. HUCITEC, 1996, passim.
40
61
homens. Sendo assim, torna-se fundamental começarmos nossas considerações pela a
variação da razão de masculinidade da Zona da Mata, ilustrada na tabela 2.
De imediato, um dado no qual não se pode deixar passar em branco na dita tabela é
o crescimento do contingente cativo inventariado da Zona da Mata. Ao longo da segunda e
terceira décadas do século XIX a população escrava praticamente dobra, passando de 596
no período de 1809-1819 para 1138 almas na fase seguinte.
Visto esta questão, nota-se claramente na tabela dois o predomínio dos homens em
relação às mulheres, onde os primeiros correspondiam a 62,5 da mão-de-obra escrava entre
1809 e 1830. Por sua vez, este domínio dos cativos do sexo masculino se reflete na razão de
masculinidade, cujo índice variou entre 160 e 170 no decorrer do segundo e terceiro
decênio do oitocentos, chegando a 166 quando levamos em conta o recorte temporal como
um todo. Trata-se, portanto, de uma escravaria com um desequilíbrio significativo. A título
de comparação, Herbert Klein e Francisco Luna encontraram para o Vale do Paraíba
paulista uma razão de 168 no ano de 1829. Vale destacar que, esta e outras regiões da
província de São Paulo tiveram uma crescente incorporação de africanos na força de
trabalho, impulsionada, conforme os autores, pelo crescimento da economia de exportação
no início do século XIX, onde o açúcar e o café se destacavam como os principais
produtos.62
63
Nos dados do autor estas razões estão analisadas como 2,2/1 e 3,3/1. FLORENTINO, Manolo. Op. cit.,
p.58.
64
Idem, Ibidem.
42
65
BERGAD, Laird W. op. cit., p. 213.
66
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 49.
43
67
SCHWARTZ, Stuart. Op. cit., p. 290.
68
Idem, Ibidem.
69
Veja, por exemplo, GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1990.
44
grupo etário e os adultos não é tão profundo se comparado aos homens. Com o auxílio de
outros registros, doravante, iremos desenvolver melhor este raciocínio.
Tabela 3: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1809-1830
Número Número
Faixa Taxa de Total de
de % de % %
Etária Masculinidade escravos
Homens Mulheres
Infantes
296 27,7 252 39,7 54,0 548 32,2
(0-14)
Adultos
596 56,0 313 49,3 65,5 909 53,4
(15-40)
Idosos
(+ de 174 16,3 69 11,0 71,6 243 14,4
40)
Total 1066 100,0 634 100,0 62,7 1700 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
70
Segundo Sérgio O. Nadalin, sub-registros, no jargão da demografia histórica, são aqueles registros que
deveriam ter sido efetivados mas, por razões diversas (como esquecimento, perda, extravio, seleção etc.)
foram perdidos. NADALIN, Sérgio Odilon. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas:
Associação Brasileira de Estudos Populacionais – ABEP, 2004, v. 1, p. 175.
45
Tabela 3.1: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1809-1819
Número Número
Faixa Taxa de Total de
de % de % %
Etária Masculinidade escravos
Homens Mulheres
Infantes
101 28,2 83 37,8 54,8 184 32,0
(0-14)
Adultos
187 52,3 118 53,8 61,3 305 53,0
(15-40)
Idosos
(+ de 69 19,5 18 8,4 79,3 87 15,0
40)
Total 357 100,0 219 100,0 62,0 576 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
Tabela 3.2: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1820-1830
Número Número
Faixa Taxa de Total de
de % de % %
Etária Masculinidade escravos
Homens Mulheres
Infantes
195 27,5 169 40,7 53,5 364 32,3
(0-14)
Adultos
409 57,6 195 47,0 67,7 604 53,7
(15-40)
Idosos
(+ de 105 14,9 51 12,3 67,3 156 14,0
40)
Total 709 100,0 415 100,0 63,0 1124 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
46
Deste modo, o perfil demográfico constatado entre os cativos, até este momento,
mostra o predomínio dos homens em idade adulta (15-40 anos). Porém, é necessário
desenvolvermos ainda um estudo da distribuição dos africanos e crioulos nas propriedades
da Mata mineira. Eis um caminho no qual poderemos, possivelmente, apresentar um quadro
mais completo e decisivo da escravaria inventaria desta região e onde, também, será
possível perceber seu envolvimento no tráfico de escravos para Minas Gerais.
Na tabela 4, estão dispostos os escravos conforme a naturalidade, o que nos
possibilita obter a variação da razão de africanidade entre os anos de 1809 e 1830. De
imediato, se nota a predominância dos crioulos sobre os africanos (58% contra 42%), na
qual acabou resultando numa razão de africanidade muito baixa, 72,2. Embora o
contingente africano tenha crescido em relação ao crioulo, e por sua vez, tenha elevado a
razão de africanidade (65 para 76,2) entre a segunda e terceira década do oitocentos, os
nascidos no Brasil continuaram sendo a maioria da escravaria residente na Mata mineira.
71
BERGAD, Lair W. op. cit., passim.
47
Porém, acreditamos num cenário bem mais complexo ao que foi constatado num
primeiro momento, até mesmo por que os registros acima demonstram um crescimento
quantitativo mais acelerado entre os africanos, ou seja, enquanto estes últimos tiveram um
aumento de 213% os crioulos cresceram 181% no decorrer da segunda e terceira década do
século XIX.Com isso, os dados da tabela quatro não são confiáveis para responder a nossa
questão e acima de tudo, pouco contribuem para uma apreensão mais concreta acerca do
perfil demográfico dos escravos da Mata mineira.
Nesse sentido, o desenvolvimento de uma análise sobre a variação da razão de
africanidade conforme o sexo (tabela 4.1) poderá nos subsidiar na obtenção de um
panorama distinto e amplo em relação ao que foi exposto anteriormente.
Para os cativos do sexo masculino, encontramos uma razão de africanidade de 109
no período de 1809-1830, variando de 98,3 a 115 da segunda para terceira década. Entre as
mulheres se percebe, no geral, uma razão extremamente baixa (33), como uma variação
muito pequena entre um decênio e outro (de 29,8 para 34,7). Fato natural tendo em vista a
lógica demográfica das empresas escravistas, onde o africano do sexo masculino é o mais
cobiçado no mercado Atlântico, o que explica, desta maneira, a pequena presença de
mulheres africanas nas propriedades. 72
Apesar de relativamente baixa – em regiões como a Bahia o índice encontrado foi
de 216 para os anos de 1790 e 182773 – a razão de africanidade entre os homens demonstra
uma situação mais compreensível em relação ao que foi anunciado anteriormente. Mais do
que isto, a evolução dos africanos foi a mais substancial não só em relação aos crioulos,
mas também em relação às africanas e crioulas, passando de 49,6% no período de 1809-
1819 para 53,6% no momento seguinte.
Quantitativamente, podemos dizer que foi entre os africanos onde se registrou o
maior crescimento entre uma década e outra (213%), enquanto os crioulos, as crioulas e as
africanas cresceram respectivamente 181,7%, 181,1% e 211%. Assim, no período de 1809-
1830 encontramos para a Zona da Mata um total de 558 africanos, 510 crioulas, 159
africanas e 482 crioulas.
72
Para entender melhor esta questão veja FLORENTINO, Manolo. Op. cit., pp. 59-60.
73
SCHWARTZ, Stuart B. op. cit., p. 290.
48
Tabela 4.1: Variação da razão de africanidade, por sexo, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830
Período Homens Mulheres Razão
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
1809-
178 49,6 181 50,4 359 100,0 51 23,0 171 77,0 222 100,0 98,3 29,8
1819
1820-
380 53,6 329 46,4 709 100,0 108 25,8 311 74,2 419 100,0 115 34,7
1830
Total
(1809- 558 52,2 510 47,8 1068 100,0 159 24,9 482 75,1 641 100,0 109 33,0
1830)
Obs.: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
74
Ver página 20.
49
Tabela 4.2: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830
Faixa
Homens Mulheres Razão
etária
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
Infantes
31 10,6 262 89,4 293 100,0 6 2,4 245 97,6 251 100,0 12,0 2,4
(0-14)
Adultos
400 67,5 192 32,5 592 100,0 120 38,9 189 61,1 309 100,0 208 63
(15-40)
Idosos
118 70,2 50 29,8 168 100,0 27 40,9 39 59,1 66 100,0 236 69
(+ de 40)
Total 549 52,1 504 47,9 1053 100,0 153 24,5 473 75,5 626 100,0 109 32
Obs: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
75
Veja, por exemplo, BERGAD, Laird. op. Cit, passim e PAIVA, Clotilde Andrade, op. cit.
50
do século XIX, no porto do Rio de Janeiro.76 Contudo, como é necessário cuidados ao fazer
tais afirmações, iremos desenvolvê-la melhor quando trabalharmos com a demografia do
tráfico de escravos para Minas Gerais.
Tabela 4.3: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados
da Zona da Mata, 1809-1819
Faixa
Homens Mulheres Razão
etária
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
Infantes
9 9,0 90 91,0 99 100,0 0 - 82 100,0 82 100,0 10 0
(0-14)
Adultos
120 64,5 66 35,5 186 100,0 39 34,3 75 65,7 114 100,0 181 52
(15-40)
Idosos
45 68,0 21 32,0 66 100,0 8 47,0 9 53,0 17 100,0 214 88,8
(+ de 40)
Total 174 49,5 177 50,5 351 100,0 47 22,0 166 78,0 213 100,0 98,3 28,3
Obs: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS
Tabela 4.4: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados
da Zona da Mata, 1820-1830
Faixa
Homens Mulheres Razão
etária
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
Infantes
22 11,4 172 88,6 194 100,0 6 3,6 163 96,4 169 100,0 12,7 3,6
(0-14)
Adultos
280 69,0 126 31,0 406 100,0 81 41,6 114 58,4 195 100,0 222 71
(15-40)
Idosos
73 71,5 29 28,5 102 100,0 19 38,8 30 61,2 49 100,0 251 63,3
(+ de 40)
Total 375 53,4 327 46,6 702 100,0 106 25,7 307 74,3 413 100,0 114 34,5
Obs: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
76
KARASCH, Mary C. op. cit.
51
77
BERGAD, Laird. Op. cit., pp. 226-227.
78
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 68.
52
79
A razão de dependência, segundo Stuart Schwartz, é calculada dividindo pelo número de adultos em idade
produtiva (15-44 anos) o número de indivíduos com menos de quinze anos e mais de 44 anos (Infantes +
Idosos/ Adultos vezes 100). Quanto menor essa razão, maior a probabilidade de haver alta mortalidade entre
os bebês e crianças e baixa expectativa de vida para os adultos, ou seja, menor é a capacidade de uma dada
população cativa se auto-reproduzir. SCHWARTZ, Stuart. Op. cit., p. 296.
80
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. op. cit., p. 169.
53
É fato que a população africana da Zona da Mata mineira cresceu ao longo das
primeiras décadas do século XIX, então, torna-se fundamental sabermos as principais
regiões de origem dos africanos desta região.
Embora a maioria dos registros acerca dos africanos inventariados tenha as regiões
de procedência, não necessariamente tais informações indicam sua verdadeira identidade
étnica. Freqüentemente, os traficantes registravam os ditos conforme a região do porto onde
foram embarcados.81 Deste modo, trabalharemos aqui com a idéia de área de procedência e
não de etnia.
Visto este problema, os resultados a serem expostos neste item nos permitirão
observar mais de perto o envolvimento da Zona da Mata no tráfico de escravos para Minas
Gerais. Para tanto, iremos realizar o cruzamento de registros distintos para percebermos a
tendência das principais regiões de procedência dos africanos existentes nos plantéis da
região da Mata, no tráfico de escravos para Minas Gerais e no tráfico Atlântico entre a
África e o Rio de Janeiro. Nosso primeiro passo será analisar o cenário apresentado no
gráfico dois, onde está exposto a distribuição das regiões de origem dos africanos
inventariados na Zona da Mata e sua evolução ao longo da segunda e terceira década do
oitocentos.
A primeira constatação apresentada pelo gráfico dois é a hegemonia da África
Central Atlântica enquanto principal área de procedência dos africanos residentes na região
da Mata. Entre os anos de 1809 e 1830, 93,8% vinham deste território, com ênfase para
Angola, Congo e Benguela. Embora tenha registrado uma pequena redução proporcional
entre uma década de outra (96,2% para 92,7%), em termos absolutos os cativos oriundos
desta região africana mais do que dobraram (de 207 para 446 almas), com um elevadíssimo
aumento de 215%!82
A segunda área mais freqüente identificada nos inventários post-mortem é África
Oriental, leia-se Moçambique, com 3,6% dos escravos africanos originados deste espaço.
De quase inexistente nos anos de 1809 a 1819 (1,1%) passaram a representar 4,7% na
81
Veja, por exemplo, KARASCH, Mary C. op. cit., capítulo I.
82
Veja anexo um.
54
90
80
70
60
50
%
40
30
20
10 2,7 2,6 4,7 2,6 3,6
1,1
0
1809-1819 1820-1830 1809-1830
Podemos começar a enriquecer este cenário, com o cruzamento das principais áreas
de origem dos africanos despachados da praça mercantil carioca para a Província de Minas
Gerais. A partir dos registros alfandegários (fontes que serão devidamente apresentadas no
capítulo seguinte) poder-se-á perceber a possibilidade de uma coincidência entre a
tendência das regiões de origem dos cativos do tráfico para Minas Gerais e os residentes na
Mata mineira (gráfico 2.1).
Embora o desequilíbrio seja menos acentuado em relação ao que foi constatado no
gráfico anterior, percebe-se também o predomínio dos escravos oriundos da África Central
Atlântica. Dos cativos onde foi possível detectar este tipo de informação, 70,2% vieram
desta região, variando de 85,4% a 68,3% no período de 1809-1819 e de 1820-1830.
Contudo, o registro mais interessante deste gráfico ficou por conta da importância
expressiva adquirida pela África Oriental, de uma participação ínfima (4,5%) entre 1809 e
83
As regiões da África Ocidental identificada nos inventários são a Costa da Mina e Nagô. Anexo um.
55
1819, os cativos, com origem registrada, desta região passaram a representar 23,7% do
tráfico para Minas entre 1820 e 1830. Os principais territórios da costa índica, matriculados
nos despachos são, em ordem de freqüência, Moçambique, Inhambane e Quilimane. 84
80
68,3 70,2
70
60
50
%
40
30 23,7 21,6
20
10,1 8 8,2
10 4,5
0
1809-1819 1820-1830 1809-1830
84
Veja anexo 1.1.
56
85
FLORENTINO, Manolo. Slave Trade between Mozambique and the Port of Rio de Janeiro. c. 1790-c.
1850, Demographic, Social and Economic Aspects, pp. 71-72. In: ZIMBA, Benigna; ALPERS, Edward e
ISAACMAN, Allen (orgs.). Slave Routes and Oral Tradition in Southeastern África. Maputo, Mozambique:
Filsom Entertainment, Lda., 2005, p. 73.
86
Idem, pp.63-90.
57
40
30
19,9
20 16,1
10 3,2 4,1
1,5 2,9
0
1795-1811 1811-1830 1795-1830
Então, o quadro esboçado até o momento demonstra que boa parte dos africanos
estabelecidos na Zona da Mata, entre 1809 e 1830, saiu das áreas situadas na África Central
Atlântica, desembarcando, posteriormente, no porto do Rio de Janeiro e se deslocando, num
terceiro momento, por meio de tropas, pelas encruzilhadas dos caminhos terrestres,
chegando finalmente ao território mineiro. Assim, frente a esta situação acreditamos ser
pertinente conhecermos um pouco das características gerais do lado da oferta, ou seja, da
face do palco principal de origem dos cativos importados.
De forma geral, a área correspondente à África Central era normalmente dividida
em três principais regiões no século XIX: Congo Norte (Cabinda), Angola e Benguela. A
primeira região importante que no oitocentos era conhecida como Congo Norte tinha como
fronteira a área do cabo Lopes até a foz do rio Zaire (Congo). Os traficantes do Rio de
Janeiro adquiriam, algumas vezes, escravos de toda a costa do Congo Norte e embarcavam
58
os ditos como uma única carga. Um dado interessante é que quando chegava ao território
brasileiro essa gente era nomeada de cabinda. 87
Cabinda, consoante Mary Karash, era um importante porto do tráfico de escravos no
norte do rio Zaire, deste modo, muitos escravos eram conhecidos como cabinda devido ao
fato de serem exportados por esse porto. A denominação cabinda era utilizada pelos
traficantes cariocas como base para suas operações mercantis em toda a costa ao norte do
cabo Lopes e para as conexões com o mercado do rio Zaire, como Ponto de Lenha e
Boma.88
Integrados ao Congo do Norte estavam também os congos, uma das nações mais
numerosas da cidade. Porém, identificar um congo é muito complicado. Os conhecidos
como congos no Rio eram, às vezes, os bacongos do Norte de Angola e Sul do Zaire, no
entanto, outros diversos grupos étnicos, além do citado, eram chamados de congos. Uma
outra informação sobre essa região é que conforme o costume do tráfico, qualquer sujeito
exportado pelos mercados ligados à vasta rede comercial do rio Zaire e seus tributários era
um congo. No território brasileiro os cativos advindos do congo eram, na perspectiva dos
senhores, alguns dos melhores escravos devido a sua habilidade na agricultura, em artes e
ofícios, além dos afazeres domésticos. 89
No que se refere à região de Angola, o tráfico de escravos atuava geralmente no
território central controlado pelos portugueses da Angola moderna, sobretudo, em Luanda,
sua capital colonial e seu interior, o vale do rio Cuanza, e a região entre esse rio e Caçange.
Assim, os angolanos vinham de uma área mais restrita em relação aos congos, mas ainda
assim compreendiam numerosos grupos étnicos. Os angolanos também tinham imagens
positivas frente aos seus senhores, pois não se revoltavam como os minas, além de possuir
boa condição física e habilidades para trabalhos mecânicos e especializados. A velha
conexão de Angola com o Rio de Janeiro, estabelecida ao longo de séculos de tráfico de
escravos, acabou colaborando para o fato dos grupos étnicos específicos da Angola
Moderna ser bem mais conhecidos na cidade carioca em relação aos grupos de outras
regiões africanas.90
87
KARASCH, Mary C. op. cit., pp. 50-51.
88
Idem, p. 51.
89
Idem, pp. 54-55.
90
KARASCH, Mary C. op. cit., pp. 55-56.
59
91
KARASCH, Mary C. op. cit., p. 57.
92
FERREIRA, Roquinaldo. “Transforming Atlantic Slaving: Trade, warfare and territorial control in Angola,
1650-1800.” Los Angeles: University of Califórnia, 2003, pp. 123-124. (Tese de doutorado). Em meados do
século XVIII, os mercadores de Luanda chegaram a levar 3000 escravos de benguela para a primeira
localidade.
93
Idem, p. 132.
60
94
Uma análise bem sintetizada desta tendência historiográfica contemporânea pode ser vista em
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit. Capítulo 1.
95
Para um estudo mais sistemático e amplo acerca da família escrava seria necessário também o manejo de
fundos documentais como os registros de batismo. Idem, passsim.
96
Idem, p. 140.
61
Não obstante, isso não nos impede de conhecer a distribuição dos tipos de arranjos
familiares primários entre os escravos residentes na referida região nos anos de 1809 e
1830.
Num primeiro instante, podemos constatar que a cada dez cativos aparentados, oito
estão vinculados às famílias nucleares sem filhos, o restante está dividido entre as nucleares
com filhos (7,3%) e as matrifocais (9,7%). Considerando somente estes dois últimos
grupos, notamos que a maioria dos rebentos, aparentados, conviviam apenas com a mãe, o
que nos faz pensar na possibilidade de boa parte dos cativos da região da Mata nascerem
sob a ilegitimidade.
Florentino e Góes analisaram a distribuição dos escravos aparentados – também
com base em inventários – conforme as flutuações do tráfico Atlântico. No período de
estabilidade dos desembarques de africanos (1797-1807), as famílias cativas da região
fluminense eram majoritariamente nucleares (com ou sem filhos), nas fases de expansão
(1810-1825) e crise da oferta (1826-1830) se registrou uma inversão de papéis, ou seja, as
matrifocais tomariam a hegemonia das nucleares.97 Tomando por base os dois últimos
períodos, o padrão registrado nos inventários da Mata mineira foi distinto. Tanto no
momento de expansão quanto no de crise, as famílias nucleares sem filhos foram
predominantes, mesmo num momento em que se constatou – ainda que em menor grau
comparado ao agro-fluminense – um fluxo crescente de africanos nas propriedades da
região em questão.
Eis um problema constatado diante da situação ora apresentada. Se for verdade que
a família nuclear sem filhos imperava entre os cativos aparentados, como explicar, então, o
registro que fizemos acerca do crescimento dos crioulos infantes nas propriedades da
região?98 Um caminho para entender este aparente paradoxo seria questionar o aumento da
população crioula apontada neste trabalho, entretanto, os inventários, por si só, não nos
permite realizar tal feito, o que nos faz novamente apontar para a importância do
cruzamento com os registros de batismo.
97
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., pp-143-144.
98
No item sobre aspectos demográficos da população escrava demonstramos que os crioulos infantes do sexo
masculino e feminino cresceram, respectivamente, 198% e 191%. Ver p. 36.
62
90 83
80
70
60
50
40
30
20
9,7
10 7,3
99
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit, p. 145.
100
Idem, p. 146.
101
Tal conjuntura será mais bem elucidada no capítulo seguinte.
102
Inventário post-mortem de Bento Antônio Rolim – AHMPAS - 2º vara civil - cx. 167 - ordem, 12.
64
fontes, não foi possível recuperar o pai destas crianças, mesmo assim, acreditamos que este
caso talvez se enquadre na situação posta em questão, ou seja, a possibilidade do senhor
Rolim, dono de um pequeno plantel, ter colocado a figura paterna no mercado tendo em
vista a alta dos preços dos cativos.
50
40
29
30
20
9,8
10
0
Nuclear sem filhos Nuclear com filhos Matrifocal
50
40
30
20 12,5
10 4
0
50
40
30
20
10 3,6 5,8
0
Nuclear sem filhos Nuclear com filhos Matrifocal
Assim, em que se pesem os limites dos inventários post-mortem para este tipo de
estudo, foi possível desenvolvermos uma apresentação sumária dos principais arranjos
familiares dos cativos residentes na Zona da Mata mineira nos anos de 1809 a 1830. Apesar
da distribuição imperfeita dos sexos, as relações familiares no cativeiro mostraram-se
atuante, contrariando assim, idéias que outrora julgavam a escravidão uma “forma de
organização social de efeitos tão deletérios e reificadores sobre os escravos que fazia
viger, nas senzalas, a anomia (isto é, ausência de leis, de normas ou de regras de
organização) e a promiscuidade”. 103
Para além, a percepção dos efeitos do tráfico de escravos na configuração das
famílias atuou como subsídio para a nossa hipótese acerca da atuação desta prática
mercantil na Zona da Mata mineira. Portanto, para encerrarmos o capítulo – mas não a idéia
– podemos dizer que: a disseminação e, ao mesmo tempo, a concentração da propriedade
escrava no tecido social da região, a hegemonia dos homens em idade adulta e de origem
africana,104sendo em sua a maioria procedentes da África Central Atlântica e, por último,
como acabamos de anunciar, a presença significativa das famílias matrifocais nos pequenos
plantéis mostram que o tráfico de escravos para Minas Gerais assumiu um papel
imprescindível na reiteração da força de trabalho na Zona da Mata mineira nos anos de
1809 a 1830. Acrescente-se ainda que, ao longo de todo o capítulo procuramos demonstrar
que esta configuração teria acompanhado, apesar das diferenças econômicas e sociais, a
tendência de regiões como o Rio de Janeiro, Bahia e até mesmo São Paulo, cujas
populações escravas foram, em sua grande maioria, formadas por intermédio do tráfico de
escravos.
Entretanto, sabemos que autores importantes da historiografia mineira, como Laird
Bergad, acreditam na pouca relevância do tráfico de escravos para Minas Gerais no século
XIX, o que comprometeria, completamente, toda a pesquisa desenvolvida, pois segundo
este próprio autor não existiriam fontes as quais pudessem comprovar uma atuação
expressiva deste comércio na província mineira.105 Para a nossa sorte, nos capítulos
subseqüentes poderemos estudar – a partir de fontes alfandegárias – bem de perto a atuação
de Minas Gerais no mercado de cativos da praça mercantil do Rio de Janeiro, centro
103
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 27.
104
Além do fato dos africanos registrarem o maior crescimento em relação as outras faixas etárias (233%).
105
BERGAD, Laird W. op. cit., passim.
67
econômico da colônia e depois do império, cujo porto recebia a maioria dos navios
negreiros que chegavam da África abarrotados de almas.
68
106
Dentre os trabalhos que os autores publicaram sobre os caminhos possíveis desta documentação e de seus
perigos, vejam FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto Guedes. Alegrias e Artimanhas de uma fonte
69
eram abonados ou reconhecidos por outras pessoas, no caso do nosso negociante quem o
reconheceu foi Francisco Antônio da Gama. 110
No tocante ao despacho de escravos, as informações acerca dos viajantes não estão
registradas com os mesmos detalhes em relação aos passaportes. Tal documento tem em
seu conteúdo as remessas de cativos para diversas localidades, principalmente para as
regiões do centro-sul, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
No entanto, Fragoso e Ferreira alertam para o fato de que “nem sempre há precisão se o
despachador viaja junto com os cativos ou apenas os remetem” ·
As informações mais freqüentes nos despachos de escravos são referentes às
descrições físicas dos cativos, a origem, idade e cor, se for africano indica também a
procedência (Cassange, Congo e Angola, por exemplo). Além disso, Fragoso e Ferreira
afirmam que os nomes dos vendedores, proprietários e compradores de mancípios podem
constar também nos despachos. Assim, dentre os inúmeros exemplos de despachos de
cativos, temos:
a) “Termo que assina Lourenço Pereira dos Santos de como recebeu o atestado
com que João José despachou para Minas 6 escravos novos comprados a Joaquim Rabelo,
Francisco Antonio de Mendonça e Francisco Correia Garcia e uma escrava ladino de
nome Rosa Rebola comprada a Pedro Martins Duarte e eu Valeriano José Pinto o
escrevi.” 111
b) “Silvério Pedrosa Ferreira remete para Minas pela Paraibuna onze escravos
novos dos quais pagou os reais direitos constante da guia que apresentou, e assinou
Francisco Antonio da Gama.” 112
110
No tocante aos abonadores ou fiadores é possível retirar em alguns casos informações de mesma natureza
do viajante. FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 12.
111
Códice 424, vol. 1, p. 12, s/r.
112
Códice 421, vol. 1, p. 347, registro 1807.
71
113
Para o desenvolvimento de tal objetivo este trabalho se baseou em FRAGOSO, João e FERREIRA,
Roberto. Caracterização dos Volumes e Guia de Pesquisa dos Códices 390, 411, 419, 421, 424, 425, 1000 e
1002 do Arquivo Nacional. Laboratório de pesquisa em História Social (LIPHIS): UFRJ, S/D.
114
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 11
72
Contudo, é muito curiosos perceber que neste códice as informações acerca dos cativos
ladinos passaram a ser mais freqüentes a partir de 1830. Esta constatação, quiçá, pode estar
relacionada ao fato do tráfico Atlântico ter se transformado uma atividade comercial ilícita
neste ano e, portanto, os funcionários da Polícia da Corte do Rio de Janeiro teriam,
possivelmente, registrado um escravo no como ladino para burlar a legislação da
ilegalidade do tráfico.115 Entretanto, é possível levantar uma outra conjetura sobre esta
questão.
Mary Karash, afirma que a partir de 1830, os escravos passariam a desembarcar dos
navios negreiros de forma apressada e furtiva ao cair da noite, além de serem escondidos
em armazéns e barracões a quilômetros da cidade.116 Com isso, é bem provável que estas
fugas constantes, apontadas pela autora, contribuíram para o desaparecimento dos escravos
novos quase que por completo dos registros da Polícia da Corte.
Voltando ao ponto central, é válido registrar que uma das grandes virtudes do
códice 424 é a quantidade expressiva de registros nos quais os vendedores, os proprietários
e os compradores de cativos novos estão registrados, sendo, deste modo, o códice que
contempla a maior parte destes registros neste fundo documental. No mais, neste códice é
pouco freqüente as informações concernentes à cor e a idade do cativo, sendo mais comum
registros sobre sua naturalidade e procedência.
Por fim, acerca do códice 425, pode se dizer que sua disposição é semelhante ao
códice 421, contemplando tanto despachos de escravos quanto passaportes. A diferença
está nas informações mais freqüentes sobre os proprietários, vendedores e compradores de
mancípios em relação ao códice 421. No tocante ao cativo, os registros sobre sua
naturalidade se apresentam de forma mais consistente o que não se repete quando tratamos
dos dados sobre sua cor e idade.
Assim, ter um conhecimento das características gerais dos códices 390, 421, 424 e
425 é imprescindível para que possamos ter uma dimensão, ainda que limitada, de sua
115
Eis o motivo que nos levaram a delimitar o recorte temporal deste trabalho até 1830 apesar das fontes
abrangerem o ano de 1833. Gastar-se-ia muito tempo procurando estimar informações sobre os cativos novos
durante um período muito pequeno e que provavelmente não teria influências em nosso resultado. Além dos
mais, os problemas destes códices no recorte temporal que delimitamos já são consideráveis visto a
necessidade de se desenvolver um item exclusivo sobre suas armadilhas neste capítulo.
116
KARASH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras,
2000, p. 74.
73
Visto a exposição dos perfis das fontes, faremos neste momento, uma apresentação
sucinta dos tipos de cativos que podem ser encontrados nos códices da Polícia da Corte
carioca (Tabela 6).
Temos então, pelo menos cinco tipo de escravos identificáveis na documentação: Os
novos que, segundo Fragoso e Ferreira, são os recém-chegados da África cujos nomes não
seriam cristãos; os ladinos, que possuem o nome vinculado ao cristianismo, batizados no
Brasil ou mesmo na África, e, além disso, trata-se de africanos que já estavam estabelecidos
na América portuguesa em um determinado tempo. Em seguida encontram-se os “escravos
que trouxe” – assim denominado nas fontes – eram os acompanhantes das tropas
procedentes das áreas do Sul e Sudeste do país. Temos ainda os cativos marinheiros,
pertencentes as embarcações com destino as áreas costeiras ao sul da Corte e, por fim, as
crias, que são filhos de escravos novos ou ladinos. 117
Contudo, tendo em vista este panorama, poderíamos perguntar o porquê da ausência
dos crioulos nestes registros, ou seja, o que explicaria a não contabilização deste cativo nas
remessas? Somente quando lançamos mão dos registros referentes às características
117
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. pp. 23-24. Nas fontes é possível encontrar ainda os
escravos ‘parceiros’, os ‘ladinos que trouxe’ e os ‘boçais’. Os autores não contabilizaram os primeiros por se
referirem aos que faziam parte da tropa, não se tratando, assim, de remessas de escravos, os dois últimos
foram agregados para efeito de calculo. O ladino que trouxe foi agregado ao tipo “trouxe” e os boçais que
tinham nome cristão eram agregados aos cativos ladinos e os que não tinham aos novos.
74
demográficas (origem, sexo e etc.) torna-se visível sua identificação, não permitindo, deste
modo, a realização da quantificação que são aplicadas nos outros cativos.118 Em busca de
uma compreensão acerca deste problema recorremos a duas passagens cruciais das
ponderações de Karash, onde foi possível elaborarmos duas hipóteses.
Primeiro, apesar da palavra “ladino”, normalmente, definir um africano aculturado
na colônia lusitana, os homens responsáveis pela negociação deste cativo se comprometia
119
também com a venda dos crioulos, o que levaria a este último a ser registrado, talvez,
como ladino.
Em vista disso, poderíamos simplesmente interpretar este fato como um caso de
sub-registro nos códices, porém, seria uma posição muito reducionista de nossa parte se
aceitássemos esta hipótese e, também, se não tivéssemos em mãos uma segunda.
Karash constatou que no Rio de Janeiro existiam três tipos de licença para
comercializar escravos, uma para os novos, outra para os ladinos e capacitados e uma
terceira para ambos os casos. O uso dos termos “novo” e “ladino” era empregado pelos
negociantes para classificar suas mercadorias como novas ou usadas e estabeleciam suas
operações mercantis de acordo com esta classificação.120 Portanto, podemos dizer que sob a
óptica do mercado o escravo crioulo era vendido como ladino, dado que provavelmente
teria recaído nos registros no momento da elaboração dos passaportes e dos despachos de
escravos da Polícia da Corte. Esta percepção nos faz acreditar, deste modo, que a ausência
dos crioulos não está relacionada à existência de um sub-registro neste fundo documental e
sim de uma dinâmica da própria sociedade colonial. Apesar disso, esta evidência não nos
afastará dos crioulos, pelo contrário, o mesmo ganhará a devida atenção nas reflexões do
capítulo subseqüente.
118
Para ser mais específico, os crioulos são identificados na segunda planilha do banco de dados do IPEA,
que dão conta da caracterização dos escravos.
119
KARASCH, Mary. Op. cit., pp. 67-68.
120
Idem, p. 68.
75
Tabela 6: Remessas anuais de escravos novos, ladinos, que o tropeiro trouxe, crias e
marinheiros diante do total dos códices (1809-1830) 121
( Total
Novos Ladin Troux Crias ( Marin
Novos Ladin Troux Marin b) geral (a)
Anos % de os % e % Crias % de b) %
(a) os e dos
(a) de (a) de (a) (a) de (a)
Códices
1809 1692 40,6 221 5,3 2250 54,0 3 0,1 0 - 4166
1811 1276 47,6 145 5,4 1254 46,8 6 0,2 0 - 2681
1813 2776 42,6 125 1,9 3608 55,4 3 - 0 - 6512
1814 878 40,6 40 1,9 1242 57,5 0 - 0 - 2160
1815 2690 45,6 104 1,8 3086 52,4 4 0,1 10 0,2 5894
1816 4028 44,8 303 3,4 4480 49,8 2 - 174 1,9 8987
1817 3482 32,2 312 2,9 6747 62,4 3 0,0 272 2,5 10816
1818 3110 25,5 381 3,1 8380 68,8 15 0,1 261 2,1 12147
1819 2550 25,3 250 2,5 6966 69,0 9 0,1 319 3,2 10094
1820 2136 27,9 211 2,8 5043 65,9 20 0,3 237 3,1 7647
1821 1119 36,9 659 21,7 1071 35,3 2 0,1 182 6,0 3033
1809-21 25737 34,7 2751 3,7 44217 59,6 67 0,1 1455 1,9 74137
1822 9724 64,0 587 3,9 4751 31,2 14 0,1 128 0,8 15204
1823 4678 70,2 1485 22,3 143 2,1 33 0,5 326 4,9 6665
1824 12546 87,4 1437 10,0 41 0,3 30 0,2 300 2,1 14354
1825 9155 94,7 490 5,1 7 0,1 18 0,2 0 0 9670
1826 18553 91,9 1310 6,5 43 0,2 34 0,2 253 1,3 20193
1827 13088 95,6 558 4,1 35 0,3 16 0,1 0 - 13697
1828 25883 97,2 668 2,5 38 0,1 38 0,1 0 - 26627
1829 20755 94,9 994 4,5 73 0,3 43 0,2 0 - 21865
1830 27420 93,3 1802 6,1 105 0,4 69 0,2 0 - 29396
1822-30 141802 89,9 9331 5,9 5236 3,3 295 0,2 1007 0,6 157671
Total 167539 70,4 12082 5,0 49363 20,7 362 0,2 2462 1,0 237656
Fontes : FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. p. 24.
(b) Marin = escravos marinheiros
122
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 51.
77
123
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 28.
124
Idem, p. 25.
125
Idem, Ibidem. Os volumes que os autores se referem são o de número 3 e 4 do códice 421.
78
Janeiro se tem registros de despachos.126 Nos anos de 1811 e 1814 os meses com
informações são os de março a junho para o primeiro ano e de outubro a dezembro para o
segundo.
Pelo exposto, a perda de livros, então, teria um peso inegável na escassa
representatividade de africanos novos coligidos dos códices na fase entre 1809 e 1814,
fazendo deste recorte, conforme Fragoso e Ferreira, o menos seguro para se debruçar sobre
a redistribuição de almas recém-chegadas em direção as regiões do centro-sul brasileiro.127
Para o período de 1815 a 1821 a representatividade dos escravos novos diante do
tráfico aumenta em relação ao intervalo anterior, perpassando os 14%, no entanto, em
alguns casos específicos desta fase este índice passa os 22%, é o caso do ano de 1816. É
valido sublinhar que este período foi contemplado por uma quantidade maior de volumes
em relação a fase anterior, 11 contra 4 volumes do códice 421. Este recorte temporal tem
ainda a prerrogativa de possuir também informações no códice 390, cujos registros são
referentes exclusivamente aos despachos de escravos entre os anos de 1815 e 1826,
informação enunciada neste capítulo. Porém, se compararmos ao período de 1822-1830 a
representatividade de escravos novos entre 1815 e 1821 não se apresenta muito expressiva.
Esta pouca expressão é justificável quando observamos a alta representatividade no
intervalo de 1824-1830, cerca de 53%, sendo que, nos anos de 1826 e 1828 esta proporção
perpassa os 52,2% e 57% respectivamente, chegando ao ano de 1830 ao índice máximo de
88,7% (tabela 7). Segundo Fragoso e Ferreira, a elevada representação deste período estaria
relacionada à preocupação da comunidade mercantil carioca com o processo de extinção do
tráfico Atlântico, no qual acabaria ser tornando uma atividade ilícita em 13 de março de
1830.128 Manolo Florentino declara que, embora a promulgação da lei de supressão do
tráfico ser um mero “subterfúgio da classe escravista brasileira para enganar o governo
britânico”, a crença dos traficantes na concretização do fim desta prática mercantil não era
inexistente, visto a desenfreada compra de africanos no período de 1826 a 1830,
coincidindo, portanto, com a fase de maior representatividade das fontes frente ao tráfico
126
Ambos os anos estão no volume 1 do códice 421.
127
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 25.
128
Idem, p. 26.
79
Atlântico.129 Podemos adicionar ainda que os anos situados entre 1824 e 1830 são
beneficiados com o códice 424.
Tabela 7: Remessas anuais de escravos novos da Praça do Rio de Janeiro diante das
estimativas do tráfico atlântico de escravos (1809-1830)
Total geral
Novos % de Tráfico
Anos Novos (a) Novos % de (b) (a) dos
(a) Atlântico (b)
Códices
1809 1692 40,6 12,8 4166 13171
1811 1276 47,6 5,7 2681 22520
1813 2776 42,6 16,1 6512 17280
1814 878 40,6 5,7 2160 15300
1809-14 6622 42,7 9,7 15519 68271
1815 2690 45,6 20,2 5894 13330
1816 4028 44,8 22,2 8987 18140
1817 3482 32,2 19,7 10816 17670
1818 3110 25,6 12,7 12147 24500
1819 2550 25,3 12,3 10094 20800
1820 2136 27,9 10,1 7647 21140
1821 1119 36,9 5,4 3033 20630
1815-21 19115 32,6 14,0 58618 136210
1822 9724 64,0 41,8 15204 23280
1823 4678 70,2 23,8 6665 19640
1824 12546 87,4 50,9 14354 24620
1825 9155 94,7 34,9 9670 26240
1826 18553 91,9 52,2 20193 35540
1827 13088 95,6 46,2 13697 28350
1828 25883 97,2 57,0 26627 45390
1829 20755 94,9 45,7 21865 47280
1830 27420 93,3 88,7 29396 30920
1824-30 127400 93,8 53,5 135802 238340
Total 167539 70,1 34,8 231808 485741
Fontes: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. pp. 26-27.
129
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., pp.41-44. Conforme os dados estimativos do referido autor entre os anos
de 1826-1830 entraram no Rio de Janeiro em média 37.496 escravos por ano.
80
predominante entre 1809 e 1821 – e o africano novo, que passaria a se destacar nas fontes
entre 1822 e 1830.
Tais complicações podem ter sua origem, consoante Fragoso e Ferreira, “nos
agentes coevos e na forma que os códices chegaram até as mãos dos pesquisadores”.130
Para melhor compreendermos esta problemática devemos buscar algumas alternativas
desenvolvidas pelos autores.
Na tabela 8 é possível observar o número de passaportes e despachos emitidos pela
Polícia da Corte entre 1809 e 1830. Pelo exposto, reparamos que até 1822 o número de
passaportes era superior em relação aos despachos de escravos, variando entre c. 70% e c.
92% dos registros e a partir de 1823 este último passaria a ter uma freqüência maior
comparado aos passaportes, oscilando ente c.53% e c.87%.
Ora, se sabemos que os passaportes contem mais informações direcionadas aos
viajantes, aos escravos “trouxe” e aos camaradas, esta constatação vem a contribuir
substancialmente para a compreensão da baixa representatividade de escravos novos entre
1809 e 1821. Apesar dos passaportes possuírem registros de remessas de cativos novos,
provavelmente não priorizavam este tipo de informação.
130
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. p. 33.
81
Esta última informação pode ser confirmada na tabela 9, onde os passaportes que
possuem remessas de escravos novos não ultrapassa os 14% desta documentação, ao
mesmo tempo, até 1821 estes mesmos passaportes são responsáveis por boa parte dos
africanos novos registrados nos códices na fase 1809-1821, chegando a contemplar c.68%
dos cativos registrados no ano de 1815. Note-se ainda que os cativos “trouxe” são
registrados de forma predominante nos passaportes, onde em alguns anos (1811 e 1814)
abarcaram 100% desses escravos.
82
Assim, se os cativos novos encontrados nos códices 390, 421, 424 e 425 possuem
uma baixa representatividade em relação ao tráfico Atlântico nos anos de 1809 a 1821 e, se
justamente neste período os passaportes são hegemônicos – lembrando que esta
documentação pouco menciona sobre remessas de novos e frequentemente do escravo
“trouxe” – essa constatações nos levam a segunda hipótese levantada neste trabalho e
83
O predomínio dos cativos novos na documentação entre 1824 e 1830, segundo João
Fragoso e Roberto Ferreira, estaria atribuído a um esforço maior por parte dos funcionários
da Polícia em emitir despachos de escravos, ou ainda, esta instituição teria se especializado
na produção deste tipo de registro, tendo em conta os desenfreados desembarques de almas
africanas no Rio de Janeiro durante este período.131 Portanto, estes acontecimentos podem
ter refletido de forma significativa na alta representatividade dos escravos novos frente ao
tráfico Atlântico nesse período.
131
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. p. 37.
132
Idem, p. 40. Os autores afirmam que enquanto o tráfico cresceu 72% entre 1825 e 1828, o quadro de
funcionários da Polícia cresceu apenas 14%. Para observar o número de funcionários da Intendência veja o
quadro 9 elaborado pelos autores.
133
Idem, Ibidem.
84
códices 390, 421, 424 e 425 e trabalhados exaustivamente neste capítulo, explica, em
grande parte: o entrelaçamento da significativa variação da representatividade dos africanos
novos frente às estimativas do tráfico Atlântico, com a hegemonia do cativo “trouxe” até
determinado instante e com as flutuações do número de passaportes e despachos entre 1809
e 1830. Entretanto, como os próprios autores afirmaram, não se tratam de constatações
definitivas.
Tendo em vista que os problemas identificados nos códices, por João Fragoso e
Roberto Ferreira, não possuem respostas as quais possam suprir todas as questões,
elaboramos uma terceira hipótese em busca de uma explicação ampliada.
Então, tomando por base que até 1822 a Polícia da Corte demonstrou, pelo exposto
no item anterior, nenhuma vocação ou maior preocupação em emitir despachos de escravos,
não seria um absurdo, de nossa parte, supor que o cativo novo teria seu registro burlado
pelo oficial da Intendência sendo identificado como um escravo “trouxe” durante essa fase.
Por mais que os passaportes privilegiassem informações referentes a este tipo de escravo,
não pode ser compatível o pensamento de um tropeiro, por exemplo, se deslocando de uma
localidade qualquer em direção ao Rio de Janeiro e quando retorna ao seu lugar de origem,
os escravos que o acompanharam estão em maior quantidade em relação aos cativos
adquiridos no mercado carioca. Mesmo que o tropeiro não tivesse a intenção de comprar
escravos, viajando somente para negociar seus produtos, seria arriscado e inviável trazer
uma grande quantidade de cativos devido ao alto custo e os riscos inerentes de viagem até
a Corte, gastos os quais poderiam abranger desde as despesas com transporte, até a
alimentação dos animais e dos acompanhantes da tropa, como os camaradas, parentes e
criados. A presença constante destes elementos nos passaportes, principalmente dos
camaradas, pode ser mais uma indicação da quantidade exagerada de registros relativos aos
escravos “trouxe”.
A tabela 10 permite notar que a perda de livros referentes aos códices 390, 421, 424
e 425 realmente teria influenciado na variação dos cativos novos diante do tráfico.
Considerando as logísticas de 10% e 20% a variação foi de 9,5% a 80,1% para o primeiro
caso e 8,5% a 71,2% para o segundo. Comparados à representatividade calculada por
134
Arquivo Nacional, Edital de 12 de março de 1809, Códice 343, pp. 2-3. Apud. FRAGOSO, João e
FERREIRA, Roberto. Alegrias e Artimanhas de uma fonte seriada, despacho de escravos e passaportes da
Intendência de Polícia da Corte, 1819-1833. Seminário de História Quantitativa, UFOP, 2000, p. 255.
86
135
Já informamos neste trabalho que variação identificada nas fontes por Fragoso e Ferreira foi de c. 5,7 a c.
88,7 (ver tabela 7).
87
136
Os dados referentes ao trafico Atlântico foram revistos pelo próprio o autor, porém, o mesmo me sugeriu
que mantivesse com os tradicionais pois não iria alterar a tendência de nossos resultados. Mesmo assim,
colocamos estes dados disponíveis ao leitor no anexo 3.
88
137
RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico Atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c.1680 –
c.1830). Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2005 (dissertação de mestrado inédita).
138
Idem, p. 101. Esta variação encontrada na tabela referente a remessas de escravos novos diante da
estimativa do tráfico foi revista pelo próprio autor, pois a variação que se encontra na dissertação é de 15,4%
a 61,4%. Agradeço gentilmente a Alexandre Ribeiro por me disponibilizar os dados revistos.
139
Estas explanações se influenciaram em obras como FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O
arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma sociedade colonial
tardia, c. 1790- c.1840. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001
89
trabalhando constantemente nos últimos anos. Neste sentido, Manolo Florentino e José
Roberto Góes fornecem subsídios valiosos para o enriquecimento de nossas ponderações.140
Com intuito de entender a estabilidade da família escrava no Brasil, Florentino e
Góes partem de um modelo geral proposto por Herbert Gutman, cujo alicerce teórico reside
na questão da estabilidade destas famílias, na qual seria caudatária do ciclo de vida dos
senhores, ou seja, a partir do momento em que a morte do senhor ceifasse, o derradeiro
destino dos escravos aparentados seria a sua desintegração no mercado.141
Pois bem, ao observarem as partilhas nos inventários post-mortem, Florentino e
Góes perceberam que o modelo proposto por Gutmam não poderia ser generalizado para os
escravos do agro-fluminense. No levantamento desta documentação os autores encontraram
138 grupos familiares dos quais congregavam 377 parentes, os resultados foram instigantes.
Destes, os autores mostraram que três quartos ou 75% das famílias permaneceram unidas
após a partilha, e o mais surpreendente, a estabilidade destes parentes eram verificadas com
maior freqüência nos grandes plantéis e entre os africanos.142 No período de 1810-1830,
enquanto 75% das famílias africanas permaneceram unidas, entre os crioulos a proporção
teria chegado aos 40%. Porém, para estes pesquisadores, apesar desta estabilidade
expressiva, isto não significava que a morte do senhor não colocava a prova os escravos
com famílias, pelo contrário, conforme a conjuntura (períodos de maior ou menor oferta de
africanos novos) estas conseguiam se estabelecer em maior ou menor grau.143
140
FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico,
Rio de Janeiro, c. 1790 – c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
141
Idem, p. 115.
142
Os motivos pelos quais explicam o maior estabelecimento das famílias nos grandes planteis são discutidos
pelos autores, o que me dispensa de maiores comentários.
143
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. Cit., p. 117.
90
Para concluirmos este item, queremos mencionar que a intenção até o presente
momento foi mostrar e ampliar os caminhos os quais João Fragoso e Roberto Ferreira
trilharam para compreender as informações problemáticas e perniciosas dos códices 390,
421, 424 e 425. Apesar disso não ousaremos encarar nossas constatações como definitivas,
pois por mais que se tente aplicar novos métodos, as estimativas do quadro 6 mostram
claramente o quanto os registros de passaportes e despachos de escravos não devem ser
tratados como remessas reais, afirmação esta que poderá ser constatado mais adiante
144
É importante ressaltar que o trabalho de Alexandre Ribeiro demonstra que a cidade de Salvador na
segunda metade do século XVIII e certa forma no XIX, atuou como uma abastecedora complementar de
escravos para Minas Gerais. RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. cit., pp. 95 a 121.
145
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 38.
146
MARTINS, Roberto Borges. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In: SZMRECSÁNYI,
Tamás; e LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da independência ao império. São Paulo, ed.
HUCITEC, 1996, p. 103.
91
Tendo em conta estas constatações, o presente item estará voltado para o estudo da
tendência do fluxo de escravos para Minas Gerais nos anos de 1809 a 1830. Mais do que
isto, procurar-se-á construir uma análise comparada entre as flutuações da redistribuição em
Minas e as principais capitanias/províncias do centro-sul, quais sejam: Rio de Janeiro, São
Paulo e Rio Grande do Sul.
Nossa escolha por essa comparação se justifica pelo fato destas quatro localidades
possuírem o maior número de registros nos passaportes e despachos de escravos, embora
outras províncias, como Paraná e Santa Catarina, estejam presentes na documentação. A
não inserção se explica pela ínfima participação destas áreas nos envios de cativos, que
juntas, representam apenas 4,5% de todas as remessas de novos e ladinos ao longo de todo
período delimitado.147 Esta constatação nos levou acreditar que, a inclusão destes territórios
pouco ou nada influenciaria os objetivos delimitados, além disso, o custo para adicioná-las
não traria para a presente pesquisa nenhum benefício frente as nossas pretensões
subseqüentes.
Deste modo, nossa primeiro dever é relatar os resultados encontrados por João
Fragoso e Roberto Ferreira na redistribuição dos cativos no Valongo148 entre 1809 e 1830,
valendo-se também dos códices 390, 421, 424 e 425.
Ao fazerem um panorama da reexportação dos escravos novos, por mercado
regional, tendo como parâmetro o tráfico Atlântico, Fragoso e Ferreira constataram,
primeiramente, que Minas Gerais foi a capitania com maior participação neste comércio no
período em destaque, 13,6% do total. Analisando em três períodos distintos, os autores
perceberam que Minas teria adquirido 4,3% entre 1809 e 1814; 5,1% na fase de 1815-1821,
perdendo, neste instante, a hegemonia para a capitania fluminense. Entretanto, na fase de
1824-1830, Minas voltaria a imperar quando teria absorvido 22% dos cativos novos
desembarcados no porto carioca. 149
Referente ao total de escravos novos diante da totalidade dos códices, o cenário é o
mesmo descrito anteriormente, isto é, o domínio de Minas Gerais com a maior proporção
de novos ao longo do período, 39,9%. Entre 1809 e 1814 sua parcela foi de 44%, no
147
As capitanias não referidas aqui foram englobadas por Fragoso e Ferreira numa única categoria
denominada de “outros”. FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 32.
148
Segundo Karasch, o Valongo, na sua origem, era o nome da rua onde se localizavam as casas usadas como
depósito dos africanos até serem vendidos para negociantes ou particulares. KARASCH, Mary. Op. cit., p. 75.
149
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 27.
92
150
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 27.
151
Idem, Ibidem.
152
Idem, p. 28.
153
Idem, Ibidem.
93
Tabela 11: Moradores nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro e escravos por
eles conduzidos, 1809-1822.
Minas Rio de Janeiro Total(a)
Moradores Escravos
Moradores Escravos Moradores Escravos
(b) (c)
% de % de % de % de
Anos # # # # # #
(b) (c) (b) (c)
1809 542 59,5 1992 71,5 254 27,9 532 19,1 911 2787
1811 423 44,9 1426 73,8 252 26,7 259 13,4 943 1933
1813 872 65,2 4105 76,4 307 23,0 723 13,5 1337 5375
1814 295 62,9 1288 75,7 117 24,9 275 16,2 469 1702
1815 718 65,3 3582 76,0 229 20,8 605 12,8 1100 4715
1816 992 66,4 5147 75,4 323 21,6 911 13,4 1495 6823
1817 1497 70,3 6419 77,6 466 21,9 1477 17,9 2129 8274
1818 1824 69,4 6751 75,9 638 24,3 1725 19,4 2629 8893
1819 1910 60,3 5418 74,1 1049 33,1 1725 23,6 3165 7310
1820 1560 60,4 4031 71,1 850 32,9 1381 24,4 2584 5667
1821 538 62,3 1584 74,6 263 30,5 445 21,0 863 2122
Total 11171 63,4 41743 75,1 4748 26,9 10058 18,1 17625 55601
(a) Inclui moradores de locais que não fossem áreas do Rio de Janeiro ou de Minas Gerais, bem como
escravos que foram para outras capitanias.
(b) Percentual calculado frente ao total de moradores, inclusive os que não residiam nas capitanias de Minas
ou do Rio de Janeiro.
(c) Percentual calculado frente ao total de escravos, inclusive escravos que não foram para áreas da capitania
de Minas ou do Rio de Janeiro.
Obs.: A tabela considera somente registros onde a residência dos tropeiros era informada.
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 42.
95
Tabela 12: Mineiros com destino a Resende frente ao total de tropeiros com residência
em Minas (1809-1822)
Ano Mineiros p/ Resende % Total de mineiros
1809 3 0,6 542
1811 8 1,9 423
1813 261 29,9 872
1814 161 54,6 295
1815 452 63,0 718
1816 487 49,1 992
1817 799 53,4 1497
1818 1017 55,8 1824
1819 766 40,1 1910
1820 570 36,5 1560
1821 288 53,5 538
1815-21 4379 48,5 9039
1822 292 24,1 1212
1823 0 - 10
Total 5104 41,2 12393
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 44.
Com isso, estes dados nos remetem a duas hipóteses levantadas por Fragoso e
Ferreira que são louváveis de nota. Uma primeira estaria relacionada à questão dos
tropeiros mineiros estarem apenas de passagem pela cidade de Rezende, tendo como
destino final às regiões da capitania mineira e uma segunda hipótese: estes viajantes, quiçá,
com a conivência dos oficiais da Polícia da Corte, teriam omitido seu real destino e
declarado o município de Rezende como a última estação. O emolumento pago por
passaporte para este destino era menos dispendioso em relação ao que se pagava para os
sujeitos com destino a Minas Gerais. Na legislação da Polícia da Corte, Fragoso e Ferreira
constataram que, enquanto se pagava $0,40 por passaporte para quem se dirigia a Rezende,
o valor cobrado para Minas Gerais era de $160.154
Esta hipótese ganha força quando os autores lançaram mão da Coleção de Leis do
Império e perceberam no ano de 1822, a promulgação por parte do recém-imperador do
Brasil, da decisão de número 135, cuja finalidade era isentar os viajantes mineiros e
paulistas de encargos excessivos pagos nas estradas que ligavam ao Rio de Janeiro,
154
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 45.
96
atendendo assim, as solicitações feitas pelos mineiros e paulistas. Abaixo podemos ver esta
decisão na íntegra.
155
Arquivo Nacional, Coleção de Leis do Império, Decisão 135 – 14 de novembro de 1822.
156
RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. cit., p. 111.
97
foi construído em função do seu principal ator, ou seja, a idéia é demonstrar Minas Gerais
no tráfico regional a partir do Valongo entre os anos de 1809 e 1830
Para a elaboração desta tabela partimos de um pressupostos, enfaticamente,
apresentados neste trabalho, qual seja: a provável perda de livros as quais davam conta das
remessas de escravos e a probabilidade dos funcionários da Intendência de Polícia não se
preocuparem com a emissão de despachos de escravos até 1821. A partir disso, propomos
uma análise acerca das remessas de escravos para Minas Gerais sobre uma prisma distinto
em relação ao panorama apresentado por João Fragoso e Roberto Ferreira.
Na tabela 13, somamos as remessas de escravos novos e ladinos entre 1809 e 1830,
tendo, dessa forma, um quadro geral da proporção dos cativos enviados para as província
de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Entretanto, é importante
dizer que estamos considerando este quadro como uma tendência do tráfico regional de
cativos. Isto se explica, pela nossa crença dos registros desbravados não poderem ser
encarados enquanto remessas reais de cativos.
Um outro procedimento metodológico para a elaboração da tabela 13, foi agregar
para Minas Gerais, nos anos de 1809 a 1822, todas as remessas de escravos que tinham
como destino Rezende, mas, somente onde a residência do tropeiro registrava a província
mineira como moradia. Eis um procedimento metodológico que mudou ligeiramente os
dados por um lado e mudou, substancialmente, por outro lado, o quadro exposto por
Fragoso e Ferreira.
Num primeiro instante, os dados apresentam uma tendência muito evidenciada ao
longo deste trabalho, isto é, no período de 1809 a 1830, o principal destino dos escravos foi
Minas Gerais, onde 40% das almas enviadas da praça mercantil carioca teriam se deslocado
para esta região. A Capitania do Rio de Janeiro ficaria com o segundo posto, 36%, em
seguida, estaria a capitania de São Paulo com 15,5% e, por fim, o Rio Grande do Sul, cuja
economia teria absorvido 8,5% dos escravos reexportados. É valido ressaltar, que apesar do
baixo índice deste território em relação a Minas e ao Rio de Janeiro, trata-se da quarta
capitania escravista do centro-sul brasileiro.157
157
Como já foi afirmado aqui, as demais regiões que aparecem nos passaportes e despachos, juntas
representam 4,5% dos escravos redistribuídos no porto carioca, conforme os dados de João Fragoso e Roberto
Ferreira.
98
158
Enquanto São Paulo teria ficado com 23,6% dos cativos, a Capitania do Rio de Janeiro teria absorvido
25,1%. FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 32.
159
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 38
99
Tabela 13: Remessas anuais de cativos a partir do porto do Rio de Janeiro (1809-
1830)
Rio de Rio Grande
Minas Gerais São Paulo Total
Janeiro do Sul
Ano # % # % # % # % # %
1809 421 22,7 140 7,5 1099 59,3 191 10,5 1851 100,0
1811 524 40,0 417 31,8 174 13,2 195 15,0 1310 100,0
1813 1763 62,6 676 24,0 373 13,4 0 - 2812 100,0
1814 525 57,5 344 37,7 43 4,8 0 - 912 100,0
1809-14 3233 46,9 1577 22,9 1689 24,5 386 5,6 6885 100,0
1815 1598 58,5 931 34,0 184 6,7 18 0,8 2731 100,0
1816 2275 52,1 1532 35,1 360 8,2 197 4,6 4364 100,0
1817 1804 46,6 1733 44,8 172 4,4 158 4,2 3867 100,0
1818 1199 34,1 2067 58,8 102 2,9 146 4,2 3514 100,0
1819 412 13,9 2284 77,2 122 4,1 140 4,8 2958 100,0
1820 691 28,4 1334 54,8 290 11,9 116 4,9 2431 100,0
1821 959 51,2 661 35,3 116 6,1 136 7,4 1872 100,0
1815-21 8938 41,1 10542 48,4 1346 6,1 911 4,4 21737 100,0
1822 2855 29,0 2667 27,1 1968 20,0 2333 23,9 9823 100,0
1809-22 15026 39,0 14786 38,4 5003 13,0 3630 9,6 38445 100,0
1823 - - 977 18,8 2181 41,9 2035 39,3 5193 100,0
1824 4190 32,1 4055 31,0 2283 17,4 2521 19,5 13049 100,0
1825 5761 60,1 2959 30,8 857 9,1 0 - 9577 100,0
1826 6126 32,6 6359 33,9 3783 20,1 2488 13,4 18756 100,0
1827 6131 46,9 4438 33,9 2077 15,8 424 3,4 13070 100,0
1828 10707 40,9 9909 37,9 4766 18,2 741 3,0 26123 100,0
1829 9458 44,7 7535 35,6 2995 14,1 1168 5,6 21156 100,0
1830 12212 42,9 11625 40,9 3080 10,8 1501 5,4 28418 100,0
1824-30 54585 41,9 46880 36,0 19841 15,2 8843 6,9 130149 100,0
Total 69611 40,0 62643 36,0 27025 15,5 14508 8,5 173787 100,0
Obs.: No ano de 1810 foram conduzidos 17 cativos novos e nenhum ladino pela capitania mineira, 54 novos e
2 ladinos para a paulista e somente 3 novos e 1 ladino para o Rio Grande do Sul, as demais não receberam.
Não há dados para 1812 e para 1823 não informações de remessas de escravos para Minas Gerais, pois,
segundo Fragoso e Ferreira, provavelmente há um livro específico do códice 425 que daria conta dos dados
para Minas Gerais no referido ano, porém, este livro ainda não foi localizado no Arquivo Nacional.
Fonte: Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Com a agregação das remessas referentes à Rezende para Minas Gerais foi possível
denotar, que no período de 1809-1822 a um grande equilíbrio entre o tráfico para Minas e
para a capitania fluminense, 39% contra 38,4%, portanto, diferente dos índices apontados
por Fragoso e Ferreira, onde o Rio teria absorvido 42,3% e Minas 34,8%.160 No entanto,
enquanto os dados dos autores são referentes apenas aos cativos novos, na tabela 13 os
registros se referem a soma de africanos novos e ladinos, o que complicaria nossa
argumentação.
Não obstante, nossa argumentação pode ser mantida quando partimos para os
gráficos 4 e 4.1, cuja elaboração se respaldou nas flutuações anuais do tráfico regional de
escravos. Com a desagregação dos dados da tabela 13, procurarmos destacar as variações
anuais da proporção de escravos novos e ladinos na redistribuição para Minas Gerais e nas
demais províncias do centro-sul em destaque neste trabalho. Vale ressaltar novamente, que
quando estamos fazendo alusão aos ladinos, o crioulo está inserido neste cálculo, pois este
aos olhos do mercado era negociado como ladino.
Tendo em mente tais procedimentos, o gráfico 4 permite perceber que, ao longo dos
anos de 1809 a 1830, a maior proporção de escravos novos se registrou no tráfico de
escravos para Minas Gerais. No total, 97,8% dos cativos idos para Minas eram africanos
novos, enquanto para o Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul este índice foi de
90,9%; 94,7% e 72,2% respectivamente.161 Para além, podemos visualizar a hegemonia do
tráfico mineiro em relação a capitania fluminense em quase todos os anos, exceto no ano de
1821, onde a proporção de novos nas remessas para o Rio foi de 65,6, contra 56,8% de
Minas. Esta tendência se confirma também em todos os intervalos (1809-14, 1815-21 e
1824-30), principalmente no período de 1809-22.162
Frente a esta situação, acreditamos que Minas Gerais teria sido a província do
centro-sul com maior envolvimento no tráfico Atlântico. Dito de outro modo, independente
da variação da representatividade dos códices da Polícia da Corte, Minas teria dominado a
oferta de africanos novos no mercado do Valongo em todos os momentos do período de
1809-1830, o que contraria, portanto, a idéia de João Fragoso e Roberto Ferreira acerca do
domínio da província fluminense neste mercado na fase geral de 1809-22. Isto se justifica,
160
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 31.
161
Para visualização destes dados veja anexo 4.
162
Os índices para todos os intervalos podem ser observado também no anexo 4.
101
por estarmos tratando os registros dos passaportes e despachos como uma tendência do
tráfico regional de escravos e não como tráfico efetivo, ou seja, não estamos trabalhando
com a concepção de uma quantidade real de remessas.
Embora esta discussão seja muito importante, não podemos deixar de mencionar
outras constatações verificadas nos gráficos. A primeira delas, é a variação expressiva da
proporção de africanos novos na redistribuição no Valongo. Entre 1809 e 1830 esta
oscilação foi de 56,8% a 99,2% em Minas, 62,1% a 95,9% na província fluminense e de
41,8% a 99,1% em São Paulo
É curioso verificar que os baixos índices foram registrados, praticamente, no mesmo
período, entre 1819-21, exceto no Rio de Janeiro onde a menor proporção de novos se deu
em 1809, apesar disso, em 1821 o índice de novos desta capitania acompanhou o momento
de baixa do período. Para a compreensão deste fato nos valemos das estimativas do tráfico
Atlântico, onde enxergamos um possível caminho para seu esclarecimento. Nos anos de
1819 a 1821 reparamos que o número de desembarque de africanos decaiu em relação aos
anos de 1818 e 1822163, indício, talvez, de uma oferta menor de escravos novos na praça
carioca, forçando, assim, as capitanias se lançarem no mercado interno no referido triênio,
como podemos visualizar no gráfico 4.1, onde no ano de 1819 a proporção de ladinos nas
remessas para São Paulo foi de 58,2% e em 1821, o índice registrado para Minas e Rio foi,
respectivamente, de 43,2% e 34,4%.
A segunda constatação, diz respeito a não inclusão do Rio Grande do Sul neste
processo. Os gráficos 4 e 4.1 mostram, por um lado, o seu envolvimento ínfimo com o
tráfico Atlântico entre 1809 e 1821 – em alguns anos (1818 a 1820) a ausência neste
mercado teria sido completa – e, por outro lado, o seu grande comprometimento com o
mercado de ladinos, chegando, obviamente aos 100% entre 1818 e 1820. No geral, os
ladinos tiveram uma participação de 27,8% nos despachos riograndenses, enquanto em
Minas Gerais, no Rio de Janeiro e São Paulo este índice foi apenas de 2,2%, 9,1% e 5,3%
respectivamente.164 Contudo, devemos alertar que os dados para o Rio Grande do Sul
podem não refletir a realidade do seu envolvimento no tráfico Atlântico, pois é possível que
163
Enquanto em 1818 e 1822 teriam desembarcado no Rio de Janeiro respectivamente, 24.500 e 23.280
cativos africanos, no triênio de 1819 a 1821 teriam aportado em média 20.800 escravos. FLORENTINO,
Manolo. Op. cit., p. 51.
164
Anexo 4.
102
navios negreiros teriam aportado diretamente no litoral desta província. De qualquer forma,
pouco podemos avançar com os dados em mãos. Apesar disso, devemos ressaltar que,
recentemente, muitos trabalhos tem se preocupado com pesquisas sobre o tráfico de
escravos no Rio Grande do Sul. 165
Por fim, vale a pena sublinhar a alta proporção de africanos novos nas remessas para
São Paulo no período de 1809-1830. Como já foi registrado, este índice foi de 94,7%,
superior, inclusive, à proporção registrada na província fluminense (90,9%). Embora não
haja dúvidas sobre a enorme superioridade numérica do Rio de Janeiro no tráfico de
escravos em relação ao território paulista, percebemos que a proporção elevada de africanos
novos se registra num momento de avanço da economia desta província
Segundo Francisco Luna e Herbert Klein, o crescimento da grande lavoura
escravista e das exportações desencadeou a expansão do mercado local, o crescimento da
urbanização, a imigração para a capitania de trabalhadores livres e escravos, o alargamento
da fronteira sobre novas terras e a criação de uma infra-estrutura de transportes cada vez
mais complexa.166 Além disso, a produção de gêneros alimentícios se expandia
paralelamente às culturas de exportação na primeira metade do século XIX.167 Assim, todos
estes fatores, segundo os pesquisadores, contribuíram para a crescente importação de
africanos realizadas por São Paulo, informação esta que pode ser confirmada pelos dados a
pouco apresentados.
165
Para constatar esta informação veja BERUTE, Gabriel Santos. Rio Grande de São Pedro do Sul: uma
analise do trafico domestico de escravos (1788-1822). Porto Alegre: PPGH – UFRGS, 2004 – 2006 (pesquisa
de mestrado). Agradeço gentilmente ao autor por ceder este paper inédito.
166
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo,
de 1750 a 1850. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p. 58.
167
Idem, p. 136.
103
100
90
80
70
Porcentagem
60
50
40
30
20
10
0
1809 1811 1813 1814 1815 1816 1817 1818 1819 1820 1821 1822 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830
60
50
40
30
20
10
0
1809 1811 1813 1814 1815 1816 1817 1818 1819 1820 1821 1822 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830
Pois bem, apesar de todas as informações expostas até aqui mostrarem a força de
Minas Gerais no tráfico regional de escravos, podemos ainda fortalecer nossas
argumentações. Para tanto, elaboramos a tabela 14, cujo objetivo foi buscar uma estimativa
da proporção de escravos novos remetidos para Minas Gerais.
A metodologia empregada nesta tabela baseou-se nos mesmos procedimentos
aplicados na tabela 10, ou seja, agregamos as flutuações anuais dos escravos novos e
“trouxe” referente a Minas, do resultado calculamos o tráfico efetivo para a região sobre a
logística de 10% e 20%, sendo a primeira a margem máxima de lucro e a segunda a
margem mínima. Feito isso, buscamos estimar a proporção das remessa para Minas frente
ao tráfico efetivo do códice, calculado sobre 10% de logística (tabela 10). Este
procedimento poderia ter sido empregado para o tráfico efetivo dos códices sobre 20% de
logística, no entanto, não seria necessário, pois a tendência proporcional seria a mesma, não
alterando, desta forma, o caminhar de nossa análise.
Dito isso, verifica-se na tabela 14 a expressiva importância do tráfico Atlântico para
a economia mineira e, por sua vez, a indubitável força desta província na praça mercantil
carioca entre 1809 e 1830.
No total deste período, Minas Gerais teria absorvido entre 49,3% e 44% dos novos
remetidos do Valongo, isto é, praticamente a metade. Além disso, os resultados encontrados
contribuem para a idéia acerca da vanguarda da província mineira no intervalo de 1809-
1822, ou seja, com uma variação de 58,5% a 52%, nossos registros se contrapõem
novamente em relação as constatações de João Fragoso e Roberto Ferreira sobre a
preeminência fluminense neste período de forma geral.
Assim, apesar do aparente exagero verificável entre os anos de 1809-1821 – onde a
proporção de Minas no mercado de africanos novos chegou ao pico de 67% no ano de 1815
– o quadro esboçado aponta para uma grande capacidade econômica da capitania mineira
em importar escravos, sobretudo, africanos novos durante os primeiros decênios do século
XIX.
105
168
Como foi dito na introdução deste capítulo, no final da década de 70 estudiosos de grande importância
como Maria Yedda Linhares e Alcir Lenharo, já alertavam sobre esta teoria. Dentre os dois veja
principalmente LENHARO, Alcir. Op. cit.
169
MARTINS, Roberto Borges. Op. Cit., pp. 107-108.
106
ilegalidade do tráfico na década de 1820, na qual teria gerado um aumento especulativo nas
importações de africanos. Na tabela 14 podemos confirmar esta afirmação, onde apesar do
registro da diminuição proporcional dos cativos novos no tráfico para Minas a partir de
1822 – chegando atingir 29% em 1826 – em termos quantitativos a absorção de africanos
novos no Valongo aumenta vertiginosamente, importando quase 11 mil cativos em 1830
(tabela 14).
Sendo assim, esta queda proporcional não estaria vinculado a um esfriamento por
parte da economia mineira na aquisição de novos escravos, ou seja, é possível que neste
momento tenha ocorrido uma participação mais efetiva de outras províncias,em vista da
abundância de almas africanas no mercado neste período
170
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 50 a p. 60.
107
Tendo em vista este problema, formulamos as tabela 15.1 e 15.2, as quais permitem
a verificação da razão de masculinidade entre os africanos e crioulos. Os primeiros
108
representam 80% dos cativos com origem registrada, ou 10.400 almas no total de 13.051, já
os crioulos, obviamente, são responsáveis pelos 20% restantes.
Os resultados expressos na tabela 15.1 complicam ainda mais a situação exposta
acima, pois apenas 48,6% dos africanos com destino a Minas são do sexo masculino,
refletindo, por sua vez, na razão negativa de 94 homens para 100 mulheres. Dado
preocupante frente a afirmação de Manolo Florentino, onde a tendência da razão de
masculinidade entre os africanos é aumentar, situação verificada apenas para São Paulo
(348 para 431) e o Rio Grande do Sul (379 para 430). Apesar da alta razão registrada na
capitania fluminense, a razão entre os africanos, assim como em Minas Gerais, decresce
(293 para 274). Para se ter uma idéia do problema destes dados, Florentino encontrou para
a área rural deste território uma razão geral de 140 a 230, sendo que entre os africanos este
índice foi de 220 a 330 entre 1810 e 1830. 171
Estes resultados são ainda mais problemáticos quando partimos para análise da
razão de masculinidade entre os crioulos. Segundo Florentino, a tendências entre estes
últimos é uma distribuição mais equilibrada entre homens e mulheres, resultando, por sua
vez, numa baixa razão de masculinidade.
Entretanto, na tabela 15.2 se percebe uma inversão desta tendência para Minas
Gerais e no Rio de Janeiro. Enquanto na primeira capitania se registrou uma razão absurda
de 779, no território fluminense este índice foi de 402, contrariando, deste modo, as
afirmações de Florentino, onde entre os crioulos da área rural deste território a razão jamais
171
Nos dados originais de Florentino a razão é de 1,4 e 2,3 por 1 entre os escravos na área rural fluminense e
especificamente entre os africanos o autor trabalha com a razão de 1,6/1 a 1,9/1 antes de 1810-2, e de 2,2/1 a
3,3/1 deste período até 1830-2. FLORENTINO, Manolo. Op, cit., p. 55 e p.58.
109
ultrapassaria os 120 nos primeiros decênios do século XIX. 172 No caso de São Paulo e Rio
Grande do Sul, a escrita do autor se confirma, apesar de muito elevada, a razão entre os
crioulos diminui em relação aos africanos, 431 contra 367 na primeira e 430 contra 289 na
segunda capitania.
Com isso, apesar das razões de masculinidade entre africanos e crioulos, verificada
no tráfico para Minas e Rio, inverterem a lógica da teoria de Florentino, acreditamos que
estes dados são extremamente contraditórios e, portanto, não são confiáveis para a análise
da demografia do tráfico regional de escravos, sobretudo, para as regiões de Minas Gerais e
Rio de Janeiro, cujas economias são as maiores compradoras de mão-de-obra escrava na
praça mercantil carioca. Além disso, estamos situados num período (1809-1830) onde o
despejo de africanos foi incomum na história colonial brasileira, com uma média anual de
18.000 a 29.000 pretos na fase de 1809-1819 e 1820-1830 respectivamente.173
A verificação de sub-registros nos códices, especialmente para o caso de Minas
Gerais, ficam ainda mais evidentes quando retomamos a razão de masculinidade entre os
cativos da Zona da Mata mineira, que no mesmo período foi de 166 no geral, e 350 e 105
entre africanos e crioulos, respectivamente.174 Além disso, podemos citar também a razão
de masculinidade para o Termo de Mariana entre 1750 e 1850 calculada por Carla Almeida.
Ao estudar as mudanças das unidades produtivas nesta região e sua população escrava, a
autora encontrou uma razão entre os africanos de 424 a 564 no período de 1810-1830, e de
172
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 55 e p.58.
173
Para se ter uma idéia deste violento desembarque anual de cativos, na década de 1790, a média anual
perpassa os 9.000 cativos, ou seja, de duas a três vezes menos no período em questão. FLORENTINO,
Manolo. Op. cit., p. 51.
174
Ver capítulo 1, pp. 16-18.
110
124 a 105 entre os crioulos no mesmo intervalo.175 Assim, além desta tendência confirmar a
existência de sub-registros nos dados demográficos dos códices colabora para a
manutenção das idéias de Florentino.
Não obstante, mesmo com todos os problemas identificados nos dados da tabela 15,
vale a pena comparar com as razões de masculinidade dos cativos despachados da praça
mercantil de Salvador entre 1811 e 1820 encontradas por Alexandre Ribeiro. Para o Rio de
Janeiro o índice encontrado pelo o autor foi de 224, relativamente semelhante se comparado
com os nossos dados (293). Referente ao Rio Grande do Sul, a tendência encontrada
também é similar (326 na praça de Salvador e 379 no Valongo). Por último, temos a
província de São Paulo, onde se registrou a maior diferença, isto é, enquanto nos despachos
de Salvador a razão encontrada foi de 609, nos documentos emitidos do Rio de Janeiro
constatou-se um índice bem abaixo, de 348 homens para cada cem mulheres. Alexandre
Ribeiro explica que essa elevada razão identificada para a capitania paulista, quiçá, esteja
relacionada ao pequenos número de escravos direcionadas para este território entre 1811 e
1820.176
Deste modo, percebemos que mesmo em registros de natureza semelhante, como é o
caso dos códices do Rio de Janeiro e da Bahia, as razões de masculinidade podem variar
conforme a região e principalmente segunda a disponibilidade das fontes, onde os
passaportes e despachos da Polícia da Corte carioca apresentaram informações muito
problemáticas para o estudo da razão de masculinidade do tráfico regional de escravos.
Diante deste fato, buscamos alternativas metodológicas para a análise da demografia do
cativos despachados da praça mercantil carioca, que não se limita ao estudo do
desequilíbrio sexual.
Além do sexo e da naturalidade, os códices da Polícia da Corte informam também
sobre a idade dos cativos. A partir dessas informações desenvolvemos as tabelas 16; 16.1;
16.2 e 16.3 referentes a distribuição da naturalidade, do sexo e da idade dos cativos
despachados para Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. No total,
foram localizados 3295 escravos em que era possível discriminar, ao mesmo tempo, o sexo,
a naturalidade e a idade dos cativos despachados no Rio de Janeiro entre 1809 e 1830.
175
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana 1750-1850.
Niterói: UFF, 1994, p. 115. (dissertação de Mestrado)
176
RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. cit., p. 118.
111
Assim como verificamos anteriormente, quase não há dados referentes aos africanos
novos para as variáveis acima, cuja representatividade era apenas de 10,2% do total de
registros. Afora esta questão, os dados expostos nos gráficos nos fornecem um cenário mais
confiável para o estudo da demografia do tráfico regional de escravos, a começar pelo perfil
demográfico das remessas para Minas Gerais.
Ao contrário do que vimos anteriormente, onde as africanas eram numericamente
superiores aos africanos, a tabela 16 demonstra a hegemonia do africano masculino (117
escravos) sobre as mulheres (32). Na distribuição conforme a idade, os adultos eram a
maioria com c.57%, seguidos pelos os infantes com 41,5% e, deixando, por último, os
idosos, quase inexistentes (1,5%), o que é óbvio, pois não havia interesse, por parte dos
senhores, em adquirir homens não aptos para a labuta. Com isso, estes dados nos levam as
afirmações de Florentino sobre o predomínio dos adultos, cuja preeminência “implicava,
naturalmente, maiores taxas de mortalidade no interior dos plantéis, e uma tendência à
redução absoluta do número de indivíduos” 177
As tabelas 16.1, 16.2 e 16.3 confirmam a tendência apresentada por Minas Gerais,
ou seja, a predominância dos africanos, do sexo masculino e em idade adulta. Entretanto, a
diferença reside na distância maior entre os infantes e adultos verificada nas três províncias
em foco.
No caso do Rio de Janeiro, os cativos na faixa etária de 15 a 40 anos perfazem
74,4% contra 23,3% dos infantes e 2,3% dos idosos, no total foram identificados 1771
escravos com este tipo de informação. Na província paulista, a proporção de adultos nas
remessas foi de 67,8%, já entre os infantes e os idosos este índice chegou aos 29,3% e 2,9%
respectivamente. O número total de cativos com idade registrada para este território foi de
320.
Temos ainda o Rio Grande do Sul, onde se observou a maior desproporção entre os
cativos adultos, infantes e geriátricos em relação às três províncias anteriores. Enquanto os
primeiros teriam contemplado 85,1% dos cativos com a idade registrada, nos infantes a
proporção foi de 13,4% restando aos idosos a inexpressiva participação de 1,5% no total de
912 cativos.
177
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 56.
112
Deste modo, temos um padrão para o Rio Grande do Sul distinto em relação ao que
foi encontrado por Gabriel Santos Berute. Ao analisar a faixa etária dos escravos adquiridos
por esta capitania entre fins do século XVIII e início do XIX, tendo como fonte as “guias de
transporte de escravos”, o autor constatou que 36% dos cativos com idade registrada eram
infantes, os adultos contemplaram 11% e os idosos menos de 1%. Entretanto, em mais de
50% dos registros não foi possível encontrar esta variável. 178
Por fim, o predomínio dos adultos pode ser corroborado por Manolo Florentino no
levantamento realizado somente no códice 425, onde estão registradas as remessas entre
1822 e 1833. Para este período, o autor encontrou 393 escravos com a idade registrada,
deste 79,1% ou quatro quintos eram adultos, sendo que entre estes, 80,6% eram africanos
do sexo masculino.179
Portanto, diante de toda este cenário, podemos dizer que os escravos remetidos do
Valongo, entre 1809 e 1830 eram, em grande parte, do sexo masculino, africano e adulto,
com idade de 15 a 40 anos.
Tabela 16: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para Minas Gerais
(1809-1830).
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 0 - 1 12,5 3 75 1 12,5 5 100,0
15-40 4 2,6 9 5,4 70 42,1 19 11,4 56 33,7 8 4,8 166 100,0
0-14 4 2,7 12 9,9 47 38,8 12 9,9 34 28,8 12 9,9 121 100,0
Total 8 3,1 21 7,1 117 40,0 32 10,9 93 31,8 21 7,1 292 100,0
Fonte: códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
178
BERUTE, Gabriel Santos. Op. cit., p. 19.
179
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 221.
113
Tabela 16.1: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio de
Janeiro (1809-1830)
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 15 39,4 9 23,6 10 26,3 4 10,7 38 100,0
15-
8 0,6 3 0,5 767 58,1 175 13,2 282 21,3 84 6,3 1319 100,0
40
0-14 1 0,4 2 0,5 209 50,4 63 15,2 111 26,8 28 6,7 414 100,0
Total 9 0,6 5 0,4 991 55,9 247 13,9 403 22,7 116 6,5 1771 100,0
Fonte: 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Tabela 16.2: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para São Paulo
(1809-1830)
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 6 66,6 0 - 2 22,2 1 11,2 9 100,0
15-40 2 1,2 0 - 95 43,7 13 5,9 101 46,5 6 2,7 217 100,0
0-14 0 - 1 1,2 81 86,1 7 7,4 4 4,2 1 1,2 94 100,0
Total 2 0,6 1 0,5 182 56,8 20 6,2 107 33,4 8 2,5 320 100,0
Fonte: 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Tabela 16.3: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio
Grande do Sul (1809-1830)
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 6 50,0 4 33,3 0 - 2 16,7 12 100,0
15-40 0 - 0 - 577 74,2 70 9,0 105 13,5 25 3,3 777 100,0
0-14 0 - 0 - 80 65,0 16 13,0 17 13,8 10 8,2 123 100,0
Total 0 - 0 - 663 72,6 90 9,8 122 13,3 37 4,3 912 100,0
Fonte: 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
114
Contudo, antes de tratarmos o perfil descrito como conclusivo não podemos deixar
passar despercebido um dado muito curioso. Retornando a tabela 16, relativa ao padrão
demográfico do tráfico para Minas Gerais, encontramos um número significativo de
inocentes apesar da vigência dos adultos, 121 contra 166 num total de 292. A percepção
deste registro poderia, naturalmente, nos conduzir a idéia da presença de sub-registros, pois
como sabemos, as crias que deixavam o Valongo ao longo do período estudado, não
ultrapassaram 0,5% das remessas. Entretanto, é fundamental esclarecermos no presente
estudo algumas diferenças de ordem teórica e metodológica.
Quando fazemos alusão ao termo “cria” também registrado como “crias de peito” e
180
“crias de pé” (começando a andar) estamos fazendo alusão aos bebês. Com isso, os
infantes apresentados na tabela 16 não se limitam as crias, mas também as crianças, nos
remetendo a idéia do que era ser criança escrava no início do século XIX. Antes, porém,
ressalvamos que não utilizaremos aqui taxionomias contemporâneas (criança, adolescente e
etc.) relativas aos infantes no período em questão, evitando, assim, a incidência de erros
anacrônicos.
Nesse sentido, podemos nos valer da descrição de Manolo Florentino e José Roberto
Góes acerca da trajetória comum de uma criança escrava. Tendo como referência os relatos
do viajante Antonil, os autores mostram o processo de criação destes infantes. Lançando
mão de uma linguagem metafórica em alusão ao beneficiamento da cana-de-açúcar,
Florentino e Góes afirmam que os meninos do cativeiro “haviam de ser batidos, torcidos,
arrastados, espremidos e fervidos.”181 Entre quatro e onze anos os garotos aprendiam a
servir, lavar, passar, engomar, remendar roupas, pastorear, trabalhar em madeira, além de
outros tipos de serviços. Já aos doze anos, o adestramento no qual os tornavam adultos
estava quase concluído, prova disso é o fato dos meninos e as meninas nesta idade
começarem a trazer a profissão no sobrenome, como por exemplo, Chico Roça e João
Pastor.182 Quando chegava finalmente aos 14 anos, o menino cativo podia ser considerado
um adulto completo, pois neste momento, conforme Florentino e Góes, cumpriam as
180
KARASH, Mary. Op. cit., p. 68.
181
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Morfologia da infância escrava: Rio de Janeiro, séculos
XVIII e XIX. In: FLORENTINO, Manolo (orgs.). Tráfico, cativeiro e liberdade (Rio de Janeiro, séculos
XVII-XIX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 217.
182
Estas informações foram extraídas pelos autores, basicamente, dos inventários post-mortem do meio rural
do Rio de Janeiro. Idem, pp. 207-227.
115
mesmas tarefas de um escravo na faixa de 15 a 40 anos.183 Deste modo, tendo em conta que
uma criança já se mostrava apta a lidar na labuta, podemos compreender melhor sua
presença nada insignificante no tráfico de escravos para Minas Gerais.
A começar pela constatação de Mary Karash, onde o africano de pouca idade tinha
uma presença expressiva no Valongo antes de 1830. Alicerçada nos relatos do viajante
alemão Freireyss (1814-1815), a autora acredita que três quartos ou 75% dos negros
desembarcados no porto carioca eram crianças. Após 1830, esta tendência teria se mantido,
pois ao se debruçar nos registros de navios negreiros, capturados entre 1838 e 1852,
percebeu que 83% dos cativos importados tinham entre 10 e 24 anos.184 Tendo em conta a
metodologia adotada neste trabalho – onde os infantes figuravam entre 0 e 14 anos –
36,5% dos africanos importados para o Rio de Janeiro entre 1838 e 1852 estavam nesta
185
faixa etária
Assim, o índice de 41,5% para os infantes enviados para Minas Gerais demonstra
uma tendência semelhante em relação ao encontrado por Karash, ou seja, apesar de não
serem hegemônicos, os africanos inocentes tiveram uma presença substancial no tráfico
mineiro, assim como no tráfico Atlântico na primeira metade do século XIX.
Tal tendência pode ser percebida, ainda que lentamente, na escravaria da Zona da
Mata mineira. Como mostramos no primeiro capítulo, os africanos infantes do sexo
masculino passaram de 9% para 11,4% no decorrer da segunda e terceira década do
oitocentos, já as africanas este índice de 0 passou para 3,6% entre 1820 e 1830.186 Embora,
aparentemente, este grupo não apresente uma proporção elevada nos plantéis da região da
Mata, o cruzamento destes dados revelam o reflexo da importação de africanos infantes
verificada no tráfico de escravos para Minas Gerais.
Além de Minas, se percebe também no tráfico para o Rio de Janeiro e São Paulo
uma presença substancial dos infantes, cujas proporções foram de 23,3% e 29,3%
respectivamente. Somente nos despachos para o Rio Grande do Sul esta tendência não se
concretizou, onde apenas 13,4% dos cativos estavam situados na faixa etária de 0 a 14 anos,
contrariando, deste modo, a idéia de Gabriel Berute acerca da presença majoritária dos
183
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 217.
184
KARASCH, Mary. Op. cit., pp. 68-70.
185
Idem, p. 69. Veja especialmente a tabela 2.1 da autora.
186
Ver capítulo 1, p. 36.
116
infantes nas importações desta capitania. Em que se pese os problemas de sub-registros nos
despachos e passaportes do Rio de Janeiro, mostramos que entre 1809 e 1821 o Rio Grande
do Sul pouco teria se lançado ao tráfico atlântico (gráficos 4 e 4.1), importando uma
quantidade expressiva de escravos ladinos.
Em vista de todas essas questões, podemos encerrar este capítulo retornando à
pergunta que o iniciou: sabendo que na Zona da Mata o tráfico de escravos teria atuado na
renovação dos plantéis da propriedade, como entender então, a pouca relevância deste
comércio em Minas no século XIX apontada pela historiografia mineira?
Recapitulando as passagens desenvolvidas na introdução, Laird Bergad foi
categórico ao dizer que a expansão da população de Minas Gerais no século XIX teria se
sustentado com a reprodução natural. Além disso, segundo o autor, Minas Gerais teria
importado africanos em pequenas quantidades, posto que, em determinados momentos
foram adquiridos em outras regiões do Brasil. Apesar disso, para Bergad a população
escrava de Minas no século XIX “era em sua imensa maioria fruto da dinâmica
187
demográfica interna da sociedade mineira.” Enfim, apesar do autor apontar algumas
retomadas do comércio escravagista em Minas durante breve intervalos (especificamente
entre 1795, 1805-1815 e 1820-1830), para o dito este mercado não passou de uma “efêmera
reanimação” em pequena escala.188
Douglas Cole Libby foi menos enfático, devido a sua suposição de que Minas não
teria se destacado como uma das maiores importadoras de cativos do mundo no século
XIX, não recorrendo, por sua vez, com certo vulto ao tráfico Atlântico. Esta idéia foi
ecoada também por pesquisadores como Clotilde Paiva e Carla Almeida.189
Sendo assim, os resultados expostos ao longo deste capítulo vão de encontro com
uma realidade um pouco distinta. Primeiro, não sabemos se Minas foi a maior importadora
de escravos do mundo no século XIX, mas demonstramos que entre 1809 e 1830 esta
província foi hegemônica no tráfico regional de escravos, onde 40% dos escravos remetidos
187
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru, SP: Edusc,
2004, p. 195.
188
Idem, p. 201.
189
Dos autores citados vejam principalmente LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma
economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988; PAIVA, Clotilde Andrade.
População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São Paulo: FFLCH/USP, 1996. (Doutorado) e
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. cit.
117
da praça mercantil carioca teriam se dirigido para este território (tabela 13). Por sua vez,
mostramos também que dos escravos remetidos 97,8% eram africanos novos.
Segundo, o perfil da demografia encontrado no tráfico para Minas Gerais contribui
para este cenário, ou seja, o predomínio do escravo do sexo masculino, oriundo da África e
com idade entre 15-40 – além também da expressiva participação dos infantes (tendência
apontada por Mary Karash) – reforça nossa a idéia da estreita ligação de Minas com o
tráfico Atlântico. Adiciona-se também, que a constatação de um número expressivo de
infantes no tráfico nos faz pensar na possibilidade da idade não ser considerada como um
indicador confiável para apurar a existência da reprodução natural em Minas entre 1809 e
1830.190 Prova disso é participação crescente, ainda que pequena, dos africanos entre 0 e 14
anos nos plantéis da Zona da Mata mineira (tabelas 4.3 e 4.4).
Finalmente, se considerarmos o fato dos africanos em idade adulta da Zona da Mata
terem crescido 233% entre os anos de 1809 e 1830 e que Minas Gerais no mesmo período –
apesar de todos problemas inerentes aos códices – teria importado pelo menos 69.611
escravos, é muito difícil pensar que a expansão da maior população escrava do país191 se
renovou, principalmente, via reprodução natural, restando ao comércio de escravos um
papel efêmero na economia mineira oitocentista.
Ao mesmo tempo, não queremos aqui insinuar, de forma alguma, a ausência da
reprodução natural na reiteração da escravaria mineira e sim, questionar sobre sua
importância exagerada atribuída por estudiosos da escravidão de Minas Gerais.
190
Carla Almeida e Clotilde Paiva, por exemplo, adotam a variável idade como um dos fatores que
comprovava a presença da reprodução natural. Das autoras vejam respectivamente os capítulos 3 e 6 dos
trabalhos de pesquisa para a verificação de adoção deste método.
191
Afirmação que pode ser constatada principalmente em MARTINS, Roberto Borges. Op. cit., passim.
118
Nos capítulos anteriores os escravos foram o centro das atenções da nossa pesquisa.
Neste, o escravo continuará sendo o fio condutor, no entanto passaremos a dar maior ênfase
nos indivíduos responsáveis pelos envios de escravos para Minas Gerais. Como foi dito na
introdução, analisaremos a relação dos ciclos agrários da economia mineira com os
movimentos sazonais dos tropeiros, a concentração do mercado conforme o número de
escravos despachados por tropa e os comerciantes que se destacaram nesta prática
mercantil. Além disso, enfatizaremos também algumas famílias residentes na Zona da Mata
mineira que se lançaram no tráfico de escravos para Minas Gerais nos primeiros decênios
do século XIX.
Acreditamos, então, que a partir do desenvolvimento deste estudo poder-se-á
compreender o forte envolvimento da economia mineira com o tráfico de escravos. Para
além, poderemos observar mais de perto o quanto esta prática mercantil não era movido
pela impessoalidade ou, em outras palavras, somente pela lei da oferta e da procura.
desta análise para os outros anos procurando observar uma tendência similar.192 Nas tabelas
17, 17.1 e 17.2 podemos verificar os envios mensais nos anos de 1819, 1828-29 e constatar
os momentos em que as tropas remetem cativos com maior intensidade.
Notamos então que, nestes anos os meses de janeiro, novembro e dezembro
constituíram-se nas fases de pico de demanda por cativos, confirmando, desta forma, a
tendência revelada por Fragoso e Ferreira no ano de 1826. Nos anos de 1819 e 1828-29, os
referidos meses concentraram, respectivamente, 28,4%; 31,3% e 29% das remessas
realizadas pelas tropas, sendo que em 1828, os meses de fevereiro, março e abril
contemplaram 31,3% das partidas também.
Tabela 17: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de 1819
Província Minas Gerais A
Meses # %
Janeiro 23 5,5
Fevereiro 57 13,8
Março 22 5,3
Abril 4 0,9
Maio 53 12,8
Junho 46 11,1
Julho 18 4,3
Agosto 19 4,6
Setembro 43 10,4
Outubro 35 8,4
Novembro 67 16,2
Dezembro 25 6,7
Total 412 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
Obs: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
192
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto Guedes. Tráfico de escravos, mercadores e fianças, dois bancos
de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em História
Social (LIPHIS): UFRJ, S/D, p. 47.
120
Tabela 17.1: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1828
Província Minas Gerais A
Meses # %
Janeiro 1925 18,0
Fevereiro 1145 10,8
Março 1198 11,3
Abril 988 9,2
Maio 1260 11,8
Junho 886 8,3
Julho 691 6,4
Agosto 375 3,5
Setembro 349 3,3
Outubro 442 4,1
Novembro 455 4,3
Dezembro 961 9,0
Total 10675 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual
Tabela 17.2: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1829
Província Minas Gerais A
Meses # %
Janeiro 783 8,3
Fevereiro 698 7,4
Março 748 7,9
Abril 323 3,4
Maio 705 7,5
Junho 1064 11,3
Julho 498 5,3
Agosto 493 5,2
Setembro 898 9,5
Outubro 1258 13,5
Novembro 1166 12,5
Dezembro 776 8,2
Total 9410 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
Obs: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
121
Não obstante, nos outros anos (1817-18, 1825-26 e 1830) onde se lançou o mesmo
método, a tendência não se confirma.193 Com isso, acreditamos que este tipo de análise é
muito complexo para tecer padrões em relação aos principais meses de partidas das tropas
para a Capitania mineira. No entanto, devemos alertar para o fato destas análises não ser o
foco primordial dos autores e sim, como já foi dito nesta pesquisa, demonstrar os caminhos
possíveis de estudos para com o banco de dados do IPEA. Desta maneira, lançamos mão de
outro método utilizado por Manolo Florentino, cujas ponderações dos movimentos dos
navios negreiros aportados no Rio de Janeiro, entre 1796 e 1830, foram feitas conforme as
estações do ano.
Florentino reparou que o movimento de negreiros possuía um padrão geral, onde os
picos de desembarques se davam no verão (dezembro, janeiro e fevereiro) e os níveis mais
baixos durante o inverno (junho, julho e agosto). Analisando o período de 1796-1810,
considerado como a fase à priori do “boom das importações de africanos” – impulsionado,
sobretudo, pela abertura dos portos – o autor afirma que as chegadas de negreiros se
concentravam no verão e na primavera. A posteriori (1812-1830), com a elevação da
demanda por cativos, os desembarques foram mais intensos no verão e no outono, sendo o
inverno a fase onde os navios atracaram com menor intensidade. 194
No levantamento realizado nesta pesquisa reparamos nos intervalos de 1817-18,
1828-1830, que os despachos de escravos para Minas centralizaram-se também no verão e
no outono. Dito de outro modo, as tropas com destino a este território despacharam
juntamente nestas duas estações 61% das almas enviadas em 1817, no ano de 1818 este
índice ultrapassou os 79% e entre 1828 e 1830 a proporção foi, respectivamente, de 50% e
82,1% coincidindo, então, com a tendência apontada por Florentino. Todavia, nos
levantamentos realizados para os anos de 1819, 1825-26 e 1829, a disposição acompanhou
o período prévio dos grandes desembarques de africanos (1796-1810), ou seja, os picos das
remessas foram no verão e na primavera.195
Frente a este contexto, poderíamos nos perguntar o que explicaria esta dificuldade
de se estabelecer um padrão entre os movimentos sazonais dos tropeiros e os ciclos agrários
193
Ver anexo 5, 5.1, 5.2, 5.3 e 5.4.
194
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 60-61.
195
Ver anexo 5.
122
das propriedades mineiras. Quiçá, seja bastante profícuo levarmos em conta uma das
características da economia mineira na qual vem sendo sublinhada nos últimos anos pela
historiografia mineira, qual seja: a diversificação produtiva.
Neste sentido, Clotilde Paiva nos mostra que esta característica marcante na
primeira metade do século XIX seria fruto de uma substituição gradual da mineração (como
atividade nuclear) por um conjunto de atividades econômicas diversas, cujas raízes
196
remontam ao século XVIII. Porém, antes mesmo desta constatação, Alcir Lenharo já
destacava o caráter heterogêneo das produções voltadas para o abastecimento do Rio de
Janeiro no início do século XIX197, aliás, era uma função na qual a economia mineira
exerceu de forma crescente no cenário brasileiro do século XIX.198 Sendo assim, torna-se
pertinente discriminarmos aqui alguns dos principais produtos que vigoravam na economia
mineira neste período.
Conforme Carla Almeida, os produtos cultivados em Minas eram na ordem de
freqüência e importância, o milho, feijão e o arroz, além disso, os engenhos de moer cana
se faziam presentes também, cuja produção de aguardente e açúcar estava voltada tanto
para o mercado do Rio de Janeiro quanto para o mercado interno provincial, embora este
última detinha a maior parte da produção. A autora enfatiza também a presença do cultivo
do café e do algodão. 199 No mais, Lenharo e Paiva destacam além de todos estes produtos
o plantio de tabaco.
Contudo, quando se trata de exportações os três estudiosos são unânimes em dizer
que os derivados da pecuária eram os mais exportados pela Província mineira, como o
toucinho, carne salgada e os queijos, além dos suínos e do gado vacum. Não obstante, o
tabaco, o algodão e de forma incipiente o café eram produtos os quais também integravam a
pauta de exportações. Almeida, baseando-se em relatórios do Presidente da Província,
afirma que além da pecuária ser a atividade mais lucrativa era também a mais viável para
196
PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São Paulo:
FFLCH/USP, 1996, p. 31. (Doutorado)
197
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação (o abastecimento da corte na formação política do Brasil:
1808-1842). 2 ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1993, pp. 60-74.
198
PAIVA, Clotilde Andrade. Op. cit., p. 46.
199
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana 1750-1850.
Niterói: UFF, 1994, P. 159. (dissertação de Mestrado)
123
exportação, pois junto com o açúcar tinha a melhor capacidade de suportar os altos custos
de transportes. 200
Com isso, poderíamos relacionar esta diversidade produtiva aos movimentos
sazonais aleatórios das tropas importadoras de escravos. Entretanto, acreditamos na
possibilidade de buscar uma explicação alternativa para a relação entre tais movimentos e
os ciclos agrários.
Manolo Florentino para entender a sazonalidade dos navios negreiros, parte não
somente da maior necessidade de braços cativos em determinadas épocas do ano, mas
também da própria lógica de funcionamento da empresa escravista. Sabendo que nem todas
as etapas do processo produtivo demandavam a mesma quantidade de mão-de-obra , o
plantador escravista deveria estar consciente de atuar em um contexto de elasticidade de
cativos no mercado, o que seria um fator fundamental na formação do seu plantel de
escravos. Grosso modo, tendo por base a colheita e o beneficiamento como as fases onde a
demanda por força de trabalho era mais intensa, seria viável pensar, segundo Florentino,
que a quantidade de escravos disponíveis no mercado foi o elemento condicionador da área
de plantio, e não ao contrário. Enfim, além de serem fases nas quais os cativos eram mais
requisitados, a colheita e o beneficiamento atuavam também como “padrões para o cálculo
econômico empresarial”. 201
Sabendo que Florentino desenvolveu esta análise para a relação entre o tráfico
Atlântico de escravos e a economia açucareira fluminense e tendo consciência também de
que, na historiografia mineira já há um bom tempo vigora a idéia na qual a incorporação de
escravos não estaria ligada a uma economia exportação, é válido verificarmos, então, a
sazonalidade das remessas de cativos do Rio de Janeiro para Minas Gerais no período de
1817-1830, conforme a metodologia utilizada por Florentino. Para tanto, agregamos os
dados de todos os anos que foram analisados separadamente, nos possibilitando, assim, a
construção de um prisma mais amplo e contundente da sazonalidade dos tropeiros (gráfico
cinco).
Num primeiro momento, devemos alertar novamente que se trata do período
considerado por Florentino como o boom das importações de africanos no Rio de Janeiro.
200
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. cit., pp. 163-164.
201
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 63.
124
202
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 233.
125
35 33,3
31,3
30
25
19,6
Porcentagem
20
15,8
15
10
25 22,5
Porcentagem
20
14,7
15
10
203
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 73.
204
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 96-101.
205
Veja o site http://revistadaterra.com.br/
206
MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia histórica da Província de Minas Gerais (1837). Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, p. 303. v. 1.
127
atlântico de escravos, bem como a proximidade entre os tropeiros e esta prática mercantil,
cristalizando cada vez mais a idéia da força de Minas Gerais no tráfico de escravos.
investimento inicial requerido pelas atividades direcionadas ao mercado externo era bem
mais elevado, seja na importação, seja na exportação e 2) este alto investimento inicial do
comércio exterior, por sua própria natureza marítima, envolvia gastos elevados com capital
fixo (naus) e seguros. 210
Diante dessas considerações começaremos, então, a estudar o perfil das tropas
despachantes de escravos para Minas Gerais, tendo por base a metodologia desenvolvida
por João Fragoso e Roberto Ferreira acerca da estrutura do comércio de escravos entre o
Rio de Janeiro e o centro-sul.211 Em suma, nossa idéia é estabelecer um padrão de tropas
conforme o número de escravos remetidos.
Para tanto, estabeleceremos uma divisão dos envios por tropa em duas ocasiões: na
primeira, iremos avaliar 2402 despachos dos quais contemplaram 13.581 cativos no período
de 1809 a 1822 e na segunda ocasião, situada entre 1824 e 1830, se fará o mesmo para os
7692 despachos responsáveis pelos registros de 54.478 escravos enviados para Minas. Na
presente divisão buscou-se uma tentativa de observar os padrões de despachos antes do
processo de extinção do tráfico e durante tal processo, que acabou se efetivando em 1830.
Em meio a esta conjuntura irá se averiguar também a tendência de concentração deste
mercado e sua evolução ao longo do período, isto é, se houve o registro de um aumento ou
diminuição desta concentração. Ambas as fases estão expressas nas tabelas 18 e 18.1.
O panorama esboçado mostra em primeira instância a predominância das pequenas
tropas nas remessas de um a dois cativos, com 57,9% dos despachos emitidos entre 1809 e
1822, sendo que entre 1824 e 1830 este índice foi de 49,8%. No entanto, estas tropas de
pequena monta foram responsáveis por somente 13,8% dos cativos remetidos na primeira
fase e 9,5% na segunda.
Temos também os tropeiros mais arrojados, assim denominados por Fragoso e
Ferreira, ou seja, aqueles responsáveis pelo envio de 11 a 50 escravos. Embora representem
uma parcela pequena enviaram a maior parte da força de trabalho remetida do Valongo.
Tomando somente o intervalo de 1824-1830, este grupo contemplava 15,6% dos despachos,
porém, enviaram 49,5% dos cativos registrados, ou seja, quase metade.
210
FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma sociedade colonial tardia, c. 1790- c.1840. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p. 196.
211
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 56.
129
212
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 57.
130
4,8
57,9
49,8
13,8
32,7
9,5
42,1
213
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 56-57.
214
FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. Op. cit., pp. 193-194.
215
O termo “engrenagens” era comumente usado por Fernand Braudel em referência as atividades mercantis
no mundo moderno. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII v.
2: Os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996, passim.
135
216
afiadores ou abonadores. Quando possível, retiramos também dados sobre os
vendedores dos cativos enviados. Este registro também é fundamental, porém, não é muito
freqüente na documentação de modo geral, podendo ser encontrada com maior intensidade
no códice 424. 217
A partir destes recursos, nosso procedimento foi identificar os indivíduos que
despacharam para Minas Gerais mais de 20 escravos numa única viagem e por mais de uma
vez. Esta delimitação se justifica pelo fato de ser um número suficiente de cativos para a
montagem de uma grande propriedade,218 o que nos permitiu, portanto, trabalhar somente
com os proprietários detentores de alto pecúlio. Deve-se sublinhar que poucos tinham
condições de adquirir uma quantidade substancial de mão-de-obra com uma determinada
freqüência, prova disso, é a quantidade restrita de indivíduos nos quais se encaixavam no
perfil demarcado. Em meio a tantos tropeiros e comerciantes que se aventuravam no Rio de
Janeiro somente 146 agentes se enquadravam nos nossos critérios.219
Não obstante, queremos salientar que as informações referentes aos sujeitos a serem
citados foram cercados dentro de um universo limitado, qual seja: o tráfico de escravos para
Minas Gerais entre 1809 e 1830. Deste modo, não estaremos aqui desenvolvendo uma
análise ampla de trajetórias de comerciantes na praça mercantil carioca, e isto se explica
por dois motivos: 1) é provável que estes proprietários estejam envolvidos em remessas
menores de 20 escravos e em outros ramos mercantis, como, por exemplo, o abastecimento
de produtos alimentícios para a Corte e 2) seria necessário disponibilizarmos um conjunto
de fontes para que pudéssemos promover um cerco profundo no espaço percorrido por
esses indivíduos.220 Dentro do possível realizamos um cruzamento com algumas
informações pontuais de outras referências bibliográficas.
Tendo em conta estas considerações podemos, então, partir para o estudo dos
homens mais proeminentes no mercado de escravos entre o Valongo e a província mineira.
216
Segundo João Fragoso e Roberto Ferreira, abonador é aquele que afiança, ou ainda, que fica por fiador de
alguém ou de alguma obrigação. Para entender de forma mais aprofundada o conceito de abonador veja
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Glossário. Banco de dados do IPEA. Disponível em CD-ROM.
217
Idem, passim. Devemos ressalvar o quão importante foi as prescrições de João Fragoso e Roberto Ferreira,
ao demonstrarem como era possível por intermédio dos atestadores e fiadores era possível estabelecer os
personagens envolvidos em tais relações.
218
Para confirmar esta informação veja FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 29.
219
Ver anexo 7.
220
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 61.
136
Para isso, dos 146 agentes arrolados, selecionamos os 10 maiores envolvidos neste trânsito,
como podemos observar na tabela 19.
Tabela 19: Os dez maiores negociadores do tráfico de escravos para Minas Gerais
(com remessas acima de 20 cativos), 1809-1830
Nome Número de escravos negociados
José Francisco de Mesquita 1453
José Antônio Moreira 1185
Joaquim Antônio Ferreira 1050
José Fernandes de Oliveira Pena 783
Francisco Xavier Dias da Fonseca 455
Antônio José Moreira Pinto 447
Marcelino José Ferreira Armond 337
Antônio Joaquim de Oliveira Pena 307
Bernardo José Ferreira Rabelo 306
José Lourenço Dias 305
Fonte: Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
221
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 254.
137
tipo de empreendimento entre 1819 e 1830.222 Este fato mostra que embora diversos
comerciantes tenham se aventuraram no tráfico de escravos para Minas Gerais, eram
poucos os detentores de recursos suficientes para se manterem por um bom tempo neste
trânsito.
Levando em conta estas constatações, promoveremos neste instante o resgate de
algumas relações dos três maiores negociantes de escravos envolvidos nos despachos para a
província mineira. Novamente devemos salientar que não estamos abordando todas as
relações destes indivíduos na praça mercantil carioca, pois certamente estiveram presentes
em remessas de menor porte ou até mesmo em negociações de mão-de-obra escrava para
outras regiões do Brasil.
Sendo assim, podemos começar com o caso de José Francisco de Mesquita. Nascido
em Congonhas do Campo na capitania de Minas Gerais, Mesquita foi para o Rio de Janeiro
e ali se empregou na casa comercial de seu tio, um abastado comerciante.223 Além de enviar
diversos cativos para Minas Gerais, vendeu e foi fiador de muitos tropeiros despachantes.
Mesquita tinha também agentes que enviavam cativos em seu nome, como é caso de
Antônio Francisco Ferreira, que em 12 de junho de 1813 partiu para Minas com 41
escravos, sendo onze acompanhantes da tropa e outros 30 remetidos por José Mesquita.224
Em 23 de janeiro de 1826 despachou para o território mineiro 76 escravos, seu
abonador na ocasião foi Francisco Antônio da Gama, três meses depois enviara mais 44
almas sendo afiançado pelo mesmo indivíduo. No dia 11 de dezembro do mesmo ano,
Mesquita foi abonador de José Joaquim Monteiro de Barros e oito dias depois ele mesmo
despachou 80 cativos! No ano de 1827, remeteu outras 42 almas e um fato curioso, ele
mesmo aparece como seu fiador, o que não é tão estranho, pois para poder despachar
escravos era necessário ter como fiador um mercador estabelecido na praça,225 como
Mesquita residia no Rio de Janeiro, provavelmente na ocasião o mesmo não necessitou de
um abonador, demonstrando, assim, o seu prestígio no meio mercantil carioca.
Já em 1828, novamente aparece afiançando José Joaquim Monteiro de Barros, o que
pode ser uma demonstração de uma relação bem próxima entre os dois. Dito de outro
222
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
223
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 89.
224
Códice 421, v. 3, p. 83, registro 488.
225
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 67.
138
modo, este episódio, quiçá, seja uma amostra de relação entre sócios, na qual infelizmente
não pode ser comprovado por não ter em mão outras fontes. Além disso, Filipe Themudo
Barata nos ensina que ser fiador não necessariamente implica uma relação de sociedade.226
Dando prosseguimento, Mesquita envia mais 44 cativos em fevereiro de 1829 e foi
abonado outra vez por Francisco Antônio da Gama, o que poderia também ser um indício
de entre sócios.227 No entanto, a possibilidade é mínima, pois além de Gama ter abonado a
maior parte dos sujeitos idos para outras regiões do país, aparece registrado como
funcionário da Intendência de Polícia da Corte.
Por fim, de outubro de 1829 até maio de 1830, Mesquita vendeu cativos novos para
Francisco Martins Marques, José Ferreira Franco, José Ferreira Carneiro, Jerônimo de
Arantes Marques e José Joaquim Monteiro de Barros, fornecendo, respectivamente, 50, 42,
176, 58 e 139 escravos.228 É possível notar, então, nos anos de 1826 e 1830, o fato de
Mesquita e Monteiro de Barros ter mantido, aparentemente, uma relação nada impessoal na
praça mercantil carioca e ainda, pode-se dizer que este vínculo íntimo teria sido
fundamental para José Joaquim – personagem a ser destacado adiante – conseguir remeter
244 cativos neste período.229
Na situação de José Antônio Moreira, não foi possível resgatar nenhuma informação
de ordem pessoal (moradia, naturalidade e etc.), pois não há registros de seu nome nos
passaportes – documento no qual privilegia este tipo de informação – ao longo do período
em questão. Em compensação, sabemos que foi abonador de Vicente Ferreira da Silva,
Manoel Rodrigues Valinho e Antônio José Fernandes respectivamente, em 1826 e nos dias
quatro e onze de setembro de 1827.230 Em julho e novembro de 1829 enviou em cada
remessa 50 cativos e no mês de dezembro do mesmo ano, despachou outros 53.231 Em
1830, influenciado, quiçá, pelo fim do tráfico Atlântico – situação na qual gerou um
desembarque desenfreado de africanos232 - Moreira remeteu para Minas Gerais nos meses
226
BARATA, Filipe Themudo. Navegação, comércio e relações políticas: os portugueses no mediterrâneo
ocidental (1385-1466). Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, p. 249.
227
Códice 421, v. 21, p. 267v, registro 39.
228
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
229
Anexo 7.
230
Códice 424 do Arquivo Nacional.
231
Códice 421, v. 22, p. 129, registro 224.
232
FLORENTINO, Manolo. Op. cit, passim.
139
de fevereiro, março e dezembro nada mais do que 159, 133 e 40 escravos respectivamente.
Nestas situações, Francisco Antônio da Gama foi seu abonador em todos os despachos.
Ainda em 1830 encontramos um fato muito interessante nos registros de Moreira.
No dia 26 de março deste ano comprou 133 escravos novos em remessa de Cabinda,233 ou
seja, pelos indícios, este período de alta especulação no comércio Atlântico teria estimulado
José Antônio Moreira a se aventurar de forma ousada neste setor, entretanto, não teria
realizado este empreendimento sozinho.234 Identificamos no mês de abril sua participação
numa venda de 140 cativos novos para Bernardo José Ferreira Rabelo em sociedade com
Basto Álvares de Oliveira Pereira, José da Costa Rodrigues e Joaquim Antônio Ferreira.235
Em 1828, Moreira tinha, ainda, vendido 50 almas para este mesmo sujeito. Nota-se também
neste caso, uma ligação freqüente entre Moreira e Rabelo, o que nos remete a pensar
novamente o quanto foi importante para Rabelo este vínculo, pois dos 306 cativos
despachados para Minas, 190 foram comprados de José Antônio Moreira.236
Passemos agora para o personagem Joaquim Antônio Ferreira, cujas informações
pessoais também não foram identificadas. Sabemos que em 1826 e 1827 atuou somente
como fiador nas remessas acima de 20 escravos, abonando nada mais, nada menos do que
13 tropeiros, quais sejam: João da Silva Torres, Francisco Teixeira Guedes, João Caetano
da Costa, Luis Augusto Soares de Castro, José Gonçalves Moreira, Jerônimo de Arantes
Marques, José Agostinho de Abreu, Joaquim José de Castro, Domingos Ribeiro do Vale,
Joaquim de Almeida Leite, Joaquim Antônio de Abreu, José Teodoro de Araújo e
Francisco de Paula Correia, no total foram despachados 510 escravos para Minas.237 Em
algumas ocasiões Ferreira atestou em conjunto com outros negociantes, como no despacho
de 30 escravos realizado por Joaquim Antônio de Abreu em 12 de dezembro de 1827. Neste
dia Ferreira abonou o dito tropeiro juntamente com Francisco Xavier Dias da Fonseca.238
233
Códice 424, v. 4, p. 104, s/r
234
Manolo Florentino afirma que a apesar da especulação ter um papel estrutural no tráfico de escravos, o
período de 1790-1830, especialmente depois da abertura dos portos, mostrava-se altamente propício a este
tipo de prática. FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 152.
235
Códice 424, v. 4, p. 124, s/r.
236
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
237
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional
238
Códice 424, v. 2, p. 88, s/r.
140
Como despachante Joaquim atuou por três vezes, em 1824, 1828 e 1830 enviando,
nesta ordem, 23, 40 e 41 cativos para Minas.239 Dentre as vendas que realizou, já citamos a
comercialização de 140 cativos em conjunto com José Antônio Moreira e além dessa,
outras duas nos despertou: a negociação com o Padre José Antônio da Silva, onde Luis José
da Costa e a companhia Viúva Carmo e Filho também participaram da venda de 38 cativos
para o sacerdote em 1829 e o fornecimento de 39 cativos para o Reverendo José Antônio de
Sá em março de 1830.240
Com isso, diante da exposição das relações de José Francisco de Mesquita, José
Antônio Moreira e Joaquim Antônio Ferreira é possível notar o quanto este indivíduos eram
influentes no tráfico de escravos para Minas Gerais no início do século XIX, atuando
intensamente – ou como abonador, ou vendedor ou despachante – nas remessas acima de
20 cativos. Não por acaso, sabemos, de maneira geral, que deste três, Mesquita e Ferreira
figuravam como os mais importantes negociantes de grosso trato da praça mercantil
carioca, ou seja, eram “empresários” que, simultaneamente, estavam envolvidos em
grandes empreendimentos de diferentes ramos do comércio.241 Cruzando seus nomes com a
lista de João Fragoso e Roberto Ferreira, acerca dos maiores vendedores de escravos do Rio
de Janeiro, constatamos que José de Mesquita e Joaquim Ferreira foram os dois maiores
fornecedores entre os anos de 1825 e 1830, juntos venderam mais de 2000 cativos!242 Além
disso, estes negociantes estavam inseridos também no tráfico Atlântico.243
Podemos adicionar ainda que José Francisco de Mesquita, além de ter atuado nos
negócios envolvendo escravos, comprava também algodão e outros gêneros de Minas
Gerais.244 Para além, chegou a receber de D. João VI uma comenda da Ordem de Cristo,
devido a um “bom serviço que prestou realizando em moeda os bilhetes do Banco aos
tropeiros da Carreira de Minas Gerais, para que não decaísse de sua atividade o comércio
que existe entre a capital e aquela província.”245
239
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
240
Códice 424, v. 4, p. 108, s/r.
241
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 60.
242
Idem, p. 64.
243
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 254.
244
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 84.
245
Arquivo Nacional. Graças honoríficas. Documentos de 31 de maio de 1819. Códice 15, v. 7, fl. 36. Apud.
Idem, p. 85.
141
246
FRAGOSO, João L. R. Op. cit., p. 181.
247
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 56-65.
248
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 79.
142
de escravos para Minas Gerais a atuação de membros da mesma família no início do século
XIX. Deste modo, iremos neste item destacar alguns dos principais personagens de famílias
tradicionais da Zona da Mata mineira que se lançaram nesta atividade mercantil e suas
relações com importantes negociantes do Rio de Janeiro.
Devemos destacar que este estudo foi viabilizado por meio do cruzamento dos
nomes de famílias registrados nos códices 421 e 424 com os inventários post-mortem e
referências bibliográficas. Ao mesmo tempo, é fundamental ressaltarmos aqui os limites
desta pesquisa, pois com já foi dito, não disponibilizamos de um conjunto de fontes para
uma ampla reconstituição das articulações sócio-econômicas dessas famílias ou de seus
principais personagens. Na tabela 20, segue a relação das famílias e de seus integrantes
envolvidos nas grandes remessas (acima de 20 escravos) para Minas no período de 1809 a
1830.
Em primeira instância, percebe-se que foi nas famílias Ferreira Armond e Leite
Ribeiro onde identificamos o maior número de membros participando dos despachos acima
de 20 escravos no Rio de Janeiro, enquanto a primeira família negociou 917 escravos a
segunda realizou a operação de 668 almas. Em seguida, temos a família Monteiro de Barros
que negociou 567 cativos e por fim, as famílias Silva Pinto e Dias Tostes, as quais foram
responsáveis pelo envio de 99 e 96 escravos respectivamente.
De maneira geral, sabemos que os membros destas famílias se instalaram na Zona
da Mata mineira no início do século XIX em diferentes municípios. Francisco Leite
Ribeiro, por exemplo, se fixou junto com seu irmão Custódio Leite Ribeiro, Barão de
Aiuruoca, em Mar de Espanha, localizada na porção sul da região em foco. Já os Tostes e
os Ferreira Armond ocuparam as terras de Santo Antônio do Paraibuna (atual Juiz de Fora)
na mesma época, enquanto os Monteiro de Barros, se estabeleceram em Leopoldina.249
Todas estas famílias vieram do Termo de São João Del Rei (Leite Ribeiro, Silva Pinto e
Monteiro de Barros) e do Termo de Barbacena (Ferreira Armond e Dias Tostes).250 Embora
estes grupos familiares tenham se estabelecido em locais diferentes, todos ocuparam as
249
CARRARA, Ângelo A. A Zona da Mata mineira: diversidade econômica e continuísmo (1839-1909).
Niterói: UFF, 1993, pp. 35-36. (dissertação de mestrado).
250
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de famílias: mercado, terra e poder na formação da cafeicultura
mineira – 1780-1870. Bauru: Edusc; Juiz de Fora: FUNALFA, 2005, p. 273.
143
terras da Zona da Mata da mesma forma, ou seja, por meio de doações de sesmarias, nas
quais se transformaram em latifúndios e onde a cafeicultura predominava.251
Tabela 20: Relação das famílias da Zona da Mata e seus integrantes no tráfico de
escravos para Minas Gerais (remessas acima de 20 cativos), 1809-1830
Famílias Números de escravos negociados
Família Ferreira Armond 917
Marcelino José Ferreira Armond 337
Honório José Ferreira Armond 195
Simplício José Ferreira Armond 133
Mariano José Ferreira Armond 83
Lino José Ferreira Armond 70
Joaquim José Ferreira Armond 60
Antônio José Ferreira Armond 39
Família Leite Ribeiro 668
Antônio Leite Ribeiro 187
Floriano Leite Ribeiro 177
Francisco Leite Ribeiro 157
Luciano Leite Ribeiro 147
Família Monteiro de Barros 567
Romualdo José Monteiro de Barros 289
José Joaquim Monteiro de Barros 278
Silva Pinto 99
José Antônio da Silva Pinto (Barão de
99
Ibertioga)
Família Dias Tostes 96
Antônio Dias Tostes 96
Fonte: Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA) e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de.
Op. cit., pp. 273-274.
251
CARRARA, Ângelo A. op. cit., p. 36.
252
Inventário post-mortem – AHMPAS - 2º vara civil - cx. 20 - ordem, 18.
144
Engenho do Mato – localidade situada na Zona da Mata Sul – quando da morte de sua
esposa Ana Joaquina da Silva. 253
No tráfico para Minas Gerais, além de ser o membro da família com maior número
de escravos comercializados na praça carioca (337), Marcelino estava entre os dez
principais negociantes nas remessas acima de 20 escravos (tabela 19), destacando-se, assim,
como um personagem importante neste fluxo mercantil.
Envolvido desde 1816 nos grandes despachos, negociou a compra de escravos em
duas oportunidades com Antônio José Moreira Pinto, uma em 1828, quando adquiriu 62
cativos e a outra em 1829, na aquisição de 70 almas, ou seja, em dois anos, Moreira Pinto
vendeu 132 escravos para Marcelino.254 Para se ter uma idéia, Antônio José era um
importante negociante de grosso trato estabelecido no Rio de Janeiro e estava ligado ao
tráfico Atlântico,255 sobressaindo-se, por sua vez, como um dos maiores vendedores de
escravos na praça carioca.256 Não por acaso, assim como Marcelino, Moreira Pinto estava
entre os dez maiores negociantes do tráfico para Minas (tabela 19).
O mais interessante dessas relações é o fato de Antônio José Moreira Pinto não ter
negociados escravos somente com Marcelino, mas com os outros componentes dos Ferreira
Armond. Em 12 dezembro de 1826, o dito afiançou Simplício no despacho de 93 escravos
para Minas,257 dois anos depois também abonou Honório na remessa de 35 almas,258 em
1829 vendeu 60 cativos para Joaquim José259 e no ano de 1830 vendeu mais 38 para Lino
José.260 Temos, então, uma constate conexão mercantil entre os Ferreira Armond e Antônio
José Moreira Pinto, ligação na qual contribuiu, provavelmente, para o papel de destaque
desta família no tráfico de escravos para Minas Gerais no início do século XIX.
Na família Leite Ribeiro, um personagem ilustre que se destaca é o Comendador
Francisco, natural de São João Del Rei e como já foi dito, residente em Mar de Espanha.
Descendente de uma importante linhagem de fazendeiros, criadores e negociantes,
Francisco Leite Ribeiro era proprietário de diversas sesmarias em seu nome e em nome de
253
Inventário post-mortem – AHMPAS - 2º vara civil - cx. 69 - ordem, 24.
254
Códice 424, v. 2, p. 266, s/r e Códice 424, v. 3, p. 118, s/r.
255
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p.256.
256
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 60-65.
257
Códice 424, v. 1, p. 122, s/r.
258
Códice 424, v. 2, p. 129 s/r.
259
Códice 424, v. 3, p. 170 v s/r.
260
Códice 424, v. 4, p. 120 s/r.
145
261
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., p. 87.
262
Idem, p. 88 e CARRARA, Ângelo A. op. cit., p. 35.
263
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
264
Códice 424, v. 4, p. 72, s/r.
265
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 60-65.
266
Códice 424, v. 2, p. 229, s/r.
267
Alcir Lenharo destaca a preferência dos proprietários por pessoas da mesma família na montagem de
tropas para o comércio de abastecimento, evitando, portanto, a manipulação de intermediários nos preços
finais dos produtos. LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 80.
268
CARRARA, Ângelo A. op. cit., pp. 36-37.
146
269
Códice 421, v. 7, p. 179 v, r. 1028.
270
CARRARA, Ângelo A. op. cit., pp. 36-37.
271
Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional.
272
BASTOS, Wilson de Lima. Caminho Novo: a espinha dorsal de Minas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições,
2004, p. 129.
273
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., p. 167.
274
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p.255.
275
Códice 424, v. 4, p. 27, s/r.
276
Códice 424, v. 4, p. 28, s/r.
277
Códice 424, v. 4, p. 114, s/r.
147
278
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., p. 90.
279
Idem, p. 91.
280
A listagem das principais famílias do núcleo agrário-cafeicultor da região está em Idem, p. 273.
281
FRAGOSO, João L. R. op. cit., p. 184.
148
Considerações Finais
Ao longo dos três capítulos deste trabalho nossa preocupação foi mostrar a
importância do tráfico de escravos para Minas Gerais na reprodução do escravismo na
sociedade da Zona da Mata mineira entre 1809 e 1830. Por sua vez, demonstramos também
o forte vínculo entre a capitania mineira e o tráfico atlântico de escravos, cujo principal elo
era a praça mercantil carioca, contrariando, assim, uma historiografia corrente que
subestima a força de Minas nesta prática mercantil durante o século XIX.
Em vistas destas questões, os resultados obtidos na pesquisa demonstraram que a
propriedade escrava esteve disseminada e, ao mesmo tempo, concentrada no tecido social
da Mata mineira ao longo da segunda e terceira década do oitocentos. Sua população
escrava era composta em sua maioria por homens, com idade entre 15 e 40 anos e de
origem africana, sendo boa parte destes procedentes da África Central Atlântica. Entre o
período de 1809-1819 e 1820-1830 os africanos adultos cresceram 233%, o maior
registrado entre todos os cativos, sendo seguidos pelos crioulos, o que nos levou, no
entanto, a não subestimar a atuação da reprodução natural na região.
Para além, ao trabalhar com a sociabilidade dos homens no cativeiro mostramos a
presença majoritária das famílias nucleares sem filhos e, simultaneamente, o número
expressivo de famílias matrifocais nos plantéis com menos de dez cativos. Este cenário
familiar seria fruto de uma conjuntura conturbada do tráfico Atlântico de escravos no final
da década de 1820, onde em meio a um despejo desvairado de africanos no Rio de Janeiro
os pequenos senhores teriam vislumbrado uma oportunidade em dispor por um bom preço a
sua força de trabalho, o que teria acarretado numa dissipação gradual dos arranjos
nucleares.
Todas estas evidências apontaram, então, uma forte relação entre a Zona da Mata
mineira e o tráfico de escravos para Minas Gerais nos anos de 1809 e 1830. Porém, em
vista da corrente idéia sobre a irrelevância do comércio de escravos nesta província, foi
necessário estudarmos o tráfico regional de escravos na praça mercantil carioca, principal
ponto de desembarques de africanos no país. Neste estudo, verificamos que Minas Gerais
entre 1809 e 1830 foi o principal destino dos escravos, onde 40% das almas despachados do
Rio de Janeiro se dirigiram para este território, enquanto na província fluminense este
149
índice foi de 36%. Mais do que isso, verificamos também que dos escravos remetidos
97,8% eram africanos novos, se mostrando, assim, como um precioso indício da forte
vinculação entre o tráfico Atlântico e a economia mineira.
No estudo do perfil demográfico das remessas de escravos para Minas, foi possível
constatar que além do predomínio natural dos africanos adultos, registrou-se uma
participação efetiva de africanos infantes nestes envios, acompanhando, deste modo, uma
tendência apontada por Mary Karash acerca do desembarque expressivo de africanos
inocentes no Rio de Janeiro durante a primeira metade do século XIX. Esta constatação nos
fez pensar que a idade do escravo, talvez, não seja uma variável confiável para apurar a
existência da reprodução natural em Minas entre 1809 e 1830. Prova disso foi participação
crescente, ainda que pequena, dos africanos entre 0 e 14 anos verificada nos plantéis da
Zona da Mata mineira.
Finalmente, o nosso estudo demonstrou os homens que movimentavam as
engrenagens deste mercado. Registramos que os movimentos sazonais dos tropeiros de
Minas coincidiam com os momentos de pico do tráfico Atlântico, ou seja, a maioria dos
escravos que desembarcavam no Rio de Janeiro e seguiam para o território mineiro viajam
durante o verão e outono. Em seguida, vimos que o tráfico de escravos para Minas tinha
como marca um traço estrutural do mercado colonial brasileiro, qual seja: a concentração.
Entretanto, este mesmo mercado abria espaço para os comerciantes eventuais. Em face
deste cenário, descobrimos importantes negociantes de grosso trato da praça carioca
envolvidos freqüentemente na comercialização de grandes remessas (acima de 20 cativos)
para Minas Gerais. Para além, vimos que importantes personagens da futura elite
cafeicultora da Zona da Mata se lançaram neste grande empreendimento, tendo como
abonadores e vendedores empresários cariocas com negócios no tráfico Atlântico.
Portanto, os resultados da pesquisa mostraram em cada item e em cada capítulo a
nossa adesão da primeira parte da teoria de Roberto Borges Martins, qual seja: Minas
Gerais teria sido a província que mais importou escravos no Brasil, pelos menos para o
período de 1809 a 1830.
150
Anexos
151
Anexo 1:Origem étnica dos cativos inventariados da Zona da Mata mineira, 1809-1830
Região de
1809-1819 1820-1830 1809-1830
origem
# % # % # %
África
6 2,7 12 2,6 18 2,6
Ocidental
Mina 6 2,7 10 2,0 16 2,3
Nagô - - 2 0,6 2 0,3
África
Central 207 96,2 446 92,7 653 93,8
Atlântica
Angola 46 21,3 49 10,1 95 13,6
Benguela 70 32,5 125 25,9 195 28,0
Cabinda 8 3,7 57 11,8 65 9,3
Cassange 12 5,5 28 5,8 40 5,7
Congo 29 13,4 114 23,7 143 20,5
Ganguela 5 2,3 9 1,8 14 2,0
Monjolo 7 3,2 21 4,3 28 4,0
Quiçamã - - 1 0,2 1 0,1
Rebolo 30 13,9 42 8,7 72 10,3
África
2 1,1 23 4,7 25 3,6
Oriental
Moçambique 2 1,1 23 4,7 25 3,6
Total 215 100,0 481 100,0 696 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
152
Anexo 1.1: Origem étnica dos cativos despachados para Minas Gerais, 1809-1830
Região de
1809-1819 1820-1830 1809-1830
origem
# % # % # %
África
16 10,1 101 8,0 117 8,2
Ocidental
Cabo Verde - - 2 0,15 2 0,13
Calabar - - 13 1,0 13 0,9
Mina 14 8,8 82 6,3 96 6,6
Nagô - 1 0,1 1 0,1
São Tomé 1 0,6 3 0,2 4 0,2
Ussá 1 0,6 - - 1 0,1
África
Central 135 85,4 883 68,3 1018 70,2
Atlântica
Ambaca - - 3 0,2 3 0,2
Angola 64 40,5 263 20,3 327 22,5
Benguela 25 15,8 202 15,6 227 15,5
Cabinda 9 5,6 144 11,1 153 10,5
Cassange 2 1,2 76 5,8 78 5,3
Congo 22 13,9 99 7,6 121 8,3
Ganguela 3 1,9 10 0,7 13 0,9
Moange - - 5 0,3 5 0,3
Monjolo 1 0,6 17 1,3 18 1,2
Quiçamã - - 5 0,3 5 0,3
Rebolo 9 5,6 46 3,5 55 3,7
Songo - - 13 1,0 13 0,9
África
7 4,5 307 23,7 314 21,6
Oriental
Moçambique 7 4,5 235 18,2 242 16,7
Inhambane - - 44 3,4 44 3,0
Quilimane - - 28 2,1 28 1,9
Total 158 100,0 1291 100,0 1449 100,0
Fonte: Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
153
Anexo 2: Tipos de arranjo de grupo familiares, por faixa de tamanho de plantel, entre
os cativos da Zona da Mata, 1809-1830
FTP Nuclear Nuclear Patrifocal Matrifocal Viúvos Extensa Fraterna Total
(a) (b)
# % # % # % # % # % # % # % # %
1-4 2 33,5 - - - - 4 66,5 - - - - - - 6 100,0
5-9 17 68,0 3 12,0 - - 5 20,0 - - - - - - 25 100,0
10-19 40 83,5 6 12,5 - - 2 4,0 - - - - - - 48 100,0
Mais 78 90,6 3 3,6 - - 5 5,8 - - - - - - 86 100,0
de 20
Obs.: FTP: Faixa de tamanho de plantel de escravos
(a) Família nuclear sem filhos
(b) Família nuclear com filhos
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS
154
Anexo 5.1: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1818
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 30 2,5
Janeiro 175 14,6
Fevereiro 59 4,9
Verão 264 22,0
Março 159 13,2
Abril 422 35,2
Maio 109 9,1
Outono 690 57,5
Junho 35 3,0
Julho 50 4,1
Agosto 59 5,0
Inverno 144 12,1
Setembro 27 2,2
Outubro 40 3,5
Novembro 31 2,7
Primavera 98 8,4
Total 1196 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
157
Anexo 5.2: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1825
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 303 5,3
Janeiro 714 12,4
Fevereiro 576 10,0
Verão 1593 27,7
Março 631 11,0
Abril 555 9,6
Maio 361 6,3
Outono 1547 26,9
Junho 526 9,1
Julho 280 4,9
Agosto 240 4,2
Inverno 1046 18,2
Setembro 313 5,4
Outubro 524 9,1
Novembro 735 12,7
Primavera 1572 27,2
Total 5758 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual
Anexo 5.3: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1826
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 909 14,9
Janeiro 931 15,2
Fevereiro 557 9,2
Verão 2397 39,3
Março 546 8,9
Abril 390 6,4
Maio 573 9,4
Outono 1509 24,7
Junho 269 4,5
Julho 87 1,4
Agosto 197 3,2
Inverno 553 9,1
Setembro 373 6,2
Outubro 424 6,9
Novembro 846 13,8
Primavera 1643 26,9
Total 6102 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
158
Anexo 5.4: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1830
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 142 1,6
Janeiro 3007 24,6
Fevereiro 1571 12,8
Verão 4720 39,0
Março 2142 17,5
Abril 2071 16,9
Maio 1065 8,7
Outono 5278 43,1
Junho 684 5,6
Julho 326 2,7
Agosto 382 3,1
Inverno 1392 11,4
Setembro 297 2,4
Outubro 285 2,3
Novembro 227 1,8
Primavera 809 6,5
Total 12199 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
159
Anexo 6: Distribuição (%) das remessas de escravos do porto Rio de Janeiro para
Minas Gerais, por meses e estações do ano, 1817-1830.
Estação/Mês Nº. de escravos remetidos %
Dezembro 3236
Janeiro 7699
Fevereiro 4945
Verão 15.880 33,3
Março 5717
Abril 4934
Maio 4255
Outono 14.906 31,3
Junho 3670
Julho 1962
Agosto 1802
Inverno 7.434 15,8
Setembro 2422
Outubro 3302
Novembro 3612
Primavera 9.336 19,6
Total 47.556 100,0
Fonte: códice 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
160
Fontes e Bibliografia
Fontes Primárias
Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Disponível no banco de dados do IPEA,
CD-ROM).
BERUTE, Gabriel Santos. Rio Grande de São Pedro do Sul: uma analise do trafico
domestico de escravos (1788-1822). Porto Alegre: PPG – UFRGS, 2004 – 2006 (pesquisa
de mestrado).
BURKE, Peter. Veneza e Amsterdã: um estudo das elites do século XVII. São Paulo:
Brasiliense, 1991.
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e
tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1997.
KARASH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital & salário, preço e lucro. 1 ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2006.
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de famílias: mercado, terra e poder na formação
da cafeicultura mineira – 1780-1870. Bauru: Edusc ; Juiz de Fora: FUNALFA, 2005.
PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São
Paulo: FFLCH/USP, 1996 (Doutorado).
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2000.
SMITH, David G. “The mercantile class of Portugal and Brazil in the seventeenth century:
a sócio-economic study of the merchants of Lisbon and Bahia, 1620-1690”. Austin:
University of Texas, 1975 (Tese de Doutorado), cap. 2, 4, 7 e 10.