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O tráfico atlântico de escravos na formação dos plantéis mineiros,

Zona da Mata
c.1809- c.1830

Fábio W. A. Pinheiro

Dissertação de mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em História
Social do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
História.

Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino

Rio de Janeiro
Abril de 2007
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2

O tráfico atlântico de escravos na formação dos plantéis mineiros,


Zona da Mata
c.1809- c.1830

Fábio W. A. Pinheiro

Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História


Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em História
Social.

Aprovado por:

___________________________________________
Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino– Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

_______________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

_______________________________________
Prof. Dra. Mônica Ribeiro de Oliveira
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

_______________________________________
Prof. Dra. Ana Maria Lugão Rios (Suplente)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

_______________________________________
Prof. Dr. José Roberto Góes
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Rio de Janeiro
Abril de 2007
3

Ficha Catalográfica

PINHEIRO, Fábio Wilson Amaral.


O tráfico atlântico de escravos na formação dos plantéis mineiros, Zona da Mata
(c.1809-c.1830) / Fábio Wilson Amaral Pinheiro. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS,
2007.
xiii, 167f.: il.; 31cm.
Orientador: Manolo Garcia Florentino
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-graduação em História
Social, 2007.
Referências Bibliográficas: ff. 165-167
1 – Zona da Mata. 2 – Minas Gerais. 3 – Tráfico de escravos. 4 – Demografia. 5 –
Escravidão. I – Pinheiro, Fábio Wilson Amaral. II – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social. III–Título: O tráfico atlântico
de escravos na formação dos plantéis mineiros, Zona da Mata (c.1809-c.1830)
4

Resumo

A presente dissertação tem como proposta o estudo da influência do tráfico


Atlântico de escravos na Zona da Mata mineira no período de 1809 a 1830. Inspirado nas
discussões teóricas acerca da economia escravista de Minas Gerais no século XIX, este
trabalho mostra como esta prática mercantil atuou na reprodução física dos cativos
residentes na região da Mata. Para além, a pesquisa oferece uma apreciação da
redistribuição de escravos na praça mercantil do Rio de Janeiro, onde se promoveu uma
análise comparativa entre as remessas com destino a Minas Gerais e as Províncias do
Centro-Sul. Dessa forma, esta dissertação pretende apresentar novos elementos que possam
vir a contribuir para a história econômica e social de Minas Gerais no oitocentos.
5

Abstract

This dissertation has its subject the study of the influence of the Atlantic slave trade sent to
Zona da Mata mineira in the period from 1809 to 1830. Inspired by the discussions about
The Slave Economy of Nineteenth-Century, this work show how this mercantile practice
acted in the physical reproduction of the captive from Mata Mineira. Besides, this research
offer an analyze of the redistribution of slave in the mercantile square of Rio de Janeiro,
where it was promoted a comparative analyze between the remittances sent to Minas
Gerais and the remittances sent to the province of Center- South. In such way, this
dissertation intends to present new elements that can contribute for the economical and
social history of Minas in the Nineteen- Century.
6

Agradecimentos

O desenvolvimento deste trabalho contou com contribuições preciosas


que foram fundamentais para a sua formulação nestes dois anos de árdua
pesquisa.
Sendo assim, gostaria de agradecer gentilmente ao Instituto Cultural
Amílcar Martins por me agraciar com a bolsa ICAM-USIMINAS, importante
na primeira parte da minha pesquisa e também ao CNPq, que me financiou no
último ano de mestrado. Ambas foram essenciais para a construção do
presente trabalho.
Agradeço ao meu orientador Manolo Florentino por sua paciência e
inestimável dedicação nos momentos em que minha inexperiência dificultava
o caminhar da pesquisa. Seus ensinamentos foram valiosos para o
enriquecimento da minha formação acadêmica.
Agradeço ao professor Antônio Carlos Jucá por ter participado da
qualificação deste trabalho, pelas sugestões e críticas pertinentes e também
pelas riquíssimas discussões realizadas nas aulas do curso em que ministrou
no segundo semestre de 2005.
A professora Mônica Ribeiro de Oliveira meus sinceros
agradecimentos, que além de ter enriquecido a qualificação deste trabalho me
recebeu gentilmente em sua disciplina ministrada no Programa de Pós-
Graduação em História Social da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Não poderia deixar de ressaltar também a importância de três amigos
que tive o privilégio de conhecer no PPGHIS e com quem tenho eternas
dívidas. A Carlos Leonardo Kelmer Mathias, minha gratidão pela ajuda sem
precedentes nos momentos mais difíceis desta pesquisa e pelas discussões
descontraídas e importantes realizadas durante o translado entre Juiz de Fora e
7

o Rio de Janeiro. A Adriano Braga Teixeira e sua esposa Vilmara minha


gratidão por terem me acolhido carinhosamente em sua casa quando realizei a
pesquisa em Barbacena. Sou muito grato a Alexandre Vieira Ribeiro nas
sugestões e críticas das minhas idéias e, especialmente, pela sua rara boa
vontade em me ajudar quando estive perdido no Rio de Janeiro.
Agradeço muito a Luiz Fernando Saraiva por ter me colocado no
caminho da pesquisa histórica e por ter sugerido o tema da pesquisa de
mestrado.
A Ana Paula, por estar sempre ao meu lado e me acompanhando nos
bons e maus momentos nestes últimos seis anos, agradeço por tudo o que
representa na minha vida.
Finalmente, seria pouco dizer que sou grato aos meus pais Expedito M.
Pinheiro Silva e Regina Lúcia Amaral da Silva, pois sem eles seria impossível
ter realizado a trajetória de toda minha vida, aos dois meu eterno carinho e
amor.
8

Abreviaturas

AHMPAS – Arquivo Histórico Municipal Professor Altair Savassi

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ANRJ – Arquivo Nacional, Rio de Janeiro


9

Listas de Tabelas, gráficos e mapas

Tabelas
Tabela 1: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1809-1830)...............32
Tabela 1.1: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1809-1819)............34
Tabela 1.2: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1820-1830)............34
Tabela 1.3: Estrutura de posse de escravos nas Capitanias de Minas Gerais, Rio de Janeiro
e Bahia, primeiros decênios do século XIX.................................................................36
Tabela 2: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos inventariados da Zona da
Mata, 1809-1830..........................................................................................................40
Tabela 2.1: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos africanos inventariados
da Zona da Mata, 1809-1830...................................................................................... 41
Tabela 2.2: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos crioulos inventariados
da Zona da Mata, 1809-1830.......................................................................................42
Tabela 3: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata, 1809-
1830.............................................................................................................................44
Tabela 3.1: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1809-1819....................................................................................................................45
Tabela 3.2: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1820-1830....................................................................................................................45
Tabela 4: Variação da razão de africanidade entre os escravos inventariados da Zona da
Mata, 1809-1830..........................................................................................................46
Tabela 4.1: Variação da razão de africanidade, por sexo, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830............................................................................................48
Tabela 4.2: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830............................................................................................49
Tabela 4.3: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1819............................................................................................50
Tabela 4.4: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1820-1830............................................................................................50
Tabela 5: Características dos Códices levantados no Arquivo Nacional.............................73
10

Tabela 6: Remessas anuais de escravos novos, ladinos, que o tropeiro trouxe, crias e
marinheiros diante do total dos códices (1809-1830)..................................................75
Tabela 7: Remessas anuais de escravos novos da Praça do Rio de Janeiro diante das
estimativas do tráfico atlântico de escravos (1809-1830)...........................................79
Tabela 8: Tipos de registros................................................................................................81
Tabela 9: Cativos novos e trouxe em passaportes, 1809-1830...........................................82
Tabela 10: Estimativa da representatividade de cativos novos redistribuídos a partir do
porto do Rio de Janeiro: (1809-1830)........................................................................ 87
Tabela 11: Moradores nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro e escravos por eles
conduzidos, 1809-1822...............................................................................................94
Tabela 12: Mineiros com destino a Resende frente ao total de tropeiros com residência em
Minas (1809-1822).....................................................................................................95
Tabela 13: Remessas anuais de cativos a partir do porto do Rio de Janeiro (1809-1830)..99
Tabela 14: Estimativas anuais da representatividade de cativos novos redistribuídos do Rio
de Janeiro para Minas Gerais (1809-1830)...............................................................105
Tabela 15: Razão de masculinidade entre os cativos despachados da praça mercantil
carioca para as Províncias do Centro-Sul, 1809-1830..............................................107
Tabela 15.1: Razão de masculinidade entre os africanos despachados da praça mercantil
carioca para as Províncias do Centro-Sul, 1809-1830..............................................108
Tabela 15.2: Razão de masculinidade entre os crioulos despachados da praça mercantil
carioca para as Províncias do Centro-Sul, 1809-1830..............................................109
Tabela 16: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para Minas Gerais
(1809-1830)..............................................................................................................112
Tabela 16.1: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio de Janeiro
(1809-1830)..............................................................................................................113
Tabela 16.2: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para São Paulo (1809-
1830)........................................................................................................................ 113
Tabela 16.3: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio Grande do
Sul (1809-1830)........................................................................................................113
Tabela 17: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1819..........................................................................................................................119
11

Tabela 17.1: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1828.........................................................................................................................120
Tabela 17.2: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1829.........................................................................................................................120
Tabela 18: Despachos e quantidades de escravos (novos e ladinos) saídos do Rio de
Janeiro para Minas Gerais (1809-1822)..................................................................130
Tabela 18.1: Despachos e quantidades de escravos (novos e ladinos) saídos do Rio de
Janeiro para Minas Gerais (1824-1830)..................................................................130
Tabela 19: Os dez maiores negociadores do tráfico de escravos para Minas Gerais (com
remessas acima de 20 cativos), 1809-1830.............................................................136
Tabela 20: Relação das famílias da Zona da Mata e seus integrantes no tráfico de escravos
para Minas Gerais (remessas acima de 20 cativos), 1809-1830.............................143

Gráficos

Gráfico 1: Flutuações (%) dos proprietários de escravos entre os inventariados da Zona da


Mata mineira, 1809-1830.........................................................................................30
Gráfico 2: Flutuações (%) da participação das áreas de procedências dos africanos da Zona
da Mata, 1809-1830.................................................................................................54
Gráfico 2.1: Flutuações (%) da participação das áreas de procedências dos africanos
despachados para Minas Gerais, 1809-1830............................................................55
Gráfico 2.2: Flutuações (%) da participação das áreas de procedências dos negreiros
aportados no Rio de Janeiro, 1795-1830..................................................................57
Gráfico 3: Tipos de arranjos de grupos familiares primários de escravos (1809-
1830).........................................................................................................................62
Gráfico 3.1: Tipos de arranjos de grupos familiares primários dos escravos em plantéis
com menos de 10 cativos (1809-1830).....................................................................64
Gráfico 3.2: Tipos de arranjos de grupos familiares primários dos escravos em plantéis de
10 a 10 cativos (1809-1830)......................................................................................65
Gráfico 3.3: Tipos de arranjos de grupos familiares primários dos escravos em plantéis
com mais de 20 cativos (1809-1830).........................................................................65
12

Gráfico 4.4: Proporção de cativos novos nas flutuações anuais do tráfico regional de
escravos, 1809-1830................................................................................................103
Gráfico 4.1: Proporção de ladinos nas flutuações anuais do tráfico regional de escravos,
1809-1830................................................................................................................103
Gráfico 5: Distribuição (%) das remessas de escravos do porto do Rio de Janeiro para
Minas Gerais, por estações do ano, 1817-1830.......................................................125
Gráfico 6: Distribuição (%) das aportagens de navios negreiros provenientes da África no
porto do Rio de Janeiro, por estações do ano, 1812-1830.......................................125
Gráfico 7: Distribuição (%) dos despachos de escravos para Minas Gerais segundo o
padrão de tropas, 1809-1822...................................................................................132
Gráfico 7.1: Distribuição (%) dos despachos de escravos para Minas Gerais segundo o
padrão de tropas, 1824-1830...................................................................................132
Gráfico 7.2: Distribuição (%) dos escravos remetidos para Minas Gerais segundo o padrão
de tropas, 1809-1822...............................................................................................133
Gráfico 7.3: Distribuição (%) dos escravos remetidos para Minas Gerais segundo o padrão
de tropas, 1824-1830...............................................................................................133
Mapa

Trajetória do Caminho Novo..............................................................................................29


13

SUMÁRIO

Introdução.........................................................................................................................14

Capítulo 1: Entre africanos e crioulos: o contingente cativo da Zona da Mata mineira,


1809-1830...........................................................................................................................23
Acerca da história do território...........................................................................................23
O acesso à propriedade escrava e a estrutura de posse.......................................................30
Aspectos demográficos da população escrava....................................................................37
A origem dos africanos.......................................................................................................53
Arranjos familiares entre os cativos matenses....................................................................60

Capítulo 2: Minas Gerais e a redistribuição de cativos na praça mercantil do Rio de


Janeiro, 1809-1830..............................................................................................................68
Sobre o conteúdo dos códices.............................................................................................68
Sobre a representatividade dos códices e de seus cadafalsos..............................................75
Sobre a possibilidade de uma terceira hipótese..................................................................84
Sobre Minas Gerais na redistribuição de escravos na praça mercantil carioca, 1809-
1830.....................................................................................................................................90
Sobre as tendências demográficas do tráfico regional de escravos....................................106

Capítulo 3: Homens que conduziam homens: aspectos do tráfico de escravos para Minas
Gerais, 1809-1830..............................................................................................................118
Da relação entre os movimentos sazonais dos tropeiros e os ciclos agrários, 1817-
1830....................................................................................................................................118
Da concentração do tráfico de escravos para Minas Gerais...............................................127
Dos personagens atuantes no tráfico de escravos para Minas Gerais................................134
Das famílias da Zona da Mata no tráfico de escravos para Minas Gerais.........................141
Considerações Finais.......................................................................................................148
Anexos...............................................................................................................................150
Fontes e Bibliografia.......................................................................................................164
14

Introdução

O desenvolvimento deste trabalho se inspirou nas principais altercações teóricas


acerca da economia escravista mineira do século XIX, que foram responsáveis pelo grande
avanço das pesquisas sobre este tema nas últimas décadas.
Estudiosos clássicos como Roberto Simonsen, Caio Prado Júnior e Celso Furtado1
nos ensinavam que a economia de Minas Gerais teria conhecido um processo de
definhamento após a queda da produção de seus veios auríferos. Em linhas gerais, os
trabalhos destes senhores demonstraram que a euforia dos centros mineradores não teria
passado da primeira metade do setecentos, retornando, após esta fase, às primitivas
atividades agrícolas. 2
Entre fins da década de 70 e início dos anos 80 do século XX, historiadores como
Maria Yedda Linhares, Alcir Lenharo e Roberto Borges Martins formaram a linha de frente
que quebraria o paradigma da decadência de Minas Gerais.3 Os trabalhos destes estudiosos
trouxeram novas perspectivas ao demonstrarem que as economias de Minas e do Centro-
Sul brasileiro não teriam acompanhado o aniquilamento dos filões auríferos.
Nesse sentido, Kenneth Maxwell contribuiu com esta corrente ao afirmar que a
economia regional de Minas Gerais, “com suas propriedades rurais, horizontalmente
integradas, era particularmente capaz de absorver o choque das transformações que
vieram após a exaustão do ouro de aluvial”.4 Sua capacidade correspondia tanto ao
estímulo da economia interna quanto do mercado externo, no qual se dava, principalmente,
com a praça mercantil carioca. 5

1
SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil. 7º ed. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1977;
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23º ed. São Paulo. Brasiliense, 2006.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 18º ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1982.
2
Acerca dessa passagem veja, especificamente, PRADO JÚNIOR, Caio. Op. cit., p. 127.
3
Acerca dos respectivos autores veja, especialmente, LINHARES, Maria Yedda Leite. “O Brasil no século
XVIII e a idade do ouro: a propósito da problemática da decadência”. In: Seminário sobre a cultura mineira
no período colonial. Belo Horizonte, Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1979; LENHARO,
Alcir. As tropas da moderação (o abastecimento da corte na formação política do Brasil: 1808-1842). 2 ed.
Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1993 e MARTINS, Roberto Borges. A economia escravista em Minas
Gerais no século XIX. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 1980.
4
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa: a Inconfidência mineira, Brasil-Portugal, 1750-1808. 6
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 112.
5
Idem, Ibidem.
15

No início da década de 1980, Roberto Borges Martins divulgava um dos estudos


mais importantes e ousados da historiografia mineira acerca da relativização da teoria de
decadência. Martins demonstrou que Minas Gerais, mesmo após o auge da mineração
manteve uma forte demanda por mão-de-obra cativa ao longo do século XIX e “um enorme
apego à instituição servil até o momento da Abolição.”6 Valendo-se de técnicas análogas
aos métodos dos sobreviventes intercensitários, o autor estimou que a Província mineira
importou, em termos líquidos, mais de quatro mil cativos nas sete primeiras décadas do
oitocentos, destacando-se, deste modo, como detentora da maior população escrava do país,
bem como um dos maiores destinatários do tráfico Atlântico nessa época.7 Com isso,
segundo Martins uma região na qual consegue absorver tantos escravos não poderia se
encontrar em uma crise generalizada.
Contudo, a grande polêmica do seu trabalho girou em torno da natureza da
economia mineira oitocentista. Para Martins, as constantes aquisições de mão-de-obra por
parte de Minas não estavam vinculadas – nem direta, nem indiretamente – as produções
para o mercados externos8 que estavam em plena decadência, mas para os setores
produtivos voltados para a subsistência. Dito de outro modo, Roberto caracteriza Minas
Gerais no século XIX como uma economia “vicinal”, ou seja, um conjunto de práticas
econômicas cuja produção estava direcionada principalmente para o consumo local, dentro
das cercanias do território mineiro.9 Além disso, o autor chama atenção para a existência de
um grande setor camponês na qual, se não vivia totalmente à margem do mercado,
produzia, sobretudo, para sua própria necessidade.10
Estas afirmações acabaram gerando diversas críticas nas quais resultaram em vários
debates na década de 80. Dentro os mais conhecidos estão às acaloradas discussões com
Robert Slenes que contestou de forma profunda esta teoria. Para este autor, uma das
principais questões era entender como Minas Gerais importava tantos escravos se não era

6
MARTINS, Roberto Borges. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In: SZMRECSÁNYI,
Tamás; e LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da independência ao império. São Paulo, ed.
HUCITEC, 1996, p. 99.
7
Idem, Ibidem.
8
Martins utiliza produções voltadas para mercado externo, no sentido de envios de produtos para serem
negociados fora da fronteiras da província mineira, ou seja, mesmo se for realizado dentro das cercanias do
território brasileiro. MARTINS, Roberto Borges. Op. cit.
9
SLENES, Robert W. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século
XIX. Cadernos IFHC Nº. 17. Campinas: IFHC – UNICAMP, 1985, p. 6.
10
Idem, p. 7.
16

uma economia mercantilizada. A resposta para Roberto Martins estava na alta razão
terra/população. Baseado na análise teórica de E. G. Wakefield – elaborada conforme a
experiência inglesa na colonização da Austrália – o autor argumentou que a grande
disponibilidade de terra em Minas impedia a formação de um mercado de mão-de-obra
livre, pois ninguém se submeteria a trabalhar como empregado de outrem quando era
possível ser proprietário.11
Slenes não discordou de Martins neste ponto, mas afirmava que esta explicação era
insuficiente para responder esta questão. Sendo assim, Robert entendia que a resposta para
o esclarecimento da natureza da economia mineira residia no estabelecimento do seu centro
dinâmico. Seus argumentos podem ser sintetizados em duas constatações.
A primeira se refere à concepção de que Minas, na primeira metade dos oitocentos,
“longe de ser uma região pouco voltada para fora, como os Martins afirmam, era uma
economia de exportação bastante significativa.”12 Slenes acreditava que a capacidade de
exportar em Minas é muito subestimada devido à exclusão dos valores da extração dos
metais preciosos nos dados oficiais sobre as exportações e a diminuição de seu valor real,
na qual teria sido prejudicado pelo desleixo e corrupção dos agentes fiscais. Independente
disso, o autor sustenta que as exportações mineiras poderiam ter sustentado uma relevante
importação de escravos durante a primeira metade do XIX.
O segundo ponto diz respeito à sua teoria dos “efeitos multiplicadores” do setor
econômico externo sobre o interno, que no caso mineiro seriam proporcionalmente maiores
em relação às plantations paulista e fluminense. Enfim, Slenes faz alusão as fortes ligações
entre o mercado externo e o interno da província, onde o primeiro gerava uma produção
“paralela”,13 “cuja importância em Minas como empregadora de mão-de-obra e como
parte da economia monetarizada não é perceptível nos dados sobre exportação.”·
Portanto, para o autor era a economia exportadora e seus efeitos multiplicadores os
principais responsáveis pela vultosa incorporação de escravos no território mineiro ao
longo do século XIX.

11
SLENES, Robert W. op. cit., p. 7.
12
Idem, p. 39.
13
Segundo Slenes, este termo é utilizado por Caio Prado Júnior.
17

Além deste debate, o trabalho de Roberto Martins ainda se desdobrou em uma outra
discussão com uma outra hipótese. Francisco Vidal Luna e Wilson Cano,14 ao se mostrarem
céticos sobre a teoria de Martins partiram da mesma pergunta feita por Robert Slenes, ou
seja, “se é verdade que o grau de mercantilização dessa economia era muito baixo, [...], de
onde se originou a massa de capital-dinheiro suficiente e necessária para tal maciça
importação de escravos...?” 15
Para estes autores, Martins em nenhum momento se preocupa na possibilidade de
uma “produção de escravos” em Minas Gerais, mesmo após a derrocada da mineração.
Partindo de resultados de outros pesquisadores,16 Luna e Cano sublinharam que no início
do século XIX houve uma redução sistemática do percentual de escravos africanos na
massa cativa de Minas registrando, por sua vez, uma elevação proporcional dos escravos
nascidos no Brasil.17
Deste modo, os pesquisadores pensavam que justamente no baixo grau de
mercantilização residia a explicação da existência de um imenso plantel, isto é, a violenta
diminuição da taxa de exploração e o “relaxamento dos costumes” (mestiçagem e
casamentos) permitiram o crescimento natural da população escrava de Minas.18
Esta hipótese ganharia adesão de outros historiadores que trabalharam com o tema,
dentre os principais estão Douglas Cole Libby e Laird Bergad. Publicado no final da década
de 1980, o trabalho de Libby questionava a idéia de Roberto Martins em relação ao fato de
Minas Gerais ter se destacado, no século XIX, com uma das maiores importadoras de
escravos do mundo. Como Luna e Cano, Douglas acreditava também que a redução
acentuada nas taxas de exploração do trabalho escravo teria contribuído para o crescimento
positivo do contingente cativo.19 Não obstante, o grande objetivo de Libby não foi
mensurar a importância do tráfico ou da reprodução natural e sim buscar o papel de ambas
nesse processo, ou seja, para o dito autor o comércio de escravos e a reprodução endógena

14
LUNA, Francisco Vidal e CANO, Wilson. Economia escravista em Minas Gerais. Cadernos
IFCH/ÚNICAMP, outubro , 1983.
15
LUNA, Francisco Vidal e CANO, Wilson. A reprodução natural de escravos em Minas Gerais (século
XIX): uma hipótese. In: LUNA e CANO. Op. cit.,p. 2.
16
COSTA, I. D. da. Populações mineiras: Sobre a estrutura populacional de alguns núcleos mineiros ao
alvorecer do século XIX. São Paulo: IPE-USP, 1981 (Ensaios econômicos, 7)
17
LUNA, Francisco Vidal e CANO, Wilson. Op. cit., p. 5.
18
Idem, p. 7.
19
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século
XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 21.
18

atuaram com forças complementares na reposição da mão-de-obra escrava em Minas


Gerais durante o oitocentos.
Já Laird Bergad foi mais enfático sobre esta teoria. A partir de uma vasta pesquisa
realizada com fontes censitárias e cartorárias (sobretudo com inventários post-mortem),
Bergad procurou demonstrar ao longo de todo a sua pesquisa que “o impressionante
aumento demográfico dos escravos de Minas Gerais durante o século 19 resultou em
grande parte da reprodução natural, e não da importação da África por meio do comércio
escravagista”.20 Sua convicção é tão forte nesta teoria que para o dito, não teria nenhum
outro exemplo de qualquer sociedade escravagista de grande porte na América Latina e no
Caribe onde este fenômeno tenha ocorrido.21
Sobre o tráfico de escravos para Minas Gerais, Laird aponta para uma retomada
deste comércio durante um breve intervalo entre os anos de 1790 a 1795 e durante os
períodos de 1805-1815 e 1820-1830. Em cada um destes momentos o autor admite um
aumento de africanos em relação aos escravos nascidos no Brasil, entretanto, para o mesmo
não houve nenhuma grande mudança indicando, portanto, uma importação em menor
escala. Em suma, para Bergad seria impossível avaliar todo o volume do comércio de
escravos africanos para Minas nos períodos mencionados, pois não existiria nenhuma fonte
histórica com estimativas confiáveis que possa ser utilizada. Não obstante, o autor acredita
numa efêmera reanimação deste comércio em pequena escala.22
Eis assim, a principal discussão teórica na qual o presente trabalho se insere,
trabalho este que tem como escopo o estudo do envolvimento da Zona da Mata no tráfico
de escravos para Minas Gerais entre os anos de 1809 e 1830. Considerando o fato de ser
uma região em processo de formação sócio-econômica neste período e estar próxima das
cercanias do Rio de Janeiro, nosso trabalho buscará demonstrar a função desta prática
mercantil na reiteração da população escrava e, por sua vez, o papel exercido pela
Capitania/província de Minas Gerais no tráfico regional de escravos, cujo principal centro
de negociações era a praça mercantil carioca.

20
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru, SP: Edusc,
2004, p. 21.
21
Idem, Ibidem.
22
Idem, p. 201.
19

Nesta pesquisa, trabalharemos com a hipótese do tráfico de escravos ter atuado


como principal veículo de renovação da força de trabalho da Mata mineira, não
subestimando, apesar disso, a presença da reprodução natural nos plantéis da região.
Por um lado, esta hipótese, nos faz contrariar uma historiografia, já apresentada,
que subestima a força da economia mineira oitocentista no comércio de almas, por outro,
nos remetem a idéia de Roberto Martins, ou seja, que Minas Gerais seria uma das maiores,
senão a maior, importadoras de mão-de-obra escrava da América portuguesa nos primeiros
decênios do século XIX.
Para aferição das hipóteses acima, nos valemos de dois tipos de fontes, uma
cartorária e uma outra alfandegária, ambas propícias a quantificação. A escolha por estes
documentos primários se explica por suas estruturas internas – com formato praticamente
invariável no tempo – e pela abrangência das informações que permitem o desenvolvimento
tanto de uma abordagem demográfica quanto a econômico-social em quantidade singular.23
O primeiro corpo documental manejado foram os inventários post-mortem
localizados no Arquivo Histórico Municipal de Barbacena “Professor Altair José Savassi”.
Desta fonte retiramos informações sobre os proprietários e suas respectivas residências,
além dos registros demográficos dos escravos, como nome, sexo, naturalidade, área de
procedência, cor e etc. Tais registros nos permitiram verificar a evolução da população
cativa da Zona da Mata mineira no decorrer da segunda e terceira década do oitocentos.
O segundo fundo documental pesquisado foram os passaportes e despachos de
escravos emitidos pela Intendência de Polícia da Corte na primeira metade do século XIX,
estas fontes estão contempladas nos códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional.
Recentemente, estes códices foram digitalizados para um banco de dados sob a organização
do LIPIHS (Laboratório de Pesquisa em História Social) da UFRJ e do financiamento do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Frente à imensa riqueza desta
documentação coligimos dados referentes ao destino dos escravos que saíam do Rio de
Janeiro, ao número de cativos despachados e assim, como nos inventários, as informações
demográficas dos mesmos. Estes dados permitiram o estudo de Minas Gerais nas flutuações

23
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 11.
20

anuais do tráfico regional de escravos e suas tendências demográficas entre os anos de 1809
e 1830.
Para além da quantificação, estas fontes permitiram o recolhimento de registros de
ordem qualitativa. Nesse sentido, o levantamento dos nomes referentes aos proprietários
nos inventários, das informações dos tropeiros no momento dos despachos (nome,
abonador, vendedor e etc.) e além de alguns dados arrolados em fontes secundárias,
realizamos uma perseguição da trajetória dos principais indivíduos envolvidos no tráfico de
escravos para Minas Gerais, tendo o nome como fio condutor.24 Entretanto, devemos
ressaltar que se trata de um estudo limitado, e isto se explica por dois motivos: 1) pela
restrição do nosso universo ao circuito mercantil entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais e 2)
pela falta de documentos que permitissem realizar um cerco maior dos personagens
escolhidos. Portanto, utilizando as palavras de João Fragoso, estaremos aqui desenvolvendo
no máximo uma micro-história feia, tapuia, diferente da conhecida micro-história italiana.25
Tendo em vista todas as questões expostas, a presente dissertação de mestrado será
apresentada em três capítulos: no primeiro capítulo nossas atenções estarão voltadas para a
região da Zona da Mata mineira. Iremos desenvolver num primeiro momento, a síntese da
História deste território, procurando justificar o porquê da sua escolha para a nossa
pesquisa. No segundo instante, analisaremos a disseminação da população escrava no
tecido social da região da Mata e ao mesmo tempo sublinhar sua concentração nos plantéis
das unidades produtivas.
Por conseguinte, focalizaremos nosso estudo na demografia escrava residente na
Mata. Faremos considerações sobre a variação da razão de masculinidade entre os escravos
de forma geral, entre os africanos e posteriormente entre os crioulos. Após isto, iremos
partir para a análise da distribuição dos escravos conforme a idade o sexo, a variação da
razão de africanidade segundo o sexo e a idade dos cativos, promovendo, também uma
verificação das áreas de procedências dos cativos africanos da Zona da Mata. Por fim,
destacaremos a sociabilidade dos cativos residentes na Mata mineira, ou seja, os tipos de
arranjos de grupos familiares primários existentes entre os ditos.

24
GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: DIFEL, 1991.
25
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica”. In: Topoi: Revista
de História. Rio de Janeiro, vol. 5, 2002, pp. 62-63.
21

No segundo capítulo procuraremos estudar o tráfico de escravos para Minas Gerais


a partir da praça mercantil carioca nos anos de 1809 a 1830. Far-se-á um estudo
comparativo entre as flutuações das remessas para Minas e das principais províncias do
centro-sul, quais sejam: Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Porém, antes de debruçarmos nestas questões faremos uma longa discussão
metodológica com as fontes pesquisadas. Embora a documentação possua uma grande
riqueza de informações de natureza econômica, social, demográfica e cultural, foram
constatados diversos sub-registros encontrados por João Fragoso e Roberto Ferreira, os
principais responsáveis pela elaboração do banco de dados do IPEA.26
No último item deste capítulo, traçaremos o perfil demográfico dos cativos enviados
para Minas e demais regiões do centro-sul, cruzando na medida do possível com o padrão
demográfico verificado na Zona da Mata mineira.
No terceiro e último capítulo, o centro das atenções estarão voltadas para os
indivíduos responsáveis pela movimentação das engrenagens do tráfico de escravos para
Minas Gerais, embora o fio condutor da dissertação continue sendo o escravo.
Primeiramente, verificaremos os movimentos sazonais destes tropeiros, ou seja, iremos
relacionar as principais estações do ano em que estes viajantes retornavam para Minas
Gerais com os ciclos agrários da economia mineira. Posteriormente, promover-se-á o
cruzamento dos nossos resultados com os principais períodos de aportagens de navios
negreiros no porto carioca. Em seguida, far-se-á o estabelecimento do padrão de tropas
conforme o número de escravos enviados em cada viagem, procurando perceber o grau de
concentração deste mercado. Com base nestas constatações, passaremos ao estudo dos
principais agentes envolvidos no tráfico de escravos para Minas Gerais. A partir de uma
seleção, onde escolhemos os indivíduos que enviaram mais de 20 escravos por mais de uma
vez, colocaremos em foco importantes negociantes de grosso trato da praça mercantil
carioca que se envolveram em grandes despachos para o território mineiro.

26
Além destes historiadores, Roberto Martins foi também um dos primeiros pesquisadores a trabalhar com
este novo banco de dados para o estudo do tráfico de escravos para Minas Gerais. Recentemente Martins tem
apresentado palestras, através de slides, com base neste banco de dados.
22

Finalmente, destacar-se-á algumas famílias importantes da Zona da Mata mineira


que também se lançaram no tráfico de escravos, como foi o caso das famílias Armond,
Leite Ribeiro, Monteiro de Barros e Dias Tostes, cujos personagens fizeram parte da elite
cafeicultora desta região no século XIX.
23

Capítulo 1 – Entre africanos e crioulos: o contingente cativo da Zona da Mata


mineira, 1809-1830.

Acerca da história do território

A Zona da Mata mineira está situada na porção leste do território de Minas Gerais.
Esta região foi assim denominada devido à exuberante floresta tropical que a cobria por
completo até o primeiro quartel do século XIX.27 Nos primeiros séculos de colonização era
uma vasta extensão de terras, em meio a um serão inculto, freqüentada somente por tribos
indígenas como, por exemplo, a dos Puris, dos Croatas e dos Coroados.28
Com a descoberta dos filões auríferos no início do século XVIII, a Zona da Mata
tornou-se parte integrante das áreas proibidas dos sertões do leste. Preocupada com o
contrabando e a invasão de aventureiros a coroa portuguesa determinou a proibição do
transito livre nesta região dificultando, deste modo, seu efetivo povoamento.
Contudo, para melhor entender o processo de formação da Zona da Mata mineira se
faz necessário aludir acerca da principal estrada que rasgava suas fronteiras e na qual foi
imprescindível para a expansão econômica e social do território: o Caminho Novo (ver
mapa 1).
Deve-se salientar que muito já foi dito sobre esta estrada e sua ligação com a Zona
da Mata, desde os antigos viajantes estrangeiros29 até os pesquisadores mais recentes30, os
quais a destacaram como a principal responsável pelas ligações mercantis entre o Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Para além das negociações envolvendo diretamente o ouro, este
caminho foi palco de travessias de milhares de escravos e dos artigos agropecuários (como
milho e toucinho), cuja produção se destinava, num primeiro momento, para as regiões
mineradoras durante o apogeu do ouro e, posteriormente, com a crise dos veios auríferos na

27
CARRARA, Ângelo A. A Zona da Mata mineira: diversidade econômica e continuísmo (1839-1909).
Niterói: UFF, 1993, p. 33. (dissertação de mestrado).
28
BASTOS, Wilson de Lima. Caminho Novo: a espinha dorsal de Minas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições,
2004, p. 13.
29
Veja, por exemplo, SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2000.
30
Veja, por exemplo, BASTOS, Wilson de Lima. Op. cit., e MERCADANTE, Paulo. Sertões do Leste. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1978.
24

segunda metade do setecentos, passariam a abastecer, principalmente, o mercado carioca.31


Deste modo, o presente item se propõe a tecer considerações gerais acerca da trajetória da
Construção do Caminho Novo e sua relação com a Zona da Mata.
Entre fins do século XVII e início do XVIII o caminho normalmente percorrido pelo
ouro, que se iniciava nas minas e terminava na cidade do Rio de Janeiro era muito extenso e
sinuoso, transformando as viagens em verdadeiras epopéias. De maneira geral, este
caminho tinha como trajeto a trilha dos Cataguases, de onde saía em Taubaté, partindo daí
para o porto de Parati e de onde, por mar, chegavam as riquezas à cidade do Rio de
Janeiro.32
Com a finalidade de encurtar a distância entre a cidade carioca e as Minas e, além
disso, diminuir os percalços do trajeto entre este dois pontos, Garcia Rodrigues Paes,
primogênito do bandeirante Fernão Dias, propôs a coroa lusitana em 1701 um plano para
desbravar uma picada ligando o Rio de Janeiro aos altos da Mantiqueira, transpondo um
grande trecho das áreas proibidas do leste mineiro e seguindo a linha do Rio Paraibuna.
Esta picada passaria a denominar-se, então, Caminho Novo dos Campos Gerais. 33
Em linhas gerais, podemos dizer que a rota principal do Caminho Novo partia do
porto de Estrela e passava por Petrópolis, antes de atingir a encruzilhada, onde as duas
outras variantes se encontravam. Após as passagens do Paraíba e do Paraibuna vinha o
registro de Matias Barbosa, Juiz de Fora, Barbacena de onde se alcançava São João Del Rei
e Vila Rica.
Apesar da construção do caminho ter se iniciado com Garcia Rodrigues no início do
século XVIII a mesma só ficou pronta por volta de 1724, sob a orientação do sargento-mor
Bernardo Soares Proença. 34
Ao longo da extensão do Caminho Novo a Coroa portuguesa, no decorrer do século
XVIII, concedeu sesmarias onde foram instaladas fazendas de caráter misto, ou seja,
propriedades que desenvolviam, simultaneamente, o plantio de produtos como o milho e a
criação de todo o tipo de gado, como os suínos, ovinos e caprinos. Essas unidades
produtivas basicamente eram responsáveis pelo abastecimento das tropas que transitavam

31
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação (o abastecimento da Corte na formação política do Brasil –
1808-1842). 2 ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1993, passim.
32
Naturalmente estamos nos referindo ao Caminho Velho. BASTOS, Wilson de Lima. op. cit., p. 13.
33
Idem, p. 14.
34
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 57.
25

pelo Caminho Novo e durante o auge do ouro subsidiavam os centros mineradores com o
envio de produtos alimentícios.35
Apesar da região que atualmente abrange a Zona da Mata ser um dos lugares onde
tais propriedades foram instaladas, seu efetivo povoamento não seu processou de maneira
concreta na primeira metade do setecentos, pois como já enunciamos o trânsito livre nesta
região era proibido devido as restrições impostas pelo governo lusitano, preocupado com o
contrabando e a invasão de estrangeiros de outros reinos europeus. Este quadro somente
começou a se alterar com a queda da produção aurífera a partir da segunda metade do
século XVIII, onde, então, tais restrições passaram a perder valor. Nesse sentido, a
concessões de sesmarias foram muito importantes para a expansão da fronteira agrícola na
região, cuja população começou crescer significativamente no início do século XIX.36
O viajante francês Auguste de Saint-Hilaire ao passar por Simão Pereira, uma das
localidades situadas na Zona da Mata e na qual ganhou esse nome devido ao primeiro
cultivador que se estabeleceu neste território, registrou informações importantes acerca da
população desta localidade e suas imediações após a vinda da família real em 1808,
destacando também sua atração para diversos homens livres de distintas partes da província
de Minas Gerais neste período:

Não há maior povoação em Simão Pereira do que às margens do Paraíba. A


igreja, mais ou menos isolada, foi construída a pequena distância do caminho no
meio de uma pequena plataforma, e por trás dela se eleva um morro cujo cume
está coroado de matas virgens e a encosta, outrora cultivada, não apresenta mais
do que arbustos. A paróquia que depende dessa igreja se dilata por uma extensão
de dez léguas portuguesas, desde o Paraibuna, até a localidade chamada Juiz de
Fora. Antigamente apenas compreendia o pequeno número de casas situadas à
margem do caminho; mas, desde a chegada do Rei D. João VI ao Rio de Janeiro,
recebeu um considerável acréscimo de população. Mais de quatrocentos homens
livres com outros tantos escravos aí vieram estabelecer-se de diferentes partes da
Província das Minas, atraídos pela fertilidade das terras, pelas vantagens que
oferece a vizinha da capital, e a de não pagar nenhuma taxa, morando além do
registro de Matias Barbosa. 37

Contudo, a Zona da Mata começaria a ganhar destaque no cenário da economia de


Minas Gerais a partir da segunda metade do século XIX, com a consolidação do café –

35
BASTOS, Wilson de Lima. op. cit., p. 15.
36
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de famílias: mercado, terra e poder na formação da cafeicultura
mineira – 1780-1870. Bauru: Edusc; Juiz de Fora: FUNALFA, 2005, p. 45.
37
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. cit., p. 50.
26

implantado ainda na primeira metade da referida centúria38 – e com emancipação em 1850


da antiga vila de Santo Antônio do Paraibuna, doravante, Juiz de Fora, principal cidade
desta região e centro cafeeiro da província de Minas Gerais ao longo dos últimos decênios
dos oitocentos e dos primeiros do século XX. 39
Até o momento, as ponderações enunciadas neste item se referiram a Zona da Mata
de maneira generalizada. Na historiografia mineira40, no entanto, este território é
comumente tratado de forma muito diversa, isto é, as pesquisas desenvolvidas acerca desta
região adotaram uma classificação elaborada pelo Segundo Distrito Eleitoral Estadual de
1909, que conjugando aspectos históricos com geográficos, dividiu a Mata em três sub-
regiões, a saber: uma ao sul, formada pelos municípios de Juiz de Fora, Mar de Espanha e
Leopoldina, cuja formação socioeconômica, durante o império, caracterizava-se pelo
latifúndio monocultor escravista. Uma outra na parte central, caracterizada pela pequena e
média propriedade rural, pela diversificação da produção agrícola e pela utilização escassa
da mão-de-obra escrava. Localidades como Rio Novo, Cataguases e Muriaé integram esta
sub-região. Por último, temos a porção norte, compreendida pelos municípios de Ponte
Nova e Manhuaçu, “cujas características econômicas eram as propriedades rurais
medianamente parceladas, e tardiamente incorporadas à cafeicultura de exportação”.41
Neste capítulo trabalharemos essencialmente com as localidades situadas na Zona
da Mata sul, que foi a primeira área de Minas a produzir café, e onde se estabeleceram os
grandes proprietários de terras e escravos da província no século XIX. Porém, devemos
salientar o fato da presente pesquisa se referir a uma região que nos primeiros decênios do
oitocentos estava em processo de formação econômica e social, e, provavelmente, neste
momento as fronteiras entre as três sub-regiões não se encontravam tão bem definidas
quando da elaboração destas divisões por parte do Segundo Distrito E. Estadual no início
do século XX.

38
Para esclarecimentos acerca da implantação do café na Zona da Mata mineira veja OLIVEIRA, Mônica
Ribeiro de. op. cit., passim.
39
Um dos principais estudos da historiografia local acerca da economia cafeeira de Juiz de Fora neste
momento é de PIRES, Anderson. Capital agrário, investimento e crise na cafeicultura de Juiz de Fora (1870-
1930). Niterói: UFF, 1993 (dissertação de mestrado).
40
Veja principalmente CARRARA, Ângelo A. op. cit., capítulo 2 e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit.,
capítulo 1.
41
CARRARA, Ângelo A. op. cit., pp. 33-34.
27

Sendo assim, tendo uma preocupação maior com a historicidade, nossa pesquisa
abrange as áreas que entre os anos de 1809 e 1830 estavam sob a jurisdição do Termo de
Barbacena42 – situado na da Comarca do Rio das Mortes – e que doravante passaram a
integrar a região da Zona da Mata. Na pesquisa realizada com os inventários post-mortem
encontramos propriedades situadas em localidades com Simão Pereira e Engenho do Mato
– conhecido também como Chapéu d’Uvas43 – cujas formações econômicas e sociais
estiveram associadas a expansão do Caminho Novo.
Eis então, a região escolhida como objeto de estudo para a percepção do tráfico de
escravos para Minas Gerais nos plantéis das propriedades mineiras. A opção pela Zona da
Mata mineira não ocorreu de forma arbitrária, pelo contrário, acreditamos que há pelo
menos duas razões que justifiquem o estudo da influência desta prática mercantil na
reiteração da população escrava de seu território, quais sejam: 1) a grande proximidade com
a praça mercantil do Rio de Janeiro, palco onde a maioria dos africanos desembarcava no
momento em que chegavam ao Brasil44 e 2) por se tratar de uma região onde o crescimento
populacional foi expressivo na primeira metade do século XIX, sobretudo, com a
implantação e expansão do café.45 Obviamente que o quadro a ser apresentado não pode e
não deve ser generalizado para todo território mineiro, cuja formação econômica e social
era extremamente diversificada.46 Nossa intenção é focalizar a população escrava de uma
região ativa no constante fluxo de homens e mercadorias entre o Rio de Janeiro e Minas
Gerais.
Portanto, as principais questões que irão permear ao longo deste capítulo estão
relacionadas ao acesso da propriedade escravo na Zona da Mata, ou seja, como a principal

42
Segundo Lair Bergad, “termo” era o nome dado a uma subdivisão administrativa de uma comarca, sempre
centrado em torno de uma cidade ou vila. BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica de Minas
Gerais, 1720-1888. Bauru, SP: Edusc, 2004, p. 372
43
BASTOS, Wilson de Lima. op. cit., p. 95.
44
Conforme Manolo Florentino e João Fragoso, entre 1790 e 1830, desembarcaram no Rio de Janeiro cerca
de 700 mil escravos. Levando-se em consideração que o Brasil teria importado 3,6 milhões de africanos dos
séculos XVI ao XIX, os 41 anos de importações cariocas representam cerca de 1/5 dos desembarques de 350
anos. FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma sociedade colonial tardia, c. 1790- c.1840. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p.95.
45
CARRARA, Ângelo A. op. cit., capítulo 2 e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., capítulo 1.
46
Conforme a classificação de Clotilde Paiva a Província de Minas Gerais em 1831 possuía dezoito regiões
com formações econômicas e sociais distintas, ou seja, no referido território era possível verificar por um lado
a existência de propriedades em regiões cuja produção estava destina ao consumo local e por outro lado
unidades produtivas agroexportadoras. PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do
século XIX. São Paulo: FFLCH/USP, 1996. (Tese de Doutorado)
28

riqueza desta sociedade estava distribuída nos plantéis da região; ao perfil demográfico dos
cativos residentes nas unidades produtivas, destacando também as principais regiões de
origem dos africanos e aos tipos de arranjos familiares estabelecidos entre os escravos, isto
é, encerraremos a primeira parte de nosso trabalho procurando entender as formas de
relações familiares existentes entre esses indivíduos apesar das adversidades na vida em
cativeiro.
29

Mapa 1: Trajetória do Caminho Novo


Fonte: BASTOS, Wilson de Lima. Caminho Novo Juiz de Fora. Juiz de Fora: Edições Paraibunas, 1993.
30

O acesso à propriedade escrava e a estrutura de posse

Um dos aspectos fundamentais para o desenvolvimento de estudos acerca da


escravidão não só em Minas Gerais como em boa parte do território colonial, doravante
imperial, é o ingresso a uma das propriedades mais cobiçadas desta sociedade, o cativo.
Nesse sentido, o gráfico um mostra a notável dependência da sociedade da Zona da
Mata mineira do braço escravo para a movimentação das engrenagens de sua economia.
Levando em consideração os personagens dessa região que, ao fim de sua vida, possuíam
bens a inventariar, nunca menos de 73% dos inventariados eram possuidores de escravos,
além disso, tomando por base os anos entre 1809 e 1820, todos os inventários possuíam ao
menos um cativo. Em que se pesem os problemas metodológicos intrínsecos aos
inventários post-mortem – segundo Florentino, esta documentação não abarca a totalidade
dos agentes sócio-econômicos devido ao fato de nem todos os falecidos ter possuído bens a
inventariar – é indubitável a natureza escravista da sociedade que ora apresentamos.

Gráfico 1: Flutuações (%) dos proprietários de escravos


entre os inventariados da Zona da Mata mineira, 1809-1830
120

100 100 100 100


100 95
89

80 72,7

60
%

40

20

0
1809-1 1812-4 1815-7 1818-20 1821-3 1824-6 1827-30

Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.


31

Visto a sua disseminação pelo tecido social, torna-se imprescindível, neste


momento, analisar a distribuição da propriedade escrava na Zona da Mata mineira. A partir
do arrolamento de 1734 escravos nos inventários, podemos estabelecer um quadro geral da
estrutura de posse de cativos na região. Para tanto, desenvolvemos uma divisão onde os
proprietários estão distribuídos em faixas de plantéis, a saber: os pequenos, ou seja, os
detentores de um a cinco e de seis a dez cativos, os senhores de plantéis médios, donos de
onze a dezenove escravos e finalmente os grandes proprietários, cuja posse é de 20 ou mais
cativos.
Os resultados mostram que, se por um lado percebemos uma disseminação dos
escravos nas unidades produtivas, por outro lado, os mesmos estavam concentrados nas
mãos de um pequeno grupo detentor de boa parte desta mão-de-obra. Tal fato pode ser
constatado na tabela um.
Entre os anos de 1809 e 1830 os pequenos plantéis eram a tônica na sociedade da
Mata mineira. Os proprietários de um a cinco e de seis a dez cativos representavam, em
conjunto, mais de 70% dos senhores entre os inventariados. Em contrapartida, estes
mesmos grupos controlavam apenas 29,5% da escravaria arrolada na documentação.
Já os indivíduos responsáveis pelos médios e grandes plantéis possuem um dado
curioso, ambos representam 14,9% dos donos de almas. Entretanto, enquanto os senhores
de onze a dezenove escravos controlavam quase 19% desta mão-de-obra, os proprietários
acima de vinte eram donos de mais da metade dos escravos registrados nos inventários
post-mortem.
De maneira geral, o quadro esboçado até então nos mostra uma estrutura de posse
concentrada na região da Zona da Mata mineira, ou seja, ao mesmo tempo em que se
percebe a existência de um grupo majoritário com 2,7 escravos, em média, por proprietário,
se nota a presença minoritária de grandes senhores, cada um detendo, em média, 37,2
escravos.
32

Tabela 1: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1809-1830)


Proprietários Escravos Proprietários Escravos Média de
FTP
# # % % escravos
1-5 64 177 39,7 10,3 2,7
6-10 49 333 30,5 19,2 6,7
11-19 24 329 14,9 18,9 13,7
Mais de 20 24 895 14,9 51,6 37,2
Total 161 1734 100,0 100,0 10,7
Obs.: FTP: Faixa de tamanho de plantel de escravos.
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Contudo, para melhor entendermos a estrutura de posse na região da Mata faz-se


necessário analisarmos a sua evolução entre a segunda e a terceira década do século XIX.
Embora não se trate de um período muito longo, podemos constatar mudanças
significativas (tabelas 1.1 e 1.2).
Nesse sentido, é possível perceber o aumento de proprietários detentores de um a
cinco escravos, de 36,2% entre 1809 e 1819 este grupo passou a representar 41,7% no
período de 1820 a 1830. No entanto, a proporção de escravos detidos pelos mesmos pouco
mudou, de 9,6% para 10,8% entre uma década e outra. Interessante notar a queda
proporcional dos plantéis de seis a dez e de onze a vinte cativos. Enquanto o primeiro caiu
de 36,2% para 27,1% o segundo passou de 17,2% para 13,5%. Do mesmo modo, a parcela
de almas pertencentes a estes dois grupos decresceu, a título de ilustração, os senhores de
seis a dez escravos que entre 1809 e 1819 retinham 25% passariam no decênio subseqüente
a serem responsáveis apenas por 16% do braço cativo. Já os plantéis com mais de vinte
escravos registraram um aumento substancial tanto de proprietários quanto de cativos, ou
seja, entre o segundo e terceiro decênio este grupo passou de 10,4% para 17,7%, por sua
vez, a proporção de escravos passou de 42,4% para 56,4%.
Para além deste panorama, as mudanças registradas na distribuição dos escravos nas
propriedades da Mata nos mostram constatações importantes. Primeiramente, podemos
perceber que entre a segunda e a terceira década do século XIX todas as faixas de plantéis
cresceram, quantitativamente, no número de senhores e de escravos. Segundo, o número de
proprietários de um a cinco cativos, mais do que dobrou entre um decênio e outro (de 21
para 43 proprietários), ou seja, é possível que na Zona da Mata o número de indivíduos nos
quais se tornaram donos de pelo menos um escravo tenha aumentando substancialmente no
tecido social desta região. Por fim, o pequeno grupo detentor de grandes plantéis triplicou
33

(de 6 para 18 proprietários) ao longo do período de 1809 a 1830, estes senhores possuíam,
em média, cerca de 35 cativos cada um (tabela 1.2).
Sendo assim, o acesso à propriedade escrava por um número maior de indivíduos
conjugado com o aumento do número de senhores que passaram a ser dono de grandes
plantéis, nos levam a pensar numa hipótese pertinente: se levarmos em consideração que a
posse de cativos foi a forma crucial de riqueza disponível no Brasil colonial e imperial e,
além disso, o tamanho da força de trabalho era o fator mais importante na determinação da
riqueza de um domicílio47 – embora o acesso à terra fosse imprescindível – é provável que
o cenário apresentado no período de 1820 a 1830 seja fruto do crescimento econômico da
Zona da Mata mineira.
De antemão dissemos que esta região esteve na vanguarda da implantação da
cafeicultura de Minas Gerais, deste modo, é provável que sua instalação no território tenha
aumentado as possibilidades de investimentos vultosos nas unidades produtivas não só
voltadas para o café como também para produção mercantil de alimentos. Por sua vez, este
processo teria permitido uma incorporação maior de mão-de-obra escrava nas propriedades
por meio de importações, questão na qual desenvolveremos com maior acuidade no item
subseqüente. Devemos lembrar do fato da produção cafeeira expandir no Brasil – com
maior intensidade na província do Rio de Janeiro e em menor escala em São Paulo – nos
primeiros decênios do século XIX, se tornando o principal produto na pauta de exportação
do país a partir deste período. 48
Apesar dessas ponderações, pouco se pode avançar acerca da hipótese ora
apresentada, a necessidade do cruzamento com outras fontes e até mesmo, uma exploração
mais ampla dos inventários post-mortem dificultam o aprofundamento da conjetura
exposta, ao mesmo tempo, a realização destes procedimentos nos afastaria demasiadamente
dos objetivos traçados na presente pesquisa.

47
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo,
de 1750 a 1850. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p. 138.
48
Idem, passim.
34

Tabela 1.1: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1809-1819)


Proprietários Escravos Proprietários Escravos Média de
FTP
# # % % escravos
1-5 21 56 36,2 9,6 2,6
6-10 21 150 36,2 25,1 7,1
11-19 10 137 17,2 22,9 13,7
Mais de 20 6 253 10,4 42,4 42,1
Total 58 596 100,0 100,0 10,2
Obs.: FTP: Faixa de tamanho de plantel de escravos.
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Tabela 1.2: Estrutura da posse de escravos na Zona da Mata mineira (1820-1830)


Proprietários Escravos Proprietários Escravos Média de
FTP
# # % % escravos
1-5 43 121 41,7 10,8 2,8
6-10 28 183 27,1 16,0 6,5
11-19 14 192 13,5 16,8 13,7
Mais de 20 18 642 17,7 56,4 35,6
Total 103 1138 100,0 100,0 11,0
Obs.: FTP: Faixa de tamanho de plantel de escravos.
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Dando seguimento ao nosso estudo, o quadro apresentado acerca da distribuição da


escravaria inventariada da Zona da Mata nos permite, ainda, estudar o significado da sua
concentração no território. Para tanto, iremos cotejar os resultados expostos com a estrutura
de posse da Capitania mineira e com outras regiões do território colonial como o Rio de
Janeiro e a Bahia (tabela 1.3), cujas populações cativas eram reiteradas em grande parte
pelo tráfico Atlântico.
Os índices calculados por Laird Bergad para Minas Gerais apresentam um padrão
similar em relação ao verificado no tecido social da região da Mata. Nos dados recolhidos
no trabalho do autor percebemos que, entre 1810 e 1819, os pequenos proprietários
representavam 69,7% do total, detendo apenas 29% da escravaria, ao passo que os senhores
mineiros de grande pecúlio representavam somente 13,6%, porém, tinham o controle de
48% da mão-de-obra cativa.
A diferença visível se percebe no terceiro decênio, onde a variação de estrutura de
posse entre os proprietários de maior cabedal se manteve concentrada (46%), registrando,
todavia, uma leve queda, ao contrário da Zona da Mata que, como foi anunciado, obteve
35

um aumento substancial da concentração nos grandes plantéis ao longo da segunda e


terceira décadas do século XIX.
Na capitania fluminense, os números de Manolo Florentino e José R. Góes mostram
também um cenário onde um pequeno grupo concentra a maior parte da propriedade
escrava, dito de outro modo, um terço dos proprietários do Rio de Janeiro eram donos,
simplesmente, de três quartos da escravaria.
Já no Recôncavo baiano, mais especificamente na Vila de São Francisco, os padrões
da distribuição dos escravos se assemelham também a Zona da Mata mineira. Os registros
de Stuart Schwartz demonstram o predomínio dos pequenos lavradores de cana (58,9%)
que, no entanto não se refletia no controle da mão-de-obra escrava (28,9%). Enquanto isso,
o privilegiado grupo de lavradores detentores de plantéis acima de 20 cativos (13,7%),
controlava 35,9% da escravaria.
Por último, podemos citar ainda a distribuição dos cativos nas propriedades da
capitania de São Paulo, apesar de não constar na tabela devido à impossibilidade de
adaptação dos dados. Francisco V. Luna e Herbert Klein, ao destacar importantes regiões
produtoras de açúcar e café como o Vale do Paraíba e o Oeste Paulista, demonstraram que
os proprietários com cinco ou menos cativos compunham a maioria nos anos de 1804 e
1829, entretanto, a parte da escravaria na qual cabia a estes pequenos senhores era apenas
de 29% no primeiro ano, caindo para 22% no segundo. Os grandes proprietários, “com
49
mais de vinte cativos”, eram a minoria, 6% do total em 1829, no entanto, controlavam
uma porção cada vez maior da força de trabalho, “aumentando sua participação de mais de
um quinto do total da mão-de-obra cativa da província em 1804 para 39% em 1829.” 50

49
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. op. cit., p. 150.
50
Idem, Ibidem.
36

Tabela 1.3: Estrutura de posse de escravos nas Capitanias de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Bahia, primeiros decênios do século XIX.
Províncias FTP Proprietários Escravos FTP Proprietários Escravos
Zona da
Grandes
Mata Pequenos
66,0 27,2 (mais 16,4 51,6
minera, (1-9)
de 20)
1809-30
Minas Grandes
Pequenos
Gerais, 69,7 29,0 (mais 13,6 48,6
(1-9)
1810-19 de 20)
Minas Grandes
Pequenos
Gerais, 67,7 27,1 (mais 12,7 46,7
(1-9)
1820-29 de 20)
Rio de Grandes
Pequenos
Janeiro, 41,3 9,5 (mais 32,7 75,4
(1-9)
1810-25 de 20)
Grandes
Bahia ª, Pequenos
58,6 28,9 (mais 13,7 35,9
1816-17 (1-9)
de 20)
Obs.: FTP: Faixa de tamanho de plantel de escravos
(a) Estrutura de posse de escravos entre lavradores de cana na Vila de São Francisco, Paróquia do
Recôncavo baiano.
Fontes: BERGAD, Laird W. op. cit., p. 297.
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 53.
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 365.

Enfim, podemos dizer que embora a propriedade escrava na região da Mata esteve
disseminada, os resultados expostos até o momento apresentam uma estrutura de posse de
escravos concentrada nas mãos de um pequeno grupo de senhores com grande pecúlio,
além desta tendência se apresentar de forma coincidente – salvo algumas diferenças – em
relação a própria capitania mineira de maneira geral e, sobretudo, em relação as principais
regiões integradas ao circuito mercantil Atlântico, ou seja, Rio de Janeiro e Bahia.
Desta forma, para encerramos este item, acreditamos ser muito pertinente citarmos
uma definição de Florentino e Góes acerca da concentração da propriedade escrava na
sociedade fluminense, onde:

...o alto grau de concentração da propriedade escrava revelado coloca-nos não só de


frente a uma sociedade possuidoras de escravos, mas sobretudo diante de uma
sociedade escravista, definida como aquela na qual o principal objetivo da renda
extraída ao trabalhador cativo é a reiteração da diferença sócio-econômico entre a elite
escravocrata e todos os outros homens livres. 51

51
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 55.
37

Quiçá, esta definição pode ser muito bem aplicado ao tecido social da Zona da Mata
mineira oitocentista, em outras palavras, os índices expostos parecem nos mostrar o fato de
estarmos diante de uma sociedade escravista.

Aspectos demográficos da população escrava

Neste item, iremos nos preocupar com o estudo da estrutura demográfica da


escravaria inventariada da referida região. A partir dos resultados a serem expostos,
acreditamos na possibilidade de lançar uma luz acerca do papel do tráfico de escravos na
reiteração de sua principal força de trabalho.
Antes, porém, faz-se necessário expor uma síntese profícua de dados referentes à
população da província de Minas Gerais oitocentista, como também, realizar uma
exposição sumária de registros acerca da Comarca do Rio das Mortes e do Termo de
Barbacena, território cuja jurisdição a Zona da Mata esteve subordinada nos primeiros
decênios do século XIX.
Para tanto, lançaremos mão de dois mapas de populações publicados, em 1837, por
Raimundo José da Cunha Matos. Um deles foi elaborado pelo Barão de Eschwege, no qual
abarca a população total de Minas Gerais no ano de 1821, além de suas respectivas
comarcas (Ouro Preto, Sabará, Rio das Mortes, Serro Frio e Paracatu) e o outro mapa –
referente também à população mineira de 1821 – desenvolvido pelo secretário do governo
da província Luís Maria da Silva Pinto, que além de fazer alusão as comarcas, cita os
termos existentes em Minas no ano referido. Ambos possuem uma divisão populacional
conforme o estatuto jurídico (livres e escravos) e a cor (branco, pardos, mulatos e pretos). 52
Consoante o mapa de Eschwege a população de Minas Gerais em 1821 era de
514.107 habitantes, dos quais os cativos eram responsáveis por um pouco mais de um terço

52
MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia histórica da Província de Minas Gerais (1837). Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. v. 2, pp. 54-64. Para saber melhor
acerca da história dos mapas de população existentes em Minas Gerais veja BERGAD, Laird W. op. cit.
PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São Paulo: FFLCH/USP,
1996. (Doutorado)
38

(35,3%) deste total. 53 A comarca do Rio das Mortes era a mais povoada da província, onde
41,5% ou 213.617 dos habitantes estavam situados nesta região, já o contingente cativo era
de 84.995 pessoas, competindo aos pretos à proporção de 90,2% e aos mulatos,
obviamente, o restante, ou seja, 9,8%.54
Reduzindo a escala, as estatísticas de Silva Pinto nos mostram que o Termo de
Barbacena no ano de 1820 possuía uma população de 21.324 pessoas, cujos escravos
contribuíam com 39% ou 8.334 almas, destes, 93,2% eram pretos.55
Apesar da importância destes registros, percebe-se que quando nos referimos aos
escravos não nos valemos de definições – normalmente utilizada pela historiografia
brasileira56 – para diferenciar o escravo nascido no Brasil (crioulo) do africano. Eis um
problema dos mapas de população apresentados. Segundo Mary Karasch, expressões como
“pardo”, “cabra” e “mulato” são associados normalmente aos crioulos pelo fato de serem de
“nações brasileiras”, embora mantivessem identidades e comunidades tão distintas uma das
outras quanto as nações africanas. Entretanto, o termo “preto”, embora fosse usado com
maior probabilidade em relação aos africanos, não necessariamente estava vinculado
57
somente aos mesmos, mas ocasionalmente aos negros nascidos no Brasil. Se não
levássemos em consideração este detalhe importante, poderíamos nos encontrar diante de
um cadafalso, pois a associação do preto ao africano nos levaria a acreditar numa
representatividade de 93,2% para os escravos residentes no Termo de Barbacena, o que
seria uma proporção altíssima. Sendo assim, os dados dos mapas expostos infelizmente não
são seguros para avaliarmos a representatividade dos crioulos e africanos na população
escrava do território mineiro.58 Não obstante, estes números permitiram a construção de um
panorama geral no qual a Zona da Mata mineira esteve inserida e onde os cativos, tanto na

53
O número total de escravos calculado pelo Barão é de 181.881 almas, sendo os pretos a imensa maioria,
com 160.005 pessoas (87,9%) e os mulatos compondo apenas os 21.876 restantes (12,1%). MATOS,
Raimundo José da Cunha. Op. cit., p. 55.
54
Em números, os pretos compunham 76.691 da mão-de-obra escrava, restando aos mulatos o contingente de
8.304 pessoas. Idem, Ibidem.
55
Idem, p. 59.
56
Veja principalmente BERGAD, Laird W. op. cit., passim.
57
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 37.
58
Os problemas metodológicos inerentes aos mapas de população foram amplamente discutidos pela
historiografia mineira, o que nos dispensa, portanto, de maiores detalhes. Para comentários acerca dos
percalços existentes neste tipo de documento vejam, principalmente, LIBBY, Douglas Cole. Transformação e
trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.
39

província como na comarca e no termo, representavam uma parcela expressiva da


população mineira.
Em face deste cenário, passemos a tecer análises acerca das características
demográficas de 1734 cativos arrolados nos inventários post-mortem. A Idéia é buscar uma
apreensão sistemática evolutiva de sua população escrava ao longo das primeiras décadas
do século XIX, em outras palavras, a intenção é procurar perceber a tendência da estrutura
demográfica dos cativos. A partir disto, será possível termos uma dimensão da forma pela
qual a Zona da Mata reiterou os plantéis de suas unidades produtivas e, sobretudo, se o
tráfico de escravos para Minas Gerais teria atuado como um importante veículo condutor
desta renovação.
Os motivos instigantes os quais nos levam a pensar no papel do comércio de
escravos na reiteração da escravidão na Zona da Mata mineira, entre 1809 e 1830,
sintetizam-se em dois pontos, a saber: 1) Trata-se de um período incomum de
desembarques de africanos no Brasil – mais precisamente no Rio de Janeiro – que teria sido
estimulado, em grande parte, pela abertura dos portos em 1810 e pelo processo de extinção
do tráfico Atlântico na década de 1820, onde se registrou um despejo anual de cerca de
29.000 almas, em média!59 2) A província de Minas Gerais esteve intimamente envolvida
neste processo, como é de conhecimento da historiografia mineira a mesma teria se
destacado como uma das principais importadoras de escravos vendidos na praça mercantil
carioca, absorvendo de 40% a 60% dos cativos remetidos deste local na segunda metade da
década de 1820. 60 Com isso, tentaremos perceber o envolvimento da região da Mata neste
contexto. Um primeiro passo a ser dado nesse sentido é estudar a razão de masculinidade da
escravaria do território em foco.
Conforme Stuart Schwartz, um dos efeitos do tráfico de escravos na estrutura
demográfica de uma determinada população escrava é o desequilíbrio sexual a favor dos

59
Para melhor entender este processo e ter acesso aos dados anuais de desembarque de negreiros no Rio de
Janeiro entre 1790 e 1830 veja FLORENTINO, Manolo. Op. cit., passim.
60
Idem, p.38 e MARTINS, Roberto Borges. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In:
SZMRECSÁNYI, Tamás; e LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da independência ao
império. São Paulo, ed. HUCITEC, 1996, passim.
40

61
homens. Sendo assim, torna-se fundamental começarmos nossas considerações pela a
variação da razão de masculinidade da Zona da Mata, ilustrada na tabela 2.
De imediato, um dado no qual não se pode deixar passar em branco na dita tabela é
o crescimento do contingente cativo inventariado da Zona da Mata. Ao longo da segunda e
terceira décadas do século XIX a população escrava praticamente dobra, passando de 596
no período de 1809-1819 para 1138 almas na fase seguinte.
Visto esta questão, nota-se claramente na tabela dois o predomínio dos homens em
relação às mulheres, onde os primeiros correspondiam a 62,5 da mão-de-obra escrava entre
1809 e 1830. Por sua vez, este domínio dos cativos do sexo masculino se reflete na razão de
masculinidade, cujo índice variou entre 160 e 170 no decorrer do segundo e terceiro
decênio do oitocentos, chegando a 166 quando levamos em conta o recorte temporal como
um todo. Trata-se, portanto, de uma escravaria com um desequilíbrio significativo. A título
de comparação, Herbert Klein e Francisco Luna encontraram para o Vale do Paraíba
paulista uma razão de 168 no ano de 1829. Vale destacar que, esta e outras regiões da
província de São Paulo tiveram uma crescente incorporação de africanos na força de
trabalho, impulsionada, conforme os autores, pelo crescimento da economia de exportação
no início do século XIX, onde o açúcar e o café se destacavam como os principais
produtos.62

Tabela 2: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos inventariados da


Zona da Mata, 1809-1830.
Período Masculino Feminino Total Razão
# % # % # %
1809-1819 367 61,5 229 38,5 596 100 160
1820-1830 717 63,0 421 37,0 1138 100 170
1809-1830 1084 62,5 650 37,5 1734 100 166
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Diante desses dados, como é possível, então, explicarmos o desequilíbrio sexual


verificado na escravaria da Zona da Mata? Analisando a razão de masculinidade segundo a
naturalidade do escravo (tabelas 2.1 e 2.2), quiçá, poderemos lançar uma luz acerca desta
questão.
61
O autor trabalha esta idéia em relação à dependência da Bahia com o tráfico transatlântico de escravos.
SCHWARTZ, Stuart B. Op. cit., pp. 286-290.
62
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. op. cit., pp. 167-168.
41

Manolo Florentino ao estudar a demografia cativa no campo fluminense – região


com forte dependência do tráfico Atlântico – constatou que as razões de masculinidade
entre os africanos tendiam a serem altíssimas. Tomando por base o intervalo de 1810-12 e
1830-32, a superioridade numérica dos homens sobre as mulheres variava numa proporção
de 220/100 a 330/100. 63
Na tabela 2.1 a razão de masculinidade, entre os africanos residentes na região da
Mata, enquadra-se no perfil encontrado por Florentino, com uma variação de 349 a 351 no
decorrer do segundo e terceiro decênio do oitocentos. Em compensação, o contingente
crioulo demonstrou-se muito menos desequilibrado do ponto de vista sexual. De maneira
contundente, a constante razão de 105 expressa ao longo de todo o período, exposto na
tabela 2.2, indica uma escravaria crioula praticamente equilibrada, o que não causa espanto,
pois, segundo Florentino, a razão ente estes escravos jamais foi além de 120/100 ou 1,2/1
nas primeiras décadas do século XIX.64
Assim como Florentino constatou para a área rural fluminense, os índices expostos
demonstram claramente que teriam sido os africanos os protagonistas pelo desequilíbrio
sexual a favor dos homens na Zona da Mata mineira.

Tabela 2.1: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos africanos


inventariados da Zona da Mata, 1809-1830.
Período Masculino Feminino Total Razão
# % # % # %
1809-1819 178 77,7 51 22,3 229 100 349
1820-1830 380 77,8 108 22,2 488 100 351
1809-1830 558 77,8 159 22,2 717 100 350
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

63
Nos dados do autor estas razões estão analisadas como 2,2/1 e 3,3/1. FLORENTINO, Manolo. Op. cit.,
p.58.
64
Idem, Ibidem.
42

Tabela 2.2: Variação da razão de Masculinidade entre os escravos crioulos


inventariados da Zona da Mata, 1809-1830.
Período Masculino Feminino Total Razão
# % # % # %
1809-1819 181 51,4 171 48,6 352 100 105
1820-1830 329 51,4 311 48,6 640 100 105
1809-1830 510 51,4 482 48,6 992 100 105
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Todavia, é fundamental desbravarmos um pouco mais as estatísticas expostas, dessa


forma, evitar-se-á formulações de conclusões precipitadas acerca da estrutura populacional
cativa da Zona da Mata. Com isso, iremos comparar o quadro até o momento apresentado
com outras localidades.
Laird Bergad, a partir do levantamento de inventários, encontrou uma razão de
masculinidade para a Capitania de Minas Gerais oscilando entre 167 e 168 nos anos de
1805-1809 e 1820-1824, similar, portanto, a variação de 160 a 170 encontrada para a região
da Mata entre os anos de 1809 e 1830. 65
No tocante à província fluminense, Florentino e Góes calculam a taxa de
masculinidade – também por meio de inventários – em três momentos distintos, quais
sejam: o primeiro (1790-1807), designado pelos autores de fase B do mercado, que
expressa a fase de estabilidade dos desembarques de africanos no porto carioca; o segundo
(1810-1825), chamado de fase A, referente ao momento de aceleração da oferta de mão-de-
obra e o terceiro intervalo, denominado como o período de crise, situados entre os anos de
1826 e 1830. 66
Levando em conta os dois últimos intervalos, os autores encontraram uma taxa de
masculinidade, entre os africanos, de 72,3% durante a aceleração da oferta e de 65,7% no
período de crise. Na Zona da Mata mineira, a taxa é de 77,7% entre 1809 e 1819,
mantendo-se constante na década subseqüente (77,8%), o que nos mostra, por um lado,
uma taxa semelhante em relação ao Rio de Janeiro no período de aceleração de oferta e por
outro lado, a manutenção deste índice para a região da Mata mesmo num momento de crise,
ao contrário do território fluminense, onde se constatou uma queda na taxa de
masculinidade entre os africanos.

65
BERGAD, Laird W. op. cit., p. 213.
66
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 49.
43

No caso da Bahia, Stuart Schwartz revelou uma razão de masculinidade entre os


escravos de 226 na fase de 1790-1827. Embora exista uma diferença substancial em relação
ao território da Mata (166), o índice entre os africanos baianos (285) é menor comparado
aos africanos matenses (350).67
Não obstante, a estrutura demográfica dos cativos inventariados, do ponto de vista
sexual, apresentou uma tendência semelhante se cotejada a regiões fortemente vinculadas
ao tráfico Atlântico, ou seja, um predomínio elevado dos homens sobre as mulheres no qual
se agravava ainda mais entre os africanos. Fato este, não observado, por exemplo, em
regiões com menor acesso ao mercado de escravos, é o caso de Sergipe de El-Rey na
fronteira norte da Bahia. Segundo Schwartz, esta região apresentava uma baixa razão de
masculinidade (119 entre todos os escravos e 145 entre os africanos), influenciada,
sobretudo, pela alta proporção de escravos nascidos no Brasil.68
Assim sendo, o quadro esboçado até este instante começa a demonstrar pequenos
vestígios da atuação do tráfico de escravos na reiteração dos plantéis da Zona da Mata
mineira, porém, é necessário cautela, ou seja, analisar a razão de masculinidade não é
suficiente para se constatar uma participação efetiva desta prática mercantil.
Em vista destas ponderações, dar-se-á continuidade as metas propostas no presente
trabalho. Para isso, observaremos agora a estrutura etária do contingente cativo na região da
Mata mineira (Tabela 3).
Uma outra influência determinante da empresa escravista no perfil demográfico dos
cativos é a superioridade numérica dos adultos sobre os infantes e os idosos. 69 Na tabela 3
é possível notar que a população economicamente ativa (15-40 anos) compreendia mais da
metade dos mancípios entre os anos de 1809 e 1830 (53,4%), os infantes (0-14 anos)
representavam quase um terço da força de trabalho e os idosos, somente, 14,4%.
Considerando somente os homens, a hegemonia adulta era mais acentuada (56,4%) em
relação às demais faixas etárias, o mesmo não se pode constatar sobre as mulheres, onde
apesar da predominância das adultas, estas contribuíam com menos da metade da mão-de-
obra escrava feminina. Um dado interessante é a expressiva representatividade dos infantes
do sexo feminino (39,7%), demonstrando, assim, que entre as mulheres o abismo entre este

67
SCHWARTZ, Stuart. Op. cit., p. 290.
68
Idem, Ibidem.
69
Veja, por exemplo, GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1990.
44

grupo etário e os adultos não é tão profundo se comparado aos homens. Com o auxílio de
outros registros, doravante, iremos desenvolver melhor este raciocínio.

Tabela 3: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1809-1830
Número Número
Faixa Taxa de Total de
de % de % %
Etária Masculinidade escravos
Homens Mulheres
Infantes
296 27,7 252 39,7 54,0 548 32,2
(0-14)
Adultos
596 56,0 313 49,3 65,5 909 53,4
(15-40)
Idosos
(+ de 174 16,3 69 11,0 71,6 243 14,4
40)
Total 1066 100,0 634 100,0 62,7 1700 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Se analisarmos no decorrer da segunda e terceira década do século XIX (tabelas 3.1


e 3.2) notar-se-á que o perfil apresentado no quadro anterior pouco se alterou, isto é, os
adultos continuam como a principal força, mantendo-se um pouco mais da metade tanto no
período de 1809-1819 (53%) quanto na fase seguinte (53,7%). Quantitativamente, a
mudança mais expressiva se observa nos escravos adultos e nas inocentes, ambos, mais do
que dobraram entre uma década e outra. Enquanto os primeiros passaram de 187 almas para
409 (um crescimento de 218%!), as escravas entre zero e quatorze anos aumentaram de 83
para 169 almas, ou ainda, tiveram um crescimento de 203%.
O registro mais surpreendente observado nas tabelas 3, 3.1 e 3.2, talvez esteja na
elevada taxa de masculinidade entre os idosos, que por sinal, é mais alta em relação aos
adultos. No geral, esta taxa foi de 71,6%, com uma variação significativa da segunda para
terceira década (de 79,3% para 67,3%). Tais constatações, quiçá, podem ser elucidadas por
duas conjeturas: 1) Estes altos índices podem estar relacionados a possíveis sub-registros70
existentes nos inventários ou 2) Num passado não muito longínquo a população cativa da
Zona da Mata, cuja sociedade estava em processo de formação, era mais desequilibrada em

70
Segundo Sérgio O. Nadalin, sub-registros, no jargão da demografia histórica, são aqueles registros que
deveriam ter sido efetivados mas, por razões diversas (como esquecimento, perda, extravio, seleção etc.)
foram perdidos. NADALIN, Sérgio Odilon. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas:
Associação Brasileira de Estudos Populacionais – ABEP, 2004, v. 1, p. 175.
45

relação às primeiras décadas do século XIX, resultando, naturalmente, em altas taxas de


masculinidade que, entre um decênio e outro se apresentou de forma declinante devido,
obviamente, ao desaparecimento gradual destes antigos cativos.
Não obstante, o cenário exposto não esconde o predomínio dos cativos adultos
instalados nas propriedades da Mata, com ênfase para o seu forte crescimento, quantitativo
entre os homens, não esquecendo, no entanto, do incremento registrado entre as cativas
infantes.

Tabela 3.1: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1809-1819
Número Número
Faixa Taxa de Total de
de % de % %
Etária Masculinidade escravos
Homens Mulheres
Infantes
101 28,2 83 37,8 54,8 184 32,0
(0-14)
Adultos
187 52,3 118 53,8 61,3 305 53,0
(15-40)
Idosos
(+ de 69 19,5 18 8,4 79,3 87 15,0
40)
Total 357 100,0 219 100,0 62,0 576 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Tabela 3.2: Distribuição, por idade e sexo, dos cativos inventariados da Zona da Mata,
1820-1830
Número Número
Faixa Taxa de Total de
de % de % %
Etária Masculinidade escravos
Homens Mulheres
Infantes
195 27,5 169 40,7 53,5 364 32,3
(0-14)
Adultos
409 57,6 195 47,0 67,7 604 53,7
(15-40)
Idosos
(+ de 105 14,9 51 12,3 67,3 156 14,0
40)
Total 709 100,0 415 100,0 63,0 1124 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
46

Deste modo, o perfil demográfico constatado entre os cativos, até este momento,
mostra o predomínio dos homens em idade adulta (15-40 anos). Porém, é necessário
desenvolvermos ainda um estudo da distribuição dos africanos e crioulos nas propriedades
da Mata mineira. Eis um caminho no qual poderemos, possivelmente, apresentar um quadro
mais completo e decisivo da escravaria inventaria desta região e onde, também, será
possível perceber seu envolvimento no tráfico de escravos para Minas Gerais.
Na tabela 4, estão dispostos os escravos conforme a naturalidade, o que nos
possibilita obter a variação da razão de africanidade entre os anos de 1809 e 1830. De
imediato, se nota a predominância dos crioulos sobre os africanos (58% contra 42%), na
qual acabou resultando numa razão de africanidade muito baixa, 72,2. Embora o
contingente africano tenha crescido em relação ao crioulo, e por sua vez, tenha elevado a
razão de africanidade (65 para 76,2) entre a segunda e terceira década do oitocentos, os
nascidos no Brasil continuaram sendo a maioria da escravaria residente na Mata mineira.

Tabela 4: Variação da razão de africanidade entre os escravos inventariados da Zona


da Mata, 1809-1830
Período Africanos Crioulos Total Razão
# % # % # %
1809-1819 229 39,5 352 60,5 581 100 65
1820-1830 488 43,3 640 56,7 1128 100 76,2
1809-1830 717 42,0 992 58,0 1709 100 72,2
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Tendo em vista a demonstração anterior do predomínio dos cativos do sexo


masculino em idade adulta, como poderíamos apreender, então, uma variação muito baixa
da razão de africanidade? Tendo como alicerce somente os índices acima poderíamos dizer,
simplesmente, que por um lado, o tráfico de escravos pouco atuou na Zona da Mata
mineira, nos conduzindo, portanto, por outro lado, a idéia na qual a reprodução natural teria
atuado como condutor hegemônico na renovação dos plantéis de Minas Gerais, teoria que
Laird Bergad defende.71

71
BERGAD, Lair W. op. cit., passim.
47

Porém, acreditamos num cenário bem mais complexo ao que foi constatado num
primeiro momento, até mesmo por que os registros acima demonstram um crescimento
quantitativo mais acelerado entre os africanos, ou seja, enquanto estes últimos tiveram um
aumento de 213% os crioulos cresceram 181% no decorrer da segunda e terceira década do
século XIX.Com isso, os dados da tabela quatro não são confiáveis para responder a nossa
questão e acima de tudo, pouco contribuem para uma apreensão mais concreta acerca do
perfil demográfico dos escravos da Mata mineira.
Nesse sentido, o desenvolvimento de uma análise sobre a variação da razão de
africanidade conforme o sexo (tabela 4.1) poderá nos subsidiar na obtenção de um
panorama distinto e amplo em relação ao que foi exposto anteriormente.
Para os cativos do sexo masculino, encontramos uma razão de africanidade de 109
no período de 1809-1830, variando de 98,3 a 115 da segunda para terceira década. Entre as
mulheres se percebe, no geral, uma razão extremamente baixa (33), como uma variação
muito pequena entre um decênio e outro (de 29,8 para 34,7). Fato natural tendo em vista a
lógica demográfica das empresas escravistas, onde o africano do sexo masculino é o mais
cobiçado no mercado Atlântico, o que explica, desta maneira, a pequena presença de
mulheres africanas nas propriedades. 72
Apesar de relativamente baixa – em regiões como a Bahia o índice encontrado foi
de 216 para os anos de 1790 e 182773 – a razão de africanidade entre os homens demonstra
uma situação mais compreensível em relação ao que foi anunciado anteriormente. Mais do
que isto, a evolução dos africanos foi a mais substancial não só em relação aos crioulos,
mas também em relação às africanas e crioulas, passando de 49,6% no período de 1809-
1819 para 53,6% no momento seguinte.
Quantitativamente, podemos dizer que foi entre os africanos onde se registrou o
maior crescimento entre uma década e outra (213%), enquanto os crioulos, as crioulas e as
africanas cresceram respectivamente 181,7%, 181,1% e 211%. Assim, no período de 1809-
1830 encontramos para a Zona da Mata um total de 558 africanos, 510 crioulas, 159
africanas e 482 crioulas.

72
Para entender melhor esta questão veja FLORENTINO, Manolo. Op. cit., pp. 59-60.
73
SCHWARTZ, Stuart B. op. cit., p. 290.
48

Tabela 4.1: Variação da razão de africanidade, por sexo, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830
Período Homens Mulheres Razão
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
1809-
178 49,6 181 50,4 359 100,0 51 23,0 171 77,0 222 100,0 98,3 29,8
1819
1820-
380 53,6 329 46,4 709 100,0 108 25,8 311 74,2 419 100,0 115 34,7
1830
Total
(1809- 558 52,2 510 47,8 1068 100,0 159 24,9 482 75,1 641 100,0 109 33,0
1830)
Obs.: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Apesar da expressiva constatação acerca do crescimento da população africana do


sexo masculino, nossos resultados ainda carecem de sistematizações mais contundentes.
Para tanto, elaboramos a tabela 4.2, onde é possível estudar a razão de africanidade
conforme o sexo e a faixa etária dos cativos. A partir da adoção desta metodologia
acreditamos na possibilidade de obter respostas significativas.
De imediato podemos perceber a alta razão de africanidade entre os cativos do sexo
masculino em idade adulta (208), dito de outro modo, o escravo economicamente ativo de
origem africana representava 67,5% da força de trabalho masculina nas propriedades da
Zona da Mata entre os anos de 1809 e 1830. Além disso, os africanos adultos eram,
quantitativamente, o grupo majoritário entre os escravos, com 400 almas, sendo seguido de
longe pelos crioulos e crioulas infantes (262 e 245 respectivamente).
Fazendo um pequeno parêntese, a alta razão de africanidade verificada entre os
idosos do sexo masculino (236) corrobora para nossa segunda hipótese acerca da alta taxa
de masculinidade dos cativos desta faixa etária74, ou seja, num passado recente, a população
cativa teria possuído uma alta desproporção sexual a favor dos homens de idade mais
avançada (mais de 40 anos) devido, sobretudo, a presença majoritária dos africanos.

74
Ver página 20.
49

Tabela 4.2: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados da
Zona da Mata, 1809-1830
Faixa
Homens Mulheres Razão
etária
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
Infantes
31 10,6 262 89,4 293 100,0 6 2,4 245 97,6 251 100,0 12,0 2,4
(0-14)
Adultos
400 67,5 192 32,5 592 100,0 120 38,9 189 61,1 309 100,0 208 63
(15-40)
Idosos
118 70,2 50 29,8 168 100,0 27 40,9 39 59,1 66 100,0 236 69
(+ de 40)
Total 549 52,1 504 47,9 1053 100,0 153 24,5 473 75,5 626 100,0 109 32
Obs: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

As tabelas 4.3 e 4.4 nos permitem verificar a evolução do quadro esboçado


anteriormente, isto é, o crescimento da população africana adulta na qual teria resultado na
eleva variação da razão de africanidade entre a segunda e a terceira década do século XIX
(de 181 para 222) e um incremento de 233% (de 120 para 280 almas), bem superior se
comparado ao aumento registrado nos crioulos infantes do sexo feminino e masculino,
198% e 191% respectivamente.
Um dado importante e no qual não se pode deixar passar em branco está na presença
dos africanos infantes. Apesar de muito pequeno, este grupo obteve um crescimento entre
uma década e outra. Entre os africanos inocentes o aumento, proporcional, foi de 9% para
11,4%, enquanto as africanas infantes que eram inexistentes no período de 1809-1819,
correspondiam a 3,6% dos escravos do sexo feminino nesta faixa etária no período de
1820-1830.
Por um lado, trata-se de uma evolução pouco relevante, visto a grande diferença
numérica e proporcional frente aos africanos adultos e principalmente em relação aos
crioulos da mesma idade. Por outro lado, a presença dos africanos infantes ganha ênfase se
considerarmos que a historiografia mineira a considera inexistente na população escrava
das Minas oitocentista75 e, sobretudo, pela indicação de Mary Karasch acerca da presença
dos africanos em idade infantil nos desembarques dos negreiros, durante a primeira metade

75
Veja, por exemplo, BERGAD, Laird. op. Cit, passim e PAIVA, Clotilde Andrade, op. cit.
50

do século XIX, no porto do Rio de Janeiro.76 Contudo, como é necessário cuidados ao fazer
tais afirmações, iremos desenvolvê-la melhor quando trabalharmos com a demografia do
tráfico de escravos para Minas Gerais.

Tabela 4.3: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados
da Zona da Mata, 1809-1819
Faixa
Homens Mulheres Razão
etária
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
Infantes
9 9,0 90 91,0 99 100,0 0 - 82 100,0 82 100,0 10 0
(0-14)
Adultos
120 64,5 66 35,5 186 100,0 39 34,3 75 65,7 114 100,0 181 52
(15-40)
Idosos
45 68,0 21 32,0 66 100,0 8 47,0 9 53,0 17 100,0 214 88,8
(+ de 40)
Total 174 49,5 177 50,5 351 100,0 47 22,0 166 78,0 213 100,0 98,3 28,3
Obs: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS

Tabela 4.4: Razão de africanidade, por sexo e faixa etária, dos escravos inventariados
da Zona da Mata, 1820-1830
Faixa
Homens Mulheres Razão
etária
Africanos Crioulos Total Africanos Crioulos Total (a) (b)
# % # % # % # % # % # %
Infantes
22 11,4 172 88,6 194 100,0 6 3,6 163 96,4 169 100,0 12,7 3,6
(0-14)
Adultos
280 69,0 126 31,0 406 100,0 81 41,6 114 58,4 195 100,0 222 71
(15-40)
Idosos
73 71,5 29 28,5 102 100,0 19 38,8 30 61,2 49 100,0 251 63,3
(+ de 40)
Total 375 53,4 327 46,6 702 100,0 106 25,7 307 74,3 413 100,0 114 34,5
Obs: (a) Razão de africanidade entre os homens
(b) Razão de africanidade entre as mulheres
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

76
KARASCH, Mary C. op. cit.
51

Portanto, os resultados obtidos demonstram o quanto a baixa razão de africanidade


verificada na tabela 4 encobre toda uma dinâmica demográfica complexa existente nos
plantéis da Zona da Mata mineira. Tendo em vista estes fatos, podemos, então, buscar
algumas respostas, ainda que provisórias, para a nossa indagação exposta anteriormente.
Primeiro, o fato de existir uma baixa razão de africanidade geral não
necessariamente implica em uma influência restrita do tráfico de escravos na reiteração dos
plantéis. Na Zona da Mata mineira entre 1809 e 1830, o escravo do sexo masculino, em
idade adulta e de origem africana era a tônica nas propriedades desta região, ao contrário do
cenário apresentado por Laird Bergad, onde os crioulos em idade útil (15-40 anos) –
denominado como brasileiros pelo o autor – permaneceriam “mais numerosos do que os
africanos [adultos] em todas as décadas depois de 1790” na província mineira. 77
Sendo assim, é pouco provável que a reprodução natural seja o condutor
hegemônico responsável pela renovação dos escravos nas propriedades da região da Mata,
como acredita Bergad ao defender de forma incisiva a reprodução endógena como
renovador predominante da escravidão nas Minas Gerais oitocentista.
Segundo, a partir das ponderações desenvolvidas por Manolo Florentino e José
Roberto Góes para a província do Rio de Janeiro, é possível obtermos uma explicação
plausível para a ambigüidade entre a baixa razão de africanidade e o alto número de
africanos adultos no território da Mata mineira. Entre os períodos de aceleração da oferta
do tráfico (1810-1825) e de crise (1826-1830) os autores perceberam uma queda na taxa de
africanidade nas grandes propriedades (acima de 20 cativos), e isto estava relacionado ao
fato dos senhores de maior cabedal investirem mais no tráfico interno de mulheres, em
busca de uma “maximização dos potenciais internos de auto-reprodução de sua
78
escravaria”. Para ser mais preciso, os mesmos defendem que a ameaça eminente da
extinção do tráfico Atlântico acarretaria na perda de mulheres (africanas e crioulas) por
parte das propriedades menores (1 a 9 escravos) para os grandes plantéis, entretanto, os
africanos adultos continuavam sendo importados de forma intensa.
Mesmo não tendo desenvolvido uma análise da taxa de africanidade entre os
pequenos e os grandes plantéis, é possível que a Zona da Mata entre a segunda e a terceira

77
BERGAD, Laird. Op. cit., pp. 226-227.
78
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 68.
52

década do oitocentos tenha presenciado – salvo diferenças em relação a província


fluminense – um mercado interno de mulheres cativas, mais do que isto, em meio a esta
conjuntura crítica do tráfico Atlântico, os proprietários residentes nesta região, talvez se
voltaram para uma aquisição mais acentuada de escravas infantes, visando o potencial de
sua fertilidade. Na tabela 4.3 e 4.4, podemos reparar que depois dos africanos adultos, o
grupo de maior crescimento foi justamente o crioulo do sexo feminino na faixa etária de 0 a
14 anos.
Contudo, embora tenhamos certa descrença em relação à teoria categórica de Laird
Bergad, não podemos subestimar a presença da reprodução endógena na Zona da Mata
mineira, o número crescente de crioulos infantes tanto do sexo masculino quanto do
feminino, indica que este fenômeno teve uma função importante, mesmo não sendo
hegemônico. Com uma razão de dependência de 87 79, entre 1809 e 1830 (variando de 86 a
88 durante a segunda e terceira década), o contingente escravo da região matense possuía
boas possibilidades de auto-reprodução, já que, segundo Schwartz, a população cativa com
uma razão variante entre 58 e 72 era incapaz de realizar tal feito.
Portanto, a teoria de Douglas Cole Libby acerca da relação complementar entre o
tráfico de escravos e a reprodução natural na renovação da força de trabalho de Minas
Gerais, quiçá, seja pertinente para o cenário apresentado na região da Mata mineira nos
primeiros decênios do século XIX, pois temos um forte crescimento de africanos adultos
nos plantéis mineiros e, ao mesmo tempo, em um ritmo mais lento, uma presença
importante de crioulos infantes na força de trabalho da região.
Além disso, vale dizer também que a substancial presença de africanos em idade
adulta na Zona da Mata não necessariamente diminuía a capacidade de auto-reprodução dos
escravos, visto o aumento de crioulos infantes entre os escravos inventariados. Tal
constatação contraria desta forma, o cenário encontrado por Herbert Klein e Francisco Luna
no Vale do Paraíba paulista, onde a crescente incorporação de africanos teria enfraquecido
a reprodução natural entre os cativos desta região.80

79
A razão de dependência, segundo Stuart Schwartz, é calculada dividindo pelo número de adultos em idade
produtiva (15-44 anos) o número de indivíduos com menos de quinze anos e mais de 44 anos (Infantes +
Idosos/ Adultos vezes 100). Quanto menor essa razão, maior a probabilidade de haver alta mortalidade entre
os bebês e crianças e baixa expectativa de vida para os adultos, ou seja, menor é a capacidade de uma dada
população cativa se auto-reproduzir. SCHWARTZ, Stuart. Op. cit., p. 296.
80
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. op. cit., p. 169.
53

A origem dos africanos

É fato que a população africana da Zona da Mata mineira cresceu ao longo das
primeiras décadas do século XIX, então, torna-se fundamental sabermos as principais
regiões de origem dos africanos desta região.
Embora a maioria dos registros acerca dos africanos inventariados tenha as regiões
de procedência, não necessariamente tais informações indicam sua verdadeira identidade
étnica. Freqüentemente, os traficantes registravam os ditos conforme a região do porto onde
foram embarcados.81 Deste modo, trabalharemos aqui com a idéia de área de procedência e
não de etnia.
Visto este problema, os resultados a serem expostos neste item nos permitirão
observar mais de perto o envolvimento da Zona da Mata no tráfico de escravos para Minas
Gerais. Para tanto, iremos realizar o cruzamento de registros distintos para percebermos a
tendência das principais regiões de procedência dos africanos existentes nos plantéis da
região da Mata, no tráfico de escravos para Minas Gerais e no tráfico Atlântico entre a
África e o Rio de Janeiro. Nosso primeiro passo será analisar o cenário apresentado no
gráfico dois, onde está exposto a distribuição das regiões de origem dos africanos
inventariados na Zona da Mata e sua evolução ao longo da segunda e terceira década do
oitocentos.
A primeira constatação apresentada pelo gráfico dois é a hegemonia da África
Central Atlântica enquanto principal área de procedência dos africanos residentes na região
da Mata. Entre os anos de 1809 e 1830, 93,8% vinham deste território, com ênfase para
Angola, Congo e Benguela. Embora tenha registrado uma pequena redução proporcional
entre uma década de outra (96,2% para 92,7%), em termos absolutos os cativos oriundos
desta região africana mais do que dobraram (de 207 para 446 almas), com um elevadíssimo
aumento de 215%!82
A segunda área mais freqüente identificada nos inventários post-mortem é África
Oriental, leia-se Moçambique, com 3,6% dos escravos africanos originados deste espaço.
De quase inexistente nos anos de 1809 a 1819 (1,1%) passaram a representar 4,7% na

81
Veja, por exemplo, KARASCH, Mary C. op. cit., capítulo I.
82
Veja anexo um.
54

década seguinte, ultrapassando inclusive os cativos da África Ocidental, cuja influência se


manteve praticamente reduzida (de 2,7% para 2,6%). 83

Gráfico 2: Flutuações (%) da participação das áreas de


procedência dos africanos inventariados da Zona da
Mata, 1809-1830
100 96,2
92,7 93,8

90
80
70
60
50
%

40
30
20
10 2,7 2,6 4,7 2,6 3,6
1,1
0
1809-1819 1820-1830 1809-1830

África Ocidental África Central Atlântica África Oriental


Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Podemos começar a enriquecer este cenário, com o cruzamento das principais áreas
de origem dos africanos despachados da praça mercantil carioca para a Província de Minas
Gerais. A partir dos registros alfandegários (fontes que serão devidamente apresentadas no
capítulo seguinte) poder-se-á perceber a possibilidade de uma coincidência entre a
tendência das regiões de origem dos cativos do tráfico para Minas Gerais e os residentes na
Mata mineira (gráfico 2.1).
Embora o desequilíbrio seja menos acentuado em relação ao que foi constatado no
gráfico anterior, percebe-se também o predomínio dos escravos oriundos da África Central
Atlântica. Dos cativos onde foi possível detectar este tipo de informação, 70,2% vieram
desta região, variando de 85,4% a 68,3% no período de 1809-1819 e de 1820-1830.
Contudo, o registro mais interessante deste gráfico ficou por conta da importância
expressiva adquirida pela África Oriental, de uma participação ínfima (4,5%) entre 1809 e

83
As regiões da África Ocidental identificada nos inventários são a Costa da Mina e Nagô. Anexo um.
55

1819, os cativos, com origem registrada, desta região passaram a representar 23,7% do
tráfico para Minas entre 1820 e 1830. Os principais territórios da costa índica, matriculados
nos despachos são, em ordem de freqüência, Moçambique, Inhambane e Quilimane. 84

Gráfico 2.1: Flutuações (%) da participação das áreas


de procedência dos africanos despachados para Minas
Gerais, 1809-1830
100
90 85,4

80
68,3 70,2
70
60
50
%

40
30 23,7 21,6
20
10,1 8 8,2
10 4,5

0
1809-1819 1820-1830 1809-1830

África Ocidental África Central Atlântica África Oriental


Fonte: Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Mesmo com algumas variações, a tendência apresentada nos inventários da Mata e


no tráfico mineiro no período de 1809-1830 é, de forma geral, a mesma, ou seja, o
predomínio das áreas da África Central Atlântica, a participação ascendente da costa
oriental, ainda que tímida, mas crescente na Mata e o declínio dos escravos que vieram da
África Ocidental. Pelo exposto, é provável, então, que quase todos os africanos residentes
na Zona da Mata foram enviados do Rio de Janeiro via tráfico.
Todavia, antes de fazermos qualquer conclusão, este panorama torna-se mais
instigante quando cruzamos os dois últimos gráficos com o seguinte (gráfico 2.2), onde é
possível observar as flutuações da procedência dos navios negreiros aportados no Rio de
Janeiro entre 1795 e 1830.

84
Veja anexo 1.1.
56

Nota-se de imediato que as principais áreas de procedência dos africanos da Zona da


Mata e dos remetidos para Minas Gerais são as mesmas do tráfico Atlântico, mais do que
isto, as flutuações são similares, ou seja, a África Central se mantém hegemônica, a região
índica cresce e a Ocidental decresce. Abrindo um parêntese, percebe-se o quão é
impressionante a flutuação similar da participação da África Oriental no tráfico para Minas
Gerais e no Atlântico (enquanto no primeiro o índice de orientais chegou a 23,7% entre
1820 e 1830 no segundo esta proporção alcançou 19,9% nos anos de 1811 a 1830).
Interessante observar também, o rápido reflexo do crescimento das importações de
africanos da costa índica no mercado de escravos entre o Rio de Janeiro e Minas. Quiçá,
esta constatação seja uma boa contribuição para a hipótese de Manolo Florentino acerca da
possibilidade da reexportação, sobretudo para Minas Gerais, de boa parte dos recém-
chegados moçambicanos ao porto do Rio de Janeiro.85
Com isso, afora o fato da África Central permanecer como principal área de
procedência tanto dos africanos estabelecidos na Zona da Mata, quanto dos envolvidos no
tráfico mineiro e Atlântico, as oscilações registradas na África Ocidental e Oriental podem
ser compreendidas pelos seguintes fatores: 1) A queda da influência dos territórios
africanos ao norte do Equador teria sido o reflexo, segundo Florentino, dos resultados
práticos acerca da concordância do governo português em proibir o tráfico nesta localidade
a partir de 1815, seguindo, assim, as diretrizes impostas pelo Congresso de Viena e 2) o
crescimento expressivo da participação da costa oriental africana estaria diretamente ligado
à abertura comercial brasileira depois de 1810, que segundo o autor, foi determinante para o
envolvimento mais intenso desta área no abastecimento de escravos no Rio de Janeiro. 86

85
FLORENTINO, Manolo. Slave Trade between Mozambique and the Port of Rio de Janeiro. c. 1790-c.
1850, Demographic, Social and Economic Aspects, pp. 71-72. In: ZIMBA, Benigna; ALPERS, Edward e
ISAACMAN, Allen (orgs.). Slave Routes and Oral Tradition in Southeastern África. Maputo, Mozambique:
Filsom Entertainment, Lda., 2005, p. 73.
86
Idem, pp.63-90.
57

Gráfico 2.2: Flutuações (%) da participação das áreas


de procedência dos negreiros aportados no Rio de
Janeiro, 1795-1830
100 92,7
90 82
78,6
80
70
60
50
%

40
30
19,9
20 16,1

10 3,2 4,1
1,5 2,9
0
1795-1811 1811-1830 1795-1830

África Ocidental África Central Atlântica África Oriental


Fonte: FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 234.

Então, o quadro esboçado até o momento demonstra que boa parte dos africanos
estabelecidos na Zona da Mata, entre 1809 e 1830, saiu das áreas situadas na África Central
Atlântica, desembarcando, posteriormente, no porto do Rio de Janeiro e se deslocando, num
terceiro momento, por meio de tropas, pelas encruzilhadas dos caminhos terrestres,
chegando finalmente ao território mineiro. Assim, frente a esta situação acreditamos ser
pertinente conhecermos um pouco das características gerais do lado da oferta, ou seja, da
face do palco principal de origem dos cativos importados.
De forma geral, a área correspondente à África Central era normalmente dividida
em três principais regiões no século XIX: Congo Norte (Cabinda), Angola e Benguela. A
primeira região importante que no oitocentos era conhecida como Congo Norte tinha como
fronteira a área do cabo Lopes até a foz do rio Zaire (Congo). Os traficantes do Rio de
Janeiro adquiriam, algumas vezes, escravos de toda a costa do Congo Norte e embarcavam
58

os ditos como uma única carga. Um dado interessante é que quando chegava ao território
brasileiro essa gente era nomeada de cabinda. 87
Cabinda, consoante Mary Karash, era um importante porto do tráfico de escravos no
norte do rio Zaire, deste modo, muitos escravos eram conhecidos como cabinda devido ao
fato de serem exportados por esse porto. A denominação cabinda era utilizada pelos
traficantes cariocas como base para suas operações mercantis em toda a costa ao norte do
cabo Lopes e para as conexões com o mercado do rio Zaire, como Ponto de Lenha e
Boma.88
Integrados ao Congo do Norte estavam também os congos, uma das nações mais
numerosas da cidade. Porém, identificar um congo é muito complicado. Os conhecidos
como congos no Rio eram, às vezes, os bacongos do Norte de Angola e Sul do Zaire, no
entanto, outros diversos grupos étnicos, além do citado, eram chamados de congos. Uma
outra informação sobre essa região é que conforme o costume do tráfico, qualquer sujeito
exportado pelos mercados ligados à vasta rede comercial do rio Zaire e seus tributários era
um congo. No território brasileiro os cativos advindos do congo eram, na perspectiva dos
senhores, alguns dos melhores escravos devido a sua habilidade na agricultura, em artes e
ofícios, além dos afazeres domésticos. 89
No que se refere à região de Angola, o tráfico de escravos atuava geralmente no
território central controlado pelos portugueses da Angola moderna, sobretudo, em Luanda,
sua capital colonial e seu interior, o vale do rio Cuanza, e a região entre esse rio e Caçange.
Assim, os angolanos vinham de uma área mais restrita em relação aos congos, mas ainda
assim compreendiam numerosos grupos étnicos. Os angolanos também tinham imagens
positivas frente aos seus senhores, pois não se revoltavam como os minas, além de possuir
boa condição física e habilidades para trabalhos mecânicos e especializados. A velha
conexão de Angola com o Rio de Janeiro, estabelecida ao longo de séculos de tráfico de
escravos, acabou colaborando para o fato dos grupos étnicos específicos da Angola
Moderna ser bem mais conhecidos na cidade carioca em relação aos grupos de outras
regiões africanas.90

87
KARASCH, Mary C. op. cit., pp. 50-51.
88
Idem, p. 51.
89
Idem, pp. 54-55.
90
KARASCH, Mary C. op. cit., pp. 55-56.
59

Por fim, um outro grupo de escravos importados em grande quantidade pelos


traficantes cariocas é os de nação definida no Rio como benguela do Sul de Angola. O
nome vinha do porto de Benguela, centro de tráfico de escravos mais importantes do Sul de
Angola. Muitos escravos exportados de Benguela eram remetidos para a costa de caravanas
de ovimbundos do planalto do Sul de Angola.91
Vale adicionar também, que entre Luanda e Benguela existia uma ativo tráfico de
escravos marcado pela antigas ligações – desde meados do século XVIII – entre os
mercadores das duas localidades, sendo que os de Luanda investiam consistentemente em
92
Benguela. Uma outra informação interessante é a presença de mercadores nascidos no
Brasil que atuavam em Benguela e no Presídio de Novo Redondo, situado entre esta região
e Luanda. Roquinaldo Ferreira destaca que, para o estabelecimento no tráfico de escravos
no interior destes territórios, estes negociantes criavam laços familiares com os africanos.
José Antônio Carvalho, por exemplo, morava no Rio de Janeiro, mudou-se para a Benguela
e eventualmente tinha se estabelecido em Galangue em 1789, onde teve dois filhos com
uma mulher africana. 93
Eis assim, uma apresentação sumária das regiões que fazem parte da África Central
Atlântica, cujos cativos integravam mais de 90% dos africanos estabelecidos na Zona da
Mata mineira. Portanto, acreditamos que a percepção da tendência similar entre as áreas de
procedência dos africanos da Mata mineira, do tráfico de escravos para Minas Gerais e do
comércio Atlântico vem a contribuir, significativamente, para a hipótese defendida neste
trabalho: a importância desta prática econômica na reiteração da escravidão nas
propriedades da Zona da Mata mineira.

91
KARASCH, Mary C. op. cit., p. 57.
92
FERREIRA, Roquinaldo. “Transforming Atlantic Slaving: Trade, warfare and territorial control in Angola,
1650-1800.” Los Angeles: University of Califórnia, 2003, pp. 123-124. (Tese de doutorado). Em meados do
século XVIII, os mercadores de Luanda chegaram a levar 3000 escravos de benguela para a primeira
localidade.
93
Idem, p. 132.
60

Arranjos familiares entre os cativos matenses

O cenário esboçado até o momento mostrou que na Zona da Mata mineira a


população cativa esteve disseminada no tecido social, e, ao mesmo tempo, concentrada nas
grandes unidades produtivas. Observamos, principalmente, que a população africana em
idade adulta obteve o maior crescimento entre o período de 1809-1819 e 1820-1830.
Para encerramos, resta-nos então tecer considerações acerca da sociabilidade do
cativo, em outras palavras, para além de uma mercadoria ou força de trabalho, focalizar-se-
á o escravo enquanto agente social, um individuo que apesar dos embaraços do cativeiro
era capaz de negociar e estabelecer laços familiares. 94
Pois bem, sabendo das limitações dos inventários post-mortem para o estudo da
família escrava95, tentaremos esclarecer sobre os grupos de parentescos existentes entre os
cativos inventariados da região da Mata nos anos de 1809 a 1830. A idéia é traçar um
quadro dos arranjos familiares em meio a uma incorporação crescente de estrangeiros e
simultaneamente, a um incremento da população endógena. Para tanto, arrolamos 341
cativos dos plantéis do território em foco, ou ainda, estamos lhe dando com um universo
aproximado de 20% da população escrava inventariada que possuía algum tipo de
parentesco.
Em linhas gerais, identificamos nos inventários o que Manolo Florentino e José
Roberto Góes chamam de arranjo familiar primário, isto é, grupos formados por casais
legalmente constituídos, com ou sem filhos, denominados de nucleares e os compostos
apenas pelas mães e seus rebentos, as matrifocais. Conforme os autores, este tipo de relação
parental, na Capitania fluminense, “nunca conformou menos de 95% das famílias ou total
de parentes capturados pelos inventários” entre fins dos setecentos e início do século
XIX.96 Na Mata mineira este grupo representava 100% dos escravos aparentados
registrados nos inventários, porém, isso não necessariamente implica a ausência de outros
arranjos familiares, daí a importância dos registros de batismos para um estudo mais
sistemático e aprofundado da família escrava.

94
Uma análise bem sintetizada desta tendência historiográfica contemporânea pode ser vista em
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit. Capítulo 1.
95
Para um estudo mais sistemático e amplo acerca da família escrava seria necessário também o manejo de
fundos documentais como os registros de batismo. Idem, passsim.
96
Idem, p. 140.
61

Não obstante, isso não nos impede de conhecer a distribuição dos tipos de arranjos
familiares primários entre os escravos residentes na referida região nos anos de 1809 e
1830.
Num primeiro instante, podemos constatar que a cada dez cativos aparentados, oito
estão vinculados às famílias nucleares sem filhos, o restante está dividido entre as nucleares
com filhos (7,3%) e as matrifocais (9,7%). Considerando somente estes dois últimos
grupos, notamos que a maioria dos rebentos, aparentados, conviviam apenas com a mãe, o
que nos faz pensar na possibilidade de boa parte dos cativos da região da Mata nascerem
sob a ilegitimidade.
Florentino e Góes analisaram a distribuição dos escravos aparentados – também
com base em inventários – conforme as flutuações do tráfico Atlântico. No período de
estabilidade dos desembarques de africanos (1797-1807), as famílias cativas da região
fluminense eram majoritariamente nucleares (com ou sem filhos), nas fases de expansão
(1810-1825) e crise da oferta (1826-1830) se registrou uma inversão de papéis, ou seja, as
matrifocais tomariam a hegemonia das nucleares.97 Tomando por base os dois últimos
períodos, o padrão registrado nos inventários da Mata mineira foi distinto. Tanto no
momento de expansão quanto no de crise, as famílias nucleares sem filhos foram
predominantes, mesmo num momento em que se constatou – ainda que em menor grau
comparado ao agro-fluminense – um fluxo crescente de africanos nas propriedades da
região em questão.
Eis um problema constatado diante da situação ora apresentada. Se for verdade que
a família nuclear sem filhos imperava entre os cativos aparentados, como explicar, então, o
registro que fizemos acerca do crescimento dos crioulos infantes nas propriedades da
região?98 Um caminho para entender este aparente paradoxo seria questionar o aumento da
população crioula apontada neste trabalho, entretanto, os inventários, por si só, não nos
permite realizar tal feito, o que nos faz novamente apontar para a importância do
cruzamento com os registros de batismo.

97
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., pp-143-144.
98
No item sobre aspectos demográficos da população escrava demonstramos que os crioulos infantes do sexo
masculino e feminino cresceram, respectivamente, 198% e 191%. Ver p. 36.
62

Gráfico 3: Tipos de arranjo de grupos familiares


primários de escravos (1809-1830)
100

90 83
80

70

60

50

40

30

20
9,7
10 7,3

Nuclear sem filhos Nuclear com filhos Matrifocal


Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.

Partindo para os arranjos familiares conforme os plantéis, o quadro tem alterações


importantes, mas sem o registro de mudanças categóricas, como podemos observar nos
gráfico 3.1; 3.2 e 3.3.
A começar pelos plantéis com menos de 10 escravos, onde, mesmo com a liderança
das nucleares sem filhos (61,2%), as matrifocais tiveram uma substancial
representatividade, ou seja, quase 30% dos cativos aparentados estiveram neste grupo,
enquanto nos plantéis médios e grandes este índice não passaria dos 6%. A maior diferença,
talvez, esteja nos plantéis médios (10-19 cativos), com a maior presença das nucleares com
filhos (12,5%) em relação as matrifocais, que por sinal registrou a menor representatividade
entre todos os plantéis (4%). Já nos grandes plantéis, as nucleares sem filhos eram
praticamente absolutas, 9 entre 10 escravos com laço familiar estavam neste grupo,
restando as matrifocais e nucleares com filhos um papel ínfimo nas propriedades dos
grandes senhores. Estes resultados, aparentemente, nos levam a pensar numa ilegitimidade
mais acentuada nos plantéis menores em relação aos médios e grandes, entretanto, é preciso
analisar a situação de forma atenta.
63

Embora o panorama apresentado por Florentino e Góes, para o caso do Rio de


Janeiro, seja distinto, onde tanto nas pequenas quanto nas grandes propriedades as famílias
matrifocais predominavam, podemos extrair um dado importante no qual permitirá uma
compreensão da paisagem exposta pelos inventários da Zona da Mata.
Se tomarmos como referência os momentos de aceleração e crise da oferta de
africanos, as famílias nucleares permaneceram majoritárias nos grandes plantéis durante a
primeira fase, sendo ultrapassada pelas matrifocais somente na fase crítica (1826-1830), ao
contrário dos pequenos plantéis, cujas famílias deste último grupo já imperavam entre os
anos de 1810-1825.99 Segundo os autores, em meio a um despejo de africanos sem
precedentes devido ao processo de extinção do tráfico Atlântico, a explicação plausível
para esta situação residia “na maior facilidade que tinham os pequenos escravistas em
vender seus cativos, dada à elevação do preço destes. Assim, estes números podem indicar
a maior incidência de destruição da família escrava”.100
Mesmo com predomínio das famílias nucleares nas pequenas propriedades da Mata
mineira, a representatividade expressiva das matrifocais nestes plantéis, poderia ser, em
menor intensidade, o reflexo da conjuntura conturbada do tráfico Atlântico no Brasil, com
pressões da Inglaterra para a supressão do mesmo no final da década de 1820 e a
conseqüente elevação do preço dos cativos.101 Sendo assim, em vez da ilegitimidade
teríamos, então, uma situação germinal, onde os pequenos senhores teriam facilidades
maiores em dispor por um bom preço os seus cativos, o que teria acarretado numa
dissipação gradual dos arranjos nucleares.
Esta situação pode ser ilustrada num caso interessante que encontramos no
inventário post-mortem de Bento Antônio Rolim, falecido em 1826. Residente no Arraial
de Rio Preto e casado com Francisca Rosa da Cunha, Rolim era dono de um plantel com
seis escravos, todos de uma só família, cuja principal representante era a escrava Anna de
35 anos, originária da Costa da Mina. Todos os demais eram filhos desta cativa, são eles:
Pedro Cabra de doze anos, Simião Pardo de dez anos, Júlia Crioula de sete anos, Antônio
Mulato de seis anos e Manoel Crioulo de dois anos.102 Como não temos disponíveis outras

99
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit, p. 145.
100
Idem, p. 146.
101
Tal conjuntura será mais bem elucidada no capítulo seguinte.
102
Inventário post-mortem de Bento Antônio Rolim – AHMPAS - 2º vara civil - cx. 167 - ordem, 12.
64

fontes, não foi possível recuperar o pai destas crianças, mesmo assim, acreditamos que este
caso talvez se enquadre na situação posta em questão, ou seja, a possibilidade do senhor
Rolim, dono de um pequeno plantel, ter colocado a figura paterna no mercado tendo em
vista a alta dos preços dos cativos.

Gráfico 3.1: Tipos de arranjo de grupos familiares


primários dos escravos em plantéis com menos de 10
cativos (1809-1830)
100
90
80
70
61,2
60
Porcentagem

50
40
29
30
20
9,8
10
0
Nuclear sem filhos Nuclear com filhos Matrifocal

Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS


65

Gráfico 3.2: Tipo de arranjo de grupos familiares


primários dos escravos em plantéis de 10 a 19 cativos
(1809-1830)
100
90 83,5
80
70
60
Porcentagem

50
40
30
20 12,5
10 4
0

Nuclear sem filhos Nuclear com filhos Matrifocal

Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS

Gráfico 3.3: Tipos de arranjo de grupos familiares


primários dos escravos em plantéis com mais de 20
cativos (1809-1830)
100
90,6
90
80
70
60
Porcentagem

50
40
30
20
10 3,6 5,8

0
Nuclear sem filhos Nuclear com filhos Matrifocal

Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS


66

Assim, em que se pesem os limites dos inventários post-mortem para este tipo de
estudo, foi possível desenvolvermos uma apresentação sumária dos principais arranjos
familiares dos cativos residentes na Zona da Mata mineira nos anos de 1809 a 1830. Apesar
da distribuição imperfeita dos sexos, as relações familiares no cativeiro mostraram-se
atuante, contrariando assim, idéias que outrora julgavam a escravidão uma “forma de
organização social de efeitos tão deletérios e reificadores sobre os escravos que fazia
viger, nas senzalas, a anomia (isto é, ausência de leis, de normas ou de regras de
organização) e a promiscuidade”. 103
Para além, a percepção dos efeitos do tráfico de escravos na configuração das
famílias atuou como subsídio para a nossa hipótese acerca da atuação desta prática
mercantil na Zona da Mata mineira. Portanto, para encerrarmos o capítulo – mas não a idéia
– podemos dizer que: a disseminação e, ao mesmo tempo, a concentração da propriedade
escrava no tecido social da região, a hegemonia dos homens em idade adulta e de origem
africana,104sendo em sua a maioria procedentes da África Central Atlântica e, por último,
como acabamos de anunciar, a presença significativa das famílias matrifocais nos pequenos
plantéis mostram que o tráfico de escravos para Minas Gerais assumiu um papel
imprescindível na reiteração da força de trabalho na Zona da Mata mineira nos anos de
1809 a 1830. Acrescente-se ainda que, ao longo de todo o capítulo procuramos demonstrar
que esta configuração teria acompanhado, apesar das diferenças econômicas e sociais, a
tendência de regiões como o Rio de Janeiro, Bahia e até mesmo São Paulo, cujas
populações escravas foram, em sua grande maioria, formadas por intermédio do tráfico de
escravos.
Entretanto, sabemos que autores importantes da historiografia mineira, como Laird
Bergad, acreditam na pouca relevância do tráfico de escravos para Minas Gerais no século
XIX, o que comprometeria, completamente, toda a pesquisa desenvolvida, pois segundo
este próprio autor não existiriam fontes as quais pudessem comprovar uma atuação
expressiva deste comércio na província mineira.105 Para a nossa sorte, nos capítulos
subseqüentes poderemos estudar – a partir de fontes alfandegárias – bem de perto a atuação
de Minas Gerais no mercado de cativos da praça mercantil do Rio de Janeiro, centro

103
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 27.
104
Além do fato dos africanos registrarem o maior crescimento em relação as outras faixas etárias (233%).
105
BERGAD, Laird W. op. cit., passim.
67

econômico da colônia e depois do império, cujo porto recebia a maioria dos navios
negreiros que chegavam da África abarrotados de almas.
68

Capítulo 2 – Minas Gerais e a redistribuição de cativos na praça mercantil do Rio de


Janeiro, 1809-1830

Começaremos nossa segunda parte do trabalho com um questionamento baseado no


que foi apresentado no capítulo anterior, qual seja: se na Zona da Mata mineira
conseguimos perceber indícios importantes da atuação do tráfico de escravos no
crescimento da população cativa, como entender, então, que este comércio em Minas
Gerais teve pouca importância no século XIX devido à auto-suficiência de sua população
escrava em repor a força de trabalho nas propriedades mineiras? Acreditamos que um
estudo pormenorizado do mercado de escravos no Rio de Janeiro possa vir a contribuir para
a compreensão deste questionamento, pelo menos para os primeiros decênios do século
XIX.
Contudo, como foi dito na introdução deste trabalho, iremos, previamente,
desenvolver um diálogo metodológico com os passaportes e despachos de escravos antes de
interagirmos com a questão acima. Por mais que possa parecer enfadonha essa intenção, a
realização desse procedimento com os códices 390, 421, 424 e 425 é fundamental para a
utilização dos mesmos, pois se trata de um fundo documental não muito conhecido na
historiografia mineira e brasileira e que, portanto, merece muitos cuidados antes de sua
utilização para a pesquisa histórica.

Sobre o conteúdo dos códices

Podemos dizer, então, que a necessidade da construção de um diálogo com as fontes


reside em duas questões cruciais, a saber: 1) a presença constante de sub-registros
identificados no calor da pesquisa e 2) pelas informações preciosas fornecidas por João
Fragoso e Roberto Ferreira acerca das armadilhas que identificaram no desenrolar do
trabalho, cuja finalidade foi apontar os caminhos possíveis para a pesquisa com os códices
no Banco dados do IPEA, e, principalmente, alertar os futuros pesquisadores para as ciladas
existentes em tais fontes. 106

106
Dentre os trabalhos que os autores publicaram sobre os caminhos possíveis desta documentação e de seus
perigos, vejam FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto Guedes. Alegrias e Artimanhas de uma fonte
69

Sendo assim, devemos, primeiramente, apreendermos o que são passaportes e


despachos, documentos os quais a Intendência de Polícia da Corte emitia na primeira
metade do oitocentos. Posteriormente, far-se-á uma apresentação sucinta, mas profícua dos
perfis da documentação pesquisada, buscando sublinhar as características gerais de cada
códice,
Diante destes comentários, podemos dizer que passaportes, segundo Fragoso e
Ferreira, são registros que informam a saída do viajante da Corte carioca em direção as
regiões do interior e do litoral da Colônia, principalmente na porção sul da costa do país.
Dentre os vários registros está o destino do viajante, a data de sua partida e, sobretudo,
aspectos referentes à cor/condição social do viajante (pardo forro, preto forro, por
exemplo), naturalidade, moradia, ocupação e etc.107 Como exemplos de passaportes, temos:

a) “João Fernandes natural e morador de Minas Gerais de idade de 16 anos que


vive de tropa estatura menos da ordinária rosto comprido sem barba sobrancelhas
delgadas parte para Minas pela Paraibuna foi reconhecido por Francisco Antônio da
Gama.”·

b) “José Alexandre de Castro natural e morador de Minas Gerais de idade de 30


anos que vive de negócio solteiro estatura ordinária rosto redondo olhos e nariz grandes
bastante barba sobrancelhas delgadas parte para Minas pela Paraibuna com 1 camarada
e dois escravos que trouxera foi reconhecido por Francisco Antonio da Gama.”108

Além das informações sobre os viajantes, os passaportes também fornecem, em


determinados momentos, dados relativos aos camaradas e escravos. No segundo exemplo
exposto temos o caso do negociante José Alexandre de Castro que parte para Minas Gerais
no dia 10 de outubro de 1809 com um camarada e dois escravos, provavelmente de sua
propriedade, que o acompanhara até a cidade do Rio de Janeiro. 109 Finalmente, os viajantes

seriada, despacho de escravos e passaportes da Intendência de Polícia da Corte, 1819-1833. Seminário de


Historia Quantitativa e serial no Brasil: um balanço. Ouro Preto: ANPUH-MG, 2001, pp. 239-278.
107
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto Guedes. Tráfico de escravos, mercadores e fianças, dois bancos
de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em
História Social (LIPHIS): UFRJ, S/D. As reflexões subseqüentes estarão alicerçadas nesta referência.
108
Códice 421, vol. 1, p. 126, registro 711.
109
Nos passaportes é possível encontrar também descrições sociais e físicas dos escravos e camaradas
similares às informações dos viajantes. Ver FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 13.
70

eram abonados ou reconhecidos por outras pessoas, no caso do nosso negociante quem o
reconheceu foi Francisco Antônio da Gama. 110
No tocante ao despacho de escravos, as informações acerca dos viajantes não estão
registradas com os mesmos detalhes em relação aos passaportes. Tal documento tem em
seu conteúdo as remessas de cativos para diversas localidades, principalmente para as
regiões do centro-sul, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
No entanto, Fragoso e Ferreira alertam para o fato de que “nem sempre há precisão se o
despachador viaja junto com os cativos ou apenas os remetem” ·
As informações mais freqüentes nos despachos de escravos são referentes às
descrições físicas dos cativos, a origem, idade e cor, se for africano indica também a
procedência (Cassange, Congo e Angola, por exemplo). Além disso, Fragoso e Ferreira
afirmam que os nomes dos vendedores, proprietários e compradores de mancípios podem
constar também nos despachos. Assim, dentre os inúmeros exemplos de despachos de
cativos, temos:

a) “Termo que assina Lourenço Pereira dos Santos de como recebeu o atestado
com que João José despachou para Minas 6 escravos novos comprados a Joaquim Rabelo,
Francisco Antonio de Mendonça e Francisco Correia Garcia e uma escrava ladino de
nome Rosa Rebola comprada a Pedro Martins Duarte e eu Valeriano José Pinto o
escrevi.” 111

b) “Silvério Pedrosa Ferreira remete para Minas pela Paraibuna onze escravos
novos dos quais pagou os reais direitos constante da guia que apresentou, e assinou
Francisco Antonio da Gama.” 112

Apesar da nítida diferença entre os passaportes e despachos, João Fragoso e Roberto


Ferreira alertam que remeter escravos não era prerrogativa dos despachos, ou seja, nos
passaportes podem ser identificados também remessas de escravos, inclusive de recém-
chegados, como pode ser constatado no segundo exemplo retirado do códice 421, onde a
maioria dos registros está voltada para os passaportes. Esta incidência de envios de
escravos nos passaportes, segundo os autores, poderia ser uma indicação da não

110
No tocante aos abonadores ou fiadores é possível retirar em alguns casos informações de mesma natureza
do viajante. FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 12.
111
Códice 424, vol. 1, p. 12, s/r.
112
Códice 421, vol. 1, p. 347, registro 1807.
71

especialização da Intendência de Polícia da Corte em emitir despachos de escravos até num


determinado momento. Devemos enfatizar que esta evidência será muito importante para as
reflexões subseqüentes deste capítulo. Por hora, mencionaremos um pouco das
características gerais dos códices 390, 421, 424 e 425 e suas diferenças.113 Na tabela 5 é
possível verificar as disposições gerais da documentação em foco.
Observamos, primeiramente, que os passaportes e os despachos de escravos podem
estar incluídos no mesmo códice, como é o caso do códice 421 e 425, além disso, tais
registros encontram-se, em certas ocasiões, em um mesmo volume de um mesmo códice,
segundo Fragoso e Ferreira.114 Quanto aos códices 390 e 424 são os únicos destinados
praticamente de forma exclusiva aos despachos de cativos.
Dentre as atribuições do códice 390, pode-se afirmar que é o único onde se
encontram os escravos marinheiros, por estar voltado exclusivamente para as áreas
portuárias ao Sul da Corte como Parati, Santos e também os portos do Rio Grande do Sul.
Além disso, este códice apresenta algumas lacunas em relação aos dados do sujeito
responsável pelos despachos (condição civil, por exemplo) apresentando, ocasionalmente,
título e profissão. Ainda sobre os escravos, eventualmente, é possível extrair informações
acerca da sua cor e idade, sendo mais freqüente registros de sua naturalidade e procedência
caso fosse africano. Por fim, vale lembrar novamente que por se tratar de despachos nem
sempre há evidências se o sujeito descola-se com a escravaria ou apenas os despacham.
O códice 421, de maneira geral, praticamente não faz menção aos proprietários,
compradores e vendedores de escravos novos, não obstante, as informações relativas aos
proprietários de cativos ladinos podem ser encontradas, mas com pouca freqüência. Um
último detalhe importante é que a partir do volume 19, num total de 23, os despachos
passam a ter uma freqüência maior se comparados aos passaportes, tendência não
verificada nos volumes anteriores. Este dado nos servirá de subsídio mais adiante quando
estaremos fazendo alusão aos problemas da documentação em foco.
Do códice 424, já adiantamos que os seus registros estão praticamente voltados para
os despachos de escravos, contemplando principalmente os recém-chegados da África.

113
Para o desenvolvimento de tal objetivo este trabalho se baseou em FRAGOSO, João e FERREIRA,
Roberto. Caracterização dos Volumes e Guia de Pesquisa dos Códices 390, 411, 419, 421, 424, 425, 1000 e
1002 do Arquivo Nacional. Laboratório de pesquisa em História Social (LIPHIS): UFRJ, S/D.
114
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 11
72

Contudo, é muito curiosos perceber que neste códice as informações acerca dos cativos
ladinos passaram a ser mais freqüentes a partir de 1830. Esta constatação, quiçá, pode estar
relacionada ao fato do tráfico Atlântico ter se transformado uma atividade comercial ilícita
neste ano e, portanto, os funcionários da Polícia da Corte do Rio de Janeiro teriam,
possivelmente, registrado um escravo no como ladino para burlar a legislação da
ilegalidade do tráfico.115 Entretanto, é possível levantar uma outra conjetura sobre esta
questão.
Mary Karash, afirma que a partir de 1830, os escravos passariam a desembarcar dos
navios negreiros de forma apressada e furtiva ao cair da noite, além de serem escondidos
em armazéns e barracões a quilômetros da cidade.116 Com isso, é bem provável que estas
fugas constantes, apontadas pela autora, contribuíram para o desaparecimento dos escravos
novos quase que por completo dos registros da Polícia da Corte.
Voltando ao ponto central, é válido registrar que uma das grandes virtudes do
códice 424 é a quantidade expressiva de registros nos quais os vendedores, os proprietários
e os compradores de cativos novos estão registrados, sendo, deste modo, o códice que
contempla a maior parte destes registros neste fundo documental. No mais, neste códice é
pouco freqüente as informações concernentes à cor e a idade do cativo, sendo mais comum
registros sobre sua naturalidade e procedência.
Por fim, acerca do códice 425, pode se dizer que sua disposição é semelhante ao
códice 421, contemplando tanto despachos de escravos quanto passaportes. A diferença
está nas informações mais freqüentes sobre os proprietários, vendedores e compradores de
mancípios em relação ao códice 421. No tocante ao cativo, os registros sobre sua
naturalidade se apresentam de forma mais consistente o que não se repete quando tratamos
dos dados sobre sua cor e idade.
Assim, ter um conhecimento das características gerais dos códices 390, 421, 424 e
425 é imprescindível para que possamos ter uma dimensão, ainda que limitada, de sua

115
Eis o motivo que nos levaram a delimitar o recorte temporal deste trabalho até 1830 apesar das fontes
abrangerem o ano de 1833. Gastar-se-ia muito tempo procurando estimar informações sobre os cativos novos
durante um período muito pequeno e que provavelmente não teria influências em nosso resultado. Além dos
mais, os problemas destes códices no recorte temporal que delimitamos já são consideráveis visto a
necessidade de se desenvolver um item exclusivo sobre suas armadilhas neste capítulo.
116
KARASH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras,
2000, p. 74.
73

potencialidade referente aos registros disponíveis para o nosso campo de pesquisa,


permitindo, assim, a construção do presente trabalho.

Tabela 5: Características dos Códices levantados no Arquivo Nacional


Códice Título dos Códices Período Volumes
Receita dos direitos de despacho de escravos para os portos
390 1815-1826 6
do Sul
Passaportes (registros de pessoas que partem ou despacham
421 1809-1831 23
escravos)
Lançamento de atestados e remessa de escravos para várias
424 1826-1833 9
localidades
Passaportes (registros de pessoas que partem ou despacham
425 1822-1833 5
escravos)
Totais 4 Códices 1809-1833 43
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 1

Visto a exposição dos perfis das fontes, faremos neste momento, uma apresentação
sucinta dos tipos de cativos que podem ser encontrados nos códices da Polícia da Corte
carioca (Tabela 6).
Temos então, pelo menos cinco tipo de escravos identificáveis na documentação: Os
novos que, segundo Fragoso e Ferreira, são os recém-chegados da África cujos nomes não
seriam cristãos; os ladinos, que possuem o nome vinculado ao cristianismo, batizados no
Brasil ou mesmo na África, e, além disso, trata-se de africanos que já estavam estabelecidos
na América portuguesa em um determinado tempo. Em seguida encontram-se os “escravos
que trouxe” – assim denominado nas fontes – eram os acompanhantes das tropas
procedentes das áreas do Sul e Sudeste do país. Temos ainda os cativos marinheiros,
pertencentes as embarcações com destino as áreas costeiras ao sul da Corte e, por fim, as
crias, que são filhos de escravos novos ou ladinos. 117
Contudo, tendo em vista este panorama, poderíamos perguntar o porquê da ausência
dos crioulos nestes registros, ou seja, o que explicaria a não contabilização deste cativo nas
remessas? Somente quando lançamos mão dos registros referentes às características

117
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. pp. 23-24. Nas fontes é possível encontrar ainda os
escravos ‘parceiros’, os ‘ladinos que trouxe’ e os ‘boçais’. Os autores não contabilizaram os primeiros por se
referirem aos que faziam parte da tropa, não se tratando, assim, de remessas de escravos, os dois últimos
foram agregados para efeito de calculo. O ladino que trouxe foi agregado ao tipo “trouxe” e os boçais que
tinham nome cristão eram agregados aos cativos ladinos e os que não tinham aos novos.
74

demográficas (origem, sexo e etc.) torna-se visível sua identificação, não permitindo, deste
modo, a realização da quantificação que são aplicadas nos outros cativos.118 Em busca de
uma compreensão acerca deste problema recorremos a duas passagens cruciais das
ponderações de Karash, onde foi possível elaborarmos duas hipóteses.
Primeiro, apesar da palavra “ladino”, normalmente, definir um africano aculturado
na colônia lusitana, os homens responsáveis pela negociação deste cativo se comprometia
119
também com a venda dos crioulos, o que levaria a este último a ser registrado, talvez,
como ladino.
Em vista disso, poderíamos simplesmente interpretar este fato como um caso de
sub-registro nos códices, porém, seria uma posição muito reducionista de nossa parte se
aceitássemos esta hipótese e, também, se não tivéssemos em mãos uma segunda.
Karash constatou que no Rio de Janeiro existiam três tipos de licença para
comercializar escravos, uma para os novos, outra para os ladinos e capacitados e uma
terceira para ambos os casos. O uso dos termos “novo” e “ladino” era empregado pelos
negociantes para classificar suas mercadorias como novas ou usadas e estabeleciam suas
operações mercantis de acordo com esta classificação.120 Portanto, podemos dizer que sob a
óptica do mercado o escravo crioulo era vendido como ladino, dado que provavelmente
teria recaído nos registros no momento da elaboração dos passaportes e dos despachos de
escravos da Polícia da Corte. Esta percepção nos faz acreditar, deste modo, que a ausência
dos crioulos não está relacionada à existência de um sub-registro neste fundo documental e
sim de uma dinâmica da própria sociedade colonial. Apesar disso, esta evidência não nos
afastará dos crioulos, pelo contrário, o mesmo ganhará a devida atenção nas reflexões do
capítulo subseqüente.

118
Para ser mais específico, os crioulos são identificados na segunda planilha do banco de dados do IPEA,
que dão conta da caracterização dos escravos.
119
KARASCH, Mary. Op. cit., pp. 67-68.
120
Idem, p. 68.
75

Tabela 6: Remessas anuais de escravos novos, ladinos, que o tropeiro trouxe, crias e
marinheiros diante do total dos códices (1809-1830) 121
( Total
Novos Ladin Troux Crias ( Marin
Novos Ladin Troux Marin b) geral (a)
Anos % de os % e % Crias % de b) %
(a) os e dos
(a) de (a) de (a) (a) de (a)
Códices
1809 1692 40,6 221 5,3 2250 54,0 3 0,1 0 - 4166
1811 1276 47,6 145 5,4 1254 46,8 6 0,2 0 - 2681
1813 2776 42,6 125 1,9 3608 55,4 3 - 0 - 6512
1814 878 40,6 40 1,9 1242 57,5 0 - 0 - 2160
1815 2690 45,6 104 1,8 3086 52,4 4 0,1 10 0,2 5894
1816 4028 44,8 303 3,4 4480 49,8 2 - 174 1,9 8987
1817 3482 32,2 312 2,9 6747 62,4 3 0,0 272 2,5 10816
1818 3110 25,5 381 3,1 8380 68,8 15 0,1 261 2,1 12147
1819 2550 25,3 250 2,5 6966 69,0 9 0,1 319 3,2 10094
1820 2136 27,9 211 2,8 5043 65,9 20 0,3 237 3,1 7647
1821 1119 36,9 659 21,7 1071 35,3 2 0,1 182 6,0 3033
1809-21 25737 34,7 2751 3,7 44217 59,6 67 0,1 1455 1,9 74137
1822 9724 64,0 587 3,9 4751 31,2 14 0,1 128 0,8 15204
1823 4678 70,2 1485 22,3 143 2,1 33 0,5 326 4,9 6665
1824 12546 87,4 1437 10,0 41 0,3 30 0,2 300 2,1 14354
1825 9155 94,7 490 5,1 7 0,1 18 0,2 0 0 9670
1826 18553 91,9 1310 6,5 43 0,2 34 0,2 253 1,3 20193
1827 13088 95,6 558 4,1 35 0,3 16 0,1 0 - 13697
1828 25883 97,2 668 2,5 38 0,1 38 0,1 0 - 26627
1829 20755 94,9 994 4,5 73 0,3 43 0,2 0 - 21865
1830 27420 93,3 1802 6,1 105 0,4 69 0,2 0 - 29396
1822-30 141802 89,9 9331 5,9 5236 3,3 295 0,2 1007 0,6 157671
Total 167539 70,4 12082 5,0 49363 20,7 362 0,2 2462 1,0 237656
Fontes : FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. p. 24.
(b) Marin = escravos marinheiros

Sobre a representatividade dos códices e de seus cadafalsos

De todos cativos anunciados no item anterior, João Fragoso e Roberto Ferreira


sublinharam os novos como os mais seguros para perceber a representatividade dos códices
121
Segundo Fragoso e Guedes, no ano de 1810 existem registros para 229 cativos no total, distribuídos em 74
novos, 4 ladinos e 151 trouxe. Porém, este ano contempla somente os dias compreendidos entre 01 e 05 de
janeiro. Por este motivo, Fragoso e Guedes não incluíram os dados do ano de 1810 no quadro. Além disso,
não há dados para o ano de 1812, e no de 1814 os registros contemplam os dias situados entre 04 de outubro e
30 de dezembro e foram excluídos os casos em que não foi possível aferir o total de escravos declarados seja
quaisquer categorias de escravos, segundo os autores estes casos não chegaram a três dezenas.
76

em relação às flutuações anuais do tráfico Atlântico. Os problemas mais sérios desta


documentação começam a se manifestar quando se cruza às remessas dos cativos novos
registrados pelos códices,com os dados estimativos referentes ao desembarque de africanos
122
no porto carioca entre 1790 e 1830, elaborados por Manolo Florentino. João Fragoso e
Roberto Ferreira realizaram este procedimento e o cenário encontrado foi bem complexo
(tabela 7).
Neste cruzamento é nítida a forte variação da representatividade dos cativos novos,
dos códices, frentes as flutuações do tráfico Atlântico, onde se registrou uma variação de
5,7% a 88,7%. Percebe-se também uma tendência de baixa representatividade das fontes
até 1821, cujos escravos novos correspondiam no máximo 22,2% das estimativas dos
desembarques verificada no ano de 1816. No pós-1821 esta representação tem um aumento
expressivo chegando ao pico de quase 89%.
Com uma baixa representatividade constatada até o ano de 1821, os perigos desta
fonte se tornam plenamente visíveis quando retornamos a tabela 6 e verificamos que no
período de 1809 a 1821 o escravo “trouxe” é absurdamente superior (excluindo o ano de
1811) ao número de cativos novos, ao passo que, a partir de 1822 este último torna-se
hegemônico. Deste modo, tais informações problemáticas nos remetem a duas perguntas: 1)
Como explicar essa variação acentuada quando cruzamos os cativos novos dos códices com
a estimativa do tráfico atlântico? 2) Como entender que no intervalo de 1809 a 1821 o
número de escravos “trouxe” é altamente superior em relação aos cativos novos e no
período seguinte (1822-30) estes passariam a dominar os registros de remessas enquanto o
“trouxe” praticamente desapareceria?
Estas perguntas nos remetem aos agentes que “produziram” a documentação da
Intendência de Polícia da Corte carioca no século XIX. Pela observação realizada nas
ponderações de Fragoso e Ferreira e nas pesquisas desenvolvidas para este trabalho, os sub-
registros identificados nas fontes podem ter uma explicação na sua própria emissão, ou
seja, acreditamos, assim como os autores, que se trata de um problema da documentação
em si.

122
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 51.
77

Com isso, as duas questões postas em evidência poderiam ser interpretadas


conforme duas hipótese, não distintas entre si, nas quais Fragoso e Ferreira trabalharam
incessantemente: 1) A perda de livros que abarcariam uma quantidade maior de escravos
novos nos anos de 1809-1821, ou ainda, a não localização destes registros pelos autores
quando da digitalização das fontes, como eles mesmos afirmaram123 e 2) A falta de
especialização dos funcionários na emissão de despachos de escravos até 1822, visto o
número superior de passaportes em relação aos despachos até esta data.
Contudo, devemos ressalvar que Fragoso e Ferreira alertam para a grande
dificuldade de se especular as razões do desvio de registros identificados nas fontes,
referentes aos anos de 1809 a 1821, os autores não localizaram informações seguras
(legislação ou papéis internos) sobre a Intendência de Polícia. Entretanto, isso não nos
impedem de buscar uma apreensão dos prováveis motivos da baixa representatividade dos
códices 390, 421, 424 e 425 em relação às flutuações do tráfico Atlântico.
Sendo assim, Fragoso e Ferreira analisaram diferentes períodos em busca de fatores
contribuintes para a desproporção significativa da representatividade dos escravos novos
entre 1809 e 1830 (tabela 7).
No primeiro intervalo delimitado pelos os autores (1809-1814) foi constatado os
menores índices de representação dos cativos novos frente ao tráfico. De maneira geral, os
passaportes e despachos contemplam apenas 9,7% das almas recém-chegadas ao porto do
Rio de Janeiro. Este baixo índice pode estar vinculado a quase inexistência de dados para
1810, a irrisória representatividade de 5,7% nos anos de 1811 e 1814 e ainda, a ausência de
registros no ano de 1812. Talvez, este fato indique a perda de livros, o que provavelmente
ocorreu para este último ano.124
Podemos aliar a perda de livros como fator agravante o fato deste período estar
contemplado em apenas dois volumes do códice 421.125 Partindo desta idéia e retornando as
características dos volumes do códice 421, foi possível resgatar que no ano de 1809
somente no final do mês de agosto até dezembro foram registradas remessas de escravos,
no ano de 1810 a situação é crônica, pois apenas entre os dias primeiro e quinto do mês de

123
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 28.
124
Idem, p. 25.
125
Idem, Ibidem. Os volumes que os autores se referem são o de número 3 e 4 do códice 421.
78

Janeiro se tem registros de despachos.126 Nos anos de 1811 e 1814 os meses com
informações são os de março a junho para o primeiro ano e de outubro a dezembro para o
segundo.
Pelo exposto, a perda de livros, então, teria um peso inegável na escassa
representatividade de africanos novos coligidos dos códices na fase entre 1809 e 1814,
fazendo deste recorte, conforme Fragoso e Ferreira, o menos seguro para se debruçar sobre
a redistribuição de almas recém-chegadas em direção as regiões do centro-sul brasileiro.127
Para o período de 1815 a 1821 a representatividade dos escravos novos diante do
tráfico aumenta em relação ao intervalo anterior, perpassando os 14%, no entanto, em
alguns casos específicos desta fase este índice passa os 22%, é o caso do ano de 1816. É
valido sublinhar que este período foi contemplado por uma quantidade maior de volumes
em relação a fase anterior, 11 contra 4 volumes do códice 421. Este recorte temporal tem
ainda a prerrogativa de possuir também informações no códice 390, cujos registros são
referentes exclusivamente aos despachos de escravos entre os anos de 1815 e 1826,
informação enunciada neste capítulo. Porém, se compararmos ao período de 1822-1830 a
representatividade de escravos novos entre 1815 e 1821 não se apresenta muito expressiva.
Esta pouca expressão é justificável quando observamos a alta representatividade no
intervalo de 1824-1830, cerca de 53%, sendo que, nos anos de 1826 e 1828 esta proporção
perpassa os 52,2% e 57% respectivamente, chegando ao ano de 1830 ao índice máximo de
88,7% (tabela 7). Segundo Fragoso e Ferreira, a elevada representação deste período estaria
relacionada à preocupação da comunidade mercantil carioca com o processo de extinção do
tráfico Atlântico, no qual acabaria ser tornando uma atividade ilícita em 13 de março de
1830.128 Manolo Florentino declara que, embora a promulgação da lei de supressão do
tráfico ser um mero “subterfúgio da classe escravista brasileira para enganar o governo
britânico”, a crença dos traficantes na concretização do fim desta prática mercantil não era
inexistente, visto a desenfreada compra de africanos no período de 1826 a 1830,
coincidindo, portanto, com a fase de maior representatividade das fontes frente ao tráfico

126
Ambos os anos estão no volume 1 do códice 421.
127
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 25.
128
Idem, p. 26.
79

Atlântico.129 Podemos adicionar ainda que os anos situados entre 1824 e 1830 são
beneficiados com o códice 424.

Tabela 7: Remessas anuais de escravos novos da Praça do Rio de Janeiro diante das
estimativas do tráfico atlântico de escravos (1809-1830)
Total geral
Novos % de Tráfico
Anos Novos (a) Novos % de (b) (a) dos
(a) Atlântico (b)
Códices
1809 1692 40,6 12,8 4166 13171
1811 1276 47,6 5,7 2681 22520
1813 2776 42,6 16,1 6512 17280
1814 878 40,6 5,7 2160 15300
1809-14 6622 42,7 9,7 15519 68271
1815 2690 45,6 20,2 5894 13330
1816 4028 44,8 22,2 8987 18140
1817 3482 32,2 19,7 10816 17670
1818 3110 25,6 12,7 12147 24500
1819 2550 25,3 12,3 10094 20800
1820 2136 27,9 10,1 7647 21140
1821 1119 36,9 5,4 3033 20630
1815-21 19115 32,6 14,0 58618 136210
1822 9724 64,0 41,8 15204 23280
1823 4678 70,2 23,8 6665 19640
1824 12546 87,4 50,9 14354 24620
1825 9155 94,7 34,9 9670 26240
1826 18553 91,9 52,2 20193 35540
1827 13088 95,6 46,2 13697 28350
1828 25883 97,2 57,0 26627 45390
1829 20755 94,9 45,7 21865 47280
1830 27420 93,3 88,7 29396 30920
1824-30 127400 93,8 53,5 135802 238340
Total 167539 70,1 34,8 231808 485741
Fontes: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. pp. 26-27.

Além da perda de livros ter colaborado para a geração de informações distorcidas


nas fontes devemos entender também, como a variação da emissão de passaportes e
despachos teria influenciado nas flutuações da representatividade das remessas de cativos
novos frente ao tráfico Atlântico e, também, na troca de hegemonia entre o escravo trouxe –

129
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., pp.41-44. Conforme os dados estimativos do referido autor entre os anos
de 1826-1830 entraram no Rio de Janeiro em média 37.496 escravos por ano.
80

predominante entre 1809 e 1821 – e o africano novo, que passaria a se destacar nas fontes
entre 1822 e 1830.
Tais complicações podem ter sua origem, consoante Fragoso e Ferreira, “nos
agentes coevos e na forma que os códices chegaram até as mãos dos pesquisadores”.130
Para melhor compreendermos esta problemática devemos buscar algumas alternativas
desenvolvidas pelos autores.
Na tabela 8 é possível observar o número de passaportes e despachos emitidos pela
Polícia da Corte entre 1809 e 1830. Pelo exposto, reparamos que até 1822 o número de
passaportes era superior em relação aos despachos de escravos, variando entre c. 70% e c.
92% dos registros e a partir de 1823 este último passaria a ter uma freqüência maior
comparado aos passaportes, oscilando ente c.53% e c.87%.
Ora, se sabemos que os passaportes contem mais informações direcionadas aos
viajantes, aos escravos “trouxe” e aos camaradas, esta constatação vem a contribuir
substancialmente para a compreensão da baixa representatividade de escravos novos entre
1809 e 1821. Apesar dos passaportes possuírem registros de remessas de cativos novos,
provavelmente não priorizavam este tipo de informação.

130
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. p. 33.
81

Tabela 8: Tipos de registros


Não informa e
Despachos Passaportes Total
outros
Anos # % # % # % # %
1809 151 7,5 1851 92,2 6 0,3 2008 100,0
1811 139 12,1 1005 87,7 2 0,2 1146 100,0
1813 220 8,8 2288 91,1 4 0,2 2512 100,0
1814 83 8,7 874 91,3 0 - 957 100,0
1815 182 8,7 1912 91,2 2 0,1 2096 100,0
1816 491 17,0 2397 83,0 0 - 2888 100,0
1817 510 12,7 3505 87,3 2 - 4017 100,0
1818 633 12,8 4298 87,2 0 - 4931 100,0
1819 576 13,8 3597 86,2 0 - 4173 100,0
1820 476 14,3 2856 85,7 0 - 3332 100,0
1821 278 22,6 953 77,4 0 - 1231 100,0
1822 1147 29,7 2707 70,1 10 0,3 3864 100,0
1823 1122 53,3 981 46,6 4 0,2 2107 100,0
1824 2036 72,0 740 26,2 50 1,8 2826 100,0
1825 1433 73,3 510 26,1 12 0,6 1955 100,0
1826 2552 86,3 402 13,6 3 0,1 2957 100,0
1827 1629 86,2 252 13,3 8 0,4 1889 100,0
1828 3132 87,0 462 12,8 6 0,2 3600 100,0
1829 2985 85,1 517 14,7 7 0,2 3509 100,0
1830 3571 85,5 599 14,3 7 0,2 4177 100,0
Total 23346 41,6 32706 58,2 123 0,2 56175 100,0
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 36.

Esta última informação pode ser confirmada na tabela 9, onde os passaportes que
possuem remessas de escravos novos não ultrapassa os 14% desta documentação, ao
mesmo tempo, até 1821 estes mesmos passaportes são responsáveis por boa parte dos
africanos novos registrados nos códices na fase 1809-1821, chegando a contemplar c.68%
dos cativos registrados no ano de 1815. Note-se ainda que os cativos “trouxe” são
registrados de forma predominante nos passaportes, onde em alguns anos (1811 e 1814)
abarcaram 100% desses escravos.
82

Tabela 9: Cativos novos e trouxe em passaportes, 1809-1830


Total de
Passaportes Cativos novos Cativos Cativos trouxe Total de
Anos Passaporte com despachos despachados Novos em passaportes Cativos
(a) de novos em passaportes Trouxe (c)
(b)
% de % de % de
# # # # # #
(a) (b) (c)
1809 1851 148 8,0 508 30,0 1692 2230 99,1 2250
1811 1005 132 13,1 689 54,0 1276 1254 100,0 1254
1813 2288 292 12,8 1869 67,3 2776 3594 99,6 3608
1814 874 73 8,4 556 63,3 878 1242 100,0 1242
1815 1912 276 14,4 1834 68,2 2690 2991 96,9 3086
1816 2397 314 13,1 2724 67,6 4028 4441 99,1 4480
1817 3505 310 8,8 2169 62,3 3482 6731 99,8 6747
1818 4298 268 6,2 1094 35,2 3110 8371 99,9 8380
1819 3597 179 5,0 631 24,7 2550 6959 99,9 6966
1820 2856 248 8,7 907 42,5 2136 4991 99,0 5043
1821 953 93 9,8 535 47,8 1119 1071 100,0 1071
1822 2707 356 13,2 2873 29,5 9724 4712 99,2 4751
1823 981 52 5,3 529 11,3 4678 141 98,6 143
1824 740 59 8,0 598 4,8 12546 39 95,1 41
1825 510 40 7,8 357 3,9 9155 5 71,4 7
1826 402 34 8,5 351 1,9 18553 7 16,3 43
1827 252 13 5,2 194 1,5 13088 1 2,9 35
1828 462 26 5,6 458 1,8 25883 1 2,6 38
1829 517 37 7,2 406 2,0 20755 2 2,7 73
1830 599 34 5,7 320 1,2 27420 1 1,0 105
Total 32706 2984 9,1 19602 11,7 167539 48784 98,8 49363
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 37.

Assim, se os cativos novos encontrados nos códices 390, 421, 424 e 425 possuem
uma baixa representatividade em relação ao tráfico Atlântico nos anos de 1809 a 1821 e, se
justamente neste período os passaportes são hegemônicos – lembrando que esta
documentação pouco menciona sobre remessas de novos e frequentemente do escravo
“trouxe” – essa constatações nos levam a segunda hipótese levantada neste trabalho e
83

exaustivamente trabalhada por Fragoso e Ferreira: os dados revelados até o momento


(tabelas 6, 7, 8 e 9) nos mostram que, possivelmente, a Intendência de Polícia da Corte não
era especializada na emissão de despachos de escravos até 1822, contribuindo fortemente
para a geração de sub-registros.

O predomínio dos cativos novos na documentação entre 1824 e 1830, segundo João
Fragoso e Roberto Ferreira, estaria atribuído a um esforço maior por parte dos funcionários
da Polícia em emitir despachos de escravos, ou ainda, esta instituição teria se especializado
na produção deste tipo de registro, tendo em conta os desenfreados desembarques de almas
africanas no Rio de Janeiro durante este período.131 Portanto, estes acontecimentos podem
ter refletido de forma significativa na alta representatividade dos escravos novos frente ao
tráfico Atlântico nesse período.

Ao mesmo tempo em que se constatou um incremento substancial nos registros de


despachos de cativos neste período, o número de passaportes cai vertiginosamente, fazendo
o número de cativos “trouxe”, conseqüentemente, torna-se ínfimo na documentação
(tabelas 6, 8 e 9). O não acompanhamento dos passaportes no crescimento dos despachos é
vinculado por Fragoso e Ferreira à insuficiência de funcionários na Intendência da Polícia.

Lançando mão dos códices 337 e 345 – referentes a nomeação de oficiais e


empregados da Polícia da Corte carioca – os autores perceberam que o aumento do quadro
de funcionários não teria acompanhado o crescimento dos desembarques de escravos novos
no porto do Rio de Janeiro.132 Levando-se em consideração o fato de um oficial de polícia
não ter, no início do século XIX, apenas a função de registrar as saídas de escravos e
pessoas livres (como manter a ordem pública através do controle de vadios, desordeiros e
etc.) e ainda, em vista da grande preocupação com a emissão dos despachos de escravos na
segunda metade da década de 1820, os autores acreditam que possivelmente estes fatores
teriam contribuído para escassa produção de passaportes durante esta fase.133

Pelo exposto, acreditamos, portanto, que os caminhos e as hipóteses as quais João


Fragoso e Roberto Ferreira apontaram para se compreender os problemas identificados nos

131
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit. p. 37.
132
Idem, p. 40. Os autores afirmam que enquanto o tráfico cresceu 72% entre 1825 e 1828, o quadro de
funcionários da Polícia cresceu apenas 14%. Para observar o número de funcionários da Intendência veja o
quadro 9 elaborado pelos autores.
133
Idem, Ibidem.
84

códices 390, 421, 424 e 425 e trabalhados exaustivamente neste capítulo, explica, em
grande parte: o entrelaçamento da significativa variação da representatividade dos africanos
novos frente às estimativas do tráfico Atlântico, com a hegemonia do cativo “trouxe” até
determinado instante e com as flutuações do número de passaportes e despachos entre 1809
e 1830. Entretanto, como os próprios autores afirmaram, não se tratam de constatações
definitivas.

Sobre a possibilidade de uma terceira hipótese

Tendo em vista que os problemas identificados nos códices, por João Fragoso e
Roberto Ferreira, não possuem respostas as quais possam suprir todas as questões,
elaboramos uma terceira hipótese em busca de uma explicação ampliada.

Então, tomando por base que até 1822 a Polícia da Corte demonstrou, pelo exposto
no item anterior, nenhuma vocação ou maior preocupação em emitir despachos de escravos,
não seria um absurdo, de nossa parte, supor que o cativo novo teria seu registro burlado
pelo oficial da Intendência sendo identificado como um escravo “trouxe” durante essa fase.
Por mais que os passaportes privilegiassem informações referentes a este tipo de escravo,
não pode ser compatível o pensamento de um tropeiro, por exemplo, se deslocando de uma
localidade qualquer em direção ao Rio de Janeiro e quando retorna ao seu lugar de origem,
os escravos que o acompanharam estão em maior quantidade em relação aos cativos
adquiridos no mercado carioca. Mesmo que o tropeiro não tivesse a intenção de comprar
escravos, viajando somente para negociar seus produtos, seria arriscado e inviável trazer
uma grande quantidade de cativos devido ao alto custo e os riscos inerentes de viagem até
a Corte, gastos os quais poderiam abranger desde as despesas com transporte, até a
alimentação dos animais e dos acompanhantes da tropa, como os camaradas, parentes e
criados. A presença constante destes elementos nos passaportes, principalmente dos
camaradas, pode ser mais uma indicação da quantidade exagerada de registros relativos aos
escravos “trouxe”.

Um outra constatação na qual contribui para a nossa hipótese é uma passagem do


códice 343 referente a um edital do próprio intendente da Polícia enfatizando a
85

desorganização da instituição. Fragoso e Ferreira, destacaram este trecho para demonstrar


que além da provável perda de livros, os códices sobre despachos de escravos e passaportes
são postos definitivamente sob suspeita quando se observa o trecho abaixo:

Tendo achado a Secretaria desta Intendência na maior confusão, desleixo, falta de


respeito (...) em uma parte de seus empregados, não obstante as providências tomadas
pelos meus antecessores, as quais tem sido em sua maioria iludidas (...) tenho por minha
parte (...) já punido, advertido, que nenhum efeito ainda surtiu. 134

Com isso, alicerçado nas evidências acima e levando em consideração o fato de um


cativo novo ter se registrado como um escravo “trouxe”, poderíamos estimar uma
representatividade mais elevada para os escravos novos dos códices frente as estimativas do
tráfico Atlântico ao que foi revelado num primeiro momento pelas fontes.

Para o desenvolvimento da estimativa, representado na tabela 10, nosso


procedimento metodológico se pautou na soma dos dados referentes aos escravos novos e
trouxe (tabela 6), a partir disso pensamos o quanto seria gasto para a montagem de um
tropa, mais especificamente, procuramos analisar o quanto o cativo “trouxe” (ladinos ou
crioulos) representaria no empreendimento de um determinado tropeiro, considerando esta
variável como a logística. Sabendo que ainda estão presentes os camaradas e parentes,
desenvolvemos duas margens de lucros, uma máxima e outra mínima, onde o escravo
“trouxe” representaria respectivamente 10% e 20% da logística. Acreditamos que esta
margem seja razoável devido aos riscos de um investimento destes (como assaltos e
acidentes). Com isso, trabalhar com margens abaixo de 10% poderia, por exemplo, oferecer
um risco maior de segurança e acima de 20%, tornaria o empreendimento muito alto e
inviável em termos de lucratividade.

A tabela 10 permite notar que a perda de livros referentes aos códices 390, 421, 424
e 425 realmente teria influenciado na variação dos cativos novos diante do tráfico.
Considerando as logísticas de 10% e 20% a variação foi de 9,5% a 80,1% para o primeiro
caso e 8,5% a 71,2% para o segundo. Comparados à representatividade calculada por

134
Arquivo Nacional, Edital de 12 de março de 1809, Códice 343, pp. 2-3. Apud. FRAGOSO, João e
FERREIRA, Roberto. Alegrias e Artimanhas de uma fonte seriada, despacho de escravos e passaportes da
Intendência de Polícia da Corte, 1819-1833. Seminário de História Quantitativa, UFOP, 2000, p. 255.
86

Fragoso e Ferreira a variação estimada no quadro acima pouco teria se alterado.135 No


entanto, se analisarmos a variação baseada nos intervalos 1809-14, 1815-21 e 1824-1830,
assim como fizeram os autores, poderemos constatar um considerável equilíbrio entre os
três, onde a representatividade dos africanos novos seriam, respectivamente de 19,7%,
37,6% e 48,6% para a margem de lucro máxima e 17,5%, 33,4% e 42,8% para a margem
mínima. Portanto, trata-se de variações com um equilíbrio significativo em relação ao
exposto por Fragoso e Ferreira (c. 9,7%; c. 14,0% e c. 53,3%).

135
Já informamos neste trabalho que variação identificada nas fontes por Fragoso e Ferreira foi de c. 5,7 a c.
88,7 (ver tabela 7).
87

Tabela 10: Estimativa da representatividade de cativos novos redistribuídos a partir


do porto do Rio de Janeiro: (1809-1830) 136
Total
de Logística Tráfico Logística Tráfico
Tráfico Porcentagem Porcentagem
Anos novos 10% do efetivo 20% do efetivo
Atlântico (a) (b)
e total (a) (a) total (b) (b)
trouxe
1809 3942 394 3548 788 3154 13171 26,9 23,9
1811 2530 253 2277 506 2024 22520 10,1 9,0
1813 6384 638 5746 1276 5108 17280 33,2 29,5
1814 2120 212 1908 424 1696 15300 12,4 11,0
1809-
14976 1497 13479 2994 11982 68271 19,7 17,5
1814
1815 5776 577 5199 1154 4622 13330 39,0 34,6
1816 8508 851 7657 1702 6806 18140 42,2 37,5
1817 10229 1023 9206 2046 8183 17670 52,0 46,3
1818 11490 1149 10341 2298 9192 24500 42,2 37,5
1819 9516 951 8565 1902 7604 20800 41,1 36,5
1820 7179 717 6462 1434 5745 21140 30,5 27,1
1821 2190 219 1971 438 1752 20630 9,5 8,5
1815-
57008 5701 51307 11402 45606 136210 37,6 33,4
1821
1822 14475 1447 13028 2894 11581 23280 55,9 49,7
1823 4821 482 4339 964 3857 19640 22,0 19,6
1824 12587 1258 11329 2516 10071 24620 46,0 40,9
1825 9162 916 8246 1832 7330 26240 31,4 27,9
1826 18596 1859 16737 3718 14878 35540 47,0 41,8
1827 13123 1312 12991 2624 10499 28350 45,8 37,0
1828 25921 2592 23329 5184 20737 45390 51,3 45,6
1829 20828 2083 18745 4166 16662 47280 39,6 35,2
1830 27525 2752 24773 5504 22021 30920 80,1 71,2
1824-
127742 12774 114968 25548 102194 238340 48,2 42,8
1830
Total 214201 21420 192781 42840 171361 485741 39,6 35,2
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 26 e FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 51.
Obs.: (a) porcentagem do tráfico efetivo, com logística de 10% em relação ao tráfico Atlântico.
(b) porcentagem do tráfico efetivo, com logística de 20% em relação ao tráfico Atlântico.

Podemos comparar também a representatividade estimada acima, com os dados


desenvolvidos por Alexandre Ribeiro ao trabalhar a redistribuição de almas recém-

136
Os dados referentes ao trafico Atlântico foram revistos pelo próprio o autor, porém, o mesmo me sugeriu
que mantivesse com os tradicionais pois não iria alterar a tendência de nossos resultados. Mesmo assim,
colocamos estes dados disponíveis ao leitor no anexo 3.
88

chegadas da África na praça mercantil de Salvador no século XVIII.137 Pesquisando o


códice 249 do Arquivo Público do Estado da Bahia, uma fonte similar aos códices da
Polícia da Corte, Ribeiro encontrou uma oscilação de 12,7% a 42,9% entre os anos de 1760
e 1770.138
Percebemos, deste modo, que as variações estimadas no quadro 6 também
apresentam uma representatividade com maior equilíbrio em relação aos dados de Ribeiro.
Entretanto, devemos levar em consideração que as fontes pesquisadas pelo o autor
apresentaram problemas e ainda, não disponibiliza a mesma riqueza de informações
existentes nos passaportes e despachos de escravos da Polícia da Corte no século XIX.
Tendo em conta todas as ponderações apresentadas em função do escravo novo, o
que é bastante plausível, pois se trata da força de trabalho mais cobiçada no mercado,
devemos nos perguntar, neste momento, o porquê da parca presença dos ladinos neste meio
comercial, dito de outro modo, como entender a escassa circulação deste cativo entre os
negociantes? Tomando os dados da tabela 6, somente os novos representavam 70% de
todos cativos existentes nos registros, restando aos ladinos 30%, considerando a não
distinção do crioulo por motivos esclarecidos previamente.
As sugestões mais comuns para responder esta indagação estariam relacionadas à
demanda preferencial da economia colonial pelas os africanos recém-chegados e sua oferta
elástica no mercado, o que não seria incorreto. Aliás, estamos nos referindo a um período
(1809-1830) incomum do tráfico Atlântico, onde decisões de ordem política teriam
impulsionado um despejo de almas fora dos padrões de qualquer época da história colonial
brasileira.139
No entanto, não podemos deixar de lado o peso da aculturação do africano na
sociedade da América portuguesa, ou seja, estamos fazendo alusão ao estabelecimento dos
ladinos em famílias nas propriedades dos senhores, tema na qual a historiografia vem

137
RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico Atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c.1680 –
c.1830). Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2005 (dissertação de mestrado inédita).
138
Idem, p. 101. Esta variação encontrada na tabela referente a remessas de escravos novos diante da
estimativa do tráfico foi revista pelo próprio autor, pois a variação que se encontra na dissertação é de 15,4%
a 61,4%. Agradeço gentilmente a Alexandre Ribeiro por me disponibilizar os dados revistos.
139
Estas explanações se influenciaram em obras como FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O
arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma sociedade colonial
tardia, c. 1790- c.1840. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001
89

trabalhando constantemente nos últimos anos. Neste sentido, Manolo Florentino e José
Roberto Góes fornecem subsídios valiosos para o enriquecimento de nossas ponderações.140
Com intuito de entender a estabilidade da família escrava no Brasil, Florentino e
Góes partem de um modelo geral proposto por Herbert Gutman, cujo alicerce teórico reside
na questão da estabilidade destas famílias, na qual seria caudatária do ciclo de vida dos
senhores, ou seja, a partir do momento em que a morte do senhor ceifasse, o derradeiro
destino dos escravos aparentados seria a sua desintegração no mercado.141
Pois bem, ao observarem as partilhas nos inventários post-mortem, Florentino e
Góes perceberam que o modelo proposto por Gutmam não poderia ser generalizado para os
escravos do agro-fluminense. No levantamento desta documentação os autores encontraram
138 grupos familiares dos quais congregavam 377 parentes, os resultados foram instigantes.
Destes, os autores mostraram que três quartos ou 75% das famílias permaneceram unidas
após a partilha, e o mais surpreendente, a estabilidade destes parentes eram verificadas com
maior freqüência nos grandes plantéis e entre os africanos.142 No período de 1810-1830,
enquanto 75% das famílias africanas permaneceram unidas, entre os crioulos a proporção
teria chegado aos 40%. Porém, para estes pesquisadores, apesar desta estabilidade
expressiva, isto não significava que a morte do senhor não colocava a prova os escravos
com famílias, pelo contrário, conforme a conjuntura (períodos de maior ou menor oferta de
africanos novos) estas conseguiam se estabelecer em maior ou menor grau.143

Mesmo sabendo que o estabelecimento do escravo ladino em famílias não evitava


por completo a sua desintegração no mercado é indubitável o peso proporcionada por esta
instituição na vida destes aculturados, evitando que boa parte caísse nas mãos dos
merchants residente na América portuguesa. Portanto, os resultados divulgados por Manolo
Florentino e José Roberto Góes mostram o quão importante é levar em consideração o peso
das relações sociais no mercado, sobretudo, quando se faz alusão aos cativos. Assunto este,
analisado com mais cuidado no capítulo anterior.

140
FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico,
Rio de Janeiro, c. 1790 – c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
141
Idem, p. 115.
142
Os motivos pelos quais explicam o maior estabelecimento das famílias nos grandes planteis são discutidos
pelos autores, o que me dispensa de maiores comentários.
143
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. Cit., p. 117.
90

Para concluirmos este item, queremos mencionar que a intenção até o presente
momento foi mostrar e ampliar os caminhos os quais João Fragoso e Roberto Ferreira
trilharam para compreender as informações problemáticas e perniciosas dos códices 390,
421, 424 e 425. Apesar disso não ousaremos encarar nossas constatações como definitivas,
pois por mais que se tente aplicar novos métodos, as estimativas do quadro 6 mostram
claramente o quanto os registros de passaportes e despachos de escravos não devem ser
tratados como remessas reais, afirmação esta que poderá ser constatado mais adiante

Assim, tendo em conta todos os problemas existentes nesta documentação,


poderemos, a partir deste momento, explorar suas virtudes, começando pelo estudo da
tendência da redistribuição de cativos na praça mercantil carioca, sobretudo, para Minas
Gerais, nosso principal foco.

Sobre Minas Gerais na redistribuição de escravos na praça mercantil carioca, 1809-


1830

Sabemos que a maior parte dos escravos estabelecidos em Minas Gerais


desembarcaram no porto do Rio de Janeiro no século XIX. 144 Segundo Manolo Florentino,
Minas era responsável por 40% a 60% dos escravos remetidos no Rio de Janeiro na
segunda metade da década de 1820. 145
Roberto Borges Martins estima que a província teria importado 320 mil escravos na
primeira metade do século XIX, absorvendo 19% do total do tráfico Atlântico para o Brasil
entre 1800 e 1852. Tais estimativas destacam o território mineiro entre os maiores
importadores provinciais nesse período, superando a Bahia, Pernambuco, São Paulo, a
Corte e o Rio Grande do Sul, perdendo apenas para a província do Rio de Janeiro, cuja
economia, nesse momento, se destacava pela implantação e expansão do setor cafeeiro.146

144
É importante ressaltar que o trabalho de Alexandre Ribeiro demonstra que a cidade de Salvador na
segunda metade do século XVIII e certa forma no XIX, atuou como uma abastecedora complementar de
escravos para Minas Gerais. RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. cit., pp. 95 a 121.
145
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 38.
146
MARTINS, Roberto Borges. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In: SZMRECSÁNYI,
Tamás; e LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da independência ao império. São Paulo, ed.
HUCITEC, 1996, p. 103.
91

Tendo em conta estas constatações, o presente item estará voltado para o estudo da
tendência do fluxo de escravos para Minas Gerais nos anos de 1809 a 1830. Mais do que
isto, procurar-se-á construir uma análise comparada entre as flutuações da redistribuição em
Minas e as principais capitanias/províncias do centro-sul, quais sejam: Rio de Janeiro, São
Paulo e Rio Grande do Sul.
Nossa escolha por essa comparação se justifica pelo fato destas quatro localidades
possuírem o maior número de registros nos passaportes e despachos de escravos, embora
outras províncias, como Paraná e Santa Catarina, estejam presentes na documentação. A
não inserção se explica pela ínfima participação destas áreas nos envios de cativos, que
juntas, representam apenas 4,5% de todas as remessas de novos e ladinos ao longo de todo
período delimitado.147 Esta constatação nos levou acreditar que, a inclusão destes territórios
pouco ou nada influenciaria os objetivos delimitados, além disso, o custo para adicioná-las
não traria para a presente pesquisa nenhum benefício frente as nossas pretensões
subseqüentes.
Deste modo, nossa primeiro dever é relatar os resultados encontrados por João
Fragoso e Roberto Ferreira na redistribuição dos cativos no Valongo148 entre 1809 e 1830,
valendo-se também dos códices 390, 421, 424 e 425.
Ao fazerem um panorama da reexportação dos escravos novos, por mercado
regional, tendo como parâmetro o tráfico Atlântico, Fragoso e Ferreira constataram,
primeiramente, que Minas Gerais foi a capitania com maior participação neste comércio no
período em destaque, 13,6% do total. Analisando em três períodos distintos, os autores
perceberam que Minas teria adquirido 4,3% entre 1809 e 1814; 5,1% na fase de 1815-1821,
perdendo, neste instante, a hegemonia para a capitania fluminense. Entretanto, na fase de
1824-1830, Minas voltaria a imperar quando teria absorvido 22% dos cativos novos
desembarcados no porto carioca. 149
Referente ao total de escravos novos diante da totalidade dos códices, o cenário é o
mesmo descrito anteriormente, isto é, o domínio de Minas Gerais com a maior proporção
de novos ao longo do período, 39,9%. Entre 1809 e 1814 sua parcela foi de 44%, no

147
As capitanias não referidas aqui foram englobadas por Fragoso e Ferreira numa única categoria
denominada de “outros”. FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 32.
148
Segundo Karasch, o Valongo, na sua origem, era o nome da rua onde se localizavam as casas usadas como
depósito dos africanos até serem vendidos para negociantes ou particulares. KARASCH, Mary. Op. cit., p. 75.
149
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 27.
92

momento seguinte (1815-1821), 36,1% perdendo a primazia novamente para a capitania


fluminense, que registrou um índice de 56,1%. Novamente, Minas volta a dominar o
mercado de africanos novos nos anos de 1824 a 1830, absorvendo 42,7% do total
registrado. Nunca é demais lembrar que este último período é o de maior representatividade
diante do tráfico Atlântico.150
Adicionando os escravos ladinos nas comparações, Fragoso e Ferreira perceberam
que a tendência exposta anteriormente não se altera, ou seja, Minas Gerais seria o principal
destino dos escravos ao longo de toda a fase, exceto no intervalo de 1815-1821, onde
novamente o Rio de Janeiro absorveria a maior parcela dos escravos enviados do Valongo.
Enfim, diante destes resultados, os autores afirmam que era a província mineira, com uma
economia voltada basicamente para o mercado interno, a maior importadora de escravos no
país.151
Contudo, o que despertou nossa atenção foi a afirmação de Fragoso e Ferreira ao
considerarem, “em termos globais”, o período de 1809 e 1822 como uma fase onde a
capitania fluminense teria dominado o mercado de escravos novos em relação a mineira, ou
seja, enquanto neste período a primeira teria absorvido 42,3%, a segunda ficaria com a
parcela de 34,8%, mantendo-se sempre a frente de São Paulo (13%) e Rio Grande do Sul
(7%). Os autores afirmam ainda que a preeminência fluminense no intervalo de 1815-1821
teria contribuído para a sua liderança global de 1809-1822. 152
Sendo assim, Fragoso e Ferreira acreditam que nos anos de baixa representatividade
de cativos diante do tráfico Atlântico, ou seja, o período anterior a 1822, a tendência era a
capitania fluminense dominar as importações de africanos novos, enquanto na fase de
maior representação (1824-1830), a economia mineira passava a ser hegemônica nos envios
destes cativos. Porém, consoante autores, esta idéia não é válida para o intervalo de 1809-
1814 e sim para a fase global de 1809-1822.153
Não obstante, quando elaboramos nossos dados, as afirmações acima nos pareceram
suspeitas, principalmente quando desenvolvemos um procedimento metodológico com base
em alguns apontamentos dos próprios autores que não ganharam uma seqüência. Com isso,

150
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 27.
151
Idem, Ibidem.
152
Idem, p. 28.
153
Idem, Ibidem.
93

antes de partirmos para o quadro elaborado é importante termos em mente algumas


questões postas por Fragoso e Ferreira.
Nos passaportes são constantes informações acerca da moradia e do destino dos
tropeiros, partindo desses registros, Fragoso e Ferreira se defrontaram com fatos bem
instigantes.
Ao retirar dados sobre a moradia dos tropeiros que saíam com escravos do Valongo
entre 1809 e 1821, estes estudiosos perceberam que os registros contemplados por esta
informação abarcavam uma população escrava de 55.601 pessoas, ou ainda, 75% de todos
os cativos registrados no período em questão. Deste modo, a maior parte dos passaportes
registraram remessas de escravos e, simultaneamente, a residência do tropeiro. A partir
disso, Fragoso e Ferreira elaboraram uma tabela com base nestes dados.
As informações da tabela 11, consoante os autores, mostram nos anos e 1809 a 1821
a proporção de 63,4% destinados aos tropeiros mineiros, onde era possível observar os
registros sobre as residências desses viandantes. Além disso, estes últimos foram
responsáveis por 75,1% de todos os envios de escravos registrados no período em questão.
Aparentemente, o cenário apresentado estaria demonstrando uma tendência natural,
já que Minas Gerais era um dos principais destinos dos tropeiros quando de sua partida da
praça mercantil carioca, no entanto, ficamos surpreendidos com a comprovação de Fragoso
e Ferreira, onde 34,3% destes viajantes mineiros partiram para a capitania fluminense
chegando ao período de 1815-1821 com uma proporção de 37,8%. O mais instigante ainda
é o fato destes indivíduos terem, praticamente, como destino único o município de Rezende
(Tabela 12).
No período de 1815-1821, quase 49% dos tropeiros com residência em Minas
tinham como ponto de chegada a cidade de Rezende, sendo que no ano de 1815 esta
proporção perpassou os 63%. Observe que é período onde a capitania fluminense teria
liderado as remessas de escravos no Valongo.
94

Tabela 11: Moradores nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro e escravos por
eles conduzidos, 1809-1822.
Minas Rio de Janeiro Total(a)
Moradores Escravos
Moradores Escravos Moradores Escravos
(b) (c)
% de % de % de % de
Anos # # # # # #
(b) (c) (b) (c)
1809 542 59,5 1992 71,5 254 27,9 532 19,1 911 2787
1811 423 44,9 1426 73,8 252 26,7 259 13,4 943 1933
1813 872 65,2 4105 76,4 307 23,0 723 13,5 1337 5375
1814 295 62,9 1288 75,7 117 24,9 275 16,2 469 1702
1815 718 65,3 3582 76,0 229 20,8 605 12,8 1100 4715
1816 992 66,4 5147 75,4 323 21,6 911 13,4 1495 6823
1817 1497 70,3 6419 77,6 466 21,9 1477 17,9 2129 8274
1818 1824 69,4 6751 75,9 638 24,3 1725 19,4 2629 8893
1819 1910 60,3 5418 74,1 1049 33,1 1725 23,6 3165 7310
1820 1560 60,4 4031 71,1 850 32,9 1381 24,4 2584 5667
1821 538 62,3 1584 74,6 263 30,5 445 21,0 863 2122
Total 11171 63,4 41743 75,1 4748 26,9 10058 18,1 17625 55601
(a) Inclui moradores de locais que não fossem áreas do Rio de Janeiro ou de Minas Gerais, bem como
escravos que foram para outras capitanias.
(b) Percentual calculado frente ao total de moradores, inclusive os que não residiam nas capitanias de Minas
ou do Rio de Janeiro.
(c) Percentual calculado frente ao total de escravos, inclusive escravos que não foram para áreas da capitania
de Minas ou do Rio de Janeiro.
Obs.: A tabela considera somente registros onde a residência dos tropeiros era informada.
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 42.
95

Tabela 12: Mineiros com destino a Resende frente ao total de tropeiros com residência
em Minas (1809-1822)
Ano Mineiros p/ Resende % Total de mineiros
1809 3 0,6 542
1811 8 1,9 423
1813 261 29,9 872
1814 161 54,6 295
1815 452 63,0 718
1816 487 49,1 992
1817 799 53,4 1497
1818 1017 55,8 1824
1819 766 40,1 1910
1820 570 36,5 1560
1821 288 53,5 538
1815-21 4379 48,5 9039
1822 292 24,1 1212
1823 0 - 10
Total 5104 41,2 12393
Fonte: FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 44.

Com isso, estes dados nos remetem a duas hipóteses levantadas por Fragoso e
Ferreira que são louváveis de nota. Uma primeira estaria relacionada à questão dos
tropeiros mineiros estarem apenas de passagem pela cidade de Rezende, tendo como
destino final às regiões da capitania mineira e uma segunda hipótese: estes viajantes, quiçá,
com a conivência dos oficiais da Polícia da Corte, teriam omitido seu real destino e
declarado o município de Rezende como a última estação. O emolumento pago por
passaporte para este destino era menos dispendioso em relação ao que se pagava para os
sujeitos com destino a Minas Gerais. Na legislação da Polícia da Corte, Fragoso e Ferreira
constataram que, enquanto se pagava $0,40 por passaporte para quem se dirigia a Rezende,
o valor cobrado para Minas Gerais era de $160.154
Esta hipótese ganha força quando os autores lançaram mão da Coleção de Leis do
Império e perceberam no ano de 1822, a promulgação por parte do recém-imperador do
Brasil, da decisão de número 135, cuja finalidade era isentar os viajantes mineiros e
paulistas de encargos excessivos pagos nas estradas que ligavam ao Rio de Janeiro,

154
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 45.
96

atendendo assim, as solicitações feitas pelos mineiros e paulistas. Abaixo podemos ver esta
decisão na íntegra.

“Atendendo S. M. o Imperador aos graves incômodos que sofrem as pessoas que


transitam na Província de Minas Gerais e S. Paulo para esta do Rio de Janeiro, em serem
obrigadas a tirar desta Corte novas guias quando se retiram, bem que se achem munidas
das que se lhes passam nos Registros de Paraibuna ou Rio Preto: Manda o Mesmo A. S.
pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império, que o intendente Geral da Polícia
faça cessar o uso de se passarem novas Guias; e que nas que lhe forem apresentadas
ponha gratuitamente a nota seguinte-visto- : Cunha- para que se possam as referidas
pessoas servir-se delas na sua volta sem novas despesas, e cujo fim se expedirão pela
Intendência as precisas ordens e participações aos Comandantes ou despesas, e cujo fim
se expedirão pela Intendência as precisas ordens e participações aos Comandantes ou
Provedores dos indicados Registros para que deixem livre o trânsito às pessoas que lhes
apresentarem as Guias com as mencionadas notas do mesmo Intendente. Palácio do Rio
de Janeiro em 14 de novembro de 1822. – José Bonifácio de Andrada e Silva.” 155

Conforme Fragoso e Ferreira, a decisão 135 provavelmente explicaria a tímida


participação de Minas Gerais e São Paulo nas remessas de escravos entre 1815 e 1821, e
por sua vez, o crescimento significativo destas províncias depois de 1822, onde Minas
novamente assumiria a vanguarda no tráfico regional de cativos, perdida para a Capitania
do Rio de Janeiro nos anos de 1815-1821.
Interessante observar, que estes desvios proporcionados pelas fontes não são
privilégios dos códices da Intendência de Polícia da Corte. Alexandre Ribeiro ao trabalhar
com os códices 249 e 252, referentes à redistribuição de escravos na praça mercantil de
Salvador nos século XVIII e XIX, se depara com problemas similares. Analisando as
regiões com maior absorção de cativos aportados dos negreiros em Salvador, Ribeiro
percebeu que muitos despachantes de escravos, com destino a Minas Gerais,
provavelmente, burlaram o seu real destino, registrando como ponto final o Rio de Janeiro.
Isto se explicaria também, conforme o autor, pelo imposto pago por escravo remetido,ou
seja, enquanto se pagava 9$000 réis para cada escravo remetido para as Minas, para o Rio
cobrava-se 4$500 réis.156
Dessa forma, baseado nas ponderações anunciadas até o momento, isto é, aos
“desvios” encontrados nos códices 390, 421, 424 e 425, causado em grande parte pelos
próprios agentes “formuladores” desta documentação, elaboramos a tabela 13, cujo cenário

155
Arquivo Nacional, Coleção de Leis do Império, Decisão 135 – 14 de novembro de 1822.
156
RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. cit., p. 111.
97

foi construído em função do seu principal ator, ou seja, a idéia é demonstrar Minas Gerais
no tráfico regional a partir do Valongo entre os anos de 1809 e 1830
Para a elaboração desta tabela partimos de um pressupostos, enfaticamente,
apresentados neste trabalho, qual seja: a provável perda de livros as quais davam conta das
remessas de escravos e a probabilidade dos funcionários da Intendência de Polícia não se
preocuparem com a emissão de despachos de escravos até 1821. A partir disso, propomos
uma análise acerca das remessas de escravos para Minas Gerais sobre uma prisma distinto
em relação ao panorama apresentado por João Fragoso e Roberto Ferreira.
Na tabela 13, somamos as remessas de escravos novos e ladinos entre 1809 e 1830,
tendo, dessa forma, um quadro geral da proporção dos cativos enviados para as província
de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Entretanto, é importante
dizer que estamos considerando este quadro como uma tendência do tráfico regional de
cativos. Isto se explica, pela nossa crença dos registros desbravados não poderem ser
encarados enquanto remessas reais de cativos.
Um outro procedimento metodológico para a elaboração da tabela 13, foi agregar
para Minas Gerais, nos anos de 1809 a 1822, todas as remessas de escravos que tinham
como destino Rezende, mas, somente onde a residência do tropeiro registrava a província
mineira como moradia. Eis um procedimento metodológico que mudou ligeiramente os
dados por um lado e mudou, substancialmente, por outro lado, o quadro exposto por
Fragoso e Ferreira.
Num primeiro instante, os dados apresentam uma tendência muito evidenciada ao
longo deste trabalho, isto é, no período de 1809 a 1830, o principal destino dos escravos foi
Minas Gerais, onde 40% das almas enviadas da praça mercantil carioca teriam se deslocado
para esta região. A Capitania do Rio de Janeiro ficaria com o segundo posto, 36%, em
seguida, estaria a capitania de São Paulo com 15,5% e, por fim, o Rio Grande do Sul, cuja
economia teria absorvido 8,5% dos escravos reexportados. É valido ressaltar, que apesar do
baixo índice deste território em relação a Minas e ao Rio de Janeiro, trata-se da quarta
capitania escravista do centro-sul brasileiro.157

157
Como já foi afirmado aqui, as demais regiões que aparecem nos passaportes e despachos, juntas
representam 4,5% dos escravos redistribuídos no porto carioca, conforme os dados de João Fragoso e Roberto
Ferreira.
98

Partindo para os intervalos a tendência não se modifica, profundamente, em relação


aos dados de Fragoso e Ferreira. No primeiro momento (1809-1814), Minas Gerais ficaria
com a maior proporção dos cativos, 46,9%, a principal diferença estaria na mudança de
posição entre o Rio de Janeiro e São Paulo, cuja proporção perpassaria os 24,5% contra
22,9% da província fluminense. Nos resultados obtidos por Fragoso e Ferreira o Rio de
Janeiro estaria ligeiramente na frente da capitania paulista.158 A divergência destes
resultados reside na metodologia adotada no presente trabalho, melhor dizendo, tal
mudança foi fruto dos registros referentes à Rezende, cujos dados agregamos para Minas.
Apesar disso, não é demais lembrar que este é o intervalo mais problemático de todo o
recorte temporal agravado pela perda de livros. Assim, estes procedimentos, possivelmente,
teriam contribuído para a oscilação da redistribuição verificada entre Rio de Janeiro e São
Paulo.
Na fase seguinte (1815-1821), os resultados são similares em relação aos índices de
Fragoso e Ferreira, onde a capitania liderou o tráfico regional, com 48,4% contra 41,1% dos
escravos idos para Minas. No intervalo de 1824-1830, a província mineira voltaria a ser o
destino da maioria dos cativos, com 41,9% das remessas, seguida por Rio de Janeiro, 36%;
São Paulo, 15,2% e Rio Grande do Sul, com 6,9% dos envios de escravos realizados nos
anos de 1824 a 1830.
Ainda neste momento, mais especificamente a partir de 1825, os resultados
encontrados tornam-se mais interessantes, devido ao fato de convergirem com as
estimativas apresentadas por Manolo Florentino. Como demonstramos no início deste item,
Florentino afirmou que Minas teria absorvido de 40% a 60% dos escravos enviados do
Valongo,159 na tabela 13 observamos que a saída de escravos para o território mineiro
variou de 32,6% a 61% entre 1825 e 1830.

158
Enquanto São Paulo teria ficado com 23,6% dos cativos, a Capitania do Rio de Janeiro teria absorvido
25,1%. FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 32.
159
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 38
99

Tabela 13: Remessas anuais de cativos a partir do porto do Rio de Janeiro (1809-
1830)
Rio de Rio Grande
Minas Gerais São Paulo Total
Janeiro do Sul
Ano # % # % # % # % # %
1809 421 22,7 140 7,5 1099 59,3 191 10,5 1851 100,0
1811 524 40,0 417 31,8 174 13,2 195 15,0 1310 100,0
1813 1763 62,6 676 24,0 373 13,4 0 - 2812 100,0
1814 525 57,5 344 37,7 43 4,8 0 - 912 100,0
1809-14 3233 46,9 1577 22,9 1689 24,5 386 5,6 6885 100,0
1815 1598 58,5 931 34,0 184 6,7 18 0,8 2731 100,0
1816 2275 52,1 1532 35,1 360 8,2 197 4,6 4364 100,0
1817 1804 46,6 1733 44,8 172 4,4 158 4,2 3867 100,0
1818 1199 34,1 2067 58,8 102 2,9 146 4,2 3514 100,0
1819 412 13,9 2284 77,2 122 4,1 140 4,8 2958 100,0
1820 691 28,4 1334 54,8 290 11,9 116 4,9 2431 100,0
1821 959 51,2 661 35,3 116 6,1 136 7,4 1872 100,0
1815-21 8938 41,1 10542 48,4 1346 6,1 911 4,4 21737 100,0
1822 2855 29,0 2667 27,1 1968 20,0 2333 23,9 9823 100,0
1809-22 15026 39,0 14786 38,4 5003 13,0 3630 9,6 38445 100,0
1823 - - 977 18,8 2181 41,9 2035 39,3 5193 100,0
1824 4190 32,1 4055 31,0 2283 17,4 2521 19,5 13049 100,0
1825 5761 60,1 2959 30,8 857 9,1 0 - 9577 100,0
1826 6126 32,6 6359 33,9 3783 20,1 2488 13,4 18756 100,0
1827 6131 46,9 4438 33,9 2077 15,8 424 3,4 13070 100,0
1828 10707 40,9 9909 37,9 4766 18,2 741 3,0 26123 100,0
1829 9458 44,7 7535 35,6 2995 14,1 1168 5,6 21156 100,0
1830 12212 42,9 11625 40,9 3080 10,8 1501 5,4 28418 100,0
1824-30 54585 41,9 46880 36,0 19841 15,2 8843 6,9 130149 100,0
Total 69611 40,0 62643 36,0 27025 15,5 14508 8,5 173787 100,0
Obs.: No ano de 1810 foram conduzidos 17 cativos novos e nenhum ladino pela capitania mineira, 54 novos e
2 ladinos para a paulista e somente 3 novos e 1 ladino para o Rio Grande do Sul, as demais não receberam.
Não há dados para 1812 e para 1823 não informações de remessas de escravos para Minas Gerais, pois,
segundo Fragoso e Ferreira, provavelmente há um livro específico do códice 425 que daria conta dos dados
para Minas Gerais no referido ano, porém, este livro ainda não foi localizado no Arquivo Nacional.
Fonte: Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Tendo em vista as pequenas alterações em relação aos dados de Fragoso e Ferreira,


o quadro apresentado se altera de forma expressiva quando nos valemos do período de 1809
e 1822. Como já foi dito, os autores afirmam que a capitania fluminense estaria na
vanguarda do tráfico regional considerando este período como todo, além dissemos também
que suspeitávamos desta constatação. Sendo assim, tentaremos explicar o porquê.
100

Com a agregação das remessas referentes à Rezende para Minas Gerais foi possível
denotar, que no período de 1809-1822 a um grande equilíbrio entre o tráfico para Minas e
para a capitania fluminense, 39% contra 38,4%, portanto, diferente dos índices apontados
por Fragoso e Ferreira, onde o Rio teria absorvido 42,3% e Minas 34,8%.160 No entanto,
enquanto os dados dos autores são referentes apenas aos cativos novos, na tabela 13 os
registros se referem a soma de africanos novos e ladinos, o que complicaria nossa
argumentação.
Não obstante, nossa argumentação pode ser mantida quando partimos para os
gráficos 4 e 4.1, cuja elaboração se respaldou nas flutuações anuais do tráfico regional de
escravos. Com a desagregação dos dados da tabela 13, procurarmos destacar as variações
anuais da proporção de escravos novos e ladinos na redistribuição para Minas Gerais e nas
demais províncias do centro-sul em destaque neste trabalho. Vale ressaltar novamente, que
quando estamos fazendo alusão aos ladinos, o crioulo está inserido neste cálculo, pois este
aos olhos do mercado era negociado como ladino.
Tendo em mente tais procedimentos, o gráfico 4 permite perceber que, ao longo dos
anos de 1809 a 1830, a maior proporção de escravos novos se registrou no tráfico de
escravos para Minas Gerais. No total, 97,8% dos cativos idos para Minas eram africanos
novos, enquanto para o Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul este índice foi de
90,9%; 94,7% e 72,2% respectivamente.161 Para além, podemos visualizar a hegemonia do
tráfico mineiro em relação a capitania fluminense em quase todos os anos, exceto no ano de
1821, onde a proporção de novos nas remessas para o Rio foi de 65,6, contra 56,8% de
Minas. Esta tendência se confirma também em todos os intervalos (1809-14, 1815-21 e
1824-30), principalmente no período de 1809-22.162
Frente a esta situação, acreditamos que Minas Gerais teria sido a província do
centro-sul com maior envolvimento no tráfico Atlântico. Dito de outro modo, independente
da variação da representatividade dos códices da Polícia da Corte, Minas teria dominado a
oferta de africanos novos no mercado do Valongo em todos os momentos do período de
1809-1830, o que contraria, portanto, a idéia de João Fragoso e Roberto Ferreira acerca do
domínio da província fluminense neste mercado na fase geral de 1809-22. Isto se justifica,

160
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 31.
161
Para visualização destes dados veja anexo 4.
162
Os índices para todos os intervalos podem ser observado também no anexo 4.
101

por estarmos tratando os registros dos passaportes e despachos como uma tendência do
tráfico regional de escravos e não como tráfico efetivo, ou seja, não estamos trabalhando
com a concepção de uma quantidade real de remessas.
Embora esta discussão seja muito importante, não podemos deixar de mencionar
outras constatações verificadas nos gráficos. A primeira delas, é a variação expressiva da
proporção de africanos novos na redistribuição no Valongo. Entre 1809 e 1830 esta
oscilação foi de 56,8% a 99,2% em Minas, 62,1% a 95,9% na província fluminense e de
41,8% a 99,1% em São Paulo
É curioso verificar que os baixos índices foram registrados, praticamente, no mesmo
período, entre 1819-21, exceto no Rio de Janeiro onde a menor proporção de novos se deu
em 1809, apesar disso, em 1821 o índice de novos desta capitania acompanhou o momento
de baixa do período. Para a compreensão deste fato nos valemos das estimativas do tráfico
Atlântico, onde enxergamos um possível caminho para seu esclarecimento. Nos anos de
1819 a 1821 reparamos que o número de desembarque de africanos decaiu em relação aos
anos de 1818 e 1822163, indício, talvez, de uma oferta menor de escravos novos na praça
carioca, forçando, assim, as capitanias se lançarem no mercado interno no referido triênio,
como podemos visualizar no gráfico 4.1, onde no ano de 1819 a proporção de ladinos nas
remessas para São Paulo foi de 58,2% e em 1821, o índice registrado para Minas e Rio foi,
respectivamente, de 43,2% e 34,4%.
A segunda constatação, diz respeito a não inclusão do Rio Grande do Sul neste
processo. Os gráficos 4 e 4.1 mostram, por um lado, o seu envolvimento ínfimo com o
tráfico Atlântico entre 1809 e 1821 – em alguns anos (1818 a 1820) a ausência neste
mercado teria sido completa – e, por outro lado, o seu grande comprometimento com o
mercado de ladinos, chegando, obviamente aos 100% entre 1818 e 1820. No geral, os
ladinos tiveram uma participação de 27,8% nos despachos riograndenses, enquanto em
Minas Gerais, no Rio de Janeiro e São Paulo este índice foi apenas de 2,2%, 9,1% e 5,3%
respectivamente.164 Contudo, devemos alertar que os dados para o Rio Grande do Sul
podem não refletir a realidade do seu envolvimento no tráfico Atlântico, pois é possível que

163
Enquanto em 1818 e 1822 teriam desembarcado no Rio de Janeiro respectivamente, 24.500 e 23.280
cativos africanos, no triênio de 1819 a 1821 teriam aportado em média 20.800 escravos. FLORENTINO,
Manolo. Op. cit., p. 51.
164
Anexo 4.
102

navios negreiros teriam aportado diretamente no litoral desta província. De qualquer forma,
pouco podemos avançar com os dados em mãos. Apesar disso, devemos ressaltar que,
recentemente, muitos trabalhos tem se preocupado com pesquisas sobre o tráfico de
escravos no Rio Grande do Sul. 165
Por fim, vale a pena sublinhar a alta proporção de africanos novos nas remessas para
São Paulo no período de 1809-1830. Como já foi registrado, este índice foi de 94,7%,
superior, inclusive, à proporção registrada na província fluminense (90,9%). Embora não
haja dúvidas sobre a enorme superioridade numérica do Rio de Janeiro no tráfico de
escravos em relação ao território paulista, percebemos que a proporção elevada de africanos
novos se registra num momento de avanço da economia desta província
Segundo Francisco Luna e Herbert Klein, o crescimento da grande lavoura
escravista e das exportações desencadeou a expansão do mercado local, o crescimento da
urbanização, a imigração para a capitania de trabalhadores livres e escravos, o alargamento
da fronteira sobre novas terras e a criação de uma infra-estrutura de transportes cada vez
mais complexa.166 Além disso, a produção de gêneros alimentícios se expandia
paralelamente às culturas de exportação na primeira metade do século XIX.167 Assim, todos
estes fatores, segundo os pesquisadores, contribuíram para a crescente importação de
africanos realizadas por São Paulo, informação esta que pode ser confirmada pelos dados a
pouco apresentados.

165
Para constatar esta informação veja BERUTE, Gabriel Santos. Rio Grande de São Pedro do Sul: uma
analise do trafico domestico de escravos (1788-1822). Porto Alegre: PPGH – UFRGS, 2004 – 2006 (pesquisa
de mestrado). Agradeço gentilmente ao autor por ceder este paper inédito.
166
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo,
de 1750 a 1850. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p. 58.
167
Idem, p. 136.
103

Gráfico 4:Proporção de cativos novos nas


flutuações anuais do tráfico regional de escravos,
1809-1830

100
90
80
70
Porcentagem

60
50
40
30
20
10
0
1809 1811 1813 1814 1815 1816 1817 1818 1819 1820 1821 1822 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830

Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo Rio Grande do Sul


Fonte: Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Gráfico 4.1: Proporção de ladinos nas flutuações


anuais do tráfico regional de escravos, 1809-1830
100
90
80
70
Porcentagem

60
50
40
30
20
10
0
1809 1811 1813 1814 1815 1816 1817 1818 1819 1820 1821 1822 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830

Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo Rio Grande do Sul


Fonte: Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
104

Pois bem, apesar de todas as informações expostas até aqui mostrarem a força de
Minas Gerais no tráfico regional de escravos, podemos ainda fortalecer nossas
argumentações. Para tanto, elaboramos a tabela 14, cujo objetivo foi buscar uma estimativa
da proporção de escravos novos remetidos para Minas Gerais.
A metodologia empregada nesta tabela baseou-se nos mesmos procedimentos
aplicados na tabela 10, ou seja, agregamos as flutuações anuais dos escravos novos e
“trouxe” referente a Minas, do resultado calculamos o tráfico efetivo para a região sobre a
logística de 10% e 20%, sendo a primeira a margem máxima de lucro e a segunda a
margem mínima. Feito isso, buscamos estimar a proporção das remessa para Minas frente
ao tráfico efetivo do códice, calculado sobre 10% de logística (tabela 10). Este
procedimento poderia ter sido empregado para o tráfico efetivo dos códices sobre 20% de
logística, no entanto, não seria necessário, pois a tendência proporcional seria a mesma, não
alterando, desta forma, o caminhar de nossa análise.
Dito isso, verifica-se na tabela 14 a expressiva importância do tráfico Atlântico para
a economia mineira e, por sua vez, a indubitável força desta província na praça mercantil
carioca entre 1809 e 1830.
No total deste período, Minas Gerais teria absorvido entre 49,3% e 44% dos novos
remetidos do Valongo, isto é, praticamente a metade. Além disso, os resultados encontrados
contribuem para a idéia acerca da vanguarda da província mineira no intervalo de 1809-
1822, ou seja, com uma variação de 58,5% a 52%, nossos registros se contrapõem
novamente em relação as constatações de João Fragoso e Roberto Ferreira sobre a
preeminência fluminense neste período de forma geral.
Assim, apesar do aparente exagero verificável entre os anos de 1809-1821 – onde a
proporção de Minas no mercado de africanos novos chegou ao pico de 67% no ano de 1815
– o quadro esboçado aponta para uma grande capacidade econômica da capitania mineira
em importar escravos, sobretudo, africanos novos durante os primeiros decênios do século
XIX.
105

Tabela 14: Estimativas anuais da representatividade de cativos novos redistribuídos


do Rio de Janeiro para Minas Gerais (1809-1830).
Tráfico Tráfico
Tráfico
Total de Logística Logística Efetivo Efetivo
Porcentagem Porcentagem efetivo
ANOS novos e 10% do 20% do Minas Minas
(a) (b) dos
trouxe total (a) total (b) Gerais Gerais
códices
(a) (b)
1809 2042 204 408 1838 1634 51,8 46,0 3548
1811 1538 154 308 1384 1230 60,7 54,0 2277
1813 4238 424 848 3814 3390 66,3 59,0 5746
1814 1422 142 284 1280 1138 67,0 59,6 1908
1815 3786 378 756 3408 3030 65,5 58,2 5199
1816 5637 563 1126 5074 4511 66,2 59,0 7657
1817 6800 680 1360 6120 5440 66,4 59,0 9206
1818 6564 656 1312 5908 5252 57,1 50,7 10341
1819 5600 560 1120 5040 4480 59,0 52,3 8565
1820 4259 426 852 3833 3407 59,3 52,7 6462
1821 1313 131 262 1182 1051 60,0 53,3 1971
1822 6221 622 1244 5599 4977 43,0 38,2 13028
1809-1822 49420 4940 9880 44480 39540 58,5 52,0 75908
1824 4115 411 822 3704 3293 32,6 29,0 11329
1825 5641 564 1128 5077 4513 61,5 54,7 8246
1826 6040 604 1208 5436 4832 32,4 29,0 16737
1827 6090 609 1218 5481 4872 42,1 37,5 12991
1828 10610 1061 2122 9549 8488 41,0 36,3 23329
1829 9360 936 1872 8424 7488 45,0 40,0 18745
1830 12055 1205 2410 10850 9645 43,7 39,0 24773
Total 103331 10333 20666 92998 82665 49,3 44,0 188442
Fonte: códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Não há dados para o ano de 1823 especificamente para Minas Gerais.
(a) referente ao tráfico efetivo para Minas e a porcentagem em relação ao tráfico efetivo dos códices
com 10% de logística.
(b) referente ao tráfico efetivo para Minas e a porcentagem em relação ao tráfico efetivo dos códices
com 20% de logística.

A partir destes relatos, as evidências expostas ao longo deste item viabilizam a


formulação de algumas reflexões das quais permeiam a presente pesquisa. Primeiro, nossos
resultados apontam para as teorias defendidas desde o início da década de 80, qual seja: a
não decadência da economia mineira após o auge da mineração.168 Mais do que isto, os
dados corroboram a teoria de Roberto Borges Martins acerca da preeminência mineira no
tráfico Atlântico, sobretudo, a partir da segunda década do século XIX.169
Segundo, nossos dados confirmam também as previsões de Martins sobre o
envolvimento de Minas, como em outras partes do Brasil, no contexto da iminência da

168
Como foi dito na introdução deste capítulo, no final da década de 70 estudiosos de grande importância
como Maria Yedda Linhares e Alcir Lenharo, já alertavam sobre esta teoria. Dentre os dois veja
principalmente LENHARO, Alcir. Op. cit.
169
MARTINS, Roberto Borges. Op. Cit., pp. 107-108.
106

ilegalidade do tráfico na década de 1820, na qual teria gerado um aumento especulativo nas
importações de africanos. Na tabela 14 podemos confirmar esta afirmação, onde apesar do
registro da diminuição proporcional dos cativos novos no tráfico para Minas a partir de
1822 – chegando atingir 29% em 1826 – em termos quantitativos a absorção de africanos
novos no Valongo aumenta vertiginosamente, importando quase 11 mil cativos em 1830
(tabela 14).
Sendo assim, esta queda proporcional não estaria vinculado a um esfriamento por
parte da economia mineira na aquisição de novos escravos, ou seja, é possível que neste
momento tenha ocorrido uma participação mais efetiva de outras províncias,em vista da
abundância de almas africanas no mercado neste período

Sobre as tendências demográficas do tráfico regional de escravos

Embora todas as evidências expostas neste capítulo demonstrem a forte vinculação


da economia mineira com o tráfico de escravos, acreditamos na necessidade do
fornecimento de novos subsídios para o amadurecimento desta idéia. Para isso,
estudaremos as principais características dos cativos despachados da praça mercantil
carioca entre os anos de 1809 e 1830.
Os códices 390, 421, 424 e 425 oferecem registros que possibilitam a recuperação
da origem do escravo, da sua composição sexual e etária. A partir destas informações
poderemos traçar um quadro do perfil demográfico do tráfico de escravos para Minas
Gerais e compará-lo as principais capitanias/províncias do centro-sul. Além disso, iremos
realizar, dentro do possível, o cruzamento do padrão demográfico entre os cativos enviados
para Minas Gerais e os estabelecidos na Zona da Mata mineira.
Nesse sentido, nosso primeiro passo será traçar a razão de masculinidade entre os
cativos envolvidos no tráfico regional. Tal procedimento, nos permitirá estabelecer o grau
de desequilíbrio sexual entre os mesmos, pois como foi dito no capítulo anterior, uma
região na qual se constata um alto grau de integração no mercado e obedecendo, deste
modo, a uma lógica empresarial escravista, a tendência estrutural é a superioridade
numérica dos homens em relação às mulheres.170

170
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 50 a p. 60.
107

Na tabela 15 se encontra disponível a razão de masculinidade dos escravos


redistribuídos para Minas Gerais e as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande
do Sul. Para a formulação da dita tabela encontramos 13.892 escravos cujos sexos estavam
discriminados na documentação, o que representa cerca de 8% do total de 173.787 cativos
registrados pelos códices da Polícia da Corte. Vale ressaltar que a partir da construção
destas tabelas tornou-se possível diferenciar os ladinos dos crioulos e aferir seu papel no
perfil do tráfico regional, oportunidade esta não concretizada no item anterior por razões já
esclarecidas.
Outro detalhe importante é que a maioria dos escravos com o sexo registrado são
ladinos, ou seja, quase não há informações de natureza demográfica relativas aos africanos
novos, embora sejam absolutos nas remessas. Não obstante, sendo o ladino um africano
batizado com o nome cristão, este problema não impedem nossas pretensões.
Com isso, podemos observar num primeiro momento que, entre 1809-1830, os
escravos masculinos representavam c. de 58% do total remetido para Minas Gerais, ou seja,
teríamos aí uma razão de 139 para cada 100 mulheres. Uma razão muito baixa se
compararmos com as províncias do Rio de Janeiro (274), São Paulo (348) e Rio Grande do
Sul (379). Temos, então, uma situação curiosa, qual seja: se por um lado, Minas Gerais foi
maior importadora de escravos na praça mercantil carioca, por outro lado, foi onde se
registrou a menor razão de masculinidade entre as principais províncias do centro-sul, o que
parece ser uma constatação nada coerente.

Tabela 15: Razão de masculinidade entre os cativos despachados da praça mercantil


carioca para as Províncias do Centro-Sul 1809-1830.
Destino Masculino Feminino Total A
# % # % # %
Minas Gerais 1079 58,1 777 41,9 1856 100,0 139
Rio de Janeiro 4690 74,5 1600 25,5 6290 100,0 293
São Paulo 1242 77,7 356 22,3 1598 100,0 348
Rio Grande do Sul 3282 79,1 866 20,9 4148 100,0 379
Fonte: Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Tendo em vista este problema, formulamos as tabela 15.1 e 15.2, as quais permitem
a verificação da razão de masculinidade entre os africanos e crioulos. Os primeiros
108

representam 80% dos cativos com origem registrada, ou 10.400 almas no total de 13.051, já
os crioulos, obviamente, são responsáveis pelos 20% restantes.
Os resultados expressos na tabela 15.1 complicam ainda mais a situação exposta
acima, pois apenas 48,6% dos africanos com destino a Minas são do sexo masculino,
refletindo, por sua vez, na razão negativa de 94 homens para 100 mulheres. Dado
preocupante frente a afirmação de Manolo Florentino, onde a tendência da razão de
masculinidade entre os africanos é aumentar, situação verificada apenas para São Paulo
(348 para 431) e o Rio Grande do Sul (379 para 430). Apesar da alta razão registrada na
capitania fluminense, a razão entre os africanos, assim como em Minas Gerais, decresce
(293 para 274). Para se ter uma idéia do problema destes dados, Florentino encontrou para
a área rural deste território uma razão geral de 140 a 230, sendo que entre os africanos este
índice foi de 220 a 330 entre 1810 e 1830. 171

Tabela 15.1: Razão de masculinidade entre os africanos despachados da praça


mercantil carioca para as Províncias do Centro-Sul 1809-1830.
Destino Masculino Feminino Total A
# % # % # %
Minas Gerais 668 48,6 706 51,4 1374 100,0 94
Rio de Janeiro 3440 73,2 1254 26,8 4694 100,0 274
São Paulo 867 81,1 201 18,9 1068 100,0 431
Rio Grande do Sul 2649 81,1 615 18,9 3264 100,0 430
Fonte: Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Estes resultados são ainda mais problemáticos quando partimos para análise da
razão de masculinidade entre os crioulos. Segundo Florentino, a tendências entre estes
últimos é uma distribuição mais equilibrada entre homens e mulheres, resultando, por sua
vez, numa baixa razão de masculinidade.
Entretanto, na tabela 15.2 se percebe uma inversão desta tendência para Minas
Gerais e no Rio de Janeiro. Enquanto na primeira capitania se registrou uma razão absurda
de 779, no território fluminense este índice foi de 402, contrariando, deste modo, as
afirmações de Florentino, onde entre os crioulos da área rural deste território a razão jamais

171
Nos dados originais de Florentino a razão é de 1,4 e 2,3 por 1 entre os escravos na área rural fluminense e
especificamente entre os africanos o autor trabalha com a razão de 1,6/1 a 1,9/1 antes de 1810-2, e de 2,2/1 a
3,3/1 deste período até 1830-2. FLORENTINO, Manolo. Op, cit., p. 55 e p.58.
109

ultrapassaria os 120 nos primeiros decênios do século XIX. 172 No caso de São Paulo e Rio
Grande do Sul, a escrita do autor se confirma, apesar de muito elevada, a razão entre os
crioulos diminui em relação aos africanos, 431 contra 367 na primeira e 430 contra 289 na
segunda capitania.

Tabela 15.2: Razão de masculinidade entre os crioulos despachados da praça


mercantil carioca para as Províncias do Centro-Sul 1809-1830.
Destino Masculino Feminino Total A
# % # % # %
Minas Gerais 343 88,6 44 11,4 387 100,0 779
Rio de Janeiro 1075 80,1 267 19,9 1342 100,0 402
São Paulo 195 78,6 53 21,4 248 100,0 367
Rio Grande do Sul 501 74,3 173 25,7 674 100,0 289
Fonte: Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Com isso, apesar das razões de masculinidade entre africanos e crioulos, verificada
no tráfico para Minas e Rio, inverterem a lógica da teoria de Florentino, acreditamos que
estes dados são extremamente contraditórios e, portanto, não são confiáveis para a análise
da demografia do tráfico regional de escravos, sobretudo, para as regiões de Minas Gerais e
Rio de Janeiro, cujas economias são as maiores compradoras de mão-de-obra escrava na
praça mercantil carioca. Além disso, estamos situados num período (1809-1830) onde o
despejo de africanos foi incomum na história colonial brasileira, com uma média anual de
18.000 a 29.000 pretos na fase de 1809-1819 e 1820-1830 respectivamente.173
A verificação de sub-registros nos códices, especialmente para o caso de Minas
Gerais, ficam ainda mais evidentes quando retomamos a razão de masculinidade entre os
cativos da Zona da Mata mineira, que no mesmo período foi de 166 no geral, e 350 e 105
entre africanos e crioulos, respectivamente.174 Além disso, podemos citar também a razão
de masculinidade para o Termo de Mariana entre 1750 e 1850 calculada por Carla Almeida.
Ao estudar as mudanças das unidades produtivas nesta região e sua população escrava, a
autora encontrou uma razão entre os africanos de 424 a 564 no período de 1810-1830, e de

172
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 55 e p.58.
173
Para se ter uma idéia deste violento desembarque anual de cativos, na década de 1790, a média anual
perpassa os 9.000 cativos, ou seja, de duas a três vezes menos no período em questão. FLORENTINO,
Manolo. Op. cit., p. 51.
174
Ver capítulo 1, pp. 16-18.
110

124 a 105 entre os crioulos no mesmo intervalo.175 Assim, além desta tendência confirmar a
existência de sub-registros nos dados demográficos dos códices colabora para a
manutenção das idéias de Florentino.
Não obstante, mesmo com todos os problemas identificados nos dados da tabela 15,
vale a pena comparar com as razões de masculinidade dos cativos despachados da praça
mercantil de Salvador entre 1811 e 1820 encontradas por Alexandre Ribeiro. Para o Rio de
Janeiro o índice encontrado pelo o autor foi de 224, relativamente semelhante se comparado
com os nossos dados (293). Referente ao Rio Grande do Sul, a tendência encontrada
também é similar (326 na praça de Salvador e 379 no Valongo). Por último, temos a
província de São Paulo, onde se registrou a maior diferença, isto é, enquanto nos despachos
de Salvador a razão encontrada foi de 609, nos documentos emitidos do Rio de Janeiro
constatou-se um índice bem abaixo, de 348 homens para cada cem mulheres. Alexandre
Ribeiro explica que essa elevada razão identificada para a capitania paulista, quiçá, esteja
relacionada ao pequenos número de escravos direcionadas para este território entre 1811 e
1820.176
Deste modo, percebemos que mesmo em registros de natureza semelhante, como é o
caso dos códices do Rio de Janeiro e da Bahia, as razões de masculinidade podem variar
conforme a região e principalmente segunda a disponibilidade das fontes, onde os
passaportes e despachos da Polícia da Corte carioca apresentaram informações muito
problemáticas para o estudo da razão de masculinidade do tráfico regional de escravos.
Diante deste fato, buscamos alternativas metodológicas para a análise da demografia do
cativos despachados da praça mercantil carioca, que não se limita ao estudo do
desequilíbrio sexual.
Além do sexo e da naturalidade, os códices da Polícia da Corte informam também
sobre a idade dos cativos. A partir dessas informações desenvolvemos as tabelas 16; 16.1;
16.2 e 16.3 referentes a distribuição da naturalidade, do sexo e da idade dos cativos
despachados para Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. No total,
foram localizados 3295 escravos em que era possível discriminar, ao mesmo tempo, o sexo,
a naturalidade e a idade dos cativos despachados no Rio de Janeiro entre 1809 e 1830.

175
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana 1750-1850.
Niterói: UFF, 1994, p. 115. (dissertação de Mestrado)
176
RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. cit., p. 118.
111

Assim como verificamos anteriormente, quase não há dados referentes aos africanos
novos para as variáveis acima, cuja representatividade era apenas de 10,2% do total de
registros. Afora esta questão, os dados expostos nos gráficos nos fornecem um cenário mais
confiável para o estudo da demografia do tráfico regional de escravos, a começar pelo perfil
demográfico das remessas para Minas Gerais.
Ao contrário do que vimos anteriormente, onde as africanas eram numericamente
superiores aos africanos, a tabela 16 demonstra a hegemonia do africano masculino (117
escravos) sobre as mulheres (32). Na distribuição conforme a idade, os adultos eram a
maioria com c.57%, seguidos pelos os infantes com 41,5% e, deixando, por último, os
idosos, quase inexistentes (1,5%), o que é óbvio, pois não havia interesse, por parte dos
senhores, em adquirir homens não aptos para a labuta. Com isso, estes dados nos levam as
afirmações de Florentino sobre o predomínio dos adultos, cuja preeminência “implicava,
naturalmente, maiores taxas de mortalidade no interior dos plantéis, e uma tendência à
redução absoluta do número de indivíduos” 177
As tabelas 16.1, 16.2 e 16.3 confirmam a tendência apresentada por Minas Gerais,
ou seja, a predominância dos africanos, do sexo masculino e em idade adulta. Entretanto, a
diferença reside na distância maior entre os infantes e adultos verificada nas três províncias
em foco.
No caso do Rio de Janeiro, os cativos na faixa etária de 15 a 40 anos perfazem
74,4% contra 23,3% dos infantes e 2,3% dos idosos, no total foram identificados 1771
escravos com este tipo de informação. Na província paulista, a proporção de adultos nas
remessas foi de 67,8%, já entre os infantes e os idosos este índice chegou aos 29,3% e 2,9%
respectivamente. O número total de cativos com idade registrada para este território foi de
320.
Temos ainda o Rio Grande do Sul, onde se observou a maior desproporção entre os
cativos adultos, infantes e geriátricos em relação às três províncias anteriores. Enquanto os
primeiros teriam contemplado 85,1% dos cativos com a idade registrada, nos infantes a
proporção foi de 13,4% restando aos idosos a inexpressiva participação de 1,5% no total de
912 cativos.

177
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 56.
112

Deste modo, temos um padrão para o Rio Grande do Sul distinto em relação ao que
foi encontrado por Gabriel Santos Berute. Ao analisar a faixa etária dos escravos adquiridos
por esta capitania entre fins do século XVIII e início do XIX, tendo como fonte as “guias de
transporte de escravos”, o autor constatou que 36% dos cativos com idade registrada eram
infantes, os adultos contemplaram 11% e os idosos menos de 1%. Entretanto, em mais de
50% dos registros não foi possível encontrar esta variável. 178
Por fim, o predomínio dos adultos pode ser corroborado por Manolo Florentino no
levantamento realizado somente no códice 425, onde estão registradas as remessas entre
1822 e 1833. Para este período, o autor encontrou 393 escravos com a idade registrada,
deste 79,1% ou quatro quintos eram adultos, sendo que entre estes, 80,6% eram africanos
do sexo masculino.179
Portanto, diante de toda este cenário, podemos dizer que os escravos remetidos do
Valongo, entre 1809 e 1830 eram, em grande parte, do sexo masculino, africano e adulto,
com idade de 15 a 40 anos.

Tabela 16: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para Minas Gerais
(1809-1830).
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 0 - 1 12,5 3 75 1 12,5 5 100,0
15-40 4 2,6 9 5,4 70 42,1 19 11,4 56 33,7 8 4,8 166 100,0
0-14 4 2,7 12 9,9 47 38,8 12 9,9 34 28,8 12 9,9 121 100,0
Total 8 3,1 21 7,1 117 40,0 32 10,9 93 31,8 21 7,1 292 100,0
Fonte: códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

178
BERUTE, Gabriel Santos. Op. cit., p. 19.
179
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 221.
113

Tabela 16.1: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio de
Janeiro (1809-1830)
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 15 39,4 9 23,6 10 26,3 4 10,7 38 100,0
15-
8 0,6 3 0,5 767 58,1 175 13,2 282 21,3 84 6,3 1319 100,0
40
0-14 1 0,4 2 0,5 209 50,4 63 15,2 111 26,8 28 6,7 414 100,0
Total 9 0,6 5 0,4 991 55,9 247 13,9 403 22,7 116 6,5 1771 100,0
Fonte: 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Tabela 16.2: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para São Paulo
(1809-1830)
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 6 66,6 0 - 2 22,2 1 11,2 9 100,0
15-40 2 1,2 0 - 95 43,7 13 5,9 101 46,5 6 2,7 217 100,0
0-14 0 - 1 1,2 81 86,1 7 7,4 4 4,2 1 1,2 94 100,0
Total 2 0,6 1 0,5 182 56,8 20 6,2 107 33,4 8 2,5 320 100,0
Fonte: 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Tabela 16.3: Estrutura étnica, sexual e etária dos escravos remetidos para o Rio
Grande do Sul (1809-1830)
Novos Ladinos
Africanos Crioulos Total
Homens e
Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Mulheres
# % # % # % # % # % # % # %
> 40 0 - 0 - 6 50,0 4 33,3 0 - 2 16,7 12 100,0
15-40 0 - 0 - 577 74,2 70 9,0 105 13,5 25 3,3 777 100,0
0-14 0 - 0 - 80 65,0 16 13,0 17 13,8 10 8,2 123 100,0
Total 0 - 0 - 663 72,6 90 9,8 122 13,3 37 4,3 912 100,0
Fonte: 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
114

Contudo, antes de tratarmos o perfil descrito como conclusivo não podemos deixar
passar despercebido um dado muito curioso. Retornando a tabela 16, relativa ao padrão
demográfico do tráfico para Minas Gerais, encontramos um número significativo de
inocentes apesar da vigência dos adultos, 121 contra 166 num total de 292. A percepção
deste registro poderia, naturalmente, nos conduzir a idéia da presença de sub-registros, pois
como sabemos, as crias que deixavam o Valongo ao longo do período estudado, não
ultrapassaram 0,5% das remessas. Entretanto, é fundamental esclarecermos no presente
estudo algumas diferenças de ordem teórica e metodológica.
Quando fazemos alusão ao termo “cria” também registrado como “crias de peito” e
180
“crias de pé” (começando a andar) estamos fazendo alusão aos bebês. Com isso, os
infantes apresentados na tabela 16 não se limitam as crias, mas também as crianças, nos
remetendo a idéia do que era ser criança escrava no início do século XIX. Antes, porém,
ressalvamos que não utilizaremos aqui taxionomias contemporâneas (criança, adolescente e
etc.) relativas aos infantes no período em questão, evitando, assim, a incidência de erros
anacrônicos.
Nesse sentido, podemos nos valer da descrição de Manolo Florentino e José Roberto
Góes acerca da trajetória comum de uma criança escrava. Tendo como referência os relatos
do viajante Antonil, os autores mostram o processo de criação destes infantes. Lançando
mão de uma linguagem metafórica em alusão ao beneficiamento da cana-de-açúcar,
Florentino e Góes afirmam que os meninos do cativeiro “haviam de ser batidos, torcidos,
arrastados, espremidos e fervidos.”181 Entre quatro e onze anos os garotos aprendiam a
servir, lavar, passar, engomar, remendar roupas, pastorear, trabalhar em madeira, além de
outros tipos de serviços. Já aos doze anos, o adestramento no qual os tornavam adultos
estava quase concluído, prova disso é o fato dos meninos e as meninas nesta idade
começarem a trazer a profissão no sobrenome, como por exemplo, Chico Roça e João
Pastor.182 Quando chegava finalmente aos 14 anos, o menino cativo podia ser considerado
um adulto completo, pois neste momento, conforme Florentino e Góes, cumpriam as

180
KARASH, Mary. Op. cit., p. 68.
181
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Morfologia da infância escrava: Rio de Janeiro, séculos
XVIII e XIX. In: FLORENTINO, Manolo (orgs.). Tráfico, cativeiro e liberdade (Rio de Janeiro, séculos
XVII-XIX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 217.
182
Estas informações foram extraídas pelos autores, basicamente, dos inventários post-mortem do meio rural
do Rio de Janeiro. Idem, pp. 207-227.
115

mesmas tarefas de um escravo na faixa de 15 a 40 anos.183 Deste modo, tendo em conta que
uma criança já se mostrava apta a lidar na labuta, podemos compreender melhor sua
presença nada insignificante no tráfico de escravos para Minas Gerais.
A começar pela constatação de Mary Karash, onde o africano de pouca idade tinha
uma presença expressiva no Valongo antes de 1830. Alicerçada nos relatos do viajante
alemão Freireyss (1814-1815), a autora acredita que três quartos ou 75% dos negros
desembarcados no porto carioca eram crianças. Após 1830, esta tendência teria se mantido,
pois ao se debruçar nos registros de navios negreiros, capturados entre 1838 e 1852,
percebeu que 83% dos cativos importados tinham entre 10 e 24 anos.184 Tendo em conta a
metodologia adotada neste trabalho – onde os infantes figuravam entre 0 e 14 anos –
36,5% dos africanos importados para o Rio de Janeiro entre 1838 e 1852 estavam nesta
185
faixa etária
Assim, o índice de 41,5% para os infantes enviados para Minas Gerais demonstra
uma tendência semelhante em relação ao encontrado por Karash, ou seja, apesar de não
serem hegemônicos, os africanos inocentes tiveram uma presença substancial no tráfico
mineiro, assim como no tráfico Atlântico na primeira metade do século XIX.
Tal tendência pode ser percebida, ainda que lentamente, na escravaria da Zona da
Mata mineira. Como mostramos no primeiro capítulo, os africanos infantes do sexo
masculino passaram de 9% para 11,4% no decorrer da segunda e terceira década do
oitocentos, já as africanas este índice de 0 passou para 3,6% entre 1820 e 1830.186 Embora,
aparentemente, este grupo não apresente uma proporção elevada nos plantéis da região da
Mata, o cruzamento destes dados revelam o reflexo da importação de africanos infantes
verificada no tráfico de escravos para Minas Gerais.
Além de Minas, se percebe também no tráfico para o Rio de Janeiro e São Paulo
uma presença substancial dos infantes, cujas proporções foram de 23,3% e 29,3%
respectivamente. Somente nos despachos para o Rio Grande do Sul esta tendência não se
concretizou, onde apenas 13,4% dos cativos estavam situados na faixa etária de 0 a 14 anos,
contrariando, deste modo, a idéia de Gabriel Berute acerca da presença majoritária dos

183
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. cit., p. 217.
184
KARASCH, Mary. Op. cit., pp. 68-70.
185
Idem, p. 69. Veja especialmente a tabela 2.1 da autora.
186
Ver capítulo 1, p. 36.
116

infantes nas importações desta capitania. Em que se pese os problemas de sub-registros nos
despachos e passaportes do Rio de Janeiro, mostramos que entre 1809 e 1821 o Rio Grande
do Sul pouco teria se lançado ao tráfico atlântico (gráficos 4 e 4.1), importando uma
quantidade expressiva de escravos ladinos.
Em vista de todas essas questões, podemos encerrar este capítulo retornando à
pergunta que o iniciou: sabendo que na Zona da Mata o tráfico de escravos teria atuado na
renovação dos plantéis da propriedade, como entender então, a pouca relevância deste
comércio em Minas no século XIX apontada pela historiografia mineira?
Recapitulando as passagens desenvolvidas na introdução, Laird Bergad foi
categórico ao dizer que a expansão da população de Minas Gerais no século XIX teria se
sustentado com a reprodução natural. Além disso, segundo o autor, Minas Gerais teria
importado africanos em pequenas quantidades, posto que, em determinados momentos
foram adquiridos em outras regiões do Brasil. Apesar disso, para Bergad a população
escrava de Minas no século XIX “era em sua imensa maioria fruto da dinâmica
187
demográfica interna da sociedade mineira.” Enfim, apesar do autor apontar algumas
retomadas do comércio escravagista em Minas durante breve intervalos (especificamente
entre 1795, 1805-1815 e 1820-1830), para o dito este mercado não passou de uma “efêmera
reanimação” em pequena escala.188
Douglas Cole Libby foi menos enfático, devido a sua suposição de que Minas não
teria se destacado como uma das maiores importadoras de cativos do mundo no século
XIX, não recorrendo, por sua vez, com certo vulto ao tráfico Atlântico. Esta idéia foi
ecoada também por pesquisadores como Clotilde Paiva e Carla Almeida.189
Sendo assim, os resultados expostos ao longo deste capítulo vão de encontro com
uma realidade um pouco distinta. Primeiro, não sabemos se Minas foi a maior importadora
de escravos do mundo no século XIX, mas demonstramos que entre 1809 e 1830 esta
província foi hegemônica no tráfico regional de escravos, onde 40% dos escravos remetidos

187
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru, SP: Edusc,
2004, p. 195.
188
Idem, p. 201.
189
Dos autores citados vejam principalmente LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma
economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988; PAIVA, Clotilde Andrade.
População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São Paulo: FFLCH/USP, 1996. (Doutorado) e
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. cit.
117

da praça mercantil carioca teriam se dirigido para este território (tabela 13). Por sua vez,
mostramos também que dos escravos remetidos 97,8% eram africanos novos.
Segundo, o perfil da demografia encontrado no tráfico para Minas Gerais contribui
para este cenário, ou seja, o predomínio do escravo do sexo masculino, oriundo da África e
com idade entre 15-40 – além também da expressiva participação dos infantes (tendência
apontada por Mary Karash) – reforça nossa a idéia da estreita ligação de Minas com o
tráfico Atlântico. Adiciona-se também, que a constatação de um número expressivo de
infantes no tráfico nos faz pensar na possibilidade da idade não ser considerada como um
indicador confiável para apurar a existência da reprodução natural em Minas entre 1809 e
1830.190 Prova disso é participação crescente, ainda que pequena, dos africanos entre 0 e 14
anos nos plantéis da Zona da Mata mineira (tabelas 4.3 e 4.4).
Finalmente, se considerarmos o fato dos africanos em idade adulta da Zona da Mata
terem crescido 233% entre os anos de 1809 e 1830 e que Minas Gerais no mesmo período –
apesar de todos problemas inerentes aos códices – teria importado pelo menos 69.611
escravos, é muito difícil pensar que a expansão da maior população escrava do país191 se
renovou, principalmente, via reprodução natural, restando ao comércio de escravos um
papel efêmero na economia mineira oitocentista.
Ao mesmo tempo, não queremos aqui insinuar, de forma alguma, a ausência da
reprodução natural na reiteração da escravaria mineira e sim, questionar sobre sua
importância exagerada atribuída por estudiosos da escravidão de Minas Gerais.

190
Carla Almeida e Clotilde Paiva, por exemplo, adotam a variável idade como um dos fatores que
comprovava a presença da reprodução natural. Das autoras vejam respectivamente os capítulos 3 e 6 dos
trabalhos de pesquisa para a verificação de adoção deste método.
191
Afirmação que pode ser constatada principalmente em MARTINS, Roberto Borges. Op. cit., passim.
118

Capítulo 3 – Homens que conduziam homens: aspectos do tráfico de escravos para


Minas Gerais, 1809-1830

Nos capítulos anteriores os escravos foram o centro das atenções da nossa pesquisa.
Neste, o escravo continuará sendo o fio condutor, no entanto passaremos a dar maior ênfase
nos indivíduos responsáveis pelos envios de escravos para Minas Gerais. Como foi dito na
introdução, analisaremos a relação dos ciclos agrários da economia mineira com os
movimentos sazonais dos tropeiros, a concentração do mercado conforme o número de
escravos despachados por tropa e os comerciantes que se destacaram nesta prática
mercantil. Além disso, enfatizaremos também algumas famílias residentes na Zona da Mata
mineira que se lançaram no tráfico de escravos para Minas Gerais nos primeiros decênios
do século XIX.
Acreditamos, então, que a partir do desenvolvimento deste estudo poder-se-á
compreender o forte envolvimento da economia mineira com o tráfico de escravos. Para
além, poderemos observar mais de perto o quanto esta prática mercantil não era movido
pela impessoalidade ou, em outras palavras, somente pela lei da oferta e da procura.

Da relação entre os movimentos sazonais dos tropeiros e os ciclos agrários, 1817-1830

Uma dentre tantas virtudes dos passaportes e despachos da Polícia da Corte é a


oportunidade de recuperar os movimentos mensais das remessas de escravos no Valongo.
Nos códices 421 e 424, onde todas as informações acerca de Minas Gerais estão
registradas, conseguimos arrolar 47.556 cativos (entre novos e ladinos) distribuídos nos
período de 1817-1819, 1825-1826 e 1828-1830. Estes são os momentos em que foi possível
observar os movimentos sazonais das tropas durante os 12 meses. A partir disso tentou-se
estabelecer as fases de pico dos envios de escravos para Minas Gerais.
João Fragoso e Roberto Ferreira fizeram este levantamento para o ano de 1826 e
notaram que, o período entre os meses de janeiro, novembro e dezembro foi o de maior
movimentação dos tropeiros mineiros com uma concentração de 44% das remessas
realizadas neste ano. Não obstante, os autores alertaram para a necessidade da elaboração
119

desta análise para os outros anos procurando observar uma tendência similar.192 Nas tabelas
17, 17.1 e 17.2 podemos verificar os envios mensais nos anos de 1819, 1828-29 e constatar
os momentos em que as tropas remetem cativos com maior intensidade.
Notamos então que, nestes anos os meses de janeiro, novembro e dezembro
constituíram-se nas fases de pico de demanda por cativos, confirmando, desta forma, a
tendência revelada por Fragoso e Ferreira no ano de 1826. Nos anos de 1819 e 1828-29, os
referidos meses concentraram, respectivamente, 28,4%; 31,3% e 29% das remessas
realizadas pelas tropas, sendo que em 1828, os meses de fevereiro, março e abril
contemplaram 31,3% das partidas também.

Tabela 17: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de 1819
Província Minas Gerais A
Meses # %
Janeiro 23 5,5
Fevereiro 57 13,8
Março 22 5,3
Abril 4 0,9
Maio 53 12,8
Junho 46 11,1
Julho 18 4,3
Agosto 19 4,6
Setembro 43 10,4
Outubro 35 8,4
Novembro 67 16,2
Dezembro 25 6,7
Total 412 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
Obs: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.

192
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto Guedes. Tráfico de escravos, mercadores e fianças, dois bancos
de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em História
Social (LIPHIS): UFRJ, S/D, p. 47.
120

Tabela 17.1: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1828
Província Minas Gerais A
Meses # %
Janeiro 1925 18,0
Fevereiro 1145 10,8
Março 1198 11,3
Abril 988 9,2
Maio 1260 11,8
Junho 886 8,3
Julho 691 6,4
Agosto 375 3,5
Setembro 349 3,3
Outubro 442 4,1
Novembro 455 4,3
Dezembro 961 9,0
Total 10675 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual

Tabela 17.2: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1829
Província Minas Gerais A
Meses # %
Janeiro 783 8,3
Fevereiro 698 7,4
Março 748 7,9
Abril 323 3,4
Maio 705 7,5
Junho 1064 11,3
Julho 498 5,3
Agosto 493 5,2
Setembro 898 9,5
Outubro 1258 13,5
Novembro 1166 12,5
Dezembro 776 8,2
Total 9410 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
Obs: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
121

Não obstante, nos outros anos (1817-18, 1825-26 e 1830) onde se lançou o mesmo
método, a tendência não se confirma.193 Com isso, acreditamos que este tipo de análise é
muito complexo para tecer padrões em relação aos principais meses de partidas das tropas
para a Capitania mineira. No entanto, devemos alertar para o fato destas análises não ser o
foco primordial dos autores e sim, como já foi dito nesta pesquisa, demonstrar os caminhos
possíveis de estudos para com o banco de dados do IPEA. Desta maneira, lançamos mão de
outro método utilizado por Manolo Florentino, cujas ponderações dos movimentos dos
navios negreiros aportados no Rio de Janeiro, entre 1796 e 1830, foram feitas conforme as
estações do ano.
Florentino reparou que o movimento de negreiros possuía um padrão geral, onde os
picos de desembarques se davam no verão (dezembro, janeiro e fevereiro) e os níveis mais
baixos durante o inverno (junho, julho e agosto). Analisando o período de 1796-1810,
considerado como a fase à priori do “boom das importações de africanos” – impulsionado,
sobretudo, pela abertura dos portos – o autor afirma que as chegadas de negreiros se
concentravam no verão e na primavera. A posteriori (1812-1830), com a elevação da
demanda por cativos, os desembarques foram mais intensos no verão e no outono, sendo o
inverno a fase onde os navios atracaram com menor intensidade. 194
No levantamento realizado nesta pesquisa reparamos nos intervalos de 1817-18,
1828-1830, que os despachos de escravos para Minas centralizaram-se também no verão e
no outono. Dito de outro modo, as tropas com destino a este território despacharam
juntamente nestas duas estações 61% das almas enviadas em 1817, no ano de 1818 este
índice ultrapassou os 79% e entre 1828 e 1830 a proporção foi, respectivamente, de 50% e
82,1% coincidindo, então, com a tendência apontada por Florentino. Todavia, nos
levantamentos realizados para os anos de 1819, 1825-26 e 1829, a disposição acompanhou
o período prévio dos grandes desembarques de africanos (1796-1810), ou seja, os picos das
remessas foram no verão e na primavera.195
Frente a este contexto, poderíamos nos perguntar o que explicaria esta dificuldade
de se estabelecer um padrão entre os movimentos sazonais dos tropeiros e os ciclos agrários

193
Ver anexo 5, 5.1, 5.2, 5.3 e 5.4.
194
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 60-61.
195
Ver anexo 5.
122

das propriedades mineiras. Quiçá, seja bastante profícuo levarmos em conta uma das
características da economia mineira na qual vem sendo sublinhada nos últimos anos pela
historiografia mineira, qual seja: a diversificação produtiva.
Neste sentido, Clotilde Paiva nos mostra que esta característica marcante na
primeira metade do século XIX seria fruto de uma substituição gradual da mineração (como
atividade nuclear) por um conjunto de atividades econômicas diversas, cujas raízes
196
remontam ao século XVIII. Porém, antes mesmo desta constatação, Alcir Lenharo já
destacava o caráter heterogêneo das produções voltadas para o abastecimento do Rio de
Janeiro no início do século XIX197, aliás, era uma função na qual a economia mineira
exerceu de forma crescente no cenário brasileiro do século XIX.198 Sendo assim, torna-se
pertinente discriminarmos aqui alguns dos principais produtos que vigoravam na economia
mineira neste período.
Conforme Carla Almeida, os produtos cultivados em Minas eram na ordem de
freqüência e importância, o milho, feijão e o arroz, além disso, os engenhos de moer cana
se faziam presentes também, cuja produção de aguardente e açúcar estava voltada tanto
para o mercado do Rio de Janeiro quanto para o mercado interno provincial, embora este
última detinha a maior parte da produção. A autora enfatiza também a presença do cultivo
do café e do algodão. 199 No mais, Lenharo e Paiva destacam além de todos estes produtos
o plantio de tabaco.
Contudo, quando se trata de exportações os três estudiosos são unânimes em dizer
que os derivados da pecuária eram os mais exportados pela Província mineira, como o
toucinho, carne salgada e os queijos, além dos suínos e do gado vacum. Não obstante, o
tabaco, o algodão e de forma incipiente o café eram produtos os quais também integravam a
pauta de exportações. Almeida, baseando-se em relatórios do Presidente da Província,
afirma que além da pecuária ser a atividade mais lucrativa era também a mais viável para

196
PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São Paulo:
FFLCH/USP, 1996, p. 31. (Doutorado)
197
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação (o abastecimento da corte na formação política do Brasil:
1808-1842). 2 ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1993, pp. 60-74.
198
PAIVA, Clotilde Andrade. Op. cit., p. 46.
199
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana 1750-1850.
Niterói: UFF, 1994, P. 159. (dissertação de Mestrado)
123

exportação, pois junto com o açúcar tinha a melhor capacidade de suportar os altos custos
de transportes. 200
Com isso, poderíamos relacionar esta diversidade produtiva aos movimentos
sazonais aleatórios das tropas importadoras de escravos. Entretanto, acreditamos na
possibilidade de buscar uma explicação alternativa para a relação entre tais movimentos e
os ciclos agrários.
Manolo Florentino para entender a sazonalidade dos navios negreiros, parte não
somente da maior necessidade de braços cativos em determinadas épocas do ano, mas
também da própria lógica de funcionamento da empresa escravista. Sabendo que nem todas
as etapas do processo produtivo demandavam a mesma quantidade de mão-de-obra , o
plantador escravista deveria estar consciente de atuar em um contexto de elasticidade de
cativos no mercado, o que seria um fator fundamental na formação do seu plantel de
escravos. Grosso modo, tendo por base a colheita e o beneficiamento como as fases onde a
demanda por força de trabalho era mais intensa, seria viável pensar, segundo Florentino,
que a quantidade de escravos disponíveis no mercado foi o elemento condicionador da área
de plantio, e não ao contrário. Enfim, além de serem fases nas quais os cativos eram mais
requisitados, a colheita e o beneficiamento atuavam também como “padrões para o cálculo
econômico empresarial”. 201
Sabendo que Florentino desenvolveu esta análise para a relação entre o tráfico
Atlântico de escravos e a economia açucareira fluminense e tendo consciência também de
que, na historiografia mineira já há um bom tempo vigora a idéia na qual a incorporação de
escravos não estaria ligada a uma economia exportação, é válido verificarmos, então, a
sazonalidade das remessas de cativos do Rio de Janeiro para Minas Gerais no período de
1817-1830, conforme a metodologia utilizada por Florentino. Para tanto, agregamos os
dados de todos os anos que foram analisados separadamente, nos possibilitando, assim, a
construção de um prisma mais amplo e contundente da sazonalidade dos tropeiros (gráfico
cinco).
Num primeiro momento, devemos alertar novamente que se trata do período
considerado por Florentino como o boom das importações de africanos no Rio de Janeiro.

200
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. cit., pp. 163-164.
201
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 63.
124

Por conseguinte, podemos verificar um dado surpreendente, a tendência de sazonalidade


dos movimentos de tropas com escravos do Rio de Janeiro para Minas Gerais é similar em
relação ao constatado por Manolo Florentino no tráfico Atlântico entre a África e o porto
carioca (gráfico seis), ou seja, o verão e o outono se constituíram nas principais estações de
demanda por mão-de-obra cativa, no caso do gráfico cinco, ambas as fases foram
responsáveis por 64% dos movimentos das tropas carregadas de escravos entre 1817-1830.
O mais curioso ainda, se analisarmos o gráfico seis, os índices visto de forma separada
estão muito próximos em relação aos registros de Florentino, só para citar um exemplo,
enquanto em Minas Gerais encontramos no verão uma proporção de 33,3%, na mesma
estação esta porcentagem nos dados do autor chega aos 33,0%.202 Assim, podemos
perceber, mais uma vez, a forte ligação entre o tráfico Atlântico e a economia mineira nos
primeiros decênios do século XIX.

202
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 233.
125

Gráfico 5: Distribuição (%) das remessas de escravos do


porto do Rio de Janeiro para Minas Gerais, por estações do
ano, 1817-1830.

35 33,3
31,3
30

25
19,6
Porcentagem

20
15,8
15

10

Verão Outono Inverno Primavera


Fonte: Anexo 6.

Gráfico 6: Distribuição (%) das aportagens de navios


negreiros provenientes da África no porto do Rio de
Janeiro, por estações do ano, 1812-1830.
35 33
29,7
30

25 22,5
Porcentagem

20
14,7
15

10

Verão Outono Inverno Primavera


Fonte: FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 232.
126

O mais interessante destes dados se verifica no cruzamento com outras informações


relativas aos períodos de safra ou colheita dos principais produtos exportados por Minas
Gerais no século XIX. Alcir Lenharo, ao fazer um levantamento nos registros de entradas
no Rio de Janeiro no ano de 1824 a 1829, afirmou em nota que o mês de dezembro era um
dos momentos onde o abastecimento de reses, porcos e carneiros estava regularizado, pois
era o período de safra.203 É provável, então, que esta fase situa-se entre a primavera e o
verão em Minas Gerais.
Stuart Schwartz mostra que o período de colheita e beneficiamento do açúcar se
dava entre agosto e maio do ano seguinte, sendo justamente o inverno o momento do fim da
safra, porém, sabemos que o autor faz referência aos engenhos baianos e o próprio alerta
sobre a variação de duração da safra conforme a região. 204
Não obstante, recorrendo às páginas eletrônicas205 sobre ciclos agrários, nota-se o
predomínio do verão e do outono no período de colheita da cana de açúcar, do fumo e do
algodão. Embora o café possua um período de colheita no mês de dezembro, esta fase esta
mais concentrada no inverno, contribuindo, deste modo, a confirmação da sumária
representação do café nas exportações mineiras, pois o inverno foi à estação na qual a
província mineira menos importou escravos, com 15,8% do total no período de 1817-1830.
Por último, podemos mostra o ciclo do milho no século XIX descrito por Raimundo
José da Cunha Matos. Segundo o mesmo, o milho é semeado em setembro e outubro,
florescendo em dezembro e janeiro, ficando finalmente maduro em abril ou maio, ou seja,
no outono, estação onde 31,3% dos cativos são enviados pelos tropeiros para Minas
Gerais.206
Portanto, os resultados verificados neste item mostram: 1)Em que se pese questões
de ordem natural como clima e solo, a oferta elástica de cativos no mercado durante a fase
analisada teria influenciado na formação dos plantéis das propriedades mineiras e 2) o
cenário apresentado demonstra a íntima ligação dos ciclos agrários mineiros com o tráfico

203
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 73.
204
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 96-101.
205
Veja o site http://revistadaterra.com.br/
206
MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia histórica da Província de Minas Gerais (1837). Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, p. 303. v. 1.
127

atlântico de escravos, bem como a proximidade entre os tropeiros e esta prática mercantil,
cristalizando cada vez mais a idéia da força de Minas Gerais no tráfico de escravos.

Da concentração do tráfico de escravos para Minas Gerais

No instante em que fazemos alusão ao mercado colonial brasileiro não nos é


possível abstrair de uma de suas principais características inerente a sua estrutura
econômico-social, qual seja: a concentração.
João Fragoso ao estudar os índices de concentração presentes no comércio de
cabotagem do açúcar e do trigo nos anos de 1802, 1811 e 1822, percebeu, no primeiro caso,
que apenas 10% dos comerciantes controlavam mais de um terço dos valores anuais
negociados, enquanto 50% detinham menos de um quarto do valor. Para o trigo, a
configuração era similar, ou seja, 15% dos comerciantes centralizaram mais de 40% das
receitas negociadas anualmente, já 60% dos empresários negociaram menos de 42% dos
valores gerados. 207
No tocante ao tráfico Atlântico de escravos, Manolo Florentino afirma que apesar
deste negócio envolver milhares de pessoas na América, Ásia, Europa e África, poucos
controlavam as condições de sua operacionalização, “provendo-o do capital necessário e,
208
por conseguinte, dele auferindo os maiores lucros”. A título de exemplo, das 1187
entradas de negreiros no porto do Rio de Janeiro registradas entre os anos de 1811 e 1830,
das quais 1092 foram possíveis detectar os consignatários das embarcações, as dezessetes
maiores empresas traficantes (9,1% do total) foram responsáveis por quase metade das
viagens, enquanto as 108 maiores empresas (58%) organizaram somente 13% das
expedições. 209
É neste cenário, portanto, que analisaremos a concentração do tráfico de escravos
para Minas Gerais entre 1809 e 1830. Apesar deste contexto, não se pode deixar de
ressaltar que a concentração das atividades mercantis ligadas ao exterior era bem mais
acentuada em relação às práticas vinculadas à circulação interna de bens. Os motivos os
quais explicam esta diferença podem ser resumidos em dois pontos: 1) o montante do
207
FRAGOSO, João L. R. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro (1790-1830). 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 210.
208
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 150.
209
Idem, p. 151.
128

investimento inicial requerido pelas atividades direcionadas ao mercado externo era bem
mais elevado, seja na importação, seja na exportação e 2) este alto investimento inicial do
comércio exterior, por sua própria natureza marítima, envolvia gastos elevados com capital
fixo (naus) e seguros. 210
Diante dessas considerações começaremos, então, a estudar o perfil das tropas
despachantes de escravos para Minas Gerais, tendo por base a metodologia desenvolvida
por João Fragoso e Roberto Ferreira acerca da estrutura do comércio de escravos entre o
Rio de Janeiro e o centro-sul.211 Em suma, nossa idéia é estabelecer um padrão de tropas
conforme o número de escravos remetidos.
Para tanto, estabeleceremos uma divisão dos envios por tropa em duas ocasiões: na
primeira, iremos avaliar 2402 despachos dos quais contemplaram 13.581 cativos no período
de 1809 a 1822 e na segunda ocasião, situada entre 1824 e 1830, se fará o mesmo para os
7692 despachos responsáveis pelos registros de 54.478 escravos enviados para Minas. Na
presente divisão buscou-se uma tentativa de observar os padrões de despachos antes do
processo de extinção do tráfico e durante tal processo, que acabou se efetivando em 1830.
Em meio a esta conjuntura irá se averiguar também a tendência de concentração deste
mercado e sua evolução ao longo do período, isto é, se houve o registro de um aumento ou
diminuição desta concentração. Ambas as fases estão expressas nas tabelas 18 e 18.1.
O panorama esboçado mostra em primeira instância a predominância das pequenas
tropas nas remessas de um a dois cativos, com 57,9% dos despachos emitidos entre 1809 e
1822, sendo que entre 1824 e 1830 este índice foi de 49,8%. No entanto, estas tropas de
pequena monta foram responsáveis por somente 13,8% dos cativos remetidos na primeira
fase e 9,5% na segunda.
Temos também os tropeiros mais arrojados, assim denominados por Fragoso e
Ferreira, ou seja, aqueles responsáveis pelo envio de 11 a 50 escravos. Embora representem
uma parcela pequena enviaram a maior parte da força de trabalho remetida do Valongo.
Tomando somente o intervalo de 1824-1830, este grupo contemplava 15,6% dos despachos,
porém, enviaram 49,5% dos cativos registrados, ou seja, quase metade.

210
FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma sociedade colonial tardia, c. 1790- c.1840. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p. 196.
211
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 56.
129

Acima destes últimos, observamos também os tropeiros de grande envergadura,


estes são “empreendedores” que em uma única viagem enviaram para Minas Gerais mais
de 51 almas, número suficiente, conforme Fragoso e Ferreira, para a montagem de um
engenho de açúcar do porte das propriedades existentes na capitania fluminense, ou mesmo
uma fazenda média de café do Vale do Paraíba do século XIX. 212
Entre 1809 e 1822 os despachos emitidos por este grupo foram de apenas 1,2% do
total, em compensação, somente estas tropas foram responsáveis por quase 11% dos
escravos enviados neste período, ou ainda 1432 almas no total. No período de 1824-1830,
sua proporção cresce no mercado, com 2,1% das remessas e 17,4% da mão-de-obra
enviada, ou então 9247 cativos na totalidade.
Embora estes tropeiros de grande envergadura tenham enviado uma quantidade
menor de escravos se comparado às tropas arrojadas, os ditos partiram para Minas com uma
quantidade substancial. Para se ter uma idéia, enquanto no grupo de 11 a 50 a média das
remessas foi de c. 22 almas por tropa, entre os homens que enviaram acima de 51 a média
chegou a c. 71 escravos por tropa entre 1824 e 1830!

212
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 57.
130

Tabela 18: Despachos e quantidades de escravos (novos e ladinos) saídos do Rio de


Janeiro para Minas Gerais (1809-1822)
# de Escravos
Total de Escravos dos
enviados por Tropas % %
códices
tropas
1 894 37,2 894 6,5
2 499 20,7 998 7,3
3 210 8,7 630 4,6
4 137 5,7 548 4,0
5 a 10 310 12,9 2152 15,8
11 a 25 242 10,0 3953 29,1
26 a 50 87 3,6 2974 21,8
51 a 75 21 0,8 1234 9,0
76 a 100 1 0,2 86 0,9
Mais de 101 1 0,2 112 1,0
Total 2402 100,0 13581 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).

Tabela 18.1: Despachos e quantidades de escravos (novos e ladinos) saídos do Rio de


Janeiro para Minas Gerais (1824-1830)
# de Escravos
Total de Escravos dos
enviados por Tropas % %
códices
Tropas
1 2436 31,5 2436 4,4
2 1412 18,3 2824 5,1
3 724 9,4 2172 3,9
4 527 6,8 2108 3,8
5 a 10 1256 16,3 8710 15,9
11 a 25 829 10,7 13519 24,8
26 a 50 378 4,9 13462 24,7
51 a 75 94 1,2 5514 10,1
76 a 100 24 0,3 2068 4,0
Mais de 101 12 0,6 1665 3,3
Total 7692 100,0 54478 100,0
Fonte: Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
131

Analisando de outro modo averiguamos que no primeiro momento (1809-1822),


enquanto, por um lado, 57,8% dos tropeiros (1 a 2 cativos) foram responsáveis pelo o envio
de 13,8% dos escravos remetidos, por outro lado, apenas 4,8% (26 a 101 cativos) enviaram
32,7%. Já na fase subseqüente (1824-1830), o número de tropeiros responsáveis por
pequenas remessas decresceu para 49,8% das remessas, abrangendo, por sua vez, 9,5%
deste mercado. A mudança mais expressiva foi o aumento da parcela de cativos
despachados por parte dos tropeiros de maior cabedal, onde estes perfaziam somente 7%
dos viajantes, mas enviando para Minas Gerais 42,1% dos escravos! (Gráficos 7, 7.1, 7.2 e
7.3)
Sendo assim, os resultados apontam para uma tendência de concentração do tráfico
de escravos entre a praça mercantil carioca e a província mineira, tendência esta que se
acentua ao longo das primeiras décadas do oitocentos, como se observa no movimento dos
gráficos 7.2 e 7.3.
Este fenômeno, provavelmente, esteja relacionado ao processo de extinção do
tráfico Atlântico de escravos, na qual teria gerado uma oferta extremamente elástica nesta
fase, o que poderia ter encorajado os tropeiros de porte médio a investirem de forma mais
ousada na aquisição de mão-de-obra, quiçá, viabilizado por uma circulação de crédito mais
acessível e vultoso no meio mercantil. Este fato teria também se refletido nos
“empreendimentos” pequenos (1 a 2 cativos), que embora tenha diminuído sua proporção
entre os períodos de 1809-1822 e 1824-1830, quantitativamente sua freqüência no mercado
se elevou substancialmente, passando de 1393 despachos para 3848, um aumento de 276!
132

Gráfico 7: Distribuição (%) dos despachos de escravos


para Minas Gerais segundo o padrão de tropas, 1809-
1822

4,8

57,9

Tropas com 1 a 2 escravos


Tropas com 26 a 101 escravos
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)

Gráfico 7.1: Distribuição (%) dos desapachos de


escravos para Minas Gerais segundo o padrão de
tropas, 1824-1830

49,8

Tropas com 1 a 2 escravos


Tropas com 26 a 101 escravos

Fonte: Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)


133

Gráfico 7.2: Distribuição (%) dos escravos remetidos


para Minas Gerais segundo o padrão de tropas, 1809-
1822

13,8

32,7

Tropas com 1 a 2 escravos


Tropas com 26 a 101 escravos
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)

Gráfico 7.3: Distribuição (%) dos escravos remetidos


para Minas Gerais segundo o padrão de tropas, 1824-
1830

9,5

42,1

Tropas com 1 a 2 escravos


Tropas com 26 a 101 escravos

Fonte: Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)


134

O significado do perfil do mercado de escravos entre o Valongo e a província


mineira pode ser mais bem compreendido com a analogia do padrão mercantil do centro-
sul. Nesse sentido, João Fragoso e Roberto Ferreira estabeleceram uma tipologia de tropas
que saíram da praça mercantil carioca entre 1825 e 1830 e perceberam também uma
tendência de concentração nos negócios envolvendo a redistribuição de escravos. As tropas
pequenas, com o envio de 1 a 2 cativos, predominavam nos despachos, com 51,6%, mas
retendo apenas 9% da mão-de-obra total no período. As tropas com 11 a 50 cativos
respondiam por uma pequena parcela das remessas, entretanto, enviaram a maioria das
almas saídas do Rio de Janeiro. Por fim, temos as remessas com mais de 51 escravos, que
apesar de representar cerca de 3%dos tropeiros abasteceram em torno de um quarto dos
mercados regionais.213
Em face deste cenário, nossos resultados mostram que o comércio de escravos entre
a praça mercantil carioca e a província mineira acompanhou o padrão dos negócios de
escravos no centro-sul entre 1809 e 1830, em outras palavras, a redistribuição da força de
trabalho no Brasil foi caracterizada por dois aspectos presentes nos traços estruturais do
comércio colonial, que sobressaem (em graus distintos) tanto nas trocas internas quanto
para com o exterior: “o perfil nitidamente concentrado dos negócios e, de forma
paradoxal, o papel fulcral dos especuladores e comerciantes eventuais”.214

Dos personagens atuantes no tráfico de escravos para Minas Gerais

Diante do perfil concentrado dos negócios envolvendo as remessas de escravos para


Minas Gerais, torna-se pertinente estudarmos, neste momento, os principais agentes que
movimentavam as engrenagens deste comércio.215 A partir do resgate destes indivíduos,
acreditamos na possibilidade de ampliarmos nossa compreensão acerca deste traço
estrutural presente no mercado colonial.
Para tanto, lançamos mão das informações constantes nos códices 421 e 424, quais
sejam: os nomes dos sujeitos responsáveis pelos despachos para Minas Gerais e de seus

213
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 56-57.
214
FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. Op. cit., pp. 193-194.
215
O termo “engrenagens” era comumente usado por Fernand Braudel em referência as atividades mercantis
no mundo moderno. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII v.
2: Os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996, passim.
135

216
afiadores ou abonadores. Quando possível, retiramos também dados sobre os
vendedores dos cativos enviados. Este registro também é fundamental, porém, não é muito
freqüente na documentação de modo geral, podendo ser encontrada com maior intensidade
no códice 424. 217
A partir destes recursos, nosso procedimento foi identificar os indivíduos que
despacharam para Minas Gerais mais de 20 escravos numa única viagem e por mais de uma
vez. Esta delimitação se justifica pelo fato de ser um número suficiente de cativos para a
montagem de uma grande propriedade,218 o que nos permitiu, portanto, trabalhar somente
com os proprietários detentores de alto pecúlio. Deve-se sublinhar que poucos tinham
condições de adquirir uma quantidade substancial de mão-de-obra com uma determinada
freqüência, prova disso, é a quantidade restrita de indivíduos nos quais se encaixavam no
perfil demarcado. Em meio a tantos tropeiros e comerciantes que se aventuravam no Rio de
Janeiro somente 146 agentes se enquadravam nos nossos critérios.219
Não obstante, queremos salientar que as informações referentes aos sujeitos a serem
citados foram cercados dentro de um universo limitado, qual seja: o tráfico de escravos para
Minas Gerais entre 1809 e 1830. Deste modo, não estaremos aqui desenvolvendo uma
análise ampla de trajetórias de comerciantes na praça mercantil carioca, e isto se explica
por dois motivos: 1) é provável que estes proprietários estejam envolvidos em remessas
menores de 20 escravos e em outros ramos mercantis, como, por exemplo, o abastecimento
de produtos alimentícios para a Corte e 2) seria necessário disponibilizarmos um conjunto
de fontes para que pudéssemos promover um cerco profundo no espaço percorrido por
esses indivíduos.220 Dentro do possível realizamos um cruzamento com algumas
informações pontuais de outras referências bibliográficas.
Tendo em conta estas considerações podemos, então, partir para o estudo dos
homens mais proeminentes no mercado de escravos entre o Valongo e a província mineira.

216
Segundo João Fragoso e Roberto Ferreira, abonador é aquele que afiança, ou ainda, que fica por fiador de
alguém ou de alguma obrigação. Para entender de forma mais aprofundada o conceito de abonador veja
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Glossário. Banco de dados do IPEA. Disponível em CD-ROM.
217
Idem, passim. Devemos ressalvar o quão importante foi as prescrições de João Fragoso e Roberto Ferreira,
ao demonstrarem como era possível por intermédio dos atestadores e fiadores era possível estabelecer os
personagens envolvidos em tais relações.
218
Para confirmar esta informação veja FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 29.
219
Ver anexo 7.
220
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 61.
136

Para isso, dos 146 agentes arrolados, selecionamos os 10 maiores envolvidos neste trânsito,
como podemos observar na tabela 19.

Tabela 19: Os dez maiores negociadores do tráfico de escravos para Minas Gerais
(com remessas acima de 20 cativos), 1809-1830
Nome Número de escravos negociados
José Francisco de Mesquita 1453
José Antônio Moreira 1185
Joaquim Antônio Ferreira 1050
José Fernandes de Oliveira Pena 783
Francisco Xavier Dias da Fonseca 455
Antônio José Moreira Pinto 447
Marcelino José Ferreira Armond 337
Antônio Joaquim de Oliveira Pena 307
Bernardo José Ferreira Rabelo 306
José Lourenço Dias 305
Fonte: Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)

Devemos ressaltar que no número de escravos negociados não incluímos somente os


indivíduos que eram despachantes, mas também quando os mesmos atuavam como
abonador ou vendedor de outros despachantes de cativos para Minas.
Nesse sentido, José Francisco de Mesquita, José Antônio Moreira e Joaquim
Antônio Ferreira se destacam, entre os selecionados, como os mais influentes no circuito
mercantil entre Minas Gerais e a praça mercantil carioca nos anos de 1809 a 1830,
sobretudo, na década de 1820. Entre despachar, abonar e vender ao longo deste período,
estes agentes negociaram, respectivamente 1453, 1185 e 1050 escravos para Minas Gerais.
Neste pequeno grupo, nos chama atenção também a grande diferença existente entre
os sujeitos integrantes, pois apesar de estarem entre os dez maiores negociadores há um
abismo entre os mesmos, como podemos observar pelo número de escravos
comercializados por José F. de Mesquita e José Lourenço Dias, um negociante ligado ao
tráfico Atlântico221 e que fecha este grupo com 305 cativos negociados para Minas. Uma
das explicações possíveis para esta imensa distância está na freqüência destes dois
negociantes neste mercado, ou seja, enquanto Mesquita se envolveu em 33 operações de
grandes remessas no período de 1813 a 1830, Lourenço Dias se lançou por 10 vezes neste

221
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 254.
137

tipo de empreendimento entre 1819 e 1830.222 Este fato mostra que embora diversos
comerciantes tenham se aventuraram no tráfico de escravos para Minas Gerais, eram
poucos os detentores de recursos suficientes para se manterem por um bom tempo neste
trânsito.
Levando em conta estas constatações, promoveremos neste instante o resgate de
algumas relações dos três maiores negociantes de escravos envolvidos nos despachos para a
província mineira. Novamente devemos salientar que não estamos abordando todas as
relações destes indivíduos na praça mercantil carioca, pois certamente estiveram presentes
em remessas de menor porte ou até mesmo em negociações de mão-de-obra escrava para
outras regiões do Brasil.
Sendo assim, podemos começar com o caso de José Francisco de Mesquita. Nascido
em Congonhas do Campo na capitania de Minas Gerais, Mesquita foi para o Rio de Janeiro
e ali se empregou na casa comercial de seu tio, um abastado comerciante.223 Além de enviar
diversos cativos para Minas Gerais, vendeu e foi fiador de muitos tropeiros despachantes.
Mesquita tinha também agentes que enviavam cativos em seu nome, como é caso de
Antônio Francisco Ferreira, que em 12 de junho de 1813 partiu para Minas com 41
escravos, sendo onze acompanhantes da tropa e outros 30 remetidos por José Mesquita.224
Em 23 de janeiro de 1826 despachou para o território mineiro 76 escravos, seu
abonador na ocasião foi Francisco Antônio da Gama, três meses depois enviara mais 44
almas sendo afiançado pelo mesmo indivíduo. No dia 11 de dezembro do mesmo ano,
Mesquita foi abonador de José Joaquim Monteiro de Barros e oito dias depois ele mesmo
despachou 80 cativos! No ano de 1827, remeteu outras 42 almas e um fato curioso, ele
mesmo aparece como seu fiador, o que não é tão estranho, pois para poder despachar
escravos era necessário ter como fiador um mercador estabelecido na praça,225 como
Mesquita residia no Rio de Janeiro, provavelmente na ocasião o mesmo não necessitou de
um abonador, demonstrando, assim, o seu prestígio no meio mercantil carioca.
Já em 1828, novamente aparece afiançando José Joaquim Monteiro de Barros, o que
pode ser uma demonstração de uma relação bem próxima entre os dois. Dito de outro

222
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
223
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 89.
224
Códice 421, v. 3, p. 83, registro 488.
225
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 67.
138

modo, este episódio, quiçá, seja uma amostra de relação entre sócios, na qual infelizmente
não pode ser comprovado por não ter em mão outras fontes. Além disso, Filipe Themudo
Barata nos ensina que ser fiador não necessariamente implica uma relação de sociedade.226
Dando prosseguimento, Mesquita envia mais 44 cativos em fevereiro de 1829 e foi
abonado outra vez por Francisco Antônio da Gama, o que poderia também ser um indício
de entre sócios.227 No entanto, a possibilidade é mínima, pois além de Gama ter abonado a
maior parte dos sujeitos idos para outras regiões do país, aparece registrado como
funcionário da Intendência de Polícia da Corte.
Por fim, de outubro de 1829 até maio de 1830, Mesquita vendeu cativos novos para
Francisco Martins Marques, José Ferreira Franco, José Ferreira Carneiro, Jerônimo de
Arantes Marques e José Joaquim Monteiro de Barros, fornecendo, respectivamente, 50, 42,
176, 58 e 139 escravos.228 É possível notar, então, nos anos de 1826 e 1830, o fato de
Mesquita e Monteiro de Barros ter mantido, aparentemente, uma relação nada impessoal na
praça mercantil carioca e ainda, pode-se dizer que este vínculo íntimo teria sido
fundamental para José Joaquim – personagem a ser destacado adiante – conseguir remeter
244 cativos neste período.229
Na situação de José Antônio Moreira, não foi possível resgatar nenhuma informação
de ordem pessoal (moradia, naturalidade e etc.), pois não há registros de seu nome nos
passaportes – documento no qual privilegia este tipo de informação – ao longo do período
em questão. Em compensação, sabemos que foi abonador de Vicente Ferreira da Silva,
Manoel Rodrigues Valinho e Antônio José Fernandes respectivamente, em 1826 e nos dias
quatro e onze de setembro de 1827.230 Em julho e novembro de 1829 enviou em cada
remessa 50 cativos e no mês de dezembro do mesmo ano, despachou outros 53.231 Em
1830, influenciado, quiçá, pelo fim do tráfico Atlântico – situação na qual gerou um
desembarque desenfreado de africanos232 - Moreira remeteu para Minas Gerais nos meses

226
BARATA, Filipe Themudo. Navegação, comércio e relações políticas: os portugueses no mediterrâneo
ocidental (1385-1466). Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, p. 249.
227
Códice 421, v. 21, p. 267v, registro 39.
228
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
229
Anexo 7.
230
Códice 424 do Arquivo Nacional.
231
Códice 421, v. 22, p. 129, registro 224.
232
FLORENTINO, Manolo. Op. cit, passim.
139

de fevereiro, março e dezembro nada mais do que 159, 133 e 40 escravos respectivamente.
Nestas situações, Francisco Antônio da Gama foi seu abonador em todos os despachos.
Ainda em 1830 encontramos um fato muito interessante nos registros de Moreira.
No dia 26 de março deste ano comprou 133 escravos novos em remessa de Cabinda,233 ou
seja, pelos indícios, este período de alta especulação no comércio Atlântico teria estimulado
José Antônio Moreira a se aventurar de forma ousada neste setor, entretanto, não teria
realizado este empreendimento sozinho.234 Identificamos no mês de abril sua participação
numa venda de 140 cativos novos para Bernardo José Ferreira Rabelo em sociedade com
Basto Álvares de Oliveira Pereira, José da Costa Rodrigues e Joaquim Antônio Ferreira.235
Em 1828, Moreira tinha, ainda, vendido 50 almas para este mesmo sujeito. Nota-se também
neste caso, uma ligação freqüente entre Moreira e Rabelo, o que nos remete a pensar
novamente o quanto foi importante para Rabelo este vínculo, pois dos 306 cativos
despachados para Minas, 190 foram comprados de José Antônio Moreira.236
Passemos agora para o personagem Joaquim Antônio Ferreira, cujas informações
pessoais também não foram identificadas. Sabemos que em 1826 e 1827 atuou somente
como fiador nas remessas acima de 20 escravos, abonando nada mais, nada menos do que
13 tropeiros, quais sejam: João da Silva Torres, Francisco Teixeira Guedes, João Caetano
da Costa, Luis Augusto Soares de Castro, José Gonçalves Moreira, Jerônimo de Arantes
Marques, José Agostinho de Abreu, Joaquim José de Castro, Domingos Ribeiro do Vale,
Joaquim de Almeida Leite, Joaquim Antônio de Abreu, José Teodoro de Araújo e
Francisco de Paula Correia, no total foram despachados 510 escravos para Minas.237 Em
algumas ocasiões Ferreira atestou em conjunto com outros negociantes, como no despacho
de 30 escravos realizado por Joaquim Antônio de Abreu em 12 de dezembro de 1827. Neste
dia Ferreira abonou o dito tropeiro juntamente com Francisco Xavier Dias da Fonseca.238

233
Códice 424, v. 4, p. 104, s/r
234
Manolo Florentino afirma que a apesar da especulação ter um papel estrutural no tráfico de escravos, o
período de 1790-1830, especialmente depois da abertura dos portos, mostrava-se altamente propício a este
tipo de prática. FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 152.
235
Códice 424, v. 4, p. 124, s/r.
236
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
237
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional
238
Códice 424, v. 2, p. 88, s/r.
140

Como despachante Joaquim atuou por três vezes, em 1824, 1828 e 1830 enviando,
nesta ordem, 23, 40 e 41 cativos para Minas.239 Dentre as vendas que realizou, já citamos a
comercialização de 140 cativos em conjunto com José Antônio Moreira e além dessa,
outras duas nos despertou: a negociação com o Padre José Antônio da Silva, onde Luis José
da Costa e a companhia Viúva Carmo e Filho também participaram da venda de 38 cativos
para o sacerdote em 1829 e o fornecimento de 39 cativos para o Reverendo José Antônio de
Sá em março de 1830.240
Com isso, diante da exposição das relações de José Francisco de Mesquita, José
Antônio Moreira e Joaquim Antônio Ferreira é possível notar o quanto este indivíduos eram
influentes no tráfico de escravos para Minas Gerais no início do século XIX, atuando
intensamente – ou como abonador, ou vendedor ou despachante – nas remessas acima de
20 cativos. Não por acaso, sabemos, de maneira geral, que deste três, Mesquita e Ferreira
figuravam como os mais importantes negociantes de grosso trato da praça mercantil
carioca, ou seja, eram “empresários” que, simultaneamente, estavam envolvidos em
grandes empreendimentos de diferentes ramos do comércio.241 Cruzando seus nomes com a
lista de João Fragoso e Roberto Ferreira, acerca dos maiores vendedores de escravos do Rio
de Janeiro, constatamos que José de Mesquita e Joaquim Ferreira foram os dois maiores
fornecedores entre os anos de 1825 e 1830, juntos venderam mais de 2000 cativos!242 Além
disso, estes negociantes estavam inseridos também no tráfico Atlântico.243
Podemos adicionar ainda que José Francisco de Mesquita, além de ter atuado nos
negócios envolvendo escravos, comprava também algodão e outros gêneros de Minas
Gerais.244 Para além, chegou a receber de D. João VI uma comenda da Ordem de Cristo,
devido a um “bom serviço que prestou realizando em moeda os bilhetes do Banco aos
tropeiros da Carreira de Minas Gerais, para que não decaísse de sua atividade o comércio
que existe entre a capital e aquela província.”245

239
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
240
Códice 424, v. 4, p. 108, s/r.
241
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., p. 60.
242
Idem, p. 64.
243
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p. 254.
244
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 84.
245
Arquivo Nacional. Graças honoríficas. Documentos de 31 de maio de 1819. Códice 15, v. 7, fl. 36. Apud.
Idem, p. 85.
141

Portanto, as considerações enunciadas nestes três casos nos levaram a elaboração de


uma hipótese, a saber: os liames mercantis estabelecidos entre estes indivíduos no tráfico de
escravos para Minas Gerais nos anos de 1809 a 1830, talvez, tenha contribuído para o
legado de um dos principais traços estruturais desta prática mercantil, a concentração.
Diante do processo de abertura dos portos e de extinção do tráfico Atlântico na década de
1820, possivelmente, os tropeiros envolvidos com os três personagens preeminentes,
conseguiram – com maior facilidade em relação aos outros comerciantes – acessos a
créditos vultosos para viabilizarem grandes remessas num espaço curto de tempo, como
mostramos no caso da ligação entre José Francisco de Mesquita e José Joaquim Monteiro
de Barros. Não podemos nos esquecer, também, que estamos diante de um mercado pré-
industrial onde as leis da oferta e da procura nem sempre se mostraram operante, ou ainda
nas palavras de João Fragoso, “estamos diante de um mercado restrito, característico de
economias não-capitalistas.” 246
Finalmente, a presença de José Francisco de Mesquita e Joaquim Antônio Ferreira
no tráfico Atlântico de escravos nos remetem uma outra conjetura elaborada por João
Fragoso e Roberto Ferreira: além dos negociantes de grosso trato do Rio de Janeiro ter
controlado o comércio internacional de almas, estavam envolvidos na redistribuição de
africanos na região centro-sul do Brasil, por sua vez, os autores sugerem também que esses
empreendedores eram os principais responsáveis pela reiteração das economias escravistas
nestes territórios.247

Das famílias da Zona da Mata no tráfico de escravos para Minas Gerais

Alcir Lenharo mostrou que na primeira metade do século XIX, os proprietários do


Sul de Minas tinham suas próprias tropas e, em geral, faziam uso do trabalho dos seus
filhos tropeiros. Com base nos relatos do viajante Saint-Hilaire, Lenharo constatou que as
tropas mineiras constituíam uma extensão de suas bases familiares fundamentadas no
trabalho dos filhos.248
Embora o cenário apresentado pelo autor esteja se referindo ao comércio de
abastecimento entre esta região e o Rio de Janeiro, é possível, também, detectar no tráfico

246
FRAGOSO, João L. R. Op. cit., p. 181.
247
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 56-65.
248
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 79.
142

de escravos para Minas Gerais a atuação de membros da mesma família no início do século
XIX. Deste modo, iremos neste item destacar alguns dos principais personagens de famílias
tradicionais da Zona da Mata mineira que se lançaram nesta atividade mercantil e suas
relações com importantes negociantes do Rio de Janeiro.
Devemos destacar que este estudo foi viabilizado por meio do cruzamento dos
nomes de famílias registrados nos códices 421 e 424 com os inventários post-mortem e
referências bibliográficas. Ao mesmo tempo, é fundamental ressaltarmos aqui os limites
desta pesquisa, pois com já foi dito, não disponibilizamos de um conjunto de fontes para
uma ampla reconstituição das articulações sócio-econômicas dessas famílias ou de seus
principais personagens. Na tabela 20, segue a relação das famílias e de seus integrantes
envolvidos nas grandes remessas (acima de 20 escravos) para Minas no período de 1809 a
1830.
Em primeira instância, percebe-se que foi nas famílias Ferreira Armond e Leite
Ribeiro onde identificamos o maior número de membros participando dos despachos acima
de 20 escravos no Rio de Janeiro, enquanto a primeira família negociou 917 escravos a
segunda realizou a operação de 668 almas. Em seguida, temos a família Monteiro de Barros
que negociou 567 cativos e por fim, as famílias Silva Pinto e Dias Tostes, as quais foram
responsáveis pelo envio de 99 e 96 escravos respectivamente.
De maneira geral, sabemos que os membros destas famílias se instalaram na Zona
da Mata mineira no início do século XIX em diferentes municípios. Francisco Leite
Ribeiro, por exemplo, se fixou junto com seu irmão Custódio Leite Ribeiro, Barão de
Aiuruoca, em Mar de Espanha, localizada na porção sul da região em foco. Já os Tostes e
os Ferreira Armond ocuparam as terras de Santo Antônio do Paraibuna (atual Juiz de Fora)
na mesma época, enquanto os Monteiro de Barros, se estabeleceram em Leopoldina.249
Todas estas famílias vieram do Termo de São João Del Rei (Leite Ribeiro, Silva Pinto e
Monteiro de Barros) e do Termo de Barbacena (Ferreira Armond e Dias Tostes).250 Embora
estes grupos familiares tenham se estabelecido em locais diferentes, todos ocuparam as

249
CARRARA, Ângelo A. A Zona da Mata mineira: diversidade econômica e continuísmo (1839-1909).
Niterói: UFF, 1993, pp. 35-36. (dissertação de mestrado).
250
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de famílias: mercado, terra e poder na formação da cafeicultura
mineira – 1780-1870. Bauru: Edusc; Juiz de Fora: FUNALFA, 2005, p. 273.
143

terras da Zona da Mata da mesma forma, ou seja, por meio de doações de sesmarias, nas
quais se transformaram em latifúndios e onde a cafeicultura predominava.251

Tabela 20: Relação das famílias da Zona da Mata e seus integrantes no tráfico de
escravos para Minas Gerais (remessas acima de 20 cativos), 1809-1830
Famílias Números de escravos negociados
Família Ferreira Armond 917
Marcelino José Ferreira Armond 337
Honório José Ferreira Armond 195
Simplício José Ferreira Armond 133
Mariano José Ferreira Armond 83
Lino José Ferreira Armond 70
Joaquim José Ferreira Armond 60
Antônio José Ferreira Armond 39
Família Leite Ribeiro 668
Antônio Leite Ribeiro 187
Floriano Leite Ribeiro 177
Francisco Leite Ribeiro 157
Luciano Leite Ribeiro 147
Família Monteiro de Barros 567
Romualdo José Monteiro de Barros 289
José Joaquim Monteiro de Barros 278
Silva Pinto 99
José Antônio da Silva Pinto (Barão de
99
Ibertioga)
Família Dias Tostes 96
Antônio Dias Tostes 96
Fonte: Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA) e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de.
Op. cit., pp. 273-274.

Na família Ferreira Armond, foi possível identificarmos que quase todos os


membros ligados ao tráfico de escravos são compostos por irmãos. Marcelino, Simplício,
Mariano, Lino, Joaquim e Antônio são filhos do Alferes Francisco Ferreira Armond e de
Felizarda Maria Francisca de Assis. Além desses, Francisco deixou outros seis filhos
quando de seu falecimento em 1814. Trata-se de uma família tradicional do Termo de
Barbacena que neste ano residia na fazenda denominada Moinhos.252 Em 1827,
identificamos Marcelino Armond residindo na Freguesia de Nossa Senhora da Assunção do

251
CARRARA, Ângelo A. op. cit., p. 36.
252
Inventário post-mortem – AHMPAS - 2º vara civil - cx. 20 - ordem, 18.
144

Engenho do Mato – localidade situada na Zona da Mata Sul – quando da morte de sua
esposa Ana Joaquina da Silva. 253
No tráfico para Minas Gerais, além de ser o membro da família com maior número
de escravos comercializados na praça carioca (337), Marcelino estava entre os dez
principais negociantes nas remessas acima de 20 escravos (tabela 19), destacando-se, assim,
como um personagem importante neste fluxo mercantil.
Envolvido desde 1816 nos grandes despachos, negociou a compra de escravos em
duas oportunidades com Antônio José Moreira Pinto, uma em 1828, quando adquiriu 62
cativos e a outra em 1829, na aquisição de 70 almas, ou seja, em dois anos, Moreira Pinto
vendeu 132 escravos para Marcelino.254 Para se ter uma idéia, Antônio José era um
importante negociante de grosso trato estabelecido no Rio de Janeiro e estava ligado ao
tráfico Atlântico,255 sobressaindo-se, por sua vez, como um dos maiores vendedores de
escravos na praça carioca.256 Não por acaso, assim como Marcelino, Moreira Pinto estava
entre os dez maiores negociantes do tráfico para Minas (tabela 19).
O mais interessante dessas relações é o fato de Antônio José Moreira Pinto não ter
negociados escravos somente com Marcelino, mas com os outros componentes dos Ferreira
Armond. Em 12 dezembro de 1826, o dito afiançou Simplício no despacho de 93 escravos
para Minas,257 dois anos depois também abonou Honório na remessa de 35 almas,258 em
1829 vendeu 60 cativos para Joaquim José259 e no ano de 1830 vendeu mais 38 para Lino
José.260 Temos, então, uma constate conexão mercantil entre os Ferreira Armond e Antônio
José Moreira Pinto, ligação na qual contribuiu, provavelmente, para o papel de destaque
desta família no tráfico de escravos para Minas Gerais no início do século XIX.
Na família Leite Ribeiro, um personagem ilustre que se destaca é o Comendador
Francisco, natural de São João Del Rei e como já foi dito, residente em Mar de Espanha.
Descendente de uma importante linhagem de fazendeiros, criadores e negociantes,
Francisco Leite Ribeiro era proprietário de diversas sesmarias em seu nome e em nome de

253
Inventário post-mortem – AHMPAS - 2º vara civil - cx. 69 - ordem, 24.
254
Códice 424, v. 2, p. 266, s/r e Códice 424, v. 3, p. 118, s/r.
255
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p.256.
256
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 60-65.
257
Códice 424, v. 1, p. 122, s/r.
258
Códice 424, v. 2, p. 129 s/r.
259
Códice 424, v. 3, p. 170 v s/r.
260
Códice 424, v. 4, p. 120 s/r.
145

familiares seus. Todos os seus 12 filhos estiveram profundamente articulados às atividades


de comercialização entre São João Del Rei e a Corte, como também à produção e,
principalmente ao financiamento do café.261 Ao falecer em 1847, seu patrimônio
acumulado foi, basicamente, de 225 escravos, 140 mil pés de café e 47 bestas de cargas,
além do monte mor líquido de mais de mil contos de reis (Rs 1.087:024$203). 262Francisco
ao longo de sua vida demonstrou ser um empreendedor de múltiplos investimentos, no
tráfico de escravos para Minas Gerais, especificamente, o identificamos em três ocasiões
remetendo acima de 20 escravos nos anos de 1829 e 1830, neste período Francisco enviou
para Minas 157 escravos.263 Dentre estes despachos, nos chama atenção sua negociação
com Francisco Xavier Dias da Fonseca, onde este último lhe vendeu 80 escravos em março
de 1830.264 Dias da Fonseca era um negociante de grosso trato que se destacava também
como um dos maiores vendedores de escravos no Rio de Janeiro,265 além de estar entre os
dez maiores negociantes do tráfico de escravos para Minas (tabela 19).
Podemos destacar ainda, a negociação entre parentes desta família. Em maio de
1828, Luciano Leite Ribeiro e Companhia vendeu 50 escravos para Antônio Leite Ribeiro,
cujo abonador foi Francisco Antônio da Gama.266 Percebe-se neste fato, que as constantes
empreitadas deste grupo familiar na praça mercantil carioca, talvez, levaram os integrantes
da própria família a se estabelecerem no Rio de Janeiro – como é caso da companhia de
Luciano – com intuito de fortalecer e expandir suas conexões mercantis, ou ainda, adquirir
uma certa independência nos negócios, evitando, assim, a presença de atravessadores.267
Sobre a família Monteiro de Barros sabemos que conseguiu a apropriação de um
vasto patrimônio agrário em Leopoldina no ano de 1818, cuja distribuição foi facilitada
pela presença de alguns de seus membros importantes nos cargos mais altos do governo da
capitania e depois província de Minas Gerais. Dentre eles está Romualdo José Monteiro de
Barros, Barão de Paraopeba, membro da segunda Junta do Governo Provincial.268

261
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., p. 87.
262
Idem, p. 88 e CARRARA, Ângelo A. op. cit., p. 35.
263
Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
264
Códice 424, v. 4, p. 72, s/r.
265
FRAGOSO, João e FERREIRA, Roberto. Op. cit., pp. 60-65.
266
Códice 424, v. 2, p. 229, s/r.
267
Alcir Lenharo destaca a preferência dos proprietários por pessoas da mesma família na montagem de
tropas para o comércio de abastecimento, evitando, portanto, a manipulação de intermediários nos preços
finais dos produtos. LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 80.
268
CARRARA, Ângelo A. op. cit., pp. 36-37.
146

José Joaquim Monteiro de Barros, que em 1816 aparece no Rio de Janeiro


registrado com o título de tenente,269 também se beneficia destas concessões neste
momento, sendo contemplado com uma sesmaria.270
No item anterior, já enunciamos que José Joaquim manteve constantes relações com
o negociante de grosso trato José Francisco de Mesquita. Nas quatro ocasiões em que José
Joaquim remete mais de 20 escravos, Mesquita atua em três, ou como abonador ou
vendedor, dito de outro modo, dos 278 cativos negociados pelo Tenente, José Francisco
aparece na negociação de 244 escravos!271
Por último, temos a família encabeçada por Antônio Dias Tostes, nome este herdado
desde a geração de seu avô, um português natural da Ilha Terceira do bispado de Braga e
que se estabeleceu em Santa Rita de Ibitipoca em 1745.272 Dias Tostes era um proprietário
de terras e foi um dos primeiros a ocupar as fronteiras da Zona da Mata mineira. Fazia parte
do grupo dos maiores credores da região e era detentor de enorme prestígio político.273 No
Rio de Janeiro fez negócios com o famoso José Francisco de Mesquita e Constantino Dias
Pinheiro, também traficante de escravos no périplo entre África e o Rio de Janeiro.274
No dia 18 de Janeiro de 1830, Mesquita, juntamente com Joaquim Antônio Rabelo,
275
vendeu 20 escravos para Antônio Tostes. Três dias depois Tostes comprou mais 20
cativos de Constantino Dias Pinheiro,276 adquirindo outros 34 de Mesquita menos de três
meses depois desta última operação.277
Assim, em face do quadro esboçado, acreditamos ser digno de nota expor duas
constatações: primeiro, as conexões mercantis entre as famílias de alta estirpe da Zona da
Mata mineira e importantes negociantes de grosso trato da praça mercantil carioca contribui
para o fortalecimento da concepção acerca da forte ligação da economia mineira com o
tráfico Atlântico de escravos nos primeiros decênios do século XIX, idéia esta defendida ao
longo de todo o trabalho.

269
Códice 421, v. 7, p. 179 v, r. 1028.
270
CARRARA, Ângelo A. op. cit., pp. 36-37.
271
Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional.
272
BASTOS, Wilson de Lima. Caminho Novo: a espinha dorsal de Minas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições,
2004, p. 129.
273
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., p. 167.
274
FLORENTINO, Manolo. Op. cit., p.255.
275
Códice 424, v. 4, p. 27, s/r.
276
Códice 424, v. 4, p. 28, s/r.
277
Códice 424, v. 4, p. 114, s/r.
147

Segundo, essas ligações mostram também a importância dos traficantes cariocas


para as famílias mineiras que estão iniciando a montagem das “empresas” agro-
exportadoras.
Contudo, Mônica Ribeiro de Oliveira mostra que o processo de expansão e
constituição da cafeicultura da Zona da Mata mineira não foi uma mera decorrência da
ampliação da fronteira fluminense, ou seja, dentro de uma dinâmica própria a implantação
do café nesta região não se deu nos moldes do processo registrado em São Paulo e no Rio
de Janeiro, onde a mutação do capital mercantil em capital agrário, proveniente dos
negociantes de grosso trato, foi a principal “força motriz” da cafeicultura da região do Vale
fluminense.278 Enfim, para a autora, não se observou a presença de investimentos de
agentes comerciais do Rio de Janeiro nas fazendas de café da Mata mineira: “A origem das
empresas cafeeiras da Mata prendia-se a investimentos originários da economia mercantil
de alimentos, provenientes não da Mata, mas de outras sub-regiões, tradicionalmente
vinculadas ao abastecimento da Corte.” 279
Tivemos a oportunidade de verificar que, quase todas as famílias pertencentes à
futura elite cafeicultora da Zona da Mata280 tiveram pelo menos um membro envolvido em
grandes despachos de cativos (acima de 20 remessas) junto a importantes negociantes
envolvidos no tráfico Atlântico de escravos. Portanto, por mais que se confirme a presença
de capitais advindos de outras regiões mineiras no estabelecimento da cafeicultura da Mata,
seria interessante não descartarmos, mesmo que de forma indireta, a presença de capitais da
praça mercantil carioca neste processo.
Se considerarmos que: 1) muitas das operações observadas, provavelmente não se
concretizaram com dinheiro sonante e 2) as relações de crédito deveriam ser fundamentais
para aquisição de um grande número de escravos, principalmente, se levarmos em conta o
fato do mercado colonial possuir uma precária capacidade de liquidez281, temos, então, a
possibilidade de muitas dessas famílias terem iniciado a formação de seus plantéis –
principal inversão de um proprietário na sociedade escravista – com o crédito fornecido por
negociantes do Rio de Janeiro.

278
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. op. cit., p. 90.
279
Idem, p. 91.
280
A listagem das principais famílias do núcleo agrário-cafeicultor da região está em Idem, p. 273.
281
FRAGOSO, João L. R. op. cit., p. 184.
148

Considerações Finais

Ao longo dos três capítulos deste trabalho nossa preocupação foi mostrar a
importância do tráfico de escravos para Minas Gerais na reprodução do escravismo na
sociedade da Zona da Mata mineira entre 1809 e 1830. Por sua vez, demonstramos também
o forte vínculo entre a capitania mineira e o tráfico atlântico de escravos, cujo principal elo
era a praça mercantil carioca, contrariando, assim, uma historiografia corrente que
subestima a força de Minas nesta prática mercantil durante o século XIX.
Em vistas destas questões, os resultados obtidos na pesquisa demonstraram que a
propriedade escrava esteve disseminada e, ao mesmo tempo, concentrada no tecido social
da Mata mineira ao longo da segunda e terceira década do oitocentos. Sua população
escrava era composta em sua maioria por homens, com idade entre 15 e 40 anos e de
origem africana, sendo boa parte destes procedentes da África Central Atlântica. Entre o
período de 1809-1819 e 1820-1830 os africanos adultos cresceram 233%, o maior
registrado entre todos os cativos, sendo seguidos pelos crioulos, o que nos levou, no
entanto, a não subestimar a atuação da reprodução natural na região.
Para além, ao trabalhar com a sociabilidade dos homens no cativeiro mostramos a
presença majoritária das famílias nucleares sem filhos e, simultaneamente, o número
expressivo de famílias matrifocais nos plantéis com menos de dez cativos. Este cenário
familiar seria fruto de uma conjuntura conturbada do tráfico Atlântico de escravos no final
da década de 1820, onde em meio a um despejo desvairado de africanos no Rio de Janeiro
os pequenos senhores teriam vislumbrado uma oportunidade em dispor por um bom preço a
sua força de trabalho, o que teria acarretado numa dissipação gradual dos arranjos
nucleares.
Todas estas evidências apontaram, então, uma forte relação entre a Zona da Mata
mineira e o tráfico de escravos para Minas Gerais nos anos de 1809 e 1830. Porém, em
vista da corrente idéia sobre a irrelevância do comércio de escravos nesta província, foi
necessário estudarmos o tráfico regional de escravos na praça mercantil carioca, principal
ponto de desembarques de africanos no país. Neste estudo, verificamos que Minas Gerais
entre 1809 e 1830 foi o principal destino dos escravos, onde 40% das almas despachados do
Rio de Janeiro se dirigiram para este território, enquanto na província fluminense este
149

índice foi de 36%. Mais do que isso, verificamos também que dos escravos remetidos
97,8% eram africanos novos, se mostrando, assim, como um precioso indício da forte
vinculação entre o tráfico Atlântico e a economia mineira.
No estudo do perfil demográfico das remessas de escravos para Minas, foi possível
constatar que além do predomínio natural dos africanos adultos, registrou-se uma
participação efetiva de africanos infantes nestes envios, acompanhando, deste modo, uma
tendência apontada por Mary Karash acerca do desembarque expressivo de africanos
inocentes no Rio de Janeiro durante a primeira metade do século XIX. Esta constatação nos
fez pensar que a idade do escravo, talvez, não seja uma variável confiável para apurar a
existência da reprodução natural em Minas entre 1809 e 1830. Prova disso foi participação
crescente, ainda que pequena, dos africanos entre 0 e 14 anos verificada nos plantéis da
Zona da Mata mineira.
Finalmente, o nosso estudo demonstrou os homens que movimentavam as
engrenagens deste mercado. Registramos que os movimentos sazonais dos tropeiros de
Minas coincidiam com os momentos de pico do tráfico Atlântico, ou seja, a maioria dos
escravos que desembarcavam no Rio de Janeiro e seguiam para o território mineiro viajam
durante o verão e outono. Em seguida, vimos que o tráfico de escravos para Minas tinha
como marca um traço estrutural do mercado colonial brasileiro, qual seja: a concentração.
Entretanto, este mesmo mercado abria espaço para os comerciantes eventuais. Em face
deste cenário, descobrimos importantes negociantes de grosso trato da praça carioca
envolvidos freqüentemente na comercialização de grandes remessas (acima de 20 cativos)
para Minas Gerais. Para além, vimos que importantes personagens da futura elite
cafeicultora da Zona da Mata se lançaram neste grande empreendimento, tendo como
abonadores e vendedores empresários cariocas com negócios no tráfico Atlântico.
Portanto, os resultados da pesquisa mostraram em cada item e em cada capítulo a
nossa adesão da primeira parte da teoria de Roberto Borges Martins, qual seja: Minas
Gerais teria sido a província que mais importou escravos no Brasil, pelos menos para o
período de 1809 a 1830.
150

Anexos
151

Anexo 1:Origem étnica dos cativos inventariados da Zona da Mata mineira, 1809-1830
Região de
1809-1819 1820-1830 1809-1830
origem
# % # % # %
África
6 2,7 12 2,6 18 2,6
Ocidental
Mina 6 2,7 10 2,0 16 2,3
Nagô - - 2 0,6 2 0,3
África
Central 207 96,2 446 92,7 653 93,8
Atlântica
Angola 46 21,3 49 10,1 95 13,6
Benguela 70 32,5 125 25,9 195 28,0
Cabinda 8 3,7 57 11,8 65 9,3
Cassange 12 5,5 28 5,8 40 5,7
Congo 29 13,4 114 23,7 143 20,5
Ganguela 5 2,3 9 1,8 14 2,0
Monjolo 7 3,2 21 4,3 28 4,0
Quiçamã - - 1 0,2 1 0,1
Rebolo 30 13,9 42 8,7 72 10,3
África
2 1,1 23 4,7 25 3,6
Oriental
Moçambique 2 1,1 23 4,7 25 3,6
Total 215 100,0 481 100,0 696 100,0
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS.
152

Anexo 1.1: Origem étnica dos cativos despachados para Minas Gerais, 1809-1830
Região de
1809-1819 1820-1830 1809-1830
origem
# % # % # %
África
16 10,1 101 8,0 117 8,2
Ocidental
Cabo Verde - - 2 0,15 2 0,13
Calabar - - 13 1,0 13 0,9
Mina 14 8,8 82 6,3 96 6,6
Nagô - 1 0,1 1 0,1
São Tomé 1 0,6 3 0,2 4 0,2
Ussá 1 0,6 - - 1 0,1
África
Central 135 85,4 883 68,3 1018 70,2
Atlântica
Ambaca - - 3 0,2 3 0,2
Angola 64 40,5 263 20,3 327 22,5
Benguela 25 15,8 202 15,6 227 15,5
Cabinda 9 5,6 144 11,1 153 10,5
Cassange 2 1,2 76 5,8 78 5,3
Congo 22 13,9 99 7,6 121 8,3
Ganguela 3 1,9 10 0,7 13 0,9
Moange - - 5 0,3 5 0,3
Monjolo 1 0,6 17 1,3 18 1,2
Quiçamã - - 5 0,3 5 0,3
Rebolo 9 5,6 46 3,5 55 3,7
Songo - - 13 1,0 13 0,9
África
7 4,5 307 23,7 314 21,6
Oriental
Moçambique 7 4,5 235 18,2 242 16,7
Inhambane - - 44 3,4 44 3,0
Quilimane - - 28 2,1 28 1,9
Total 158 100,0 1291 100,0 1449 100,0
Fonte: Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA)
153

Anexo 2: Tipos de arranjo de grupo familiares, por faixa de tamanho de plantel, entre
os cativos da Zona da Mata, 1809-1830
FTP Nuclear Nuclear Patrifocal Matrifocal Viúvos Extensa Fraterna Total
(a) (b)
# % # % # % # % # % # % # % # %
1-4 2 33,5 - - - - 4 66,5 - - - - - - 6 100,0
5-9 17 68,0 3 12,0 - - 5 20,0 - - - - - - 25 100,0
10-19 40 83,5 6 12,5 - - 2 4,0 - - - - - - 48 100,0
Mais 78 90,6 3 3,6 - - 5 5,8 - - - - - - 86 100,0
de 20
Obs.: FTP: Faixa de tamanho de plantel de escravos
(a) Família nuclear sem filhos
(b) Família nuclear com filhos
Fonte: Inventários post-mortem, 1º e 2º vara civil do AHMPAS
154

Anexo 3: Fluctuations in slave exportations/importations between Africa and the Port


of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1790-1830
Period # of trips (registered # of slaves exported # of slaves imported Indexes (importation)
entries)
1790 - 6260 5740
1791-1795 - 52159 48021 100
1796-1800 121 50583 46384 96.6
1801-1805 104 54219 50667 105.5
1806-1810 134 67566 58496 121.8
1811-1815 223 98973 91444 190.4
1816-1820 251 111703 100447 209.2
1821-1825 288 137686 121733 253.5
1826-1830 515 208435 192168 400.2
Total 1660 787584 715100
Sources: FLORENTINO, Manolo. Slave Trade, Colonial Markets and Slave Families in Rio de Janeiro, Brazil, c.
1790- c.1830 (paper inédito, 2004).
155

Anexo 4: Participação dos escravos novos e ladinos no tráfico regional de escravos a


partir do porto do Rio de Janeiro (1809-1830)
Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo Rio Grande do Sul
Novos Ladinos Novos Ladinos Novos Ladinos Novos Ladinos
Tráfico Tráfico Tráfico Tráfico
% % % % % % % %
1809 421 89,5 10,5 140 62,1 37,9 1099 96,5 3,5 191 70,1 29,9
1811 524 97,7 2,3 417 90,4 9,6 174 91,9 8,1 195 82,0 18,0
1813 1763 98,2 1,8 676 89,9 10,1 373 94,6 5,4 0 - -
1814 525 98,0 2,0 344 91,5 8,5 43 100,0 - 0 - -
1809-14 3233 96,9 3,1 1577 87,9 12,1 1689 95,7 4,3 386 76,1 23,9
1815 1598 98,0 2,0 931 94,9 5,1 184 98,3 1,7 18 0 100,0
1816 2275 98,8 1,2 1532 92,6 7,4 360 87,7 12,3 197 1,6 98,4
1817 1804 98,0 2,0 1733 88,2 11,8 172 73,8 26,2 158 0,7 99,3
1818 1199 92,8 7,2 2067 88,0 12,0 102 54,9 45,1 146 0 100,0
1819 412 96,8 3,2 2284 89,7 10,3 122 41,8 58,2 140 0 100,0
1820 691 95,0 5,0 1334 87,4 12,6 290 80,3 19,7 116 0 100,0
1821 959 56,8 43,2 661 65,6 34,4 116 81,0 19,0 136 14,0 86,0
1815-21 8938 92,8 7,2 10542 88,2 11,8 1346 78,6 21,4 911 2,6 97,4
1822 2855 96,8 3,2 2667 87,7 12,3 1968 98,1 1,9 2333 92,9 7,1
1809-22 15026 94,5 5,5 14786 88,1 11,9 5003 92,0 8,0 3630 68,4 31,6
1823 - - - 977 63,9 36,1 2181 91,6 8,4 2035 57,5 42,5
1824 4190 98,1 1,9 4055 89,1 10,9 2283 91,9 8,1 2521 70,6 29,4
1825 5761 97,8 2,2 2959 87,7 12,3 857 97,3 2,7 0 - -
1826 6126 98,5 1,5 6359 89,5 10,5 3783 97,1 2,9 2488 79,6 20,4
1827 6131 99,2 0,8 4438 92,7 7,3 2077 98,2 1,8 424 79,2 20,8
1828 10707 99,0 1,0 9909 95,9 4,1 4766 99,1 0,9 741 85,1 14,9
1829 9458 98,9 1,1 7535 93,4 6,6 2995 95,3 4,7 1168 80,9 19,1
1830 12212 98,6 1,4 11625 92,2 7,5 3080 89,9 10,1 1501 76,8 23,2
1824-30 54585 98,7 1,3 46880 92,4 7,6 19841 95,7 4,3 8843 77,2 22,8
Total 69611 97,8 2,2 62643 90,9 9,1 27025 94,7 5,3 14508 72,2 27,8
Fonte: códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
156

Anexo 5: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de


1817
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 90 5,5
Janeiro 141 7,8
Fevereiro 282 15,6
Verão 513 28,9
Março 271 15,0
Abril 181 10,0
Maio 129 7,1
Outono 581 32,1
Junho 160 8,8
Julho 12 0,6
Agosto 37 2,0
Inverno 209 11,4
Setembro 122 6,7
Outubro 294 16,2
Novembro 85 4,7
Primavera 501 27,6
Total 1804 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual

Anexo 5.1: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1818
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 30 2,5
Janeiro 175 14,6
Fevereiro 59 4,9
Verão 264 22,0
Março 159 13,2
Abril 422 35,2
Maio 109 9,1
Outono 690 57,5
Junho 35 3,0
Julho 50 4,1
Agosto 59 5,0
Inverno 144 12,1
Setembro 27 2,2
Outubro 40 3,5
Novembro 31 2,7
Primavera 98 8,4
Total 1196 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
157

Anexo 5.2: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1825
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 303 5,3
Janeiro 714 12,4
Fevereiro 576 10,0
Verão 1593 27,7
Março 631 11,0
Abril 555 9,6
Maio 361 6,3
Outono 1547 26,9
Junho 526 9,1
Julho 280 4,9
Agosto 240 4,2
Inverno 1046 18,2
Setembro 313 5,4
Outubro 524 9,1
Novembro 735 12,7
Primavera 1572 27,2
Total 5758 100,0
Fonte: Códice 421 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual

Anexo 5.3: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1826
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 909 14,9
Janeiro 931 15,2
Fevereiro 557 9,2
Verão 2397 39,3
Março 546 8,9
Abril 390 6,4
Maio 573 9,4
Outono 1509 24,7
Junho 269 4,5
Julho 87 1,4
Agosto 197 3,2
Inverno 553 9,1
Setembro 373 6,2
Outubro 424 6,9
Novembro 846 13,8
Primavera 1643 26,9
Total 6102 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
158

Anexo 5.4: Remessas de Escravos (novos e ladinos) para Minas Gerais no ano de
1830
Província Minas Gerais A
Meses # %
Dezembro 142 1,6
Janeiro 3007 24,6
Fevereiro 1571 12,8
Verão 4720 39,0
Março 2142 17,5
Abril 2071 16,9
Maio 1065 8,7
Outono 5278 43,1
Junho 684 5,6
Julho 326 2,7
Agosto 382 3,1
Inverno 1392 11,4
Setembro 297 2,4
Outubro 285 2,3
Novembro 227 1,8
Primavera 809 6,5
Total 12199 100,0
Fonte: Códice 421e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
Obs.: Exclui escravos que trouxe, escravos que o sujeito trouxe e crias.
A = Percentuais mensais em relação ao total anual.
159

Anexo 6: Distribuição (%) das remessas de escravos do porto Rio de Janeiro para
Minas Gerais, por meses e estações do ano, 1817-1830.
Estação/Mês Nº. de escravos remetidos %
Dezembro 3236
Janeiro 7699
Fevereiro 4945
Verão 15.880 33,3
Março 5717
Abril 4934
Maio 4255
Outono 14.906 31,3
Junho 3670
Julho 1962
Agosto 1802
Inverno 7.434 15,8
Setembro 2422
Outubro 3302
Novembro 3612
Primavera 9.336 19,6
Total 47.556 100,0
Fonte: códice 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
160

Anexo 7: listagem dos negociantes envolvidos nas grandes remessas (acima de 20


cativos) para Minas Gerais, 1809-1830.
Número de escravos
Nome negociados
José Francisco de Mesquita 1453
José Antõnio Moreira 1185
Joaquim Antônio Ferreira 1050
José Fernandes de Oliveira Pena 783
Francisco Xavier Dias da Fonseca 455
Antônio José Moreira Pinto 412
Marcelino José Ferreira Armandes
(Armond) 337
Antônio Joaquim de Oliveira Pena 307
Bernardo José Ferreira Rabelo 306
José Lourenço Dias 305
Romualdo José Monteiro de Barros 289
José Joaquim Monteiro de Barros 278
Manoel Machado Coelho 252
Francisco de Paula Coelho 245
José Pereira da Fonseca 241
João Ferreira da Silva 234
José Gonçalves Moreira 225
Francisco Inácio Botelho 217
Simão da Costa Rodrigues 210
José Ferreira Franco 205
Paulo José de Souza 199
José Agostinho de Abreu 196
Honório José Ferreira Armandes
(Armond) 195
Antônio Leite Ribeiro 187
Floriano Leite Ribeiro 177
Antônio de Souza Moreira 175
Manoel Joaquim Gomes 169
Jerônimo da Costa Guimarães 163
Leite e Companhia e Aquino 158
Francisco Leite Ribeiro 157
Francisco José de Vasconcelos Lessa 151
Manoel Antônio Pacheco 151
Luciano Leite Ribeiro 147
Antônio Pereira Cardoso 146
Jacinto Álvares da Costa 144
Antônio Ferreira Álvares 142
Manoel Carneiro Santiago 140
Antônio de Freitas Lopes 136
Antônio Francisco Sardinha 136
Francisco Martins Marques 135
Lourenço Antônio do Rego 133
161

Simplício José Ferreira Armandes


(Armond) 133
Bento Gonçalves Caminha 132
Jerônimo de Arantes Marques 131
José Peixoto de Souza 130
Manoel José de Carvalho 129
João Pedro Diniz Junqueira 120
José Inácio Nogueira da Gama 120
Manoel José Ferreira Pena 120
Constantino Dias Pinheiro 119
Antônio Ribeiro da Silva 117
Manoel Pedro Costa 114
Joaquim José dos Santos Brochado 111
Antônio Francisco Ferreira 110
Francisco Lourenço Borges 108
Manoel Carneiro de Santiago 107
Manoel Francisco de Oliveira Pena 105
Francisco Nunes de Avelar 103
José Antônio da Silva Pinto 99
José Narciso de Almeida 99
Manoel Mendes Linhares 98
Antônio Dias Tostes 96
Antônio Silvério da Silva Muzi 96
José Agostinho de Abreu Castelo
Branco 96
João Rodrigues de Macedo 95
José Pereira da Silva 95
Francisco Álvares da Cunha Menezes 91
Francisco Borges Leal 91
José Francisco Pereira 90
Manoel José Gomes Torres 89
Manoel Luis Pereira 89
Joaquim Lopes Cansado 88
Manoel Francisco Bernardes 88
Oliverio Pedrosa Ferreira 88
João Batista Machado 87
José Antônio de Abreu 85
Vicente Ferreira da Silva 85
Custódio Ribeiro Pereira Guimarães 83
José Correa de Melo 83
José Manoel dos Santos 83
Manoel Rodrigues Pombo 83
Mariano José Ferreira Armandes
(Armond) 83
Joaquim José dos Santos 82
Antônio José Campos 81
Conde de Linhares 78
162

Francisco José Ribeiro 77


José Antônio Ferreira 77
Manoel Furtado Leite 77
Antônio José de Andrade 76
Joaquim Antônio Neves 76
Manoel Joaquim Coelho 76
Francisco Coelho Duarte 75
João Furtado de Souza 75
Manoel Ferreira da Silva 74
Manoel José de Assunção 73
Bento José Afonso 72
Antônio Machado Vieira 71
Desidério Mendes dos Santos 71
João Olegário Ferreira 71
Lino José Ferreira Armandes (Armond) 70
João Francisco da Silva 69
Antônio Carlos de Magalhães 68
Alexandre José de Siqueira 67
Antônio José de Oliveira Pena 67
Antônio José Ribeiro 66
Domingos Sampaio do Vale 64
Luis Antônio da Silva 63
Antônio José Fernandes 62
João Fernandes de Oliveira [Pena] 62
João Ferreira Duarte 62
José Ferreira de Oliveira Penasco 62
José Joaquim Álvares 62
Joaquim Antônio Rios 61
Antônio José de Araújo 60
Gervasio Pereira Camargo 60
Joaquim José Ferreira Armandes
(Armond) 60
José Vicente de Azevedo 60
Miguel de Carvalho de Siqueira 60
Antônio Furtado Campos 59
Joaquim Antônio de Abreu 59
Thomas de Aquino Álvares de Azevedo 59
Antônio José de Carvalho 58
Antônio Carlos Magalhães 57
Francisco Rodrigues de Carvalho 57
José de Abreu Couto 57
Manoel Caetano Monteiro 57
João Francisco Junqueira 54
Francisco Vieira Carneiro 52
Joaquim Gomes da Silva 52
Manoel Alonso da Silva Brandão 52
Manoel dos Santos Viana 52
163

Batista Caetano e Companhia 50


Francisco de Paula Santos 50
Francisco Pereira Lima 50
Francisco Theodoro de Mendonça 50
Henrique Miller (Miler) e Companhia 50
Manoel José Fernandes de Oliveira Pena 50
Wane Raighsford e Companhia 50
Pedro Ferreira Gomes 49
José Coelho do Santos 48
Francisco de Paula Pereira 47
João Ribeiro Pereira Guimarães 47
Manoel José Ribeiro 47
Mateus Antônio da Luz 45
Francisco Rodrigues Peixoto 44
João Lourenço Borges 43
Bartolomeu Fernandes Rocha 42
Luis José de Carvalho 42
Manoel Francisco Lopes 40
Antônio José Ferreira Armandes
(Armond) 39
Luciano Leite de Aquino 30
Manoel da Mota Teixeira 25
Francisco José dos Santos Brochado 24
Gardner 20
Siroge 20
Fonte: Códice 421 e 424 do Arquivo Nacional (Banco de dados do IPEA).
164

Fontes e Bibliografia

Fontes Primárias

Códices 390, 421, 424 e 425 do Arquivo Nacional (Disponível no banco de dados do IPEA,
CD-ROM).

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