Poecilideos 1

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Acta Scientiarum 22(2):415-422, 2000.

ISSN 1415-6814.

Estrutura populacional de Poecilia vivipara Bloch & Schneider, 1801


(Atheriniformes, Poeciliidae) do rio Ceará-Mirim - Rio Grande do
Norte

Renata Swany Soares Nascimento e Hélio de Castro Bezerra Gurgel*


Departamento de Fisiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, C.P. 1511, 59072-970, Natal-Rio Grande do Norte,
Brazil. *Author for correspondence.

RESUMO. Com o propósito de elucidar aspectos da estrutura populacional de Poecilia


vivipara do rio Ceará-Mirim, município de Poço Branco, Rio Grande do Norte, foram
capturados 3.390 exemplares em coletas mensais, no período de junho de 1995 a maio de
1997, utilizando-se tarrafas e peneiras. A partir dos resultados obtidos, constatou-se que as
fêmeas, em relação aos machos, predominaram na proporção de 8:1, considerando-se as
análises total e sazonal. No que se refere à distribuição por classes de comprimento para os
sexos separados, observou-se uma maior amplitude de comprimento das fêmeas em relação
aos machos e ainda uma ausência de diferenças entre as estações chuvosa e seca. De acordo
com os valores obtidos para o θ (3,86), verificou-se, para a espécie, um crescimento do tipo
alométrico positivo. Quanto à influência dos fatores abióticos, fotoperíodo, pluviosidade,
temperatura e nível do rio, relacionados aos aspectos da estrutura populacional, não foram
verificados resultados significativos que a confirmassem.
Palavras-chave: Poecilia vivipara, estrutura populacional, sazonalidade, peixes.

ABSTRACT. Populational structure of Poecilia vivipara Block & Schneider, 1801


(Atheriniformes, Poeciliidae) of Ceará-Mirim river, State of Rio Grande do Norte.
With the aim of clarifying aspects of the populational structure of Poecilia vivipara in the
Ceará-Mirim river, State of Rio Grande do Norte, a total of 3,390 specimens were captured
in monthly collections June 1995 trough May 1997, using nets and sieves. Results showed
that females, prevailed in the proportion of 8:1, in the whole period as well as seasonaly.
The total length classes distribution for separate sexes indicated that females reaches greatest
lengths than males with no difference between dry and rainy seasons. The species growth is
of the alometric positive type as suggested by the θ value (3,86). No correlation between
abiotic factors (photoperiod duration, rainfall, temperature and river water level) and the
population structure was found.
Key words: Poecilia vivipara, population structure, seasonality, fish.

Em resposta às condições de variações periódicas A família Poeciliidae abrange aproximadamente


em águas tropicais (Lowe-McConnell, 1987), os 200 espécies de peixes de pequeno porte,
peixes apresentam algumas características distribuídos nas regiões tropicais e subtropicais do
adaptativas, como as citadas por Paiva (1974) para os novo mundo (Meffe e Snelson, 1989).
peixes nordestinos, sendo elas: (a) capacidade de De uma maneira geral, apresentam acentuado
viver em águas sujeitas à alternância de regimes, dimorfismo sexual, sendo as fêmeas maiores que os
oscilando de ambientes lóticos durante as cheias a machos. São considerados omnívoros, alimentando-
lênticos na seca; (b) reprodução periódica se principalmente de invertebrados aquáticos e
coincidindo com a chegada das chuvas; (c) evolução terrestres, detritos, algas e plantas, mas apresentam
embrionária rápida; (d) ausência de espécies de uma tendência à ingestão de larvas de insetos. Estão
maior porte e de grandes exigências alimentares e (e) presentes nos mais diversos habitats, desde zonas
abundância de espécies migradoras, de alimentação temperadas a tropicais, e apresentam uma alta
variada e desova parcelada. adaptabilidade e tolerância a variações termais e de
416 Nascimento & Gurgel

salinidade. São mais comumente encontrados em média anual de 26ºC, mínima absoluta de 19ºC,
ambientes lênticos, principalmente junto às suas média de 21ºC nos meses mais frios e de 30º nos
margens. Segundo Meffe e Snelson (op. cit.), meses mais quentes.
corroborados por Endler (1989), os poecilídeos são Foram capturados 3.390 exemplares (350 machos
muito usados em pesquisas científicas, sendo e 3.040 fêmeas) de Poecilia vivipara em coletas
utilizados para estudos em uma larga variedade de mensais, no período de junho de 1995 a maio de
disciplinas. 1997, através de tarrafas malha “lápis” (1x1cm) e
Poecilia vivipara, conhecido vulgarmente como peneiras. O esforço de pesca variou de 5 a 6 horas
barrigudinho, gargaru, guaru, tim-tim, entre outros, por dia, com as tarrafas sendo lançadas na calha do
é encontrada em córregos e distribui-se rio em diversas localizações e tarrafas e peneiras
principalmente desde o Ceará até o Rio de Janeiro, utilizadas próximo às margens onde se localizavam
assim como no México e Guatemala. As fêmeas principalmente os exemplares de menor tamanho.
possuem uma coloração verde oliváceo, enquanto os No laboratório, para cada exemplar, foram
machos demonstram um padrão de cor alaranjada. registrados o comprimento total (Lt) em
De acordo com a literatura, o macho atinge em centímetros, o peso total (Wt) em gramas, o sexo
média até 6,0 cm de comprimento total, e a fêmea, com base nas características do dimorfismo sexual.
8,0 cm (Nomura, 1984). Os dados abióticos referentes à temperatura do ar
Os dados deste trabalho fizeram parte dos foram fornecidos pela Estação Climatológica da
coletados para o desenvolvimento do projeto UFRN, à precipitação pluviométrica foram
“Bioecologia de Peixes do Semi-Árido do Rio fornecidos pela Emparn (Empresa Agropecuária do
Grande do Norte” e visam contribuir para o Rio Grande do Norte), ao fotoperíodo foram
conhecimento de aspectos relacionados à estrutura fornecidos pelo IAG-USP (Instituto de Astronomia
populacional de Poecilia vivipara, bem como avaliar as e Geofísica da USP). Os valores referentes ao nível
possíveis influências de fatores abióticos, tais como do rio e á temperatura da água foram obtidos
fotoperíodo, temperatura, precipitação pluviométrica durante as coletas.
e oscilação do nível do rio. A proporção entre sexos foi verificada através de
cálculos das freqüências percentuais entre machos e
Material e métodos fêmeas para todo o período e ainda conforme as
estações seca (setembro/95 a fevereiro/96 e
Os exemplares foram capturados no rio Ceará
setembro/96 a fevereiro/97) e chuvosa (maio a
Mirim, próximo à Barragem Engenheiro Batista
agosto/95, março a agosto/96 e março a maio/97).
(5o37’22” S e 35o39’46” W), localizada no município
Aplicou-se o teste do qui-quadrado (χ2) com intuito
de Poço Branco- RN.
de testar diferenças entre as proporções
O Rio Ceará-Mirim é o que forma a menor bacia
estabelecidas. O nível de significância foi de 5%.
dentre as principais da rede hidrográfica do Estado,
O conhecimento da estrutura da população em
de aproximadamente 2.775 km2, e apresenta-se
relação ao comprimento baseou-se na distribuição
dentro de um complexo de bacias pequenas
de freqüências percentuais de classes de
conjugadas (Brasil, 1981). Nasce nas proximidades
comprimento total para todo o período e por
do município de Lajes e dirige-se para o litoral leste,
estação, para machos e fêmeas separadamente e para
onde deságua a alguns quilômetros acima da Ponta
os sexos agrupados. A existência de diferenças
de Santa Rita (Sudene, 1971). Encontra-se na zona
significativas em nível de 5% foi investigada pela
climática do tipo tropical chuvosa, com uma
análise de variância (ANOVA-One Way).
precipitação anual total de média de 1337,3 mm,
A relação peso total/comprimento total foi obtida
para o período 1995-1996, e de 1845,2 mm, para
através da distribuição dos pontos empíricos
1996-1997, e precipitações acima de 20 mm, para
individuais dessas variáveis, considerando o
março a agosto, considerando uma média entre os
comprimento total como variável independente e o
dois anos de estudo. Os meses mais chuvosos vão de
peso total como variável dependente, a fim de
março a maio, e os mais secos (com precipitações
estabelecer os valores dos parâmetros da expressão
abaixo de 20 mm), de setembro a dezembro,
matemática que melhor se ajustasse aos dados da
podendo ainda se adiantar para agosto ou atrasar para
relação entre as duas variáveis envolvidas. Os valores
janeiro. Assim, a pluviosidade que ocorre de forma
irregular é caracterizada por uma estação chuvosa, de φ e θ foram estimados pelo método dos mínimos
cuja concentração está limitada aos meses de março a quadrados após transformação logarítimica dos
agosto, e uma estação seca, de setembro a fevereiro. dados empíricos, realizada a fim de verificar a
Quanto à temperatura, durante o estudo, foi obtida existência de relação linear entre essas duas variáveis,
Estrutura populacional de Poecilia vivipara 417

transformadas através da expressão: lnWt= lnφ + θ características biológicas da população em estudo,


lnLt. Estimou-se ainda o valor do coeficiente de através de testes de correlação linear de Pearson, para
correlação de Pearson (r) para avaliar a aderência dos detectar a existência ou não de correlação entre eles.
pontos empíricos à reta calculada. A existência ou
não de diferenças da relação peso total/comprimento Resultados
total para cada sexo foi analisada pela superposição
Proporção sexual. A análise da proporção sexual ao
dos respectivos gráficos de dispersão e confirmado
longo de todo o período de amostragem revelou
pelo teste “t”.
predomínio de fêmeas em relação à proporção
Os valores de θ total para a população foram esperada (1:1). Quando considerado o total de
estimados utilizando-se, para isso, os valores de exemplares, essa proporção manteve-se em torno de
comprimento e peso de todos os indivíduos 1:8 (90% de fêmeas e 10% de machos) (Figura 1).
amostrados. A análise sazonal demonstrou predomínio de
O fator de condição corrigido (φ*1) obtido a fêmeas tanto na estação chuvosa quanto na seca
partir do θ encontrado na relação peso (Figura 1).
total/comprimento total foi calculado e analisado
100
separadamente para machos e fêmeas, segundo machos

metodologia adotada por Goulart (1994), com base 80

Frequência (%)
fêmeas
nas equações abaixo, sendo seus valores médios 60
distribuídos conforme as estações seca e chuvosa. 40

φ = θt e φ *1 = ∑ 1
* W φ*
1 20
Lt n
0
onde: chuvosa seca
φ* 1 = fator de condição corrigido;
Wt = peso total do indivíduo; Estação

Lt = comprimento total do indivíduo;


Figura 1. Distribuição sazonal da freqüência percentual de
θ = valor total da constante da relação peso fêmeas e machos de Poecilia vivipara no rio Ceará-Mirim, no
comprimento; período de junho/1995 a maio/1997
__
φ* 1 = valor médio do fator de condição corrigido; Estrutura em comprimento. A distribuição da
∑φ*1 = somatória dos valores individuais do fator de freqüência percentual das classes de comprimento
condição corrigido. total para os sexos separados demonstra que as
fêmeas (Figura 2A) apresentam uma amplitude de
Com o intuito de eliminar as possíveis comprimento variando de 0,5 a 8,4 cm e uma classe
influências dos ovários sobre o fator de condição, foi modal variando de 4,0 a 5,9. Para os machos (Figura
subtraído, para cada fêmea, do peso total o peso das 2B), essa amplitude oscilou de 1,0 a 5,9 cm, com
gônadas e calculado um outro fator de condição (φ*2) uma classe modal de 3,5 a 4,9 cm.
também sazonalmente, a partir das seguintes A partir da análise por classes de comprimento
fórmulas: total para sexos separados, considerando as estações
chuvosa e seca (Figura 3), nota-se que as fêmeas
W −W
φ 2= t θ geφ 2 =
* * ∑φ 2 *

atingem comprimentos superiores aos dos machos


Lt n nas duas estações. As fêmeas ocorrem dentro da
onde: amplitude de variação de 0,5 a 6,9 cm na estação
φ* 2 = fator de condição corrigido sem influência do chuvosa e de 0,5 a 8,4 cm na estação seca, enquanto
peso das gônadas; que os machos variam de 1,0 a 5,9 cm na estação
Wg = peso das gônadas; chuvosa e de 2,0 a 5,9 cm na estação seca. Verifica-se
___ ainda que, para as fêmeas, as classes modais são as de
φ* 2 = valor médio do fator de condição corrigido 4,0 a 5,9 cm em ambas as estações; para os machos,
sem influência do peso das gônadas. de 3,5 a 4,9 cm, na estação chuvosa, e de 4,0 a 4,9
cm, na estação seca.
As diferenças entre as estações, para ambos φ*1 e Quanto à sazonalidade, o teste “t” de Student
φ 2, em nível de 5% foram verificadas utilizando-se o
*
demonstrou não haver diferenças significativas na
Teste t de Student. estrutura em comprimento tanto para fêmeas quanto
Pretendeu-se investigar as possíveis influências para machos, para as classes modais, apresentando,
dos fatores abióticos sobre aspectos das
418 Nascimento & Gurgel

portanto, um mesmo padrão em ambas as estações, r=0,98) e machos (3,34; r=0,95) em nível de 95%,
independente das condições ambientais. quando aplicado o teste “t” de Student.
50,0
(A) Os valores estimados para o coeficiente θ
sugerem tratar-se de uma espécie com o crescimento
40,0 do tipo alométrico.
Frequência (%)

Fêmeas-TOTAL
9 lnW t =- 4,9746+ 3,8629lnLt
(B)
30,0 4 (A)
8 2
20,0
7 0
-1 0 1 2 3
10,0 -2

LnW t (g)
6
-4
0,0 5 -6

W t(g)
-8
50,0 4
(B) LnLt (cm)

40,0 3
Frequência (% )

30,0 2

1 3,8629
20,0 W t = 0,0042Lt
0
10,0
0 1 2 3 4 5 6 7 8

0,0 Lt (cm)
0 |- 0,5

1,0 |- 1,5

2,0 |- 2,5

3,0 |- 3,5

4,0 |- 4,5

5,0 |- 5,5

6,0 |- 6,5

7,0 |- 7,5

8,0 |- 8,5

Figura 4. Relação entre o peso total e o comprimento total (A) e


sua transformação linear correspondente (B), para os sexos
agrupados, considerando o período total de estudo
Classes de comprimento total (cm)

Figura 2. Distribuição das freqüências percentuais de classes de Fator de condição. A análise quanto à sazonalidade
comprimento total para fêmeas (A) e machos (B) de P. vivipara no (Figura 5) revelou, para fêmeas, os valores de 0,46 e
rio Ceará-Mirim, coletados de junho/95 a maio/97 0,36 (com e sem o peso das gônadas,
60,0 Estação Chuvosa 60,0
respectivamente) para a estação chuvosa, e os valores
Estação Seca
50,0 50,0
de 0,47 e 0,39 (com e sem o peso das gônadas), para
Fêmeas-seco
a seca. Para os machos, foram registrados os valores
Frequência (%)

Frequência (%)

40,0 40,0 Fêmeas

30,0 30,0 de 0,43 para a estação chuvosa, e 0,43, para a seca.


20,0 20,0
Comparando-se graficamente os valores entre os
sexos, observa-se uma semelhança entre eles.
10,0 10,0

0,0 0,0

60,0 60,0 2 FC1(f)

50,0 50,0 FC2(f)


Machos
Frequência (%)
Frequência (%)

40,0 40,0 FC1 (m)

30,0 30,0
1,5
Fator de Condição (x1000)

20,0 20,0

10,0 10,0

0,0 0,0
0 |- 0,5

1,0 |- 1,5

2,0 |- 2,5

3,0 |- 3,5

4,0 |- 4,5

5,0 |- 5,5

6,0 |- 6,5

7,0 |- 7,5

8,0 |- 8,5

0 |- 0,5

1,0 |- 1,5

2,0 |- 2,5

3,0 |- 3,5

4,0 |- 4,5

5,0 |- 5,5

6,0 |- 6,5

7,0 |- 7,5

8,0 |- 8,5

Classes de comprimento total (cm) Classes de comprimento total (cm)

Figura 3. Distribuição das freqüências percentuais de classes de 0,5


comprimento total para fêmeas e machos de P. vivipara no rio 0,47
0,46 0,43
Ceará-Mirim, considerando as estações chuvosa e seca 0,36 0,39
0,43

Relação peso total/comprimento total. A equação


chuvosa seca

Estação
obtida para a relação peso total (Wt) e comprimento
total (Lt) a partir dos valores alcançados é Figura 5. Distribuição média sazonal do fator de condição
representada através da expressão Wt = 0,0042 Lt3,86 corrigido para fêmeas e machos de P. vivipara no rio Ceará-
(Figura 4), sendo corroborada pela linearidade entre Mirim, coletados de junho/95 a maio/97 (FC1= fator de condição
corrigido 1; FC2= fator de condição corrigido 2; f= fêmeas, m=
os logaritmos de Wt e Lt, representados pela equação machos)
lnWt= - 4,97 + 3,86 lnLt (r =0,98).
Não foram constatadas diferenças significativas A análise sazonal demonstra que, entre as
para o coeficiente angular (θ) entre fêmeas (3,80; estações chuvosa e seca, não houve variação nos
Estrutura populacional de Poecilia vivipara 419

valores médios do fator de condição corrigido tanto atraso na maturação dos machos jovens em resposta
para machos quanto para fêmeas (p>0,05). à competição social, observado em populações de
A correlação entre os fatores abióticos: Poecilia gilli (Chapman et al., 1991); o elevado peso
fotoperíodo, precipitação pluviométrica, temperatura dos ovários, tornando as fêmeas mais susceptíveis à
e nível do rio com os valores médios do fator de capturas (Gurgel, 1992); diferentes taxas de
condição, tanto para machos quanto para fêmeas, crescimento entre machos e fêmeas, podendo
revelaram para o coeficiente de correlação linear de ocasionar a captura dos exemplares de um dos sexos
Pearson valores baixos, sugerindo ausência de em menor ou maior escala (Munro, 1976); a
correlação (Tabela 1). competição, a predação preferencial por um dos
sexos e o dimorfismo sexual (Clarke, 1983).
Tabela 1. Coeficientes de correlação linear de Pearson obtidos Segundo Snelson (1989), uma explicação
para o fator de condição e fatores abióticos de fêmeas e machos de
razoável para o predomínio de fêmeas entre os
Poecilia vivipara no rio Ceará-Mirim, no período de junho/1995 a
maio/1997 poecilídeos seria a de que os machos sofrem uma
maior mortalidade atribuída a uma variedade de
Fator de Temperatura Temperatura Nível de água
Condição
Fotoperíodo
do ar da água
Pluviometria
do rio causas que incluem predação, maior susceptibilidade
FC1 fêmeas -0,001 -0,227 -0,058 -0,056 -0,042 ao stress e acelerado envelhecimento fisiológico. A
FC2 fêmeas 0,495 0,420 -0,145 -0,378 -0,517
FC1 machos -0,158 -0,292 -0,267 -0,021 0,070
predação diferencial de machos tem sido verificada
em um acentuado número de espécies nas quais os
Discussão machos são brilhantes e coloridos devido às
atividades de cortejamento, ou ambos, como
Os resultados obtidos nesse estudo sobre a observado para Poecilia reticulata (Gong e Gibson,
proporção entre sexos evidenciaram um acentuado 1996; Godin e Briggs, 1996; Rood e Skolowski,
predomínio de fêmeas, sendo significativo durante 1995; Reynolds et al 1993; Endler 1987). Endler
todo o período de estudo, diferindo, portanto, da (1987) ressalta que peixes predadores piscívoros,
proporção esperada de 1:1 (Fisher, 1930). Resultados além de reduzirem drasticamente o número de
semelhantes foram encontrados por alguns autores machos de uma população, têm um significativo
trabalhando com poecilídeos, como Chapman et al. impacto nos níveis de atividade sexual, distribuição,
(1991), que citam, para populações de poecilídeos, o e abundância relativa nos vários padrões de cor.
predomínio de fêmeas, e Mendonça Neto e Assim, constata-se que a predação diferencial é bem
Andreata (1997), que encontraram uma proporção difundida entre a família Poecilidae, sendo sugerido
de 81% de fêmeas em uma população de Poecilia como um dos principais fatores atuando na
vivipara na Lagoa Rodrigo de Freitas (RJ). Segundo proporção sexual para Poecilia vivipara.
Snelson (1989), a proporção sexual típica para Um outro aspecto relevante seria uma maior
poecilídeos é, em geral, em torno de 1:1 entre susceptibilidade demonstrada pelos machos a
récem-nascidos e jovens, mas com predomínio de estressores, como temperaturas extremas,
fêmeas entre os adultos, como o encontrado para superlotação e hipóxia (Snelson, 1989), elevando
Belonesox belizanus (Snelson e Wetherington, 1980). assim sua mortalidade. A influência dos fatores
Quanto à variação da proporção sexual durante o ambientais sobre a proporção entre os sexos foi
ano ou entre os dois anos de estudo, não foi descrita por Snelson (1989), que ressaltou sua
verificada, para o P. vivipara, qualquer diferença. importância sobre a mortalidade diferencial de
Segundo Vazzoler (1996), a proporção sexual machos, como já foi citado. Em P. vivipara, não foi
varia ao longo do ciclo de vida em função de eventos observada qualquer correlação positiva ou negativa
sucessivos que atuam de modo distinto sobre os entre a freqüência de captura dos sexos
indivíduos de cada sexo. Entre os vários fatores que separadamente e os fatores abióticos - temperatura,
podem determinar o predomínio de um dos sexos precipitação pluviométrica, nível do rio ou
nas diferentes fases de crescimento, os mais fotoperíodo.
importantes são mortalidade, crescimento e A análise da estrutura em comprimento de uma
comportamento diferencial durante eventos do ciclo população fornece indicativos qualitativos do
de vida. Considerando a espécie em estudo, outras desenvolvimento da espécie, uma vez que o
hipóteses podem ser sugeridas como responsáveis indivíduo ou a população revela, em seu
pela maior freqüência de fêmeas em relação aos crescimento, as condições ambientais (bióticas ou
machos: a alta fecundidade dos machos (Nikolskii, abióticas) vigentes (Benedito-Cecílio e Agostinho,
1969), possibilitando que poucos sejam necessários 1997). Além disso, sendo uma resposta direta às
para fertilizar um elevado número de fêmeas; o variações ambientais, pode oscilar de ano para ano,
420 Nascimento & Gurgel

dependendo também da variação de fecundidade Uma outra explicação, citada por Ghiselin (1974)
(Nikolskii, 1969). A análise sazonal demonstrou um apud Endler (1989), sugere que essa diferença no
perfil semelhante entre as estações, com maior tamanho entre machos e fêmeas surge em função do
freqüência de fêmeas, nas classes de 4,0 a 5,9 cm, e direcionamento da energia, visto que essa energia
de machos, nas classes de 3,5 a 4,9 cm, na estação que deveria ser utilizada pelos machos para o
chuvosa, e 4,0 a 4,9 cm na estação seca, crescimento é desviada para atividades locomotoras e
demonstrando que não houve uma diferença exibições sexuais, enquanto que as fêmeas canalizam
significativa entre as estações do ano durante o sua energia para o crescimento do corpo e das
período de estudo. gônadas, produção de ovócitos e transferência de
As fêmeas de P vivipara atingiram tamanhos nutrientes para o desenvolvimento dos embriões.
corpóreos superiores aos dos machos para o período A estreita correlação entre peso e comprimento
total, sendo observado novamente quando às descreve características estruturais dos indivíduos da
freqüências de classes de comprimento distribuídas população, fornecendo informações muito
sazonalmente. Resultados semelhantes são descritos importantes acerca da população de determinada
entre os poecilídeos, em que se verifica, como uma espécie (Benedito-Cecílio e Agostinho, 1997). Entre
de suas características, o fato de as fêmeas atingirem as mais freqüentes utilizações da relação entre o peso
comprimentos superiores aos dos machos (Bisazza e e o comprimento, destacam-se a estimativa indireta
Pilastro, 1997), como observado para Belonesox do aumento em comprimento e conseqüente ganho
belizanus (Turner e Snelson, 1984), Poecilia em peso ou estimativa do peso médio quando se
scalpridens, Poecilia gracilis, Neoheterandria, Poecilopsis conhece seu comprimento (Braga, 1997), e ainda
gracilis e Priopella bonita (Endler, 1984) e ainda, para como medida indicativa da condição do peixe,
Girardinus falcatus, Heterandria formosa, Phalloceros quanto ao acúmulo de gordura, bem estar geral e
caudimaculatus, Poecilia reticulata e Gambusia hoolbroki desenvolvimento gonadal (Rossi-Wongtschowski,
(Bisazza e Pilastro, 1997). Apesar de ser uma 1977).
característica bastante difundida, há exceções, como P. vivipara apresentou valores para o parâmetro θ
em Poecilia peternensis (Endler, 1984), em que ocorre de aproximadamente 3,86 para sexos agrupados e,
equivalência entre os comprimentos. sendo esse valor diferente de 3,0, a análise descritiva
Quanto a essa diferença no comprimento entre permite sugerir tratar-se de uma espécie com
sexos, Lowe-McConnell (1987) assinala que pode crescimento do tipo alométrico.
estar ligadas a fatores genéticos, a despeito de que o Dalto e Andreata (1995) obtiveram para P.
potencial em crescimento pode ser mascarado por vivipara da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Estado do
condições ambientais, como temperatura ou Rio de Janeiro, valores de θ em torno de 3,44, para
suprimento alimentar. machos, e 3,42, para fêmeas, indicando, para essa
Segundo Bisazza e Pilastro (1997), esse espécie, também um incremento do tipo alométrico.
dimorfismo reverso quanto ao tamanho para A análise sazonal do fator de condição corrigido
poecilídeos ocorre como resultado da seleção (φ*1) para machos e fêmeas de P. vivipara
natural, visto que experimentos recentes têm demonstrou não haver diferenças entre as estações
demonstrado uma vantagem copulatória dos machos chuvosa e seca, como se esperaria devido à marcada
menores. Os machos poecilídeos apresentam, de sazonalidade do ambiente. Utilizando-se o fator de
uma maneira geral, dois tipos principais de formas condição corrigido, no qual se exclui o peso da
reprodutivas: o display de corte, utilizado gônada (φ*2) como indicador indireto da condição
principalmente pelos machos de maior tamanho, e o alimentar da população estudada, verificou-se mais
thrust gonopodial, utilizado pelos machos de menor um vez uma estabilidade entre as estações chuvosa e
tamanho (Travis e Woodward, 1989). Verificou-se seca, sugerindo, portanto, que as variações sazonais
ainda que os machos maiores não são capazes de que ocorrem no ambiente não exercem influência
compensar o alto percentual de thrust através da sobre o acúmulo de gordura em P. vivipara.
transferência de uma maior quantidade de esperma. Duas características dos poecilídeos podem ser
O resultado encontrado por Bisazza e Pilastro (op observadas ao tentar explicar a estabilidade no fator
cit), de acordo com trabalhos prévios, sugere que a de condição e a ausência de correlação com os
vantagem dos machos menores no comportamento fatores abióticos estudados. A primeira delas seria o
de thrust pode ser a principal ou uma das principais hábito alimentar onívoro, permitindo a espécie a
forças seletivas, determinando o pronunciado adaptar-se às variações na produção de nutrientes do
dimorfismo sexual no tamanho observado nessa ambiente, sem que haja perda notável na sua
família de peixes. condição alimentar. Uma outra seria o modo
Estrutura populacional de Poecilia vivipara 421

reprodutivo, a viviparidade, pois, segundo Vazzoler Gong, A.; Gibson, R.M Reversal of a female preference
(1983), representa um grau evolutivo que confere after visual exposure to a predator in the guppy. Poecilia
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além de permitir seu melhor aproveitamento, uma Reprodução e Alimentação de Auchenipterus nuchalis.(Spix,
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vez que o jovem se desenvolve dentro do corpo
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cita que parece não haver uma relação com o
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