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Quim. Nova, Vol. 28, No.

3, 519-528, 2005

PLANTAS MEDICINAIS: CURA SEGURA?

Divulgação
Valdir F. Veiga Junior* e Angelo C. Pinto
Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, CT, Bloco A, Cidade Universitária, Ilha do Fundão,
21945-970 Rio de Janeiro - RJ
Maria Aparecida M. Maciel
Departamento de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário, 59078-970 Natal - RN

Recebido em 7/6/04; aceito em 15/10/04; publicado na web em 28/2/05

MEDICINAL PLANTS: SAFE CURE? This paper reviews the recent literature on synergism, adulteration and risks of using
medicinal plants. The use of copaiba and sacaca plants as well as their adulteration and side effects, are also described. In addition,
the new regulations on phytotherapeutic registration in Brazil and Europe are discussed.

Keywords: Copaifera sp; Croton cajucara; medicinal plants toxicity.

INTRODUÇÃO Nos Estados Unidos e na Europa há mais controle no registro e


na comercialização dos produtos obtidos de plantas. Nesses paí-
A utilização de plantas com fins medicinais, para tratamento, ses, as normas para a certificação e o controle de qualidade de
cura e prevenção de doenças, é uma das mais antigas formas de preparações vegetais são mais rígidos.
prática medicinal da humanidade. No início da década de 1990, a Pesquisa realizada nos EUA no ano de 1997 mostrou que 42%
Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que 65-80% da da população haviam feito uso de plantas medicinais, pelo menos
população dos países em desenvolvimento dependiam das plantas uma vez no ano de 1996, em tratamentos médicos alternativos.
medicinais como única forma de acesso aos cuidados básicos de Esse percentual é cerca de 33,8% maior em relação ao ano de 1990,
saúde1. quando a mesma pesquisa foi realizada2.
Ao longo do tempo têm sido registrados variados procedimen- Na Alemanha, onde se consome metade dos extratos vegetais
tos clínicos tradicionais utilizando plantas medicinais. Apesar da comercializados em toda a Europa (cerca de US$ 3,5 bilhões do
grande evolução da medicina alopática a partir da segunda metade total de US$ 7 bilhões, ou US$ 42,90 per capita, em valores de
do século XX, existem obstáculos básicos na sua utilização pelas 1997)3, plantas medicinais são utilizadas pela população para tra-
populações carentes, que vão desde o acesso aos centros de atendi- tar resfriados (66%), gripe (38%), doenças do trato digestivo ou
mento hospitalares à obtenção de exames e medicamentos. Estes intestinal (25%), dores de cabeça (25%), insônia (25%), úlcera
motivos, associados com a fácil obtenção e a grande tradição do estomacal (36%), nervosismo (21%), bronquite (15%), doenças de
uso de plantas medicinais, contribuem para sua utilização pelas pele (15%), fadiga e exaustão (12%)3. Nesse mesmo país, foi veri-
populações dos países em desenvolvimento. ficado que a auto-medicação com preparações à base de plantas
Atualmente, grande parte da comercialização de plantas medi- medicinais é muito comum. Durante o ano de 1997, 1,5 milhão de
cinais é feita em farmácias e lojas de produtos naturais, onde pre- pessoas utilizaram ervas medicinais durante o tratamento alopático.
parações vegetais são comercializadas com rotulação industriali- Mais da metade destes pacientes não comunicaram esse uso ao
zada. Em geral, essas preparações não possuem certificado de qua- médico. Há entre 600 e 700 ervas utilizadas terapeuticamente, “so-
lidade e são produzidas a partir de plantas cultivadas, o que zinhas” ou em combinação com outras ervas, vendidas em farmá-
descaracteriza a medicina tradicional que utiliza, quase sempre, cias, drogarias, mercados e lojas especializadas em produtos natu-
plantas da flora nativa. rais na Alemanha. Além da auto-medicação, 70% dos clínicos-ge-
É cada vez mais freqüente o uso de plantas medicinais das rais alemães prescrevem as centenas de ervas licenciadas nesse
medicinas tradicionais indú e chinesa, completamente desconhe- país. Estimativas conservadoras apontam que o seguro-saúde pago
cidas dos povos ocidentais. Estas plantas são comercializadas apoi- pelo governo alemão gasta 1,7 bilhões de dólares por ano com o
adas em propagandas que prometem “benefícios seguros, já que se pagamento de prescrições médicas que contém preparações vege-
trata de fonte natural”. Muitas vezes, entretanto, as supostas pro- tais. Em 1998, o fitoterápico Gingko biloba estava presente em 5,4
priedades farmacológicas anunciadas não possuem validade cien- milhões de prescrições médicas4.
tífica, por não terem sido investigadas, ou por não terem tido suas No Brasil, as plantas medicinais da flora nativa são consumidas
ações farmacológicas comprovadas em testes científicos pré-clíni- com pouca ou nenhuma comprovação de suas propriedades
cos ou clínicos. farmacológicas, propagadas por usuários ou comerciantes. Muitas
Nos países em desenvolvimento, bem como nos mais desen- vezes essas plantas são, inclusive, empregadas para fins medici-
volvidos, os apelos da mídia para o consumo de produtos à base de nais diferentes daqueles utilizados pelos silvícolas. Comparada com
fontes naturais aumentam a cada dia. Os ervanários prometem saú- a dos medicamentos usados nos tratamentos convencionais, a
de e vida longa, com base no argumento de que plantas usadas há toxicidade de plantas medicinais e fitoterápicos pode parecer trivi-
milênios são seguras para a população. al. Isto, entretanto, não é verdade. A toxicidade de plantas medici-
nais é um problema sério de saúde pública. Os efeitos adversos dos
*e-mail: [email protected] fitomedicamentos, possíveis adulterações e toxidez, bem como a
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ação sinérgica (interação com outras drogas) ocorrem comumente. getal. Neste caso, não apenas os usuários como também os profis-
As pesquisas realizadas para avaliação do uso seguro de plantas sionais que manipulam os cosméticos, podem contrair dermatoses9.
medicinais e fitoterápicos no Brasil ainda são incipientes, assim Muitas dermatites e reações alérgicas são causadas por tratamentos
como o controle da comercialização pelos órgãos oficiais em fei- denominados de aromaterapia, uma prática que se popularizou ao
ras livres, mercados públicos ou lojas de produtos naturais. longo da década de 1990, que envolve o uso de óleos essenciais
Este artigo aborda, em aspectos gerais, alguns casos de concentrados. Como exemplo, podem-se citar os efeitos alérgicos
toxicidade de plantas medicinais recentemente divulgados, que re- da cânfora e de misturas contendo óleos de lavanda e jasmim10.
presentam um risco em potencial para a população e alerta para o
uso indiscriminado de duas plantas medicinais amplamente utili- REAÇÕES TÓXICAS E EFEITOS ADVERSOS
zadas na Região Amazônica: Croton cajucara e Copaifera sp. PROVOCADOS POR PLANTAS MEDICINAIS

PLANTAS MEDICINAIS, FITOTERÁPICOS E O uso milenar de plantas medicinais mostrou, ao longo dos
FITOFÁRMACOS anos, que determinadas plantas apresentam substâncias potencial-
mente perigosas. Do ponto de vista científico, pesquisas mostra-
A OMS define planta medicinal como sendo “todo e qualquer ram que muitas delas possuem substâncias potencialmente agres-
vegetal que possui, em um ou mais órgãos, substâncias que podem sivas e, por esta razão, devem ser utilizadas com cuidado, respei-
ser utilizadas com fins terapêuticos ou que sejam precursores de tando seus riscos toxicológicos.
fármacos semi-sintéticos”5. A diferença entre planta medicinal e Como exemplos de efeitos tóxicos de substâncias presentes em
fitoterápico reside na elaboração da planta para uma formulação es- plantas podem ser citados os efeitos hepatotóxicos de apiol, safrol
pecífica, o que caracteriza um fitoterápico. Segundo a Secretaria de (Figura 1), lignanas e alcalóides pirrolizidínicos; a ação tóxica re-
Vigilância Sanitária, em sua portaria no. 6 de 31 de janeiro de 1995, nal que pode ser causada por espécies vegetais que contém terpenos
fitoterápico é “todo medicamento tecnicamente obtido e elaborado, e saponinas e alguns tipos de dermatites, causadas por espécies
empregando-se exclusivamente matérias-primas vegetais com fina- ricas em lactonas sesquiterpênicas e produtos naturais do tipo
lidade profilática, curativa ou para fins de diagnóstico, com benefí- furanocumarinas11. Componentes tóxicos ou antinutricionais, como
cio para o usuário. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia e o ácido oxálico, nitrato e ácido erúcico estão presentes em muitas
dos riscos do seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constân- plantas de consumo comercial12. Diversas substâncias isoladas de
cia de sua qualidade. É o produto final acabado, embalado e rotula- vegetais considerados medicinais possuem atividades citotóxica ou
do. Na sua preparação podem ser utilizados adjuvantes farmacêuti- genotóxica e mostram relação com a incidência de tumores13.
cos permitidos na legislação vigente. Não podem estar incluídas subs-
tâncias ativas de outras origens, não sendo considerado produto
fitoterápico quaisquer substâncias ativas, ainda que de origem vege-
tal, isoladas ou mesmo suas misturas”. Neste último caso encontra-
se o fitofármaco, que por definição “é a substância ativa, isolada de
matérias-primas vegetais ou mesmo, mistura de substâncias ativas
de origem vegetal”.
Com relação aos fitoterápicos, existem pontos que merecem
atenção especial e serão abordados neste trabalho enfocando a pre-
sença de substâncias “não identificadas”, adulterantes, diluentes,
ou simplesmente misturas com outros extratos vegetais. Neste úl-
timo caso, existe a possibilidade do comprometimento da qualida-
de do fitoterápico, um assunto que vem sendo abordado recente- Figura 1. Estruturas do apiol e do safrol
mente em publicações científicas6,7.
No caso da comercialização popular de plantas medicinais, O intenso apelo comercial advindo do forte movimento cultu-
muitos cuidados (válidos até mesmo para plantas de uso milenar) ral dos naturalistas aqueceu, em todo o mundo, o consumo de plan-
são relevantes, tais como identificação errônea da planta (pelo co- tas medicinais. Entretanto, não há respeito aos limites de uso dos
merciante e pelo fornecedor), possibilidades de adulteração (em fitoterápicos, não se fornecem informações sobre efeitos colaterais,
extratos, cápsulas com o pó da espécie vegetal, pó da planta e o consumo de plantas, do modo com vem sendo feito, representa
comercializado em saquinhos e garrafadas), interações entre plan- cada vez mais um risco para a saúde humana. Estudos multidis-
tas medicinais e medicamentos alopáticos (que possam estar sen- ciplinares, associando fitoquímicos e farmacólogos, tornam-se cada
do ingeridos pelo usuário da planta), efeitos de superdosagens, re- vez mais importantes para a definição dos potenciais terapêuticos
ações alérgicas ou tóxicas. e tóxicos de extratos vegetais14.
Um dos efeitos tóxicos relatados recentemente foi ocasionado
REAÇÕES ALÉRGICAS CAUSADAS PELO USO DE pelo uso de cápsulas de têucrio (Teucrium chamaedrys L. – Labiateae),
ÓLEOS ESSENCIAIS E OUTROS INGREDIENTES que causou uma epidemia de hepatite na França. A origem do efeito
OBTIDOS DE PLANTAS MEDICINAIS tóxico foi atribuída a diterpenos do tipo neo-clerodano, transforma-
dos pelo citocromo P450 em metabólitos hepatotóxicos, que apre-
A hipersensibilidade é um dos efeitos colaterais mais comuns sentavam uma subunidade epóxido. Anteriormente, o uso do têucrio
causado pelo uso de plantas medicinais8. Ela pode variar de uma era tido como seguro até que a comercialização do vegetal em cáp-
dermatite temporária (comum, por exemplo, entre os fitoquímicos) sulas associado à camomila, prescrito para dietas de emagrecimen-
até um choque anafilático. São muito comuns dermatites provocadas to, desencadeou os casos de hepatite tóxica15. Estudos farmacológicos
pelo contato com planta (DCP), Tabela 1. Esse efeito tem sido pro- mostraram que os diterpenóides furânicos (muitos estão presentes
vocado, em grande parte, por cosméticos que apresentam, na sua entre os clerodanos) causam apoptose dentro de 2 h em hepatócitos
formulação, extratos de plantas ou substâncias isoladas de fonte ve- de ratos. Metabólitos eletrofílicos podem estimular a apoptose pela
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Tabela 1. Tipos de dermatites causadas por contato com plantas (DCP)*


Tipos de DCP Nome comum Espécie Família
irritativas avelós esqueleto Euphorbia tirucali Euphorbiaceae
cajueiro Anacardium occidentale Anacardiaceae
comigo-ninguém-pode Dieffenbachia picta Araceae
juazeiro Zizyphus joazeiro Rhamnaceae
melão-são-caetano Momordica charantia Cucurbitaceae
urticantes cansanção Cnidosculus urens Euphorbiaceae
Fleurya aestuans Urticaceae
irritação mecânica buganvília Bougainvillea spectabilis Nyctaginaceae
mandacaru Cereus jamacuru Cactaceae
palma Opuntia squamosus Cactaceae
xiquexique Pilocereus gaunelei Cactaceae
alérgicas alho Allium sativum Liliaceae
aroeira da praia Schinus terebinthifolius Anacardiaceae
aroeira do sertão Astronium orindeuva Anacardiaceae
caju Anacardium occidentale Anacardiaceae
cebola Allium cepa Liliaceae
cebolinha verde Allium schoenoprasum Liliaceae
confrei Symphytum officinale Boraginaceae
eucalipto Eucalyptus globulus Myrtaceae
hortelã Menta villosa Labiatae
manga Mangifera indica Anacardiaceae
fitofotodermatites aipo Anethum graveolens Umbelliferae
angélica Angelica archangelica Umbelliferae
arruda Ruta graveolens Rutaceae
bergamota Citrus bergamia Rutaceae
canela Cinnamomum zeylanicum Lauraceae
cenoura Daucus carota Umbelliferae
figo Ficus carica Moraceae
limão Citrus limonum Rutaceae
mama cadela Brosimum gaudichaudii Moraceae
salsa Petroselinum sativum Umbelliferae
* Nem todas as plantas citadas nesta tabela são medicinais

captura de tióis, aumento da concentração de cálcio e ativação das


enzimas transglutaminase e endonuclease dependentes de cálcio16.
Em países como a Inglaterra, o têucrio era constantemente utilizado,
sem aviso aos consumidores, para substituir extratos de escutelária
(Scutellaria lateriflora) em associações com valeriana. A mistura
tóxica levou erroneamente à crença de que tanto a valeriana quanto a
escutelária poderiam ser tóxicas quando em misturas, por efeito
sinérgico17.
Outro caso importante é o do confrei (Symphytum officinale Figura 2. Alantoína e estrutura básica dos alcalóides pirrolizidínicos do
L.). Esta planta é utilizada na medicina tradicional como cicatrizante confrei
devido à presença da alantoína, mas também possui alcalóides
pirrolizidínicos (Figura 2), os quais são comprovadamente (Rhamnus purshiana DC), que causa distúrbios gastro-intestinais
hepatotóxicos e carcinogênicos18. Após diversos casos de morte (como diarréia grave)19 e a arruda (Ruta graveolens), que pode pro-
ocasionados por cirrose resultante de doença hepática veno-oclusiva, vocar aborto, fortes hemorragias, irritação da mucosa bucal e in-
desencadeadas por estes alcalóides, o uso do confrei foi condena- flamações epidérmicas20. Em doses elevadas, até mesmo o jatobá
do pela OMS. (Hymenaea courbail L.), conhecido como expectorante e fortifi-
Outras plantas medicinais são potencialmente perigosas, po- cante, pode desencadear reações alérgicas, e a sucuúba
dendo-se citar as espécies do gênero Senecio18, a jurubeba (Solanum (Himathantus sucuuba (Spruve) Woodson), usada no combate à
paniculatum L.), ipeca (Cephaelis ipecacuanha (Brot.) A. Rich.) e amebíase, úlcera e gastrite, pode ser abortiva21. No caso de gestan-
arnica (Arnica montana L.), que podem causar irritação gastro- tes, o uso de espécies vegetais deve seguir rigorosamente os mes-
intestinal; o mastruço (Chenopodium ambrosioides L.) e a trombe- mos cuidados dos medicamentos alopáticos. Entre as plantas me-
teira (Datura suaveolens Humb. & Bopl ex Willd.), que podem dicinais que podem causar riscos para mulheres grávidas, por esti-
lesionar o sistema nervoso central; o cambará (Lantana camara mular a motilidade uterina e provocar aborto, encontram-se alho
L.), conhecido por sua hepatotoxicidade; a cáscara-sagrada (Allium sativum), aloe (Aloe ferox), angélica (Angelica
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Tabela 2. Efeitos adversos que podem ocorrer pelo uso de plantas medicinais
Nome popular Espécie Efeitos adversos(toxicidade) Constituintes responsáveis
Alho Allium sativum(Liliaceae) Nauseas, vômitos, dermatite Compostos à base de enxofre
por contato
Aloe Aloe ferox(Liliaceae) Desconforto abdominal Antraquinonas
Angélica Angelica archangelica(Umbelliferae) Fotodermatite Furanocumarinas
Anis Pimpinella anisum(Umbelliferae) Dermatite por contato Anetol
Boldo Peumus boldo(Monimiaceae) Irritação renal Óleo volátil (ascaridol)
Capsicum Capsicum annum(Solanaceae) Alveolite alérgica Capsaicinóides
Cássia Cinnamomum cassia(Lauraceae) Reações alérgicas Cinamaldeído
Confrei Symphytum officinale(Boraginaceae) Hepatotoxicidade Alcalóides pirrolizidínicos
Dente-de-leão Taraxacum officinale(Compositae) Reações alérgicas por contato Lactonas sesquiterpênicas
Erva-de-São-João Hypericum perforatum(Guttiferae) Fotodermatite Hipericina
Guaiacum Guaiacum officinale(Zygophyllaceae) Dermatite por contato Resina
Mate Ilex paraguaiensis(Aquifoliaceae) Distúrbios hepáticos Xantinas
Sene Cassia angustifolia(Leguminoseae) Desconforto abdominal, perda Antraquinonas
de eletrólitos e água

archangelica), arnica (Arnica montana), cânfora (Cinnamomum Tabela 3. Riscos para o lactente pela contaminação da mãe, proveniente de
canphora), confrei (Symphitum officinalis), eucalipto (Eucaliptus fármacos presentes em plantas medicinais
globulus), alecrim (Rosmarinus officinalis), gengibre (Zengiber
Composição do fármaco Efeito Biológico
officinalis) e sene (Cassia angustifolia e Cassia acutifolia).
Na Tabela 2 encontram-se outros exemplos de substâncias tó- Salicilatos Tendência à hemorragia
xicas presentes em plantas medicinais22. Bases purínicas Taquicardia
Alguns óleos essenciais também devem ser evitados, como Antraquinonas Diarréia
exemplo, os provenientes de bétula (Betula alba), cedro (Cedrela Lactonas sesquiterpênicas Desnutrição (por rejeição ao leite
brasiliensis), erva-doce (Pimpinella anisum), jasmim (Jasminum devido ao gosto desagradável)
officinalis), manjericão (Origanum basilicum), manjerona Alcalóides pirrolizidínicos Hepatotoxicidade
(Majorana hortensis), tomilho (Thymus vulgaris), rosa (Rosa sp.) Alcalóides indólicos Vômito, diarréia, câimbras, obstrução
e lavanda (Lavanda angustifolia). Neste último caso, deve-se evi- nasal
tar o consumo, especialmente nos primeiros meses de gravidez22.
Estudo recentes, realizados com ratas grávidas, apontaram o
efeito colateral abortivo da espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), A contaminação de vegetais com metais pode ter diversas ori-
planta medicinal de comprovada baixa toxicidade23 e ação anti- gens, tais como acidental, proposital, contaminação do solo, de
ulcerogênica 24,25, anti-inflamatória e antinoniceptiva25. Extratos materiais de origem natural ou mineral e durante a manufatura27.
hidroalcoólicos dessa planta mostraram-se abortivos por atuarem Um grande risco para a população, em geral, são os fitoterápicos
no período de pré-implantação dos embriões no útero26. importados de países asiáticos, uma vez que as formulações são
Também há riscos para os lactentes (exemplificadas na Tabela bastante diferentes das preparadas pelos ocidentais, contendo me-
3), associados ao consumo de plantas medicinais pela mãe durante tais pesados em concentrações que, muitas vezes, ultrapassam os
o aleitamento22. valores seguros para consumo. Um estudo realizado em Londres
no período entre 1991 e 1995 mostrou uma série de efeitos adver-
PRINCIPAIS CONTAMINANTES DE PLANTAS sos associados à medicina tradicional oriental. De 12 casos de
MEDICINAIS contaminação por mercúrio, chumbo e arsênio, 9 foram associados
a ervas medicinais e cosméticos indús28.
Metais pesados Pesquisadores indianos avaliaram recentemente a concentra-
ção de metais pesados em 31 formulações Aiurvédicas. Com exce-
Metais pesados fazem parte das preparações farmacêuticas de ção de uma dessas preparações, todas excederam os limites legais
várias escolas da medicina oriental, utilizados geralmente em con- de metais pesados, sendo que 16 delas ultrapassaram por mais de
junto com extratos de plantas medicinais. Na medicina tradicional duas ordens de grandeza os valores máximos permitidos (no caso
indiana a importância de metais, como ouro, cobre, estanho, chum- do mercúrio, 1 ppm). Várias formas diferentes de mercúrio foram
bo, mercúrio, ferro, prata e zinco, é enfatizada para a bioquímica encontradas nessas preparações29. Numerosos casos de envenena-
do corpo humano. Na medicina tradicional chinesa, mercúrio faz mento por metais pesados associados ao uso da Medicina Tradi-
parte de algumas preparações sob a terminologia ‘cinnabaris’ cional Chinesa (MTC) têm sido publicados nos últimos anos. O
(sulfeto de mercúrio), ‘calomel’ (cloreto de mercúrio) ou ‘hydrargyri chumbo é um dos principais responsáveis por estes envenenamen-
oxydum rubrum’ (óxido de mercúrio). Estes produtos são utiliza- tos. Outros metais pesados, como mercúrio, arsênio, cádmio, co-
dos para indicações variadas, como tranqüilizantes, anti-epiléticos, bre e tálio também têm sido encontrados em fitoterápicos da MCT30.
no tratamento de úlceras e insônia. O chumbo é utilizado como Estudos realizados em Singapura com 2080 amostras de medi-
‘Mi Tuo Seng’ (Lithargyrum) e o arsênio como ‘Xiong Huang’ camentos chineses revelaram que 42 amostras excediam os limites
(Realgar). No entanto, alguns livros-texto como os Aiurvédicos, permitidos para metais pesados. Destas, 28 continham mercúrio, 8
alertam para a toxicidade desses metais e apresentam alguns méto- chumbo, 6 arsênio e 1 cobre31.
dos para a sua detoxificação27. Estudos realizados nos Estados Unidos mostraram que, em 251
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produtos da MTC, 24% continham pelo menos 10 ppm de chum- transplantes renais39. Plantas da família Aristolochiaceae podem con-
bo, 36%, uma média de 14,6 ppm de arsênio; 35%, uma média de ter ácidos aristolóquicos e, por isso, devem ser evitadas na fitoterapia.
1046 ppm de mercúrio e 23%, mais de um elemento contaminante Existem pelo menos 14 diferentes ácidos aristolóquicos, que são
e/ou adulterante32. potentes agentes nefrotóxicos e carcinogênicos (câncer na uretra)40.
Estudos recentes, realizados no Brasil com plantas de origem Estudos recentes demonstraram que outros fitoterápicos da MTC,
nacional e outras de diversas origens, mostraram a presença de como o popular Bajiaolian, têm apresentado efeitos tóxicos. O
metais em altas concentrações. Em extratos de Aesculus Bajiaolian causou diversos casos de danos ao fígado e trombocitopenia
hippocastanum, obtidos na França e Alemanha, chumbo foi detec- devido à presença da substância tóxica podofilotoxina41. A erva co-
tado na concentração de 1.480 mg/g de extrato, 440% acima da nhecida como Gwai-Kou (Podophylum hexandrum) tem aparecido
dose máxima recomendada33. como adulterante de outras ervas, como o Lung-Dam-Cho (Gentiana
Os riscos de contaminação com metais pesados em formula- sp.) e o Wai-Ling-Sin, que é a raiz de diversas espécies de Clematis
ções contendo extratos de plantas medicinais orientais têm aumen- sp., levando a casos de neuropatia, encefalopatia e nefropatia. Auto-
tado significativamente com a possibilidade de aquisição de medi- ridades de Hong Kong avaliaram 234 amostras de fitoterápicos e
camentos via Internet. encontraram Podophylum em 22 delas42. Podofilotoxinas e lignanas
relacionadas, encontradas em espécies de Podophylum, causam da-
Contaminações com fármacos ou outras plantas medicinais nos às fibras nervosas dos sistemas nervoso central e periférico, bem
como aos neurônios dos gânglios dorsais 43, 44. Existem outros
Além dos metais pesados, têm sido encontrados fármacos, adi- fitoterápicos da MTC que provocam hepatoxicidade. Sete casos de
cionados com o objetivo de aumentar os efeitos propagados, em hepatite aguda foram relatados após o uso de um sedativo e analgé-
fitoterápicos da chamada Medicina Tradicional Chinesa32. De 251 sico conhecido como Jin Bu Huan, utilizado há mais de 1000 anos
amostras da MTC analisadas nos EUA, em 7% foram encontradoas na MTC39. Apesar do produto relacionado ao Jin Bu Huan ser Poligala
produtos contendo fármacos não declarados, como efedrina, chinensis, a análise de cápsulas contendo esse produto apresentou
clorfeniramina, metiltestosterona e fenacetina 32. Além destes, altas concentrações de tetraidropalmatina, uma substância encontra-
aminopirina, aspirina, betametasona, clordiazepóxido, clorfeni- da em altas concentrações em espécies do gênero Stephania e ausen-
ramina, corticosteróis, diclofenaco, indometacina, paracetamol, te em Poligala chinenses.
fenacetina, fenilbutasona, teofilina, ácido mefenâmico e diazepam
também já foram encontrados em produtos da MTC associados a
distúrbios renais agudos e nefrite intersticial34.
Várias mortes foram associadas, nos EUA, ao uso do fitoterápico
Ma Huang (Ephedra sinica) originário da MTC. Esse fitoterápico
contém efedrina35, efedradinas e outros constituintes não alcaloidais,
como leucoantocianidinas e também flavonóides10. Na Inglaterra36
foram registrados casos de psicose em pacientes com paranóia e alu-
cinações visuais naqueles que tomaram Ma Huang durante dez dias
consecutivos. Apesar disso, revistas britânicas continuam anunciando
o Ma Huang como sendo um tônico natural que acalma a mente, esti-
mula o corpo e, ainda, induz a perda de peso36. Nos Estados Unidos,
15 mortes de adolescentes foram atribuídas ao consumo de Ma Huang, Figura 3. Estruturas da podofilotoxina e da palmatina
comercializado com nomes de “Herbal Ecstasy” e “Ultimate Xphoira”.
O produto, além de ter boa vendagem via Internet, é vendido como Outras contaminações
afrodisíaco em eventos de rock. No entanto, trata-se de um coquetel
de fármacos e ervas com efeitos adversos desconhecidos. Geralmente, Níveis altos de organofosforados foram recentemente encon-
esses produtos contêm outros fármacos estimulantes, como a cafeína. trados em amostras de cumina (Cuminum cyminum), uma planta
Efedrina, um dos produtos ativos do Ma Huang, era vendido como amplamente consumida por crianças e recém-nascidos para acal-
descongestionante nasal para pacientes com rinite, como bronco- mar tosses e aliviar dores de garganta45. Relatos científicos mos-
dilatador e também em dietas de emagrecimento. Suas propriedades traram que compostos organofosforados do tipo profenofos cau-
biológicas são semelhantes às da anfetamina, a qual causa nervosis- sam mal estar, dores de estômago e diarréia45. No caso do uso da
mo, taquicardia e psicose35. Espécies de Ephedra, devido à presença cumina, que não é classificada nem como alimento nem como dro-
de efedrinas, podem provocar perda de memória, miopatia, neuropatia, ga, não existe respaldo para sua utilização pela legislação atual46.
palpitação, hipertensão e psicose35. A possibilidade de contaminações microbiológicas também
A presença de esteróis como a fluocortolona e a prednisolona deve ser atentamente observada, em especial em plantas medici-
foi detectada em cosméticos da MTC, em cremes para o tratamen- nais vendidas em feiras e mercados populares, como ocorre comu-
to de eczema, contudo, somente os cremes contendo até 1% de mente no Brasil. Na Europa, verificou-se que, de um total de 138
hidrocortisona são permitidos pelas leis britânicas, constituindo amostras provenientes de 31 tipos de fitoterápicos obtidos de 9
não somente uma adulteração, mas também venda de produto não diferentes fornecedores da Áustria e da Alemanha, 4 estavam con-
autorizado pelas leis locais, camuflado em planta medicinal37. taminadas com Escherichia coli, 2 com Campylobacter jejuni e 9
A contaminação de fármacos da MTC com extratos de plantas possuíam potenciais produtores de aflatoxinas, os quais foram iden-
tóxicas é outro problema na comercialização segura de fitoterápicos. tificados como sendo fungos aflatoxigênicos47.
Na Bélgica, o uso de fitoterápicos da MTC contaminados com
Aristolochia fangchi causou uma epidemia de nefropatia intestinal INTERAÇÕES COM FÁRMACOS SINTÉTICOS E
subaguda. A biópsia de rins e uretras retirados de 19 pacientes mos- EFEITOS SINÉRGICOS
trou, em 40% deles, sinais conclusivos de neoplasmas38. Um levan-
tamento posterior mostrou que metade dos 80 pacientes precisou de Um exemplo clássico de efeito sinérgico encontra-se nos cons-
524 Veiga Jr. et al. Quim. Nova

tituintes da papoula (Papaver somniferum). Entre os mais de 30 por alimentos gordurosos, estresse e também, em casos mais drás-
alcalóides dessa espécie, a morfina apresenta ação analgésica e a ticos, por medicamentos usados por portadores do vírus HIV51. A
papaverina, efeito vasodilatador (Figura 4)48. associação entre extratos à base de alho e medicamentos como o
A warfarina é um dos fármacos mais empregados como saquinavir (Fortovase®) pode levar a interações perigosas uma vez
anticoagulante. Sua ação pode ser antagonizada ou potencializada que, tanto o alho quanto os inibidores de proteases, utilizados no
pelo emprego de um grande número de ervas49, dentre as quais a coquetel de medicamentos anti-HIV, atuam na mesma via metabó-
angélica (Angelica archangelica), cujas cumarinas apresentam pro- lica, conhecida como sistema enzimático do citocromo P450. Es-
priedade anti-coagulante, e a agrimonia (Agrimonia eupatoria), com tudos científicos comprovaram que, na presença de suplementos à
propriedades coagulantes. base de alho, os níveis plasmáticos do saquinavir diminuíram cer-
Deve-se levar em conta, também, que muitos medicamentos ca de 50%51.
sintéticos ou semi-sintéticos têm origem em plantas medicinais e Pacientes epilépticos tratados com fenotiazínicos devem evitar
são metabolizados nas mesmas substâncias no organismo, como é o consumo de óleo de prímula (Oenothera biennis), que pode pro-
o caso do ácido acetilsalicílico (aspirina) e a salicilina, extraída de vocar um quadro de epilepsia do lóbulo temporal51.
Salix alba. Ambos são transformados no fígado em ácido salicílico. Ervas antidepressivas, como a erva-de-São-João (Hypericum
Logo, extratos dessa planta podem apresentar efeitos semelhantes perforatum), podem interferir na atividade antidepressiva de
aos da aspirina, aumentando o risco de hemorragia nos tratamen- fármacos sintéticos. Essa erva representa um exemplo de planta
tos utilizando warfarina50. medicinal largamente utilizada no mundo inteiro e, por esta razão,
Fitoterápicos à base de Salix são comercializados como anal- é alvo de variados estudos52. Alguns destes estudos estão relacio-
gésicos “sem-aspirina”, em especial para crianças sensíveis ao ácido nados a propriedades semelhantes às observadas para extratos à
acetilsalicílico. Salicilatos não são recomendados para pessoas com base de alho, que levam à diminuição dos níveis plasmáticos de
menos de 19 anos, em especial para crianças entre 4 e 12 anos, que inibidores de proteases, como o indinavir, bem como o aprenavir,
podem, assim, desenvolver a síndrome de Reye, doença muitas vezes nelfinavir, ritonavir e saquinavir. A erva-de-São-João pode apre-
fatal, que causa danos irreversíveis ao cérebro e ao fígado50. sentar efeito similar em inibidores de transcripase reversa não-
nucleosídicos, como o delavirdina, efavirenze e nevirapine, que
são metabolizados pela mesma via metabólica. Conseqüentemen-
te, o uso desta erva é desaconselhado para a utilização em conjunto
com inibidores de protease e de transcripase reversa não nucleo-
sídicos, podendo resultar em perda da resposta virológica, desen-
volvimento de resistência ou resistência-cruzada53. Muitos outros
fármacos como, por exemplo, aqueles utilizados para doenças do
coração (como digoxina, nifedipina, digitoxina diltiazem e beta-
bloqueadores), depressão (imipramina, amoxapina e amitriptilina),
certos tipos de câncer (ciclofosfamida, tamoxifen, taxol e
etoposídeo), prevenção de rejeição de transplantes (ciclosporina,
Figura 4. Estruturas de alcalóides de Papaver somniferum rapamicina e tacrolimus) e gravidez (etil estradiol) têm mecanis-
mo semelhante. Alguns dos vários tipos de interação com drogas
sintéticas são apresentados na Tabela 452.
Algumas ervas medicinais, entretanto, podem interagir de for-
ma positiva, aumentando os efeitos metabólicos. Alguns desses
efeitos foram divulgados em publicações recentes (Tabela 5)54,55.

FITOFARMACOLOGIA E AÇÃO TOXICOLÓGICA DE


DUAS PLANTAS AMPLAMENTE COMERCIALIZADAS
NA REGIÃO AMAZÔNICA DO BRASIL

Figura 5. Estruturas da warfarina e do ácido salicílico Óleo de copaíba

As copaibeiras são árvores comuns na América Latina, em es-


A administração de dente-de-leão (Taraxacum officinales) pode pecial no sudeste brasileiro e na região Amazônica. Pertencentes
potencializar a atividade de diuréticos sintéticos, em especial em pa- ao gênero Copaifera, contam com mais de 60 espécies cataloga-
cientes idosos hipertensos. O ginseng (Panax ginseng) pode alterar a das. Dessas árvores da família das Leguminosas-Caesalpiniaceas,
pressão arterial e a raiz-doce (alcaçuz-da-europa, Glycirrhiza glabra) é exudado, através de furo realizado no tronco, um óleo-resina cha-
pode gerar uma atividade mineralocorticóide nesses pacientes50. mado óleo de copaíba. Esse óleo é utilizado na medicina popular
Qualquer erva com propriedades cardiotônicas ou hipertensivas brasileira como anti-inflamatório das vias superiores e urinárias,
pode agir sinergicamente com fármacos vasodilatadores das tendo aplicação mais ampla como anti-séptico. No entanto, muitas
coronárias à base de nitratos (como o dinitrato de isosorbida) e outras aplicações farmacológicas são citadas para esse óleo. No
com bloqueadores dos canais de cálcio (como a nifedipina)50. Brasil seiscentista, o Padre José de Anchieta citava o óleo de copaíba
Ervas sedativas que atuam no sistema nervoso central, como o como um potente cicatrizante. Atualmente, esse óleo é comer-
maracujá (Passiflora officinalis) e a valeriana (Valeriana officinalis), cializado em farmácias e lojas de produtos naturais de todo o país,
podem interagir com hipnóticos e ansiolíticos50. com indicações diversificadas56.
Os extratos de alho, já há muito conhecidos da medicina popu- Estudos realizados com óleos de copaíba obtidos de todo o Brasil
lar, têm sido bastante utilizados nos últimos anos para redução de mostraram que esses óleos são misturas de sesquiterpenos e
níveis elevados de colesterol, um dos efeitos colaterais provocados diterpenos. As concentrações e a natureza dos sesquiterpenos e
Vol. 28, No. 3 Plantas Medicinais: Cura Segura? 525

Tabela 4. Estudos clínicos das interações entre a erva-de-São-João e outros fármacos


Co-medicação Resultados da interação Mecanismo provável Ocorrências
Ciclosporina Diminuição dos níveis de ciclosporina/ Indução de enzimas hepáticas 50
episódios de rejeição
Contraceptivos orais Interrupção do sangramento menstrual Indução de enzimas hepáticas 12
(etilestradiol/desogestrel)
Teofilina Diminuição dos níveis plasmáticos de teofilina Indução de enzimas hepáticas 1
Warfarina Diminuição dos níveis plasmáticos da Indução de enzimas hepáticas 7
warfarina e do efeito anti-coagulante
Amitriptilina Diminuição dos níveis plasmáticos da amitriptilina Indução de enzimas hepáticas *
Indinavir Diminuição do nível plasmático do indinavir Indução de enzimas hepáticas; *
Indução da P-Glicoproteína intestinal
Digoxina Diminuição dos níveis plasmáticos da digoxina Indução da P-Glicoproteína intestinal *
* Interações demonstradas em estudos clínicos

Tabela 5. Interações entre preparações à base de ervas e fármacos da medicina convencional


Erva Fármaco convencional Problema potencial
alcaçuz-da-Europa(Glycyrrhiza glabra) Espironolactonas Antagonismo do efeito diurético
Leguminoseae
artemísia(Tanacetum parthenium)Asteraceae Anti-inflamatórios não-esteroidais Inibição do efeito da erva
digoxina Interferência na farmacodinâmica e no
monitoramento do nível da droga no
organismo
erva-de-São-João(Hypericum perforatum) Inbidores de MAO Ausência de evidências de segurança de uso
Guttiferae concomitante
espinheira-santa(Maytenus ilicifolia) Esteróides anabólicos, metotrexato, Hepatotoxicidade
Celastraceae amiodarona, cetoconazol
Imunosupressores Efeitos antagonistas
ginseng(Panax ginseng)Araliaceae Sulfato de fenelzina Cefaléia, tremores
Estrogênio e corticosteróides “Efeitos aditivos”
Insulina, sulfaniluréias Alteração dos níveis de glicose sanguínea
digoxina Interferência na farmacodinâmica e no
monitoramento do nível da droga no
organismo
kava-kava(Piper methysticum)Piperaceae benzodiazepínicos Maior efeito sedativo, coma
valeriana(Valeriana officinalis)Valeriaceae barbitúricos Sedação excessiva
artemísia, alho, ginseng, gingko biloba, Warfarina Alteração do tempo de coagulação
gengibre

diterpenos podem variar, mas estas duas classes de produtos natu- perfil cromatográfico dos óleos adulterados é bastante diverso do
rais, e mais nenhuma outra, devem estar sempre presentes nos perfil cromatográfico dos óleos autênticos.
óleos de copaíba57. Óleos de copaíba contendo diferenças no teor dos seus consti-
A prática de adulterações dos óleos de copaíba já era relatada tuintes apresentaram atividade anti-inflamatória diferenciada, ava-
pelos cronistas alemães em publicações do século XIX, que ensi- liada em modelos de diminuição do edema em pata de rato provo-
navam como conseguir óleos sem adulterações na Amazônia Bra- cado por injeção de carragenina ou bradicinina. Os óleos de copaíba
sileira58. foram administrados por via oral, através de gavagem e apresenta-
As adulterações são feitas com produtos de menor valor agre- ram inibição significativa dos edemas provocados tanto por carra-
gado, como óleos vegetais ou minerais (como o óleo diesel) e são genina quanto por bradicinina. Desta forma, pode-se confirmar a
comuns em toda a Região Amazônica. Os óleos adulterados po- indicação empírica dos óleos de copaíba, amplamente proclamada
dem ser encontrados nas feiras de Rio Branco (AC), no Mercado por silvícolas, no combate a inflamações7.
de Manaus (AM) e até em farmácias de todas as regiões do país56. Estes estudos, entretanto, mostraram também que óleos de
Essas adulterações foram detectadas através de estudos croma- copaíba adulterados, ao invés de atuarem como agente anti-infla-
tográficos, utilizando-se cromatografia gasosa de alta resolução em matório, potencializaram a inflamação, provocando um aumento
fases estacionárias apolares6. Nesses estudos, observou-se que o do volume dos edemas7.
526 Veiga Jr. et al. Quim. Nova

Somado ao controle de qualidade que detecta adulterações, outro encontrado puro ou em mistura com o pó do boldo do Chile, sendo
aspecto importante no estudo de plantas medicinais que são ambos usados no tratamento de distúrbios do fígado. É comum
comercializadas como fitoterápicos é a identificação de princípios encontrar em lojas de produtos naturais da região norte do país
ativos responsáveis pela ação biológica da planta59. (Manaus e Belém) cápsulas de cascas e folhas da sacaca em mistu-
Estudos realizados com um dos óleos de copaíba mais comuns ra com outras plantas medicinais14.
na Região Amazônica, o óleo obtido de Copaifera multijuga, mos- Recentemente, os benefícios terapêuticos da sacaca difundiram-
traram variações na composição de óleos coletados de uma mesma se por todo o país. Sua comercialização, entretanto, não preservou o
árvore, em períodos diversos do ano (verão-inverno)60. As substân- uso tradicional da espécie. Foram relatados casos em que as folhas
cias detectadas foram basicamente as mesmas, mas suas concen- da sacaca foram vendidas com as indicações terapêuticas das cas-
trações variaram60. Estudos de atividade anti-inflamatória foram cas. Um dos autores (M. A. M. Maciel) em 1998, adquiriu em uma
realizados e evidenciaram modificações nos perfis das atividades farmácia de manipulação localizada na Tijuca, bairro do Rio de Ja-
dos dois óleos61. Essas variações podem dificultar a generalização neiro, um frasco contendo 25 cápsulas de folhas de sacaca, contendo
da dosagem de uso dos fitoterápicos formulados à base de óleos de no seu rótulo todas as indicações terapêuticas das cascas72.
copaíba. O uso indevido dessa planta (folhas com indicação de cascas
Nos óleos de copaíba, poucos constituintes ativos identifica- em tratamentos prolongados) pode causar hepatite tóxica. Pelo
dos foram testados isoladamente, como o β-bisabolol (anti-infla- menos em duas capitais (Belém e Rio de Janeiro) essa planta já
matório)62 e o β-cariofileno (bactericida63, antitumoral64 e anti-in- mostrou que pode apresentar efeitos hepáticos irreversíveis72. No
flamatório65) (Figura 6). Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro
houve um relato de falecimento (em 2001) e em Belém, na década
de 1990, muitos casos de hepatite tóxica foram registrados, ocor-
rendo casos de óbitos. O Hospital Universitário da Universidade
Federal do Pará possui um histórico significativo de pessoas viti-
madas por doenças do fígado, as quais estavam ingerindo folhas
em dietas prolongadas de emagrecimento. Apesar dos alertas so-
bre a toxicologia das folhas dessa planta veiculados pela mídia, em
Belém, a população, mesmo avisada, costuma consumir as folhas
para emagrecimento. Nesse caso, os usuários se dizem encoraja-
dos pelo percentual de pessoas que garantem ter emagrecido com
Figura 6. Estruturas de sesquiterpenos presentes em óleos de copaíba saúde72.
Estudos realizados por nosso grupo de pesquisa destacam que
o aroma e o amargor (provavelmente fornecido por diterpenos do
Estudos recentes com o ácido caurenóico (Figura 7), obtido do tipo clerodano73,74) são bons indicadores da autenticidade de chás à
óleo de Copaifera langsdorfii, demonstraram para este diterpeno base das cascas de sacaca. O clerodano trans-desidrocrotonina
diferentes atividades, como vasorelaxante66; relaxante do músculo (DCTN, Figura 8) é o constituinte principal do chá das cascas da
liso, em estudos sobre contrações uterinas induzidas67; anti-infla- Sacaca, enquanto nas pílulas (pó das cascas) apresenta menor ren-
matória68; protetor de colite induzida por ácido acético69; citotóxico dimento. O tratamento com o chá torna-se, portanto, um pouco
e embriotóxico70. mais lento (sendo necessárias duas a três semanas), que com pílu-
las (três vezes ao dia) uma a duas semanas. Nossos estudos usando
cromatografia gasosa de alta resolução mostraram que a concen-
tração de DCTN nas cápsulas é de 78,7%, ligeiramente maior que
no chá, com concentração de 59,9%14. Essa diferença se deve à
baixa solubilidade da DCTN em água.

Figura 7. Estrutura do ácido caurenóico

Croton cajucara Benth (Euphorbiaceae)

Croton cajucara é uma planta nativa da região Amazônica que


possui um histórico rico em benefícios terapêuticos14,71. É vulgar-
mente conhecido como ‘sacaca’ e pode ser encontrado em farmá-
Figura 8. Estrutura da desidrocrotonina
cias de produtos naturais do norte e sudeste do país, em diferentes
formulações, sendo amplamente comercializado em feiras livres
da região Amazônica. Tradicionalmente as cascas do caule são mais Em um extenso projeto multidisciplinar envolvendo trabalhos
consumidas que as folhas. Estas são usadas no tratamento da dia- etnobotânicos, fitoquímicos, químicos e farmacológicos com o
betes, no combate a problemas gástricos, no controle da taxa de Croton cajucara estão sendo verificadas as informações terapêuti-
colesterol e indicadas para distúrbios do fígado (provocados pela cas desta espécie75-83. Nesses estudos, a ação medicinal das cascas
ingestão em excesso de bebidas alcoólicas ou alimentos muito gor- do caule da sacaca é validada pelos resultados toxicológicos obti-
durosos), para ajudar na digestão. O pó das cascas é vendido em dos, não sendo observados efeitos colaterais nos animais tratados
cápsulas de aproximadamente 250 mg e o pó das folhas pode ser em laboratório80-83.
Vol. 28, No. 3 Plantas Medicinais: Cura Segura? 527

ASPECTOS RECENTES NAS LEGISLAÇÕES EUROPÉIA zados86, comprova-se o aumento do uso de ervas medicinais pelo
E BRASILEIRA forte apelo de que não há contra-indicações por se tratar de produ-
tos naturais.
Muitos países da Europa utilizam plantas medicinais de forma Agravando ainda mais a situação, aproximadamente metade
ampla, como a Alemanha e a França, que detém 39 e 29% do total dos consumidores que utilizam plantas medicinais não avisam ao
de vendas de toda a União Européia, respectivamente84. A legisla- seu médico2. O nível de desconhecimento do médico só aumenta
ção européia tem sido ampliada por normas, como a que determina os riscos do paciente, uma vez que o médico pode errar seu diag-
que o marketing de produtos relacionados a ervas medicinais só nóstico em função das muitas interações possíveis entre as plantas
possa ser veiculado mediante autorização a ser fornecida, baseada e os medicamentos da medicina convencional. O agravamento se
nos resultados de testes que comprovem eficácia, qualidade e se- propaga pela disseminação dos fitofármacos da MTC, desconheci-
gurança84. Com as regras mais restritivas, crescem as reclamações dos dos ocidentais e que, assim como os medicamentos Aiurvédicos,
das empresas que comercializam ervas e plantas medicinais, para utilizam metais e misturas de vários extratos em suas formulações.
as quais os custos de estudos em animais e testes clínicos em hu- Cabe aos pesquisadores e à mídia, científica ou não, divulga-
manos são quase proibitivos. Regras de ajustamento também vêm rem os riscos a que estão expostos os consumidores que se
sendo emitidas para os novos países que entram na União Euro- automedicam com plantas medicinais ou fitoterápicos, sem o co-
péia. nhecimento necessário à sua utilização. Generalizando-se o uso
O Comitê da União Européia para Produtos à Base de Ervas seguro dos medicamentos vegetais, deve-se evitar longas terapias,
Medicinais tem uma agenda de regulamentações mais restritiva, já que o uso de medicação natural não significa ausência de efeitos
abrangendo a inclusão, em julho de 2007, do controle de todas as colaterais ou tóxicos; evitar o uso associado de plantas medicinais
substâncias adicionadas a alimentos ou comercializadas como su- com medicação alopata; atenção deve ser dada aos produtos natu-
plementos alimentares, incluindo ervas, aminoácidos e ácidos rais de origem chinesa e indú, já que há possibilidade da presença
graxos84. de metais; deve-se adquirir o vegetal de fontes seguras; indivíduos
No Brasil, resoluções recentes da Agência Nacional de Vigilân- mais vulneráveis (crianças, mulheres grávidas ou em lactação)
cia Sanitária (ANVISA), de 16 de março de 2004 visam a norma- devem evitar o consumo de plantas medicinais e, finalmente, se-
tização do registro de medicamentos fitoterápicos. A Resolução-RDC guindo estes passos, se houver efeitos adversos, deve-se interrom-
no. 48 determina que todos os testes referentes ao controle de quali- per o uso do medicamento e buscar ajuda médica.
dade de fitoterápicos deverão ser realizados em rede credenciada no Estudos multidisciplinares envolvendo etnobotânicos, quími-
sistema REBLAS (Rede Brasileira de Laboratórios em Saúde) ou cos, farmacólogos e agrônomos (neste caso, no controle do cultivo
por empresas que possuam certificado de BPFC (Boas Práticas de de ervas medicinais) são necessários para que sejam ampliados os
Fabricação e Controle)85. Os fitoterápicos registrados antes de 31 de conhecimentos das plantas medicinais, como agem, quais são os
janeiro de 1995, com exceção daqueles já enquadrados como seus efeitos tóxicos e colaterais, como seriam suas interações com
fitoterápicos tradicionais, deverão apresentar, no primeiro protocolo novos medicamentos alopatas e quais as estratégias mais adequa-
de renovação, uma série de relatórios que atestem a segurança, efi- das para o controle de qualidade e produção de fitoterápicos, aten-
cácia e as normas de produção e controle de qualidade85. dendo às novas normas das agências reguladoras, como as resolu-
Entre as exigências da Resolução-RDC no. 48 estão a necessi- ções da ANVISA.
dade de controle de qualidade do produto acabado, com métodos
analíticos que incluam perfis cromatográficos e resultados de AGRADECIMENTOS
prospecção fitoquímica, além de comprovação de segurança de uso,
incluindo estudos de toxicidade pré-clínica. Outras resoluções da Os autores agradecem à CAPES e à FAPERJ.
mesma data fornecem as referências bibliográficas para avaliação
de segurança e eficácia de fitoterápicos (No. 88), tratam dos deta- REFERÊNCIAS
lhes para realização dos estudos de toxicidade (No. 90) e fornecem
os requisitos necessários para o processo de registro (No. 91), além 1. Akerele, O.; Herbal Gram 1993, 28, 13.
da Lista de Registro Simplificado (No. 89)85. 2. Eisenberg, D.; J. Am. Med. Assoc. 1998, 280, 1569.
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medicines. A worldwide review, Geneva, 1998.
acidental. No entanto, a adulteração é, por definição, fraudulenta.
6. Veiga Jr., V. F.; Pinto, A. C.; Patitucci, M. L.; Quim. Nova 1997, 20, 612.
Atualmente, não existem meios de fiscalização que garantam um 7. Veiga Jr., V. F.; Pinto, A. C.; Patitucci, M. L.; Zanino, L.; Calixto, J. B.;
controle de qualidade das ervas comercializadas. As primeiras re- Phytother. Res. 2001, 15, 476.
gulamentações vêm sendo implantadas pelos órgãos de Controle 8. Perharic, L.; Shaw, D.; Murray, V.; Lancet 1993, 342, 180.
Sanitário para o registro dos fitomedicamentos e fitoterápicos, mas 9. Simões, M. O.; Schenkel, E. P.; Gosmann, G.; Mello, J. C. P.; Mentz, L
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grande parte do uso popular é baseada na comercialização em mer- Universidade/UFRGS/ Ed. da UFSC: Porto Alegre/ Florianópolis, 1999.
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Grande parte dos consumidores de plantas medicinais sentem- 11. Capasso, R.; Izzo, A. A.; Pinto, L.; Bifulco, T.; Vitobello, C.; Mascolo, N.;
se encorajados por acreditarem que estes remédios, por serem na- Fitoterapia 2000, 71, S58.
12. Guil, J.L.; Rodriguez-Garcia, I.; Torija, E.; Plant Foods Hum. Nutr. 1997,
turais, são inerentemente seguros. A influência da imprensa na di-
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fusão de informações errôneas sobre os efeitos das plantas medici- 13. Ames, B.N.; Science 1983, 221, 1256.
nais é muito grande e, além disso, sem qualquer controle na maio- 14. Maciel, M. A. M.; Pinto, A. C.; Veiga Jr., V. F.; Martins, J. R.; Grynberg,
ria dos países. No Brasil é comum ouvir em propagandas a expres- N. F.; Echevarria, A.; Lapa, A. J.; Vanderlinde, F. A.; Phytochem.
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528 Veiga Jr. et al. Quim. Nova

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