Cartilha Medicina Defensiva Alta Definicao Alterada Issuu

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Cartilha de Medicina Defensiva -4-
APRESENTAÇÃO
Viver já envolve toda a sorte de riscos. Intervir no corpo humano
potencializa esses riscos¹.
A Medicina é tão antiga quanto a dor e seu humanismo tão velho
quanto a piedade humana². Nenhuma outra profissão possui tantos
problemas de ordem moral como os tem a Medicina. Todavia, Direito e
Medicina, duas disciplinas-ciências, em determinados aspectos, sempre
andaram juntas, o que vem demonstrar a importância dessas atividades
em relação ao ser humano³.
O Código de Hamurabi, o mais antigo diploma legal de que se
tem notícia, em seus parágrafos 218 e 219, já estabelecia a pena de
amputação da mão para o médico que causasse a morte de um awillium
(membro da classe social superior) ou lhe destruísse o olho. Se o morto
fosse um escravo, deveria substituí-lo por outro. O direito romano
também previu punição para a imperícia médica. Durante a Idade
Média, sofriam punições severíssimas os médicos que, por imperícia,
provocassem a morte do paciente (Digesto, 1, 6, 7º).
Todavia, na maioria das vezes, o que se considerava como
inabilidade ou imperícia, nada mais era senão a consequência das
limitações do conhecimento da arte de curar que se tinha à época.
Somente durante o século XVIII se começou a admitir certa tolerância
com eventuais falhas decorrentes da imprecisão da ciência médica,
favorecendo, inclusive, o seu próprio desenvolvimento.
Com toda a certeza as técnicas terapêuticas modernas não teriam
surgido se os cirurgiões tivessem sua atividade jungida a dogmas
inflexíveis, sem ousar novos procedimentos, mesmo diante da ineficácia
dos até então recomendados, pelo receio de responsabilidade penal em
caso de consequência funesta.4
O progresso da ciência médica, no final do século passado e no
princípio deste milênio, é fantástico. Moléstias até a pouco tidas como
fatais ou incuráveis tem seu diagnóstico e tratamento possibilitados
pela moderna tecnologia. Por outra banda, tolera-se cada vez menos
o insucesso médico. Ao menor indício de imperícia, imprudência ou
negligência, os profissionais da Medicina veem-se ameaçados por
demandas criminais, civis e éticas, de consequências catastróficas para
o seu patrimônio e para a sua reputação profissional.
A “medicalização” da vida e a massificação da ciência médica
acabaram com a figura simpática, amiga e confiável do “médico-de-
família”, no qual se depositava irrestrita confiança e contra quem jamais
se cogitaria de manejar qualquer processo. As relações entre médico
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e paciente que eram de confiança mútua, amizade e cordialidade se
transformaram em frias relações contratuais de prestação de serviços.
Com a mercantilização da Medicina veio a judicialização da relação
médico-paciente.
No Brasil, notadamente após o advento da Constituição Cidadã
de 1988 e da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor), as demandas
judiciais manejadas por pacientes contra médicos têm aumentado
assustadoramente. Na América do Norte, para cada 100 médicos, 09
respondem a processo por “erro médico”. Naquele País, as indenizações
variam de 1 milhão a 10 milhões de dólares. Também no Japão,
Inglaterra, Alemanha, Bélgica, África do Sul e Canadá se verifica
assustador aumento desses litígios. No Brasil esse número chega a 7%
de médicos com processos. No Superior Tribunal de Justiça, o número
de processos contra médicos aumentou assustadores 1.600% na última
década. E nos CRMs, de 2001 a 2011 o número de reclamações e
processos instaurados cresceu 302%.
O Médico, pois, sempre pronto para socorrer o próximo, de
repente, vê-se na necessidade de ser socorrido.

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A presente Cartilha de Medicina Defensiva não almeja esgotar o
assunto. Pretende, todavia, orientar os profissionais da Medicina a, num
primeiro momento, evitar as demandas judiciais e, na impossibilidade
de evitá-las, defender-se da melhor forma possível.

O PROBLEMA
A problemática das demandas judiciais contra médicos, cobrando-
lhes reparação de danos materiais e morais já é uma realidade palpável
e, futuramente, somente tende a se agravar. Já surge no cenário
nacional uma nova “casta” de advogados, o chamado “advogado-de-
porta-de-hospital”, profissionais oportunistas que amealham vítimas de
reais ou supostos erros médicos, acenando-lhes com a possibilidade de
indenizações milionárias.
Nos Estados Unidos, em 1980, para cada 100 médicos, 03
respondiam a processos judiciais por imperícia. Hoje a média está
em 09. Naquela nação civilizada, o valor médio das indenizações por
processos cíveis era de US$ 230 mil em 1975. Em 1997, a média ficou
em US$ 1 milhão, sendo que há demandas, com ocorrência de óbito,
em que as indenizações chegam a ultrapassar os US$ 10 milhões.
As especialidades médicas mais visadas são: Gineco-Obstetrícia
(28%); Traumato-Ortopedia (15%); Cirurgia Plástica (14%); Cirurgia
Geral (12%); Clínica (12%); Pediatria (5%); Anestesiologia (5%); e
Hematologia (4%).
No Brasil, o médico trabalha sob verdadeira espada de Dâmocles
do erro, pois um País que oferece meios de terceiro mundo exige dos
profissionais de saúde um resultado de primeiro mundo. Remuneram-
se de modo medíocre os profissionais do Sistema Único de Saúde.
Inexistem recursos materiais. Exames complementares que poderiam
conduzir a um diagnóstico mais preciso não se realizam, pois ou
falta o aparelho ou os materiais necessários (ou ainda o operador do
equipamento). As condições de trabalho, enfim, impostas ao médico
são precárias, adversas e, até desumanas.
E quando há uma falha ou resultado nefasto, processa-se o
médico!
Qual a solução para o problema?
O processo nem sempre pode ser evitado. Se nem sempre
podemos evitá-lo, precisamos então nos municiar para enfrentar as
eventuais demandas judiciais que poderão advir.

O PERFIL DO MÉDICO PROCESSADO


Ao contrário do que se pensa, não são os médicos novatos,

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neófitos, recém-formados que são vítimas de processos. O perfil dos
médicos que mais sofrem processos são aqueles na quinta década de
vida e na terceira década de atividade profissional.
São diversos os fatores que explicam essa circunstância.
Podemos elencar, entre as principais, os seguintes:
a)Expertise e Autoconfiança em demasia. Podemos observar,
como exemplo, o motorista que recém tirou sua carteira de habilitação.
Para sair da garagem com o automóvel, ele põe a chave na ignição, mas
não faz o contato; pluga o cinto de segurança; regula os retrovisores
externos e o interno; se for ouvir música, sintoniza a rádio de preferência
ou seleciona um CD; somente depois faz o contato da ignição;
engata marcha ré com o freio de estacionamento acionado; consulta
novamente os dois retrovisores externos e o interno; olha para trás;
solta o freio de estacionamento e principia o deslocamento. O motorista
habilitado a três décadas entra no carro/põe a chave na ignição e faz
o contato/engata marcha ré/solta o freio de estacionamento/inicia o
deslocamento/pluga o cinto de segurança/sintoniza o rádio/atende o
celular...tudo ao mesmo tempo! Quanto maior a expertise e maior a
autoconfiança, mais negligenciamos regras básicas de segurança, as
quais o neófito jamais se aventuraria.
b)Fama/ Reputação – O Médico normalmente conquista a notoriedade,
a fama e a reputação seja perante a sociedade, seja perante os seus
colegas, a partir da terceira década de atividade profissional. Quanto
maior a fama e a reputação, mais casos de alta complexidade haverá de
atrair. Os próprios
colegas mais
jovens e menos
experientes lhe
encaminharão
os casos mais
complexos. Quanto
mais casos de
alta complexidade
enfrentar, maiores
as possibilidades
de resultados
indesejáveis ou
intercorrências. Em
consequência, as
possibilidades de
processo também
se potencializam.
c)Patrimônio
Robusto – Não

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é possível tirar leite de bezerro. O Médico jovem ainda não tem um
patrimônio que atraia a atenção e a avidez de pacientes queixosos
e de advogados para manejarem processos. Normalmente, o Médico
consolida seu patrimônio na terceira década de atividade profissional,
quando passa a ser alvo interessante para processos indenizatórios.

TERAPIA PREVENTIVA
Evitar um processo sempre seria muito melhor até mesmo que
vencê-lo. Elencamos a seguir algumas medidas bastante simples,
mas que, se seguidas no dia-a-dia reduziriam significativamente as
possibilidades de o médico vir a ser processado.
As medidas são de extrema simplicidade, porém de real eficácia:

1.Identifique os chamados “Pacientes de Risco”

Há determinados tipos de pacientes que, pelo seu perfil, por seu


comportamento, pelo tipo de patologia que apresentam, pelo credo
religioso que ostentam, apresentam maior propensão a mover ação
contra o médico, caso haja algum resultado indesejado. John Richards,
médico da Universidade da Califórnia, define assim os tipos de pacientes
inclinados a mover ações contra médicos:

• Aqueles que elogiam em excesso o médico


• Os cínicos
• Os que exageram nas queixas
• Os que apresentam extrema aflição
• Os que quase não falam
• Os que têm dificuldades com integrantes da família
• Os maliciosos
• Os que trocam frequentemente de médico

Podemos enriquecer o elenco de Richards, com aqueles pacientes


que reclamam de outros médicos e alegam que agora sim acharam o
médico ideal, tecendo-lhe rasgados elogios. Esse paciente, amanhã,
estará elogiando outro médico e “fritando” você. Também são de
altíssimo risco aqueles pacientes que, em virtude de credo religioso,
recusam determinados tipos de terapias ou procedimentos. Também os
pacientes que alimentam muitas expectativas exacerbadas que, muito
possivelmente, serão frustradas.
Seja muito cauteloso com tais, registrando tudo no prontuário (com
muito mais cuidado que o normal), exigindo o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido e, até mesmo, gravando as consultas.
Para os cirurgiões plásticos, podemos acrescentar as senhoras

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balzaquianas, que estão saindo de um casamento frustrado ou cujo
marido a está substituindo por alguma “periguete” com a metade da
idade dela. Ela vai apostar todas as fichas, todas as esperanças, toda
a energia e, muitas vezes, todas as suas economias, nessa cirurgia
plástica, na tentativa de salvar seu casamento. Se remanescer alguma
cicatriz hipertrófica ou algum queloide, ela vai culpar o cirurgião plástico
por ter “acabado de acabar” com o casamento dela.

2.Não Deixe de Requisitar Exames Complementares

O pior imperito é aquele que se julga o melhor dos peritos. Evite


sempre diagnosticar diante apenas dos sintomas externos apresentados
ou relatados pelo paciente. O olho clínico não existe para os Tribunais.
Os recursos tecnológicos aí estão para serem usados. Requisite
exames. Na dúvida, requisite outros exames complementares (sempre
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registrando no prontuário). Caso o paciente não possa pagar os exames
ou seu convênio não os cubra, tal fato deve ser registrado no prontuário,
sempre tomando o “ciente” do paciente.
Caso não sejam usados todos os recursos disponíveis para
constatação do diagnóstico e este for equivocado, o Judiciário poderá
imputar negligência ao médico, que é uma das modalidades da culpa.

3.Jamais Prescreva Por Telefone

É prática usual que o paciente ligue para o médico, notadamente


nos finais de semana ou nas madrugadas, descrevendo certos sintomas
e solicitando medicação.
Se não puder ver o paciente pessoalmente em tais circunstâncias,
indique-lhe o pronto-socorro mais próximo ou algum colega que esteja
de plantão.
É sempre tentador (notadamente nas madrugadas e nos finais de

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semana) indicar um antitérmico ou analgésico, a fim de prontamente
atender o paciente (ou livrar-se dele).
Embora usual – até mesmo no relacionamento enfermagem/
médicos – tal prática é proibida pelo próprio Conselho Federal de
Medicina.
O velho brocardo “não dê sorte ao azar” cai aqui como se luva
fosse. Prescrever por telefone, por mais evidentes que sejam os
sintomas, caso o diagnóstico for equivocado, é “procurar sarna para se
coçar”.

4.Jamais Deixe de Prestar Atendimento

Omissão de socorro é crime devidamente tipificado no artigo 135


do Código Penal, cuja pena pode variar 1 a 18 meses de detenção
e multa. Por isso, sempre que procurado em ocasiões de urgência
ou emergência, mesmo que não seja a sua especialidade, primeiro

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atenda o paciente, prestando-lhe os cuidados preliminares, para depois
encaminhá-lo ao atendimento especializado. Mesmo que não disponha
do equipamento adequado e que a pouca distância outro hospital o
tenha. Preste o imediato socorro e, somente depois de restabelecidos
os sinais vitais, encaminhe o paciente.
Caso o médico negue o atendimento, qualquer que seja a
sua justificativa, e se o paciente for a óbito durante o traslado, as
possibilidades de responder a um processo criminal por omissão de
socorro são enormes. Condenado no crime, será vítima certa de uma
demanda cível indenizatória. E nesse caso, a condenação criminal faz
coisa julgada no cível, ou seja, é prova pré-constituída, estabelecendo o
nexo causal e a culpa. Ao juiz do Cível caberá apenas decidir o quantum
indenizatório.

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5.Jamais Abrande as Possíveis Consequências de Um
Procedimento

O paciente tem direito, assegurado, inclusive, pelo Código Civil,


à mais ampla informação sobre o seu diagnóstico, prognóstico e
terapêutica. E ao Médico cabe prestar tais esclarecimentos com a máxima
objetividade e com toda a clareza possível. O paciente deve saber (sem
assustá-lo e sem exageros) que, tanto quanto um transplante de fígado
ou a implantação de uma ponte de safena, a extração de uma unha ou
a amputação de uma falangeta, também são cirurgias. E, como toda
intervenção no corpo humano, apresentam seus riscos inerentes.
É comum a expressão “trata-se de mero procedimento de rotina”.
Todavia, como dizem os médicos, não há doenças, há doentes. Do
organismo humano, com suas particularidades ligadas às condições
subjetivas genéticas, à idade, ao sexo, aos fatores climáticos e
topográficos, aos efeitos excepcionais da moderna farmacopeia e,
também, à inteligência e capacidade do médico, extrai-se a ilação de
que o absoluto no campo da Medicina quase não existe5.
O paciente tem o direito de saber todas as informações
e pormenores sobre o seu caso, inclusive todas as possíveis
consequências de um procedimento a que se irá se submeter. O ideal é
que tais esclarecimentos lhe sejam dados por escrito, tomando-se-lhe
o “ciente”, através de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Todavia, nem sempre isso é possível. Não obstante, o Médico deve
esclarecer todos os pormenores não só da doença, como da terapia e
dos procedimentos.
Paciente mal esclarecido é sério candidato a adotar conduta
belicosa contra o médico que não o informou a contento. Quando o
Médico não esclarece ao paciente sobre um possível desdobramento
indesejável, assume o risco de produzi-lo.

6.Registre Tudo No Prontuário

Tanto no processo criminal, quanto no processo ético profissional,


bem assim nas demandas cíveis, o prontuário bem elaborado é, na
maioria das vezes, a melhor peça de defesa. Muitas vezes, a única.
Portanto, registre tudo (e sempre em letra legível) no prontuário,
inclusive as conversas com o paciente, os aconselhamentos, as
prescrições, as reações, a evolução, enfim, tudo.
Quanto mais minucioso for o prontuário, maiores as possibilidades
de defesa em uma eventual demanda futura.
De nada adianta, todavia, complementar ou adulterar o prontuário
a posteriori, depois do incidente. Qualquer perito percebe que aquele
registro não foi feito no “calor dos acontecimentos”.

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7.Jamais Trabalhe Sob Condições Precárias

A presente assertiva certamente lhe parecerá utópica. Quem


conhece e já deu plantão em hospitais públicos, certamente, terá
esboçado um sorriso irônico.
Todavia, se sujeito a exercer a medicina em condições precárias,
mesmo exercendo a sua Medicina sob condições de risco, previna-se.
Escreva.
Mande, sempre que necessário, ofícios ao Diretor do Hospital, ao
Diretor Regional de Saúde, ao Secretário de Saúde (quando se tratar
de estabelecimento público), denunciando as condições precárias, a
insuficiência de profissionais médicos, os equipamentos obsoletos ou
com defeito, a falta de auxiliares para operar os equipamentos, o número
desumano de atendimentos em um único plantão, a inexistência de
medicamentos adequados.
Denuncie sempre e guarde a segunda via de tais documentos em
seu arquivo pessoal. Quando se tratam de estabelecimentos públicos,
a responsabilidade civil é sempre do Estado. Todavia, tais documentos
servir-lhe-ão de prova em processos éticos profissionais e penais,

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afastando a sua culpa, porquanto obrigado a laborar em condições
adversas.
8.Conheça e Respeite os Direitos do Paciente

O público brasileiro, notadamente após o advento do Código do


Consumidor, vem se tornando um público cada vez mais exigente e
cônscio de seus direitos. O Dr. E. Christian Gauderer tem emprestado
importante favor à sociedade, divulgando esses direitos em obras e
artigos diversos. Sua obra mais importante, editada pelo Círculo do
Livro “Os Direitos do Paciente, Um Manual de Sobrevivência”, é de
leitura obrigatória. Entre outras prerrogativas, o paciente tem direito a:

• Gravar a consulta médica


• Ter um acompanhante durante a consulta e a internação
• Receber visitas em hospitais, em qualquer horário
• Visitar cozinhas e demais dependências de um hospital
• Recusar determinados tratamentos
• Saber os efeitos colaterais dos remédios
• Ter a sua documentação médica em letra legível

O paciente tem direito a obter todas as informações sobre o seu


caso, em letra legível, bem como cópias de toda sua documentação
médica, como prontuários, exames laboratoriais, raios-X, anotações

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de enfermagem, laudos diversos, avaliações psicológicas etc. De nada
adianta recusar o fornecimento de tais documentos, pois basta impetrar
um habeas data, que qualquer juiz determina liminarmente a exibição
dos documentos.
9.Tenha Ciência das Principais Reclamações dos Pacientes

Saber quais os principais fatos que geram reclamações e,


consequentemente, processos judiciais, já é um meio caminho para
evitar tais condutas e prevenir-se de futuras demandas. Os tipos
de “erros médicos” mais comumente alegados e hostilizados pelos
pacientes são os seguintes:

• Demora em realizar a intervenção cirúrgica


• Erro na anestesia
• Abandono de corpo estranho no interior do paciente
• Choque séptico por transfusão sanguínea contaminada
• Deformidade provocada por cirurgia traumatológica
• Deformidade provocada por cirurgia plástica
• Lesão do nervo ciático após cirurgia
• Médico chamado várias vezes e que não comparece
• Negativa de internação de paciente com cirurgia infectada
• Recusa do anestesista em participar da cirurgia
• Avaliação e prescrição por telefone
• Cicatrizes hipertróficas
• Queloides
• Algia crônica pós cirúrgica
• Arrogância do Médico

As condutas acima elencadas são as chamadas de risco. Praticá-


las é franquear caminho para um futuro processo judicial.

10.Pratique Caligrafia

São mais comuns do que se pensa os processos decorrentes de


ingestão medicamentosa equivocada, em virtude de o vendedor da
drogaria fornecer erroneamente o medicamente por não compreender
ou confundir a caligrafia (ou cacografia) do médico, justamente porque
este escreveu com “letra de médico”.
Quem foi que disse que letra de médico tem de ser ilegível? Será
charmoso escrever com “letra de médico”?
Escreva com clareza. Principalmente nas prescrições. Se
possível, adote um receituário informatizado. Se não for possível usar
o computador, capriche na letra, use caixa alta. É preciso que fique
bem claro, não dando margens a outras interpretações, tanto o nome

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do medicamento, quanto sua fórmula, a posologia, a quantidade e a
frequência em que deve ser ministrado.

11.Contrate Serviços e Honorários Por Escrito

Embora não seja muito usual no Brasil, tal prática já é muito


comum em países como a América do Norte e várias nações europeias.
Sempre que possível, contrate por escrito a prestação de serviços
e os honorários. Tal conduta é ainda mais recomendável quando se
tratar de cirurgia complexa ou de cirurgia plástica. Na cirurgia plástica
estética, entendemos como imprescindível a assinatura de contrato,
no qual, inclusive, o paciente declare expressamente que tem
conhecimento das possíveis consequências da cirurgia, bem como que
os resultados poderão até divergir daqueles esperados.

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12.Guarde Sigilo

O artigo 154 do Código Penal estabelece pena de 3 meses a 1


ano de detenção, ou multa, a quem violar o segredo profissional. Já o
Código de Ética Médica, em seu artigo 73, proíbe ao médico “Revelar
fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício da profissão,
salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”.

Não podemos olvidar, ainda, a esse respeito, a significativa passagem


do juramento de Hipócrates: “O que no exercício ou fora do exercício e
no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar,
conservarei como segredo”.
A violação do sigilo médico ofende a um dos direitos da
personalidade, o direito à intimidade e à privacidade, o qual restou
sobremaneira robustecido pela Lei Fundamental de 1.988. Configurar-

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se-á o dever de indenizar, quando, dolosa ou culposamente, o
profissional revelar segredo que lhe fora confiado, causando danos ao
paciente, desde que provada a relação de causa e efeito.
Tal aspecto da responsabilidade civil médica assume novos
contornos com o surgimento dos males do final do século passado,
como a AIDS, e com as conquistas das ciências biomédicas.

TERAPIA CURATIVA
A prática das condutas elencadas no capítulo anterior, poderão não
evitar os processos judiciais. Todavia reduzirão bastante a possibilidade
de sua ocorrência. Quando não for possível evitar o processo, o médico
deve estar preparado para enfrentar “o homem da capa preta” e
maximizar as suas possibilidades de êxito.

1.Não Deixe Baixar o Moral

A primeira reação do médico quando recebe a citação de um


processo (principalmente quando a cifra é milionária) é a de abandonar
a carreira. “Vou criar galinhas, vou vender cachorro quente, qualquer
coisa, mas vou largar a medicina”. Toda a profissão tem seus riscos.
Até mesmo o vendedor de cachorro quente corre o risco de contaminar
seus clientes com salmonela e sofrer um processo indenizatório por
parte das vítimas.
Um processo judicial pode demorar até mais de uma década. Se
for rápido, consumirá, no mínimo de quatro a cinco anos. É preciso,
pois, muita coragem, muita paciência e muito ânimo para enfrentar as
várias audiências, a maledicência da imprensa e, até, os comentários
dos colegas, amigos e vizinhos.
O médico, mais do que ninguém, precisa se autoconvencer de que
a sua conduta foi incensurável, que usou de todos os meios, aplicando
diligentemente toda a técnica que a Medicina lhe põe à disposição,
zelando pelo tratamento aplicado ao paciente. A síndrome de culpa,
a autocomiseração e o derrotismo são sentimentos que, além de
atrapalhar o seu desempenho profissional, em nada contribuirão para
o processo.

2.Faça Um Aconselhamento Jurídico Preventivo

Quando ocorrer um fato que, pela divulgação oferecida pela


imprensa, pela reação popular e pelo perfil da vítima ou de sua
família, tudo indica que resultará em um processo judicial, procure

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imediatamente um advogado. Não espere que o processo aconteça.
Quando o processo acontecer, você terá apenas 15 dias para
conversar com seu advogado, reunir testemunhas, juntar provas e
preparar a defesa. Às vezes já se terão passados meses ou anos e,
como os acontecimentos já “esfriaram”, torna-se difícil até mesmo
lembrar detalhes do acontecido.
Por isso não espere. Se desconfiar que aquele fato poderá gerar

um processo, procure um advogado e comece a, antecipando-se ao


problema, preparar a sua defesa, bem como as provas necessárias.

3.Consulte Sempre Um Especialista

Você não deixaria um oftalmologista operar o seu coração, só


porque ele é seu amigo e você confia nele. O mesmo se aplica ao

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advogado. O campo dos “direitos, obrigações, deveres e prerrogativas
do médico”, além de muito vasto e complexo, é um ramo especialíssimo
do Direito.
Não adianta, portanto, consultar aquele irmão da namorada do
seu filho que já começou o doutorado e “parece bastante competente”.
Os advogados das vítimas de erro médico já formam uma nova
casta de advogados que estão se especializando em processar médicos.
Portanto, são especialistas. Procure, pois, sempre um especialista em
defender médicos para orientá-lo e defendê-lo.

4.Estribe Sua Conduta Na Doutrina Universal

O médico não tem obrigação de curar o paciente e restituir-lhe


a saúde. Senão seria Deus. Todavia, precisa provar que sua conduta
está conforme com a mais moderna doutrina médica naquela área de
especialidade. Além das provas a serem reunidas, procure na literatura
nacional e alienígena a opinião e o ensinamento dos mais respeitados
mestres e doutrinadores que demonstrem que aquela conduta ou aquele
procedimento adotados, são, com efeito, os mais recomendados para
a situação que se apresentava. Ajude o seu advogado a ajudar você,
municiando-o com informações técnicas, pareceres e artigos publicados
nas revistas especializadas.

5.Evite a Imprensa

A imprensa, nesses momentos, pode ser a sua pior inimiga. Evite-a.


Por mais barbarismos que publiquem a seu respeito, não polemize.
Futuramente, após provar a sua inocência, você poderá processar os
editores por danos morais. Durante o processo, todavia, quanto mais
polêmica, mais envolverá a opinião pública, redundando em prejuízos
para o processo.
Portanto, evite a polêmica. Evite a imprensa. Preferencialmente,
limite-se a discutir a questão com o seu advogado.

6.Contrate um Seguro de Responsabilidade Civil


Profissional ou participe de um FUNDO MUTUALISTA DE DEFESA
PROFISSIONAL

Ninguém deseja morrer. Nem por isso as pessoas deixam de fazer


seguro de vida. Ninguém contrata um seguro saúde ou plano de saúde,
desejando ficar doente. São seguranças que você “paga para não usar”.
Todavia, se algum dia precisar, somente então saberá o valor real.
Muitas entidades médicas se posicionam filosoficamente contra
os seguros de RC Profissional, por razões que não se sustentam. Dizem

Cartilha de Medicina Defensiva - 22 -


que os seguros de RC vão fomentar o aumento de processos, que o
valor das condenações vai aumentar, que o número de erros médicos
vai aumentar e outras razões sem fundamentos científicos.
Não é pelo fato de as pessoas contratem um seguro automotivo
que aumente ou diminua o número de acidentes nas rodovias ou que
aumente ou diminua o número de furtos de veículos.
Os processos por erro médico já constituem uma dura realidade,
que precisa ser enfrentada. Muito melhor do que ganhar um processo,
é evitá-lo. Nem sempre, todavia, tal ventura será possível. Precisamos,
pois nos preparar para tais situações adversas, a fim de melhor enfrentá-
las.
A judicialização da Medicina já aconteceu e aumentou em 1.600%
na última década, segundo o Superior Tribunal de Justiça.
A tranquilidade não tem preço.
Contrate um seguro ou participe de um Fundo Mutualista de
Defesa Profissional. Não para errar sem medo, mas para continuar
acertando sem medo de errar.

(1)Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade Civil do Médico, pág.


181;
(2)Genival Veloso de França, Direito Médico, p. 28;
(3)Jerônimo Romanello Neto, Responsabilidade Civil dos Médicos,
p. 1;
(4)Edmundo José de Bastos Júnior, em Prefácio a Léo Meyer
Coutinho, Responsabilidade Ética Penal e Civil do Médico;
(5)Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade Civil do Médico, pág. 29

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