Politicas Saude 5
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Politicas Saude 5
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No início do século, o mundo ainda sofria as consequências das grandes
epidemias, sem antibióticos, sem vacinas, com pouco conhecimento da
microbiologia e, portanto, é evidente que os cientistas voltariam seu interesse para
o controle da doença.
Na década de 1930, surgem os primeiros conceitos de saúde. Um deles,
muito representativo é o conceito elaborado por Leriche, cientista francês, que diz
que “saúde é a vida no silêncio dos órgãos” (Leriche, 1931). Ao analisarmos o
conceito de Leriche, notamos que o seu conceito de saúde e doença se restringe
aos fatores biológicos, ou seja, estritamente ao funcionamento do corpo.
Quase vinte anos mais tarde, o mundo ainda sofria com as consequências
da segunda guerra mundial. Os traumas que acometeram as pessoas, mesmo
aquelas que não haviam sido presas ou agredidas diretamente, já eram intensos,
imagine então as consequências sobre aqueles que foram diretamente atingidos?
Mulheres pararam de menstruar sem causa orgânica aparente, grande número de
pessoas desenvolveu comportamentos estranhos, com crises de tremores, dores
intensas em todo o corpo, alterações do sono, sensação de medo e insegurança
constantes, no entanto seus corpos aparentemente estavam saudáveis.
Esta realidade levou a recém-nascida Organização Mundial da Saúde
(OMS), no ano de 1948, a elaborar o conceito de saúde que se tornou oficial e
reconhecido até hoje “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não apenas a ausência de doença” (OMS, 1948).
Esta definição expressa a realidade daquele momento. Como dizer que
pessoas que enfrentaram o pós-guerra estariam saudáveis? Mesmo que na época
não se conseguisse identificar quais eram as doenças, é claro que eles não
estariam saudáveis.
Apesar de ser inovador para a época, pelo fato de considerar o bem-estar
como referência e não apenas o funcionamento do corpo, este conceito provoca
atualmente muitas críticas devido o entendimento do termo completo. De fato,
quem teria saúde, segundo este conceito? Quem poderia ter um completo bem-
estar de modo constante? Provavelmente respondendo a estes questionamentos
surge o conceito elaborado por Dubos, outro cientista francês, que disse que
“saúde é o resultado do equilíbrio dinâmico entre o individuo e o seu meio
ambiente” (Dubos, 1965).
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O conceito de Dubos atende de forma melhor a complexidade do processo
saúde e doença. Se de fato pudéssemos saber quanto de nós está contido no
corpo, veríamos que é muito pouco.
Os estudos da sociologia e psicologia comprovaram o conceito de Dubos.
Como seres sociais e intensamente emocionais, o nosso corpo é afetado pelas
nossas emoções e responde a todos esses estímulos. Esses estudos mostram
que crianças deixam de crescer adequadamente se forem privadas de afeto;
homens sozinhos tem mais risco de adoecer e de morrer do que homens casados;
pessoas amarguradas sentem mais dor do que pessoas que sabem perdoar,
enfim tudo mostra que complexidade humana não pode ser restrita e explicada
por meio do corpo.
Sendo assim, doença não mais é o que se pensava que fosse, ou seja,
alterações do funcionamento do corpo que podem ser causados por agressões
infecciosas ou simplesmente pelo envelhecimento ou degeneração e passa a ser
qualquer alteração, de qualquer origem, que possa alterar a qualidade de vida das
pessoas interferindo de modo negativo no seu equilíbrio pessoal.
Esses conceitos abririam uma nova perspectiva para se compreender o que
é saúde e doença de forma mais ampla e mais justa. A partir de então pode ser
observada a influência de outros componentes na produção de saúde e doença,
como a fé, atitudes positivas com relação a si mesmo e aos outros, a capacidade
de perdoar a si mesmo e aos outros, o desenvolvimento da resiliência em
situações críticas, ajudar aos outros em suas dificuldades. Esses componentes se
mostraram tão importantes que estudos sobre longevidade mostram que estas
atitudes impactam mais positivamente a qualidade de vida do que ter o colesterol
na dosagem certa.
Apesar de tão lógica, esta forma de pensar sobre saúde e doença não é
facilmente aceita pela maioria dos profissionais de saúde. Isto acontece devido o
modelo de formação aplicado nas universidades. Os profissionais de saúde são
formados dentro dos grandes hospitais e sua formação está centrada na doença
e no modelo biomédico.
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As ciências da saúde, sobretudo a medicina, aprofundam-se no
entendimento da fisiopatologia, que é o estudo de como as doenças funcionam,
mas a intensa especialização nos leva a perder a visão integral da pessoa, com
suas angústias e dúvidas, alegrias e recursos pessoais, enfim, toda a sua história.
As pessoas tornam-se segmentadas em seus vários sistemas e aparelhos e
acontece uma grande dificuldade para juntar tudo de novo, por isso não se
encontram respostas satisfatórias para a doença.
O modelo proposto é um modelo integral de saúde, com a visão da pessoa
como um todo, entendendo que mesmo em pessoas com o mesmo diagnóstico,
o seu adoecimento é diferente, porque serão experiências diferentes com
impactos diferentes nos seus corpos. Neste modelo, consideram-se as questões
sociais, familiares e comunitárias, a profissão e o trabalho exercido, as amizades
construídas, os valores e princípios consolidados na vida. O que somos, ainda o
seremos ao envelhecer, na saúde ou na doença e isto nos diferencia como
pessoas.
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implantou os primeiros centros de saúde de São Paulo, inaugurando o primeiro
ciclo de evolução da APS no Brasil. Isso é muito importante, porque estávamos
ainda na etapa da revolta da vacina, no modelo de polícia médica, com medidas
impositivas para o saneamento das epidemias. A implantação de centros de
saúde sinaliza o início da transição do modelo de polícia médica para o modelo
de educação sanitária, focando na prevenção das doenças e medidas sanitárias.
O segundo ciclo inicia-se na década de 1940 com a criação do Serviço
Especial de Saúde Pública (SESP), atualmente chamada de Fundação Nacional
de Saúde (FUNASA). O SESP foi criado em parceria entre o governo americano,
Fundação Rockefeller e governo brasileiro, com o objetivo de sanear as áreas de
interesse de exportação de borracha da Amazônia, e do minério de ferro no Vale
do Rio Doce (Renovato; Bagnato, 2010).
As ações do SESP foram tão efetivas que se estenderam para todo o
nordeste e depois para todo o Brasil. Eram inspiradas no modelo sanitarista
americano e foi pioneiro na criação de unidades de saúde de APS que articulavam
ações de assistência à saúde e de prevenção (Mendes, 2012).
O terceiro ciclo inicia-se na década de 60 e desenvolve-se nas Secretarias
Estaduais de Saúde, nas Unidades de Saúde do SESP, ampliando o modelo de
assistência, agora direcionada à atenção materno-infantil (Mendes, 2012).
O quarto ciclo acontece nos anos 1970 e já sofre influência das discussões
da Alma-Ata. Seu início acontece no Nordeste do Brasil deliberado pelo Decreto
78.307 que determina o programa de interiorização de serviços básicos de saúde
em comunidades com até 20 mil habitantes, com o objetivo de melhorar as
condições de saúde da região. O segundo artigo do Decreto delineia as ações
mais importantes, descrevendo-as como ações de saúde de baixo custo e alta
eficácia. Os chamados “mini postos” deveriam ser integrados aos sistemas de
saúde das regiões, estabelecendo uma referência regionalizada em cidades
maiores que pudessem apoiar as unidades menores e deveriam ser integradas
aos diversos organismos públicos ligados ao sistema nacional de saúde (Brasil,
1976).
Esse modelo de atuação médica e de ações básicas, foi questionado por
corporações médicas sendo julgado como sendo uma medicina pobre para
atender os pobres, medicina simplificada, porém nada mais era do que o modelo
do médico generalista em prática em muitos países desenvolvidos com ótimos
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resultados. As ações foram tão bem aceitas que o programa foi intensificado, com
aumento significativo das unidades de saúde que passaram de 1.122 em 1974,
para 13.739 em 1984 (Mendes, 2012).
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Primária, como Inglaterra, Canadá e Cuba, para a formação do modelo brasileiro
de Atenção Primária à Saúde.
A implantação do PSF juntou-se a um outro programa que foi muito
bem-sucedido, o Programa dos Agentes Comunitários de Saúde (PACS),
implantado em 1991. A primeira experiência do PACS aconteceu no Ceará em
1987, como parte de um programa para combate à seca. Este programa foi tão
bem-sucedido que teve seu modelo ampliado para todo o país.
O PSF foi ampliado rapidamente para todo o Brasil mediante parceria e
financiamento das 3 esferas governamentais. Seus resultados positivos,
sobretudo demonstrado nos indicadores de saúde, o colocaram na condição de
Estratégia de governo, passando a ser denominado desta forma a partir de 2006.
Seu objetivo é “contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da
atenção básica, em conformidade com os princípios do SUS, imprimindo uma
nova dinâmica de atuação nas Unidades Básicas de Saúde, com a definição de
responsabilidades entre os serviços de saúde e a população” (Brasil ,1997)
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entre as famílias e as equipes de saúde, formando um vínculo que em si mesmo
é terapêutico.
A APS deve ofertar um conjunto de serviços que atendam as necessidades
do usuário em vários aspectos, incluindo os aspectos da promoção, proteção e
recuperação da saúde, ou seja, uma atenção integral de acordo com cada
necessidade apresentada.
Mesmo sabendo que nem todos os problemas terão sua resolução na APS,
esta sempre será a articuladora e coordenadora dos cuidados na rede de atenção.
Para que isso aconteça, é essencial que seja criada uma estratégia de
comunicação entre os pontos da rede, para prover a APS do conhecimento
necessário das ações de saúde providas aos pacientes e assim possa dar
continuidade do cuidado.
Focalização familiar: a partir de um olhar sistêmico, considera-se que o
paciente é a família, com as suas forças e fragilidades, sua capacidade de produzir
saúde ou doença. O ser humano nasce, cresce e se desenvolve dentro de uma
construção familiar, que sendo analisada dentro do modelo sistêmico, influencia
todos os processos de saúde e doença coletivos e individuais.
Orientação comunitária: reconhece a importância do meio ambiente social
ou contexto em que vivem as famílias. A comunidade constitui-se na expressão
do coletivo construído pelo grupo ali inserido e significa de alguma forma proteção
para os que estão no seu espaço. Entender esse processo é entender a formação
de saúde e doença no foco da coletividade.
Competência cultural: corresponde a habilidade a ser desenvolvida pelas
equipes de saúde na APS, de comunicar-se com as famílias e comunidades,
dentro de suas linguagens culturais. Deve existir uma troca de saberes entre a
equipe de saúde e a comunidade atendida, de modo que a equipe se aproprie do
conhecimento ali produzido, revertendo-o numa estratégia de trabalho, produtora
de saúde.
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A resolubilidade é demonstrada na competência técnica das equipes de
saúde, na sua capacidade de dar respostas positivas às situações que se lhes
apresentam. A APS, quando resolutiva, é capaz de resolver até 90% das
demandas de saúde de uma comunidade, encaminhando apenas aquilo que foge
de sua abrangência técnica. Uma estratégia para que esse resultado seja
alcançado é a capacitação contínua das equipes, com cursos de especialização,
participação em congressos, dando preferência para contratação de profissionais
com a formação em APS. As residências são consideradas o padrão ouro da
formação técnica profissional em saúde.
A função de comunicação relaciona-se com a ordenação do fluxo na rede
de atenção. A APS deve ser capaz de comunicar-se ativamente com os outros
pontos da rede de atenção de modo a estabelecer a troca de informações sobre
o paciente atendido em vários outros pontos da rede. Esta função favorece o
acompanhamento do paciente dentro da APS.
A responsabilização pela população adscrita significa um completo
comprometimento da equipe de saúde, de modo a atuar nas diversas demandas
levantadas dentro do seu território, interagindo com os diversos setores atuantes.
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A decisão de trabalhar dentro de um determinado território foi o grande
ganho para a implantação da ESF no Brasil, sendo na verdade um dos seus
fundamentos. Este modelo de certa forma impõe a responsabilização da equipe
com uma definição de locais e tarefas específicas. O território se relaciona a
delimitação do espaço e posse da terra, ou seja, domínio do local. Apesar do
sentido ser aplicado de modo diferente, é importante entender-se que de fato é
isso que se desejou que as equipes sentissem na sua relação com a comunidade
sob sua responsabilidade, uma percepção de apropriação dos cuidados
fornecidos em consonância com os atributos da APS.
A extensão do território de abrangência da Unidade de Saúde deve ser
suficiente para que a equipe possa acessar a comunidade à pé, tanto quanto a
comunidade possa acessar os serviços de saúde caminhando no máximo por
trinta minutos. Isso significa que a área mais distante da Unidade de Saúde não
deveria ser além de três quilômetros.
No entanto, há que se atentar para outras características do território que
se relacionam à geografia local sobretudo nos territórios rurais, com poucas
modificações estruturais. É necessário saber se o território está em área terrestre
propriamente dita ou sobre rios, como acontece na Amazônia; se está em áreas
elevadas, morros ou montanhas, ou em baixadas; e quais as vias e condições de
acesso que a comunidade dispõe.
O estudo das características físicas do território encontra-se diretamente
ligadas às vulnerabilidades existentes na população que nele habita. Nesse
aspecto, inicia-se a parte mais importante da territorialização propriamente dita
que é a inclusão da análise populacional naquele território.
As pessoas moradoras das áreas de abrangências caracterizam o território.
Ali observamos seu modo de vida, os equipamentos sociais disponíveis, sejam de
origem estatal públicas como creches, Unidades de Saúde, Unidades de apoio
social, abastecimento, delegacias, ou aquelas de origem privada, como igrejas,
pequenos comércios, bares, restaurantes.
É também de vital importância o conhecimento do poder paralelo existente
na área, evidentemente sem identificação clara, mas muito presente na vida das
pessoas e que influenciam o trabalho em saúde, como é o caso do tráfico de
drogas, que infelizmente se faz presente em todas as grandes cidades.
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4.2 Atuação em equipe
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estratégias de apoio assistenciais como teleconsultoria, telessaúde, consulta
compartilhada com especialistas focais e suporte de especialidade em
ambulatório de referencia com elaboração de plano de cuidado e devolutiva para
seguimento na APS.
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A Educação Popular em Saúde configura-se como um processo de
formação e capacitação que se dá dentro de uma perspectiva política de
classe e que toma parte ou se vincula à ação organizada do povo para
alcançar o objetivo de construir uma sociedade nova de acordo com seus
interesses. Ela é caracterizada como a teoria a partir da prática e não a
teoria sobre a prática como ocorre na educação em saúde tradicional.
(Maciel, 2009)
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intencionalmente direcionada à promoção da autonomia das pessoas, à
formação da consciência crítica, à cidadania participativa e à superação
das desigualdades sociais. A cultura popular é valorizada pelo respeito
às iniciativas, ideias, sentimentos e interesses de todas as pessoas, bem
como na inclusão de tais elementos como fios condutores do processo
de construção do trabalho e da formação. (Brasil, 2012)
NA PRÁTICA
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Maria José tem um longo caminho de investigação clínica centrado no seu
sintoma e tratamentos com resultados negativos. Pergunto sobre sua história, sua
infância, sua relação com a mãe, com o pai. Nesse momento suspira e fica calada.
Digo para ela que a origem de sua dor não está no seu abdômen e sim nas
suas emoções. Ela me conta um pouco da infância sofrida, do pai chegando em
casa bêbado, da mãe que sofria violência, de ficar escondida embaixo da cama
rezando para o pai sair de casa ou dormir. Então, eu faço a pergunta que
realmente desejava fazer: “Alguma vez você sofreu molestação sexual?”.
Ela me olhou assustada e respondeu: “Nunca me fizeram essa pergunta
antes”.
Então justifico meu questionamento: “Faço a pergunta porque o seu
sintoma demonstra isso”.
Maria José cobre o rosto com as mãos e chora. Conta sua dolorosa
experiência aos 7 anos de idade e diz que nunca pensou que pudesse falar sobre
isso algum dia.
Após o atendimento, a encaminhei para psicologia e iniciei seu tratamento
para ansiedade e depressão.
FINALIZANDO
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A APS está pautada por princípios e atributos que destacamos como suas
características como ser a porta de entrada do sistema de saúde, a
longitudinalidade da atenção, ser a coordenadora dos cuidados na rede de saúde
entre outros, assumindo sempre a responsabilidade pelo cuidado integral no seu
território de abrangência. A APS de qualidade é resolutiva em até 90% ou mais
para as necessidades de saúde da população, além de considerar os aspectos
culturais da comunidade.
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REFERÊNCIAS
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