Aula 6 - Interações Medicamentosas (Terapêutica)

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INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

As interações farmacológicas são modificações na intensidade e na duração da resposta de


um fármaco, devido à ingestão simultânea de outro fármaco, álcool etílico ou determinados
alimentos. Isso pode potencializar ou reduzir os efeitos dos fármacos, com prejuízos ao
tratamento.
Nem sempre as interações medicamentosas são maléficas, visto o exemplo dos anestésicos
locais com vasoconstritores (diminuem a absorção sistêmica do anestésico, deixando este agir
por mais tempo no tecido e impedindo doses sistêmicas tóxicas). Porém algumas interações
são maléficas, e os fármacos prescritos por dentistas podem levar a problemas principalmente
em indivíduos que já fazem uso de outros fármacos para problemas sistêmicos, como os
idosos, que na grande maioria das vezes já apresentam algum tipo de alteração metabólica,
cardiovascular ou neurológica.
Na clínica odontológica é incomum a polimedicação, que consiste naquelas pessoas que
tomam 5 ou mais medicamentos (OMS=4 ou mais medicamentos com ou sem prescrição),
mas o problema é que este paciente já pode estar usando outros fármacos.
As interações farmacológicas são classificadas como farmacocinéticas, quando ocorrem
durante a absorção, distribuição, metabolização ou excreção dos fármacos, ou
farmacodinâmicas, quando se dão nos locais de ação dos fármacos envolvidos (receptores),
por meio de mecanismos pelos quais os efeitos se manifestam. Porém, existe outra
classificação, que nomeia 5 categorias de interações:
- Adição (1+1=2): interação de fármacos com mesmo mecanismo de ação e mesmo
efeito, que quando usados juntos tem efeito terapêutico aumentado. Ex: AINE+AINE
- Somação (1+1=2): interação de fármacos com diferentes mecanismos de ação, porém
com mesmo efeito, que quando usados juntos tem efeito terapêutico aumentado. Ex:
AINE + Opioide.
- Sinergismo (1+0=3): quando a interação produz uma resposta exagerada, maior que a
conseguida com ambos os fármacos administrados individualmente. Ex: Amoxicilina
+ Clavulanato.
- Potenciação (1+1=4): quando um fármaco além de ter sua ação, ainda potencializa a
ação do outro fármaco. Ex: Adrenalina + Atropina / Álcool + Benzodiazepínicos
- Antagonismo (1+1=0): interação que diminui a resposta clínica de um fármaco
quando um segundo fármaco é administrado. Ex: Cocaína + Benzodiazepínicos /
Fenoterol (agonista B) + Propanolol (Antagonista B).

1. INTERAÇÕES COM VASOCONSTRITORES


Os anestésicos locais usados na clínica odontológica são munidos de vasoconstritores
agonistas adrenérgicos (epinefrina, norepinefrina, fenilefrina). Medicações de uso esporádico
ou contínuo dos pacientes podem interagir com estes e causar efeitos adversos,
principalmente quando estes anestésicos com vasoconstritores são empregados em grandes
quantidades (muitos tubetes), empregados com uma grande concentração do vasoconstritor
ou aplicados acidentalmente na corrente sanguínea.
ANEXO: os receptores adrenérgicos são os seguintes:
Alfa1: é um receptor metabotrópico ligado a proteína Gq que promove vasoconstrição,
broncoconstrição, constrição uterina e da bexiga. Leva a aumento da pressão arterial.
Alfa2: é um receptor metabotrópico autoinibitório associado a proteína Gi, que inibe a
liberação de noradrenalina.
Beta 1: é um receptor metabotrópico ligado a proteína Gs, presente no coração, aumentando
força de contração (inotropismo), frequência cardíaca (cronotropismo) e aumenta a condução
de estímulos (dromotropismo). Leva a aumento da pressão arterial.
Beta2: é um receptor metabotrópico ligado a proteína Gs, que promove vasodilatação,
broncodilatação, relaxamento do útero e da bexiga, relaxamento do TGI.
Os fármacos que podem interagir com os vasoconstritores dos anestésicos são:
 Betabloqueadores: tem efeito anti-hipertensivo, antiarrítmico e antianginoso (regula
o O2 que chega ao coração) devido ao bloqueio dos receptores beta, alfa ou ambos.
- Não seletivos: bloqueiam B1 e B2. Ex: Propanolol
- Cardiosseletivos: bloqueiam especificamente B1. Ex: Atenolol, Metoprolol.
- De ação vasodilatadora: bloqueiam especificamente A1. Ex: Carvedilol.
Os betabloqueadores não seletivos bloqueiam os receptores beta, deixando a livre ação dos
alfas, com isso se injetado um vasoconstritor adrenérgico este pode ativar ainda mais o alfa 1
e promover a vasoconstrição que não poderá ser compensada pelo beta 2, levando a um
aumento da pressão arterial.
 Antidepressivos tricíclicos: estes são responsáveis por inibir a recaptação de
serotonina, dopamina e noradrenalina na fenda sináptica. Com isso, os níveis de
noradrenalina de pacientes que fazem uso destes já estão altos. Por isso, a associação
de um anestésico com adrenérgicos (em grande quantidade ou intravenoso) vai
aumentar ainda mais a concentração de noradrenalina. Para antidepressivos inibidores
da recaptação de serotonina isto não acontece. Exemplos destes tricíclicos são:
Amitriptilina, Imipramina.
 Anfetaminas: as anfetaminas vão causar uma maior liberação de catecolaminas
(noradrenalina) nas terminações sinápticas, além de bloquear o TNE (transportador de
noradrenalina) impedindo a recaptura desta na sinapse, aumentando os níveis destas.
Dentre estas se tem a cocaína e seu subproduto o crack. Estes devido ao aumento dos
níveis de NE, vão promover a taquicardia e o débito cardíaca, diminuindo a perfusão
coronariana (sangue presente nas veias do coração) levando a isquemia deste e
consequentemente a arritmia, angina (dor no peito) e infarto. Os efeitos dos
vasoconstritores em pacientes que fazem uso das anfetaminas podem aumentar ainda
mais a concentração de noradrenalina.
Além disso, a cocaína provoca constrição do baço e um aumento de 4-6% do número
de glóbulos vermelhos, que, uma vez na circulação, aumentam a viscosidade do sangue e o
risco de trombose. Outra coisa, é que a cocaína parece induzir uma produção maior de um
importante fator da coagulação sanguínea, o fator de von Willebrand, que aumenta em até
40%, contribuindo ainda mais para a formação de coágulos intravasculares.
Por isso, é fundamental perguntar na anamnese se o paciente faz uso destas e explicar
os efeitos que o uso destas com o anestésico pode causar.
 Fenotiazínicos: são um grupo de psicotrópicos utilizados para o tratamento de
doenças psicóticas, promovendo tranquilização leve. Como exemplos se tem:
Clorpromazina. A associação de vasoconstritores com este pode levar a uma
hipotensão ainda maior do que a causada por estes, devido a epinefrina atuar no
receptor B2 que promove vasodilatação periférica e consequente redução da pressão
arterial.
1.1. PROTOCOLO DE ATENDIMENTO
Devido a estes vasoconstritores terem muitas ações de interação negativas com outros
fármacos, é sugerido o seguinte protocolo para os possíveis pacientes que fazem uso destes
fármacos:
1) Identificar na anamnese as drogas e medicamentos que o paciente faz uso constante;
2) Documentar no prontuário clínico que o paciente foi esclarecido sobre os riscos da
interação, com a assinatura dele (especialmente no caso da cocaína);
3) Na técnica infiltrativa (técnica onde se anestesia diretamente as terminações da região
onde o procedimento ocorrerá), aplicar pequenos volumes das soluções anestésicas
contendo epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000, respeitando o limite de 2-4 tubetes,
respectivamente.
4) Nos bloqueios regionais (técnica anestésica onde se anestesia o tronco do nervo de
interesse acometendo toda a região), empregar solução com felipressina (atua somente
em vênulas e não promove ações semelhantes às da epinefrina) associada à prilocaína
3%. Nos procedimentos de curta duração, pode-se aplicar a solução de mepivacaína
3% sem vasoconstritor.
5) Seja lá qual a técnica, a injeção deve ser lenta e fazendo aspiração negativa, para
impedir que este anestésico seja injetado em via intravenosa.
6) Nas urgências odontológicas em que o paciente está sob efeito de cocaína ou crack,
avaliar a necessidade de atender este em ambiente ambulatorial ou clínico. Mas em
ambos os casos evitar anestésicos com epinefrina, norepinefrina ou fenilefrina.

2. INTERAÇÕES COM ANSIOLÍTICOS


Os benzodiazepínicos (Midazolam, Lorazepam, Diazepam, Alprazolam) podem ser
utilizados esporadicamente para a sedação mínima em consultórios odontológicos, porém
estes podem interagir com outros fármacos.
 Depressores do SNC: pacientes que fazem uso de anticonvulsivantes, hipnóticos e
outros fármacos depressores do SNC, podem ter uma depressão muito grande deste se
usarem os benzodiazepínicos, sendo recomendado que o cirurgião dentista converse
com o médico deste.
 Álcool etílico: toda prescrição de benzodiazepínicos, mesmo quando utilizados em
dose única ou por período restrito, deve ser acompanhada de um alerta* quanto aos
riscos de interação com o álcool etílico, que deve ser proibido pelo período de 24 h
antes e 24 h após o uso da medicação. Tal recomendação se deve ao fato de que essa
interação pode provocar uma depressão pronunciada do SNC.
3. INTERAÇÕES COM ANALGÉSICOS
Dentre as interações com analgésicos (paracetamol e dipirona) se tem:
- Paracetamol: já foi comprovado o grande efeito hepatóxico deste, devendo sua
prescrição ser evitada para pacientes que fazem uso de álcool etílico (outra substância
hepatotóxica) e com nimesulida (também hepatotóxica). Além disso, este não pode
ser prescrito com a Varfarina (anticoagulante oral), pois este vai atuar nas enzimas do
complexo P450 aumentando a biodisponibilidade desta última podendo levar a
hemorragias.
- Dipirona: não se encontraram interações com este analgésico, podendo no máximo
intensificar os efeitos do álcool etílico.

4. INTERAÇÕES COM AINES


Os anti-inflamatórios não esteroidais usados comumente na clínica odontológica para
controle da dor e do edema, apesar da boa margem de segurança, podem interagir com alguns
medicamentos:
 Anticoagulantes: são medicamentos utilizados para prevenir tromboembolias devido
a atuação nos fatores da coagulação, evitando infartos devido a trombos. O principal é
a Varfarina. AINEs não devem ser utilizados pois tem alta taxa de ligação as proteínas
plasmáticas, competindo com a Varfarina e aumentando sua concentração na forma
livre podendo resultar em hemorragias no tratamento odontológico.
 Antiagregantes plaquetários: AINEs por meio de sua ação nas enzimas COX
bloqueiam a síntese de tromboxanas (agregantes plaquetários). Com isso, não deve
utilizar este com outros antiagregantes como a Aspirina e o Clopidogrel, devido ao
risco de hemorragias. Deve se optar por esteroides ou pela Dipirona.
 Anti-hipertensivos: tanto os inibidores da Enzima conversora de angiotensina
(Captopril, Enalapril), quanto os diuréticos (Furosemida, Hidroclorotiazida) e os
betabloqueadores (Propanolol, Metoprolol), que reduzem a pressão arterial tem
alguma influência das Prostaciclinas (PGI), que são bloqueadas pelos AINEs podendo
levar a complicações na hemostasia renal e aumentar a pressão. Com isso, deve-se
optar por conversar com o médico endocrinologista deste paciente ou utilizar
corticosteroides tópicos.
 Hipoglicemiantes orais: devido aos AINEs terem alta taxa de ligação a albumina,
podem deslocar estes hipoglicemiantes (Glibenclamida), causando quadros de
hipoglicemia exagerados. Deve-se conversar com o endocrinologista ou prescrever
corticosteroides.

5. INTERAÇÕES COM ANTIBACTERIANOS


Os dentistas têm acesso a um curto espectro de antibacterianos, porém estes podem
apresentar interações com alguns medicamentos:
 Álcool etílico: o etanol muitas vezes é indicado como algo que “corta o efeito dos
antibacterianos”, isso ocorre porque o álcool estimula diretamente as membranas do
aparelho digestório promovendo aumento da produção do HCl e peristaltismo do
estômago e intestino provocando vômitos e diarreias, atrapalhando a absorção dos
antibacterianos.
 Efeito dissulfiram: alguns antibióticos como o Metronidazol, a Ampicilina e algumas
cefalosporinas tem a capacidade de causar efeito dissulfiram por se ligarem as
proteínas plasmáticas liberando o acetaldeído (metabólico do álcool), que em grandes
concentrações causará uma sensação iminente de morte com os seguintes sintomas:
palpitações, queda da pressão arterial, dor no peito, dificuldade respiratória,
vermelhidão da face e pescoço, náuseas, vômitos e transpiração excessiva. Este efeito
dissulfiram não é grave, mas pode ser usado para as pessoas pararem de beber.
Quando houver necessidade da prescrição de antibióticos que, em conjunto com o
álcool, possam promover intoxicação aldeídica ou “efeito dissulfiram”, deve-se acrescentar
no corpo da receita: “não ingerir bebidas alcoólicas por até 48 h após o término do
tratamento, pelo risco de efeitos tóxicos”.
 Hepatotoxidade: a Azitromicina e a Eritromicina já são hepatotóxicas, então se
consumido o álcool com estas pode se aumentar ainda mais a hepatotoxicidade.
 Aumento da diurese: o álcool causa o aumento da diurese por meio da inibição da
vasopressina (hormônio antidiurético). Com isso, este pode atrapalhar a ação de
antibacterianos que precisam de concentrações plasmáticas estáveis para impedirem o
crescimento bacteriano e matar estas.
 Contraceptivos orais: os antibacterianos podem interagir com estes provocando uma
diminuição no efeito contraceptivo, sendo aconselhável seguir o seguinte protocolo
em caso de pacientes que façam uso destes contraceptivos e precisem iniciar uma
terapia com antibióticos:
1) Informar a paciente sobre o risco potencial de redução de efetividade do CO pelo uso
concomitante com antibióticos.
2) Sugerir que a paciente procure seu médico para receber orientações sobre outros
métodos de contracepção adicionais (não hormonais).
3) Mostrar a importância de a paciente aderir ao tratamento proposto.
Também recomendam que as pacientes devam assinar um termo de esclarecimento e
responsabilidade, em duas vias, atestando estarem cientes dos riscos da interação quanto a
uma possível gravidez não planejada, com uma delas sendo anexada ao prontuário clínico.
 Carbonato de lítio: o lítio é um cátion monovalente, indicado para transtornos
bipolares (doença maníaco-depressiva), cujo tratamento exige a monitorização
constante de suas concentrações sanguíneas, pelo seu baixo índice terapêutico (doses
um pouco maiores podem levar a efeitos tóxicos). Antibacterianos como o
Metronidazol e as Tetraciclinas podem ter relação com o aumento da concentração
deste no sangue, não sendo recomendados.
 Varfarina: é um anticoagulante oral bastante empregado pelos cardiologistas, que
age como antagonista da vitamina K, mas que também possui baixo índice
terapêutico, exigindo constante monitoramento de suas concentrações sanguíneas.
Assim, a administração concomitante de outras substâncias como os antibacterianos
Metronidazol, Eritromicina e Claritromicina pode levar a um aumento da atividade
anticoagulante, acarretando hemorragia.
 Digoxina: a digoxina, também conhecida como digitálico, é utilizada no controle de
doenças cardíacas, como arritmias e doença cardíaca congestiva. Entretanto, pode
apresentar interações medicamentosas com a Claritromicina. O uso concomitante de
Eritromicina ou Claritromicina pode promover a diminuição da microbiota intestinal,
elevando os níveis sanguíneos da digoxina e causando toxicidade no paciente. Cogita-
se também que a claritromicina interfira na excreção renal da digoxina, elevando o
seu nível e levando a sintomas como distúrbios de visão e arritmias cardíacas.

6. INTERAÇÃO COM FITOTERÁPICOS


Os medicamentos fitoterápicos por serem considerados naturais, normalmente tem uso
indiscriminado pela população, porém por conterem vários princípios ativos podem acontecer
interações fitoterápico-medicamento. A erva de são joão, ginseng, podem afetar no efeito
anticoagulante da Varfarina, provocando hemorragias em procedimentos cirúrgicos
odontológicos.

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