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Estudos de Psicologia (Natal)&

! Sumário
"
Resumo Texto (PT) # PDF
Dossiê: Práticas psicológicas em
instituição: atenção, desconstrução e
invenção • Estud. psicol. (Natal) 9 (2) •
Ago 2004 •
https://doi.org/10.1590/S1413-
294X2004000200021

%COPIAR
$Considerações
sobre as
significações da
psicologia clínica na
contemporaneidade
%
Considerations on the
meanings of clinical
psychology in our times

Elza Dutra
SOBRE O AUTOR

Resumos
Este artigo considera a evolução de
significados e conceitos da Psicologia
Clínica e suas implicações para as
ações do psicólogo dessa área. Para
isso baseia-se no pensamento feno-
menológico e nas idéias de alguns es-
tudiosos da psicologia, na tentativa de
melhor compreender as mudanças
ocorridas nos saberes e fazeres do
psicólogo clínico. A análise empreendi-
da confirma a importância do compro-
misso social do psicólogo na sua práti-
ca e sugere que a postura clínica re-
pousa não só na formação teórico-téc-
nica, mas, sobretudo, na ética da escu-
ta do não-dito e do interditado.

psicologia clínica; clínica fenomenoló-


gica; compromisso social; escuta clíni-
ca; ética

The aim of this article is to discuss the


evolution of the meanings and con-
cepts of Clinical Psychology and its im-
plication for the psychologists in this
area. The discussion is based on the
concepts of the phenomenological ap-
proach and the ideas of authors in Psy-
chology and leads to a better unders-
tanding of the changes that have taken
place on psychological knowledge and
practices. Such analysis points to the
relevance of social commitment from
the clinical psychologist and suggests
that the accomplishment of his work
lies not only on a proper theoretical
and technical knowledge, but above all
on an ethical attitude regarding the lis-
tening of what is unsaid and censored.

clinical psychology; clinical phenome-


nology; social commitment; clinical lis-
tening; ethics

ESPECIAL DOSSIÊ

Considerações sobre as significações


da psicologia clínica na contempora-
neidade

Considerations on the meanings of


clinical psychology in our times

Elza Dutra

Universidade Federal do Rio Grande


do Norte

Endereço para correspondência

RESUMO

Este artigo considera a evolução de


significados e conceitos da Psicologia
Clínica e suas implicações para as
ações do psicólogo dessa área. Para
isso baseia-se no pensamento feno-
menológico e nas idéias de alguns es-
tudiosos da psicologia, na tentativa de
melhor compreender as mudanças
ocorridas nos saberes e fazeres do
psicólogo clínico. A análise empreendi-
da confirma a importância do compro-
misso social do psicólogo na sua práti-
ca e sugere que a postura clínica re-
pousa não só na formação teórico-téc-
nica, mas, sobretudo, na ética da escu-
ta do não-dito e do interditado.

Palavras-chave: psicologia clínica;


clínica fenomenológica; compromisso
social; escuta clínica; ética.

ABSTRACT

The aim of this article is to discuss the


evolution of the meanings and con-
cepts of Clinical Psychology and its im-
plication for the psychologists in this
area. The discussion is based on the
concepts of the phenomenological ap-
proach and the ideas of authors in Psy-
chology and leads to a better unders-
tanding of the changes that have taken
place on psychological knowledge and
practices. Such analysis points to the
relevance of social commitment from
the clinical psychologist and suggests
that the accomplishment of his work
lies not only on a proper theoretical
and technical knowledge, but above all
on an ethical attitude regarding the lis-
tening of what is unsaid and censored.

Keywords: clinical psychology; clinical


phenomenology; social commitment;
clinical listening; ethics

Neste artigo pretendemos abordar al-


guns aspectos pertinentes à área da
Psicologia Clínica enquanto um campo
de produção de saberes e da prática
do psicólogo. Tomamos como ponto de
partida a evolução histórica deste cam-
po de atuação, ancorando as nossas
argumentações em estudos desenvol-
vidos por autores brasileiros que se
debruçaram sobre as mudanças ocorri-
das nessa área nos últimos anos. Ao
mesmo tempo, fazemos considerações
acerca de algumas noções pertinentes
à prática clínica, como a escuta clínica,
sofrimento psíquico, subjetividade e a
possibilidade de aplicação dessa di-
mensão da psicologia aos novos cam-
pos de atuação do psicólogo na con-
temporaneidade, fundamentando as
nossas considerações em idéias e
concepções originadas tanto no campo
da psicologia, quanto no pensamento
fenomenológico, através das idéias de
Martin Heidegger.

A maior inspiração para este trabalho


nasceu da atividade clínica de plantão
psicológico desenvolvida no Pronto-
Socorro (PS) do maior hospital da rede
pública do Rio Grande do Norte, atra-
vés de um projeto de extensão, em
funcionamento há quatro anos. A partir
de então, temos pensado nas transfor-
mações e evoluções do conceito e sig-
nificados da Psicologia Clínica, até os
dias atuais. E isto ocorre pelo fato de
vermos ações como a que nos referi-
mos, num setor de urgência e emer-
gência de um grande hospital público,
se caracterizarem como eminentemen-
te clínicas, ainda que extremamente
distantes do modelo tradicional de
como ainda hoje é representada essa
área de atuação. O que é possível se
justificar, desde já, pelas intensas e
significativas transformações pelas
quais a Psicologia Clínica, enquanto
campo de atuação e saber do psicólo-
go, tem atravessado, implicando, mui-
tas vezes, uma verdadeira desconstru-
ção do que se representava e se con-
ceituava como Psicologia Clínica.

Muitos autores brasileiros, entre os


quais Féres-Carneiro (1993), Féres-
Carneiro e Lo Bianco (2003), Guedes
(1992), Lo Bianco, Bastos, Nunes e
Silva (1994) vêm apresentando e dis-
cutindo, de forma mais extensa, aspec-
tos significativos presentes nas mu-
danças ocorridas nessa área da psico-
logia. Entre estas, podemos apontar,
por exemplo, a necessidade de se con-
siderar o contexto social, alterações
conceituais a respeito da valorização
do individual e intrapsíquico, tão criti-
cado nos primórdios da psicologia no
Brasil, entendendo-se que, na atualida-
de, a Psicologia Clínica, como bem
afirma Féres-Carneiro (2003), "mostra
uma área consolidada que se espraia
por inúmeros domínios" (p. 116).

A despeito da ampliação da Psicologia


Clínica, referida anteriormente pela au-
tora citada, observamos, principalmen-
te ao longo do trabalho que vem se
desenvolvendo no Pronto-Socorro (PS)
ao qual nos referimos antes, que a prá-
tica clínica em instituições hospitalares
continua sendo alvo, desde que o psi-
cólogo adentrou nesse espaço, de po-
lêmicas e discussões a respeito da via-
bilidade de aplicação das atividades
clínicas nessas instituições e, principal-
mente, num PS. Tais discussões têm
levado os profissionais da área a um
esforço permanente no sentido de ca-
racterizar e diferenciar, sobretudo, a
psicologia clínica, da hospitalar. Para
ilustrar o que acabamos de dizer, basta
ver o grande número de produções
teóricas a respeito do assunto, de au-
tores que transitam teórica e metodolo-
gicamente e vale dizer, com desenvol-
tura, nas duas áreas, como, por exem-
plo, Angerami (1985; 2002a; 2002b;
2003).

Na maioria das vezes, o discurso que


permeia tais discussões ampara-se e
fundamenta-se num entendimento da
clínica identificada somente pela práti-
ca de psicoterapias de longa duração,
consultório privado, etc. Questiona-se
se tais atividades, próprias da clínica,
seriam viáveis num contexto como a
instituição hospitalar e mais especifica-
mente, no PS, cujas principais caracte-
rísticas são a imprevisibilidade e o inu-
sitado. E com tal cenário em vista,
como se configurariam, então, o set-
ting terapêutico, assim como a psicote-
rapia e o diagnóstico, entre outras ati-
vidades pertinentes à área da psicolo-
gia clínica? E, acima de tudo, o que
queremos dizer quando nos referimos
à escuta clínica, e como esta se dife-
rencia das demais formas de interven-
ção do psicólogo nos diversos campos
de atuação? São questionamentos
dessa natureza que nos conduziram a
este artigo, o qual pretende discutir,
embora sem a pretensão de aprofun-
dar a questão da evolução da Psicolo-
gia Clínica, o que, de certa forma, já
vem sendo feito por alguns dos auto-
res antes citados. Ao contrário, as re-
flexões e considerações desenvolvidas
aqui visam, principalmente, alimentar o
debate já posto em evidência nos mei-
os acadêmicos acerca dessa temática,
ao discutir questões pertinentes ao as-
sunto em foco. Com tal objetivo em
mente, é importante nos determos em
certos aspectos que traduzem algumas
das significações da Psicologia Clínica,
o que, inevitavelmente, implica uma
perspectiva de desconstrução e rein-
venção do modelo clínico tradicional.

Das concepções de clínica na psicolo-


gia

Alguns aspectos marcaram a origem


da psicologia clínica e suas represen-
tações, ao longo da história da Psicolo-
gia. Começando pela etimologia do
termo clínica, que nos remete ao signi-
ficado de à beira do leito, deixando cla-
ra a influência do modelo médico nesta
área de conhecimento e campo de atu-
ação do psicólogo, e tendo como foco
de atenção, a compreensão e o trata-
mento da doença. A influência desse
modelo teve um papel fundamental na
práxis do psicólogo no contexto da clí-
nica. Além disso, em termos de repre-
sentação social do psicólogo clínico, a
função deste tem se aproximado da-
quela exercida pelo médico. Por exem-
plo, é possível se constatar, ainda
hoje, no cotidiano da prática clínica,
que muitos procuram esse profissional
com a disposição de apresentar o seu
sofrimento, problema ou o que quer
que seja que assim se apresente. E,
ao final, esperar uma solução rápida e
eficaz, que atenda à cura do seu mal
psíquico, aproximando um sofrimento
que é da ordem do psicológico e do
simbólico, à doença do físico, e que
poderia ser tratado através da prescri-
ção de uma medicação adequada,
como o faz o médico. Isto se não qui-
sermos falar, igualmente, de outra ima-
gem, estereotipada, porém representa-
tiva deste profissional, considerado
como aquele que trata de "doentes
mentais", o que, na maioria das vezes,
torna-se um fator de impedimento ao
se buscar este profissional quando
dele se necessita. Não se pode negar,
além de tudo, a influência que a área
médica legou ao psicólogo clínico, no
que respeita ao status social, tão evi-
dente nessa área de atuação, consti-
tuindo-se, ainda hoje, num dos princi-
pais atrativos para aqueles que alme-
jam uma formação clínica em psicolo-
gia.

É possível nos referirmos a uma con-


cepção de clínica tradicional ou clássi-
ca, como propõem Lo Bianco et al.
(1994), contrapondo-se a uma outra
forma de se pensar a Psicologia Clíni-
ca, que surge sob a denominação utili-
zada por esses autores como tendên-
cias emergentes. Nesse sentido, al-
guns estudos têm sido desenvolvidos
com o objetivo de caracterizar as práti-
cas clínicas, principalmente aqueles
empreendidos pelo Conselho Federal
de Psicologia /CFP (1988). Lo Bianco e
colaboradores apresentam como prin-
cipais características da Psicologia Clí-
nica tradicional algumas atividades
como: psicodiagnóstico e/ou terapia
individual ou grupal; atividades exerci-
das em consultório particular, em que o
psicólogo se apresenta como autôno-
mo ou profissional liberal, atendendo,
geralmente, a uma clientela financeira-
mente abastada. Além disso, tal ativi-
dade priorizaria o enfoque intrapsíqui-
co e os processos psicológicos e psi-
copatológicos do indivíduo, norteada
por uma concepção de sujeito abstrato
e descontextualizado historicamente.
Esta mesma constatação é feita e dis-
cutida por Figueiredo (1996), o qual
nomeia esta representação social do
psicólogo clínico como confusões.

Por sua vez, as práticas clínicas emer-


gentes ou atuais, melhor dizendo,
apontariam para um maior interesse e
preocupação com o contexto social.
Isto implica significativas alterações na
concepção de sujeito e, conseqüente-
mente, novas interpretações das teori-
as psicoterápicas. A nova concepção
de clínica na psicologia passa, então, a
buscar uma articulação mais concreta
entre a clínica e o social. Podemos di-
zer que o novo fazer clínico inclui uma
análise do contexto social em que o
indivíduo está inserido. O referencial
teórico, assim, deixa de ocupar o espa-
ço de principal norteador da prática,
que passa a ser ocupado pelo compro-
misso ético do psicólogo. É nesta dire-
ção que se dirigem as opiniões de Fé-
res-Carneiro e Lo Bianco (2003), ao
dizerem que as mudanças na Psicolo-
gia Clínica não ocorrem apenas no que
se refere à sua abrangência de aplica-
ções. Estas importam, principalmente,
às próprias concepções de sujeito, ob-
jeto dessa área da psicologia. E nisso
se incluem noções teóricas como sub-
jetividade, individualidade, etc.

Tais considerações sugerem que ado-


tar, na clínica, uma dimensão mais
concreta do contexto social implica
modificações nos referenciais teóricos
que ancoram as práticas clínicas, prin-
cipalmente no que se refere à noção
de subjetividade. É nesta direção que
se percebe o crescimento de uma ten-
dência na Psicologia Clínica, a qual se
centraria na ênfase de uma concepção
de subjetividade resultante de uma
construção social e histórica. Assim,
modifica-se a noção de sujeito e, com
ela, a postura diante do ato clínico. Tal
movimento em direção ao contexto so-
cial constitui-se num movimento teóri-
co-metodológico até então pouco pen-
sado no âmbito da Psicologia Clínica
tradicional. E surge da necessidade de
construção de um saber que reflita,
também, a realidade brasileira, e que
possa problematizar as práticas até
então ainda não pensadas na dimen-
são sócio-cultural.

Segundo pesquisa do Conselho Fede-


ral de Psicologia (CFP) 1 realizada
com psicólogos brasileiros, o que mais
caracterizou a saída da clínica do seu
modelo tradicional foi a sua inserção
na saúde pública, com o psicólogo clí-
nico passando a atuar em hospitais e
ambulatórios gerais e psiquiátricos,
nas unidades básicas de saúde, nas
escolas, creches e organizações, onde
são empreendidas ações de saúde.
Posteriormente, com a criação do
SUS, Sistema Único de Saúde, o psi-
cólogo passou a se inserir na rede pú-
blica de saúde. No entanto, ainda era
possível, naquele momento, se obser-
var que a prática exercida nesse con-
texto e, não raro, ainda nos dias atu-
ais, reproduzia o modelo clínico clássi-
co. Por outro lado, é válido lembrar
que tal não acontece somente com o
psicólogo, mas também com toda a
equipe de saúde, de uma maneira ge-
ral, cujos profissionais ainda não rece-
bem uma formação curricular adequa-
da e direcionada para a prática no sis-
tema público de saúde. Basta ver que,
somente agora, alguns cursos de me-
dicina têm empreendido alterações
curriculares visando à atuação do pro-
fissional médico no sistema público de
saúde, como é o caso, por exemplo,
do curso de medicina na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).

A despeito do que acabamos de men-


cionar, as novas aplicações das práti-
cas clínicas, principalmente aquelas
desenvolvidas nas unidades básicas
de saúde, já caminham no sentido de
envolver uma nova concepção de clíni-
ca psicológica, a qual passa a consti-
tuir-se, baseados em estudos do Con-
selho Regional de Psicologia-6ª região
(CRP-06) 2 , também, por

ações de baixa complexi-


dade, ampliando-se, as-
sim, para uma percepção
da clínica não como sinô-
nimo de ações psicoterá-
picas especializadas, mas
como manejos que previ-
nem as necessidades dos
mesmos ou que visam à
promoção da saúde. (Bi-
anco et al., 1994, p. 41)

Nessa nova concepção de clínica psi-


cológica, entende-se que o ato clínico
deve ser contextualizado e refletido,
onde quer que este se realize ou onde
quer que a clientela esteja. É preciso
evitar abstrair o ser humano do contex-
to em que ele vive; no entanto, consi-
derar o indivíduo no seu contexto não
acontece quando o vemos com um psi-
quismo universal. A clínica contextuali-
zada não significa somente considerar
o que se encontra em torno da cliente-
la, tal como o local e tipo de clientela
(baixa renda, etc.) ou modus operandi.
Envolve, sobretudo, uma postura dian-
te do ser humano e sua realidade soci-
al, exigindo, portanto, "uma capacida-
de reflexiva continuamente exercitada
em relação à própria prática", como
bem o dizem Lo Bianco et al. (1994, p.
56).

Repensando as noções de sujeito,


subjetividade e fenômeno psicológico

Esta nova forma de se olhar a clínica


nos leva a reconhecer, antes de tudo,
que a Psicologia Clínica, ou as práticas
clínicas, de uma maneira geral, são
vistas sob óticas diversas e de acordo
com o campo epistemológico que as
fundamentam. A esse respeito, Gomes
(2003) já afirmara que "cada epistemo-
logia traz em seu bojo sua própria teo-
ria de verdade e estamos novamente
lançados nas agruras das ideologias e
das retóricas" (p. 52). Para Lévy
(2001), reafirmando o mesmo pensa-
mento, as práticas clínicas

devem ser avaliadas em


função das posições filo-
sóficas e ideológicas em
relação às quais elas se
definem e diferenciam;
são essas posições fun-
damentais que lhes dão
sentido, sendo em relação
a elas que se situam os
pontos de ruptura. (p.57)

O campo da clínica, por outro lado,


traz à tona a questão sobre o que seja
o fenômeno psicológico, a subjetivida-
de ou mundo interno, ao qual nos refe-
rimos quando nomeamos a dimensão
objeto desse campo de atuação. E dar
um nome a essa dimensão tem sido
problemático. Bock (2001) desenvol-
veu estudos nessa direção e verificou
a diversidade de significados e defini-
ções que o fenômeno psicológico rece-
bia dos psicólogos. E conclui afirman-
do que "o mundo psicológico é um
mundo em relação dialética com o
mundo social" (p. 23).

Assim, urge uma redefinição do que


seja fenômeno psicológico. Já não
cabe a concepção de mundo inter-
no/externo, subjetivo/objetivo, etc., po-
sição já defendida antes por filósofos
como Merleau-Ponty e Martin Heideg-
ger. E agora se revelam através das
novas direções para onde se movi-
mentam as atuais tendências nesse
campo, principalmente pelos represen-
tantes da psicologia crítica. Embora
não se possa negar que as teorias psi-
coterápicas, na sua maioria, trazem,
em seu bojo, a consideração da di-
mensão social, ao conceberem a sub-
jetividade como constituída através
dos vínculos com o outro, ainda cons-
tata-se a prevalência do olhar que en-
fatiza os processos internos, subjetivos
e intrapsíquicos. É possível citar algu-
mas dessas perspectivas, as quais,
segundo González-Reys (2001), ainda
que contemplem este social, fragmen-
tam e supervalorizam um espaço soci-
al específico, tal como os vínculos, re-
ferindo-se à psicanálise; a família, na
terapia sistêmica, ou supervalorizam o
outro individual, nas abordagens hu-
manistas. Por outro lado, Figueiredo
(1996) já afirmara a sua convicção so-
bre a dispersão teórico/prática da psi-
cologia. São lugares epistemologica-
mente diversos e, muitas vezes, an-
tagônicos, dos sistemas teóricos que
compõem o campo de saber da psico-
logia.

Seria preciso, então, desconstruir o


modelo tradicional de clínica, ao qual
vimos nos referindo. E desconstruir, no
nosso entender, significa, antes de
tudo, uma mudança no campo episte-
mológico. Tal mudança poderia dar lu-
gar a um olhar mais amplo, ao permitir
que o psicólogo clínico pense o sujeito
diante dele como aquele que se consti-
tui no mundo, numa relação com o
mundo natural e social; mundo este
que, ao mesmo tempo em que o cons-
titui, também é constituído por ele.
Adotar uma nova perspectiva de clíni-
ca significa absorver uma postura atra-
vés da qual se expresse um posiciona-
mento ético e político. Como diz Bock
(2001), "trabalhar para aliviar o sofri-
mento psicológico das pessoas exigirá
do psicólogo um posicionamento ético
e político sobre o mundo social e psi-
cológico" (p. 260). Assim, não importa
em que lugar ou espaço o ato clínico
aconteça, seja no âmbito privado ou
público, numa relação diádica, grupal
ou coletiva. Este será sempre um fazer
psicológico que se pautará em concep-
ções teóricas e metodológicas que re-
fletirão essa postura diante do sofri-
mento ou fenômeno psicológico que se
coloca diante dele. Melhor dizendo, o
ato clínico se pautará muito mais por
uma ética do que por referenciais teóri-
cos fechados. É nessa direção que Fi-
gueiredo (1996), propõe um sentido
diferente para a ética, de acordo com a
etimologia do termo éthos, no que se
relaciona com o habitar, com a mora-
da, ao afirmar que,

O homem é arremessado
num mundo, que ele não
escolheu, e aí ele é como
3 a abertura ao que

deste mundo lhe vem ao


encontro, ou seja, ele
existe no sentido preciso
de ser fora de si mesmo,
de "ser o seu fora", vale
dizer, de ser-no-mundo.
Nessa expressão, "no
mundo" não indica um lu-
gar em que se é, mas o
próprio modo-de-ser do
homem. (p. 44)

Para esse autor, a ética, neste sentido,


remeteria para a dimensão humana do
si-mesmo, tal como pensado por Hei-
degger (1999), ou seja, para a dimen-
são da experiência, do conhecido e do
não-conhecido, o qual não poderá ser
previsto, conhecido na sua totalidade e
que se apresenta ao homem na sua
condição de existência.

Por outro lado, não restam dúvidas de


que o referencial teórico do psicólogo
clínico constitui-se numa das ferramen-
tas com as quais ele constrói o espaço
da clínica. Porém, ao mesmo tempo
em que necessita desse referencial
para visualizar a queixa, problema ou
sofrimento do indivíduo, ele precisa se
afastar desse mesmo referencial para
poder enxergar a singularidade do su-
jeito, sem correr o risco de impor o seu
saber sobre ele. Com isso, entendem-
se como as noções de sujeito, subjeti-
vidade e as concepções teóricas que
embasam o fazer clínico, norteiam esta
ação. Tal modo de pensar nos faz con-
siderar a subjetividade como um espa-
ço individual cujas significações sociais
constituem a história pessoal desse
sujeito e os sentidos que ele atribui ao
mundo. Desse modo, acolher o outro
no seu sofrimento subjetivo, conside-
rando a dimensão social, significa a
des-reificação da sua natureza univer-
sal, ao se considerar o sofrimento
como um momento do sujeito, com
sentidos e significações diferentes
para cada um, e de acordo com o seu
modo de ser e de viver, não conduzin-
do, necessariamente, a uma patologia.
O que significa dizer que a prática clí-
nica tem lugar sempre que o sofrimen-
to do sujeito cria uma demanda, mas
não necessariamente quando se insta-
la uma patologia. Com esse raciocínio
é possível, agora, considerar que o
que caracteriza a prática clínica não
pode reduzir-se nem ao lugar, consul-
tório; nem ao número de sujeitos ou a
sua classe econômica; nem à técnica
utilizada ou à patologia diagnosticada.
O diferencial da escuta clínica encon-
tra-se na qualidade da escuta e acolhi-
da que se oferece a alguém que apre-
senta uma demanda psíquica, um so-
frimento, para um outro que se propõe
a compreender esta demanda. Repre-
senta uma determinada postura diante
do outro, entendendo-o como sujeito
que pensa, sente, fala e constrói senti-
dos que se expressam, se criam e se
modificam nessa relação de subjetivi-
dades, num determinado mundo e num
certo momento das suas histórias. Sig-
nifica, como diz González-Reys (2001),
"outorgar à psicoterapia um lugar dife-
rente dentro de outros campos de ativi-
' dade profissional do psicólogo" (p.
212).

Para Figueiredo (1995), a visão da clí-


nica seria o espaço da escuta do ex-

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